Agricultura sustentável

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Agricultura
sustentável
Por Luis Fernando Wolff
A agricultura tradicional é definida
pelo conjunto de técnicas de cultivo utilizadas há vários séculos por comunidades
camponesas ou indígenas. Fundamentase na utilização de recursos naturais e de
mão-de-obra direta. Historicamente tem
sido praticada em pequenas propriedades e destina-se, basicamente, à própria
subsistência da comunidade, produzindo uma grande variedade de produtos.
A partir do final da Segunda Guerra
Mundial teve início o declínio desses procedimentos tradicionais de cultivo. Na
década de 1960, começou a ser implantada uma nova agricultura, denominada
agricultura moderna, caracterizada pelo
uso intensivo de insumos externos, utilização de máquinas pesadas, manejo
inadequado do solo, uso de adubação
química e pesticidas.
Esse tipo de agricultura, praticada
atualmente, também conhecida por agricultura moderna, convencional, química
ou de consumo. Essa agricultura, que teve origem nas modificações técnicas da
produção agrícola, a chamada modernização do processo de cultivo, apresenta
como primeira consequência o consumo
exagerado de insumos externos, gerados fora da propriedade ou da região,
que, geralmente, são caros e causam a
dependência financeira, tecnológica e
biológica do produtor. Da mesma forma,
a aplicação não é de conhecimento e
controle do produtor, de onde vem a dependência tecnológica e, junto com ela,
a biológica, no que se refere à manipula-
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ção genética e uso de microorganismos.
As sementes tradicionais, selecionadas e utilizadas pelos camponeses,
ano após ano, estão se perdendo. Hoje,
existe apenas uma pequena variedade
de plantas para obter a mesma produção
a cada safra. Em geral, o produtor não
consegue mais utilizar a mesma semente, tem que adquirir outras variedades e
usar novos insumos. É o que acontece
com a semente híbrida, que exemplifica
a típica ideologia da agricultura moderna: o consumo permanente.
Na agricultura moderna, todos os dejetos, efluentes ou resíduos tornam-se lixo
que é depositado na natureza, causando
impacto ambiental. Esta maneira de pensar consumista é uma concepção muito
nova, moderna, destruidora, não-regenerativa que reflete a falta de harmonia entre
homem e ambiente e a despreocupação
com o todo. O mesmo acontece nas cidades, o que significa que o homem polui
a si mesmo. A utilização de máquinas pesadas também faz parte da ideologia da
agricultura moderna. No entanto, estas
máquinas são caras e exigem financiamentos que causam o endividamento do
produtor agrícola. Outro inconveniente
do uso de máquinas pesadas é o grande
impacto na estrutura do solo e o afastamento do agricultor da terra.
A desestruturação do solo causa
a pulverização e compactação da terra.
O afastamento do agricultor da terra faz
com que se perca o contato, o diálogo
com a natureza e a observação das plan-
tas e animais. Além disto, também possui
consequências sociais, como a migração
do colono para as cidades por causa de
financiamentos que acabam comprometendo a propriedade.
O manejo inadequado e o uso intensivo do solo provocam desestruturação.
Na camada mais superficial, o solo fica desintegrado, pulverizado. Na camada mais
profunda, o solo fica compactado pelo
uso sistemático de máquinas pesadas.
Com o tempo, forma-se uma camada dura e compactada embaixo da terra e uma
camada fofa e pulverizada em cima, que,
teoricamente, seria o ideal para receber
a semente. No entanto, essas condições,
aliadas à chuva, causam o deslocamento
do solo, também chamado de perda de
solo anual, a dificuldade de penetração
e fixação das culturas, a dificuldade de
trocas químicas, de absorção de água
e oxigênio e a intoxicação ou eliminação total da microvida. Esse é o custo
ambiental da agricultura moderna e do
manejo inadequado do solo.
A adubação química pesada, de alto
custo, causa o desequilíbrio fisiológico da
planta, o desequilíbrio ecológico do solo
e a dependência do agricultor. As plantas
possuem um mecanismo de resistência
a “pragas” — o termo correto seria “insetos com fome” (Teoria da Trofobiose,
de Francis Chaubossou) — que se baseia
em seu equilíbrio fisiológico.
As plantas equilibradas não são boas
hospedeiras ou bons alimentos para bactérias, fungos, vírus, insetos, nematóides,
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ácaros. Isso ocorre porque essas plantas apresentam em sua seiva proteínas
complexas que não podem ser desdobradas por esses organismos pela falta
de enzimas necessárias para promover
a quebra das cadeias de proteínas. Já
as plantas desequilibradas por estresse,
por aplicação de produtos químicos, por
variações de clima, por inadequação da
espécie à região, são bons alimentos,
pois possuem menor capacidade de metabolização dos aminoácidos livres para
transformá-los em proteínas complexas.
Dessa forma, o inseto dito “praga” tem
condições de evoluir, já que os aminoácidos livres são alimento para ele.
