Por que não há pinguins no hemisfério Norte: uma perspectiva histórica das extinções Fernando Fernandez Todo mundo fala em espécies em extinção, mas afinal, que espécies realmente se extinguiram ? • Raras pessoas tem noção de quantas e quão valiosas espécies foram extintas historicamente pelo homem. • Números: – são difíceis de interpretar: o que quer dizer uma espécie ? – tem importância obscura: o que são 50 estinções se não se sabe quantas espécies de aves há ? – são frios, não dão idéia do que seria, viva, cada espécie. • Os relatos abaixo se referem todos a extinções globais, só nos últimos 500 anos, de espécies representadas em em museus e onde o papel do homem é indiscutível. • Uma imagem vale mais que mil palavras: as figuras vem do fantástico trabalho de Peter Schouten, que passou quatro anos pintando em tamanho natural 103 espécies cuja aparência era cientificamente conhecida. 1500 - Moa das montanhas (Megalapteryx didinus) O último dos moas • Será que os Moas ainda estavam vivos quando os colonizadores britânicos chegaram ? • Dez das onze espécies de moa se extinguiram em ca. 300 anos após a chegada dos Maoris • O Moa das montanhas, de habitat mais remoto na Ilha Sul, estava vivo em 1500 e talvez até em 1642, quando Abel Tasman “descobriu” a Nova Zelândia • Relativamente pequeno (34 Kg), Megalapteryx didinus é o moa melhor conhecido, por causa de muitos corpos mumificados encontrados. 1681 - Dodo (Raphus cucullatus) Um novo olhar sobre a extinção do Dodo • Subfósseis revelam que muitas das ilhas do Mundo tinham aves bizarras, quase todas extintas a partir da colonização do Pacífico a partir de 3200 aa • Maurício era o único arquipélago subtropical que conservava uma fauna intacta em 1500; ao ser descoberto o Dodo já era um relicto • Interpretação tradicional da extinção: caça da grande ave (> 25 Kg) por marinheiros portugueses e holandeses • Novas evidências sugerem que o Dodo aguentou várias décadas de caça, mas sucumbiu rapidamente após a introdução de macacos (Macaca fascicularis) em Maurício. 1768 -Vaca marinha de Steller (Hydrodamalis gigas) O rápido fim da dócil vaca-marinha de Steller • Fora as baleias, a vaca-marinha de Steller era o maior mamífero sobrevivente em tempos modernos (8 m) • Extinto no litoral da Ásia 2000 aa, H. gigas sobreviveu nas Ilhas Commander (Mar de Behring) onde foi descoberto por Steller em 1741 • Eram sociais e inteligentes, com impressionante solidariedade: “quando um deles era arpoado, todos os outros tentavam resgatá-lo e evitar que fosse puxado para o seco fazendo um círculo à volta dele... alguns colocavam a si mesmos nas cordas... um macho veio dois dias seguidos para sua fêmea morta na costa” • Caçados para comida, óleo e peles, as vacas-marinhas de Steller foram extintas 27 anos depois de descobertas. 1800 – Antilope azul (Hippotragus leucophaeus) Um antílope azul ? • O “bluebuck” era um dos mais majestosos cervídeos da África; a cor vinha de uma mistura de pelos negros e amarelos. • Tinha tido ampla distribuição na África, mas quando encontrado pelos europeus já estava restrito ao sul do continente, devido provavelmente à competição com ovelhas nos últimos 1500 anos • Os europeus, a partir do século XVIII, trouxeram caça, perda de habitats para agricultura e mais competição com espécies domesticadas • O bluebuck se extinguiu décadas depois (ca. 1800). 1844 – Grande alca (Pinguinus impennis) Por que não há pinguins no hemisfério Norte ? • Porque o homem extinguiu os que havia lá. • Mais precisamente, a grande alca (Alcidae, Charadriiformes) foi a ave originalmente chamada pinguim, e equivalente ecológico no hemisfério Norte dos pinguins atuais • Caçada para comida e isca para peixes, a alca declinou rapidamente nos séculos XVI a XIX • Em 3 de junho de 1843, um grupo de marinheiros descobre o último casal de grandes alcas na ilha de Eldey... 1864 - Arara vermelha de Cuba (Ara tricolor) Por que não há araras em Hispaniola, Jamaica ou Cuba ? • De acordo com relatos dos primeiros colonizadores, araras eram comuns nas ilhas de Cuba, Hispaniola e Jamaica no século XVI. Apesar do seu nome específico, a arara de Cuba era um animal muito bonito. • Eram caçadas para comida assim como para utilização como animais de estimação. • Embora em Hispaniola e Jamaica as araras tivessem se extinto antes, em Cuba sobreviveram até 1864. 