CAPÍTULO 23 Outras doenças graves As doenças descritas neste capítulo são difíceis de tratar sem ajuda do clínico. Algumas precisam de medicamentos especiais, que não se encontram disponíveis nas zonas rurais. Os remédios caseiros não conseguem curar estas doenças. Se um doente tiver uma destas doenças, deve ser observado por um clínico. Quanto mais cedo receber ajuda, maior é a probabilidade de se curar. Outras doenças mencionadas em outros capítulos do livro podem também ser graves e precisar de ajuda do clínico. Tétano O tétano ocorre quando uma bactéria que vive no solo penetra no corpo através duma ferida. As feridas profundas ou sujas são as mais perigosas. Feridas que possuem mais risco de causar tétano: picadas por espinho farpas, ou pregos ferimentos por faca ou bala furar as orelhas com agulhas sujas As úlceras crónicas, matequenha, e tratamentos tradicionais feitos com material não esterilizado podem também provocar tétano. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 455 Causas do tétano no recém-nascido A bactéria que provoca o tétano pode entrar através do cordão umbilical do recém-nascido. A possibilidade de tétano é maior quando: v o cordão é cortado com um instrumento contaminado. v o cordão é amarrado com um fio sujo. v são colocadas substâncias no cordão, por exemplo cinza, fezes de animais, etc. Sintomas e sinais: v Uma ferida (atenção, às vezes pode não ser visível). v Dificuldade e mal-estar ao engolir. v O queixo fica rígido (maxilas cerradas), e depois os músculos do pescoço e de outras partes do corpo também ficam rígidos. v Espasmos dolorosos do queixo e finalmente do corpo todo. Mover ou tocar na pessoa pode desencadear espasmos como este: O ruído súbito ou a luz forte também podem causar os espasmos. Em recém-nascidos: o lactente chora e mama normalmente nos primeiros dias. Os primeiros sinais de tétano neonatal aparecem geralmente entre o 3º e o 12º dias depois do nascimento. O bebé chora continuamente e é incapaz de chupar. O bebé mantém a boca fechada e não consegue abri-la. Todo o corpo fica rígido e há crises de espasmos. Às vezes a área umbilical está suja ou infectada. 456 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Notificação Todos os casos de tétano devem ser notificados através do sistema de vigilância epidemiológica, especificando-se se é um caso de tétano neonatal ou outro. EXEMPLO DE DEFINIÇÃO DE CASO DE TÉTANO NEONATAL Doença do recém-nascido que se inicia entre os 3º e o 28º dias de idade, com história de incapacidade de mamar, seguida de rigidez e espasmos musculares, e frequentemente, morte. EXEMPLO DE DEFINIÇÃO DE CASO DE OUTRO TÉTANO O doente apresenta dificuldade em abrir a boca, seguida de espasmos musculares. Frequentemente precedido por uma ferida. Tratamento: O que fazer quando há sinais de tétano: O tétano pode levar à morte. Deve-se transferir o doente ao aparecer o primeiro sinal. Se houver alguma demora na transferência, fazer o seguinte: v Se conseguir obter, injectar soro antitetânico (ver pág. 742). Seguir fielmente todas as precauções para a injecção de antitoxinas (ver pág. 129). v Dar metronidazol (ver pág. 702) ou penicilina cristalina (ver pág. 695) ou procaína (ver pág. 696). v Lavar a ferida com bastante água corrente e sabão, tendo o cuidado de retirar toda a sujidade. v Sempre que o doente consiga engolir, dar líquidos nutritivos em goles pequenos e frequentes. v Para controlar as contracções, dar diazepam (ver pág. 727). v Tocar e movimentar o doente o menos possível. Evitar barulho e luz intensa. v Manter o doente virado de lado para evitar a obstrução das vias respiratórias. v Nos recém-nascidos, colocar uma sonda nasogástrica e alimentar o bebé com o leite extraído do peito da mãe. É muito importante começar a tratar o tétano ao primeiro sinal. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 457 Prevenção: Mesmo nos melhores hospitais, muitos doentes com tétano morrem. É mais fácil prevenir o tétano do que tratá-lo. t A vacina é a protecção mais segura contra o tétano. Tanto as crianças como os adultos devem ser vacinados. A vacinação antitetânica da grávida e das mulheres em idade fértil evita o tétano no recém-nascido. t Quando se tem uma ferida, limpá-la e tomar as medidas de profilaxia contra o tétano como está descrito na pág. 262. Em recém-nascidos: t Lavar as mãos com água e sabão antes de cortar e amarrar o cordão umbilical. t Amarrar o cordão umbilical com pinças esterilizadas ou fios limpos e esterilizados. t Cortar o cordão umbilical com uma lâmina nova ou com outro instrumento cortante esterilizado. t Manter o cordão exposto ao ar ou coberto só com roupa limpa. Não amarrar nem aplicar ligaduras. t t Não aplicar substâncias no cordão. Se o cordão ficar sujo, lavar com água e sabão e secar bem com um pano ou toalha limpos. O cordão deste bebé foi mantido seco e ventilado. ELE ESTÁ SADIO. O cordão deste bebé foi mantido muito apertado, coberto e húmido. ELE MORREU DE TÉTANO. AVISO: Não se esqueça de notificar todos os casos de tétano. 458 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Raiva A raiva é geralmente causada pela mordedura dum cão raivoso. Os morcegos e outros animais (por exemplo, gatos, vacas, cabritos, manguços, macacos, e raposas) também podem transmitir a raiva. Além da mordedura, a raiva também se pode transmitir, embora seja mais raro, através da saliva do animal doente de raiva, quando o animal lambe pele lesada, feridas abertas, a boca ou os olhos. Sintomas e sinais: NO ANIMAL: NA PESSOA: v Comportamento estranho – algumas vezes triste, irrequieto, ou irritável. v Dor e formigueiro na área da mordedura. v O animal selvagem muda de comportamento, parecendo domesticado, podendo entrar nos quintais ou nas casas. v Espuma pela boca, não consegue comer ou beber. v Algumas vezes o animal fica bravo (louco) e pode morder qualquer pessoa ou qualquer coisa que esteja perto dele. v A pessoa fica alerta e “excitada”, e pode parecer “histérica”. Podem ocorrer ataques de furor. v Dificuldade ao engolir. Fica mais agitada quando lhe oferecem água para beber (hidrofobia). v Quando a morte se aproxima, respiração irregular, convulsões (ataques) e paralisia. Os primeiros sintomas aparecem entre 10 dias e 7 anos após a mordedura (geralmente, de 3 a 8 semanas). Depois do início da doença, nenhum tratamento conhecido pela ciência médica pode salvar a vida da pessoa com raiva. Tratamento: O objectivo é aliviar o sofrimento do doente. Aconselha-se doses altas de diazepam (ver pág. 727) ou outro calmante disponível. O risco de apanhar raiva dum doente é muito pequeno. Mesmo assim, os trabalhadores de saúde e a família devem tomar cuidado para não serem mordidos, ou terem contacto com a saliva do doente, devem usar aventais, luvas, óculos e máscaras. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 459 Notificação Todos os casos suspeitos de raiva devem ser notificados através do sistema de vigilância epidemiológica. Exemplo de definição do caso Considera-se caso de raiva quando, após uma mordedura de um animal, o doente apresenta os seguintes sintomas: dor e formigueiro na área da mordedura, ansiedade, irritabilidade, mal-estar geral, medo de água. A doença leva invariavelmente à morte. Prevenção: No caso de qualquer mordedura ou arranhão de animais: Em casa: Na unidade sanitária: t t Lavar a ferida com bastante água corrente e sabão, durante pelo menos 5 minutos t Eliminar completamente o sabão com abundante água t Desinfectar a ferida com álcool a 70% (ver pág. 738) ou com tintura de iodo (ver pág. 741) t t Não suturar a ferida t Tratar com antibióticos se a ferida estiver infectada (ver pág. 254) Lavar imediatamente a ferida com bastante água corrente e sabão, repetindo por duas vezes t Eliminar completamente o sabão com abundante água t Se possível, desinfectar com álcool a 70% ou com tintura de iodo t Não fechar o ferimento; deixálo ao ar livre t Levar a pessoa mordida imediatamente à unidade sanitária mais próxima Administrar profilaxia antitetânica (ver pág. 262) Em todos os casos de mordedura, escoriações, arranhões, e lambidelas na pele lesada, na boca ou nos olhos, transferir o doente para uma unidade sanitária onde a vacina anti-rábica esteja disponível. Uma lambidela em pele não lesada não precisa de vacinação, mesmo se o animal está com raiva. 