O desequilíbrio biológico do solo, causado pela utilização de produtos
químicos, afeta microorganismos responsáveis pela disponibilidade de nutrientes
importantes para a planta que não consegue absorvê-los através de suas raízes.
Dessa forma, não existe a colaboração de
microorganismos do solo para processamento da matéria orgânica. Essa microvida
está sendo sistematicamente eliminada.
Além disso, quando o agricultor trabalha
constantemente com adubação química,
cria a necessidade cada vez maior de utilização de nutrientes químicos, ocorrendo
sua dependência econômica e cultural.
O uso frequente e intensivo de biocidas (herbicidas, inseticidas, acaricidas,
nematicidas, fungicidas) é uma prática de
consequências bastante graves. Os adeptos da agricultura moderna não gostam
desse termo, mas, na verdade, biocidas
são produtos que matam a vida. Alguns
matam ervas, insetos, ácaros, mas se o
homem entra em contato com estes produtos também acaba morrendo ou tendo
doenças como câncer e degenerações
genéticas. O que fica bem caracterizado
dentro do modelo de agricultura moderna
é a dependência tecnológica e cultural. A
cultura agrícola camponesa, tradicional,
vai se perdendo com o tempo, principalmente com o desrespeito ao agricultor e
a supervalorização do técnico-cientista,
que impõe técnicas importadas, desconhecidas pelo agricultor, assim como
acontece com os insumos.
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A destruição de alimentos, o consumo exagerado, a insustentabilidade
a longo prazo e o balanço energético
negativo também são características próprias da agricultura moderna. Dentro das
estruturas de transformação de alimentos, a perda e a ineficiência do processo
são muito grandes. A destruição de alimentos pode ser observada através das
questões de mercado, da estocagem, do
transporte e da comercialização.
A agricultura moderna, extremamente consumista, não fecha ciclos, não
tem a preocupação de reciclar, regenerar,
fazer com que o produto retorne para a
fonte. Isso é observado nos lixões das
cidades. O material orgânico não retorna
para a agricultura em forma de adubo e
o material mineral — latas, vidros — não
retorna para a produção. Tudo é consumido ou descartado. O não fechamento
de ciclos tem um balanço energético negativo. A sociedade moderna consome
mais do que produz e isto tem reflexos
na insustentabilidade da agricultura moderna. Considerando-se a história da
humanidade, este novo modelo de agricultura está em prática há um período
muito curto. No entanto, já mostra seu
colapso. Deve-se perceber este colapso e encontrar caminhos. Um deles é
retomar a agricultura tradicional do camponês, conhecer fundamentos e práticas
agrícolas já esquecidas e buscar alternativas sustentáveis para a agricultura.
Como alternativa à agricultura moderna amplamente praticada atualmente,
a agricultura ecológica começa a se estender no mundo e no Brasil através de
diversas correntes que se diferenciam em
alguns pontos, mas possuem princípios
comuns. Estas tendências têm origem
e precursores diferentes, recebem denominações específicas — Orgânica,
Biodinâmica, Natural, Permacultura, Alternativa, Nasseriana —, mas possuem
o mesmo objetivo: promover mudanças
tecnológicas e filosóficas na agricultura.
Agricultura Orgânica: É a mais antiga
e tradicional corrente da agricultura ecológica. Teve origem na Índia e foi trazida
por acadêmicos franceses e ingleses,
ainda hoje influenciando a sua sistemática de trabalho. A agricultura orgânica
é baseada na compostagem de matéria
orgânica, com a utilização de microorganismos eficientes para processamento
mais rápido do composto; na adubação
exclusivamente orgânica, com reciclagem de nutrientes no solo; e na rotação
de culturas. Os animais não são utilizados na produção agrícola, a não ser
como tração dos implementos e como
produtores e recicladores de esterco.
Agricultura Biodinâmica: Originária da
Alemanha, é baseada no trabalho de Rudolf Steiner. As principais características,
além da compostagem, é a utilização
de “preparados” homeopáticos ou biodinâmicos, elementos fundamentais na
produção que são utilizados para fortalecimento da planta, deixando-a resistente
a determinadas bactérias e fungos, e do
solo, ativando sua microvida. Os animais
são integrados na lavoura para aproveitamento de alimentos, ou seja, aquilo que
o animal tira da propriedade volta para a
terra. A importação de adubo orgânico
não é permitida, pois materiais orgânicos de fora da propriedade ou da região
não são adequados por não possuírem a
bioquímica, a energia ou a vibração adequada à cultura. Existe a preocupação
com o paisagismo, com a arquitetura e
com a captação da energia cósmica. A
agricultura biodinâmica está baseada na
Antroposofia, que prega a importância
de conhecer a influência dos astros sobre todas as coisas que acontecem na
superfície da terra.
