Artigo Completo

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A GÊNESE DOS CURSOS DE FILOSOFIA E PEDAGOGIA DA FACULDADE
CATÓLICA DE FILOSOFIA DE RIO GRANDE E A PARTICIPAÇÃO
FEMININA NA DÉCADA DE 1960
Josiane Alves da Silveira
Mestranda em Educação/PPGE/FaE/UFPel, [email protected]
Palavras-chave: Ensino Superior; Instituição Educacional; Formação Docente.
Introdução
Este trabalho visa analisar, mesmo que parcialmente, a história do ensino
superior na cidade do Rio Grande, no Estado do Rio Grande do Sul, destacando uma
Faculdade que representou a gênese dos cursos voltados para a formação docente na
cidade. Esta era a Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande, criada em 1960 pela
Mitra Diocesana de Pelotas e integrada à Universidade do Rio Grande em 1969, hoje
chamada de Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
A pesquisa, até então realizada, indica que em Rio Grande a presença das
mulheres no ensino superior teria começado a se acentuar na década de 1960, com a
Faculdade de Filosofia. Dessa forma, o objetivo desse trabalho será o de apresentar,
através da pesquisa em fontes escritas e orais, a importância dessa Faculdade de
Filosofia e dos seus primeiros cursos de Pedagogia e Filosofia na formação de docentes
do sexo feminino. Com isso, pretende-se manter viva a memória dessa instituição
educacional de formação docente.1
Destaca-se que esse trabalho apresenta uma abordagem da História sobre o
campo da educação. Tal olhar está sendo propiciado pelo Mestrado na linha de pesquisa
em Filosofia e História da Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no qual se pretende expandir a pesquisa,
ainda em fase exploratória.
Para compreender melhor a história da instituição pesquisada buscam-se
informações no NUME (Núcleo de Memória Engenheiro Francisco Martins Bastos),
Diário Rio Grande e Arquivo Geral, todos localizados na cidade do Rio Grande. Tais
informações, contidas em atas, decretos, pareceres, relatórios e termos, bem como em
anúncios do jornal que circulava na cidade, na década de 1960, serão costuradas com os
conhecimentos já sistematizados sobre o ensino superior na cidade, sem deixar de
relacioná-lo com o desenvolvimento do ensino superior no Rio Grande do Sul e no
Brasil.
Ainda, “como instrumentos para preencher as lacunas deixadas pelas fontes
escritas” (FERREIRA, 1994, p. 9) foram realizadas entrevistas, baseadas na História
Oral.2 Segundo Alberti (1989, p. 1), a História Oral, “[...] ora constitui método de
investigação científica, ora fonte de pesquisa, ora ainda técnica de produção e
tratamento de depoimentos gravados”. Tendo por base o estudo da autora, as entrevistas
seguiram um roteiro geral, foram gravadas e depois transcritas, obtendo-se um conjunto
de depoimentos que constituem o objeto de análise.
Ressalta-se, no entanto, que para esse trabalho foi realizado um recorte do
roteiro geral de entrevista. Pretende-se, com isso, destacar dados de identificação
pessoal das entrevistadas, relatos sobre a Faculdade de Filosofia e, principalmente,
sobre o significado de sua criação na cidade do Rio Grande. Como bem destaca
Magalhães (2004, p. 66), “a identidade dos sujeitos, suas memórias, destinos e projetos,
como a memória e a representação da instituição, cruzam-se e fecundam-se mutuamente
2
enquanto construção histórica”. A partir de então, torna-se possível aprofundar as
possibilidades de análise sobre o objeto central desse trabalho.
Para tanto, apresentam-se partes das entrevistas realizadas na cidade do Rio
Grande, em 2010, com quatro professoras aposentadas que vivenciaram o período de
funcionamento da Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande. Das entrevistadas,
duas foram professoras dessa instituição, uma delas também foi diretora, e as outras
duas foram alunas. Essas alunas foram da primeira turma de formandos da Faculdade,
no período de 1961 a 1964.
Levantar alguns dados de identificação pessoal, como nome, idade e
naturalidade, é importante no início da entrevista, pois apresentam a pessoa
entrevistada. Como bem destaca Corrêa (1978, p. 52), este “início de entrevista vai se
caracterizar por um ‘ping-pong’ de perguntas e respostas, mas que são necessárias para
o desenvolvimento posterior, pois a partir daí o entrevistado estará, gradativamente, se
sentindo cada vez mais seguro para prosseguir a sessão”. Esses dados, além de algumas
informações sobre a formação acadêmica e o trabalho docente, podem ser lidos a seguir.
A primeira entrevistada foi a professora Solange Grafulha de Carvalho Leitão,
de 73 anos de idade e natural de Porto Alegre. Já morava em Rio Grande quando
estudou na Faculdade de Filosofia de Pelotas, onde cursou Pedagogia. Depois de
formada, em 1961, lecionou na Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande, onde
permaneceu durante todo o período de funcionamento. Após 1969 vinculou-se a
Universidade do Rio Grande, permanecendo até sua aposentadoria.
A segunda entrevista foi com a professora Ruth Valente Porto, de 74 anos de
idade. Essa professora e advogada rio-grandina graduou-se nas duas Faculdades criadas
pela Mitra Diocesana de Pelotas, em Rio Grande. Isso porque, conforme relatou, não
havia outras Faculdades que lhe interessassem na cidade. Então, primeiramente, cursou
Filosofia, sendo da primeira turma da Faculdade Católica de Filosofia, e depois a
Faculdade de Direito “Clóvis Beviláqua”.
