o paraguai no contexto da globalizao 1

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XLIII CONGRESSO DA SOBER
“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
O Paraguai e sua inserção econômica na globalização: o caso da soja
Oscar Agustín Torres Figueredo
Engenheiro Florestal, aluno de Doutorado do Pós Graduação em Desenvolvimento Rural da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, (PGDR/UFRGS). Bolsista CAPES/CNPq IEL
Nacional Brasil.
CPF: 827897030-00
Av. João Pessoa, 31 CEP 90040-000, Porto Alegre-RS, Brasil
E-mail: [email protected]
Eduardo Ernesto Filippi
Economista, professor e pesquisador no Departamento de Economia e no PGDR - Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, UFRGS.
CPF: 636751290-04
Av. João Pessoa, 31 CEP 90040-000, Porto Alegre-RS, Brasil
E-mail: [email protected]
Área temática: 3 - Comércio Internacional
Forma de apresentação: apresentação em sessão com debatedor
Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural
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“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
O Paraguai e sua inserção econômica na globalização: o caso da soja
Resumo
Historicamente a agricultura tem organizado a estrutura socioeconômica do Paraguai,
passando por diferentes etapas de prosperidade, declínio por efeitos de guerras e instabilidade
política, prosperando em termos de crescimento econômico no longo período de governo de
Stroessner (1954-1989). Nos últimos anos, com a democratização do país e as novas medidas
econômicas derivadas do Consenso de Washington, a inserção do país na (nova) globalização
enfrentou a instabilidade socioeconômica que determinou o seu estagio de atraso econômico
no novo contexto internacional. Porém, por não ter aplicado todas as medidas recomendadas
pelos organismos financeiros mundiais, a definição dos objetivos de crescimento, está ainda
muito vinculada à crescente dependência da agricultura como principal setor econômico e das
relações internacionais. Hoje, o Paraguai se acha confrontado a sua nova posição no contexto
socioeconômico mundial, decorrente de sua inserção internacional, sobretudo via os canais
comerciais abertos pelo Mercosul, onde a agricultura segue sendo seu principal setor de
integração. O objetivo de nosso trabalho é o de contextualizar a evolução econômica do
Paraguai, a produção da soja e sua expansão através dos brasileiros. Julgamos que tal aporte
se justifica na medida em que são raros os trabalhos em economia agrícola internacional que
contemplem (i) a inserção econômica do país, e (ii) seu setor primário, em particular a
expansão da cultura da soja.
PALAVRAS-CHAVE: Paraguai, Mercosul, globalização, setor primário, soja.
Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
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O Paraguai e sua inserção econômica na globalização: o caso da soja
1 Introdução
O Paraguai é um dos países de menores dimensões físicas da América do Sul, fazendo
parte do bloco do Mercosul, que desde 1991 têm como finalidade à integração regional da
Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. Dentre as características do Paraguai se
destacam sua condição de país mediterrâneo – sem saída direta para o mar -, pouca superfície
(maior unicamente com relação a Equador e Uruguai) e uma população relativamente escassa
e concentrada no lado oriental do rio Paraguai. No panorama internacional, o país nas ultimas
décadas não teve uma grande participação, talvez pela sua população relativamente escassa e
dispersa, com uma dimensão produtiva baseada em grande parte na produção agropecuária e
florestal, uma industrialização deficiente, assim como pelas conseqüências políticas da
ditadura militar do Gral. Stroessner desde a metade do século passado (1954-1989).
Recentemente, o país tem-se caracterizado como grande produtor de soja na região
(atrás apenas do Brasil e Argentina) e exportador de carne, que certamente são os produtos
que possibilitam sua inserção econômica global. Porém, a imagem negativa que se tem do
Paraguai reside principalmente pelo comércio ilícito de produtos eletrônicos, de drogas
(maconha), e de armas.
A condição de país produtor de bens primários tem suas origens no período colonial.
Suportando duas guerras transnacionais, derivadas da conjuntura política e econômica daquela
época e uma ditadura militar prolongada, fez com que o Paraguai adentrasse as últimas
décadas com sérias deficiências de desenvolvimento, uma população crescente, carente de
infraestrutura, alta concentração da pobreza no meio rural, devido ao estancamento do
crescimento econômico em seu conjunto e ainda, com uma moderada e localizada
modernização produtiva inserida no contexto internacional, como forma se adaptar na
globalização mundial.
Assim, o objetivo de este artigo consiste em analisar e interpretar as formas pelos
quais se produziu a inserção na globalização do Paraguai, principalmente na etapa mais
recente, visando entender as múltiplas relações geradas pelo processo de integração,
principalmente no que se refere à expansão da moderna agricultura mecanizada (ou
empresarial) e de sua relação com as condições socioeconômicas do país. Finalmente,
utilizamos a expansão da cultura da soja no Paraguai como o exemplo mais importante de sua
inserção nos mercados globais. Tal inserção, como será mostrado, modificou a paisagem
física e social do Paraguai, colocando-o como um dos novos Eldorados da expansão do
agronegócio na América Latina.
O trabalho inicia-se com uma breve sumarização das principais teorias sobre o
binômio ‘globalização – neoliberalismo’. Em seguida, uma breve descrição das etapas
econômicas do Paraguai e como o país (ou a globalização) foi aprofundando-se até o governo
de Stroessner. Finalmente, nos últimos anos (etapa democrática), as repercussões
socioeconômicas, principalmente no referente à produção e expansão da soja pelos produtores
brasileiros. Julgamos importante nos atermos nesse ponto dado que o Paraguai e sua
economia (ainda) são tratados com certo desdém pelos autores que se debruçam sobre a
dinâmica sócio-econômica dos parceiros do Mercosul.
Este ensaio se baseia em dados oficiais, disponibilizados pelas entidades econômicas e
de pesquisa do Paraguai (Banco Central e Ministério de Fazenda), do Banco Mundial e,
evidentemente, da literatura acadêmica de referência.
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2 Globalização e neoliberalismo
Para alguns estudiosos (Hirst & Thompson, 1998), o fenômeno da globalização não é
nada novo. Segundo esses autores, no decorrer da historia tem acontecidos momentos de
maior o menor globalização, particularmente desde o período do Renascimento (séculos XV e
XVI). Segundo Romero (2002: 16), a globalização tem uma antiguidade de cinco séculos,
surgindo como conseqüência do progressivo aumento das relações de produção, possibilitado
pela ampliação dos conhecimentos científicos e na melhoria da navegação e a guerra 1 .
Historicamente, a América latina é uma região particularmente susceptível a adotar e projetar
modelos derivados das metrópoles dominantes (Cardoso & Brignoli, 1983; Filippi, 2004).