1870 – Kawekaweau (Hoplodactylus delcourti) O misterioso kawekaweau, da lenda para a realidade • Uma lenda maori dizia que o kawekaweau, um grande lagarto com listras vermelhas, tão grosso quanto o braço de um homem, habitava em tempos históricos a Nova Zelândia. • O chefe dos Urewera teria visto pela o kawekaweau pela última vez em 1870. • Na ausência de evidências científicas, o kawekaweau foi considerado uma lenda por mais de um século. • Em 1986, pesquisadores acharam um grande lagarto taxidermizado no museu de Marselha, sem procedência. • O lagarto correspondia à descrição do kawekaweau, e estudos filogenéticos mostraram que era proximamente aparentado a lagartos menores da Nova Zelândia. • A extinção provavelmente foi devida à ação de gatos, ratos e doninhas introduzidas. 1874 – Raposa voadora grande de Palau (Pteropus pilosus) Um morcegão de olhar triste • Uma raposa voadora de tamanho mediano (60 cm de envergadura), endêmica da ilha de Palau (micronésia)... um animal inteligente e “de olhar triste”(Tim Flannery) • Era caçado no século XIX; o último registro é de 1874 e expedições mais recentes não a encontraram • Como raposas voadoras são importantes polinizadores e dispersores de sementes, sua perda pode ter tido reflexos sobre a diversidade vegetal da ilha. 1876 – Terror skink (Phoboscincus boucourti) O lagarto do terror • Era endêmico da Nova Caledônia, no Pacífico. • O nome assustador não era em vão: o terror skink era um dos predadores de topo da ilha, comendo grandes invertebrados, lagartos menores e aves • As causas prováveis de extinção foram as introduções de gatos, ratos e ratazanas em Nova Caledônia; o último registro é de 1876. 1876 – Raposa das Falklands (Dusicyon australis) A mansa raposa das Falklands • A raposa das Falkland (Malvinas) foi o único canídeo comprovadamente extinto pelo homem • Sua incrível mansidão surpreendeu Darwin: “os gaúchos têm-nas freqüentemente morto, à tardinha, oferecendolhe com uma das mãos um pedaço de carne enquanto com a outra empunham uma faca pronta para abatê-las” • Um capitão domesticou uma no século XIX, mas ao primeiro tiro de canhão a raposa apavorada pulou na água e se afogou. • A população foi dizimada em 1839 por caçadores de peles norte-americanos • A partir de 1860 os criadores de ovelhas escoceses, em represária a ataques às ovelhas, fizeram uma campanha de erradicação a tiro e por iscas envenenadas; em 1876 o último indivíduo foi morto. 1889 – Lebre-canguru do leste (Lagorchestes leporides) A agilidade não salvou a lebre-canguru • Quando da colonização britânica, a lebre-canguru era um dos animais mais comuns nas planícies do sudeste da Austrália • Era famosa por sua espantosa agilidade: o ornitólogo John Gould reportou que um deles, em fuga, simplesmente pulou sobre ele. • Declinou rápido, aparentemente devido a competição com gado e ovelhas e destruição de habitats, desaparecendo em 1889 1894 – Gazela vermelha (Gazella rufina) A desconhecida gazela vermelha • Pouco se sabe sobre esta bela gazela, exceto que habitava partes montanhosas da Argélia e possivelmente outras áreas do norte da África • Seu desaparecimento foi provavelmente por caça; era comum em mercados argelinos no século XIX • O último exemplar coletado foi obtido em 1894 e não há mais notícias depois disso. 1894 – Cambaxirra de Stephens (Xenicus lyalli) Uma espécie inteira exterminada por um único gato • A cambaxirra da Ilha Stephens era o único passeriforme não voador conhecido no Mundo. • Em 1893, o solitário faroleiro trouxe um gato. • Toda noite, o gato voltava com o corpinho de uma cambaxirra, e os bigodes sujos de ovos. • Depois de um ano, os pequenos corpos pararam de vir. • Lyall enviou 17 deles a um museu para identificação, e é tudo o que hoje resta da cambaxirra da Ilha Stephens. • Hoje, Xenicus lyalli é o exemplo clássico de uma espécie inteira exterminada por um único indivíduo de um predador introduzido. 1897 - Rato de arroz de Nelson (Oryzomys nelsoni) Um desfalque nos Oryzomys • O gênero Oryzomys é um dos mais diversos dos roedores neotropicais, com mais de 40 espécies • No entanto, várias outras espécies desapareceram de várias ilhas, do Caribe às Galápagos • Esta espécie, Oryzomys nelsoni, era endêmica da Ilha Madre Maria, no México, onde se extinguiu em 1897, depois da introdução de ratos e gatos na ilha • Além dos Oryzomys insulares, vários outros rodeores neotropicais se extinguiram com histórias semelhantes, inclusive o grande rato endêmico de Fernando de Noronha, Noronhomys vespucci. 