A professora Alice da Senhora Lemos Faria foi a terceira entrevistada. Assim
como a professora Ruth, também tem 74 anos de idade, é natural do Rio Grande e foi
aluna da Faculdade de Filosofia. Porém, optou pelo curso de Pedagogia porque,
conforme suas palavras, “estava mais dentro da minha formação de normalista”. Tanto a
professora Ruth quanto a professora Alice lecionaram em escolas primárias e
secundárias do Rio Grande.
A última entrevista foi realizada com a professora Alair Brandão Almeida, de 81
anos e natural do Espírito Santo. Graduou-se em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia
de Pelotas, quando residia em Rio Grande; concluiu três cursos de especialização, sendo
um realizado em Pelotas e os outros dois em Rio Grande; e fez mestrado em Educação
na UFRGS, indo residir em Porto Alegre. Retornou a Rio Grande após o término do
mestrado. Além de professora também foi diretora da Faculdade Católica de Filosofia
de Rio Grande. Após a criação da Universidade do Rio Grande, assim como a
professora Solange, seguiu trabalhando nesta instituição até a aposentadoria.
Ainda, é importante destacar que a seleção dos “entrevistados em potencial”
fundamentou-se em Alberti (2005). Buscou-se um conjunto heterogêneo de
entrevistados, ou seja, pessoas que tivessem desempenhado funções diferentes na
Faculdade de Filosofia. Listou-se, portanto, nomes de alunos dos cursos de Filosofia e
Pedagogia, cursos em alvo nesse trabalho, professores e diretores. A partir de
informações encontradas no NUME, como endereços residenciais e notas de
falecimento, e adquiridas ao longo da procura de campo chegou-se a cinco contatos
iniciais, todos aceitaram participar da entrevista. Das cinco entrevistas já realizadas,
exceto uma não será utilizada nesse trabalho, pois ainda depende de transcrição. Como a
3
pesquisa ainda está em andamento, não se sabe se haverá necessidade de outras
entrevistas. Disso dependerá a análise minuciosa de todas as entrevistas, chegando-se ao
“ponto de saturação”, sugerido por Alberti (2004). Também seguindo os passos da
História Oral, ressalta-se que todos os dados e relatos aqui apresentados foram revistos
e seu uso foi autorizado pelas quatro entrevistadas ao assinarem um termo de cedência
das informações.
Optou-se pela diversificação das fontes de pesquisa, pois elas são fundamentais
na construção de qualquer trabalho. Porém, sabe-se que alguns cuidados também são
indispensáveis no seu tratamento. Como bem destaca Ragazzini (2001 p. 14), “por um
lado as fontes não falam per se. [...] Por outro lado, a fonte é o único contato possível
com o passado que permite formas de verificação. [...] A fonte provém do passado, é o
passado, mas não está mais no passado quando é interrogada”. Com base nessa
afirmativa, após a pesquisa e seleção das fontes, cabe ao historiador o cuidado ao
construir a ponte entre passado e presente, tecendo a narrativa como uma representação
do passado.
Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande: da criação a sua importância na
cidade
A Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande foi criada em 2 de agosto de
1960 e autorizada a funcionar pelo Decreto n° 49.963 de 19 de janeiro de 1961. Neste
mesmo ano começaram a funcionar os cursos de Filosofia e Pedagogia, cujos olhares
estão voltados neste trabalho. Destaca-se que essa Faculdade teve como entidade
mantenedora a Mitra Diocesana de Pelotas que já mantinha as Faculdades de Filosofia e
Ciências Econômicas de Pelotas, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé e
a Faculdade de Direito do Rio Grande.
Assim, apoiando-se nas reivindicações dos rio-grandinos, a Mitra Diocesana de
3
Pelotas ampliou à atuação sobre o ensino superior na cidade do Rio Grande. O bispo de
Pelotas, Dom Antônio Zattera, considerou em decreto de criação da referida Faculdade
“as grandes vantagens provenientes de uma Escola Superior para a formação de líderes,
que guiem e orientem as massas populares” (ZATTERA, 2 ago. 1960) e concluiu:
Considerando as condições de cultura, população e situação especial
da cidade de Rio Grande, como centro industrial e importante pôrto
marítimo e atendendo a insistentes pedidos da mocidade e de
intelectuais a nós feitos verbalmente e por escrito, com centenas de
assinaturas das pessoas mais representativas da cidade, usando das
atribuições da nossa missão de Bispo da Igreja, DECRETAMOS, pelo
presente, a criação da FACULDADE CATÓLICA DE FILOSOFIA
DE RIO GRANDE.4
O primeiro diretor da Faculdade de Filosofia, nomeado pela Mitra Diocesana, foi
o advogado Hugo Dantas Silveira, renomado intelectual rio-grandino e com grande
participação na vida social da cidade. É o que destaca Silveira (2005, p. 146), referindose a esse advogado como uma pessoa “do mais alto prestígio social e intelectual da
cidade”. Segundo informações encontradas na Ata n° 31 (25 dez. 1966)5 o diretor Hugo
Dantas Silveira pediu exoneração, passando a direção da Faculdade ao advogado Odilon
Alves Fogaça. No entanto, as atas seguintes não se referem mais ao assunto da troca de
direção. Portanto, ainda não se sabe o período exato em que Odilon Alves Fogaça
exerceu o cargo de diretor ou se, realmente, chegou a exercer. Conforme a professora
Alair, que também foi diretora dessa Faculdade, Odilon não exerceu o cargo de diretor.
Já as outras entrevistadas destacam que Odilon Fogaça foi diretor por um curto período.