Agricultura Natural: Com origem no Japão, a principal divulgadora desta corrente
de trabalho ecológico é a Mokiti Okada
Association (MOA). Além da compostagem, utilizam microorganismos eficientes
que têm capacidade de processar e desenvolver matéria orgânica útil. Utilizam a
adaptação da planta ao solo e do solo à
planta. Este é o primeiro passo para a manipulação genética e, consequentemente,
para a dominação tecnológica, característica semelhante à agricultura moderna,
não sendo bem aceita por outras correntes da agricultura ecológica.
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Permacultura: Tem origem na Austrália
e no Japão e segue o pensamento de Bill
Mollison. As características são os sistemas
de cultivo (sistemas agro-silvo-pastoris)
e os extratos múltiplos de culturas. Utilizam a compostagem, ciclos fechados de
nutrientes, integração de animais aos sistemas, paisagismo e arquitetura integrados.
Na Permacultura não existem tecnologias
adequadas ou próprias, mas sim “tecnologias apropriadas”. A comunidade tem
determinada importância, deve ser autossustentável e autossuficiente, produzindo
seus alimentos, implementos e serviços
sem a existência de capital.
Agricultura Alternativa: Seus precursores no Brasil foram Ana Primavesi, José
Lutzenberger, Sebastião Pinheiro, Pinheiro
Machado e Maria José Guazelli. Os princípios desta corrente são a compostagem,
adubação orgânica e mineral de baixa
solubilidade. Dentro da linha alternativa,
o equilíbrio nutricional da planta é fundamental. Aparece, então, o conceito de
Trofobiose, que considera a fisiologia da
planta em relação à sua resistência a “pragas” e “doenças”. Outra característica é o
uso de sistemas agrícolas regenerativos, e
daí surgiu a agricultura regenerativa, termo
defendido por José Lutzenberger. Outras
pessoas dentro desta mesma tendência
adotaram o termo agroecologia (Miguel
Altieri) que possui um cunho político e
social. A agroecologia prioriza não só a
produção do alimento, mas também o
processamento e a comercialização. Esta
linha também se preocupa com questões
sociais como a luta pela terra, fixação do
homem ao campo e reforma agrária.
Nasseriana: É a mais nova corrente da
agricultura ecológica e tem como base a
experiência de Nasser Youssef Nasr no
estado do Espírito Santo. Também chamada de biotecnologia tropical, defende
o estímulo e manejo de ervas nativas e
exóticas, a multidiversidade de insetos
e plantas, a aplicação direta de estercos e resíduos orgânicos na base das
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plantas, adubações orgânicas e minerais
pesadas. Nasser diz que a agricultura de
clima tropical do Brasil não precisa de
compostagem, pois o clima quente e as
reações fisiológicas e bioquímicas intensas garantem a transformação no solo
da matéria orgânica. No Brasil, defende
Nasser, o esterco deve ser colocado diretamente na planta, pois esta sabe o
momento apropriado de lançar suas radículas na matéria orgânica que está em
decomposição, e os microorganismos
do solo buscam no esterco os nutrientes necessários para a planta e os levam
para baixo da terra. Outro ponto interessante é o uso de ervas nativas e exóticas
junto com a cultura para que haja diversidade de inços. Desta forma, é preciso
manejar as ervas nativas de maneira que
elas mantenham o solo protegido e façam adubação verde. Não temos uma
agricultura de solo, mas de sol.
Todas estas diversas correntes e tendências dentro da agricultura ecológica
concordam que a agricultura sustentável
precisa de alguns princípios básicos para
se implantar como tal. O primordial seria
o respeito, a observação e o diálogo com
a natureza. Um verdadeiro camponês,
agricultor, agrônomo ou técnico agrícola
deve ter a capacidade de perceber e de
entender o que está acontecendo com
a planta e com o animal. Isto resulta no
uso da natureza a favor da cultura.
Também é importante o aproveitamento de recursos naturais renováveis, a
reciclagem de lixo orgânico e de resíduos,
a adubação orgânica e a humidificação
do solo, a adubação mineral pouco solúvel, o uso de defensivos naturais, o
controle biológico e mecânico de insetos e ervas, a permanente cobertura do
solo e a adubação verde.
Outras técnicas comuns são a diversificação dos cultivos e dos animais,
a consorciação e a rotação de culturas e
a não-utilização de agrotóxicos, adubos
químicos solúveis e hormônios vegetais ou
animais. Com relação a defensivos naturais, alguns são tolerados pela agricultura
ecológica. Nenhuma corrente recomenda
produtos para controle de insetos, ácaros
ou fungos, mas existe a possibilidade de
usar extratos e caldas vegetais — piretro,
nicotina, retonona, sabadilha —, pó de
enxofre, calda bordalesa e sulfocálcica,
sulfato de zinco, permanganato de potássio. Esses produtos são usados com
pouco ou menor impacto ambiental. Soluções de óleo mineral, querosene e sabão
são produtos que podem ser usados, pois
não são intoxicantes ou impactantes no
meio ambiente.
Luis Fernando Wolff, engenheiro agrônomo,
Coordenador Técnico da Fundação Gaia. www.
guiafloripa.com.br
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