O planeta está cada vez mais inter-relacionado, indivíduos e mercadorias se
transladam com maior facilidades, a informação circula com maior velocidade e em múltiplas
direções. Assim, acontecimentos de origens diversas (tais como as crises financeiras da última
década), podem se repercutir nos lugares mais distanciados do globo. Há coincidências em
conceber a globalização como um processo de mudanças que afetam as relações entre as
nações e uma sociedade global em toda a sua vigência e expansão, podendo-se apontar três
dimensões complementares: econômica (internacionalização do mercado de capitais, da
organização do trabalho, e das denominadas industrias da inteligência); cultural (influenciada
pelos efeitos da informática e avanços nas comunicações); e geopolítica (um novo balanço do
poder político na esfera internacional, evidenciado pelo paradoxo entre, de um lado,
enfraquecimento dos Estados nacionais e, de outro, restabelecimento da noção clássica de
“soberania nacional”). Neste aspecto, a questão econômica é determinante no processo, sendo
que o extremo seria considerar à globalização como “parte econômica do processo de
universalização e mundialização da vida” (Romero, 2002).
Tal como afirmaram Hirst & Thompson (1998: 286), “os teóricos extremados da
globalização (...) sustentam que apenas duas forças têm importância na economia mundial,
as forças do mercado global e as empresas transnacionais, e que nenhuma dessas é ou pode
estar sujeita à governabilidade pública efetiva”. Com a globalização, poder-se-ia dizer que
foi criado “um novo continente sem terra” onde as fronteiras convencionais praticamente
desapareceram dando lugar ao aparecimento de uma ‘nova economia’. Seria um fenômeno
irreversível, ao qual se devem somar todos os países, se não querem perdem o curso do
desenvolvimento (Romero, 2002: 8-9). O mesmo autor mencionando as expressões de Soros
(1999) comenta que “(...) [o] sistema capitalista pode comparar-se com um império de
cobertura mundial, governando toda uma civilização e quem está fora é considerado um
bárbaro. Não é império territorial porque carece de soberania; de fato a soberania dos
estados que pertencem a ele é a sua principal limitação de poder e influencia. É um império
invisível, carece de uma estrutura formal”. Enfim, a globalização seria o resultado desejado
do progresso científico e da liberalização econômica identificada com o progresso. Seria
contraproducente negar que a globalização possui uma força inédita, vislumbrando um
“grande mercado global”, sob o comando de megacorporações balizadas por mercados
financeiros (globalizados).
A pressão do mundo financeiro internacional através das agências ‘reguladoras’ da
divida externa dos países latino-americanos – FMI e Banco Mundial -, tem colocado como
pré-requisito políticas de ajuste para enfrentar a crise que afetava a região em décadas
passadas. Paralelamente, os efeitos e fracassos de políticas ‘populistas’ de alguns governos
1
Na metade do século XIX, Marx e Engels previam a inexorável globalização do modo de produção capitalista,
que “espoleada por la necesidad de dar cada vez mayor salida a sus productos, la burguesía recorre el mundo
entero. Necesita anidar en todas partes, establecerse en todas partes, crear vínculos en todas partes” (Marx,
1983: 31-32).
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latino americanos, caracterizadas por crises inflacionárias e/ou nepotismo, em consonância
com o colapso de governos totalitários no final da década de 1980 (que eram formas de
‘socialismo de Estado’, como no caso do Paraguai), fizeram aparecer o neoliberalismo como
uma opção desejável antes que outras formas de como gerar as contas públicas.
As estatísticas da OMC (Organização Mundial do Comércio) destacam que entre 1948
e 1998 o comércio mundial de mercadorias se multiplicou 18 vezes, especialmente as
exportações manufaturadas, multiplicadas cerca de 43 vezes. O PIB destinado ao comércio de
mercadorias se elevou de 7% a 17,4%; as exportações por habitante incrementaram de
US$123 a US$951. Durante o mesmo período, o PIB mundial passou de cerca de US$4
trilhões a US$27,6 bilhões, sendo que o PIB per capita mundial se elevou de US$1.591 a
US$4.623 US$ (crescimento anual de 2,2%). Acrescenta-se que a população mundial passou
de 2.473 para 5.973 bilhões de indivíduos - crescimento médio anual de 1,8% -, portanto,
abaixo do crescimento do produto per capita mundial (OMC, 1999).
Como se pode observar, tanto o incremento das atividades econômicas, como as
mudanças qualitativas nas forças produtivas, têm sido significativos, especialmente a partir da
década de 1970. Tal racionalidade tem sido o principal argumento para justificar o processo
“globalizador” da atual fase de crescimento econômico mundial. Porém, os indicadores
econômicos não favorecem a todos os países que obedecem à divisão internacional do
trabalho, tampouco o comercio mundial é o motor do desenvolvimento dos países mais
avançados como se poderia esperar.
Os detratores da globalização argumentam que este processo não é mais do que uma
“nova forma de colonialismo”, já que simplesmente se teria substituído formas históricas de
submissão por outras mais sofisticadas, impedindo, em conseqüência, a superação da desigual
distribuição do poder e as riquezas no mundo 2 . Segundo Sela (2000), a globalização se
apresenta como uma ideologia que enaltece fundamentalmente o mercado, exalta a liberdade
de comércio, estimula o fluxo livre de fatores de produção (exceto a mão-de-obra), propõe o
desmantelamento do Estado-nação, assume a monarquia do capital, promove o uso de novas
tecnologias, favorece a homogeneização dos costumes e, pela imitação dos gostos, fortalece a
sociedade consumista. Outro aspecto importante do processo de globalização seria o benefício
auferido pelos países de maior desenvolvimento sobre os ‘países periféricos’, portanto, longe
de buscar um equilíbrio efetivo entre países. Desta maneira, não se questiona o sistema como
tal, senão as imperfeições de seu funcionamento (Soros, 1999; citado por Romero, 2002) 3 .
3 Algumas considerações sobre a evolução econômica paraguaia
Durante toda a época colonial (do século XVI a meados do século XVIII) o território
onde hoje se localiza o Paraguai serviu como via de exploração aos conquistadores espanhóis
em direção das terras incas (Eldorado) e como lugar estratégico para a produção agropecuária
visando abastecer as outras missões de conquista e de colonização. A riqueza da colônia
espanhola baseava-se na agricultura, a exploração florestal (madeiras e erva mate) e a
incorporação do gado para o comercio de produtos como carne seca e couro, atividades
motivadas ante a escassez de ouro e prata e pela aptidão das terras para as atividades
agropecuárias.
2
Ver “La globalización, nueva forma de imperialismo” em www.tercermundoeconomico.org.uy/TME–
134/tendencias01.htm. (consultado 20/11/2004).