4
Tal impasse de informações ainda precisa ser melhor averiguado. Porém, tudo
indica que, caso Odilon Fogaça tenha assumido a direção foi por aproximadamente um
mês. Isso porque, verificando documentos da instituição, encontrou-se a assinatura da
professora Alair Brandão Almeida, como diretora, já no mês de janeiro de 1967. A
partir de então, até o último ano de funcionamento da Faculdade de Filosofia, em 1969,
a professora Alair seguiu o trabalho realizado por Hugo Dantas Silveira, recebendo o
reconhecimento da Faculdade, em 1967, e criando novos cursos superiores. Embora
tenha nascido no Espírito Santo, foi na cidade do Rio Grande que ela construiu grande
parte da sua vida, realizando-se profissionalmente. Assim relatou a mesma professora:
“Eu me sinto realizada com a profissão porque atingi vários níveis e criei vários
cursos”.
Assim como a professora Alair, outras mulheres também compuseram o quadro
docente da Faculdade de Filosofia. Segundo a professora Alice, que foi aluna no curso
de Pedagogia da mesma Faculdade, a maioria das mulheres que lecionavam na
Faculdade de Filosofia tinham curso de formação docente. Já os homens eram, por
exemplo, advogados, engenheiros ou médicos. Poucos, segundo a mesma professora,
tinham formação de professor, mas pela falta de professores e pela notoriedade,
acabavam sendo chamados para lecionar. É o que relata a professora Alice: “Eles eram
bons na profissão deles e aceitavam serem professores. Eram convidados a lecionar
porque sabiam do interesse deles e também que eram bastante conceituados em sua área
de atuação”.
Os homens, portanto, além de atuarem na sua área de formação, também
ministravam aulas nas disciplinas que fossem mais afins a sua formação. A mesma
constatação é destacada por Almeida (1998, p. 67), embora se referindo ao século XIX:
Quando o magistério era uma ocupação ocasional que tomava menos
tempo, podendo ser exercida conjuntamente com outras profissões,
como médicos, advogados, engenheiros, jornalistas, clérigos, e outras,
representava um meio a mais para quem queria obter notoriedade e
ampliar os ganhos, sem deixar de exercer sua ocupação principal.
Para maiores informações sobre a Faculdade de Filosofia também foram
verificadas suas atas de reuniões, do período de 1961 a 1970. Entre as cinquenta e duas
atas verificadas foram encontrados alguns problemas internos ao longo do
funcionamento dessa Faculdade. Dentre os principais problemas destaca-se a carência
de recursos financeiros, tendo a Faculdade que variar constantemente o salário-aula dos
professores. Conforme informações vinculadas, por exemplo, na Ata n° 4 (10 set.
1961):
[...] o Sr. Diretor [Hugo Dantas Silveira] elogiou o espírito de
cooperação do Corpo Docente que aceita trabalhar pelo módico
salário de Cr$ 100,00 (Cem Cruzeiros) por aula realmente dada,
havendo mesmo professôres que fazem reverter seus vencimentos em
benefício da Faculdade.
Ainda, segue a mesma Ata:
A seguir, o Sr. Diretor manifestou seu desejo de melhorar, para o
próximo ano, o salário aula. Não podendo cobrar aos alunos anuidade
superior, sob pena de criar uma Faculdade privilegiada, indispensável
se faz a criação de uma fonte de recursos financeiros suficientes,
5
possibilitando fixar um salário condizente com as demais Faculdades
filiadas à Universidade [...].
Como foi frisado na Ata n° 4, os salários eram baixos e, ainda havia professores
que doavam o seu salário para a Faculdade. A mesma informação também foi relatada
pelas professoras entrevistadas. Para exemplificar, destaca-se, a seguir, o discurso da
professora Solange que lecionou durante todo o período de funcionamento da Faculdade
de Filosofia. Segundo ela:
poucos queriam dar aula na antiga Filosofia porque não se ganhava
quase nada, praticamente. Era mais o ideal, o ideal da cidade ter uma
Faculdade de Filosofia. Formar professores em Pedagogia e Filosofia.
[...] Começou com estes dois cursos. Então, nós éramos idealistas,
queríamos que a cidade se beneficiasse com esse tipo de curso para
não ter que ir a Pelotas ou outros lugares mais. Então, não havia no
nosso grupo inicial pensamento em ganhar salário alto. Nós sabíamos
que não podia haver esse salário alto, não havia condições para isso.
Não era bem isso que nós queríamos. Nós queríamos era ajudar,
ajudar aqueles que quisessem cursar estes cursos, então cursar aqui,
Rio Grande.
A professora Alair que, além de diretora, lecionou na Faculdade de Filosofia
também abordou o tema da carência de remuneração. Disse ela: “No fim do ano o Dr.
Hugo dizia: ‘eu proponho que os professores deixem o seu salário para a biblioteca, os
que forem contra levantem-se’. Ninguém se levantava, então se trabalhou de graça.
Mas, valeu! [Os alunos] tinham que estudar!”.
Esses e os outros relatos das professoras, mais uma vez, demonstram o quanto a
histórica profissão escolhida pelas mulheres está associada ao sacerdócio, por isso
aceitavam trabalhar por um “módico salário”. Como destaca Chamon (2005, p. 97), da
professora esperava-se que fosse uma sacerdotisa que se dedicasse a nobre causa por
amor.
