UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 1 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA REFLEXÕES SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL NO ESTADO DE GOIÁS: 1970-2000 Gilberto José de Faria Queiroz1 João Cleps Júnior2 Resumo Historicamente os pesquisadores têm estudado o desenvolvimento rural enfatizando os fatores tradicionais do modo de produção capitalista - o capital financeiro, terra e trabalho. Os fatores “qualitativos” - capital humano, social e tecnológico - têm sido menos estudados. Quando estudados, o são normalmente de forma pontual. Existem poucas análises sobre a complexa interação entre esses capitais. Numa visão mais atualizada do desenvolvimento, a do desenvolvimento centrado no homem, é cada vez mais reconhecida à relevância dos capitais “qualitativos” para a otimização dos meios para se chegar ao desenvolvimento desejado. Essa visão defende idéias e valores globais, entre elas os de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais, respeitando a equidade de gênero e a diversidade étnica e cultural da população rural. Neste trabalho, serão tratados os conceitos, objetivos e impactos das políticas públicas visando a educação da população rural, o desenvolvimento do cooperativismo agropecuário, os serviços de pesquisa e difusão de tecnologias agrícolas e assistência técnica e extensão rural. Algumas dessas reflexões podem evidenciar o grau de acesso da população rural, principalmente da advinda da agricultura familiar tradicional e dos assentamentos da reforma agrária, aos fatores “qualitativos” do desenvolvimento frente ao processo de modernização da agricultura brasileira, e em especial em Goiás, implantado a partir dos anos 1970. Palavras-chave: Políticas Públicas, Desenvolvimento Rural; Tecnologia Agrícola; Capital Social; Estado de Goiás. 1 Professor(a) do CEFET de Rio Verde – GO. Doutoranda em Geografia pela UFU – MG. E-mail: [email protected] 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFU – MG. Orientador. E-mail: [email protected]. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 2 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA 1. Introdução O objetivo desse trabalho é refletir sobre alguns aspectos das políticas públicas que deram sustentação ao desenvolvimento rural brasileiro, e em especial de Goiás, nas últimas décadas. De forma pontual, algumas considerações serão apresentadas no sentido de identificar o grau de acesso dos agricultores familiares de alguns municípios goianos quanto ao capital humano, social e tecnológico. Através das análises procuraremos evidências que o desenvolvimento rural aqui implantado não seria o desejado para o segmento da população da agricultura familiar. 2. Metodologia Os conceitos, análises empíricas e fundamentações teóricas foram trabalhados a partir de literatura especializada, livros, artigos, teses. Os parâmetros mais mencionados foram analisados a partir de informações do Censo Agropecuário do IBGE de 1995/96 e do Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO, concluído em 2000. Para exemplificar o grau de acesso do segmento da agricultura familiar tradicional e da advinda dos assentamentos rurais da reforma agrária quanto a alguns benefícios de políticas públicas, foram analisados alguns aspectos relacionados aos produtores dos municípios de Ceres (localizado na mesorregião Centro Goiano, Luziânia na Leste Goiano, Piranhas na Noroeste Goiano, Porangatu na Norte Goiano e Rio Verde na Sul Goiano. Esses municípios foram selecionados quanto a representatividade e a espacialização de Goiás. 3. Desenvolvimento rural e capital humano UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 3 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Em Goiás, a partir de meados dos anos 1960, o processo de produção agrícola foi intensificado com vistas a sua inserção nos mercados nacionais, via aumento da produção. O modelo que alimentou esse processo foi o da ocupação da fronteira agrícola. Nos anos 1970, esse modelo deu sinais de esgotamento. Era urgente visar incrementos de produtividade através da utilização de inovações tecnológicas para garantir a solidificação das relações capitalistas no setor agrícola. Para tal, foram implementadas diversas políticas públicas, tanto em nível nacional quanto estadual, para promover o processo que, posteriormente, passou a ser denominado por alguns de “modernização da agricultura” e por outros de “modernização dolorosa”. Nesse sentido, vários estudos afirmam que as políticas oficiais vigentes privilegiaram o capital financeiro, através de crédito rural subsidiado para os grandes proprietários; assegurou o capital físico, mantendo-se inalterada a estrutura agrária; dinamizaram os serviços públicos de assistência técnica e extensão rural com vistas a transformar a propriedade rural em empresa rural capitalista; consolidou o serviço de pesquisa agropecuária privilegiando os produtos de maior importância econômica; criaram incentivos para a formação de cooperativas agrícolas. No processo, essas transformações provocaram aumentos de concentração de terra e renda, crescentes taxas de êxodo rural e a eliminação de milhares de