ECONOMIA VERDE: UMA REFLEXÃO TEÓRICO-CONCEITUAL ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE BEM ESTAR SOCIAL, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E PROTEÇÃO AMBIENTAL "De forma corajosa e ousada, façam o que é certo. Estou aqui, hoje, para lutar pelo meu futuro. Quero pedir que considerem porque estão aqui. O relógio está correndo. (...) Acertei o meu relógio e o tempo está passando: tic, tac, tic, tac." (Brittney Trilford1) RESUMO Aliando-se conceitos econômicos e ambientais em busca do bem estar da sociedade, é possível encontrar uma relação de interdependência entre a economia e o meio ambiente, a qual leva ao conceito de economia verde. Economia verde é aquela que resulta em melhoria do bem-estar das pessoas devido a uma maior preocupação com a equidade social, com os riscos ambientais e com a escassez dos recursos naturais, ou seja, usa ferramentas analíticas da ciência econômica para buscar soluções que promovam qualidade ambiental. Neste sentido, este artigo buscou, por meio de pesquisa bibliográfica e análise de livros, artigos, revistas, dissertações, teses e monografias sobre o tema, bem como utilizando-se de estudos anteriores elaborados pelo próprio autor, situar o bem-estar social na referida relação, considerando teorias econômicas de economia verde, economia do bem-estar, utilidade, satisfação e qualidade de vida, externalidades e internalização destas, com base na teoria de Pigou, e também em teorias ambientais de gestão de recursos naturais e proteção ambiental. Palavras-chave: Economia verde. Bem-estar social. Internalização externalidades. Proteção ambiental. Gestão de recursos naturais. de ABSTRACT Allying economic and environmental concepts in seeking the wellbeing of society , one can find an interdependent relationship between the economy and the environment , which leads to the concept of green economy . Green economy is one that results in improved well -being due to a greater concern with social equity with environmental risks and scarcity of natural resources , ie , uses analytical tools 1 Brittney Trilford esteve presente, em 2012, na Rio+20, no Rio de Janeiro, Brasil, para discursar aos líderes políticos presentes no evento. À época era estudante e contava com 17 anos. Oriunda da Nova Zelândia, a estudante disse aos representantes dos países presentes, na abertura da reunião plenária da conferência, para que fossem mais corajosos e audaciosos. of economics to seek solutions that promote environmental quality . Thus, this paper aims , through literature search and analysis of books , articles , journals , dissertations , theses and monographs on the subject , as well as using the previous studies conducted by the authors situate the social welfare in that relationship considering economic theories green economy, welfare economics , utility, satisfaction and quality of life , and internalization of these externalities , based on the theory of Pigou , and also in environmental management theories of natural resources and environmental protection . Keywords : Green Economy . Social welfare . Internalization of externalities . Environmental protection. Management of natural resources Introdução Já dizia Marina Silva2 que o custo do cuidado é bem menor que o custo do reparo. Com base nesta ideia, é possível adequar o tema do presente trabalho numa interdependência: a economia, o meio ambiente e o bem-estar social. Toda sociedade desloca-se na história conforme o seu desenvolvimento econômico, porém tal desenvolvimento depende dos recursos naturais, o quais, por sua vez, determinam o bem-estar de uma sociedade juntamente da economia, ou seja: a economia e o meio ambiente estão initerruptamente relacionados à uma sociedade e seu bem-estar. No campo da teoria econômica há o conceito de economia do bem-estar, recentemente difundido a fim de se mensurar a qualidade de vida, os efeitos positivos e os efeitos negativos da economia, em conjunto de demais fatores, na vida de um indivíduo. Tal conceito causa conflitos na coletividade, vez que, os afetos positivos e negativos são relativos de pessoa para pessoa, o que leva à conclusão de que o bem-estar de um indivíduo possa vir a ser o mau-estar de outro, implicando na realização social de forma individualizada divorciada de critérios de justiça nos interesses coletivos. A economia também conceitua a satisfação humana por meio da utilidade, gerando o que se chama de curva de indiferença, onde é possível se medir a satisfação relativa de um agente da economia, ou seja, majorar seu bem-estar frente a um determinado produto ou serviço. Ou seja, o bem-estar social depende da satifação