Desenvolvimento da Resistência no atletismo Jornadas Técnicas de Cáceres Por: Mariano Garcia-Verdugo Tradução, adaptação e comentários: Professor António Graça Técnico da Associação Distrital de Atletismo de Leiria Colaborador do Sector de Meio Fundo da Federação Portuguesa de Atletismo Introdução De acordo com Garcia-Verdugo, o treino é como um puzzle onde destaca a importância crucial de saber encaixar as diversas peças que o compõem para que o mesmo seja perfeito. A correcta construção do mesmo assenta nos estádios de desenvolvimento e no plano bioenergético. Para complementar o correcto encaixe das várias peças, Garcia-Verdugo propõe uma correcta quantificação do treino através do DIPER (Determinación de Intensidades Para el Entrenamiento de la Resistencia). Estádios de desenvolvimento Classificam-se dois grupos de estádios de desenvolvimentos: treináveis e não treináveis (regenerativos). No entanto, o objectivo é utilizar os estádios de desenvolvimento de forma correcta. Os estádios de desenvolvimento utilizam-se mais em determinados períodos de treino. O estádio de desenvolvimento básico relaciona-se com o período preparatório de um macrociclo, o estádio de desenvolvimento específico liga-se com o período pré-competitivo e o estádio de desenvolvimento competitivo relaciona-se com o período competitivo. Treináveis Treináveis Treináveis ESTÁDIO DE DESENVOLVIMENTO BÁSICO ESTÁDIO DE DESENVOLVIMENTO ESPECÍFICO ESTÁDIO DE DESENVOLVIMENTO COMPETITIVO Não produz rendimento Permite suportar a assimilação de cargas posteriores e mais específicas. Aplica-se, preferencialmente, em períodos preparatórios. Desenvolve as capacidades necessárias Aumenta o rendimento Aplica-se em períodos précompetitivos Desenvolve as capacidades necessárias para desenvolver a forma. Aumenta o rendimento máximo. Aplica-se em períodos competitivos TREINA-SE PARA SE TREINA-SE PARA MELHORAR TREINA-SE PARA COMPETIR TREINAR Não treináveis Não treináveis Não treináveis ESTÁDIO DE DESENVOLVIMENTO REGENERATIVO ESTÁDIO DE DESENVOLVIMENTO POUCO ÚTIL ESTÁDIO DE DESENVOLVIMENTO NEGATIVO Não produz rendimento. Acelera e favorece os processos de recuperação. Se se abusa deste tipo de treino pode fazer perder rendimento. Não produz rendimento. Somente se perde tempo e energia sem se produzir benefícios. Pelos seus objectivos opostos à especialidade, piora o rendimento. TREINA-SE PARA RECUPERAR TREINA-SE PARA ??? TREINA-SE PARA PIORAR BÁSICO Não produz necessariamente rendimento. Não tem necessariamente a ver com o gesto técnico. Nos corredores iniciados, ou muito jovens, deve prevalecer sobre os outros níveis de desenvolvimento. ESPECÍFICO Melhora o rendimento da especialidade. Deve treinar-se quando se adquiriu o treino de base. Deve adquirir através de exercícios relacionados com o gesto técnico. Deve ser o trabalho predominante dos especialistas com vários anos de treino. COMPETITIVO A resistência adquire as suas máximas prestações aplicáveis na competição. O seu treino não deve prolongar-se excessivamente no tempo. Deve coincidir durante os períodos de competição ou prévios a estes. Deve trabalhar-se nas situações mais reais de competição O plano bioenergético Garcia-Verdugo classifica os níveis de fornecimento de energia de acordo com vários níveis de esforço, interligando com vários indicadores de fadiga, como o lactato e a frequência cardíaca, e com os substratos energéticos solicitados. Assim, Toda a carga de treino implica consumo de energia, sendo a mesma classificada por zonas. Garcia-Verdugo defende que a chave de tudo é saber em que zona de esforço é que estas cargas de treino incidem. O plano bioenergético assenta nas solicitações dos sistemas energéticos de acordo com diversas zonas de esforço. Por outro lado, essas zonas ainda podem ser sub-divididas em intensiva e extensiva, aquilo que grande parte dos autores divide em potência e capacidade, respectivamente, dos vários sistemas energéticos (zonas). Podemos ainda verificar a produções de lactato, as solicitações da VMA, a frequência cardíaca alcançada, assim como os benefícios alcançados, os substratos solicitados e os parâmetros de cada zona e sub-zona. 125 22,0 120 14,0 110 7,0 100 Aumenta a potência aláctica e capacidade de ressíntese do ATP livre e da PC. Substratos predominates: ATP livre e PC Parâmetros: Prestações neurais Melhora a capacidade do metabolismo aláctico e ressíntese da PC e metabolismo láctico. Substratos predominantes: Fosfagénios e glicogénio Parâmetros: Dívida de O2 e depleção dos depósitos de PC Máxima quantidade de energia láctica, tolerância à acidez e efeito tampão. Substratos predominates: Gicogénio e outros hidratos de carbono Parâmetros: Todos os relacionados com os processos lácticos Tolerância láctica e acidez ao longo do tempo. Substratos: Glicogénio em quantidades muito importantes Parâmetros: Considerável dívida de O2; acumulação de lactato e acidez. Intensiva 90 67,5 180 Extensiva 3,5 80 60,0 170 Intensiva Melhora a resistência aeróbia a níveis médios. Substratos: Glicogénio Parâmetros: Estado estável. 