produtores rurais de subsistência, dente outros problemas, afetando as relações sociais no meio rural de Goiás. Abordando a produção científica da Geografia Agrária no Brasil, Ferreira (2002, p.284-285) destaca que Durante as décadas de 1960 e 1970, as mudanças e transformações no agro e na Geografia foram uma constante. Nas décadas seguintes, 1980 e 1990, as ações e as idéias são reflexo do que aconteceu anteriormente. No agro, a sociedade sofre as conseqüências da modernização (proletarização do trabalhador rural, encarecimento da produção, problemas ambientais etc); na Geografia e particularmente na Geografia Agrária, a crítica ao modo de produção capitalista prolifera sob enfoques distintos: o radical/marxista, crítico voraz da quantificação; o econômico, no qual o destino da produção é enfatizado nos estudos sobre a relação pequena produção/indústria; o social, privilegiando a proletarização/persistência do trabalhador rural, e o ambiental, voltado para as conseqüências ambientais do processo de modernização. Não obstante a importância da educação para o crescimento econômico, esta somente tem sido objeto de estudo sistemático a partir da segunda metade do século XX, especialmente com o aparecimento da teoria do capital humano nos anos 1950. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 4 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA De acordo com Solow (1957), o crescimento econômico experimentado pelos Estados Unidos, no período de 1900 a 1949, não podia ser explicado adequadamente baseando-se somente nos fatores clássicos de produção – terra, trabalho e capital – porque era necessário considerar que existiam outros fatores imateriais aos que se devia atribuir esse progresso econômico. Em princípio, o autor identificou esses fatores como “progresso técnico”, mais tarde falou do fator “residual”, dentro do qual o capital humano ocuparia um lugar de exceção. Schultz (1961) afirma que a surpreendente e coletiva recuperação econômica da Europa ocidental somente foi possível tendo em conta a riqueza cultural acumulada durante muitos anos, que, ainda seriamente danificada pela guerra, não foi destruída totalmente. A este fator de produção, Schultz chamou de “capital humano”, designando com isso a capacidade produtiva do indivíduo, incrementada por uma série de elementos, dos quais destacou a educação. Partindo de trabalhos empíricos sobre os Estados Unidos, para o período de 1950 – 1962, Denison (1967) tirou a conclusão de que a educação, considerada como um insumo, representava 15% do crescimento econômico. O importante para esse autor era que enquanto os insumos tradicionais – trabalho e capital – somente explicavam 60% do crescimento econômico, os outros 40% eram atribuídos aos outros elementos imateriais. Avaliando a relevância do capital humano para o desenvolvimento econômico, a partir dos esforços de políticas públicas na educação fundamental da população em geral, a CEPAL (2005, p.2), faz um diagnóstico estrutural da educação fundamental nos países da América Latina e do Caribe, afirmando que La agenda multilateral retoma una visión integral del desarrollo, partiendo de la premisa de universalizar no solo los direchos civiles y políticos sino también los derechos económicos, sociales y culturales, sobre la base del concepto de que los seres humanos tienen, como tales, los mismos derechos, con independencia de su sexo, el color de su piel, su lengua, la cultura a la que pertenecen y su poder económico y social. Sobre o desenvolvimento humano e social, e os investimentos públicos realizados pelos governos, em termos mundiais, em comparação com o quê ocorre na América Latina e o Caribe, a CEPAL/UNESCO (2004) assinala: A pesar del esfuerzo realizado por los gobiernos para aumentar el gasto público social, que se elevó del 10,1% al 13,8% del PIB entre 1990 y 2002 e implicó en algunos casos logros significativos en áreas como la salud y la educación, los progresos en materia de reducción de la pobreza y la indigencia se estancaron en los últimos años. [...] Junto a la persistencia de los niveles de pobreza e indigencia, la UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 5 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA distribución del ingreso en América Latina tampoco ha mostrado resultados alentadores. [...] Si bien esta es una tendencia mundial que afecta a gran parte de los países en desarrollo, América Latina y el Caribe ostenta la lamentable singularidad de ser la región más inequitativa del mundo. Considerando os elementos promotores do desenvolvimento humano e social, em relação à América Latina e Caribe, vários estudos indicam que a desigual distribuição de renda é resultado do que ocorre com a brutal desigualdade de distribuição dos ativos (terra, capital, educação e tecnologia) e com as distintas oportunidades de acesso aos mesmos. A forma clássica de medir o grau de concentração de um fator na sociedade é através do índice de Gini. Quando esse índice for zero indica igualdade absoluta e quando for 1 indica concentração absoluta. De acordo com BRASIL (2003, p.11) para o país o índice de distribuição de renda é 0,6 e para a concentração