dos agentes sociais. Há que se considerar, então, o meio ambeinte, provedor dos recursos naturais necessários à economia para que possível seja estabelecer a relação em estudo. Considerando o uso dos recursos ambientais para o desenvolvimento econômico, surge a necessidade de proteção dos ecossistemas, a fim de se evitarem abusos e degradações ambientais, de forma a se preservar a natureza e manter o equilíbrio no Planeta, garantindo o bem-estar social, o qual implica na satisfação não só econômica, mas com o meio em que o agente social vive. 2 Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima (1958) é uma ambientalista, historiadora, pedagoga e política brasileira, filiada ao Partido Verde por muitos anos, defende causas ambientais no país e no mundo; recentemente filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro. Uma vez considerada a utilidade para mensuração do bem-estar social, surge o conceito de externalidade e de internalização dessas externalidades, onde o primeiro implica nos efeitos da produção ou consumo de bens ou serviços sobre terceiros (no caso em tela, a produção econômica utilizando-se do meio ambiente relacionada ao consumo da sociedade dos produtos da economia), e o segundo refere-se aos custos arcados pela economia, nos quais devem-se de ser auferidos custos adicionais pelo uso do bem natural comum, em virtude da sua escassez, o qual é público, pertencente à toda a sociedade. Neste ponto surgem duas teorias: de Coese e de Pigou, as quais buscam demonstrar possibilidades de solução às externalidades, sendo adotada, no presente trabalho, a teoria de Pigou, considerando tratar de práticas públicas, não privadas, as quais, visando crescimento econômico, tem mais interesse no bem capital que no bem ambiental. Pôsto isto, encontra-se o problema deste estudo: o bem-estar social frente à relação entre a economia e o meio ambiente, ou seja, a gestão dos recursos naturais, onde há que se determinar a prioridade da sociedade em proteger o meio ambiente como forma de manutenção da qualidade de vida diante das externalidades a serem internalizadas pela economia, considerando os resultados econômicos disso. Ou seja, o bem-estar social a partir da relação entre o meio ambiente (gestão dos recursos e dos serviços ambientais) e a economia (internalização das externalidades). O objetivo geral deste trabalho é situar o bem-estar social na relação estudada, identificando-o e esclarecendo-o; enquanto que os objetivos específicos são: conceituar a economia verde, o bem-estar social, o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental; relacionar economia e meio ambiente; determinar os conceitos trabalhados com base nas terias econômicas de utilidade, e de custos socias; buscar soluções às externalidades por meio da teoria de Pigou, buscando a internalização delas; e determinar os conceitos trabalhados com base na teoria ambiental de gestão de recursos naturais e de serviços ambientais. A metodologia utilizada baseou-se numa pesquisa de material bibliográfico, com análise de livros, artigos, revistas, dissertações, teses e monografias sobre o tema, bem como utilizando-se de estudos anteriores elaborados pelo próprio autor. Os meteriais utilizados situam-se entre os temas de economia ecológica, desenvolvimento sustentável, teoria econômica, gestão ambinetal, direito ambiental e direito econômico. Buscou-se manter a atualidade do material estudado, tendo, o referido estudo, sido realizado em março de 2014. Por meio da presente pesquisa foi possível se alcançar os objetivos pretendidos, bem como chegar-se à conclusão da pesquisa. 1. Teoria Econômica 1.1 Economia verde No cenário nacional, o termo economia verde começa a ser desenvolvido com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Eco92 ou Cúpula da Terra, realizado no Brasil em junho de 1992. Primeiramente conceituada como sustentabilidade, a ideia vislumbrava não muito além apenas da questão do aquecimento global e seus efeitos, vindo a ser considerados demais fatores posteriormente, num segundo encontro, 20 anos após, na Rio+20. Neste segundo encontro, realizado também no Rio de Janeiro, em junho de 2012, encgloba ao título da conferência o termo “sustentável” e passa a considerar a economia numa importante relação com o meio ambiente (Achim Steiner, 2011, p. 06). A Rio 92 não foi um fracasso mundial – longe disso. Ela forneceu a visão e as peças fundamentais de um mecanismo multilateral para se alcançar um futuro sustentável. Mas isso só será possível se os pilares ambientais e sociais do desenvolvimento sustentável tiverem um mesmo tratamento econômico: onde a frequentemente esquecida