Enfim, a remuneração condizente com o trabalho que realizavam não chegou aos
professores da Faculdade de Filosofia, mas o reconhecimento pelo desempenho
profissional fica aqui registrado. Isso porque a doação dos professores e da direção da
Faculdade foi reconhecida pelo corpo discente. Para ilustrar essa questão, toma-se como
referência o depoimento da professora Ruth, aluna da primeira turma do curso de
Filosofia, quando afirmou: “nós sentíamos que os professores ganhavam pouco e
estavam dando mais do que deveriam dar... Acho que tudo valeu! Se tivesse que ir de
novo, eu iria para as mesmas Faculdades [de Filosofia e Direito]”.
Como não tinha instalações próprias, as aulas da Faculdade funcionaram nos
prédios cedidos pela Escola Normal Santa Joana D’Arc, de 1960 a 1967; pelo Instituto
de Educação Juvenal Miller, de 1967 a 1972; e, por fim, pela Escola Helena Small, de
1969 a 1972, todas localizadas no centro da cidade. Destaca a professora Alice,
relembrando o período de 1961 a 1964 quando foi aluna do curso de Pedagogia:
Usávamos as salas do Joana D’Arc, as duas primeiras salas de baixo.
Salas cedidas pelo Joana D’Arc, como estavam. Os móveis eram uma
mesa, as carteiras e o quadro. [...] Eram aulas expositivas, quando
muito um mapa na parede, e o giz funcionava maravilhosamente bem.
Sobre a reivindicação dos estudantes para criação da Faculdade de Filosofia em
Rio Grande, afirmou Poersch (1991, p. 42):
6
A vizinha cidade portuária de Rio Grande, que contava com regular
número de matrículas no núcleo das Faculdades de Pelotas, não
demorou em reivindicar sua própria Faculdade de Filosofia. Não se
tratava, tão somente, de poupar o incômodo deslocamento de alunos
para Pelotas, mas principalmente, de criar oportunidade de acesso aos
cursos de outros numerosos candidatos recrutados em sua zona de
influência.
Muitos rio-grandinos que queriam fazer uma Faculdade, principalmente aqueles
que buscavam um curso voltado para formação docente, encontravam antes de 1960
apenas uma possibilidade em Pelotas, cidade mais próxima a Rio Grande com cursos
superiores. E, além dos rio-grandinos, estudantes das cidades próximas, por exemplo, de
São José do Norte e Santa Vitória do Palmar, também tinham apenas Pelotas como
opção mais próxima. No entanto, para muitos, à distância e as despesas impediam o
prosseguimento dos estudos. É o que destaca o relatório de Leite (16 set. 1960):
Rio Grande, apezar de Cidade operária, tem um grande número de
estudantes que busca uma formação superior. Diariamente se
deslocam para Pelotas dezenas de estudantes com grandes encômodos
e despezas. Mas isto é privilégio de poucos, relativamente, pois muito
elevado é o número dos que querem tirar um dos cursos da Faculdade
de Filosofia e não podem, por causa da distancia e da despeza. Prova
isso um recente e ligeiro levantamento que foi feito para se constatar a
possibilidade da criação da Faculdade de Filosofia, apresentando-se
uns trezentos candidatos para os diversos Cursos da Faculdade de
Filosofia.
Por isso, a criação da Faculdade de Filosofia foi importante para Rio Grande. A
partir de então, muitos daqueles que não tinham possibilidade de se deslocar até Pelotas
puderam, em Rio Grande, cursar a graduação pretendida. Para tanto, a iniciativa da
Mitra Diocesana de Pelotas, tendo como Bispo Dom Antônio Zattera, de intelectuais
rio-grandinos, como Hugo Dantas Silveira, e as reivindicações dos candidatos aos
cursos de Filosofia e Pedagogia foram fundamentais. A criação dessa Faculdade
significou, mais do que a oportunidade de novos cursos superiores na cidade, a
possibilidade de estabilidade profissional e, principalmente, o desenvolvimento cultural
da cidade, na visão das entrevistadas.
Segundo Werle (2004, p. 26), “aqueles que viveram e trabalharam naquela
instituição têm contribuições a dar [...]; formas diferenciadas de apropriação indicam o
quanto a história das instituições escolares pode beneficiar-se da consideração dessas
visões em seu processo narrativo”. É o que pode ser lido a seguir, através dos relatos
das professoras entrevistadas.
Para a primeira entrevistada, a professora Solange, a Faculdade Católica de
Filosofia de Rio Grande proporcionou a estabilidade profissional, pois todos os
profissionais vinculados a essa Faculdade passaram a atuar, em 1969, mesmo sem
concurso, na Universidade do Rio Grande. Disse a mesma professora: “não nos
arrependemos, em absoluto, do sacrifício que na época fizemos [refere-se ao baixo
salário] porque depois tivemos a melhoria, aí veio à compensação. Ergueu-se a
Universidade, organizou-se, as coisas foram melhorando economicamente”.
Ao ser questionada sobre o significado da criação da Faculdade Católica de
Filosofia de Rio Grande, a professora Solange destaque que “Dom Zattera queria erguer
o nível cultural [da cidade] e que nesse erguimento do nível cultural não fosse afastado
uma cadeira que desse uma orientação cristã”. Percebeu-se, na entrevista com a
7
professora Solange, o quanto Dom Antônio Zattera, como bispo da Mitra Diocesana de
Pelotas, trouxe benefícios educacionais a cidade do Rio Grande. Isso porque sem seu
desempenho muitos não teriam tido acesso ao ensino superior, principalmente os que
buscavam a formação docente. 6
Segundo a professora Solange, Dom Antônio Zattera “era um homem muito
dedicado a levantar a cultura do povo. Ele era um homem que queria que todos
estudassem e que tivessem oportunidade de tirar curso superior”. Ainda, ao relatar sobre
a formação tardia na cidade do Rio Grande de cursos voltados para formação docente
em relação a outras cidades do Estado, destacou a mesma professora: “Se não fosse ele
[Dom Antônio Zattera], ainda não vinha para cá [Rio Grande] tão cedo. Ele foi quem
nos beneficiou porque ninguém se mexia. Só ele mesmo, na época”. Enfim, segundo a
professora Solange, a criação da Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande
proporcionou o “desenvolvimento cultural da cidade”.
