EDUARDO LUIZ VIVEIROS DE FREITAS - PUC-SP

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EDUARDO LUIZ VIVEIROS DE FREITAS
FOLHETINS E MÁSCARAS
a obra de França Júnior
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora
da
Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Ciências
Sociais, sob orientação do Prof. Dr.
Miguel Chaia.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM
CIÊNCIAS SOCIAIS
2002
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Professores, amigos, colegas, seres especiais, a instituição. Por onde começar? A
ordem não significa precedência, mas, no caso do primeiro nomeado, reconhecimento,
gratidão.
Ao professor Miguel Chaia, meu orientador, pela paciência, generosidade e
incentivo constantes. É uma honra caminhar ao lado de um intelectual que “vê, diz,
ouve e sente” como poucos, e receber sua orientação, a palavra amiga, o carinho.
À professora Vera Chaia e colegas de buscas no NEAMP, Núcleo de Estudos em
Arte, Mídia e Política da PUC/SP.
Aos meus amigos e colegas na PUC/SP, em especial Anselmo (meu segundo
irmão), Chico, José Carlos, Marta, a turma do “escritório”, Sergio Rezende e Equipe do
TUCA, ao professor Nagamine, Helena, Lúcia... e a tantos outros, agradeço pelos anos
de convívio, aprendizado, amizade e incentivo.
Ao meu amigo Pablo Moreira, diretor, por ter me apresentado o Teatro.
À Lélia Abramo, atriz, lutadora, pela palavra amiga e sábia, na vida e na arte.
À Celina, pelo apoio e amizade constantes, desde o primeiro momento, e pelo
paciente trabalho de revisar o texto. Meu carinho e gratidão.
À minha família (Luiz, Rosa, Lourdes, Maurício e Carolina), por me trazer o
sentimento de pertencer, ser querido como filho e irmão, e por ter compreendido minhas
ausências. Aos amigos do futebol, por terem cobrado a minha presença!
Agradeço também ao CEPE, Conselho de Ensino e Pesquisa, pela concessão de
horas-pesquisa no ano de 1998.
Ao Luis e demais funcionários da Academia Brasileira de Letras, pela atenção
com que fui recebido. Aqui está o resultado.
RESUMO
A pesquisa contempla as áreas do teatro e da política, propondo como objeto a
obra literária e dramatúrgica de França Júnior (José Joaquim da França Júnior, 18381890).
Este autor cria uma dramaturgia consistente e produz num gênero híbrido de
jornalismo e literatura – o folhetim, nos quais se expressam várias dimensões da
sociedade brasileira, mais especificamente da sociedade carioca ou da Corte Imperial,
da segunda metade do século XIX.
Nos folhetins é possível fazer a leitura do pensamento e da crítica social de
França Júnior, na apresentação metafórica da realidade como registro histórico e análise
social (os devaneios sociológicos feitos nos folhetins).
Quanto às peças, buscou-se na análise das estruturas e dos elementos internos, o
entendimento das seqüências de cenas e diálogos, não só na relação com a sociedade,
mas também do ponto de vista da estrutura dramática.
A elaboração das carapuças, por França Júnior, com recortes do tecido social,
cultural e político, elementos do mundo real, “costurados” com as técnicas e convenções
do teatro, da comédia de costumes, gera uma articulação de símbolos, no palco, que (re)
inventa o Brasil pela paródia, caricatura, sátira. Sua crítica tem como referência uma
sociedade burguesa, moderna, civilizada, de inspiração européia, que ele não vê ocorrer
na sociedade da Corte Imperial.
ABSTRACT
This research focus on the area of theatre and politics, using the literacy and
dramatic work of França Júnior as the object (José Joaquim da França Júnior, 18381890).
This author creates a consistent dramaturgy and produces in a hybrid of
journalism and literature – the “folhetim”, in which several dimensions of the Brazilian
society of the second half of the 19th century, more specifically the Imperial Court of
Rio de Janeiro society, are expressed.
In the “folhetins” it is possible to interpret França Junior´s thought and social
criticism, from the metaphorical presentation of reality as a historical record and social
analysis (the “sociological day dream” made in the “folhetins”).
As for the plays, the understanding of the scenes and dialogues were sought in
the analysis of the structures and the internal elements, not only in the relation with the
society but also from the drama structure standing point.
França Junior´s “carapuças”, elaborated with patches from the social, cultural
and political tissue - elements from the real world “tied” with the technique and
conventions of the theatre, of the situational comedy, generates an articulation of
symbols on the stage which (re) invents Brazil by means of the parody, the caricature,
the satire. The reference for his criticism is a bourgeois, modern, civilized society, from
European inspiration, opposite to the one present in the Imperial Court.
Sumário
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 001
PEÇAS TEATRAIS: ................................................................................................................. 010
FOLHETINS: ......................................................................................................................... 011
I º CAPÍTULO - UMA ÉPOCA E UMA GERAÇÃO PROCURAM O BRASIL ............. 017
2 º CAPÍTULO - FOLHETINS: A REAL FICÇÃO ............................................................ 035
CIDADE(S) .......................................................................................................................... 038
COSTUMES ........................................................................................................................ 051
POLÍTICA: .......................................................................................................................... 055
3 º CAPÍTULO - TEATRO: A REAL REPRESENTAÇÃO ............................................... 077
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 138
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 147
ANEXOS
APRESENTAÇÃO
O riso pode, certas vezes, constituir excelente
educação do olhar. Por estranho que pareça, com
freqüência o desmascarar não está em ir atrás, mas
simplesmente em apontar a máscara, o jogo.1
Sempre me atraíram os mistérios da política, mas algo no seu interior intrigavame, despertando a curiosidade: o jogo, a encenação, as máscaras, o poder em cena.
Unindo minha formação como cientista social na Universidade de São Paulo a vivências
práticas do teatro, em peças universitárias, oficinas, festivais e cursando disciplinas na
Escola de Comunicação e Artes da USP (Departamento de Artes Cênicas), começou a
surgir uma preocupação intelectual, uma suspeita, a possibilidade de encontrar um
caminho, a partir deste cruzamento, para chegar ao desvendamento dos mistérios da
realidade política.
A leitura do artigo “A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel”2
contribuiu para materializar esta busca e para estabelecer o tema desta dissertação. Este
texto também foi utilizado como ponto de partida para o artigo “Teatro e Política: em
busca do elo perdido”, que publiquei em 19973, reafirmando os parâmetros da
“aproximação entre arte e política” e da “proximidade entre indivíduo e poder”. Ainda
1
Renato Janine RIBEIRO – “O entusiasmo, o teatro e a revolução.”, in: Adauto NOVAES, (org.)
– Tempo e história - São Paulo : Companhia das Letras : Secretaria Municipal de Cultura, 1992,
p. 326.
2
Miguel CHAIA - “A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel”, in: Revista Estudos
Avançados – IEA/USP, ano 9, n. 23, 1995, pp. 165-182.
3
Eduardo Luiz VIVEIROS DE FREITAS - “Teatro e Política: em busca do elo perdido”, in:
Revista da APG (Associação dos Pós-Graduandos da PUC/SP), ano VI, nº 11, agosto de 1997,
pp. 7-11.
2
Chaia indica que a política... “não é só uma forma de conhecimento, mas também uma
técnica a ser aplicada, avaliando-se cada momento, situação e oportunidade.”4
O teatro é o local privilegiado, que apresenta com nitidez a “aproximação entre
arte e política e a proximidade entre indivíduo e poder”, e, como inúmeros exemplos,
podemos lembrar a Grécia Antiga (Sófocles, Ésquilo, Eurípides), Shakespeare e
Maquiavel no Renascimento e, mais recentemente, Piscator, Brecht, Heiner Müller,
Dias Gomes, Vianinha, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros. Fica mais clara a
aproximação da política com o teatro, no fato de que ambos se valem de técnicas a
serem aplicadas, “avaliando-se cada momento, situação e oportunidade”. Como na
política, no teatro interessa saber não quais ações os homens executam, mas como
executam. O que é motivo para intrigas, segredos, articulações, na política, torna-se
transparência, iluminação e aclamação, no teatro: o como (astúcia, virtú, inteligência
etc) da política e o como (talento, genialidade, técnica, construção da personagem,
verossimilhança do drama etc) do teatro.
Florestan Fernandes, tratando da dimensão política no teatro de Shakespeare,
escreveu:
Ele (Shakespeare) apanha o trágico e o cômico, a ambição e a loucura, a
grandeza e a mesquinhez, a inveja e a equanimidade, o altruísmo e o egoísmo, a
vaidade e o ridículo, o histórico e o rotineiro, enfim, o poder especificamente
político, que atravessa o governo e o seu terrível percurso devastador ou
construtivo na personalidade humana, nas instituições e na sociedade. (...) Tudo
faz parte do drama, que é a vida e suas projeções psicológicas, econômicas,
religiosas, sociológicas ou históricas. As questões essenciais ou emanam do
poder ou confluem para ele, mesmo quando aparecem sublimadas ou são
repelidas. 5
4
5
Miguel CHAIA, op.cit., pp. 166 e 175.
Florestan FERNANDES, “A Política como Teatro”, in: Jornal Folha de S. Paulo, 08/01/1991.
3
Com tais preocupações, e já tendo assinalado alguns supostos para uma pesquisa
interdisciplinar que contemple as áreas da arte e da política, proponho como
desdobramento deste tema (arte e política), o seguinte objeto de estudos: a obra
dramatúrgica e literária (comédias de costumes e folhetins) de França Júnior (18381890), para uma aproximação entre as tradições do pensamento, investigação e pesquisa
em Ciências Humanas e a dramaturgia, a crítica, a reflexão e as encenações no Teatro.
