SUGESTÕES Rodrigo, pensei em abrir com a foto da menina com a bandeira irlandesa. Coloque aquele degradè de lei pra dispensar a legenda, haha. Versal – Economia VELHO MUNDO, NOVOS PROBLEMAS Brasileiros em intercâmbio na Europa sofrem com a falta de emprego, uma das consequências da crise econômica que atingiu o mundo capitalista André Martins Da tropicalíssima Contagem para a gelada Dublin. Aos 13 de fevereiro de 2011, no principal aeroporto da Irlanda, a cabeça do estudante de jornalismo Bruno Filipe de Lima e do primo, recém formado em direito, Rafael Nogueira, fervilhava. As incertezas em relação ao futuro, se fundiam às palavras de espanto dos parentes e amigos ao tomarem nota do destino: “Irlanda? Mas e a crise?”. Sobreviver um ano em um país afogado em dívidas. Definitivamente, não existia maior aventura ao alcance dos rapazes. Juntamente com Grécia, a Irlanda foi uma das primeiras nações a sofrer com os efeitos da falta de financiamento internacional e pedir ajuda. Mas a considerar a disposição dos irlandeses, o pior já passou. A essa altura, a cinzenta capital do país já aparenta estar indiferente aos problemas de ordem econômica que bateram à porta da Europa em 2008. A ajuda de 85 bilhões de euros conseguidos por meio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e União Europeia (UE), no fim de 2010, começam a surtir efeito. Desde o ano passado, a Irlanda registra crescimento do PIB e hoje, entre o povo, quase não se fala mais em crise. Ela virou um assunto recluso aos altos escalões das lideranças do país. “Os irlandeses não dão sinais de muita preocupação. Os pubs estão lotados todos os dias”, conta Bruno. “O noticiário televisivo explora o assunto cada vez menos. A crise só é notícia só quando existem novidades”, explica Rafael. Os preços dos bens de consumo básico não se alteraram. De acordo com os jovens, a pouca incidência de tributos sobre os produtos foi um dos atrativos que os levaram a optar pela Irlanda. “O Brasil é um caso sério de abuso. Convertendo a moeda, a maioria das mercadorias sai pela metade do preço ou menos do que vemos nas prateleiras das lojas brasileiras”, entende Bruno. Se por um lado a estabilidade monetária determina a rigidez dos preços, o desemprego campeia os países mais prejudicados. “O que ouvi falar é que há uns 10 anos sobrava emprego em Dublin. Você conseguia um trabalho pela manhã e se não gostasse já tinha outro no fim da tarde”, explica o estudante. De acordo com Rafael, o dinheiro ajuntado no Brasil é suficiente, mas não por muito tempo. “Estou à procura de emprego. Dizem que com a chegada do verão as coisas melhoram. É torcer para isso ser verdade”, confessa. Em Portugal, último país do bloco europeu a pedir ajuda internacional, a situação é semelhante. Os preços se mantém estáveis e pouco se fala sobre a crise. Assim como na Irlanda, o que preocupa é a redução do trabalho formal. “O número de desempregados tem subido significativamente. Segundo o Jornal de Notícias, em fevereiro o índice estava em 19,6%, já em abril, passou para 27,3%”, explica Thaís Manini, em intercâmbio na Universidade do Porto desde o início de janeiro. Os pais da jovem depositam mensalmente valor suficiente para os gastos com alimentação, moradia e passeios. Entretanto, Thaís lamenta a escassez de oportunidades de trabalho. “Minha prima veio estudar em Portugal há três anos e com um mês ela já estava trabalhando. Eu estou aqui há três meses e sequer no McDonald’s consegui algo”, queixa. A também intercambista Miriane Barbosa, residente em Coimbra, relata o drama da juventude portuguesa. “Os estudantes já fizeram manifestações contra o preço das propinas [valor pago anualmente às universidades e que, hoje, gira em torno de mil euros]. Muitos pais de alunos estão perdendo o emprego e já não têm condições de pagar os estudos”, explica. De acordo com a estudante de Jornalismo, que retorna ao Brasil em julho, muitos estudantes estão abandonando a universidade pela falta de dinheiro e a inexistência de benefícios como bolsas de estudos. Manini tem a volta ao Brasil prevista para o fim do ano. Segundo ela, a situação econômica na Europa não influi na decisão. “Já estava tudo planejado”, explica. Entretanto, a jovem confessa ter ouvido rumores de muitos brasileiros que pensam em voltar para casa, temerosos de que a prosperidade seja uma página virada na história do Velho Continente. Entenda a crise A quebra da bolsa nova-iorquina, em 1929, funciona aos especialistas como uma “perfeita” alegoria para se explicar as instabilidades do capitalismo. A crise da Zona do Euro provavelmente não sobrepujará, em peso, ao incidente econômico mais emblemático para a história americana, embora seus efeitos sejam igualmente catastróficos. A crise atual é sistêmica. Não surgiu no Velho Mundo, mas sim nos Estados Unidos, onde as instituições financeiras praticavam uma política hipotecária extremamente arriscada. Eram fartas as ofertas de crédito a quem não possuía a mínima condição de arcar com compromissos financeiros. As transações passaram a tirar o sono dos economistas que, mesmo sem o dom da sensitividade, previam o pior. Em 15 de setembro de 2008, o gigante Lehman Brothers, cujo principal “cliente” era ninguém menos que o Tesouro Americano, anunciava uma inesperada e inevitável falência. O resultado foi imediato e atingiu às bolsas ao redor do mundo, deixando