3
Uma discussão mais ampla sobre o tema encontra-se em “Soros propone un fondo mundial para países pobres”
disponível em www.yupimsn.com/negocios/leer_articuloscfm?article_id+34941 (consultado 20/11/2004).
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A hegemonia comercial européia sempre foi disputada entre Inglaterra, França e, em
menor medida, Espanha e Portugal. Nessa época, a questão do comércio internacional se
baseava em produtos de bens primários, onde a colônia tinha algumas vantagens
comparativas. Durante grande parte da época colonial, o Paraguai teve grande resistência a
expansão estrangeira, seja européia ou americana, fechando as fronteiras para a circulação de
indivíduos e mercadorias. Posteriormente, com Carlos Antonio López, (1840-1862)
consolidou-se como um país independente e com transações comerciais intermitentes com a
Europa. Com isto, consolidou-se uma nova dinâmica econômica no país, logrando a
acumulação de capital baseada na propriedade do Estado de todas as terras e sua produção.
O governo de Carlos A. López também coincidiu com as grandes transformações
sociais e econômicas no mundo industrializado, numa etapa fecunda das relações
internacionais, consolidação da industrialização inglesa e na conseqüente desaparição do
modo de produção feudal. Aprofundando relações comerciais com a Inglaterra, o Paraguai
aproveitaria suas vantagens comparativas para instalar algumas industrias e tentar ser
independente em termos produtivos. Aqui se observa claramente como a globalização
comercial, expressada pela conjuntura internacional da época - a expansão do liberalismo -,
interveio para o desenlace de uma guerra, já que admitir a intervenção total do Estado nas
relações comerciais impediria o fortalecimento do modelo liberal.
Os vínculos que uniam o Brasil com a Inglaterra, a oposição internacional contra o
“Estadismo” paraguaio levaram à guerra da Tríplice aliança (Brasil, Argentina, Uruguai)
entre 1864 e 1870, a qual desarticulou grande parte do esforço de desenvolvimento paraguaio.
As conseqüências econômicas foram a venda de grandes extensões de terras (antes
pertencentes ao Estado), reconvertendo o país à propriedade privada da terra e permitindo o
desenvolvimento rápido da estrutura oligárquica da grande propriedade (estrangeira).
Acrescenta-se a isso a dependência econômica crescente em benefício do Brasil e da
Argentina, a conseqüente perda de sua soberania nacional e o desaparecimento de uma
industria ainda incipiente, mas que nascia estimulada pelos processos conjunturais nacionais e
internacionais do período.
De 1870 a 1954, o Paraguai se desenvolveu lentamente devido às instabilidades
políticas e as guerras. A sucessão de governos autocráticos logo após da guerra, as lutas entre
os partidos políticos tradicionais - liberal e colorado -, que em alguns casos converteram-se
em ações bélicas, tais como as revoluções civis de 1922, de 1936 e de 1947, ainda levaria o
Paraguai a um novo conflito bélico transnacional, desta vez contra a Bolívia por questões de
definição de fronteiras na região (1932-1935). Além de questões relacionadas à demarcação
de territórios fronteiriços, há de se ressaltar o envolvimento de duas grandes empresas
petrolíferas internacionais: Standard Oil Company (EUA) e a Royal Dutch Schell
(Inglaterra) 4 , interessados em explorar as jazidas petrolíferas da região do Chaco. Destaca-se
a intervenção dos EUA em benefício da Standard Oil Company e que logo contribuiria para
que os EUA se afirmassem como potência hegemônica na América do Sul, em detrimento da
Inglaterra (Jara, 2000: 19; Souchaud, 2002: 55).
A Grande Depressão de 1930 que afetou quase a todas as economias do mundo,
(principalmente as mais desenvolvidas daquela época), resultou em pouco impacto sobre a
vida econômica paraguaia. Explica-se isso pelo fato do país passar por um momento de
reconstrução social e produtiva, assim como lutas internas.
Após a segunda guerra mundial, o panorama econômico internacional viu-se dividido
entre, de um lado, o modelo de desenvolvimento socialista/comunista estimulada pela URSS
4
Adiciona-se que a empresa norte-americana já estava explorando petróleo nos Andes bolivianos, enquanto que
a companhia inglesa lutava pela “livre concorrência”, negociando com o Paraguai para que as autoridades do
país permitissem a exploração de jazidas petrolíferas (Jara, 2000: 55).
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e, de outro, pelos EUA baseados nas idéias da democracia liberal como princípios de governo,
com forte influência na América latina. Também a re-construção da Europa estava em pleno
processo e com clara orientação norte-americana, que gerou certamente impacto positivo nas
economias dos países em desenvolvimento.
Desde 1954, o Paraguai inserido na conjuntura internacional, através do General
Alfredo Stroessner, começaria uma nova etapa histórica, com profundas transformações
políticas, socioeconômicas e ambientais.
4 O governo Stroessner (1954-1989) e a consolidação do modelo agro-exportador
Stroessner instaurou um governo mais estável para o desenvolvimento, sendo que nas
décadas de 1960 e 1970 o Paraguai registrou um crescimento sem precedentes, coincidindo
com o crescimento econômico das nações vizinhas, todas estimuladas por convicções de
cunho nacionalista 5 . No Paraguai se imporá uma grande ‘Revolução pacifica’, fortemente
estimulada pelos EUA. Desta forma, os objetivos nacionais implantados pelo governo de
Stroessner eram: “Paz social, bienestar de la población e integración territorial”, que para
conseguí-los se basearam nas estratégias do “incremento de las exportaciones, la
agroindustria y la substitución de importaciones, definiendo al sector agropecuario y
forestal como soportes fundamentales, del desarrollo basado en el uso de los recursos
naturales (significando o aumento das terras cultivadas em detrimento das terras cobertas
com florestas) uso de las aguas, praderas e otros recursos” (Paraguay, 1985; grifos dos
autores).
O crescimento econômico do país se produziu em consonância com o aumento das
exportações de produtos agropecuários para a Europa, que se encontrava (ainda) no período
de reconstrução pós-guerra. A emergência e o desenvolvimento da grande “Revolução verde”
estimulada no progresso técnico com vistas ao aumento de rendimento físico das culturas
agropecuárias, afirmava ainda mais o Paraguai dentro do contexto internacional de produção e
exportação de bens primários. Acrescenta-se a isso a obtenção de créditos internacionais para
obras de infra-estrutura, principalmente de comunicações, tais como o Programa Nacional de
Estradas Rurais, estrada Asunción-Puerto Presidente Stroessner (hoje Ciudad del Este), Itaipú,
etc., conectando lugares outrora isolados, e a instalação e ampliação de infra-estruturas de
serviços básicos.