força motora da sustentabilidade, desde as florestas até a água doce, também receba tratamento de mesmo peso, ou maior, num planejamento econômico e de desenvolvimento. (STEINER, 2011, p.06). Quando do acontecimento da Eco92, elabourou-se um relatório nomeado como Agenda 21, onde foram estabelecidos argumentos econômicos e sociais comprometendo os países participantes da conferência a refletirem local e globalmente a respeito de soluções para problemas socioambientais, sendo que, no Brasil, o referido relatório alertou para um novo paradigma econômico (Novaes, Ribas & Novaes, 2000, p. 08-11). Uma economia verde não favorece uma ou outra perspectiva política. Ela é relevante a todas as economias, sejam elas controladas pelo estado ou pelo mercado. Também não é uma substituição de um desenvolvimento sustentável. Ao contrário, ela é uma forma de se alcançar desenvolvimento nos níveis regional, nacional e global, ressoando e ampliando a implementação da Agenda 21. (STEINER, 2011, p.06). Ainda com relação à Agenda 21, o então Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, 2000, contribui: Tornadas realidade, as Agendas 21 poderão fertilizar toda a vida econômica, social e política do País com o novo conceito de desenvolvimento fundamentado na qualidade ambiental e na justiça social. (FILHO, 2000, p.05) Em 2012, com o Slogan “o futuro que queremos”, estabelecendo oficialmente o conceito da economia verde associada ao desenvolvimento sustentável e à erradicação da pobreza, no Brasil reúnem-se, novamente, representantes políticos de todo o mundo para elaboração de “um plano para repensar o crescimento econômico, avançar na igualdade social e assegurar a proteção ambiental” (Secretariado da Rio+20, 2012, p.03). A partir daí, definiu-se a economia verde como a “otimização de atividades que façam uso racional e equitativo dos recursos naturais (socialmente inclusivo)” (INPE, 2012), citando baixa emissão de gases de efeito estufa, a necessidade de novas tecnologias que permitam aos diferentes segmentos da economia utilizar maquinários de baixo consumo energético, substituição das matrizes energéticas por fontes não poluentes e renováveis bem como a responsabilidade no consumo de água, dentre outras formas racionais de se otimizar o uso dos recursos naturais. 1.2 Economia do bem-estar Definir bem-estar é uma tarefa difícil considerando que a maioria dos trabalhos a respeito bucam identificar medidas e índices, porém sem definir rigorosamente o termo (Kerstenetzky, 2011, p.03). Neste sentido, é considerável, ainda, que bem-estar é, sabidamente, um sinônimo de qualidade de vida, ou seja, “não deve ser entendida apenas como o conjunto de bens e de comodidades materiais” (Balbino, 2012, p.04), afinal, “a qualidade de vida deve apresentar dois aspectos concomitantes: o nível de vida material e o nível de bem-estar físico e espiritual, pois uma sadia qualidade vida abrange esta totalidade (Derani, 2009, apud Balbino, 2012, p.04). Economicamente, o bem estar é estudado pela microeconomia para determinar a distribuição de renda e sua eficiência alocacional, visando as atividades econômicas do indivíduos, conforme conceituado pela Wikipédia, 2014: A economia do bem-estar preocupa-se com o bem-estar dos indivíduos, comunidades ou sociedades, (...) assume que os indivíduos são os melhores juízes do seu próprio bem-estar (...) O bem-estar pode ser medido ou essencialmente em termo de dólares ou "utilidades", ou mensurado ordinariamente em termos de utilidade relativa. O método essencial é raramente usado hoje em dia por conta da agregação de problemas que tornam duvidosa a precisão do método e também por fortalecer presunções subjacentes. (WIKIPÉDIA, 2014) Aliando a definição econômica à dificuldade inicialmente citada, considerando, ainda, que o método essencial de medida de bem-estar é duvidoso, há que se determinar para o presente estudo o bem-estar social limitado à qualidade de vida dos indivíduos, uma vez que “envolve não apenas os aspectos objetivos inerentes aos bens materiais, devendo ser incluídos diversos outros indicadores inteiramente relacionados com a percepção, prioridade e nível de satisfação” (Mietzen et al., 1980, apud Balbino, 2012, p.04). Considerando o bem-estar social estar associado à qualidade de vida, bem como esta associada à satisfação do indivíduo na sociedade, a mensuração do bem-estar social se dá pelas funções de utilidade social (NPQV, 2005, p.04). 