fundiária está acima de 0,8. [...] no estrato de área até 10 ha encontram-se 31,6% do total de imóveis que correspondem a apenas 1,8% da área total. Os imóveis com área superior a 2.000 ha correspondem a apenas 0,8% do número total de imóveis, mas ocupam 31,6% da área total. [...] pode-se estimar a existência de cerca de 3,4 milhões de estabelecimentos agropecuários com insuficiência de área, o que corresponde a 70% dos estabelecimentos agropecuários existentes no país. Quanto à educação, segundo a CEPAL (2005, p.84) “además de ser um derecho vinculado al desarrollo pleno de las personas, la educación incide decisivamente en las oportunidades y la calidad de vida de los individuos, las familias y las colectividades”. Entretanto, a CEPAL (2004) aponta que, no começo da presente década, cerca de 92 milhões de latinoamericanos de 15 anos ou mais de idade não haviam concluído a educação primária. Ainda, para um conjunto de países analisados, a CEPAL (2005, p.96) constata que “a taxa de não conclusão da educação primária nas áreas rurais é, em média, três vezes mais alta que nas zonas urbanas”. Observa-se que o mundo conheceu, durante o último meio século, um desenvolvimento econômico sem precedentes. Estes avanços se devem antes de tudo devido à capacidade dos seres humanos de dominar e organizar o meio ambiente em função das suas necessidades, isto é, à ciência e à educação, motores principais do progresso econômico. Sob a pressão do progresso técnico e da modernização, investimentos em educação, com fins econômicos, não para de crescer na maior parte dos países. Em todos os setores, mesmo na agricultura sente-se a necessidade de competências evolutivas articuladas com o saber e com o saber-fazer mais atualizado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 6 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Sobre esse tema Bertrand (1994 apud UNESCO, 2000, p.71), enfatiza que “esta evolução irreversível não aceita as rotinas nem as qualificações obtidas por imitação ou repetição e verifica-se que se dá uma importância cada vez maior aos investimentos ditos imateriais, como a formação, à medida que a ‘revolução da inteligência’ produz seus efeitos”. De acordo com o IBGE (2000) (Censo Demográfico 1980, 1991, 2000 e Contagem 1996), apesar da intensa urbanização ocorrida nas últimas décadas, cerca de um quinto da população do país encontra-se na zona rural, isto é, em 2000, era em torno de 32 milhões de pessoas. Porquanto, segundo Ramos (2004, p.12), os cerca de 32 milhões de habitantes da área rural encontra-se em franca desvantagem, tanto em termos de capital físico (recursos financeiros), quanto de capital sociocultural (escolaridade e freqüência à escola) em comparação aos que residem na área urbana. Do ponto de vista do capital sociocultural, o nível de instrução e o acesso à educação da população residente na zona rural são importantes indicadores da desigualdade social existente entre as zonas rural e urbana. Segundo o IBGE (2001), através dos dados da PNAD de 2001, mostra que a escolaridade média da população brasileira, de 15 anos ou mais, que vive na zona rural é de 3,4 anos enquanto que a da população urbana é de 7 anos. Quanto ao índice de analfabetismo do Brasil que é bastante elevado, o é ainda maior na área rural. Em torno de 29,8% da população adulta da zona rural é analfabeta enquanto na zona urbana essa taxa é de 10,3%. Ressalta-se que a taxa de analfabetismo aqui considerada não inclui os analfabetos funcionais, ou seja, aquela população com menos de quatro séries concluídas do ensino fundamental. Os desafios para resolver os problemas da educação no Brasil são enormes. Os graves problemas existentes já são bastante conhecidos. Dentre outros, a falta de investimentos maciços na educação em geral e, principalmente, na educação para a população rural trazem conseqüências indesejáveis para um desejado desenvolvimento rural com mais equidade e inclusão social, econômica e política. Sobre a educação rural, a Resolução CNE/CEB No 1, de 3 de abril de 2002, no seu Artigo Sexto, estabelece O Poder Público, no cumprimento das suas responsabilidades com o atendimento escolar e à luz da diretriz legal do regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, proporcionará Educação Infantil e Ensino Fundamental nas comunidades rurais, inclusive para aqueles que não o concluíram UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 7 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA na idade prevista, cabendo em especial aos estados garantir as condições necessárias para o acesso ao Ensino Médio e à Educação Profissional de Nível Técnico. Estudando a educação brasileira, especialmente a educação profissional, Manfredi (2002, p.297-298) afirma que As breves considerações feitas atestam, portanto, a existência de grande déficit no âmbito da Educação Profissional e a insuficiência das atuais políticas públicas para essa importante modalidade de educação básica. Expõem a necessidade premente de desenvolver políticas voltadas para as novas configurações do mundo do trabalho, para a reinserção dos desempregados, e programas integrados de escolarização e profissionalização para o grande contingente de jovens e adultos sem alfabetização ou com escolaridade parcial. Entretanto, os poucos esforços para a formação de técnicos agrícolas de nível médio, em Goiás (um estado muito dependente da agropecuária) foram e continuam sendo realizados pelo governo federal, através de apenas três escolas: os Centros Federais de Educação Tecnológica de Rio Verde e de Urutaí e a Escola Agrotécnica Federal de Ceres. Poucos municípios goianos, como Uruaçu e Santa Helena de Goiás, mantêm escolas denominadas de “ginásio agrícola”, ministrando aos alunos alguns conhecimentos agrícolas até a conclusão da oitava série do ensino fundamental. 