PlatãoeAristóteles:construçãoedesconstrução. TiagoBolognesideAndrade FaculdadedeFilosofiadaPontifíciaUniversidadeCatólicadeCampinas. RESUMO Esse trabalho consiste em uma descrição da visão de Platão (428-347) e Aristóteles (384-322) em alguns campos do saber,primeiramentearelaçãoentrematemáticaefilosofia,seudesenvolvimentohistórico,suasdiversassimbiosese rupturas. A questão do conhecimento, a teoria das ideias de Platão como causa das coisas e a crítica aristotélica ao conceito,suapropostadesistematizaçãodosaber,buscandoasverdadeirascausas.OconceitodeDeus,odemiurgode Platãoeadivindadedasideias,oDeusaristotélico,motorimóveleaideiadeatopuro.Arteepoesia,acríticaplatônica às artes e a poesia, por serem imitação da realidade, a defesa aristotélica da tragédia heroica como purificação das emoções. INTRODUÇÃO Platão e Aristóteles, podemos dizer sem sombra de dúvida, que se trata dos dois maiores filósofos da antiguidade, PlatãofoimestredeAristótelesdurantemuitotempo,quandoesteeraalunodaantigaAcademiaplatônica,Aristóteles foi mais longe que o mestre, discordou de vários conceitos de seu mestre e foi o grande sistematizador do saber acumulado,temosquedarméritoaPlatãotambém,umdiscípulonãoénadasemomestre,cabeaoprimeiroatarefa de supera-lo. Em muitos momentos percebemos uma enorme oposição de ideias entre Platão e Aristóteles, uma imagem bem marcante dessa oposição é o quadro pintado por Rafael Sanzio ( 1483-1520), denominado “A escola de Atenas”,noqualvemosPlatãojuntoaAristóteles,Platãoapontandoparaoalto,Aristótelesapontadoparabaixo,isso mostra uma oposição muito importante entre esse dois filósofos, Platão acreditava numa realidade superior que fundamentava essa e era condição para sua existência, Aristóteles negava essa realidade platônica e dizia que a realidadebuscadaporPlatão,nãoestavaemoutrarealidade,estavanessamesma,poiséaúnicaexistente,tratemos poisdessasoposições. MATEMÁTICAEFILOSOFIA DesdeafilosofiajônicaatéAristóteles,afilosofiaviviaemconstantesimbiosecomamatemática,exemplodissoéTales demileto,consideradooprimeirofilósofoeumdosgrandesmatemáticosdeseutempo,citadoporPlatãocomoumdos “setesábios”nodiálogoProtágoras. A matemática radicalizava-se na escola pitagórica, Elisabetta Cattanei nos dá uma definição: “Os termos “ filosofia” (amoraosaber)e“matemática”(aquiloqueseaprende),foramtermoscunhadosporPitágoras,paraindicaraatividade intelectualquesepraticavaemsuaescola”(2005,p.24). A matemática começa a entrar em ruptura com a filosofia à partir da descoberta do irracional e dos paradoxos de ZenãodeEléia,masessarupturafoiparcial,ambascontinuariamaconvivercomcertaharmoniadurantealgumtempo. Platão também introduz a matemática nos estudos filosóficos, segundo ele, essencial para os estudos filosóficos, ele propunhaumaeducaçãomatemática,aqualfaziapartedoensinosuperior.EraabordadanaAcademiacomproblemas práticosvoltadosparaquestõesdodiaadia,nolivrosetedaRepública,Platãodizqueamatemáticatiraohomemdas sombras,transcendendoosobjetivosutilitaristas,eleusaamatemáticacomoinstrumentodeaspiraçãoaointeligível. Com Platão há uma reconciliação entre matemática e filosofia, um exemplo claro é inscrição que se lia na frente da Academia“Quemnãoégeômetranãoentre”.SabemosqueparaPlatão,obuscadointeligíveldeveriaseroobjetivodo homem,ateoriadasideiaséaalmadafilosofiaplatônica,eeledaàmatemática,ocarátermediadorentreosensívele ointeligível,emboraestaestejamuitomaispróximadointeligível.Elafazpartedesuadialéticaascendente,caminho necessário para o homem que deseja contemplar o inteligível, ou seja, a ideia suprema do bem, objetivo último do homem sábio. Para se