460 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Amarrar ou colocar o animal numa jaula por 10 dias se não tem sinais de raiva. AVISO A lavagem imediata da ferida suspeita com abundante água e sabão é a medida mais importante para a prevenção da raiva humana. Suspeita dum caso de raiva animal Sempre que se suspeita que um animal tem raiva deve-se: t t t t evitar agarrá-lo ou manipulá-lo. avisar imediatamente o serviço de veterinária, a autoridade local e/ou a polícia. procurar capturar o animal e mantê-lo em observação durante 10 dias. caso isto não seja possível, o animal deve ser abatido, assim como outros animais eventualmente mordidos por ele. Se o animal morrer ou for abatido, deve-se envidar esforços para confirmar ou excluir a raiva. Para tal, o cérebro do animal suspeito deve ser entregue ou enviado para um serviço de veterinária. O animal ou a cabeça devem ser enviados dentro dum saco plástico, numa caixa isotérmica com gelo ou acumuladores. O envio deve ser acompanhado por uma Ficha do Registo que contém informação relacionada com: 1. Identificação e descrição completa do animal. 2. Identificação da residência do dono, caso exista. 3. Descrição dos sinais importantes da doença. 4. Circunstâncias da mordedura e captura. A caixa deve ser fechada, selada e identificada com um aviso e só deverá ser aberta à chegada, nos serviços de veterinária: AVISO Contém material infectado perigoso! Por favor NÃO ABRIR a caixa! OUTRAS DOENÇAS GRAVES 461 Prevenção da raiva animal: t t Vacinar todos os cães e gatos t Se levar o cão a passear, ele deve ir preso com uma coleira e trela, ou com uma corda t t Eliminar os animais sem dono t Manter as crianças longe de qualquer animal que pareça doente ou tenha comportamento estranho t Capturar e observar durante 10 dias os animais domésticos que tiverem mordido alguém, ou que sejam suspeitos de raiva t Comunicar o comportamento anormal de qualquer animal às autoridades veterinárias Evitar que os cães saiam de casa ou do quintal Evitar possuir macacos ou outros animais selvagens como animais de estimação Febres virais Estas são doenças causadas por vários tipos de vírus e que são muitas vezes confundidas com a malária. Estes vírus são transmitidos por mosquitos do tipo Aedes, diferentes dos que transmitem a malária. Estas doenças surgem muitas vezes em epidemias (quando muitas pessoas adoecem ao mesmo tempo), geralmente durante a estação quente, da chuva. Febre de chikungunya e dengue (febre quebra-ossos) Embora a febre de chikungunya (chingwinwinya, na língua maconde) muitas vezes não seja grave, pode confundir-se com a dengue, que pode ser grave. A chikungunya é frequente e às vezes surge em epidemias. Uma outra que pode causar epidemias é a febre de dengue. Sintomas e sinais: v O doente sente-se muito mal v Febre alta e súbita v Dores intensas no corpo, cabeça e garganta v Poliartrite (dores nas articulações) que pode persistir por meses v Náusea e dores abdominais v Erupção na pele v Em alguns casos pode haver hemorragias debaixo da pele (manchas pequenas na pele) ou graves hemorragias internas. 462 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Prevenção: Veja as medidas do controle dos mosquitos e protecção pessoal na pág. 210. Tratamento: t t Não há tratamento para estes vírus, mas a doença desaparece por si t Em caso de hemorragia grave, tratar o choque (ver pág. 243) Repouso, beber bastantes líquidos, tomar paracetamol (mas NUNCA AAS) para a febre e dor Notifique todos os casos de febre com hemorragia, e todas as epidemias. Marburg e ébola Estas doenças são causadas por vírus e provocam muitos óbitos. São muito contagiosas e ocorrem em epidemias. Transmissão: A transmissão faz-se por contacto directo de pessoa a pessoa e através da reutilização de agulhas não esterilizadas. Sintomas e sinais: Na fase inicial os sintomas são semelhantes aos de uma gripe, malária ou gastroenterite: Depois: v O doente sente-se muito mal v Confusão mental v Erupção que se inicia na face e pescoço e se estende depois aos membros v Hemorragias generalizadas v Febre alta e súbita v Dores de cabeça e garganta v Dores musculares v Náusea e vómitos v Diarreia OUTRAS DOENÇAS GRAVES 463 Tratamento: Notificar