160 Melhora o metabolismo aeróbio e desenvolve a eliminação de lactato. Substratos: Ácidos gordos Parâmetros: Estado estável. 70 52,5 Aeróbia 2,5 190 Mista (anaeróbia-aeróbia 5,0 Melhora do Limiar anaeróbio e capacidade de manter a potência aeróbia ao longo do tempo. Substratos: Quase em exclusivo o glicogénio Parâmetros: Dívida de O2, começo de concentração de lactato. 75.0 Resistência Melhora o VO2máx Substratos: Glicogénio Parâmetros: PAM e VO2máx; importante dívida de O2. Extensiva Láctica 14,0 Intensiva Aláctica 8,0 Subzona Extensiva Zona Intensiva % VMA Extensiva Acido Láctic o Regene rativa Acelera os processos regenerativos, para eliminar o lactato e outros catabólitos. 2,0 60 45,0 140 Substratos: Ácidos gordos Parâmetros: Estado estável. Legenda: ATP= Adenosina Trifosfato; PC= Fosfocreatina; O2 = Oxigénio; VO2máx = Volume ou consumo máximo de oxigénio; PAM = Potência Aeróbia Máxima. 14,0 110 7,0 100 75.0 190 5,0 90 67,5 180 3,5 80 60,0 170 2,5 70 52,5 160 2,0 60 45,0 140 Intensiva Intensiva Mista (anaeróbia-aeróbia Aeróbia Resistência 5000 m 10000 m Extensiva 120 5000 m e 10000 m Intensiva 22,0 1500 m e 3000 m Obt Extensiva 125 Láctica 14,0 800 m Intensiva Aláctica 8,0 Subzona Extensiva Zona Extensiva % VMA Regene rativa Acido Láctic o Legenda: B = Básico; E = Específico; C = Competitivo No quadro anterior pode ver-se a interligação entre as várias zonas e subzonas de esforço (Plano Bioenergético), os Estádios de Desenvolvimento e a importância da solicitação das várias zonas de esforço nos vários estádios de acordo com a distância para que o atleta está a treinar. Assim, como exemplo, podemos verificar que os especialistas de 800 metros, no período básico, devem dar ênfase ao trabalho ao nível da zona aeróbia na sub-zona intensa, assim como da zona aláctico, principalmente da sub-zona intensiva. Para estes atletas, no período específico, deve ser dado realce ao treino da resistência mista extensiva e ao treino da zona aláctica extensiva. No período competitivo, a preparação deve centralizar-se no treino da zona da resistência láctica extensiva e intensiva, assim como da zona mista intensiva. DIPER (Determinación de Intensidades Para el Entrenamiento de la Resistencia) Marinano Garcia-Verdugo tem vindo nos últimos anos a aperfeiçoar um teste de modo a quantificar as várias intensidades de treino de acordo os resultados do mesmo. O teste pretende quantificar a velocidade máxima aeróbia (VMA) partindo da pressuposta relação existente entre o aumento da intensidade e o proporcional aumento da frequência cardíaca. Realiza-se de forma incremental, com repetições de 400 metros, dividida em parcelas de 50 metros, entrecortadas por pausas o mais pequenas possível onde, durante as mesmas, se toma a frequência cardíaca e se ajusta a velocidade da próxima repetição. Cada novo ajuste de intensidade corresponde a uma determinada velocidade em K/hora ou tempo/Km. Como, teoricamente, a frequência cardíaca máxima alcança-se em simultâneo com o consumo máximo de oxigénio, quando esta se atinge, sabendo a velocidade que o atleta se desloca, considera-se que se alcançou a Velocidade Máxima Aeróbia. A partir do resultado do teste, pode quantificar-se a intensidade para todas as nove zonas de esforço, acima e abaixo da VMA (zona mista intensiva), em que o plano bioenergético assenta. Esta quantificação é realizada por um programa construído a partir do Excel. Infelizmente, tendo em conta a falta de tempo, não foi possível desfrutar-se das potencialidades do referido programa. Conclusões Os vários estádios de desenvolvimento foram perfeitamente descritos pelo orador, assim como a evolução dos conteúdos dos mesmos ao longo do macrociclo. A divisão em quatro zonas de esforço, assim como nas nove sub-divisões que compõem o plano bioenergético, parecem exageradas. Normalmente os autores dividem em três zonas de esforço: anaeróbia aláctica; anaeróbia láctica e aeróbia. É lógico que a zona da potência aeróbia (que Garcia-Verdugo classifica aqui como mista intensiva), tem uma grande solicitação anaeróbia, mas é, por excelência, o expoente máximo dos esforços aeróbios. Quanto à sub-divisão em intensiva e extensiva, a maioria dos autores classifica de potência a sub-zona intensiva e de capacidade a sub-zona extensiva. Quanto à divisão em nove sub-zonas a maioria dos autores vai no máximo até sete: potência aláctica; capacidade aláctica; potência láctica; capacidade láctica; potência aeróbia; capacidade aeróbia; capacidade lipolítica (ou eficiência lipolítica). Quanto ao DIPER, parece-nos pouco lógico levar a quantificação da intensidade de treino até à zona aláctica a partir da VMA que é um parâmetro obtido a partir da frequência cardíaca. Quanto muito, poderia ir até à zona anaeróbia extensiva (capacidade láctica)