A Paz social e bienestar de la población de Stroessner se baseava na repressão a
qualquer tentativa de subversão, estabilidade de trabalho e uma (débil) expansão territorial.
Quanto às questões rurais, atesta-se o aumento de população nas cercanias da capital (êxodo
rural) e, obedecendo às diretivas do plano, necessidade de expansão territorial. É assim que o
governo implementava a “Reforma Agrária” para o campesinato, por ser considerado pelas
autoridades o ponto inicial de propagação de idéias subversivas, tais o comunismo.
Em 1963 vai se incorporar extensas áreas de terras florestais nos programas de
colonização 6 , estimuladas pelas leis 854 (Estatuto Agrário) e 852 (que cria o IBR – Instituto
de Bienestar Rural) na famosa “Marcha hacia el este” coincidentemente com a idéia de
“Conquista do oeste” dos governos militares do Brasil (Tavares, 1994; Pappalardo, 1995;
Souchaud, 2002; Jara, 2004). É interessante observar que na medida que os camponeses
paraguaios se expandiam ao leste e ao norte do país, no Brasil se experimentava a expansão
5
Stroessner aparece dentro de uma “onda” de governos e ditaduras militares na região, principalmente das
décadas de 1950/60 e 1970. Lembra-se a época fecunda dos governos de Getúlio Vargas e logo Juscelino
Kubitschek no Brasil, Domingo Perón na Argentina e Augusto Pinochet no Chile, entre outros.
6
A colonização interna como forma de desenvolvimento rural do Paraguai é amplamente comentada por
Zoomers, & Kleinpenning (1990).
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da produção agropecuária para o oeste do estado do Estado do Paraná, com a ampliação de
uma agricultura altamente mecanizada na produção de culturas de exportação, deslocando
agricultores desamparados para a fronteira do Paraguai (Zaar, 2001). Stroessner e as
autoridades paraguaias estavam cientes de que a incorporação de agricultores brasileiros
(denominados modernos), faria com que aumentassem as áreas de lavouras – notadamente a
soja - destinadas à exportação. Inicia-se, pois, a incorporação dos “brasiguaios” no
desenvolvimento do Paraguai 7 .
As ações de integração territorial do governo de Stroessner incorporavam terras ao
sistema produtivo, primeiramente pela exploração florestal de madeiras (visando a exportação
à Argentina e à Europa) e da erva mate. O avanço da agricultura mecanizada, a incorporação
de novas raças de gado, e o estabelecimento de colônias de pequenos agricultores estimularam
o processo de desmatamento resultando em perdas de grandes superfícies de mata nativa
(Bozzano & Weik, 1994; Brack & Weik, 1994, Huespe, 1995; UNA, 1995).
As estrategias del incremento de las exportaciones - direcionadas às culturas de soja,
algodão fumo, erva mate, carne e couro - coincidem com o período florescente das
exportações em nível regional, criando uma singular expansão de produtos primários
(Paredes, 2002, p.75). A industrialização de produtos agropecuários era, e se constitui ainda
no período contemporâneo, uma parcela muito incipiente do mercado interno paraguaio. Não
há atrativos para investimentos de grandes multinacionais, que nos anos 1970 se instalavam
no Brasil e na Argentina. Além disso, a população rural do país era de 65% da população total
do país, dependendo em igual medida da atividade agrícola e da exploração florestal
(Paraguay, 1985).
A obra mais importante da década de 1970 dentre as empreendidas pelo governo de
Stroessner foi a construção, conjuntamente com Brasil, da hidroelétrica de Itaipú. Com isto
‘amortizava-se’ de alguma forma a pressão social de grande parte de ambos países, mas
também determinava a expulsão de milhares de agricultores do lado brasileiro. Os
empréstimos internacionais que exigiram tal obra, acrescidas às constantes implicações de
corrupção de ambas partes, resultaram em um investimento final de monta, que logo
influenciaria na divida externa de ambos os países (Rojas Paéz, 2001).
Vários autores (Weisskoff, 1992 a, Weisskoff, 1992b; Jara, 2000, Berry, 2001; Indart,
2001; Morley & Vos, 2001; Rojas Paéz, 2001) destacam que o crescimento econômico de
1960 a 1980 do Paraguai foi o mais expressivo da região. A taxa de crescimento decenal do
PIB foi de 12,2% (1970) e de 26,8% (1980), principalmente pelos investimentos estimulados
pelo governo. A participação do setor de construção civil saltou de 3,5% a 8,9% no mesmo
período, obviamente devido à construção da Itaipú, além de estradas, de eletrificação rural e
da ampliação da fronteira agrícola (Paraguay, 1985).As estatísticas do Banco Mundial de
1989, citadas por Weisskoff, (1992b), relatam um crescimento das exportações de alimentos e
de outros serviços a uma taxa de 7,9 % anuais. Assim, Insfrán Pelozo (2000: 2) comenta: “[el]
Paraguay en la década de 1970 y hasta 1981 experimentó una de las tasas de crecimiento
económico más altas de América Latina, así el PIB creció en promedio durante el período
8,9% anual (...) basado en la construcción de Itaipú, en la expansión y diversificación de la
agricultura”.
Em 1983 é lançado o “Programa Nacional do Trigo” tendo por finalidade a busca do
auto-abastecimento do produto, ao mesmo tempo em que o programa apoiava a agricultura
mecanizada em expansão nas zonas limítrofes com o Brasil. Nessa fronteira se estabeleceram
verdadeiros ‘territórios’ brasileiros mediante o sistema de exploração do ‘colonato’
(Souchaud, 2002). Também os programas de produção de algodão e de fumo para os
7
Sobre o deslocamento de agricultores do Rio Grande do Sul ao Mato Grosso sugerimos a obra de Tavares
(1994). Sobre a origem e a problemática dos “brasiguaios” consultar Sprandel (1992).
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“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
pequenos produtores tiveram fortes estímulos em créditos dos bancos e agências do Estado.
Ressalta-se que no início dos anos 1980 as instituições de pesquisa lançaram programas de
melhoramento de variedades, em especial àquelas destinadas aos mercados externos.
O país estimulava a agricultura extensiva, com concessões de grandes superfícies de
terras para estrangeiros, em detrimento de uma população majoritariamente de pequenos
produtores. O elevado crescimento experimentado pelo país graças à agricultura, não se
refletia na distribuição das riquezas, principalmente na população rural, onde se concentrava a
pobreza (Morley & Vos, 2001). Assim, mesmo com todas as adversidades internacionais
(choques do petróleo de 1973 e de 1979, estagnação das exportações à Europa) Stroessner
continuou oferecendo incentivos à economia mediante empréstimos internacionais destinados
a obras de infraestrutura, expansão cada vez maior das áreas de agricultura com a entrada de
estrangeiros 8 e apoio a uma (débil) industrialização. Com isto se acumulava dívida (interna e
externa), que logo iriam se repercutir em termos socioeconômicos.