4. Desenvolvimento rural e capital social As principais idéias cooperativistas surgiram na Inglaterra como um movimento de reação à acumulação do capital, associada à Primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII. Segundo Rech (2000, p.10), essas idéias, do ponto de vista socialista [...] entendiam a cooperativa como um dos caminhos para uma nova ordem econômica e social. O grande teórico desta linha de interpretação foi o inglês Robert Owen (que viveu de 1771 a 1858)”. [...] Conhecedores das mazelas do capitalismo desde a sua origem, e envolvidos em manifestações acirradas da classe operária, especialmente na Inglaterra e na França, os socialistas viam na cooperativa um embrião de uma nova sociedade, onde as pessoas poderiam trabalhar conjuntamente, libertando-se do jogo do capital e suprindo interesses pessoais e coletivos. Por outro lado, do ponto de vista capitalista, segundo o mesmo autor, Os liberais e fisiocratas capitalistas entendiam as cooperativas como corretivo dos defeitos do sistema capitalista. [...] a cooperativa viria atenuar as características egoísticas e concentradoras de capital do sistema vigente. Esta foi uma das preocupações que o grupo de cidadão de Rochdale teve UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 8 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA presente quando fundou a primeira cooperativa oficial da história moderna (RECH, 2000, p.14-15). No Brasil, em meados do século dezenove, as primeiras cooperativas implantadas foram as de consumo. No entanto, a partir da década de 1960, essas cooperativas entraram em crise (REZENDE, 2002). Em 1971, com a criação da Lei das Cooperativas (Lei 5.764/12/1971), o Ministério da Agricultura reformulou a estrutura cooperativista. Surgiu então a Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB – que passou a ser o órgão máximo de representação do Sistema Brasileiro de Cooperativismo e órgão técnicoconsultivo do governo. De acordo com Rezende (2002, p.35), ao analisar o crescimento regional do cooperativismo contata-se que no CentroOeste brasileiro, onde o cooperativismo apresenta-se como uma nova experiência, o seu desenvolvimento ocorreu na década de 70 com a expansão da fronteira agrícola e uma maior ofensiva do poder público para modernizar e inserir a região na dinâmica do sistema agroindustrial, neste período, muitas cooperativas surgiram em Mato Grosso e Goiás. E o melhor exemplo está no Sudoeste Goiano, pois neste espaço encontram-se as principais cooperativas goianas fundadas nessa década e transformadas em agroindústrias como são os exemplos da COMIGO (Rio Verde) e AGROVALE (Quirinópolis). O movimento cooperativista surgiu como uma alternativa de enfrentar a exclusão social, provocada pelo avanço e afirmação do capitalismo. Sobre a evolução histórica dos processos de exclusão social, Pochman (1999) os apresentam da seguinte forma: i) a destruição de formas de produção pré-capitalistas gerou exclusão, implicando na formação de um mercado de trabalho necessário à acumulação de capital; ii) na segunda metade do século XIX a exclusão era resultado da crise e do processo de concentração de capital restrita a poucos países; iii) a oligopolização, a constituição dos Estados nacionais e o desenvolvimento de normas de regulação das relações de trabalho formaram uma base institucional que sustentou no século XX e possibilitou a reincorporação dos excluídos ao universo produtivo. Houve crescimento do emprego neste período que durou até os anos 1970; iv) a crise atual tem origem no movimento destruidor da reorganização produtiva e na racionalização econômica através da terceirização, da incorporação de novas tecnologias e métodos organizacionais, destruindo as perspectivas de recomposição do nível de emprego. A crise tem origem também no grau de industrialização e na difusão de padrões de consumo. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 9 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Para Matoso (1999), ao longo do século XX e, principalmente após 1945, o Brasil transformou-se em uma economia urbana, industrial e com elevada geração de empregos formais. A partir de 1980 houve uma alteração na dinâmica do mercado de trabalho acentuando o desemprego urbano e a deterioração das condições de trabalho. Vários autores concordam que as cooperativas representam o único setor econômico cujo conteúdo doutrinário enfatiza o equilíbrio entre o econômico e o social. Nesse contexto de crise na geração de empregos, surge um novo cooperativismo no Brasil. Segundo Singer (1999) esse movimento toma formas diferentes, sendo empresas autogeridas; pequenas e médias associações ou cooperativas de produção ou comercialização; cooperativas agropecuárias formadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); cooperativas de trabalho e de serviços, formadas por Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares; cooperativas de serviços de diversos tamanhos, sendo boa parte delas agrupadas nas Federações de Cooperativas de Trabalho estaduais. De acordo com Baltar, Dedecca & Henrique (1996), duas questões básicas podem explicar o fenômeno do padrão de geração de emprego e de renda do país, associado ao seu estilo de desenvolvimento: a primeira está voltada para a estrutura agrária concentrada em grandes propriedades e no atraso produtivo; e a segunda resposta encontra-se no tipo de geração de emprego e renda urbana. Com este cenário, o problema do desemprego assume nova configuração tornando-se alto e prolongado. Cada vez mais se utiliza a subcontratação e a precarização dos postos de trabalho. Contudo, o aumento de emprego no comércio e nos serviços não foi suficiente para compensar a perda dos empregos industriais e do excedente do meio rural. Configura-se, então, um núcleo pequeno de trabalhadores com emprego estável e uma grande massa de empregos instáveis e mal remunerados. Colocado dessa forma, o processo de industrialização brasileira configurou um mercado de trabalho excludente. Corroborando com esse movimento, as políticas comerciais aumentaram a discrepância na distribuição da renda per capita nacional gerando um enorme contingente de pessoas desempregadas. Uma medida para atenuar essa situação, segundo Gallo & outros (2004), são as cooperativas populares que, tanto no contexto rural como no urbano, apresentam propostas de inclusão social dos atores que foram excluídos do mercado de trabalho e configuram um tipo de organização estratégica condizente com as mudanças organizacionais no final do século XX e início do século XXI. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 10 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA O desenvolvimento da organização cooperativista popular, de economia solidária, ressurge como uma nova alternativa ao desemprego a partir de um novo setor econômico, formado por pequenas empresas e trabalhadores por conta própria, compostas por (ex) desempregados. Para Gaiger (1999) esta pode ocorrer através da “expansão das iniciativas populares de geração de trabalho e renda, baseados na livre associação de trabalhadores e nos princípios de autogestão e cooperação”. A partir de 1990, com a crise configurada no cenário industrial, o cooperativismo entra em discussão novamente, com mais força e com uma proposta alternativa ao modelo de indústria instalada e consolidada no Brasil. Em 1999, pelos dados da Organização das Cooperativas Brasileiras “haviam 5.600 cooperativas registradas com 5,5 milhões de cooperados” (OCB, 1999). De acordo com a Organização das Cooperativas do Estado de Goiás, em 2003, existiam 40 cooperativas agropecuárias filiadas na instituição (OCG, 2003). No entanto, quanto à participação do gênero feminino nas cooperativas agropecuárias, Pinho (2000, p.88) aponta a enorme disparidade existente em relação à participação dos homens. Assinala que “a participação das mulheres sempre foi importante como mão-deobra, não como associadas, já que estatisticamente, o marido é quem se associa à cooperativa. Atualmente, a presença feminina é da ordem de 4,3% do total de cooperados do ramo agropecuário”. As cooperativas agropecuárias podem viabilizar o acesso facilitado dos agricultores ao capital humano, social e tecnológico, dentre outros. A qualificação profissional e a representação de interesses são exemplos que podem trazer benefícios aos produtores através das ações das cooperativas. No sentido de detectar o nível de engajamento dos produtores rurais goianos, tanto patronais quanto familiares em cooperativas, tomou-se como referência o estudo produzido pelo INCRA/FAO publicado em 2000. Além dos dados referentes ao estado, são analisados os dos municípios de Ceres, Luziânia, Piranhas, Porangatu e Rio Verde. A análise indica uma deplorável situação dos agricultores goianos quanto à sua participação em associação e/ou cooperativa. Apenas 18,2% dos agricultores em geral participam dessas organizações. Pode-se deduzir que a maioria dos agricultores goianos não conta com o suporte e as possíveis vantagens advindas das ações cooperativistas. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 11 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA A estatística de 33,0% de participação do total dos agricultores de Rio Verde representa a melhor pontuação neste parâmetro, em relação aos municípios mencionados. Por outro lado, a situação em alguns municípios pode ser considerada irrelevante como visto para Porangatu com 1,4% e Piranhas com 2,3% dos estabelecimentos com associação e/ou cooperativa. Analisando participação dos agricultores familiares nas associações e/ou cooperativas fica evidente que os seus indicadores ficam aquém dos indicadores gerais apresentados. Em todo o Estado, esse segmento participa com 13,8% comparado com o percentual de 18,2 dos agricultores em geral com associação e/ou cooperativa. Nos municípios, essa situação chega a ser quase inexistente, como é o caso de Porangatu com o valor de 0,7%. Em Rio Verde, esta situação é um pouco diferente, sendo que 21,7% dos agricultores familiares participam das organizações. Em relação ao Estado, 29,7% dos agricultores patronais participam de associação e/ou cooperativas, sendo, portanto, um desempenho superior ao dos agricultores em geral que é de 18,2%. Comparando a participação da agricultura patronal nessas organizações nos municípios selecionados, em relação à agricultura familiar, seu desempenho chega a ser mais de 100% melhor em todos os municípios. 5. Desenvolvimento rural e capital tecnológico A pesquisa agrícola no Estado de Goiás remonta aos idos de 1935, quando foi instalado no município de Anápolis (Fazenda Petrópolis), “o campo experimental do café” (EMGOPA, 1978). Em 1972, quando da criação da EMBRAPA em nível federal, foi criada em Goiás, pela Secretaria da Agricultura, a Coordenação de Pesquisa e Experimentação, cuja finalidade era análoga à da própria EMBRAPA. O cenário de Goiás se apresentava, em 1973, com 88% de sua área territorial enquadrada em solos sob cerrado, cujas terras eram consideradas de baixa fertilidade e tidas como fator limitante para a produção agrícola. Desse modo, na visão da EMGOPA (1978), “o cerrado em Goiás assume particular importância. São cerca de 555.000 Km2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 12 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA que, uma vez integrados ao processo produtivo, mediante sistemas exploratórios ajustados às suas peculiaridades, irão fortalecer a participação econômica do Estado de Goiás na agricultura brasileira”. Segundo Queiroz (2000, p.15), o trabalho da EMGOPA, na primeira década de sua existência, se desenvolveu no sentido de adaptar e gerar conhecimentos e tecnologia quanto aos produtos específicos mais importantes da agricultura goiana, de modo geral, visando as soluções por “produtos e por problemas”. Os esforços realizados em inúmeros ensaios e experimentos e a partir dos resultados obtidos, com níveis variados de validação, chegou-se à geração de tecnologias mais complexas expressadas em “sistemas de produção”. A contraposição do modelo de pesquisa para o modelo da agricultura tradicional sempre foi uma posição muito aguerrida pelos órgãos públicos de pesquisa. Para Queiroz (2000, p,26) as linhas básicas que alimentavam a pesquisa – definição dos ensaios e experimentos – eram definidas a priori pela ‘visão dos técnicos’ em detrimento da ‘visão dos agricultores’. Pode-se sugerir, a partir dessa assertiva, a origem das resistências de adoção de tecnologia por parte dos produtores, e, mesmo dos equívocos tecnológicos gerados pela própria pesquisa. A partir de meados dos anos 80, o setor agrícola nacional e goiano começa a se deparar com uma nova conjuntura econômica internacional, com impactos diretos nos segmentos envolvidos com a produção. Escasseia-se o crédito rural. A liberalização econômica passa a ser discurso e prática governamental. As barreiras de importação são atenuadas. Estabelecem-se prerrogativas de eficiência e eficácia como alicerces para o desenvolvimento. Um novo momento vive o mundo, o País e o Estado com mudanças substanciais nos conceitos de desenvolvimento, na forma até então praticada. Em 1995, a EMGOPA foi incorporada pela EMATER-Goiás que passou a ter a responsabilidade também de coordenar a geração de pesquisa no Estado. Os anos de 1995 e 1996 foram de reestruturação institucional, o que prejudicou sobremaneira a produção de pesquisa. Inúmeros pesquisadores e técnicos da extinta EMGOPA pediram demissão, fato que provocou a descontinuidade de vários experimentos dos mais diversos projetos. Uma crítica se verifica, de acordo com Queiroz (2000, p.79) que o processo de geração e difusão de tecnologia não contemplou um modelo sistêmico, portanto, não visou o desenvolvimento rural como um todo. A maioria dos esforços foi concentrada em certos produtos, como soja, algodão e milho, que demandavam crescentes quantidades de insumos à montante do processo de UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 13 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA produção (adubos, máquinas, defensivos, etc). Além desse aspecto, o acesso mais privilegiado às inovações e ao crédito subsidiado da época, pelos médios e grandes produtores, caracterizou o período de modernização da agricultura. Os pequenos agricultores de subsistência e grande parcela da agricultura familiar, não foram devidamente atendidos. Segundo Clovis Filho, G. et. alli (1998), [...] a organização e a capacitação do produtor familiar são condições indispensáveis para a obtenção de resultados mais efetivos nos projetos de P&D. Nesse contexto, a pesquisa pode e deve contribuir. [...] incluindo a participação coordenada de outros sistemas ou serviços de apoio como o de assistência técnica e extensão rural, o de crédito e o de educação rural [...] deverá induzir a disseminação de experiências de construção