1898 – Mamo (Drepanis pacifica) Oitenta mil vidas para uma capa (e a morte para um mosquito) • O mamo era um representante de uma subfamília havaiana de aves espetaculares de bicos curvos e plumagens riquíssimas, os honeycreepers (Drepanidinae) • A espécie era tão comum (e tão caçada) que penas de 80 mil indivíduos foram utilizadas para fazer uma única capa para o rei Kamehamea ! • Apesar da caça intensa, o golpe mortal para os mamos parece ter sido dado pela introdução da malária avícola no Havaí em 1827. 1900 – Carcará de Guadalupe (Polyborus lutosus) O carcará de Guadalupe adverte: não ter medo de tiros faz mal à sua saúde • Era uma ave de rapina endêmica da Ilha de Guadalupe, na Baja California, México. • Predava animais domésticos tais como ovelhas, e foi perseguido em represália • Não tinha instinto de fugir do homem e nem de evitar tiros: os caçadores alvejavam bandos reunidos para beber água e se erravam, as aves não voavam e eles continuavam atirando. • Em 1º de dezembro de 1900, o naturalista Rollo Beck visitou a ilha e matou um bando de nove aves, as únicas que viu. • Nunca nenhuma mais foi vista, e portanto o golpe mortal pode ter sido dado por coleta. 1914 – Coruja risonha (Sceloglaux albifacies) A mais gentil das corujas • Uma bela coruja de porte médio, a coruja risonha era bastante comum na Nova Zelândia até o século XIX • Embora sua vocalização fosse pobre, tinha um bom ouvido musical, segundo Walter Buller: “Ëla podia ser sempre atraída (...), ao escurecer, pelo som de uma sanfona... A ave voava silenciosamente sobre a face do músico, e finalmente se instalava em sua vizinhança, onde permanecia até a música cessar.” • Segundo G.D. Rowley, “animais mais mansos não podem existir, elas se deixam manusear sem qualquer ressentimento” • A última coruja risonha foi achada morta em 1914; ratos, gatos, doninhas e arminhos introduzidos provavelmente foram a causa de sua extinção. 1914 – Pomba migratória (Ectopistes migratorius) Qual é a situação atual da ave mais abundante do Mundo no século XIX ? • Extinta ! • A pomba migratória ocorria nos EUA em bandos tão numerosos que cobriam o céu por dias; segundo Audubon era a ave mais abundante do planeta • Foi caçada em massa no século XIX, pela carne, pelos ovos e por pura diversão, num dos maiores massacres biológicos da história • Ria-se da possibilidade que a pomba migratória pudesse um dia acabar • No fim do século XIX, os números caem rapidamente • Com a população protegida mas já muito reduzida, o golpe mortal foi dado não por caça mas pela disrupção de sistemas reprodutivos • A última pomba migratória, Martha, morreu no Zoológico de Cincinatti em 1º de setembro de 1914. 1934 – ‘O ' o (Moho nobilis) A ave real do Havaí • O ‘O'o tem seu nome científico vindo de ter sido usado para fazer capas e mantos para a nobreza havaiana, e o nome comum do seu canto. • Foi muito caçado e seu habitat foi muito reduzido. • A extinção, porém, parece estar ligada à introdução da malária avícola no Havaí, e desde 1934 seu canto não é mais ouvido. 1936 – Tilacino (Thylacinus cynocephalus) O canguru que achava que era cachorro • O tilacino é um dos mais espetaculares exemplos de convergência evolutiva. • Comum na Austrália inteira até uns 4 mil aa, ficou reduzido a uma população relictual na ilha da Tasmânia, onde foi encontrado pelos colonizadores britânicos. • Devido a ataques a rebanhos, o governo da Tasmânia ofereceu recompensa por cada tilacino morto. Quando ele começou a escassear, a recompensa foi aumentada. • O último tilacino confirmado, uma fêmea, morreu no Zoológico de Hobart em 7 de setembro de 1936, de hipotermia, numa noite fria na qual os tratadores por descuido a deixaram numa jaula de arame, sem acesso ao seu abrigo. • Um relato aparentemente confiável diz que uma última fêmea foi morta na natureza por volta de 1940 pelos cachorros de um caçador. Ela tinha três filhotes. 