imediatamente e chamar apoio, sempre, mesmo que haja um único caso de febre com hemorragias. Não transferir o doente sem autorização – pode espalhar a doença. Isolar o doente e usar luvas, aventais, máscaras, protectores oculares e botas, para protecção pessoal. z Não há tratamento para estes vírus z Repouso, beber bastantes líquidos, tomar paracetamol (mas NUNCA AAS) para a febre e dor. Em caso de óbito, não deixe a família tocar no corpo. Use as mesma precauções que usou para cuidar do doente. Sempre que suspeitar dum caso de febre hemorrágica, isolar o doente e usar protecção individual. Prevenção Usar sempre as medidas de biossegurança (ver capítulos 8 e 9). Febre tifóide A febre tifóide é uma infecção causada por bactérias da espécie Salmonelas. Caracteriza-se por sintomas gastrointestinais e gerais. Transmissão: Transmite-se das fezes para a boca através dos alimentos ou água contaminados. É uma doença perigosa. 464 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Sintomas e sinais: Primeira semana: Segunda semana: v Dor de cabeça, fraqueza, mal-estar v Fraqueza, apatia, perda de peso v Febre, que sobe um pouco cada dia até chegar a 40º ou mais v Febre alta, pulsação relativamente lenta v A pulsação é mais lenta do que esperado em relação à febre presente v Tosse seca v Prisão de ventre, por vezes diarreia Terceira semana: Quarta semana v Febre alta, fraqueza v Se não há complicações a febre e outros sintomas desaparecem lentamente. v Confusão (o doente não pensa claramente e diz coisas sem sentido) v Complicações como hemorragia intestinal e perfuração do intestino (abre-se um buraco no intestino, causando peritonite (ver pág. 263) Por vezes, as complicações, como hemorragia intestinal e perfuração do intestino, podem aparecer mais tarde. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 465 Tratamento: t t Transferir para uma unidade sanitária com mais recursos. t t Aliviar a febre. Dar cloranfenicol antes de transferir (ver pág. 700). Se não há cloranfenicol, use ampicilina (ver pág. 698), ou amoxicilina (ver pág. 697), ou cotrimoxazol (ver pág. 699). Administrar líquidos. Prevenção: t Para prevenir a febre tifóide, deve-se tomar todos os cuidados para evitar a contaminação da água e alimentos com fezes humanas. Seguir as regras de higiene pessoal e saneamento indicadas no capítulo 11. t Casos de febre tifóide muitas vezes ocorrem depois duma cheia ou outra catástrofe, e nessas ocasiões devem ser tomados cuidados especiais com a higiene. t Mesmo depois de recuperar da febre tifóide, algumas pessoas são portadoras da doença e podem transmiti-la aos outros. Por esse motivo, qualquer pessoa que já teve febre tifóide deve ter muito cuidado com a higiene pessoal e precisa de seguimento e tratamento se for necessário. Tifo O tifo é uma doença parecida com a febre tifóide. É transmitido pela picada de: piolho 466 OUTRAS DOENÇAS GRAVES carraça pulga do rato Sintomas e sinais: v Febre com calafrios. v Dores de cabeça e dores generalizadas. v Alguns dias depois (4º a 7º) surge uma erupção de manchas pequenas que começam no tronco e depois se alastram a todo o corpo excepto rosto, palma das mãos e planta dos pés. Tratamento: Se houver suspeita dum caso de tifo, transferir o doente para uma unidade sanitária com mais recursos. Prevenção: t t t Manter a higiene pessoal. Despiolhar com regularidade. Tomar as medidas contra ratos e pulgas, como indicado para a peste (ver pág. 468). Febre reumática Esta doença ocorre em crianças e adolescentes. Geralmente começa aproximadamente 20 dias depois da pessoa contrair uma infecção na garganta provocada pelo estreptococo ou, mais raramente, após infecção na pele. Sintomas e sinais (geralmente 3 ou 4 estão presentes): v Febre. v Dor nas articulações, principalmente nos pulsos, tornozelos, joelhos e cotovelos. As articulações ficam inchadas e, muitas vezes, quentes. v Caroços debaixo da pele. v Nos casos mais graves, fraqueza, respiração difícil, e, às vezes, dor no peito. Se suspeitar de febre reumática, transfira o doente para uma unidade sanitária com mais recursos. Há risco de doença permanente do coração. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 467 Prevenção: Para evitar a febre reumática, deve tratar-se a infecção estreptocócica logo no início com penicilina (ver pág. 693). Uma vez diagnosticada a febre reumática pela primeira vez, a criança deve iniciar um programa de profilaxia de novos ataques de febre reumática até pelo menos aos 21 anos de idade, ou mais tempo, se tiver lesões cardíacas. A profilaxia faz-se com penicilina benzatínica (ver pág. 696) ou com fenoximetilpenicilina oral (ver pág. 694). Tripanossomíase (doença do sono) É uma infecção perigosa provocada por parasitas de nome Tripanossoma, transmitida dos animais selvagens e gado bovino para o homem, pela mosca tsé-tsé. Isto ocorre em algumas zonas rurais. Sintomas e sinais: z Febre crónica irregular, inchaço dos gânglios linfáticos do pescoço, axilas e virilha. z Isso pode ocorrer durante semanas ou anos. z Dores de cabeça e articulares. z Numa fase mais adiantada, o doente apresenta apatia, alterações do comportamento e finalmente sono profundo e prolongado durante o dia. Todos os casos que não forem tratados acabam em morte. No caso de suspeita de tripanossomíase, transferir o doente para uma unidade sanitária com mais recursos para diagnóstico e tratamento. Prevenção: Existem armadilhas próprias para controlar a mosca tsé-tsé. Se elas constituem um problema na sua comunidade, peça ajuda às autoridades veterinárias. Peste A peste é causada por uma bactéria. A pessoa é infectada pela picada da pulga do rato. 468 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Sintomas e sinais: z febre elevada z dores de cabeça e musculares z aumento e dor dos gânglios linfáticos, frequentemente na virilha. Por vezes os gânglios drenam pus. Raramente, surgem casos de pneumonia grave ou peste generalizada, sem aumento dos gânglios. A morte pode ocorrer com frequência nos casos não tratados. AVISO: Se houver suspeita de um caso de peste, notificar com urgência. Pode ser o início duma epidemia. Exemplo de definição de caso Febre alta e mal-estar geral, aumento e dor dos gânglios linfáticos: virilha, axilas ou pescoço. Tratamento: É importante iniciar o tratamento logo que seja possível com um antibiótico: t t t t Estreptomicina (que pode ser disponibilizada durante a epidemia. Seguir as instruções das autoridades sanitárias). Gentamicina (ver pág. 701). Cloranfenicol (ver pág. 700). Doxiciclina (ver pág. 701). Drenar os abcessos sempre que for necessário e dar paracetamol ou AAS oral em SOS. t O doente deve ser internado no hospital ou no local organizado pelas unidades sanitárias. O doente e os seus objectos pessoais devem ser desinfestados com o insecticida recomendado pelas autoridades sanitárias. Isolar o doente com pneumonia até completar dois dias de tratamento com antibiótico. Os trabalhadores de saúde deverão proteger-se com máscaras. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 469 Medidas durante uma epidemia Tomar as medidas gerais indicadas para o controlo das epidemias (ver capítulo 14). As medidas específicas de controlo são organizadas pelas autoridades competentes: v Desinfestar os contactos com o insecticida recomendado. v Quimioprofilaxia, durante 7 dias, aos familiares e aos trabalhadores de saúde: doxiciclina (ver pág. 701), ou cotrimoxazol (ver pág. 699). v O controlo das pulgas do rato é prioritário. Só se deve começar com a eliminação dos ratos quando as pulgas estiverem controladas, caso contrário as pulgas podem saltar dos corpos dos ratos para as pessoas. Pela mesma razão, não se deve pegar em ratos mortos. Prevenção: Controlar os ratos, mantendo o ambiente limpo, sem lixo. Brucelose (febre ondulante) Esta é uma doença causada por uma bactéria de nome Brucella. Transmissão: A transmissão faz-se de animal ao homem, através do leite não pasteurizado ou não fervido ou ao comer derivados do leite, como o queijo de vacas ou cabras infectadas por Brucella. A bactéria da brucelose também pode entrar no corpo através dos arranhões ou feridas na pele ou por inalação, em pessoas que trabalham com gado, cabras ou porcos. Evite a brucelose: nunca beba leite não tratado 470 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Sintomas e sinais: v A brucelose pode