Ao longo da preparação inicial e da pesquisa que a fundamentou, percebi que o trabalho
deslocaria sua ênfase para o pensamento social, cultural e político, produzido numa
época especial, o Segundo Reinado (1840-1889), enfocando as especificidades da
produção de França Júnior.
Tal aproximação entre Ciências Humanas e Teatro contribui para o
enriquecimento epistemológico e metodológico, trazendo novas linhas de pesquisa e
investigação para os campos do conhecimento que se (re)aproximam, através do estudo,
com novos instrumentos, das tradições de pensamento envolvidas.
Nesta pesquisa sobre a obra de França Júnior, pretende-se, portanto, encontrar e
percorrer as fronteiras entre as áreas da política e da arte, detendo-se sobre um
pensamento cultural (político e crítico) formulado por um artista e intelectual vinculado
ao teatro e à crítica de costumes. Este autor cria uma dramaturgia consistente e produz
num gênero híbrido de jornalismo e literatura – o folhetim - no qual se expressam várias
dimensões da sociedade brasileira, mais especificamente da sociedade carioca ou da
Corte Imperial, da segunda metade do século XIX.
4
Quanto ao método de análise das peças e dos folhetins selecionados, serão
utilizadas as análises interna e externa da obra, através de conceitos e instrumentos
teóricos que permitam trânsito na fronteira das áreas do conhecimento envolvidas (Arte,
Dramaturgia, Sociologia, Antropologia, História e Política, Teatro e Política),
originários da teoria literária, da análise política de conjuntura, da filosofia, da história
das idéias políticas, da história do teatro, do pensamento social e cultural etc. Analisarse-á o contexto histórico e cultural em que foram escritas e/ou encenadas as peças, e em
que foram publicados (ou republicados) os folhetins. Será buscado, na análise das
estruturas e dos elementos internos das peças, o entendimento das seqüências de cenas e
diálogos, não só na relação com a sociedade, mas também do ponto de vista da estrutura
dramática.
Antonio Candido, num estudo publicado em 1972, dizia que a integridade de
uma obra literária não permite a dissociação entre aspectos internos (estrutura) e
externos (sociais, políticos etc), do ponto de vista da análise. Ambos...
se combinam como momentos necessários do processo interpretativo(...)o
„externo‟ (no caso, o social), importa não como causa, nem como significado,
mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da
estrutura, tornando-se, portanto, „interno‟. 6
Ao analisar o romance Senhora, de José de Alencar, o crítico utiliza-se deste
procedimento, afirmando que não basta apontar as dimensões sociais existentes na obra,
para definir o caráter sociológico de um estudo sobre ela. O assunto do romance...
...repousa sobre condições sociais que é preciso compreender e indicar, a fim de
penetrar no significado, (pois o romance retrata) a compra de um marido; e
teremos dado um passo adiante se refletirmos que essa compra tem um sentido
6
Antonio CANDIDO – “Crítica e sociologia (Tentativa de esclarecimento)”, in: Literatura e
sociedade: estudos de teoria e história literária, 5ª edição, São Paulo, Editora Nacional, 1976,
p.4.
5
social simbólico, pois é ao mesmo tempo representação e desmascaramento de
costumes vigentes na época, como o casamento por dinheiro. (...)
E neste caso de relações que deveriam pautar-se por uma exigência moral mais
alta, a compra e venda funciona como verdadeira conspurcação. Esta não é
afirmada abstratamente pelo romancista, nem apenas ilustrada com exemplos,
mas sugerida na própria composição do todo e das partes, na maneira por que
organiza a matéria, a fim de lhe dar uma certa expressividade.7
Ao fazer uma análise deste tipo, continua o crítico,
...podemos dizer que levamos em conta o elemento social, não exteriormente,
como referência que permite identificar, na matéria do livro, a expressão de uma
certa época ou de uma sociedade determinada; nem como enquadramento, que
permite situá-lo historicamente; mas como fator da própria construção artística,
estudado no nível explicativo e não ilustrativo. Neste caso, saímos dos aspectos
periféricos da sociologia, ou da história sociologicamente orientada, para
chegar a uma interpretação estética que assimilou a dimensão social como fator
da arte. Quando isto se dá, ocorre o paradoxo assinalado inicialmente: o
externo se torna interno e a crítica deixa de ser sociológica, para ser apenas
crítica.8
Para analisar a obra, ou parte da obra de França Júnior, será preciso
contextualizar essa obra dentro da literatura, do teatro, da história brasileira do período.
Ao mesmo tempo, será verificado que tipo de sociedade e qual a realidade social,
política e cultural eram representados nessa obra, e como o teatro se configurou, desde a
vinda da Família Real para o Brasil, como espaço político de representação social, tanto
em termos de utilização do espaço teatral como espaço de manifestação política, quanto
de representação simbólica e apresentação metafórica dessa mesma realidade.
Tratou-se de buscar pistas para decifrar a sociedade brasileira, circunscrevendo
tal tarefa às possibilidades abertas por França Júnior. Para tanto, algumas linhas de
7
8
Ibidem, pp. 6 e 7.
Ibidem., p.7.
6
pesquisa, além das pistas já citadas anteriormente, foram levantadas para nortear esta
dissertação:
- França Júnior foi um crítico mordaz da política e dos costumes brasileiros de
sua época. Mostra, como disse o Hamlet, “à sua época e geração sua forma e efígie”,
através de seus folhetins e de sua dramaturgia;
- temos em França Júnior um pensador da sociedade brasileira, que expressa o
desejo de um país diferente daquele por ele criticado. Apontando os problemas e
ironizando a realidade que via à sua frente, construía uma visão de mundo própria, pela
denúncia, negação ou rejeição de comportamentos, hábitos e atitudes de seus
contemporâneos;
- a crítica aos costumes e a crítica à política, em muitos momentos, tanto nos
folhetins como nas peças de França Júnior, aparecem misturadas, pois sua visão era a de
um grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações. No entanto,
através de metáforas que procuraremos identificar, serão separadas as duas formas de
críticas (folhetim e teatro), para melhor compreender o pensamento social e político do
autor. Nem sempre é possível identificar tais momentos, em que se poderia trabalhar ou
separar as duas formas de críticas, pois a descrição e o comentário irônico sobre um
mero costume social, por exemplo, o de fazer visitas, tinha a mesma importância da
crítica velada, na referência metafórica ou aberta das atitudes do gabinete ministerial,
tanto no teatro como nos folhetins do autor;
- em especial, o tratamento a ser dado para a análise dos folhetins procurará
identificar uma linha ou estilo adotado pelo autor, seguindo pistas dadas por outros
estudos que apontam o folhetim como gênero híbrido, situado entre o jornalismo e a
literatura. Em qual estatuto, se pensamos na análise do material pesquisado, enquadrar-
7
se-iam os devaneios sociológicos9 construídos em textos nos quais as interpretações da
realidade beiram o ficcional, como ocorre na maioria dos folhetins lidos?
- na dramaturgia, ou melhor, no teatro cômico, França Júnior, misturando
os assuntos e os tipos caricaturados no processo de criação de suas obras, mostra-nos
como o público e o privado, a intimidade e a vida pública na Corte Imperial estavam
imbricados no tecido social e cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos,
comportamentos, ritos e aparências criticáveis. Esta trama é recortada pelo autor, a
partir de sua aguda observação da realidade, e “costurada”, na forma de carapuças10
9
“Os leitores hão de ter ouvido muitas vezes certos indivíduos, inchando as bochechas,
exclamarem orgulhosos: --- O cargo difícil que exerço... --- A tarefa cheia de espinhos que
tomei sobre os ombros... --- Os deveres penosos da minha posição social... Mas os que mais
incham assim as bochechas e os que mais gritam não são por certo os que mais trabalham. A
vida é uma batalha. (...) Assim filosofava eu há dias, almoçando em um restaurant. E nos meus
devaneios sociológicos (grifos nossos), dizia com os meus botões: --- Como é difícil e
espinhosa a condição de um criado de hotel! --- Quanto estudo, quanta ciência, quanta
sagacidade para bem desempenhá-la! (...) A posição de criado de hotel é ou não espinhosa e
dificílima? Ele tem, mais que outro qualquer que ocupa elevados cargos sociais, o direito de
inchar as bochechas e exclamar com orgulho: --- A tarefa difícil que tomei sobre os ombros...
O criado de hotel, como o estadista, deve conhecer profundamente os homens, estudando-lhes
o temperamento, as inclinações, os hábitos e até as fisionomias! (...) Sobre ele caem todas as
descomposturas que pertencem por direito ao cozinheiro. É contra ele que o freguês desabafa
o seu mau humor. E cada freguês é uma charada, um logogrifo; é preciso adivinhá-lo. (...)
Regra geral: todos os sujeitos que passam mal em casa são exigentes nos hotéis. Quando se
quiser rogar uma praga a um indivíduo, deve-se-lhe dizer: --- Deixa estar, que ainda hei de te
ver criado de restaurant.” Folhetim “Entre o Beef e o Café”, publicado, originalmente, no jornal
O Paiz, na série Ecos Fluminenses, de 1885. Ver: Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR –
Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação Ciências e
Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo
Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Editor,
1926, pp. 464/469). A ortografia e a pontuação foram alteradas, para melhor compreensão do
texto original.