1939 – Toolache wallaby (Macropus greyi) Uma tentativa de conservação que saiu pela culatra • O toolache wallaby era considerado o mais elegante e rápido de todos os cangurus; era localmente comum no sudeste da Austrália • Os números começaram a diminuir muito devido à caça (pela pele ou por esporte), perda de habitat para a pecuária e agricultura, e possivelmente competição com a raposa européia, introduzida. • Em 1923, numa tentativa de capturar animais para translocação para um santuário de vida silvestre, 4 animais morreram de exaustão e choque após uma perseguição longa demais. • Com o toolache wallaby quase extinto, caçadores de troféus tentaram a todo custo obter os últimos. • A última fêmea, capturada em 1927, morreu em 1939. 1952 – Foca monge do Caribe (Monachus tropicalis) Uma foca tropical • As focas monge são atípicas em terem uma distribuição tropical, que originalmente incluía o Havaí e ilhas do Mediterrâneo e do Caribe. • A do Caribe era grande (até 2,4 m) e caçada pela carne e pelo óleo. • No século XX, a perseguição se intensificou como represália a competir com os pescadores pelo peixe. • Em 1952, as focas monge do Caribe foram vistas pela última vez, entre Jamaica e Honduras. 1950s – Lesser bilby (Macrotis leucura) Não, não é um parente do Yoda • É o lesser bilby, um marsupial carnívoro de desertos do norte da Austrália australiano que desapareceu na década de 1950. • Desapareceu provavelmente por competição e/ou predação por espécies introduzidas. • O lesser bilby é apenas um representante de uma grande coleção de mamíferos australianos de médio e pequeno porte (tanto marsupiais como roedores) que se extinguiram devido a espécies introduzidas e/ou alterações de habitats. 1953 – Cloudrunner de Ilin (Crateromys paulus) A floresta não estava mais lá • O cloudrunner, um rodentia belíssimo, foi descrito em 1953, numa expedição científica a uma floresta nas Filipinas. • Em 1988, quando se tentou coletar mais espécimes, a floresta simplesmente não estava mais lá. Nem o cloudrunner; nunca mais se teve notícias dele. • Um caso como este nos leva a pensar em quantas espécies estão sendo extintas hoje em dia antes mesmo de ser descritas pela ciência. 1955 – Cutia da ilha de Swan (Geocapromys thoracatus) Os roedores perdidos do Caribe • São conhecidas 5 espécies de cutias do gênero Geocapromys no Holoceno, das quais duas sobrevivem e três se extinguiram. • Das extintas, a última foi a da ilha de Swan, desaparecida em 1955 logo após a introdução de gatos nesta ilha ao largo de Honduras. • Este é apenas o último exemplo de várias dezenas de roedores que se extinguiram nas ilhas do Caribe nos últimos 4 mil anos. 1965 – Morcego de rabo curto (Mystacina robusta) Nem todo lugar teve o privilégio de ter rodentias • Lugares como a Nova Zelândia e as Ilhas Salomão não tiveram o imenso privilégio de ter rodentias nativos. Nestes lugares, espantosos morcegos de chão evoluíram como equivalentes ecológicos dos roedores. • Na Nova Zelândia, os morcegos de chão se extinguiram com a chegada dos Maoris. Em outras ilhas ainda não alcançadas por ratos e outros animais domésticos, sobreviveu Mystacina robusta, que tinha bolsas para guardar as asas nas laterais do corpo e era capaz de voar apenas 2 ou 3 m. • Mystacina robusta finalmente se extinguiu em 1965 nas ilhas Salomão, logo depois da chegada de Rattus rattus em 1962 ou 1963. Apenas uma amostra numa tragédia muito maior • Os casos citados aqui são apenas algumas das extinções históricas: estima-se que de 1600 até 1990 foram perdidas por exemplo 116 espécies de aves, 59 de mamíferos, 23 de répteis e 462 de dicotiledôneas. • De acordo com Caughley & Gunn (1996), esses números implicam em taxas de extinção duas ordens de grandeza maiores que a “taxa de fundo de extinção”, estimada a partir do registro fóssil. • Muitas dessas espécies eram tão maravilhosas quanto as que vimos aqui, ou as que hoje admiramos. Uma nova perspectiva • Por que estudar história (ou: entender versus sentir) • Uma nova visão das distribuições geográficas: por que só há tartarugas terrestres gigantes nas Galápagos e Seychelles, ou Varanus komodensis em Komodo, ou só havia tilacinos na Tasmânia ? • Uma nova visão das extinções: o contínuo de extinções que vai das préhistóricas (do pleistocenoholoceno) às históricas • Uma nova visão de onde estamos na crise ecológica: já perdemos muito, e temos que lutar agora se quisermos salvar o que resta. Agradecimentos • A Leandro Macedo pela ajuda com as figuras. • A Ibsen de Gusmão Câmara por ter me chamado a atenção para o trabalho de Peter Schouten (a quem cabe o mérito pela qualidade das ilustrações)