1.3 Função utilidade e satisfação Em economia, a função de utilidade mede a satisfação relativa de um agente da economia. A análise da sua variação permite explicar o comportamento que resulta das opções tomadas por cada agente para aumentar a sua satisfação. Neste sentido, os economistas constroem as curvas de indiferença, onde apresentam, para um determinado nível de satisfação, a quantidade de bens que um indivíduo ou uma sociedade aceitariam ter, sendo possível se expressar a utilidade individual ou social, sendo esta última a função do bem-estar social (Varian, 1994, cap.29). Desta forma, a satisfação de um indivíduo como agente econômico é determinada pelo quanto um indivíduo pode adquirir frente às suas necessidades e quão satisfeito fica com as suas escolhas, ou seja, o bem-estar social depende da satisfação do conjunto de todos os indivíduos da sociedade. 2. Teoria ambiental 2.1 Recursos naturais e capital natural O IBGE, 2004, definiu recursos naturais como a “denominação aplicada a todas as matérias - primas, tanto aquelas renováveis como as não renováveis, obtidas diretamente da natureza, e aproveitáveis pelo homem.” Ou seja, recursos naturais dignam a classe de bens não produzidos pelo homem. Ocorre que, para serem reconhecidos como recursos, um material deve de atender a dua condições básicas: utilidade aos seres humanos e demanda por esse material (Randal, 1987 & Ress, 1990, apud Antonious, 1999, p. 03). Segundo o mesmo autor, os materiais desconhecidos para os quais não há uso e nem valor, não podem ser considerados recursos, mesmo porque é a necessidade humana que gera valor aos recursos. Segundo Smith, 2006, p.122, Karl Marx, 1818, já determinava um conceito de recursos naturais fazendo a relação entre a economia e o meio ambiente: Segundo a toria de valor do trabalho de Marx, resta claro que a natureza não deve ser vista como tendo qualquer valor intrínseco: a natureza adquire valor à medida que é transformada pelo trabalho do homem. Sem isso ela não é nada: “a natureza também, quando tomada abstratamente, em si mesma, e fixada na sua separação do homem, não é nada para o homem”3. (SMITH, 2006, p.122). Ainda neste sentido, o mesmo autor cita a dependência do homem dos recursos naturais: A visão fundamental é absolutamente antropocêntrica, e Marx fala com frequência quanto ao uso da natureza: “O trabalhador não é capaz de criar nada sem a natureza, sem o mundo externo sensível. É no material que seu trabalho se realiza, em que ele é ativo r do qual, e por meio do qual, ele produz.” O perigo de dominar a natureza não é apenas o de perdermos o medo do mundo antural, mas de o subtituirmos. (SMITH, 2006, p.123). 3 Economic and Phiolosophical Manuscripts, primeiro manuscrito. Karl Marx (1818-1883). Há que se complementar que os recursos naturais podem ser renováveis ou não renováveis, havendo um maior ou menor potencial entre eles, conforme dito por Silva, 2003, “Um recurso que é extraído mais rápido do que é reabastecido por processos naturais é um recurso não-renovável. Um recurso que é reposto tão rápido quanto é extraído é certamente um recurso renovável”. Desta forma, os recursos naturais possuem valor cada vez mais alto à medida que tornam-se cada vez mais raros, porém mais demandados pelo homem, aderindo ao meio ambiente um caráter capital, o qual leva a sociedade a sub-julgar os próprios valores e necessidades frente aos interesses individuais e coletivos, criando um certo colapso nas relações sociais, o que interfere no bemestar dos indivíduos (Lima, 2004, p.120), ou seja: (...) a relação do ser humano com a natureza externa é sempre mediada por relações sociais. Significa que, enquanto os recursos naturais forem propriedades privadas de poucos, as causas profundas da crise ambiental não terão sido enfrentadas de forma crítica. Trata-se, portanto, de uma abordagem que apreende a crise ambiental como reflexo das contradições de classes inerentes ao sistema capitalista. Daí emerge a noção de crise socioambiental. (Lima, 2004, p.120). Chega-se, então, ao conceito de capital natural, o qual transforma o meio ambiente num fator de produção, ou seja, num estoque de recursos naturais existentes que gera um “fluxo de serviços tangíveis e intangíveis direta e indiretamente úteis aos seres humanos” (Costanza & Daly, 1992, apud Andrade & Romeiro, 2011, p.09). Complementando, os autores afirmam que a economia é um sistema mantido por um sistema ainda maior, o meio ambiente: Em outras palavras, o capital natural é a totalidade dos recursos oferecidos pelo ecossistema terrestre que suporta o sistema econômico, os quais contribuem direta e indiretamente para o bem-estar humano. Essa definição explicitamente considera a ideia de que o sistema econômico é um subsistema de um sistema maior que o sustenta e que lhe fornece os meios necessários para sua expansão. (Costanza & Daly, 1992, apud Andrade & Romeiro, 2011, p.09). 