Já para a professora Ruth, como gosta de ser chamada, a criação da Faculdade de
Filosofia na cidade:
Foi muito bom e muito incentivado porque sentíamos falta de
professores de 2° grau. Foi muito bom porque as pessoas ficaram
motivadas a tirar um curso superior. Enquanto não tinha na cidade era
muito difícil. [...] Na primeira [Faculdade voltada para formação
docente] que teve eu fui porque meu pai e minha mãe não deixavam
eu ir para fora... Eu tinha vontade de estudar e quando formou a
Filosofa eu fui e depois o Direito também... A criação da Faculdade
foi uma beleza. Tirei duas e fiquei muito satisfeita com as duas.
Como já atuava no ensino primário, a professora Ruth esperava uma Faculdade
em Rio Grande que pudesse dar continuidade a sua formação de normalista. Assim,
logo que foi criada a Faculdade Católica de Filosofia, com os primeiros cursos de
Pedagogia e Filosofia, ela optou por Filosofia. Segundo a mesma professora, a Mitra
Diocesana de Pelotas “teve importância nesse sentido porque ela pagou os professores,
conseguiu prédios das escolas religiosas. [...] A mitra foi à organizadora porque se não
fosse ela não teria saído”.
Assim como a professora Solange, a professora Ruth também reconheceu a
importância do pioneirismo da Mitra Diocesana de Pelotas em relação ao ensino
superior, voltado para a formação de professores, em Rio Grande. Tal empreendimento
contribuiu não apenas para formação de professores, mas também para o
desenvolvimento do ensino superior na cidade com a criação de novos cursos que
favoreceram a fundação da Universidade.
Essa carência de ensino superior voltado para formação docente em Rio Grande,
assim como em Pelotas e outras cidades do Rio Grande do Sul, foi percebida por Dom
Antônio Zattera e mereceu sua atenção a partir da década de 1950. Destacou Hammes
(2005, p. 181) sobre esse terceiro bispo de Pelotas: “Desde que assumiu a Diocese de
Pelotas, o seu zelo apostólico apontava para o grande deficit educacional da cidade e da
região, não havendo sequer uma Faculdade para a formação de professores”. A primeira
cidade a beneficiar-se com o olhar atento desse “Bispo da educação” foi Pelotas,
seguida por Bagé e Rio Grande. Posteriormente foi a vez de Camaquã, São Gabriel e
Jaguarão receberem cursos superiores vinculados a Mitra Diocesana de Pelotas.7
Segundo Rossato (1995, p. 35), “o ensino superior no Rio Grande do Sul surgiu
tardiamente como aconteceu em todo o país”.8 Dessa forma, sua expansão pelo interior
do Rio Grande do Sul ocorreu lentamente, entre 1950 e 1960. Essa afirmação de
Rossato (1995) condiz com a realidade da cidade do Rio Grande. Isso porque a história
8
do ensino superior na cidade começou com a Fundação Cidade do Rio Grande, entidade
privada, criada em 1953.
A professora Alice da Senhora Lemos Faria, a terceira entrevistada, também
relatou os benefícios propiciados pela Faculdade de Filosofia. Tanto a professora Ruth
quanto a professora Alice fizeram escola normal, lecionaram no primário e após o
término de suas graduações puderam ampliar suas atuações no ensino secundário do Rio
Grande. Portanto, para ambas a Faculdade de Filosofia oportunizou maiores
oportunidades de trabalho docente.
Disse a professora Alice, ao relatar a importância da criação da Faculdade de
Filosofia: “Achei uma beleza porque o Rio Grande cresceu com isso. [...] Realmente,
notou-se que o habitante do Rio Grande estava tendo maior interesse em se aperfeiçoar,
em se qualificar”. Assim, conforme essa professora, juntamente com os novos cursos
que iam sendo criados foi aumentando a procura dos estudantes pelo ensino superior.
Para finalizar este pequeno esboço sobre o significado da criação da Faculdade
de Filosofia, na visão daquelas que fizeram parte dessa instituição, destacam-se partes
da última entrevista realizada com a professora Alair.
Com uma titulação diferenciada dos demais colegas de profissão, na época em
que trabalhava a professora Alair também foi beneficiada pela criação da Faculdade de
Filosofia, pois a partir dela ocupou cargos em vários níveis do ensino superior. Segundo
a professora Alair, a criação da Faculdade de Filosofia pela Mitra Diocesana de Pelotas
“foi muito importante para a cultura rio-grandina. [...] E graças à criação da Filosofia
nós temos a Universidade do Rio Grande porque integraram as cinco Faculdades...”
Segue a mesma professora: “A mitra para quem seguia a Igreja aqui [em Rio Grande]
foi muito importante. Dom Antônio Zattera foi uma pessoa que sempre esteve atenta a
Filosofia”.9
Ainda, falando sobre a vinculação da Faculdade de Filosofia a Universidade do
Rio Grande, a professora Alair destacou que Dom Antônio Zattera só exigiu que se
mantivesse a cadeira de religião. Acrescentou: “Foi a única coisa que ele pediu. Muitos
comentários maldosos disseram que ele exigiu tanto de dinheiro, tudo mentira. Eu sei
porque dirigi e foi para mim que ele passou a Filosofia para a Universidade”. A mesma
afirmação também foi destacada pela professora Solange que teve contato, mesmo que
restrito, com Dom Antônio Zattera e ressaltou sua atuação educacional e religiosa. Tal
afirmação é resumida nas seguintes palavras desta professora: “Ele foi fiel ao ideal dele,
ao ideal pedagógico e religioso”.