10
Em ilustração reproduzida ao final desta apresentação, o caricaturista Ângelo Agostini
apresenta França Júnior num palco distribuindo carapuças à platéia, por ocasião da estréia de
sua peça Direito por Linhas Tortas, em março de 1882. É significativa a ilustração: vemos ao
fundo pessoas bem vestidas, como era comum no teatro da época, portando alegremente as
carapuças distribuídas pelo autor. No primeiro plano, em frente à ribalta e à caixa do ponto,
França Júnior tira as carapuças com o título da peça e as distribui ao público, que as apanha
avidamente. Por cima, atrás da cabeça do escritor, estende-se um varal onde estão
penduradas carapuças com títulos de comédias anteriores do autor, como Meia hora de
cinismo, Uma República Modelo, Tipos da atualidade, O Defeito de Família etc. Em destaque,
ainda na caricatura, uma placa com os dizeres: “Ao Carapuceiro Fluminense”. Ladeiam o
comediógrafo, duas grandes penas que terminam cada uma com uma tesoura no lugar da
ponta, que era mergulhada na tinta para escrever. Nas suas comédias, criando tipos e
situações em chave de paródia, caricatura literária e sátira, França Júnior vai confeccionando
“carapuças”, a partir de pedaços selecionados do tecido social, cultural e político recortados
pela pena-tesoura do escritor. É comum ao teatro a imagem da trama, do enredo, da “costura”
cênica. O autor construía, assim, seu repertório de comédias satíricas, “costurando” aspectos
8
fartamente distribuídas, principalmente nas peças, através do uso de situações em que a
paródia11, a caricatura12 e a sátira13 são elementos utilizados para uma reconstrução
teatral do Brasil. Entenda-se, aqui, o Brasil da política oficial, o Brasil da roça, da
superficialidade da Corte, enfim, o Brasil de fato existente naquele período. Ao mesmo
tempo, o quanto desse Brasil, pela “pena da galhofa e da melancolia”
14
, aparece
propositalmente distorcido, exagerado, ampliado ou idealizado?
Entre obras publicadas e títulos mencionados de peças que se perderam, França
Júnior é autor de 23 peças teatrais (comédias), uma tradução de peça (do italiano), uma
opereta e uma “revista-de-ano”15, escrita em conjunto com Artur Azevedo. Além disso,
existem pelo menos 115 folhetins publicados em livro, conforme se vê no Anexo 1.
Nesta pesquisa, para efeito de análise, serão selecionadas apenas algumas obras de
da realidade observada. A imagem da tesoura pode nos remeter, também, à censura que o
moralista conservador fazia aos costumes de sua época.
11
No Dicionário Breve de Termos Literários, de Olegário PAZ e António MONIZ (Lisboa,
Portugal : Editorial Presença, 1997, p. 162), encontramos a seguinte definição de paródia:
“Termo que indica a imitação irónica ou burlesca de personagens, situações ou textos, com
finalidade cómica.” Em La Caricature e la parodie, de Jean-Pierre CÈBE (Paris : Boccard,
1966, p.11), citado por Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA – História do Teatro
Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Rio de Janeiro: Editora UFRJ :
EDUERJ : FUNARTE, 1996, p. 278, temos uma definição de paródia satírica: “La parodie
satirique se propose de faire rire aux dépens de son modèle, dont elle dénonce nom moins
efficacement qu‟une critique sérieuse les faiblesses. Elle joue un grand rôle dans les querelles,
et surtout dans les querelles litteráires.” “A paródia satírica propõe-se a zombar dos tipos, dos
quais ela denuncia, não menos eficazmente que uma crítica séria, as fraquezas. Ela representa
um grande papel nas querelas, e sobretudo nas querelas literárias. (trad. Livre)
12
“Termo que designa o desenho gráfico ou literário de uma personagem (geralmente, tipo),
exagerando os seus pontos mais vulneráveis (defeitos físicos ou morais).” in: Olegário PAZ e
António MUNIZ, op. cit., p.40.
13
“Reverso dialéctico da epopeia, a sátira é um subgénero literário que se infiltra nas mais
diversas formas de expressão: o poema epigramático, o romance social, o teatro burlesco, a
farsa, a comédia ou o auto de moralidade. Caracteriza-se pela crítica social, através do recurso
à ironia e ao sarcasmo. W. Kayser resume com admirável simplicidade as marcas da sátira,
desta forma: „No satírico torna-se visível um não-valor duradouro, que talvez seja anulado por
alguma coisa de valor. Mas também é possível alguma coisa de inverso: que seja anulado o
que tem valor, harmonia e medida.‟(Análise e Interpretação da Obra Literária)”, ibidem, p. 195.
14
Machado de ASSIS, Memórias Póstumas de Brás Cubas, in: Obra Completa, vol.I, Rio de
Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1992, p. 513.
15
“Autêntico teatro de costumes, chegado ao Brasil no florescer de sua vida de nação
independente em 1859. (...) Por definição o teatro de revista é uma revisão, de fatos e
fantasias. (...)... a revisão dos fatos dos doze meses imediatamente passados.” Roberto RUIZ,
in: Prefácio de O Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções, Neyde VENEZIANO,
Campinas, SP, Pontes – Editora da Universidade Estadual de Campinas, pp. 12 e 13.
9
França Júnior que melhor traduzem as linhas de pesquisa levantadas. Assim, serão
estudadas as seguintes obras, tendo em vista as linhas de pesquisa assinaladas
anteriormente:
10
Peças teatrais16
Tipos da atualidade, ou O Barão da Cutia (1862): a crítica ao casamento por
dinheiro, num texto híbrido que mistura a comédia de costumes a intenções
moralizantes, em que o caipira “bronco e desajeitado, completamente inadaptado à vida
da corte”
17
(O Barão da Cutia) contrapõe-se a personagens de comédia realista,
castigados ou premiados por sua superficialidade ou solidez moral (Gasparino, Carlos,
Mariquinhas e Dª. Ana).
O Tipo Brasileiro (1872): a mania de considerar tudo o que é estrangeiro
melhor do que o que é feito no Brasil, desde produtos a instituições, é criticada nesta
comédia de costumes.
Como se fazia um deputado e Caiu o Ministério! (1882): sátiras dos costumes
políticos do Império. A primeira peça desmascara o sistema eleitoral corrupto. A
segunda mostra a prática de colocar a política a serviço dos interesses pessoais,
satirizando a formação dos gabinetes ministeriais, “denunciando que o apadrinhamento
valia mais do que a competência”.18 Caiu o Ministério! se constituirá na principal obra
de análise da pesquisa.
16
Além das peças listadas, outras obras de França Júnior serão utilizadas na análise, como
suporte para a reflexão.
17
Ver “França Júnior e a Comédia de Costumes”, em João Roberto FARIA – O Teatro na
estante, São Paulo, Ateliê Editorial, 1998, pp 55 a 65.
18
João Roberto FARIA – op. cit. p. 63.
11
Folhetins
Alguns dos folhetins publicados no Correio Mercantil, entre 1867 e 186819,
momento de intenso combate político de conservador França Júnior ao Gabinete Liberal
presidido por Zacarias Góes de Vasconcelos, serão analisados, por tratarem de matéria
mais diretamente política. Outros exemplares dos folhetins, que tratam de temas
relativos à cidade e aos costumes, serão extraídos do livro Folhetins.20
Os capítulos da dissertação serão organizados da seguinte maneira: o primeiro
capítulo, intitulado “Uma época e uma geração procuram o Brasil”, apresentará a
geração de França Júnior, suas críticas e propostas em relação ao Brasil que conhecia.
Procurará mostrar que havia uma constelação de autores, entre aqueles escritores,
poetas, jornalistas e políticos, com uma identidade de objetivos, mesmo que não
necessariamente de princípios e idéias políticas ou estéticas. Apresentará, na história, o
Rio de Janeiro, a capital do Império, enquanto cidade e espaço político, social e cultural
que serviu de inspiração para as comédias e forneceu o material para a crônica e a
crítica contidas nos folhetins do autor, através do cotidiano de seus habitantes, das
relações de parentesco, do comportamento, das aspirações individuais de homens e
mulheres, das relações de poder e do noticiário político, da moda e maneiras de agir em
sociedade, das atitudes individuais e do comportamento coletivo em bailes, nas ruas, nas
ocasiões solenes e na intimidade. Trará, ainda, uma biografia analítica do autor,
apresentando, em linhas gerais, sua obra de comediógrafo e folhetinista.
19
Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR – França Júnior, Política e Costumes, Folhetins
Esquecidos (1867-1868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio
de Janeiro, São Paulo, Bahia: Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura
Brasileira), Volume 6, 1957.
20
Idem, Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da Associação
Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais
O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil : Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos
Editor, 1926.
12
O segundo capítulo, intitulado “Folhetins: a real ficção”, apresentará o gênero
híbrido, misto de jornalismo e literatura de ficção, que foi o folhetim, antecessor da
crônica atual. No trabalho com os folhetins de França Júnior, será preciso analisar
separadamente alguns textos, levando em conta categorias como “Cidade(s)”,
“Costumes” e “Política”. É preciso ressaltar, no entanto, que a descrição e a crítica aos
costumes e à política, em muitos momentos, tanto nos folhetins como nas peças de
França Júnior, aparecem misturadas, pois sua visão era a de um grande observador da
vida social em suas múltiplas manifestações. Nos folhetins será possível fazer a leitura
do pensamento e da crítica social de França Júnior, na apresentação da realidade, como
um registro no nível da descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e
análise social (os devaneios sociológicos feitos nos folhetins), documento para a
pesquisa sociológica, política, histórica, estética, literária. A ambigüidade do estatuto
literário do folhetim permite esse tipo de leitura.
Assim, em “Cidade(s)”, teremos a Rua do Ouvidor como o espaço social,
cultural e político por excelência da observação e crítica de França Júnior, o confronto
entre a capital imperial e Petrópolis, a comparação entre a roça e a capital, a
comparação entre Petrópolis e Friburgo, o registro das mudanças de hábitos urbanos, tal
como a substituição dos lampiões a azeite de peixe pelos bicos de gás.