ter uma ideia de como Platão dá importância à matemática, vejamos o que diz Elisabetta Cattanei:“Semoexercíciodasciênciasmatemáticas,paraPlatão,nãopodemosser,nemfilósofos,nemcientistas,nem verdadeiroshomens,nemhomensbons,nempolíticosenemmesmoDeus”(2005,p.34). Com Aristóteles há um sutil “não” à matemática, no livro A da Metafísica, ele faz sérias críticas aos pitagóricos, por consideraremosnúmeros,imanentesdascoisassensíveis,Aristótelessededicamaisàsciênciasnaturais,nãodeumuita importânciaàmatemática,paraele,amatemáticanãopossuíaumgrandevaloremrelaçãoaoconhecimento,nãofazia partedesuafilosofiaprimeira,ouseja,seu“não”àmatemática,refere-seprincipalmenteàsubstânciasupra-sensível, eraelaapenasumadastrêsgrandesciênciasteoréticas,sendoinferioràteologia. AristótelesdiznolivroMdaMetafísica,quenapesquisadosentesmatemáticos,elesdeveriamsertratadoscomotais, ou seja, sem supor que sejam ideias ou substância do ser, deve eles ser estudados dentro de sua própria natureza, ciênciadoserenquantoser. Háumaciênciaqueestudaoenteenquantoenteeaquiloqueselheatribuiemsimesmo.Elanãoéidênticaanenhuma dasassimchamadasciênciasparticulares:defato,nenhumaoutraexaminauniversalmentearespeitodoenteenquanto éente,mas,tendorecortadoumapartedomesmo,estudamoquedecorrearespeitodela,porexemplo,asciências matemáticas.(1003ª21-26) Conhecimento PercebemosumagrandediferençaentrePlatãoeAristótelesemrelaçãoaoconhecimento,porexemplo:sabemosque umcavaloexiste,Platãoperguntaráoporquêdesuaexistência,diráelequeéporcausadaideiadecavalo,condição necessária para a existência de cavalos na realidade sensível, na realidade inteligível se encontra a ideia, a forma perfeita de cavalo, e os cavalos na realidade sensível só o são, na medida em que participam dessa ideia. Platão entendiaasideiasdeumaformabastantediferentedecomonósasentendemos,comonoscontaReale:“Asideiasde que falava Platão não são, portanto, simples conceitos ou representações mentais, mas representam “entidades”, “substâncias”(1990,p.137)”. ParaPlatão,hádicotomiaentreasrealidadesdistintas,taisrealidadesestãosempreemconstanteoposição,ocorpose opõeàalma,oempíricoaometaempírico,osensívelaointeligível,afísicaàmetafísica.Platãoconsideravaarealidade inteligível,muitosuperioràsensível,poiséelaarealidadedasessências,enquantoasensívelénadamaisdoqueuma cópiaimperfeita,umarealidadeparticularquetrazapenasparcialmentecaracterísticasqueparticipamdasideias,das quaissãosubalternas,nasideiasestáauniversalidadedasqualidadesobservadasnarealidadesensível.Platãoassumeo ser parmenídico na sua concepção de ideia, o ser da permanência, da imutabilidade, da unidade, da identidade, da essência,sãoessasqualidadesquecaracterizamoidealplatônico. Aristóteles ao contrário de Platão, perguntará primeiro como uma coisa existe, usando o exemplo do cavalo, ele primeiramentedescreverádequeformaocavaloexiste,comoelepodeserdescritonarealidade,elenegaateoriadas ideiasdePlatão,paraele,essateoriasóduplicouoproblema,eelanãoésatisfatóriaaoexplicarascausasdascoisas sensíveis,diráele,queasideiasnãoestãoemumarealidadedistinta,estãonessarealidade,poiséelaaúnicarealidade existenteeénelaquedevemosbuscarasverdadeirascausas,nãosãoasideias,acondiçãonecessáriaparaaexistência deentesnarealidadesensível,aocontrário,sótemosaideiadecavalo,depoisdeobservarumbomnúmerodecavalos, portantoasideiasdascoisasestãodentrodasprópriascoisas,oucomoasrepresentamosnaformadepensamentos. ParaAristóteles,primeiroexisteascoisas,depoiscriamosideiassobreascoisas,diráele“Nãohánadanointelectosem quetenhaantespassadopelossentidos”,diferentementedePlatão,eleprezavapeloconhecimentoempírico,enquanto