5 O contexto atual: a (nova) inserção do Paraguai na economia internacional
As mudanças no panorama internacional, as políticas neoliberais adotadas em alguns
países desenvolvidos estimulariam a sua expansão por todas as nações em desenvolvimento.
Assim, o novo governo paraguaio realiza mudanças estipuladas pelo “Novo Modelo
Econômico – NME” 9 . Mesmo com as idéias deste modelo, até hoje o Paraguai não
apresentou uma evolução contínua na aplicação dessas medidas.
Straub (1998: 119-121), que nos propõe um estudo sobre a evolução macroeconômica
do Paraguai entre 1989 e 1997 afirma que “(...) o processo de estabilização da economia se
traduziu numa evolução favorável das variáveis monetárias mas não para o investimento e o
crescimento do produto”.
A formação do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) teve seus impactos
econômicos na região, basicamente como produto da conjuntura internacional, paralelamente
à formação de outros blocos econômicos (Nafta, por exemplo). Trata-se de uma nova forma
de inserção na economia mundial, dado que países pequenos (como é o caso do Paraguai)
associam-se a outros de maior capacidade e dimensão econômica, e desse modo, participam
mais ativamente dos mercados internacionais, além de fortalecer seus mercados internos e do
bloco.
No contexto mais recente, a idéia de obter um espaço comercial de livre comércio de
toda América (ALCA – Área de Livre Comércio das Américas), fortemente estimulado pelos
EUA, daria possibilidade para que os países da região possam livremente comercializar seus
produtos, unificando-os completamente em termos econômicos. Os países pequenos, como
Paraguai, onde não existe uma industrialização efetiva, poderiam obter alguns benefícios em
detrimento da desaparição de vários setores produtivos.
A relação dos brasiguaios com a inserção na economia global do Paraguai foi
fortemente estimulada durante o governo de Stroessner. As atividades da região da fronteira
do Brasil (Estados de Paraná e do Mato Grosso com os Departamentos paraguaios de Alto
8
Descendentes de alemães começaram a colonizar o centro do chaco e sul do país, assim como poloneses,
ucranianos, japoneses etc. no sul do país; brasileiros em toda a região norte e leste da fronteira com o Brasil,
obtendo vantagem do governo como facilidades na concessão de terras e no financiamento das atividades
agropecuárias.
9
O Novo Modelo Econômico pode ser resumido no Consenso de Washington como prescrição da política para o
desenvolvimento (Williamson, 2002) onde as instituições multilaterais que manejam a economia mundial (FMI e
o Banco Mundial) ofereceram como ‘recomendação’ para que os países em desenvolvimento atinjam núiveis
sustentáveis de crescimento econômico.
Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural
9
XLIII CONGRESSO DA SOBER
“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Paraná, Caninedeyú, Amambay e Concepción) podem ser resumidas em: monocultura
intensiva e agricultura de subsistência, produção agrícola de exportação e contrabando,
desenvolvimento urbano e lavagem de dinheiro, colonização de território estrangeiro e
segregação espacial. Estas curiosas combinações, aparentemente contraditórias, são as
características da imigração brasileira no leste do Paraguai. Concentrada numa região
historicamente cobiçada e hoje de importância estratégica no contexto do Mercosul, o fluxo
brasileiro assumiu nas últimas três décadas grandes proporções, a ponto de constituir um
verdadeiro "espaço brasiguaio", cujas dimensões exatas, no entanto, não são totalmente
conhecidas, já que boa parte da colonização se desenvolveu nos limites da ilegalidade, ainda
que com a conivência do poder público paraguaio (Souchaud, 2001 e 2002; Sciacioli, 2004).
A imigração brasileira para o Paraguai começa de forma discreta, mas efetiva, nos
anos 1970, na mesma época em que o fluxo migratório para a Amazônica decresce. Este
movimento é bem diferente daquele do final da década de 1960, quando os primeiros colonos
chegam ao país e encontram uma região de fronteira praticamente desocupada, com a
população paraguaia concentrada em sua porção oriental. Nos tempos contemporâneos, essa
paisagem humana é totalmente diferente, dado que a presença brasileira no Paraguai
representa um fenômeno de conseqüências importantes para a dinâmica social e econômica do
Paraguai.
O espaço que se nomeia "brasiguaio" é o resultado dos últimos trinta anos de
colonização. O termo, que surgiu no final dos anos 80 para designar tipicamente os
agricultores expulsos do Paraguai, pode ser usado também para referir-se genericamente a
todos os imigrantes brasileiros naquela região. Assim, Souchaud (2002) determina que a
"sociedade brasiguaia" ou colonização brasileira favorece a integração econômica e política
do Paraguai, mas ela também aprofunda sua dependência externa.
Os dados sobre os brasiguaios são um pouco contraditórios: as estatísticas oficiais
paraguaias falam em 112 mil indivíduos, mas dados oficiosos relatam que essa população
beira um milhão de indivíduos. Segundo os dados de Souchaud (2002), os ‘brasiguaios’
seriam em torno de 500 mil, contando os brasileiros e seus descendentes, que podem ter
nacionalidade paraguaia, o que representa cerca de 10% da população paraguaia. Em muitas
localidades da região leste (Alto Paraná e Canindeyú), são mais numerosos que os paraguaios.
O que na origem era uma simples ocupação do espaço fronteiriço transformou-se num
verdadeiro motor da evolução da sociedade paraguaia 10 . Os chamados brasiguaios
representam “(...) uma parcela dos agricultores paranaenses emigraram em direção à
República do Paraguai, os quais se somaram aos brasileiros que já estavam se reproduzindo
no vizinho país, "empurrados" por um sistema que visava a modernização do Brasil a
qualquer preço (...) O Ministério de Relações Exteriores divulga, que viviam no final da
década de 1990, na República do Paraguai, 459.000 brasileiros. Os dados de censos mais
recentes, se referem a 98.000 brasileiros em situação legal e a imprensa vem trabalhando
com uma cifra de 350.000 não regularizados. Estes brasileiros, legalizados ou não,
representam oito décimas partes dos habitantes do Estado do Alto Paraná e seis por cento da
população total do Paraguai, e são responsáveis por 80% da soja produzida naquele país”
(Zaar, 2001).
Pappalardo (1995: 293) relata que “(...) la colonización brasilera orientada a la
colonización de las tierras orientales fue básicamente por causa do agotamiento de la
disponibilidad de tierras en el Estado de Paraná para la expansión masiva de la
mecanización y el monocultivo en forma empresarial (...) en gran parte canalizado por los
propios empresarios de tierras de Brasil”.