Em “Costumes”, veremos surgir a moda, a rua como espaço de exibição e de
manifestações estéticas, os armarinhos, os alfaiates, os chapeleiros, as tabacarias, as
visitas, os personagens inconvenientes, os enterros, o casamento, o namoro, as
companhias de viagem, certos devaneios sociológicos sobre o comportamento em
13
sociedade, a infância, as amas de leite, a situação da mulher na sociedade da época,
enfim, um grande número de assuntos e comentários específicos sobre o cotidiano, a
tradição e as mudanças em curso na capital imperial e em cidades ou localidades
próximas (a chamada roça, que hoje se situa na periferia do Rio de Janeiro).
Em “Política”, destacaremos o uso de metáforas, chegando à caricatura pessoal
ou coletiva, ao abordar o comportamento isolado de um político, do ministério ou de um
partido (em especial o Partido Liberal, alvo dos ataques do conservador França
Júnior...), antecipando, e, em certos casos, superando comentaristas políticos atuais no
tocante ao bom humor e sarcasmo. Nos folhetins políticos, as instituições, idéias e
práticas políticas são apresentadas de maneira crítica pelo autor. Desse material anotado
e apresentado nos folhetins, o autor fará uso nas comédias analisadas.
No terceiro capítulo, que tem por título “Teatro: a real representação”, utilizarse-á o Realismo e a Comédia de Costumes como corrente literária e gênero
dramatúrgico a que se pode filiar as comédias de França Júnior. Na verdade, este
procura seguir, em suas produções iniciais, os postulados do Realismo no teatro
brasileiro, iniciado com a dramaturgia escrita e encenada, principalmente no período de
1855 a 1865, no Teatro Ginásio Dramático21, mas abandona-os para dar pleno
desenvolvimento a seu talento para as comédias de costumes. Procuraremos identificar
e analisar separadamente as categorias encontradas em algumas das peças de França
21
“É nesse contexto, ou seja, num clima francamente favorável às atividades teatrais, que
França Júnior aparece, desejoso de se alinhar com a reforma realista promovida pelo Ginásio”.
João Roberto FARIA – “França Júnior e a Comédia de Costumes”, in : O Teatro na Estante,
Cotia, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, p. 57; “As idéias teatrais lançadas por dramaturgos,
intelectuais e críticos, entre 1855 e 1865, permaneceriam como referência para uma boa parte
da dramaturgia brasileira e da crítica teatral que surgiu nos dez ou vinte anos seguintes”. Idem
– “As idéias teatrais no Brasil: o século XIX – O Realismo”, in: Idéias Teatrais: o século XIX no
Brasil, São Paulo, Editora Perspectiva : Fapesp, 2001, Coleção Textos, nº 15, p. 143. Ver, do
mesmo autor, O teatro realista no Brasil: 1855-1865, São Paulo : Editora Perspectiva, 1993,
coleção Estudos, nº 136.
14
Júnior. Assim, mesmo correndo o risco de incorrer em generalização, ou, antes,
desejando chegar a categorias mais genéricas, procuraremos localizar, nas peças, em
quais passagens a crítica e o ridículo do cômico acentuavam este ou aquele detalhe,
comportamento ou comparação, de certo modo, já presentes nos folhetins.
Pretenderemos procurar, no desenvolvimento das situações teatrais, como o pensamento
do autor se manifesta em termos de crítica e idealização do real. A representação da
realidade já ironizada ou apenas descrita nos folhetins esconde, na máscara do autor de
comédias, o seu pensamento social, político, cultural. A tentativa de desvendar esse
mistério procurou trazer à luz esse pensamento fragmentário, disperso, esboçado por
França Júnior-Osíris em seus folhetins.
Como dissemos acima, França Júnior, apontando os problemas e ironizando a
realidade que via à sua frente, construía uma visão de mundo própria, pela denúncia,
negação ou rejeição de comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos. Ao
misturar os assuntos e os tipos caricaturados, no processo de criação de suas obras, o
autor nos mostrará como o público e o privado, a intimidade e a vida pública estavam,
na Corte Imperial, imbricados no tecido social e cultural brasileiro, compondo uma
trama de hábitos, comportamentos, ritos e aparências criticáveis. Esta trama é recortada
e recomposta por França Júnior, na forma de carapuças fartamente distribuídas em suas
peças, através do uso de situações em que a paródia, a caricatura e a sátira são
elementos utilizados para uma verdadeira reconstrução teatral do Brasil.
Esta reconstrução artística da realidade social e cultural brasileira, apresenta
deformações do real, através da imitação irônica, do exagero dos defeitos individuais e
coletivos, e da crítica social. Como os elementos utilizados por França Júnior nessa
15
reconstrução são a paródia, a caricatura e a sátira, a realidade, representada
simbolicamente e apresentada metaforicamente, é deformada através do exagero e da
luz que o autor projeta sobre os defeitos intelectuais e morais dos costumes e da política
da sociedade de sua época.
Représentation déformée du réel, la caricature se nourrit des défuts, physiques,
intellectuels, ou mouraux, de ceux qu’elle prend pour cible. Non seullement elle
met ces défauts en lumière, mais elle les force jusqu’à l’outrance. Elle implique,
par conséquent, un tour d’esprit “réaliste”.22
Encontramos em Anatol Rosenfeld, uma proposição estética que virá ao
encontro da justificativa para a escolha dos títulos dos 2º e 3º capítulos, dando-lhe
sustentação para o desenvolvimento da análise nos marcos desta pesquisa:
Se a apresentação estética se constitui de atos de percepção e de atos que
transcendem a mera percepção, parece necessário atribuir-se ao objeto estético
um modo de ser heterogêneo. Realmente dada é somente a superfície sensível
(objeto da percepção propriamente dita); somente esta camada tem autonomia
ôntica. No entanto, através dessa camada real transparecem outras camadas
que não têm o modo de ser ideal plenamente autônomo, de um triangulo, por
exemplo. Não lhes cabe o caráter intemporal dos seres matemáticos ou das
estruturas lógicas, já que toda obra de arte é criada em certo momento
temporal. Mas tampouco lhes cabe o modo de ser real, visto dependerem da
presença do apreciador adequado e se atualizarem somente por graça dos
seus atos intencionais. Contudo ainda menos podem ser confundidas com os
atos do apreciador. O ser específico dessas camadas não pode ser reduzido ao
real de processos psíquicos. Realidade psíquica tem apenas os atos mediante os
quais o apreciador apreende o objeto, bem como as vivências que acompanham
esses atos. Esses atos, porém, visam ao objeto estético que não tem ser
psíquico. Qualquer redução psicologizante da obra de arte a processos
psíquicos do apreciador ou autor é completamente excluída. A obra é uma e a
mesma, por mais variados que sejam os atos do apreciador, as atualizações e
concretizações dos apreciadores. Isso já se evidencia no fato de considerarmos
algumas atualizações mais adequadas do que outras. Adequadas a quê?
Evidentemente à obra. (grifos nossos) 23
22
“Representação deformada do real, a caricatura se alimenta dos defeitos físicos, intelectuais
ou morais daqueles que são tomados como alvo. Ela não só joga luz sobre esses defeitos, mas
também os leva ao exagero. Ela implica, por conseguinte, um movimento do espírito „realista‟
(uma distorção da realidade).” [ trad. Livre] Jean-Pierre CÈBE, op. cit. p. 8, citado por Edwaldo
CAFEZEIRO e Carmem GADELHA, op. cit. p. 278.
23
Anatol ROSENFELD, “A Estrutura da Obra de Arte – O ser do objeto”, in: Estrutura e
Problemas da Obra Literária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos, nº 1, pp.
13/14.
16
1870
17
I º capítulo –
Uma época e uma geração procuram o Brasil
Joaquim José da França Júnior, ou como mais comumente é conhecido e citado,
França Júnior, nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de abril de 1838. Seus pais foram
Joaquim José da França e dona Mariana Inácia Vitovi Garção da França. Morreu em 27
de setembro de 1890, em Poços de Caldas, Minas Gerais24. Seu teatro prestigiou a
crítica de costumes, a sátira política e social, indo buscar nos hábitos e comportamentos
da sociedade carioca de seu tempo, a Corte do Segundo Reinado, farto material para
suas comédias e folhetins. Foi Secretário de Governo Provincial da Bahia (1868 a
1871), a convite do presidente da Província da Bahia, senador Francisco Gonçalves
Martins (magistrado, barão e depois Visconde de São Lourenço, ocupou o Senado
vitalício de 1851 até sua morte, em 187225). Foi advogado militante e adjunto da
promotoria pública da Corte, tendo ocupado também o cargo de Curador Geral da
Segunda Vara dos Órfãos da Capital Federal. Chegou a ser condecorado Cavaleiro da
Ordem da Rosa e da Ordem Austríaca de Francisco José. Representou o Brasil na
exposição de Viena (1873 – sobre a exposição, França Júnior escreveu o relatório citado
no Anexo 1), o que o animou tomar lições de pintura (paisagens, principalmente) com o
alemão Grimm, que reuniu em torno de si um grupo de alunos que se tornariam
24
A dúvida suscitada pela afirmação de que França Júnior nascera na Bahia, feita por Artur
Azevedo em artigo publicado na Revista Século XX (1906) e reproduzido na 4ª Edição dos
FOLHETINS, foi desfeita por Arhur Motta (ver Anexo 1), que consultou os registros da
Faculdade de Direito de São Paulo, onde consta que França Júnior, formado em 1862, era
“natural da cidade do Rio de Janeiro”. Aluísio Azevedo, filho de Artur Azevedo, cita a
publicação, no Correio do Povo, edição de 29-9-1890, de uma curta biografia de França Júnior
(que morrera no dia 27; a missa de 7º dia foi rezada em 03 de outubro de 1890), indicando o
nascimento no Rio de Janeiro, “à Rua do Príncipe, hoje Silveira Martins, no Catete”; comentário
manuscrito feito em 1-5-1957, por Aluísio Azevedo, em exemplar dos FOLHETINS de França
Júnior – fac-símile reproduzido no Teatro de França Júnior (Tomo I, MEC/SNT/FUNARTE,
1980).