Platãosededicavamaisàespeculaçãometafísica. Aristóteles via o conhecimento como algo adquirido através do trabalho conjunto dos sentidos e do intelecto, ele prezavapeloconhecimentoempíricoesistemático,diferenciava-sebastantedalinguagempoéticaedramatúrgicaque caracteriza alguns escritos de Platão. Aristóteles visava um conhecimento puramente científico, que pudesse ser demonstrado, para isso era necessário regras, um sistema que fosse capaz de imprimir um caráter de certeza ao conhecimento,buscandoascausanoprópriosercomotal. Platãoconsideravaoconhecimentocomoalgoinato,ouseja,jánascemoscomosconhecimentosemnossaalma,só precisamos recordá-los, ele acreditava na doutrina da metempsicose, doutrina da transmigração da alma em vários corposparaaexpiaçãodasculpaspassadas,emsuasviagensàItáliameridional,travourelaçõescomospitagóricosefoi introduzidonosmistériosórficos.Sendoassimeleacreditavaqueaalmapreexisteaocorpoeéaprisionadonele,deveo homem, portanto, libertar-se de seu cárcere através de uma vida virtuosa. Tendo a alma reencarnado várias vezes, trazemosconoscoumconhecimentoinato,devemosnosesforçarpararecordá-los,devemosrecordaroconhecimento puro de quando contemplamos as ideias. Para ele, aprender é recordar, Platão convence-se disso ao ver Sócrates instruirumescravoefazê-lodemonstraroteoremadePitágoras,concluielequenãohaviacomooescravoquenunca aprendeugeometria,demonstraroteorema,amenosqueesseconhecimentolhefosseimanente. TEOLOGIA TeologicamentetambémencontramosdiferençasentreopensamentodePlatãoeAristóteles,oDeusdePlatãoéum Deus-artíficechamadodeDemiurgo,eleéumDeuspessoalqueplasmouoreceptáculosensível,gerandoocosmos,no entanto,PlatãoconsideraoDemiurgoinferioràsideias,queestãonomaisaltopatamardedivindade,eleéapenaso plasmador do mundo, não é seu criador, apenas retiraram do caos as formas perfeitas. Platão considera divina as ideias, principalmente a ideia do bem, situada hierarquicamente acima de todas as ideias e do Demiurgo, portanto Platãoelevaumenteimpessoal(ideia)aumnívelmaisimportantequeumentepessoal(Demiurgo),Platãofoitalvezo primeirofilósofoapensarodivinodeformatãoconcisa,háquemdigaquePlatãofoiofundadordateologiaocidental, como nos diz Reale: “ Platão é indubitavelmente o fundador da teologia ocidental, na medida em que descobriu a categoriadoimaterial,àluzdaqualodivinoépensável”(1990,p.145).“Platãoconcebeumarealidadesuperior,divina, naqualtodasascoisassãoperfeitas,Platãochamao“mundodasideias”dehiperurânio,quesignifica“lugaracimado céu”,nãoéumlugarpropriamentedito,nãoéfísico,láestãoasformasperfeitas,diráPlatão.Naverdade,Platãotem umarelaçãomuitomaiorcomodivinodoquepropriamentecomumDeus. NolivroLdaMetafísica,AristótelesfalasobresuanoçãodeDeus,queparaeleéummotorimóvel,logonoiníciodo livroanuncia:“Existealgoquesemovesemsermovidoequeéeterno,umasubstânciaeumaatualidade”(1072a25). Aristótelesclassificatrêstiposdesubstância,duassãoperecíveiseoutranão,estaúltimaéasustânciasupra-sensível, imóvel,eternaeperfeita,queexisteporsisó,oDeusdeAristóteleséumatopuro,possuiapotênciadomovimento, masnãoaexerce,poissuaessênciaéopróprioato,Aristótelesaindaodefinedeformamaisprecisa:“Deuséumser vivo, eterno, supremamente bom, de sorte a ele pertencem a vida e a duração contínua e eterna; pois isso é Deus” (1072b25),entretantoéumDeusimpessoal,nãoama,nãoage,nãoquer,esteprimeiromotoréacausaprimeirade todo o movimento e é também a causa final. Cabe a filosofia primeira ou metafísica, a incumbência de investigar a substânciasupra-sensívelouDeus.EraumavisãobemdiferentedavisãogregadeDeus,AristótelesassimcomoPlatão, deixa de lado essa concepção tradicional