10
Consultar www.comciencia.br/reportagens/migracoes/mig10htm
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10
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“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
O mesmo autor comenta que “[los] bajos precios de las tierras, la fertilidad de los
suelos, los buenos precios internacionales de los productos de exportación, la inexistencia de
impuestos en la producción agrícola fueron los factores que determinaron el atractivo de los
brasileros para el Paraguay. Además, la corriente migratoria estuvo fuertemente estimulada
por las infraestructuras viales durante la construcción de la Itaipú y por los aumentos reales
de los precios internacionales de la soja” (p. 294)
Porém, se hoje o Paraguai é um dos principais exportadores de soja, ele é também
grande comprador de produtos manufaturados brasileiros. Este comércio é facilitado em
grande parte pelos brasiguaios, que asseguram ao Brasil uma extensão de seu mercado. O
papel do Estado paraguaio é também muito importante, na medida em que ao invés de
controlar a progressão da frente pioneira em seu território faz vistas grossas à questão,
sustentando uma situação que, afinal de contas, lhe é também conveniente. 11
A região da fronteira é hoje o principal ponto de discussão sobre o lugar do Paraguai
no Mercosul. Nas condições atuais, a posição do país é muito arriscada. A integração pode
significar forte crescimento nos primeiros anos, porém, em seguida, uma competição acirrada
que tende a destruir a economia, sobretudo tendo em conta sua fragilidade: especialização
acentuada sobre a monocultura de soja, corrupção etc. Contudo, existem opções de
desenvolvimento para o Paraguai, como ser a ocupação das vastas regiões de terra ainda
disponíveis com uma política agrária forte e valer-se de sua posição estratégica para
desenvolver o comércio internacional e regional. Relacionado ao cenário político, contudo, o
Paraguai ainda é muito instável para se fazer qualquer previsão. Apesar da democracia
instalada pouco leva a crer que haverá aumento da participação da sociedade civil na
economia (Souchaud, 2002: 360).
Sobre a produção da soja podemos afirmar que os departamentos com maior área de
produção desta oleaginosa são Alto Paraná, Canindeyú (divisa com o Paraná) e Itapuá (divisa
com Argentina). Os Departamentos da região norte e central do Paraguai que mais
recentemente entraram no processo de expansão da soja foram os de Amambay, de
Concepción (divisas com MS) e ultimamente os de Caaguazú e San Pedro. Nesses últimos,
alguns lugares de plantios da soja se encontram nas colônias de descendentes alemães
(mennonitas). Ultimamente, ressalta-se a entrada de produtores brasileiros fortemente
capitalizados, que compram ou arrendam terras de médios e grandes pecuaristas, falidos por
conta do surto de febre aftosa no país entre 2000 e 2001. Em determinadas localidades a
expansão se deu mediante a compra de parcelas de terra de pequenos produtores tradicionais
paraguaios. A qualidade de vida destes, tem sido deteriorada nos últimos anos pela queda
substancial de preços dos seus produtos tradicionais (algodão, principalmente), das poucas
opções de culturas comerciais, problemas derivados do clima (estiagem), escassez e
desorganização de incentivos por parte do Estado à produção agropecuária assim como o
crescente atrativo de êxodo às zonas urbanas.
Acrescenta-se que mesmo com importantes deficiências agronômicas na qualidade dos
solos para a produção da soja, e de vias de transporte precárias, a utilização de variedades
transgênicas sem regulamentação 12 a incorporação de corretivos químicos nas lavouras, têm
garantido a exploração das porções central e norte da região oriental do país.
Em termos de movimentos sociais contestatórios à dinâmica de expansão da soja,
salienta-se que há algumas organizações de camponeses paraguaios que nos últimos anos
11
Consultar www.comciencia.br/reportagens/migracoes/mig10htm
12
No Paraguai não se tem una lei que regulamente o plantio da soja RR (variedade transgênica); porém, o
contrabando de sementes e a pouco controle das autoridades, permitiram seu cultivo nas áreas pecuárias
transformadas para agricultura. E mais notável que, nem os grupos ambientalistas marcaram alguma forma de
impedimento para o plantio.
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reivindicam o acesso à terra, mediante algumas invasões de propriedades de brasileiros e
também de produtores de soja paraguaios. Os argumentos destas organizações camponesas
residem, por um lado, na oportunidade de obter terras para produzir e, por outro lado, o uso
intensivo de agroquímicos nas lavouras de soja e a presença “incômoda (...) de estrangeiros
em terras paraguaias, que lucram com os recursos naturais e danificam o meio ambiente”
(Sciacioli, 2004). A expansão da fronteira agrícola, além dos impactos ambientais que
provoca (desmatamento, uso de agroquímicos, erosão, etc.) também se relaciona com os
aspectos sociais, já que a agricultura mecanizada demanda pouca mão de obra (qualificada).
Adiciona-se que a expansão agropecuária encontra-se em poder de produtores capitalistas (ou
capitalizados), em sua maioria de origem estrangeira, que visam investimentos com objetivos
de obter lucros e destinar-los a seus países.
Contudo, existem ‘vazios’ na legislação do Paraguai, no referente ao pagamento de
impostos e sobre a posse de terras. No Paraguai - e também no Uruguai - não existe
regulamentação que determine o pagamento de impostos pela ‘pessoa física’; portanto, o
‘agricultor’ não contribui em nada ao fisco. Adiciona-se que no Paraguai não existe
regulamentação referente à aquisição e exploração das terras por estrangeiros, pela qual se
abre o caminho para que os produtores do Brasil possam ter grandes extensões de terras no
Paraguai, além de ter uma exigência muito débil com relação aos impostos (IMAGRO –
Impuesto agropecuário e Impuesto Inmobiliario).
Alguns aspectos quantitativos sobre a evolução da produção da soja no Paraguai
podem ser observados no Gráfico 01, onde se aprecia a evolução da superfície ocupada e da
produção do produto.
Gráfico 01 – Paraguai: evolução da área e da produção de soja (1961-2004)
900,0
800,0
1980 = 100,0
700,0
600,0
500,0
400,0
300,0
200,0
100,0
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
1968
1966
1964
1962
0,0
período
área (1.000 ha)
produção (1.000 t)
Elaboração dos autores a partir de dados da FAO (2005).
Note-se que desde 1960, estimulado pelo governo Stroessner, o cultivo da soja entra
no espaço rural do Paraguai, abrangendo poucas áreas e pouca produção. Na década de 1970
(onde o imigrante brasileiro marca a sua presença) começa a aumentar a superfície cultivada
e, em conseqüência, provoca o aumento da produção. Desde a metade da década de 1980 a
superfície de cultivo inicia seu processo ascendente. É interessante observar que o aumento da
produção da soja (desde 1990) vai se distanciando de aumento correspondente na superfície
cultivada, resultado da incorporação de progressos técnicos (variedades melhoradas,
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corretivos químicos, equipamentos, etc.) que provocaram o aumentou da produtividade da
cultura por área plantada.