25
Affonso E. TAUNAY, O Senado do Império (ed. Fac-similar), introdução Professora Myriam
Ellis, Brasília : Senado Federal, 1998, pp. 92, 157, 190 e 193.
18
paisagistas de destaque, como Caron, Vasquez, Parreiras, Ribeiro e outros. O Grupo
Grimm reunia-se para lições e atividades ao ar livre em Niterói, em meados da década
de 188026.
Artur Azevedo, que o chamou de mestre, lamentou não ter tido “a honra de
assinar uma peça com França Júnior”, elogiou seus conhecimentos jurídicos e a
competência do curador de órfãos. Acompanhou a carreira do amigo comediógrafo e
folhetinista (que retomou em 1876 suas atividades jornalísticas interrompidas em
1868)27, incentivando-o a escrever um de seus maiores sucessos teatrais: Como se fazia
um Deputado (1882). Informa-nos que França Júnior “não era político nem palaciano,
mas tinha muita afeição à família imperial, com especialidade ao infeliz príncipe D.
Pedro Augusto, de quem era amigo íntimo e comensal assíduo” 28. Homem de muitos
talentos, falava corretamente francês, inglês, alemão e italiano e na pintura, diz ainda
Artur Azevedo, o conhecimento do idioma alemão fez com que “aproveitasse (...) as
lições do Velho Grimm, e se tornasse um paisagista muito aceitável, resgatando ligeiros
defeitos de técnica por um profundo sentimento da cor, da luz, e da intensa poesia da
nossa terra”29. Sobre o comportamento social de França Júnior, assim se expressou
Artur Azevedo:
26
Ver: Carlos MARTINS, Revelando um acervo (catálogo da exposição de pintura da Coleção
Brasiliana – Fundação Rank-Packard / Fundação Estudar), Pinacoteca do Estado de São
Paulo, São Paulo : Bei Comunicação, 2000, p. 19.
27
França Júnior colaborou nos seguintes jornais do Rio de Janeiro: Correio Mercantil (1867 a
1868, folhetins sobre política e costumes, assinados com o pseudônimo Osiris); Gazeta de
Notícias (sua colaboração foi extensa, tendo sido reunidos os folhetins ali publicados, em
primeira edição de 1878 – ver Anexo 1); Globo Ilustrado (número 12, 9/3/1882); O País (no qual
publicou a série de folhetins Ecos Fluminenses, de 1885); Gazeta da Tarde (publicou a série de
folhetins Ecos da Cidade – s/d); O Globo (com Joaquim Serra); Bazar Volante (como redator,
de 1863 a 1867, em parceria com Antonio de Castro Lopes; assinava seus textos como Osiris);
Vida Fluminense (s/d) e Jornal da Tarde (s/d).
28
Ver Artur AZEVEDO, artigo citado, reproduzido na 4ª edição dos FOLHETINS, de França
Júnior, pp. 9 e 10.
29
Ibidem, p. 11.
19
Aristocrata e fino em Botafogo ou nas Laranjeiras, boêmio na caixa de um
teatro, numa alcatéia de pintores, ou à mesa de um café, ele brilhava sempre
pela conversação, e era um dos mais espirituosos cavaqueadores (conversador,
“bom de papo”) do seu tempo, o que não o impedia da achar muita graça nos
outros, e rir como nunca vi rir ninguém. (...) Elegante, sempre apurado no
traje, sempre vestido à última moda, as suas toilettes esquisitas provocaram
muitas vezes o lápis dos caricaturistas, que o desenhavam sempre de uma
magreza e de um nariz exagerados.30
Quando França Júnior ainda vivia, Aluísio Azevedo, em artigo publicado no
Globo, em 1882, a ele assim se referiu:
Conheço muitos patrícios elegantes, distintos, com o paladar bem educado, não
há dúvida alguma; mas é que, em geral, quando um sabe ver não sabe ouvir,
quando outro sabe dizer, não sabe sentir. E o França vê, diz, ouve e sente. (....)
O França é homem que, visto pela primeira vez, nos faz vontade de ouvi-lo;
ouvindo-o, temos desejo de ouvi-lo mais, e, se o ouvimos mais, acabou-se...
ficamos amigos. (...) Para cada fato opõe uma anedota; para cada tipo um bom
dito; e para cada mulher um galanteio. É sempre o mesmo gentleman em toda a
parte. Sabe tão bem conduzir uma questão política pela imprensa, como
escrever um folhetim literário, dissertar sobre um Corrégio, ou conduzir uma
senhora na valsa. (...) Por intermédio de seus numerosos folhetins de fina
observação e graciosa crítica, vive em todas as províncias do Brasil, e convive
com toda a parte da população fluminense que sabe ler. Mas a sua veia
principal é a comédia. Seria um grande comediógrafo, se o nosso teatro não
fosse uma grande mentira. Contudo, com o que ele fez até hoje (1882), deixa
adivinhar o que seria capaz de fazer. (...) Ah! dizem também que é um
magistrado de mão cheia. Pode ser. ”31
Machado de Assis cita França Júnior numa de suas Notas Semanais, de 1º de
setembro de 1878, a propósito da constatação de que se vendia em Paris, como nota o
cronista na Revue des Deux Mondes, nas páginas de anúncios, uma cópia do quadro de
Vítor Meirelles, a Primeira Missa no Brasil. A revista elogia o quadro, mas omite o
nome de seu autor, e Machado registra a lacuna:
30
Ibidem, p. 11.
Aluísio AZEVEDO, artigo de 5 de abril de 1882, publicado originalmente no jornal O Globo,
reproduzido na Revista da Academia Brasileira de Letras (volume 39), Rio de Janeiro, 1932,
seção FIGURAS, pp. 302 a 304.
31
20
Verdade é que o França Júnior nos disse ter achado a mesma lacuna no Fígaro,
onde aliás lhe não aceitaram a notícia, que voluntariamente lhe foi levar.32
França Júnior já estava doente quando foi proclamada a República, e a
deportação do Imperador e da família imperial mortificou-o muito. Sua última comédia,
Portugueses às Direitas (estreada no Teatro Recreio em 9 de maio de 1890), não caiu
no agrado da comunidade lusitana do Rio de Janeiro. A incompreensão do público e os
acontecimentos políticos abalaram ainda mais seu estado de saúde frágil. Morreu nos
braços de sua esposa, Dona Clotilde de França, de família privilegiada (era filha de um
Conselheiro do Império, sobrinha do Visconde de Cabo Frio), em Poços de Caldas,
quatro meses depois da apresentação de sua última obra.
O Romantismo marca, na literatura da França e de outros países da Europa com
maior nitidez, o pleno desenvolvimento da burguesia como classe dominante. Além da
ampliação da participação popular nos assuntos políticos, uma aliança tática para
solapar as manifestações de resistência da aristocracia e eventuais tentativas de
restabelecer o antigo status quo, o nivelamento das classes, ao menos no nível
simbólico, como conseqüência da Revolução Francesa e sua repercussão na Europa, dáse pela perda do predomínio da aristocracia sobre a literatura, pela generalização da
curiosidade por criações artísticas, especialmente através da imprensa e do teatro. Surge
o público como conceito e prática hoje conhecidos, a platéia sem discriminações ou
identificação como casta privilegiada, que vai aos teatros, lê os jornais (e, como leitura
preferida, os romances-folhetins, ou romances em folhetim, forma de popularizar a
32
Machado de ASSIS - Obra Completa, Rio de Janeiro : Editora Nova Aguilar S. A., 1992, vol.
3, p. 409. Sobre o mesmo episódio ver também Brito BROCA, Um Folhetinista Brasileiro em
Paris, in: Naturalistas, Parnasianos e Decadentistas: vida literária do realismo ao prémodernismo, Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991, pp. 66 a 69.
21
literatura de forma econômica) e os livros a que começa a ter maior acesso com a
criação de livrarias-editoras e acesso a gabinetes de leitura.
Na sua união com o povo, para conseguir expulsar do palco os
remanescentes feudais, a burguesia teria necessidade de encontrar as suas
pontes para as camadas menos favorecidas da fortuna. Encontrou-as no teatro,
que proporcionou o cenário das primeiras batalhas do romantismo e que lhe
forneceu, com o drama variado e sentimental, um veículo extraordinário; na
imprensa, em que através do folhetim, atingiu amplas camadas de leitores; no
gênero a que concedeu, desde então, a primazia, o romance, pelo qual fazia
participar da literatura um mundo de criaturas que dela estavam distanciadas
desde então.33
No Brasil recém saído da fase colonial e iniciando sua história como país
autônomo, a incipiente burguesia (ou camadas sociais com traços semelhantes) não
possuía força para impor-se politicamente. Surgia no e dava forma ao ambiente urbano,
buscando paradoxalmente o “enobrecimento” com a posse de terras, numa aliança
tácita, atrelando-se por laços comerciais, políticos e de parentesco com a classe dos
proprietários de terras em fase de urbanização. Dela (da classe dos proprietários rurais)
copia hábitos, costumes e traços exteriores. Choques de interesses e o antagonismo que
principiava entre as duas “classes” (burguesia ou pequena burguesia urbana e
proprietários de terras), no entanto, não eram tão fortes a ponto de buscar a burguesia
aliança com o povo. Mesmo porque, de que povo se poderia falar numa sociedade em
que a participação política restringia-se à classe de proprietários, com um arcabouço
jurídico e uma organização institucional estruturados para manter praticamente intacto o
principal pilar em que se sustentava a economia, a escravidão?