de deuses antropomórficos, para uma concepção de Deus abstrato, sem forma,semvícioshumanos.MaistardeTomásdeAquinousariaessavisãoteológicadeAristóteles,naconstituiçãoda suateologiacristã. ARTEEPOESIA Platãoemrelaçãoàarteeapoesiaébastantecrítico,poisconsideraaarteeapoesiamuitodistantesdarealidade,não servemparaohomemvirtuoso,poiselaéimitaçãodeumarealidade(mímesis),queporsuavez,éumacópiadeuma realidademuitosuperior.Aartereproduzcópiasdomundosensívelqueécópiadointeligível,sendoassim,trêsvezes distantedaverdade.Platãocolocaaartecomodestinadaapiorpartedenossaalma,consideraasimitaçõespoéticas, nocivas ao espírito de quem as ouve, diz que o artista cria aparências, diz que o poeta é como o pintor, um simples imitadorquenadasabedoserreal,consideraospoetascomomentirosos,poisfalamoquenãosabem,segundoele,a artesópoderiasobreviversefossesubmetidaàfilosofia,entretantoeleexcluiaartedoseuEstadoperfeitoesugereo banimento dos poetas e artistas, diz ele no livro décimo da República: “ Portanto a arte de imitar está bem longe da verdade,eseexecutatudoaoqueparece,épelofatodeatingirapenasumapequenaporçãodecadacoisa,quenão passadeumaaparição”(598a-e). Aristóteles defendeu na Poética, que a obra de arte deve imitar não aspectos cotidianos da vida humana, mas suas potencialidades, ou seja, a obra de arte deve reproduzir não aquilo que é (ato), mas sim aquilo que poderia ser (potência),aobradeveserverossimilhançadopossívelenuncadofactual.Aristótelesdizqueapoesiasediferencia pelaíndoledopoeta,osdeíndolealta,imitamaçõesnobresepersonagensnobres,paraele,atragédiaéumaimitação de caráter elevado, e a comédia é a imitação de ações e pessoas de índole baixa. Ele propunha que a tragédia fosse representada por atores que, através de emoções, promoveriam um impacto purificador (catarse) dessas, diz ele na Poética: É, pois a tragédia, a imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentadaecomváriasespéciesdeornamentosdistribuídospelasdiversaspartesdodrama,imitaçãoqueseefetua não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções.(1449b24-27) CONCLUSÃO PodemoscertamenteconcluirquePlatãoeAristóteleseramvanguardistasdaépocaemqueviveram,tantosséculosse passaram e ainda conseguimos nos admirar com esses gênios filosóficos, sim, admirar-nos, afinal é esta a primeira característica do filósofo, admirar-se, nisto certamente concordam ambos, poderá parecer ao leitor que os dois discordamtotalmenteumdooutro,emcertosentidoistoéverdade,mastemosqueentenderseucontextohistórico, sua situação histórica, as limitações de sua época e como eles brilhantemente criaram sistemas filosóficos que influenciaramecontinuamainfluenciarestudiososdomundointeiro,certamentecontinuarãoanosmaravilhareanos inspirar esses precursores da história da nossa cultura ocidental, certamente suas ideias vanguardistas continuarão a influenciarnossacultura,nossamaneiradepensar,deser,deagir,tentemosveraoposiçãodePlatãoeAristótelesnão só como uma rivalidade histórica, mas também como um mútuo complemento, que ora percebemos um no outro, o conhecimentoéassimmesmo,éconstruçãoedesconstrução,novossaberessãoincorporadosàquelesquejáexistem isso não significa a aniquilação de um conhecimento, significa que existe um conhecimento melhor, mas que foi construído em cima daquele que existe que faz parte dele e que o complementa. Dessa forma, veremos Aristóteles como o continuador de Platão, continuar não significa perpetuar as ideias de seu mestre, significa evolução, nesse sentido,percebemosqueaantiguidadefilosóficatemdoispilares,fundamentaisparaasustentaçãodenossacultura, essespilaressãoPlatãoeAristóteles.