Enfim, as entrevistas foram importantes, pois complementaram as informações
encontradas em outras fontes, contribuindo com relatos sobre a Faculdade de Filosofia
que não foram encontrados em documentos porque fazem parte da memória daquelas
que participaram de sua história.10 Como bem destacou Almeida (1998, p. 162), “a
memória das mulheres, ao transformar-se em história, oferece uma relevante
contribuição para o resgate do papel feminino na História Social e na História da
Educação”. Tal afirmação aplica-se a esse trabalho, bem como as entrevistas concedidas
pelas professoras.
Também nas quatro entrevistas percebeu-se o significado positivo da criação da
Faculdade de Filosofia na cidade do Rio Grande. Tal iniciativa beneficiou essas
professoras que estudaram nas Faculdades criadas pela Diocese de Pelotas e que depois
tiveram a oportunidade de trabalhar ou na Faculdade e na Universidade, como as
professoras Solange e Alair, ou nas escolas primárias e secundárias do Rio Grande,
como as professoras Ruth e Alice. E mais do que beneficiar aqueles que estavam
diretamente vinculados as Faculdades Católicas, a Mitra Diocesana de Pelotas também
9
contribuiu para erguer o nível cultural do Rio Grande, como bem destacaram as
entrevistadas.
Ainda, não se pode deixar de mencionar que por trás da preocupação da Igreja
Católica com a criação de cursos superiores também estava sua preocupação em
propagar sua mensagem religiosa e combater os contrários. Como bem destacou Amaral
(2003, p. 108), “a Igreja não se limita ao estritamente religioso e se expande através de
sua atuação junto aos meios políticos, sociais, educacionais e culturais”. Por isso, Dom
Antônio Zattera ao ceder as Faculdades de Filosofia e Direito a Universidade do Rio
Grande pediu que se mantivesse a disciplina que, conforme a professora Solange, se
chamava Doutrina Social da Igreja.11
Assim, os valores católicos como formadores do caráter humanista foram
amplamente dissipados na Faculdade Católica de Filosofia e nos primeiros anos da
Universidade. Como ressaltou Tambara (1995, p. 408), “a influência da Igreja Católica
na cultura brasileira é por demais conhecida. Particularmente na área educacional, sua
ação é evidente”. Tal influência católica sobre o ensino superior e seu reflexo sobre a
cidade do Rio Grande apresenta-se como um fator a ser desvelado, ficando aqui uma
proposta de ampliação da pesquisa.
Conforme o relatório de Leite (16 set. 1960):
[Percebe-se] a necessidade de dar ao nosso povo a possibilidade de
uma formação superior afim de mais facilmente compreender e
combater os erros de ideologias extremistas que tão facilmente
medram e vingam em cidades proletárias como a de Rio Grande. A
mocidade precisa de uma orientação sã, cristã e democrática e esta ela
a terá, com certeza, na Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande,
que assegurará, assim, o futuro feliz da nossa Pátria.
Além do ensino religioso outro aspecto foi marcante na Faculdade Católica de
Filosofia, a constante presença feminina. Busca-se, a partir de então, apresentar o
quanto essa Faculdade também propiciou um maior ingresso de mulheres que queriam
atuar no magistério.
Nas leituras de Altmayer (2003), Alves (2004), Magalhães (1997) e Meirelles
(2008), referentes à história dos cursos que deram origem a FURG, percebe-se que na
Escola de Engenharia Industrial, na Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas e na
Faculdade de Direito Clóvis Beviláqua, que antecederam a Faculdade de Filosofia, a
maioria dos formandos da década de 1960 eram do sexo masculino. Sobre esse assunto,
comentou a professora Alice:
Os outros cursos eram essencialmente masculinos. Porque naquela
época a mulher era mais voltada para o magistério e o homem não
queria saber porque achava que era um trabalho feminino. Então, eles
ficavam com esta parte de Direito, Economia. [...] Depois, sim, a
mulher introduziu-se em todos os setores masculinos... A nossa
Faculdade [de Filosofia] era essencialmente feminina, embora com
alguns poucos homens.
Percebe-se que nos cursos de Filosofia e Pedagogia da Faculdade Católica de
Filosofia de Rio Grande inverteu-se tal situação, ou seja, as mulheres destacaram-se no
corpo discente. Em 1964, por exemplo, treze alunos receberam o grau de licenciados em
Filosofia, sendo que apenas um era homem. No mesmo ano e na mesma cerimônia de
colação de grau receberam o grau de licenciadas em Pedagogia sete mulheres e nenhum
homem.12 Segundo a professora Alice, o único homem que entrou no curso de
10
Pedagogia, em 1961, desistiu do curso no segundo ou terceiro ano. Conforme os
“Termos de conclusão de curso” de Filosofia e Pedagogia, de 1964 a 1967, a presença
feminina supera a masculina nesses dois cursos da Faculdade de Filosofia.
Essas informações confirmam a hipótese desse trabalho, ou seja, a criação da
Faculdade de Filosofia propiciou a formação de um maior número de mulheres no
município do Rio Grande. Esse foi um dos diferenciais dessa Faculdade que colaborou
para a formação de docentes do sexo feminino, além de preencher as necessidades de
docentes qualificados no município.