33
Nelson Werneck SODRÉ, História da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro : Bertrand Brasil,
1995, p. 191.
22
O Romantismo assume, então, no Brasil, feições inteiramente diversas daquelas
apresentadas na Europa. Aqui seus temas literários são a autonomia nacional, a
idealização da natureza, o predomínio de quadros rurais, do pitoresco e da paisagem
física e, como coroamento característico do movimento, o indianismo. Como cópia
melhorada da era colonial, o Brasil do Primeiro e Segundo Reinados mantém o domínio
dos senhores da terra no plano político e econômico. Mesmo as reformas propostas por
setores urbanos pertencentes ao Partido Liberal, que pouco alteravam esse panorama,
encontravam tenaz resistência nos representantes do que se poderia chamar de nossa
aristocracia rural de então, ligados (mas não exclusivamente, dada a confusão reinante
nos Partidos imperiais, de interesses, alianças, reviravoltas de situação e quedas de
Gabinetes no parlamentarismo monárquico), em princípio, ao Partido Conservador.
A luta destes grupos burgueses, “progressistas” e “conservadoresretrógrados”, enche o cenário político da segunda metade do século passado.
Alista-se no primeiro principalmente o comércio, a “finança”, em uma palavra,
os detentores do capital móvel. No segundo, a maior parte da riqueza territorial,
os proprietários rurais cuja economia assentava no trabalho servil naturalmente
abalado pela supressão do tráfico. A esta distribuição inicial de forças que
naturalmente avantajavam os “conservadores” (nota do autor: Não confundir
esta designação com o partido deste nome. Os nossos partidos do regime
passado têm uma significação ideológica muito restrita. Se é fato que, em geral,
são os conservadores que encarnam o espírito retrógrado do Império, também é
certo que, a par de outros exemplos, encontramos entre os liberais figuras como
esta ultra-reacionária do escravocrata vermelho Martinho de Campos. Não se
pode por isso dizer que as duas tendências políticas que assinalamos coincidam
perfeitamente com os partidos do Império que eram, muito mais que outra coisa
qualquer, simples “agregados de clãs organizados para a exploração em comum
das vantagens do poder” – como os chamou Oliveira Viana -, à feição dos dois
partidos que hoje observamos nos Estados Unidos, Republicano e Democrata.)
vão-se substituindo novas formas que se reduzem a uma sucessiva desagregação
deste grupo em benefício do primeiro. A linha política do Império na fase que
estudamos é no sentido do desenvolvimento contínuo do elemento progressista.
34
34
Caio PRADO JR., “O Império”, in: Evolução Política do Brasil, São Paulo : Editora
Brasiliense, 19ª edição, 1991, p. 97.
23
Em meados do século XIX, surgem sinais de mudança no quadro econômico que
incomodam, sobretudo, os representantes conservadores. No Gabinete Ferraz
(conservador – agosto de 1859 a março de 1861), nascido no período posterior à
extinção oficial do tráfico de escravos (Lei Euzébio de Queiróz, de 4 de setembro de
1850), de expansão e redirecionamento do capital empregado, até então, quase que
exclusivamente à importação e venda de escravos para novas atividades comerciais e
industriais, uma Comissão de Inquérito, nomeada em 1859 pelo Presidente do Conselho
de Ministros, Ângelo Moniz da Silva Ferraz 35, apura as condições em que o meio
circulante, a criação de novos bancos, emissão de papel moeda e a especulação
financeira alimentavam a febre de enriquecimento rápido, por golpes de audácia
especulativa. Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império, transcreve o depoimento
de uma firma comercial (M. Wright e Cia), que qualifica como “desafogo do espírito
conservador que só via perdição nos novos costumes”. Vejamos alguns trechos do
depoimento, em que até críticas à filantropia britânica36 são invocadas para a defesa
conservadora dos costumes dos brasileiros:
Quando, finalmente, acabou de todo a introdução dos africanos neste
país, achou-se o país senhor de recursos que até então tinham sido aplicados ao
pagamento dos negros importados. Os costumes dos brasileiros, pela maior
parte, eram simples no extremo, de uma frugalidade exemplar. Não era possível
que a cobiça comercial, esse monstro corruptor, corrompesse por um coup de
main os bem fundados hábitos de séculos. (...) E podemos afirmar que a história
do mundo, a não ser o episódio na história da Espanha na época em que se
fizeram as famosas descobertas de ouro e prata nas suas colônias deste
continente, não apresenta outro exemplo de desmoralização social tão
repentina, de uma corrupção de hábitos, santificados por séculos de duração,
tão assustadora como temos presenciado no Brasil de 1854 para cá: um mal que
reclama o mais assíduo cuidado de todo patriota, para se opor de alguma
maneira uma barreira a esta torrente devastadora, que aliás ameaça no seu
curso a ruína de todas as fortunas. Antes bons negros da costa da África para
felicidade sua e nossa, a despeito de toda a mórbida filantropia britânica (...)
Antes bons negros da costa da África para cultivar os nossos campos férteis do
35
Ver biografia parcial em S. A.. SISSON (editor), Galeria dos Brasileiros Ilustres – biografias
(1822-1861), Brasília : Senado Federal, 1999 (vol. II), pp. 357 a 366.
36
A Inglaterra pressionara o Brasil, por meios diplomáticos, comerciais e militares a cessar o
tráfico de escravos. Interesses comerciais internos e o endividamento, hipotecas de fazendas a
traficantes de escravos, também ajudaram a “flexibilizar” a legislação escravocrata de então.
24
que todas as tetéias da rua do Ouvidor, do que vestidos de um conto e
quinhentos mil réis para as nossas mulheres; do que laranjas a quatro vinténs
cada uma em um país que as produz quase espontaneamente, do que milho e
arroz, e quase tudo que se necessita para o sustento da vida humana, do
estrangeiro; do que finalmente empresas mal avisadas, muito além das legítimas
forças do país, as quais, perturbando as relações da sociedade, produzindo uma
deslocação do trabalho, têm promovido mais que tudo a escassez e alto preço de
todos os víveres.37
Tal espírito conservador contrapõe-se vivamente ao gosto artístico e às idéias já
em circulação nos meios urbanos, principalmente na Corte Imperial, no Rio de Janeiro.
A característica comum ao romantismo, principalmente na França e no Brasil, é
o surgimento de um público leitor mais numeroso e diversificado. Trata-se de um
público limitado, ainda, o público possível, composto de camadas urbanas em condições
de dar atenção aos livros e jornais: estudantes, mulheres, o pequeno funcionalismo
público, grupos de comerciantes. A arte aparece a esses grupos sociais como
divertimento, fuga da rotina, preenchimento das horas de ócio, e as fidelidades a
determinados autores (seja de romances, peças de teatro ou mesmo simples folhetins
jornalísticos, os quais muitas vezes se confundiam numa única pessoa, pois houve
autores que escreviam romances, peças de teatro, folhetins, discursos políticos próprios
ou alheios etc, como José de Alencar e Joaquim Manoel de Macedo, entre outros)
obedecem a essas características da sociedade imperial:
Era uma sociedade, a do Império, que concedia às manifestações
literárias sobras de atenção, sobras de apreço, aquela atenção e aquele apreço
próprios do lazer e do repouso, ligados estreitamente ao conceito de arte como
divertimento, como evasão da rotina, como preenchimento do ócio. Ora, tal
sociedade se caracterizava, precisamente, naquelas camadas que constituíam o
público, e que não eram numerosas, pelas sobras de ócio, pelos longos lazeres e
pela necessidade de preenchê-los. A ligação entre o público e os autores, pois,
começava, mas começava de acordo com as características do meio e do tempo.
Começava, a bem dizer, com o teatro – e eram escritores os que faziam as peças,
37
Joaquim NABUCO, Um Estadista do Império, capítulo VI, tomo I, 5ª edição, Rio de Janeiro :
Topbooks, 1997, pp. 238 a 241. A última frase desta citação é transcrita também por Nelson
Werneck SODRÉ, op. cit. , p.202.
25
na confusão de tarefas da vida literária do tempo. Faziam as peças, faziam os
jornais, faziam a política, faziam versos, faziam razões de defesa, faziam
discursos, faziam tudo.38
França Júnior viveu num dos períodos mais ricos de nossa história, marcado por
significativas transformações políticas e culturais que estavam afetando as diferentes
dimensões da sociedade brasileira. Neste cenário, de aparente imobilidade, como era
considerado o Segundo Reinado, França Júnior elege as camadas médias da sociedade
carioca como assunto e personagens de suas peças e folhetins. No dizer de um dos
ocupantes da cadeira número doze da Academia Brasileira de Letras, da qual França
Júnior é o patrono, essas camadas foram...
... o agente creador da nossa opinião, a massa dos leitores dos livros e jornais,
a razão de ser de nossos romancistas, poetas e publicistas. Com o seu vivo
interesse pelo desenvolvimento do império, tornaram possível Pedro II e seu
parlamentarismo formoso (sic!) e eficiente, o meio favorável sem o qual a
corôa, a nobreza e o povo não teriam feito a unidade nacional e a fortuna do
país. Pequenos negociantes, professores, profissionais das carreiras liberais e
técnicas, sitiantes, empregados do comércio e da administração pública e
particular constituiram os elementos da coesão nacional...39
Era essa “destemida pequena burguesia brasileira!”, sempre tão “inteligente e
irônica, tão compreensiva e consciente”40 que assistia às comédias e lia os folhetins
semanais de França Júnior. Essa mesma pequena burguesia, ou classe média, é retratada
com menos entusiasmo por Raymundo Faoro, ao analisar personagens de Machado de
Assis, como o Dr. Valença, do conto As bodas de Luís Duarte, de 1873:
(...) Ele enganará a si próprio, contraindo os vícios de sua classe, para realçar
a superioridade falsa, inatingível. O contorno comum unirá a todos: no
Império, entre proprietários e especuladores, entre titulares e deputados, a
classe média será um purgatório, condenada ao ostracismo das grandezas.