começar com febre e calafrios, mas muitas vezes começa lentamente, com cansaço progressivo, fraqueza, perda de apetite, dores de cabeça, suores, irritabilidade, aumento dos gânglios linfáticos cervicais ou axilares e algumas vezes dores nas articulações. v A febre pode ser baixa ou alta. Na brucelose crónica, a febre pode desaparecer por vários dias e voltar depois. v Sem tratamento, a brucelose pode durar vários anos e levar a complicações, particularmente nas articulações ou ossos. Tratamento: Se suspeitar de brucelose, transferir o doente para uma unidade sanitária com mais recursos, porque é fácil confundir esta doença com outras. Prevenção: t Beber leite de vaca apenas se tiver sido fervido ou pasteurizado. Não comer queijo feito com leite que não foi fervido ou pasteurizado. t Ter cuidado ao lidar com o gado, cabras, e porcos, em especial se tiver cortes ou arranhões. t Cooperar com os inspectores que fiscalizam os animais, para se ter a certeza de que os mesmos estão sadios. Cegueira dos rios (oncocercose) Esta doença é um tipo de filáriase que foi vulgar em algumas partes de África, mas já está sendo eliminada. A infecção é causada por pequenos vermes que são transmitidos de pessoa a pessoa por pequenas moscas-pretas que se reproduzem em correntes de águas rápidas. Os vermes são injectados na pessoa pela picada da mosca-preta. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 471 Sintomas e sinais: v Caroços debaixo da pele. Estes caroços (não causam dor, e têm 2 a 3 cm de tamanho) contêm os vermes já crescidos, e produzem as larvas que se alastram extensivamente pela pele e tecidos. v Comichão v Engrossamento da pele MOSCA-PRETA tamanho real v A pele torna-se, a pouco e pouco, cada vez mais enrugada, como a pele do idoso. Podem aparecer manchas e pintas brancas na perna, muitas vezes chamadas de “pele de leopardo”. Em certos casos há uma dermatite seca generalizada (pele escamosa e áspera) nos membros inferiores e nádegas. v As larvas podem chegar aos olhos, principalmente quando existem nódulos na cabeça. Isso causa irritação nos olhos e, eventualmente, a cegueira. É por essa razão que chamam à oncocercose a “cegueira dos rios” Se há suspeita de oncocercose, transferir o doente para uma unidade sanitária com mais recursos. Um “pedaço de pele” pode ser analisado ao microscópio e as larvas serão visíveis. Tratamento: O tratamento precoce pode evitar a cegueira. O tratamento deve começar logo que surgem os primeiros sintomas. Não se deve esperar que os sinais nos olhos apareçam, pois o tratamento torna-se então mais difícil. O tratamento feito no início evita a cegueira e também ajuda a limitar a transmissão da doença. 472 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Paralisia dos membros Há muitas causas de paralisia, nos adultos e nas crianças. Antigamente, uma das causas mais frequentes de paralisia era a poliomielite (pólio). Felizmente, esta já está sendo erradicada no mundo através de vacinação. Por isso, é importante manter a vigilância porque ainda podem aparecer casos. Nos casos de paralisia: Deve-se perguntar se a paralisia começou de repente (aguda) ou se foi gradual. Depois, observar o doente para ver se a paralisia é : v desigual. v flácida (os músculos apresentam-se flácidos (moles) e os reflexos dos joelhos estão ausentes). v espástica (os músculos apresentam-se contraídos e rígidos e os reflexos estão aumentados). Nas crianças com menos de 15 anos: A paralisia flácida de início súbito pode ser devida a poliomielite e deve ser classificada como uma paralisia flácida aguda (PFA). A paralisia devida à poliomielite é aguda (começa de repente). Os sintomas iniciais da doença são: febre, cansaço, dores de cabeça, vómitos, e dores dos membros. Às vezes há rigidez de nuca. Não há perda de sensibilidade. Para se ter a certeza de que já não existe poliomielite, todos os casos suspeitos de paralisia flácida aguda (PFA) devem ser conduzidos à unidade sanitária mais próxima. Na unidade sanitária, as investigações e a notificação do caso devem ser iniciadas o mais breve possível, incluindo a colheita de 2 amostras de fezes, de preferência dentro dos primeiros 14 dias depois do início da paralisia. As amostras de fezes podem ainda ser colhidas até 60 dias depois do início da paralisia. Um exame de seguimento para definir a paralisia residual deve ser feito 60 dias após o início da paralisia. Notificação Todos os casos de PFA e poliomielite devem ser notificados. Definição de caso de PFA Todos os doentes com idade inferior a 15 anos que apresentam uma PFA, e não se encontra outra causa de paralisia. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 473 Poliomielite Todos os casos de PFA que apresentam pelo menos uma das seguintes características: z Sequelas físicas aos 60 dias z Vírus de pólio isolado nas fezes z Óbito, sobretudo se ocorreu nos primeiros 10 dias após o início da paralisia ou se a criança teve problemas respiratórios z Perda de seguimento do caso Nesta fase, em que a poliomielite está a ser erradicada, um caso de poliomielite representa uma epidemia. Deve ser considerada suspeita de poliomielite qualquer criança com menos de 15 anos de idade com paralisia flácida aguda (PFA). Outras causas de paralisia z Trombose (AVC), mais frequente nos adultos. A paralisia é desigual z Uma lesão da coluna (muitas vezes tuberculose) z Uma doença do sistema nervoso z Konzo: paralisia espástica e igual, nas áreas onde a mandioca é o alimento de base Transferir todos os doentes com paralisia para uma unidade sanitária com mais recursos: 1. Pode ser uma PFA que precisa de ser notificada. 2. Pode ser devida a uma doença que pode ser tratada, por exemplo tuberculose da coluna. 3. O doente precisa de reabilitação física. 474 OUTRAS DOENÇAS GRAVES Tratamento: Não existe medicamento específico contra a paralisia. Contudo, muitas vezes, parte ou toda a força muscular perdida volta lentamente. Para o início do tratamento, dar paracetamol para aliviar a dor e colocar compressas quentes nos músculos doloridos. Manter os membros em posição de conforto e evitar contracturas e escaras. Com cuidado, esticar os braços e pernas para que o doente fique deitado o mais direito possível e tomar as medidas indicadas para prevenir escaras. Exercite o ombro, levantando o braço para cima e para trás da cabeça e lateralmente o mais longe possível. Exercite o cotovelo, gentilmente, trazendo a mão para o mais próximo possível do ombro. Exercite o joelho, levantando a anca e aproximando-a do peito e lateralmente o mais longe possível. Prevenção: Para a prevenção de konzo: t t Recomendar uma dieta variada Processar a mandioca amarga para tirar o cianeto (ver pág. 166) NOTA: Assegurar que as crianças sejam vacinadas contra a pólio, ao nascimento e aos 2, 3, e 4 meses de idade. Colaborar com as campanhas de vacinação. OUTRAS DOENÇAS GRAVES 475 Reabilitação física A pessoa que ficou incapacitada devido à paralisia deve ter uma alimentação variada e equilibrada e fazer exercícios para fortalecer os músculos. Ajudar a pessoa a aprender a caminhar da melhor forma possível. Arranjar duas varas como estas para se apoiar. Aparelhos para as pernas, muletas e outros tipos de apoio podem ajudar a pessoa a andar e podem evitar deformidades. Paralisia da face Se uma pessoa jovem ou de meia-idade de repente fica com um lado do rosto paralisado, sem qualquer outro sinal de trombose, provavelmente está com uma paralisia passageira do músculo do rosto (paralisia de Bell). Geralmente desaparece por si própria num período de semanas ou meses. A causa quase sempre é desconhecida. Não é necessário nem existe tratamento. Se o olho não fecha completamente, colocar um penso à noite para evitar que o olho fique seco. A face também pode ficar paralisada devido a um AVC. Insuficiência renal aguda Manifesta-se por o doente urinar uma quantidade pequena de urina. É reversível ou irreversível, dependendo da rapidez com que se inicia o tratamento. É devida a várias causas: z Dificuldade na circulação do sangue para os rins, como acontece, por exemplo, na malária, hemorragia, cólera e diarreia. z Doenças do rim. z Obstrução das vias urinárias: aumento da próstata, cancro, pedras nos rins. AVISO: Os doentes com insuficiência renal aguda devem ser transferidos com urgência para uma unidade sanitária com mais recursos. 476 OUTRAS DOENÇAS GRAVES