comunicação e expressão por J. B. Oliveira* A importância do uso CORRETO dos pronomes O presidente de uma empresa lusitana, estranhando os atrasos diários de um de seus diretores – muito “boa pinta”, por sinal – para retornar do almoço, contrata um detetive particular para segui-lo e apresentar um relatório detalhado do que se passava com o funcionário. Alguns dias depois, apresenta-se o “Sherlock” ao contratante de seus serviços e narra: “O que tenho a informar ao senhor é que o diretor Fulano de Tal sai normalmente ao meio dia, pega seu carro e vai à sua casa almoçar. Faz amor com sua mulher, fuma um de seus charutos cubanos, toma uma dose de sua bagaceira portuguesa, pega de volta seu carro e regressa ao trabalho”. – “Ufa! Felizmente!” suspira aliviado o presidente. “Nada de anormal!” – “Permite que me dirija ao senhor chamando-o de TU?” – “Sim, claro”, é a resposta. – “Pois bem, então vou repetir o relatório”: “O que tenho a te informar é que o diretor Fulano de Tal sai normalmente ao meio dia, pega teu carro e vai à tua casa almoçar. Faz amor com tua mulher, fuma um de teus charutos cubanos, toma uma dose de tua bagaceira, pega de volta teu carro e regressa ao trabalho”. Acha-se aqui espelhada uma das grandes diferenças existentes entre o português de base europeia e o de base brasileira. Os lusófonos de lá e de suas ex-colônias respeitam fielmente a concordância obrigatória entre os pronomes dos casos reto, oblíquo, de tratamento e possessivos, assim como sua relação com as flexões verbais. – Tu podes vir e trazer teus amigos contigo. Nós te receberemos, tanto a ti como a eles, com alegria. – O senhor (ou você – que é uma corruptela de Vossa Mercê) pode vir e trazer seus amigos com o senhor (em português europeu é considerada correta a forma consigo). Nós o receberemos, tanto ao senhor e a eles, com alegria. Já no Brasil – exceção feita a partes das regiões Norte, Nordeste e Sul – misturamos tudo: usamos o pronome do caso reto na terceira pessoa (senhor, você) e os pronomes oblíquos e possessivos na segunda (te, ti, contigo; teu, tua, teus, tuas): – Você viu o que te fizeram? Mas eu estou contigo. (O correto seria: você viu o que lhe fizeram? Mas eu estou com você). Ou então, aplicamos o pronome do caso reto na segunda pessoa (uso muito comum entre cariocas e caiçaras) e a flexão verbal na terceira: – Tu viu? Tu foi? Tu quer? Tu falou? Tu queria? (Quando as formas corretas seriam: tu viste? Tu foste? Tu queres? Tu falaste? Tu querias?). Não foi por acaso que o famoso “samba do crioulo doido” nasceu por aqui e não por lá! É precisamente essa quebra do padrão gramatical, que causa espanto entre nossos irmãos lusitanos, que faz com que, embora usando a mesma língua – Língua Portuguesa – tenhamos linguagens diferentes! Isso porque língua é idioma, é “o conjunto das palavras e expressões usadas por um povo, por uma nação, e o conjunto de regras de sua gramática”. Já linguagem é “o uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas”. Isso lembra um episódio interessante. Em sua primeira vinda ao Brasil, Raul Solnado foi apresentado por José Vasconcelos, na TV, como sendo “um humorista muito engraçado e inteligente e que – além de tudo – tem a graça do sotaque português”. Falando a seguir, rebate Raul Solnado: “É engraçado. A língua é nossa: língua portuguesa. Vocês a usam e nós é que temos o sotaque”!? * J. B. é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista. É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras. [email protected] | www.jboliveira.com.br 50