Faltar-lhe-á o papel de equilíbrio, que o proletário futuro despertará. Ela não
está entre o assalariado e o rico. Sua posição será, apenas, a da classe abaixo
38
Nelson Werneck SODRÉ - op. cit. p. 212.
Victor VIANA - Academia Brasileira de Letras - Discursos Acadêmicos (1935-1936), Volume
IX, Rio de Janeiro : Empresa Editora ABC Limitada, 1937, p. 55.
40
Ibidem, p. 56.
39
26
das outras; debaixo dela está o nada, o escravo. Dela não sairão os estadistas,
os barões, os banqueiros e os fazendeiros, nem fermentará os inconformismos e
as revoluções. Sua hora soará somente cinquenta anos depois: por enquanto
representará o resto, o resíduo dos destinos mais afortunados. Esta a visão de
Machado de Assis: a classe média só pode ser vista do alto, com desdém, com
escárnio ou com tolerância. Longe estará a perspectiva marxista, lançada do
ponto de vista da idealização proletária, também cruel com a pequena
burguesia. Ausente também a perspectiva que lhe atribuirá a função
estabilizadora no conflito larvado de facções extremadas, celeiro da ordem, da
educação e da cultura. No campo, não havia classes médias – marginalizados
os lavradores não proprietários. Nas cidades, ela seria o resíduo, sem que
abaixo dela, repita-se, o operário – o artista – desempenhasse papel social,
perdido na sua miséria e excluído da comunhão política. (...) Sobrará, apenas,
o funcionalismo público, com a dependência da estrutura política, governando,
dirigindo e conduzindo do alto, de cima, soberanamente.41
O Rio de Janeiro conheceu um grande desenvolvimento urbano, a partir da
chegada da Família Real em 1808, que fugira à perseguição das tropas napoleônicas. A
população da cidade já foi avaliada em sessenta mil habitantes, em 1808, em torno de
noventa e sete mil, em 1838; duzentos e setenta mil em 1850 e quinhentos e cinqüenta e
dois mil habitantes, em 189042. Em poucos anos, a cidade ganha o seu primeiro teatro
oficial, graças ao incentivo do próprio D. João VI (1813 – Teatro São João), surgem
novos jornais, casas dos mais variados tipos de comércio, organiza-se a vida da Corte,
material e culturalmente, dinamiza-se o intercâmbio comercial com a abertura dos
portos do Brasil ao comércio internacional.
Cinco anos após a chegada desse rex ex machina, inaugurava-se o Real Teatro
São João, reinaugurado em 1826 após o incêndio de 1824, e batizado com o
nome de Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara. A proximidade dos donos
do poder e do tesouro facilitava a concessão de auxílios, subvenções e loterias,
o que reparava com certa rapidez os malefícios causados por incêndios e
outros danos. Quando da Aclamação de Dom Pedro II, em 1831, funcionavam
na Corte esse majestático teatro, ainda que por razões políticas houvesse
mudado o nome para Teatro Constitucional Fluminense, e o chamado
Teatrinho da Rua dos Arcos, (...), modesto empreendimento que mesmo assim
durou dez anos, teve estatuto, regulamento e associação mantenedora, a
41
Raimundo FAORO - Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, 4ª edição, revista, São
Paulo : Editora Globo S/A, 2001, pp. 307/308.
42
Ver: Adolfo Morales de los RIOS FILHO - O Rio de Janeiro Imperial, 2ª edição, Rio de
Janeiro : Topbooks Univercidade Editora, 2000, pp. 59, 61 e 62; ver, também, Boris FAUSTO
História Concisa do Brasil, São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2001, p. 134.
27
Sociedade Mantenedora do Teatrinho da Rua dos Arcos. (...) Nos quatro
primeiros decênios do reinado de Dom Pedro II podem destacar-se diversos
fatos: a notável expansão da rede de casas, como noutros pontos do país,
principalmente nas regiões litorâneas; a duração dos efeitos dos esforços feitos
por João Caetano, Araújo Porto Alegre e Martins Pena que atuaram como um
centro propulsor montado na Corte; o aparecimento de uma dramaturgia bem
mais elaborada, de que é exemplo Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias; a
atração que experimentaram por ficções dramáticas romancistas de nomeada
como Alencar e Macedo; e finalmente (...), a permanência de traços comuns,
tais como o idioma nacional no repertório apresentado; a preponderância de
peças de procedência lisboeta-parisiense; o amadorismo a sobrepujar
(quantitativa, mas não qualitativamente) as poucas organizações estritamente
profissionais. (...) Na segunda metade do século (XIX), é evidente que novos
ventos estéticos, sociais e políticos passaram a soprar sobre a chamada
civilização ocidental; e a influir, naturalmente, sobre os rumos do teatro
brasileiro, mormente na Corte.43
O saneamento e melhorias na cidade, como calçamento de ruas e iluminação
pública (inicialmente com lampiões alimentados a azeite de peixe e, em meados do
século XIX, com bicos de gás), são ampliados para um número cada vez maior de ruas,
trilhas, becos e vielas, possibilitando a seus moradores deslocamentos a pontos cujo
acesso outrora não existia. Criam-se hábitos sociais como visitar e receber visitas,
presentear, passear, dar festas e bailes em residências ou clubes. E, principalmente,
cresce o teatro como espaço material, social e cultural de expressão.
Tanto no Império quanto nos primeiros decênios da República, o Rio de
Janeiro, sendo o centro cultural e político da nação, constitui a aspiração de
quantos bons elencos como de espíritos privilegiados houvesse no país, a fim
de lá conseguirem a nacional consagração e renome definitivo. (...). Em 1871
abriu-se o Imperial Teatro Dom Pedro II. Em 1872, o Cassino Franco-Brésilien
(...). Em 1874, o (...) Teatro Vaudeville; em 1876, o Politeama
Fluminense;(...)o Teatro Recreio Dramático (1880), (...) o Teatro da Sociedade
Recreio Dramático Riachuelo.(...). Em 1870, o Teatro Lucinda, chamado
Novidades entre 1882 e 1884.(...) Em 1881, o Teatro Príncipe Imperial (...)
Ora, para nutrir uma tal rede de teatros em funcionamento, com casas cheias e
entusiastas, era necessária uma tríplice estrutura: bons autores, bons elencos
e público numeroso que afinasse com os espetáculos que lhe fossem
oferecidos. E sobre tudo isso, espíritos que os animassem, e se animassem com
toda essa movimentação. Bons elencos supunham também bons diretores de
companhias estáveis e aí estão os nomes consagrados de João Caetano dos
Santos, Florindo Joaquim da Silva, Joaquim Heliodoro (Gomes dos Santos),
43
Lottar HESSEL e Georges RAEDERS - O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II, 1ª parte, Porto
Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto Estadual do Livro, 1979,
pp. 278 e 325.
28
Germano de Oliveira, (Luís Cândido) Furtado Coelho, Ismênia dos Santos,
Jacinto Heller, (José) Dias Braga, Vicente Pontes de Oliveira, Guilherme da
Silveira (Portugal, 1846 – Madrid, 1900), Antônio de Sousa Bastos e Luís de
Braga Júnior, o Visconde, entre outros que muito atuaram na sede e nos tempos
do Brasil monárquico. Na órbita de peças e autores, se nem todos nem todas
foram de primeira água, o que é natural em tão copiosa produção, houve
contudo autores de boa categoria e que, principalmente, estiveram em sintonia
com o meio e com a época.44
Consolidada a independência e iniciada a obra de construção institucional do
Brasil independente com o Primeiro Reinado (1822-1831) e a Regência (1831-1840),
após um período de turbulências políticas, com Revoltas que atingiram a própria capital
do Império, chega-se à consolidação do regime monárquico (1840-1853), que entra em
seu apogeu (1853-1871) e conhece o declínio e a queda (1871-1889)45, tendo o Rio de
Janeiro como a principal cidade do país, por força de seu papel social, cultural e
político.
Como um moralista ou demiurgo, ao lado de figuras exponenciais do jornalismo,
da dramaturgia e da literatura de seu tempo – na mesma tradição de Martins Pena,
Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar, Machado de Assis e Artur Azevedo,
munido de elegância, cultura, sabedoria, ironia e crítica, França Júnior vestia sua
máscara de comediógrafo e ocultava-se atrás de um sugestivo pseudônimo (Osiris, deus
egípcio cujo mito pode ser interpretado como uma metáfora da dispersão e da
fragmentação) para, através de suas comédias e folhetins, mostrar - como quer Hamlet
ao falar a atores sobre a representação (Ato III, Cena II), “à sua época e geração sua
forma e efígie”. E França Júnior mostra, em forma cômica, um espelho ridículo à
sociedade de seu tempo.
44
Idem - O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II, 2ª parte, Porto Alegre : Ed. da Universidade,
UFRGS, 1986, pp. 223 a 225.
45
José Murilo de CARVALHO, A construção da Ordem / Teatro de Sombras, Rio de Janeiro :
Editora da UFRJ / Relume Dumará, 1996, p. 51.