Já no Gráfico 02 apresenta-se a evolução da participação do Paraguai na produção de
soja no Mercosul no período compreendido entre 1961 e 2004. Os grandes produtores de soja
do bloco são o Brasil e Argentina, sendo o Paraguai o terceiro comparado com Uruguai.
Gráfico 02 – Evolução da participação do Paraguai na produção de soja do
MERCOSUL (1961-2004)
Paraguai / Mercosul (em %)
7,00
6,00
5,00
4,00
3,00
2,00
1,00
2003
2001
1999
1997
1995
1993
1991
1989
1987
1985
1983
1981
1979
1977
1975
1973
1971
1969
1967
1965
1963
1961
-
Elaboração dos autores a partir de dados da FAO (2005).
Através da evolução dos dados do gráfico acima se salienta que a participação relativa
na produção de soja do Paraguai em relação ao Mercosul teve marchas e contramarchas. No
inicio teve uma participação bastante alta, com algumas interrupções circunstanciais, muito
provavelmente devido a questões técnicas (sistemas de produção, genética, etc.) ou por
problemas climáticos (secas e/ou excesso de chuvas). Note-se que ao final da década de 1980
também se inicia um processo de produção ascendente estimulado, sobretudo por
incorporação de progressos técnicos.
Dado o conjunto de informações precedentes, impõe-se uma comparação do
rendimento físico do cultivo da soja paraguaia em relação à mesma variável tomando-se (i) o
conjunto de países do Mercosul e (ii) o rendimento físico mundial da cultura, tal como
apresentado no Gráfico 03, abaixo.
Neste Gráfico se pode observar que a evolução do rendimento físico da soja no
período compreendido entre 1964 e 2004 apresentou certa instabilidade, mas que logo foram
se tornando próximos dos rendimentos físicos médios do Mercosul e do mundo. Note-se que
o aumento dos níveis de rendimento também coincide com o Gráfico 02, validando a hipótese
de que a produtividade foi estimulada pelos constantes e intermitentes avanços técnicos
introduzidos na produção agropecuária. Entre as causas do aumento da produtividade da soja
e outros produtos agrícolas, principalmente aqueles típicos de grandes propriedades
(agricultura mecanizada) foram inicialmente importantes os aporte dos centros de pesquisa
estatais para o desenvolvimento de genética (melhoramento das variedades cultivadas), assim
como o aporte em créditos das agências governamentais que estimularam sua instalação e
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expansão. Além disso, a experiência dos produtores brasileiros (principalmente gaúchos,
paranaenses e paulistas) na agricultura mecanizada em condições agronômicas similares
(terras roxas) auxiliou na elevação do rendimento físico das culturas.
Cabe destacar que nos últimos anos o desenvolvimento do ‘plantio direto’ 13 na
agricultura mecanizada foi estimulada, seja através das agências do governo (Ministério de
Agricultura, universidades, centros de pesquisa) ou mediante o aporte do setor privado
nacional (CAPECO- Camara Paraguaya Exportadora de Cereales y Oleaginosas) ou
multinacionais (A.D.M. 13 , Cargil, Monsanto, entre outros).
Gráfico 03 – Evolução do rendimento físico da soja: Paraguai X Mercosul X
mundo (1961-2004)
3.500,0
3.000,0
kg/ha
2.500,0
2.000,0
1.500,0
1.000,0
Paraguai
Mundo
2003
2001
1999
1997
1995
1993
1991
1989
1987
1985
1983
1981
1979
1977
1975
1973
1971
1969
1967
1965
1963
1961
500,0
Mercosul
Elaboração dos autores a partir de dados da FAO (2005).
Os dados da ‘Encuesta agropecuária por muestreo 2001-2002’ realizada pelo
Ministério de Agricultura y Ganadería (MAG) na região oriental do Paraguai demonstram que
entre o Censo Agropecuário Nacional (CAN) de 1991 e esta amostragem (2001/02) a soja tem
aumentado em 4,1% na quantidade de explorações, registrando-se um incremento de 132,2%
quanto à superfície cultivada. Considerando-se o tamanho das explorações e a superfície
cultivada, se pode apreciar que a soja teve uma diminuição na quantidade de parcelas menores
de 50 ha que cultivam esta oleaginosa; registra-se também um aumento nas explorações que
possuem áreas superiores a 50 ha. O conjunto dessas últimas corresponde a 89,6% do total da
área cultivada da soja no Paraguai (MAG, 2003: 9).
Para definição de detalhes destes valores, o Quadro 01 apresenta os resultados obtidos
pela recente amostragem, por tamanho das parcelas e por departamento.
13
Segundo dados do Ministério de Agricultura do Paraguai, o país registra a maior área com plantio direto do
mundo em relação à superfície total explorada pela agricultura mecanizada (Eng. Agr. Ken Moriya, 2002
Técnico MAG em comunicação pessoal aos autores).
13
Empresa americana que em 1997 comprou os silos de Agrocereales e Amambay, mas que é sócio comercial
da Cargill e outros. Atualmente é uma das maiores empresas instaladas no Paraguai e que tem um vínculo com a
Cerealista Paraná do Brasil (Souchaud, 2002: 325-329).
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Quadro 01: Quantidade e área das explorações com soja, Região Oriental de Paraguai.