os pregões mais tensos que de costume. As bolsas despencaram e o pânico se instaurou. “Essa crise surge a partir de uma conjugação de fatores. Passa pela conexão dos sistemas financeiros europeu e americano. Também pela oferta de crédito imobiliário subprime, pela desregulamentação quanto a fiscalização de bancos e pelo endividamento de alguns países europeus”, explica a economista e professora do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Taiane Las Casas. A Europa sentiu muito. E há motivos que expliquem isso. Além das instituições econômicas europeias também ofertarem crédito sem rigor, o desregramento das contas públicas de países como Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, que juntos compõem o grupo conhecido como PIIGS, contribuiu para a configuração atual. De acordo com o Tratado de Maastricht, de 1992, que criou a Zona do Euro, a relação do endividamento sobre o total de riquezas produzidas pelos países não poderia ultrapassar um limite, estabelecido em 60%. Acontece que algumas nações endividaram de tal forma que além de exceder o tolerado, tentaram acobertar os erros. É o caso da Grécia, cujo endividamento, de acordo com dados oficiais, atingiu 142,8% do PIB nacional. A Alemanha tentou manter uma posição irresoluta. A maior economia da Europa esperava conseguir pressionar os governos em crise a um ajuste fiscal e assim preservar a estabilidade da moeda. Entretanto, a caótica experiência realizada na Grécia em 2010, que deu origem a violentas manifestações de rua, fez os PIIGS rejeitarem o sacrifício. Como resultado, a Alemanha está sendo obrigada a injetar crédito nos vizinhos e pedir socorro ao FMI para salvar o euro. As visões divergentes das lideranças europeias têm razão de existir. Mesmo fazendo parte de um mesmo bloco, as nações do Velho Continente possuem realidades contrastantes. Segundo a revista inglesa The Economist, enquanto a Alemanha tem riqueza estimada em US$ 3,127 trilhões, a Grécia patina na casa dos US$ 200 bilhões. Até a China decidiu estendeu a mão, se aproveitando da situação da maior parceira econômica, a União Europeia. Por trás do discurso da necessidade de manter a estabilidade do euro, Pequim acredita que dessa forma a pressão europeia pela valorização da moeda chinesa diminuirá. O Governo chinês pode lucrar ainda com uma possível flexibilização das barreiras comerciais do Velho Continente. À moda brasileira De acordo com o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Frederico Gonzaga, a solução mais plausível para se contornar os efeitos perversos da crise seria seguir o modelo de contingência brasileiro. “Os ajustes fiscais representam um impacto social muito grande. Ficou comprovado com a Grécia que isso não funciona. O caminho seria aumentar o crédito por meio dos bancos públicos, o que incentivaria os gastos. Com o consumo, os governos arrecadariam em impostos”, explica. Segundo o Gonzaga, não é de hoje que o Brasil é exemplo no que diz respeito às políticas fiscais. E não seria piada dizer que foi mesmo uma “marolinha”. O país sofreu pouco. E os números comprovam. No início da crise, 800 mil postos de trabalho ficaram vagos. Até o final de 2010, a resposta: dois milhões e meio de empregos formais haviam sido criados de acordo com dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). O mundo sub-desenvolvido foi o primeiro a sair da crise. Dentre as explicações, está a rigorosa fiscalização sob as instituições bancárias. “Países como Brasil e China foram criticados durante muito tempo pela rigorosidade das regulamentações por eles estabelecidas. Hoje se provou que elas são necessárias. Sem fiscalização, o sistema financeiro é perigoso”, explica Taiane. Para Gonzaga, a projeção é que a economia europeia cresça a índices baixos durante um bom tempo. De acordo com o docente, a situação se assemelha à crise econômica dos países latino-americanos ao longo da década de 1980. Entretanto, devido à estabilidade monetária, a Europa não tem sofrido com a hiperinflação. Las Casas acredita que o abrandamento da crise dependa da redução do déficit público dos países mais afetados e da alta do PIB estadunidense. “Na medida em que a economia vai expandindo, aumenta-se a arrecadação de impostos e a dívida diminui”. Além dos indícios visíveis A crise ainda gera preocupações que vão além do campo econômico propriamente dito. Segundo o professor Frederico Gonzaga, a perspectiva de crescimento medíocre nos países com economias fragilizadas estimula as migrações em massa em direção à Alemanha e França. A razão está nos índices de desemprego nunca antes registrados e no aumento da tributação. “Itália e França já esboçam um desejo de remontar as fronteiras. Daí para criar barreiras de imigração intra-Europa é um passo”, alerta. CRÉDITOS E LEGENDAS: Foto 1 Credito: Bruno Nogueira Foto 2 Legenda: Bruno Nogueira chegou a temer a crise do euro, o que não o impediu de realizar o sonho da primeira viagem internacional – “Faria tudo novamente” Crédito: Rafael Nogueira Foto 3 Legenda: De acordo com Thaís Manini, “crise” não faz parte da pauta de conversas entre os portugueses “Acredito que o futebol é muito mais discutido” Crédito: Tamilis Borim Foto 4 Legenda: O professor Frederico Gonzaga teme que a criação de barreiras nas fronteiras dos países europeus desencadeie uma série de conflitos sociais Crédito: André Martins