Conforme Tambara, Quadros e Bastos (2007, p. 333), no período entre 1930-80
houve no Rio Grande do Sul
uma solidificação do processo de feminilização do magistério e,
também, uma clara feminilização no corpo discente no âmbito do
ensino primário e secundário. As mulheres passaram a constituir o
grupo com maior participação e com maior escolaridade.
O resultado desse processo de feminilização no ensino primário e secundário,
provavelmente, chegou à cidade do Rio Grande, mesmo que de forma tardia, e
contribuiu para que as mulheres tivessem a formação exigida para chegar ao ensino
superior.
Ainda, para verificar a presença feminina nos cursos oferecidos pela Faculdade
Católica de Filosofia de Rio Grande analisaram-se nas listas dos Concursos de
Habilitação, de 1961 a 1966, os inscritos, aprovados e matriculados.13 Percebeu-se que
durante todo esse período foi acentuada a procura feminina, superando a masculina,
pelos cursos de Filosofia e Pedagogia. Os dados encontrados evidenciam o quanto a
presença feminina foi significante na Faculdade de Filosofia, garantindo até mesmo o
seu funcionamento, já que somente a procura masculina não comportava o número
mínimo de alunos exigidos.
Para confirmar a acentuada presença feminina nos cursos da instituição
pesquisada e seu aproveitamento nas escolas da cidade, cita-se a declaração da diretora
da Faculdade de Filosofia, a professora Alair, em 1967:
Comprova-se a necessidade da existência desta faculdade com o
aproveitamento, pelas diversas escolas de grau médio, de nossas
alunas, não só as que completaram como as que ainda freqüentam os
diversos cursos.14 (ALMEIDA, 19 abr. 1967, grifo meu)
Ao comprovar tal aproveitamento, a diretora destacou uma lista com nomes de
alunos e ex-alunos que trabalhavam em seis instituições de ensino do Rio Grande e uma
de São José do Norte.15 Ainda, acrescentou: “seguidamente somos procurada [sic] por
Diretores, solicitando indicação de professôres para atender cadeiras em sua escola de
grau médio”. (ALMEIDA, 19 abr. 1967) Essa procura por docentes não se restringia aos
ginásios da cidade, abrangia também Mostardas, São José do Norte e Santa Vitória do
Palmar.
Segundo Olive (2002, p. 36):
A partir da década de 40, com a expansão da rede de ensino de nível
médio e a maior aceitação da participação da mulher no mercado de
trabalho, principalmente no magistério, novos cursos pertencentes às
Faculdades de Filosofia passaram a ser freqüentados pelas moças que
ingressavam na universidade e aspiravam dedicar-se ao magistério de
nível médio.
11
Já Rossato (2005, p. 178) destacou que começou na década de 1950 a se
acentuar o número de mulheres na Universidade. Em Rio Grande, porém, a frequência
das mulheres no ensino superior começou a se acentuar mais tardiamente, na década de
60, resultado da própria inserção tardia de uma Faculdade voltada para formação de
docentes na cidade. Isso fez com que alguns rio-grandinos, aqueles que possuíam
condições financeiras, buscassem a qualificação superior em outras cidades.
Não raro encontraram-se no Diário Rio Grande informações sobre estudantes
rio-grandinos que cursavam ensino superior em outras cidades do Estado. Em abril de
1960, por exemplo, o setor do jornal intitulado “Tic-tac”, que relata os acontecimentos
sociais da cidade, destaca abaixo do título “Uma garota ativa”, o seguinte: “Enquanto a
rapaziada divide seu tempo entre estudos e festas a jovem Lucy Mendes passou a ser a
garota da estrada, cursando o [sic] Faculdade de Pelotas e lecionando em nossa cidade,
sem tempo para pensar em diversões”. (RIO GRANDE, 8 abr. 1960, p. 4) Já em janeiro
de 1961 o jornal informou sobre a formatura da conterrânea Cecy da Rosa Barbosa na
Escola Superior de Educação Física, de Porto Alegre, destacando: “O <<Rio Grande>>
deseja a nossa professora o mais absoluto êxito”.16 (RIO GRANDE, 2 jan. 1961, p. 4)
Nesse breve apanhado histórico sobre a Faculdade Católica de Filosofia
acrescenta-se que muitos outros aspectos poderiam ser abordados, mas ainda dependem
de novos olhares desveladores. Conforme Magalhães (2004, p. 147), “a história de uma
instituição educativa inicia-se pela reinterpretação dos historiais anteriores, das
memórias e do arquivo, como fundamento de uma identidade histórica”. Acredita-se
que o primeiro passo na construção da identidade histórica da instituição pesquisada foi
dado. Agora fica, portanto, aberta a possibilidade de expansão desse trabalho sobre a
presença feminina nessa Faculdade, voltada para formação docente.
Considerações finais
Por tudo aqui já exposto, percebe-se que a pesquisa sobre a Faculdade Católica
de Filosofia de Rio Grande ainda não foi concluída. Apenas algumas considerações
sobre a criação e a sua importância foram tecidas na tentativa de manter viva a memória
dessa instituição que representou a gênese de cursos voltados para a formação docente
na cidade. No entanto, sabe-se que não se esgotaram as fontes e, muito menos, as
possibilidades de análise sobre a instituição pesquisada. Como diria Certeau (2000, p.
94), a pesquisa tem caráter interminável já o texto deve ter um fim, preenchendo as
lacunas apresentadas pela pesquisa. Nesse mesmo sentido, buscou-se preencher algumas
lacunas existentes, mas outras somente serão preenchidas com novas fontes e análises.