2.2 Degradação e proteção ambiental Para se falar em proteção do meio ambiente é necessário se esclarecer o motivo cujo qual demanda tal proteção: a degradação ambiental, a qual interfere no bem-estar do homem e em toda a harmonia do sistema. “A utilização irracional dos recursos naturais tem levado à contínua degradação do meio ambiente, fundamental para o suporte à vida e para o bem-estar humano” (Andrade & Romeiro, 2011, p.22). Conceitualmente, a degradação ambiental é definida como um processo de degeneração do meio ambiente, onde as alterações biofísicas provocam alterações no meio ambiente, sendo que a degradação ambiental é, normalmente, associada às ações humanas, incluindo, ai, as ações em prol de interesses econômicos (Wikipédia, 2014). Uma vez esclarecido o conceito de degradação do meio ambiente, resta apenas elucidar que a proteção ambiental trata do impedimento e do conserto destas ações degeneradoras, com a finalidade de manter o equilíbrio natural e liquidar e escassez, quando não extinção, dos recursos naturais (Andrade & Romeiro, 2011, p.12). Independente do prisma teórico sob o qual se analisa as relações entre economia e meio ambiente, o ponto consensual é de que os sistemas naturais vêm sendo ameaçados pelas constantes intervenções humanas (...). O princípio norteador é propor medidas para o uso sustentável e eficiente do capital natural. (Andrade & Romeiro, 2011, p.12). 2.3 Função utilidade e satisfação: aplicação ambiental Considerando a relação entre a economia e o meio ambiente, uma vez esclarecido sobre a função utilidade, há que se considerar a lei de utilidade marginal existente na teoria econômica, onde a utilidade total de um bem cresce quando se consome maiores quantidades dele, mas sua utilidade marginal é cada vez menor, ou seja, o consumidor tem satisfação com um bem, mas a unidade seguinte já não lhe proporciona tanto prazer como a anterior (Pindyck & Rubinfeld, 2002, cap.16). Tal consideração se faz necessária para possibilitar um paradoxo perfeitamente aplicável à interdependência existente entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental: o paradoxo da água e do diamante, o qual serviu, no século XIX, para resolver questões correlatas à distinção entre valor de troca e valor de uso, questionando-se porque é que a água, que é tão essencial à vida, vale muito menos do que o diamante, que é apenas um bem de luxo: Não há nada de mais útil que a água, mas ela não pode quase nada comprar; dificilmente teria bens com os quais trocá-la. Um diamante, pelo contrario, quase não tem nenhum valor quanto ao seu uso, mas se encontrará frequentemente uma grande quantidade de outros bens com o qual trocá-lo. (SMITH, 1776, apud ROSSETTI, 1997, p.410) Neste sentido, determinar o nível de satisfação de um indivíduo com meio ambiente acaba por parecer mais complexo frente a uma escolha tão ambiciosa, porém muito óbvio ao se considerar uma situação finda: o último copo de água ou o último diamante. Ou seja, a utilidade total da água torna-se maior com a sua escassez e, por sua vez, a satisfação por possuí-la, também. Karl Marx, 1818, já profetizava o paradoxo (apud SMITH, 2006, p.124): Segundo ele “Que paradoxo será se, quanto mais o homem subjugar a natureza pelo seu trabalho, e quanto mais os milagres os milagres divinos se tornarem supérfluos pelos milagres da indústria, mais ele for forçado a abrir mão da alegria da produção e do prazer do desfrute por deferência ao poder da tecnologia e aos milagres do processo industrial”. (SMITH, 2006, p.124). 3. Relação economia – meio ambiente 3.1 Externalidades Já determinados os conceitos que participam na relação da economia com o meio ambiente, a qual “está apoiada no princípio que classifica como “bem econômico” o recurso natural que estiver em situação de escassez, desconsiderando o que for abundante” (Lima, 2004, p.121), surge, enfim, o conceito de externalidade e, consequentemente, de internalização das externalidades, onde “predomina a noção de que os recursos naturais devem (...) ter preços” (Id., p.120). Há várias definições para externalidade, sendo coveninente ser adotada a mais simples, qual seja a etimológica, que define externalidade uma palavra oriunda do inglês externality, e implica no efeito que determinada atividade econômica rege sobre terceiros, seja ele benéfico ou prejudicial, desde que estes terceiros não estejam envolvidos na atividade (Dicionário Priberam, 2014). Ainda, segundo Serôa da Motta (1990, p.113, apud Togeiro, 1998, p.27), “externalidades surgem quando o consumo ou a produção de um bem gera efeitos adversos (ou