2002
1991
Variação (%)
Quantidade
Área
Quantidade Área Quantidade Área
27806
1282855
26717
552755
4,1
132,2
Região Oriental
Tamanho das glebas
Menores de 5 ha
De 5 a menos de 10 ha
De 10 a menos de 20 ha
De 20 a menos de 50 ha
De 50 a menos de 100 ha
De 100 a menos de 200 ha
De 200 a menos de 500 ha
De 500 a menos de 1000 ha
De 5000 a menos de 10000 ha
Desde 10000 a mais ha
De 1000 a menos de 5000 ha
Região Oriental
Departamentos
01 - Concepción
0 2- San Pedro
03 – Cordillera
04 – Guaira
05 – Caaguazu
06 – Caazapa
07- Itapua
08 – Misiones
09 – Paraguari
10 – Alto Parana
11 – Central
12 – Ñeembucu
13 – Amambay
14 - Canindeyu
Fonte: MAG, (2003: p 23)
1460
4050
7550
6105
3834
2811
1268
410
273
30
15
1745
10009
36255
85573
193405
270014
261408
147965
195605
54652
26224
1673
4712
8239
7222
2424
1329
767
213
112
21
5
2332
11529
37401
86495
79954
86709
103819
50588
50694
19396
23638
-12,7
-14,0
-8,4
-15,5
58,2
111,5
65,3
92,5
143,8
42,9
200,0
-21,8
-13,2
-3,1
-1,1
141,9
211,4
151,8
192,5
285,9
181,8
10,9
27806
1282855
26717
552755
4,1
132,2
61
269
150
1422
2570
12698
4
71
7852
1
186
2522
1425
32323
2990
81412
67740
367846
120
27
486475
5
38538
203954
30
563
3
104
1070
1161
15132
26
30
5967
4
4
256
2367
187
17367
12
237
21799
8931
210523
159
414
228504
3
2
15288
49030
103,3
-52,2
44,2
32,9
121,4
-16,1
-84,6
136,7
-75,0
-27,3
6,5
662,0
86,1
1161,6
273,5
658,5
74,7
-24,5
-93,5
112,9
150,0
152,1
316,0
Pode-se observar no quadro acima que no período compreendido entre 1991 e 2002 a
soja tem aumentado substancialmente principalmente em grandes propriedades (maiores de
50 ha), em detrimento das unidades menores (pequena e mediana propriedade). Assim, os
departamentos com maior crescimento na área cultivada desta oleaginosa são Guairá,
Concepción, Caazapa e Caaguazu, além das tradicionais zonas de cultivo como no Alto
Paraná, Canindeyú e Amamabay (divisas com o Brasil). Possivelmente esta ‘explosão da soja’
possa originar-se como reflexo ‘expansivo’ do crescimento agrícola que nos últimos anos tem
acontecido no Brasil, tal como relatam Brandão, Castro de Rezende & Marques (2005).
Talvez por estes motivos, Souchaud, (2001: 21) afirme que o Paraguai representava
em 1994 o sétimo produtor mundial da soja, sendo 43% do total das exportações paraguaias
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em 1999. Acrescenta o autor que: sa prodution est également à la base de la profunde
réorganisation géographique que connaît le Paraguay.
Um aspecto que se tem questionado nos últimos anos é no referente ao pagamento de
impostos pela exploração e comercialização da soja, visto que gera um lucro relativamente
alto às empresas que se dedicam a esta monocultura. Certamente possui seus defensores e
detratores, os quais cada um defende suas posições. Assim, em 2004 se implementou algumas
mudanças no Sistema tributário (Ley 2412/04 de Adecuación Fiscal) mediante o decreto Nº
1836/04 que determinava um pagamento de 4% de imposto para o fornecimento de
documentos para a exportação da soja (anteriormente, cobrava-se um valor de
US$80/tonelada). Desde março de 2004 até fevereiro de 2005, a exportação da soja produziu
um aporte fiscal de US$ 7,8 milhões ao país. A utilização inadequada destes recursos, que
seriam destinados aos gastos orçamentários do Paraguai, além de uma forte pressão dos
produtores para não pagar ao fisco, determinaram que o Poder Executivo deixara sem
continuidade esse imposto (Diário ABC Color, 09/03/2005).
7 Considerações finais (ou, para recomeçar)
Mediante este trabalho se pôde registrar uma breve evolução da economia do
Paraguai, sempre ligada ao setor primário. Desde sua formação como colônia espanhola, a
exportação de produtos primários para as metrópoles foi importante, já que país não possuía
recursos minerais a serem explorados. Depois de sua independência, seguiram-se governos
que impediram a expansão do pensamento liberal nascente na metade do século XIX.
Contudo se criaria uma guerra (1864-1870) que aniquilaria o (emergente) estado de
independência política e socioeconômica do Paraguai. Assim, depois de alcançar um
desenvolvimento adequado, o país submerge em um processo de "latifundização" de suas
terras aliado a uma notável dependência socioeconômica internacional.
Um grande estadista, produto da conjuntura nacional e internacional que emerge como
figura predominante e de amplo destaque desde a metade do século XX é o General
Stroessner. Realiza profundas alterações na estrutura política, socioeconômica e ambiental,
com resultados que perduram ainda até os dias atuais. Estimulando a agricultura como ‘motor
da economia’ e investindo na construção civil, o Paraguai alcançou níveis de crescimento
satisfatórios, mas que pela estrutura social e política que imperava não atingiu resultados
sustentáveis.
A incorporação dos produtores brasileiros (agricultores modernos) a partir dos anos
1960 é um fator de importância na produção agropecuária do país. O avanço de uma ‘frente
pioneira’ brasileira, baseada na agricultura mecanizada, estimulada pela oferta de terras, a
agroexportação e a legislação do Paraguai, determinou verdadeiros territórios brasileiros na
região oriental, principalmente nos departamentos limítrofes com o Brasil, mudando
profundamente as relações fundiárias, socioeconômicas e as paisagens tradicionais do
Paraguai.
Nosso trabalho também atestou a importância da agricultura ‘moderna’ que produz
excedentes para exportação (com claro estímulo do Estado) para a obtenção de divisas
internacionais. Acrescenta-se a isso os estímulos por parte de agentes públicos e privados para
a expansão e o melhoramento da área cultivada da soja, mediante a incorporação de
progressos técnicos (variedades melhoradas e o plantio direto), sem esquecer as condições
agro-ambientais que determinaram o êxito relativo do cultivo. Nos últimos anos, pode-se
afirmar que graças à soja o Paraguai tem-se inserido nos grandes mercados derivados do
processo de globalização.
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Porém, com estas vantagens e com clara tendência de expansão em zonas de
agricultura tradicional, a evolução do cultivo da soja produziram impactos profundos no
equilíbrio dos ecossistemas (desmatamento). Adiciona-se ao fator ambiental a tendência à
concentração fundiária e a crescente dependência econômica produzida por uma única cultura
agrícola.
A reivindicação do acesso a terra pelos agricultores tradicionais do Paraguai, com
invasões de grandes propriedades (na maioria estrangeiros, produtores de soja) em algumas
regiões do país (San Pedro e Caaguazu), talvez seja o exemplo latente de não aceitação linear
do modelo de desenvolvimento agrícola e agrário que o país empreendeu.
Certamente o Paraguai tem na soja seu principal aliado em sua inserção nos mercados
globais. Salienta-se que os benefícios socioeconômicos de sua produção deveriam ter uma
melhor distribuição social, e que o meio ambiente fosse contemplado por medidas paliativas
e/ou compensatórias devido à expansão territorial da oleaginosa. Talvez em um futuro não
longínquo a soja possa ser considerada o novo “Eldorado” do Paraguai, não somente do
agronegócio, mas que ela possa alavancar uma certa equidade social, econômica e ambiental
através dos benefícios gerados por sua comercialização.
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