Mesmo assim, acredita-se que o cruzamento das fontes até então trabalhadas já
permite traçar algumas características importantes sobre a Faculdade de Filosofia. A
partir da análise dos documentos extraídos do NUME, Diária Rio Grande e Arquivo
Geral, bem como das entrevistas com as quatro professoras é possível afirmar que
Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande teve uma procura maior de mulheres do
que de homens. Tal constatação a diferencia das Faculdades criadas anteriormente na
cidade. Percebeu-se que os cursos de Filosofia e Pedagogia, voltados para formação
docente, propiciaram a marcante presença feminina porque as mulheres que vinham da
escola normal queriam ampliar sua área de atuação para além do ensino primário,
atuando também no secundário ou, para algumas, tendo a oportunidade de atuar no
ensino superior.
Na visão das entrevistadas, por exemplo, concluí-se que a Faculdade de Filosofia
propiciou o desenvolvimento cultural do Rio Grande, colaborando com a posterior
criação da Universidade. Além de tudo, possibilitou o acesso dos rio-grandinos e da
população das cidades vizinhas, como São José do Norte e Santa Vitória do Palmar, a
12
novos cursos voltados para formação docente. Disso resultaram maiores oportunidades
de trabalho, podendo o professor atuar também no ensino médio. Tudo isso só foi
possível com a parceria de forças religiosas e intelectuais, de Pelotas e Rio Grande. A
articulação de Dom Antônio Zattera com Hugo Dantas Silveira foi fundamental na
criação dessa Faculdade que representou, principalmente, o acesso ao ensino superior
das mulheres que queriam seguir a carreira docente e de alguns raros homens.
Notas
1
Na análise dos diferentes tipos de instituições educacionais utiliza-se Magalhães (2004) como
referência. Comparando as características apresentadas pelo autor, a instituição pesquisada enquadra-se
como “instituição educacional de formação”. Maiores informações em Magalhães (2004, p. 53).
2
Para um maior entendimento sobre a História Oral ver, entre outros, Alberti (1989; 2005), Corrêa
(1978), Ferreira (1994), Ferreira e Amado (1998) e Neves (2000).
3
Em 1910, Pelotas foi uma das três cidades do interior do Rio Grande do Sul, juntamente com Santa
Maria e Uruguaiana, a receber uma diocese. Maiores informações em Tambara (1995) e Amaral (2003).
Até a década de 1960 a atuação católica em Rio Grande ainda estava subordinada a Diocese de Pelotas.
Em 1971, Dom Antônio Zattera comunicou a notícia oficial da criação da nova Diocese do Rio Grande,
composta também por Santa Vitória do Palmar, São José do Norte e Mostardas. (HAMMES, 2005, p.
192-193)
4
Ressalta-se que os documentos citados neste artigo, como decreto, relatório e termos da Faculdade de
Filosofia, estão disponíveis no acervo do NUME.
5
Esta ata, manuscrita, encontra-se rasurada a lápis, indicando ser do mês de novembro e não de
dezembro, como indicado a caneta. Acredita-se que a rasura indica o mês certo, mas para manter a
referência original indica-se o mês de dezembro. As atas de reuniões da Faculdade de Filosofia foram
encontradas no Arquivo Geral da FURG.
6
O trabalho de Dom Antônio Zattera, de 1942 a 1977, foi central no desenvolvimento educacional das
áreas de atuação da Mitra Diocesana de Pelotas, ficando conhecido como “Bispo da Educação”. Maiores
informações sobre Dom Antônio Zattera em: Hammes (2005).
7
Maiores informações em: Poersch (1970?; 1975?).
8
Sobre o ensino superior e as universidades criadas no Brasil ver também Cunha (2000).
9
Esta atenção de Dom Antônio Zattera a Filosofia explica-se pela sua formação seminarística, a qual
atribui importância aos estudos de Filosofia e Teologia, entre outras matérias clássicas. Para maiores
informações ler: Serbin (2008).
10
Conforme Catroga (2001), a memória preserva as histórias, individuais e coletivas, salvando-as do
esquecimento e da perda. Sendo assim, pode-se dizer que a memória, assim como a História, funciona
como antídoto do esquecimento, atualizando as lembranças do passado. Sobre memória e representação
historiográfica ver Catroga (2001).
11
A idéia de criação de uma Universidade Católica no Brasil surgiu, em 1915, com o professor Eugênio
de Barros Raja Gabaglia e foi concretizada, no Rio de Janeiro, por Leonel Franca, com o apoio de Dom
Sebastião Leme, em 1940. Maiores informações em: Moura e Almeida (1977).
12
Termos de conclusão de curso, n. 1 e n. 2. Informações encontradas no acervo do NUME.
13
Maiores informações em Relatório sobre a Faculdade Católica de Filosofia de Rio Grande, para seu
reconhecimento. Concursos de Habilitação, 1961-1966, p. 80-112. Acervo do NUME.
14
Apesar de a diretora referir-se apenas as alunas é importante esclarecer que elas eram, sim, a maioria,
porém também frequentaram a Faculdade de Filosofia alunos do sexo masculino.
15
Apenas no Ginásio Básico “Fernando Freire” foi citado o nome de três alunos-homens da Faculdade de
Filosofia. Nas outras listas, contendo seis instituições escolares, encontram-se somente nomes femininos.
16
Destaca-se que para a análise do jornal, das informações e características, recorre-se a Luca (2005) que
ressalta como analisar diferentes fontes impressas, como os jornais.
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