benéficos) a outros consumidores e/ou firmas, e estes não são compensados efetivamente no mercado via sistema de preços”. Essas externalidades negativas, fruto da degradação ambiental, deram origem a formulação de um conjunto de instrumentos de regulação das atividades econômicas, com intuito de proteger os recursos naturais e seu uso pelas futuras gerações (Id. 1990) Nestes termos, resta claro que externalidades, no tocante à relação entre economia e meio ambiente, são os efeitos causados pelo uso dos recursos naturais como capital natural, os quais podem ser benéficos, porém, dificilmente o são, conforme sabiamente dito por Henry Sidgwick4, 1838: “os benefícios de um farol, bem colocado, provavelmente são muito bem aproveitados por navios nos quais nenhum sino poderia ser colocado”. Henry Sidgwick (31 de maio 1838 – 28 de agosto 1900), há mais de 100 anos, falando em analogia sobre externalidade positiva (economia de escala). Henry foi economista e filósofo no Reino Unido, ligado ao Utilitarismo. 4 Segundo Togeiro (1998, p.28), “as externalidades ocorrem porque o bem em questão (meio ambiente/recursos naturais) não é propriedade de ninguém, ou melhor, é de domínio universal5”. 3.2 Internalização das externalidades: a teoria de Pigou Considerando que o meio ambiente é bem público e que o bem público é de interesse de todos os indivíduos da sociedade, da mesma forma como o bemestar desta sociedade depende, também, do patrimînio público; considerando a escassez dos recursos ambientais existentes no meio ambiente, bem público; e considerando, ainda, as externalidades ambientais causadas pelo crescimento econômico, “surge a ideia da internalização das externalidades, segundo a qual o custo marginal existente em uma empresa deve, necessariamente, incorporar os custos associados à utilização e à degradação dos recursos naturais públicos” (Balbino, 2012, p.02). (...) é necessário estabelecer custos adicionais pelo uso dos bens naturais comuns, em virtude de sua escassez e, fazendo com que o preço praticado pela empresa seja maior do que o preço praticado no mercado de economia perfeita, nasce, então, o problema da aceitabilidade social de uma nova gestão dos recursos naturais, considerando-se a sua proteção como um fator a ser priorizado para a manutenção da qualidade de vida (...) o bem-estar social passa a ser fundamental na gestão dos recursos naturais e dos serviços ambientais, utilizando-se a internalização das externalidades para alcançar a sua proteção. (Id., p.02). A ideia de internalização das externalidades foi difundida pelo economista inglês Arthur Cecil Pigou, que em 1920 sugeriu o estabelecimento de taxas e impostos para neutralizar os danos dos custos externos (ou externalidades), entre eles os danos ambientais de variadas origens – princípio do poluidor pagador. (SANTOS, 1998). O pensamento neoclássico atingiu amplamente a economia, inclusive referenciando questões ambientais – como mostra o princípio do poluidor-pagador de Pigou, em 1920 –, que, de forma embrionária, suscitaram discussões a respeito da simultaneidade da ocorrência de crescimento econômico e conservação ambiental. (Silveira, 2006, p.47). 5 Tal afirmação pode ser corroborada pela decisão do juiz indiano Balakrishnana Nair, que, em dezembro de 2003, expediu parecer contrário à Coca-Cola, exigindo que a empresa cessasse os bombeamentos que vinha realizando no lençol de Plachimada, no Kerala, região sul da Índia, alegando que recursos naturais como o ar, a água do mar e as florestas têm para a população mundial uma importância tão grande que seria totalmente injustificado fazer delas objeto da propriedade privada. Segundo ele, os mencionados recursos são um dom da natureza e devem ser colocados à disposição dos indivíduos de forma gratuita (SHIVA, 2005). A teoria de Pigou, relacionada ao “Imposto de Pigou”6, implica na internalização fiscal das externalidades, ou seja, consiste em fazer o agente poluidor da economia pagar ao meio ambiente (sociedade, como detentora do bem público) uma taxa igual ao montante da poluição (daí o conceito de poluidorpagador) por meio do governo, que é o responsável por impedir a fraude, fornecer informações e eliminar as externalidades (Gonçalves, 2011, p.01). Segundo LIMA RÉGIS, 2003, a doutrina de Arthur C. Pigou, em que pese datar-se do início do século passado, atualmente pode ser aplicada como responsabilidade socioambiental vez que, na Constituição Federal de 1988 há a citação do princípio do poluidor-pagador, conforme foi estabelecido, no art. 225, § 3º in verbis: “§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. De modo geral, a sociedade é atingida por