de metodologias multidisciplinares e participativas mais adaptadas às realidades locais e, como resultante, a obtenção de resultados mais concretos da pesquisa aplicada à agricultura familiar e de programas de desenvolvimento como o próprio Pronaf. De acordo com Guanziroli et. alii, (2001, p.41), a competitividade da produção familiar na agricultura é dada pela relação entre o valor agregado líquido por unidade de trabalho e o seu custo de oportunidade, em condições de relativa igualdade de acesso a serviços essenciais de educação e saúde entre os habitantes rurais e urbanos. Levando em conta que este custo é ainda muito reduzido, colocar os setores de produtores familiares com baixo nível de capitalização em condições de iniciar trajetórias bem-sucedidas de acumulação não exige investimentos vultosos em terra e equipamentos poupadores de mão-de-obra. A experiência indica que, com um mínimo de apoio creditício e de assistência técnica, o que é mais importante para o sucesso é a organização dos produtores que reduz os custos de transação e cria um ambiente de confiança que permite novos modos de inserção social. No entanto, sobre a agricultura familiar goiana, para Caume (1997), as principais dificuldades enfrentadas, são: “a exclusão em relação a instrumentos creditícios, as precárias condições de comercialização dos produtores, a insuficiente assistência técnica e, até mesmo, a baixa formação escolar e profissional dos produtores”. Historicamente, o Serviço de Extensão Rural e Assistência Técnica esteve ligado ao desenvolvimento agrícola entendido como modernização do setor, seja pela difusão de técnicas e de conhecimentos, no sentido de beneficiar as classes menos favorecidas ou pela assistência aos agricultores, através de programas de melhoria de comunidades. No caso brasileiro, com inspiração no modelo americano, a Extensão Rural foi implantada na década de 40, fase desenvolvimentista, liderada pelo capital industrial, onde o setor agrícola deveria abastecer os centros urbanos, fornecer matérias-primas e gerar UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 14 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA divisas através dos produtos de exportação. Segundo Freitas (1990), esse serviço tinha como objetivos elevar a renda da comunidade rural, através do aumento da produção e da produtividade. O público a ser atendido era os pequenos produtores, através de programas tendo por base o uso do crédito rural supervisionado. Entretanto, o modelo redundou em um fracasso. Vinte anos depois, após avaliação, a ACAR-MG modifica seu sistema de trabalho, quando elabora o Plano Diretor 1968/72, passando a “assistir o agricultor que explore comercialmente sua propriedade, ao invés dos pequenos e médios produtores, cuja evolução é demorada e retarda o avanço econômico do Estado” (ACAR-MG, 1968). Para Fonseca (1985), “a função das ACARes [...] era essencialmente redefinir o papel da pequena propriedade pela subjugação do trabalho familiar ao capital e suas conseqüências”. Em 1974, o Estado concede suporte financeiro e institucional, assumindo o papel de empresário com a criação da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMBRATER, tendo como objetivos básicos: “a melhoria das condições de vida das populações rurais e o aumento substancial da produção de alimentos e matérias-primas, tanto para o mercado interno quanto para exportação” (EMBRATER, Marco Geral de Referência apud FONSECA , 1985). No contexto do processo de modernização da agricultura em Goiás, Queiroz (2000, p.92), constata que a EMATER-GO - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Goiás – além dos expressivos esforços junto às culturas do arroz, feijão, milho, soja e algodão, teve forte participação na assistência técnica na pecuária de corte e de leite, foi decisiva no desenvolvimento da olericultura, fruticultura e piscicultura, orientou inicialmente a implantação das explorações de aves e suínos em bases técnicas, no Estado. Ainda, a política de desenvolvimento do associativismo e, posteriormente, do cooperativismo goiano, passou necessariamente pelas ações da EMATER-GO. No entanto, como era um serviço público e gratuito, esse foi absorvido quase totalmente pelos médios e grandes produtores rurais patronais já inseridos no processo capitalista e modernizante, ficando sem a devida assistência técnica os agricultores familiares. Isto é, mais uma vez, uma política pública implantada foi excludente, visou sobremaneira o desenvolvimento agrícola não contemplando o desenvolvimento rural como um todo. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 15 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Para demonstrar a relevância da agricultura familiar no desenvolvimento rural, Tadesco e outros (2001, p.64), lembram a afirmação de Veiga (1991) que coloca que, quando se analisa a agricultura numa perspectiva histórica, a forma predominante de agricultura em todos os países capitalistas desenvolvidos é a agricultura familiar. Isto referenda Lauschner (1995), quando comenta a estrutura fundiária e a modernização agrária norte-americana, européia e japonesa. Para o Brasil, no sentido de caracterizar a importância da agricultura familiar laçamos mão das informações apresentadas no II Plano Nacional de Reforma Agrária. De acordo com BRASIL (2003, p.13) a agricultura familiar corresponde a 4,1 milhões de estabelecimentos (84% do total), ocupa 77% da mão-de-obra no campo e é responsável, em conjunto com os assentamentos de reforma agrária, por cerca de 38% do Valor Bruto da Produção Agropecuária, 30% da área total, pela produção dos principais alimentos que compõem a dieta da população – mandioca, feijão, leite, milho, aves e ovos – e tem, ainda, participação fundamental na produção de 12 dos 15 produtos que impulsionaram o crescimento da produção agrícola nos anos recentes. A partir de 1986, a EMATER-GO reduz sua atuação [...] desenvolveu-se rapidamente à jusante do setor agrícola goiano um vigoroso complexo agroindustrial. Esse complexo, os CAICs, tinham como visão estratégica a aquisição de matéria-prima local, à preços acessíveis, visando o máximo de inversão financeira. Portanto, a ação rápida desses complexos, em relação à assistência técnica, funcionou como substitutos da EMATERGO para o segmento de produtores rurais encadeados nas agroindústrias (QUEIROZ, 2000). Por outro lado, o segmento da agricultura familiar que poderia contar com esse serviço público passa a ser, de vez, praticamente abandonado à sua própria sorte. Para ilustrar a situação mencionada, de acordo com o IBGE (Censo Agropecuário 1995/96) e INCRA/FAO (2000) apenas 25,4% dos estabelecimentos familiares de Goiás contam com assistência técnica. Nos municípios (Ceres, Luziânia, Piranhas, Porangatu e Rio Verde), a variação para a assistência técnica nos estabelecimentos rurais da agricultura familiar vai de 15% para Ceres a 44,4% em Piranhas. Portanto, o serviço de assistência técnica não chega a atender nem 50% desses agricultores de nenhum município mencionado. Para a agricultura patronal, é melhor a posição dos estabelecimentos que contam com assistência técnica. No estado, 49% dos estabelecimentos contam com o serviço. Nos UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 16 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA municípios, o destaque é de Rio Verde sendo que 65,9% dos estabelecimentos patronais têm assistência técnica. 6. Conclusão A partir da década de 1990, o Estado brasileiro faz uma clara opção no sentido de adotar uma política econômica cada vez mais regulada pelo mercado. Ocorre uma drástica redução da interferência do poder público no contexto econômico, afetando, principalmente, o desempenho do setor de produção agrícola com a escassez do crédito rural. Outras políticas públicas como as de garantia de preços mínimos para os produtos de mercado interno, de pesquisa agropecuária e de assistência técnica e extensão rural foram debilitadas. Por falta de uma política pública consistente para o avanço da reforma agrária e a sustentação da chamada agricultura familiar, o meio rural passou a ser cenário de conflitos sociais pela posse da terra. Dentre os vários problemas existentes no meio rural brasileiro, e em especial em Goiás, destaca-se o da estrutura fundiária com elevada concentração tanto da renda quanto da terra e o deplorável nível de escolaridade (analfabetismo, poucos anos de escolaridade) da população rural advinda dos segmentos dos trabalhadores e produtores familiares. As dificuldades enfrentadas pela agricultura familiar tradicional e dos assentamentos da reforma agrária, em nível nacional, por falta de capacidade de autofinanciamento, pela exigüidade e fraqueza de suas terras, pela falta de capacitação de seus recursos humanos, ou por ser vítima do forte viés urbano das políticas públicas, uma importante fatia desse segmento tende à degradação, seja pela migração para as cidades, seja por meio da pulverização minifundiária que gera estabelecimentos da terceira categoria. Fortalecer e expandir esse segmento (que representa a maioria dos agricultores) significa, antes de tudo, dar resposta às dificuldades que enfrentam os produtores fragilizados, e, principalmente, oferecer incentivos aos jovens que têm potencial para transformarem seus estabelecimentos familiares (ou ainda subfamiliares) em empresas familiares viáveis. Em suma, o acesso universal aos fatores “qualitativos” do desenvolvimento rural – capital humano, social e tecnológico – passa a ser uma condição indispensável para se UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 17 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA chegar a um modo de desenvolvimento rural com melhor equidade social, econômica, política e cultural. 7. Referências ACAR-MG. Plano Diretor 1968/72. Belo Horizonte, 1968. BALTAR, P. E. A.; DEDECCA, C. S. & HENRIQUE, W. Mercado de trabalho e exclusão social no Brasil. In: OLIVEIRA, C. E. B.; MATTOSO, J. E. L. (org.) Crise e trabalho no Brasil, modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996. BERTRAND, O. Éducation et travail. UNESCO, Paris. (UNESCO doc. EDC/IV/I). BRASIL/MDA. II Plano Nacional de Reforma Agrária. Brasília, 2003. CEPAL/ONU (Comissão Econômica para América Latina e Caribe/Organização das Nações Unidas). 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