externalidades negativas, danos decorrentes da produção privada, sem que haja a devida recompensa. Nestas condições, o custo marginal de produção não agrega todos os custos envolvidos. Assim, o custo social é maior do que o custo privado, pois os custos inerentes aos danos causados ao meio ambiente não estão sendo contabilizados, uma vez que os serviços ambientais não estão sendo considerados como mercadorias, ou seja, a empresa não paga pelo seu uso. (BALBINO, 2012, p.03). E, ainda: Dessa forma, a eficiência econômica exige que se assinale o “preço correto” aos recursos ambientais. Internalizando os custos (benefícios) ambientais via preços das externalidades nas atividades de produção ou consumo, é possível obter uma melhoria de eficiência com maior nível de bem-estar. (MOTTA, 2006, p.183) 4. Conclusão A relação entre a economia e o ambiente é frequente e explícita, principalmente ao se considerar a sociedade e seu bem-estar, o qual está inerente ao desenvolvimento econômico e à preservação ambiental. Ocorre que a ditocomia de interesses acaba por gerar um conflito a ser mediado em prol da continuidade desta relação. Há os interesses econômicos, cujos quais acabam por gerar externalidades negativas para a sociedade; há a questão ambiental de preservação de recursos ambientais a fim de se impedir a escassez e a extinção dos bens ambientais para a sociedade; e há a própria sociedade que demanda, de 6 Grifo do autor. ambas as partes, fatores que determinam a sua qualidade de vida e, consequentemente, bem-estar. Considerando que as externalidades negativas para a sociedade tem origem no fato de as empresas não pagarem pela utilização dos recursos naturais nem dos serviços ambientais no processo de produção dos seus bens e serviços, há que se determinar instrumentos econômicos eficazes para promover a proteção dos recursos naturais e dos serviços ambientais, dentre eles a internalização das externalidades, conforme a Teoria de Pigou, por meio do imposto pouviano, qual seja determinante do princípio do poluidor-pagador, amplamente discutida na academia contemporânea a fim de se otimizar a gestão do meio ambiente. Ocorre que, uma nova gestão ambiental, onde se considere a proteção dos recursos naturais como prioridade para a manutenção do bem-estar social, é um grande problema para a sociedade, vez que a internalização das externalidades negativas acaba por levar o mercado a oferecer um preço maior, logo, a sociedade terá de pagar mais pelo ofertado pela economia, a qual oferece produtos cuja produção se utiliza recursos naturais, gerando o seu capital natural por meio dos bens ambientais públicos. Pôsto isto, o presente trabalho possibilitou, além de determinar teoricamente e conceitualmente os termos relacionados à relação economia-meio ambiente, situar aspectos a serem considerados a fim de se promover uma conciliação entre a melhoria do bem-estar material e espiritual das pessoas via desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. Tal conciliação há que ser analisada pelo governo a fim de se determinarem ações concertadas de movimentos sociais organizados em todos os níveis, inclusive pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, a fim de que sejam cumpridas as letras de leis relativas à conservação dos recursos naturais, a fim de se impedir a degradação do meio ambiente, visando promover uma melhoria contínua na qualidade de vida da sociedade, bem como incentivar a economia a ofertar bens produzidos por processos ecologicamente corretos de forma a garantir, também, condições materiais satisfatórias à sociedade, gerando, consequentemente, sei bem-estar. A economia verde implica na relação entre economia, meio ambiente e sociedade, porém depende destes agentes integralmente para que possa acontecer. É necessário o engajamento de todos no processo de gestão da economia, do meio ambiente e da própria sociedade, priorizando práticas tecnológicas e ambientais que gerem uma interação positiva na tríplice relação empresa-natureza-meio social, afinal, como disse Schmidheiny7, “não pode haver desenvolvimento econômico sem que ele seja sustentável” (Berté, 2009, p45). 7 Stephan Schmidheiny, 1947, é um empreendedor de nacionalidade Suiça, conhecido pela “ecoeficiência”. Referências ANTONIOUS, Pearl Arthur Jules. A exploração de recursos naturais face à sustentabilidade e gestão ambiental: uma reflexão teórico-conceitual. Paper do NAEA, ago 1999. Disponível em <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&e src=s&source=web&cd=2&ved=0CDMQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww2.ufpa.br %2Fnaea%2Fpdf.php%3Fid%3D203&ei=RuMYU5zCA7O80AGmg4DwDA&usg=A FQjCNGSDwaikeCMF5AoE8POmg1K_cVwjQ&sig2=O73Z6sl1wUcbYQotQEjjzw& bvm=bv.62577051,d.dmQ> Acesso em 06 mar 2014 BALBINO, Michelle Lucas Cardoso. Economia ecológica: entre a proteção ambiental e a garantia do bem-estar social. Revista Brasileira de Agropecuária Sustentável (RBAS), v.2, n.1., p.1-7, Julho, 2012. Costanza, R. & Daly, H. E. (1992). Natural capital and sustainable development. Conservation Biology, 6(1):37–46, apud LIMA, José Edmilson de Souza. Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.127-127, jan./jun. 2004 DERANI, C. Direito Ambiental Econômico. 3.ed. 2. tirag. São Paulo: Saraiva, 2009. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em <http://www.priberam .pt/dlpo/Default.aspx>. Acesso em 07 mar 2014. GONÇALVES, Oldair Luiz. A Reciclagem como Meio de Correção das Externalidades: Ambientais e Sociais. VIII SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia – 2011. Disponível em < http://www.aedb.br/seget/artigos11/ 58114744.pdf> Acesso em: 07 mar 2014. IBGE. Vocabulário básico de recursos naturais e meio ambiente, 2ª edição. Rio de Janeiro: 2004. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/ vocabulario.pdf> Acesso em 06 mar 2014 INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O futuro que queremos Cartilha ilustrada sobre economia verde, desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza. Disponível em: <http://www.inpe.br/noticias/arquivos/pdf /RIO+20-web.pdf> Acesso em 06 mar 2014. KERSTENETZKY, Celia Lessa. Políticas sociais sob a perspectiva do Estado do Bem-Estar Social: desafios e oportunidades para o “catching up” social brasileiro; texto para discussão nº.34 – Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense – UFF; março de 2011. Disponível em <http://www.proac.uff. br/cede/sites/default/files/TD34.pdf> Acesso em 06 mar 2014. LIMA, José Edmilson de Souza. Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1, p.127-127, jan./jun. 2004 MOTTA, R.S. Economia Ambiental. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. NOVAES, W. (Coord.); RIBAS, O.; NOVAES, P. da C. Agenda 21 Brasileira Bases para discussão. Brasília: MMA/PNUD, 2000. 196 p. ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano. Estocolmo, jun. 1972. Disponível em: <http://www.silex.com.br/ leis/normas/estocolmo.htm>. Acesso em 29 de janeirode 201.> Acesso em 06 mar 2014. ONU – Organização das Nações Unidas. RIO+20. 2012. Disponível em <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/03/Rio+20_Futuro_que_queremos_guia.pdf > Acesso em 06 mar 2014. PINDYCK, R. S., RUBINFELD, D.L.. Microeconomia. 5ed, cap.16 São Paulo: Prentice Hall, 2002. RÉGIS, Marlon Antônio Lima. Imposto sobre poluição ambiental fundamentos econômicos, jurídicos e operacionais. Universidade Federal da Bahia. Salvador: mai 2003. Disponível em <http://www.sefaz.ba.gov.br/scripts/ucs/externos/monog rafias/monografia_marlon_lima.pdf> Acesso em 07 mar 2014. ROSSETTI, J. P. Utilidade marginal. Introdução à economia. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2003 SANTOS, José C. G. Tributação e ambiente: casamento, divórcio, separação ou união de facto? Disponível em: <http:// www.dgaiec.min-financas.pt/revso.nsf/html media/ body- iec40.html>. Acesso em: 07 mar 2014. SHIVA, Vandana. As mulheres do Kerala contra a Coca-Cola. Le Monde Diplomatique, março 2005. Disponível em: <http://diplo.uol.com.br/imprima1073>. Acesso em: 07 mar 2014. SILVA, M.A.R. “Economia dos recursos naturais” in MAY, P.& LUSTOSA, M.C. & VINHA, V. Economia do Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Campus, 2003, pp 33-60. SILVA, Roseli (Coordenadora-geral) .NPQV - Núcleo de Pesquisas em Qualidade de Vida. Universidade Presbiteriana Mackenzie - Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Administrativas. São Paulo: maio de 2005. Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCSA/nucleos/NPQV/Relator io_IEQV/relatorioieqv.pdf Acesso em 07 mar 2014. SILVEIRA , Stefano José Caetano da. Rev. FAE, Curitiba, v.9, n.2, p.39-49, jul./dez. 2006. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Hemus, 3a ed. 2008, 440p. STEINER, Achim. Caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza – Síntese para Tomadores de Decisão, PNUMA, 2011, p.06. Disponível em < http://www.fapesp.br/rio20/media/Rumo-a-uma-Economia-Verde.p df> Acesso em 07 mar 2014 TOGEIRO de A., Luciana. Política ambiental: uma análise econômica, São Paulo: Unesp, 1998. p.27-87. VARIAN, H. BEM ESTAR. Microeconomia: princípios básicos, cap.29, Rio de Janeiro: Campus,1994. WICKPÉDIA. Etimologia das palavras. Disponível em : <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em 07 mar 2014.