29
Tais recursos (máscara e pseudônimo) ocultam o analista arguto, o crítico
mordaz, o pensador que sonha uma sociedade diferente da que ironiza, mesmo quando
distribui carapuças aos políticos e à sociedade carioca de então. Ao lado dos escritores
mencionados e de outros artistas, pensadores e políticos de seu tempo, como o próprio
Imperador Dom Pedro II, cujo maior ideal, assim que se livrasse do indesejado “ofício
de governar”46, era tornar-se bibliotecário ou professor47, França Júnior somou mais
uma contribuição ao sonho de criação ou invenção de um novo país, uma Nação, o
Brasil. Toda uma geração de jornalistas-escritores, se analisarmos o pensamento contido
em suas obras, tem essa preocupação.
À diferença dos autores mencionados (Martins Pena e Machado de Assis, por
exemplo), homens de literatura (no caso de Alencar, também político do Partido
Conservador) que ironizavam e criticavam a política brasileira, França Júnior não era,
como eles, identificado com o ideário liberal, podendo-se, antes, alinhá-lo como
46
“Não há nada pior neste mundo do que ser testa coroada ou celebridade. (...) Falo dos reis e
dos príncipes que dirigem os estados. (...) Qualquer sujeito, por mais ínfima que seja a sua
condição social, pode dizer „vou fazer isto ou aquilo‟, uma vez que não ofenda as leis, ou não
entre pela esfera de direitos de terceiro. Qualquer sujeito pode, por exemplo, ir ao Castelões,
tomar uma cajuada, passear a pé pelas ruas a qualquer hora do dia, carambolar à vontade nos
bilhares públicos pagando o respectivo tempo, assistir aos espetáculos da Sarah Bernhardt das
torrinhas do S. Pedro Alcântara, ir a Botafogo em um bond de tostão e até mesmo em um cara
dura, descompor o adversário nas folhas públicas sob o seu nome e a bendita
responsabilidade de um testa de ferro, etc, etc. A cabeça coroada que tivesse a fantasia de
fazer uma só destas coisas ou cairia no ridículo ou na execração pública. O ofício de rei é
penoso. E toda a glória que dele possa por ventura porvir, não compensa a grande soma de
liberdade que se perde. (...)”. Folhetim Onde está a felicidade, publicado originalmente na série
“Ecos Fluminenses”, em 1885, no jornal O Paiz. FRANÇA JÚNIOR, op. cit. pp. 675 e 676. A
ortografia e a pontuação foram alteradas, para melhor compreensão do texto original.
47
Ver, entre outros: Lídia BESOUCHET, Pedro II e o século XIX, Rio de Janeiro : Nova
Fronteira, 1993; Gloria KAISER, Pedro II do Brasil: filho da Princesa de Habsburgo, romance,
trad. de Christiane Rupp, Rio de Janeiro : Agir Editora Ltda, 2000; Lilia MORITZ SCHWARCZ,
As barbas do Imperador: Pedro II, um monarca nos trópicos, São Paulo : Companhia das
Letras, 1998; Jean SOUBLIN, D. Pedro II, O Defensor Perpétuo do Brasil, Memórias
Imaginárias do Ultimo Imperador, tradução de Rosa Freire d‟Aguiar, Rio de Janeiro : Paz e
Terra, 1996 e S. A. SISSON (editor), Galeria dos Brasileiros Ilustres: biografias (1822-1861),
Brasília : Senado Federal, 1999 (vol. 1). Para uma visão crítica do papel político do Imperador
Dom Pedro II, ver Caio PRADO JR., op. Cit., pp. 100 e 101.
30
conservador, em política pelo menos. Isso não o impediu de utilizar, como os artistas e
intelectuais seus contemporâneos, as armas do riso, da blague e da ironia para criticar a
realidade que via à sua volta. Deve-se, aliás, considerar relativo o alinhamento político
ideológico dos homens de cultura (intelectuais e artistas) da época (Segundo Reinado),
pois, a exemplo do que acontecia na política, também na arte era comum encontrar
escritores que, em política, eram conservadores e, na arte e na crítica aos costumes,
defendiam teses típicas de um difuso liberalismo. E vice-versa.
Não há distinção fundamental entre liberais e conservadores. Ambos
concordam em manter a ordem monárquica e o escravismo, para ambos é
intocável a propriedade. Os liberais brasileiros, por sinal, estão mais próximos
do latifúndio do que os conservadores, na medida em que a pregação
descentralizadora e federalista abre as portas para a legitimação do poder
político local, que já dispõe da terra e do bacamarte; os conservadores estão
mais próximos dos senhores do comércio e do crédito que dominam a fazenda, o
engenho e o latifúndio; ambos, por suas facções, defenderão e combaterão a
abolição, ambos defenderão a grande propriedade e o livre-cambismo que
matará as esperanças de desenvolvimento e industrialização ensaiadas após a
tarifa Alves Branco.48
Um nome pode ser citado para ilustrar o fato de que nem sempre a coerência
estava presente nas atitudes e nos escritos de intelectuais e políticos do Império:
Francisco Sales Tôrres Homem (1812-1876). Ao lado de Domingos José Gonçalves de
Magalhães (1811-1882) e Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), fundou e editou
em Paris a Revista Nitheroy, em cujos únicos dois números publicados (1836) foram
lançadas as bases do movimento romântico brasileiro49. Formou-se pela Academia
Médico-Cirúrgica (que daria origem à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro),
licenciou-se em direito pela Faculdade de Paris, mas suas atividades principais seriam o
jornalismo e a política. Em 1849, deputado do Partido Liberal (eleito pela província do
48
Paulo BONAVIDES e Roberto AMARAL, Textos Políticos da História do Brasil, vol. 2, Império,
Segundo Reinado (1840-1889), Introdução (versão eletrônica),
in: http://www.cebela.org.br/txtpolit/socio/2/B_intro1.html.
49
Maria Orlanda PINASSI, Três Devotos, uma Fé, nenhum Milagre: Nitheroy, Revista
Brasiliense de Ciências, Letras e Artes; São Paulo : Fundação Editora da UNESP, (Prismas),
1998.
31
Rio de Janeiro; na época ainda era um jornalista panfletário), publica, ainda sob o
impacto do esmagamento da Revolução Praieira em Pernambuco (1848-1849)50,
utilizando o pseudônimo de Timandro, o panfleto O Libelo do Povo, no qual ataca a
corrupção e a monarquia de maneira violenta51. Isso não o impediu, em 1858, de ser
membro do Gabinete conservador do Visconde de Abaeté, como Ministro da Fazenda.
Fato que a imprensa liberal não poupou e que, mesmo entre os conservadores, causou
constrangimento. Foi nomeado, ainda, Senador vitalício em 1870 e “visconde com
grandeza” em 1872: Visconde de Inhomirim, nome originário da fazenda de Inhomirim
da qual passou a ser proprietário quando se casou52. O Visconde, durante muito tempo,
foi alvo da ironia de caricaturistas e folhetinistas, e da sátira dos jornais liberais. O
jornal A Reforma, do poeta, dramaturgo e jornalista maranhense Joaquim Serra,
publicou uma sátira em versos alusiva à ascensão de Torres Homem à “nobreza” da
época, referindo-se ao passado de liberal radical do novo Visconde, que assim
terminava:
Inho, até aqui desinência,
Já se antepõe a mirim
Simbolizando a eminência
Do senhor Inho... mirim!53
Torres Homem traçaria uma carreira política que, num período de dez anos,
passaria por três fases: revolucionária, coalicionista (apoiando a formação do Gabinete
de Conciliação, chefiado pelo Marquês de Paraná, em 1853) e conservadora, quando
apareceria como Ministro da Fazenda do gabinete conservador de Abaeté (1858).
50
Ver as razões para a Revolução em TAUNAY, op. Cit. pp. 141 e 142. Ver, também, Nelson
Werneck SODRÉ, Panorama do Segundo Império, SP, RJ, Recife e Porto Alegre, Companhia
Editora Nacional (Brasiliana Série 5ª, vol. 170), 1939, pp. 94 e 95, e Moacyr FLORES,
Dicionário de História do Brasil (Coleção História – vol. 8), 2ª edição, revista e ampliada, Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2001, pp. 489 e 490.
51
Ver Raimundo MAGALHÃES JÚNIOR, Três Panfletários do Segundo Reinado, São Paulo :
Companhia Editora Nacional, Série 5ª - Brasiliana – Vol. 286, Biblioteca Pedagógica Brasileira,
1956, pp. 3-126.
52
Ibidem, p. 40.
53
Ibidem, pp. 40 e 41.
32
Outro exemplo: o mesmo José de Alencar, que polemizava, por ocasião do
lançamento da obra A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães (1856),
patrocinada por D. Pedro II, atacando-a violentamente em sua coluna no jornal Diário
do Rio de Janeiro, o que lhe valeu a desconfiança e reservas por parte do Imperador,
defendeu a liberdade de imprensa, postulado típico do ideário liberal, em um de seus
folhetins publicados na série Ao correr da pena (1855). Posteriormente (1868-1870),
será Ministro da Justiça do Gabinete Conservador presidido por Rodrigues Torres.54
(...) Tempo virá em que do obscuro gabinete do escritor a pena governará o
mundo, como a espada de Napoleão da sua barraca de campanha. Uma palavra
que cair do bico da pena, daí a uma hora correrá o universo por uma rede (sic!)
imensa de caminhos de ferro e de barcos a vapor, falando por milhões de bocas,
reproduzindo-se infinitamente como as folhas de uma grande árvore. Esta árvore
é a liberdade; a liberdade de imprensa, que há de existir sempre, porque é a
liberdade do pensamento e da consciência, sem a qual o homem não existe;
porque é o direito de queixa e de defesa, que não se pode recusar a ninguém. (...)
“55
França Júnior pode ser considerado um autor que não só analisa criticamente o
Brasil, mas também pensa a necessidade de uma sociedade diferente daquela que
descreve em seus folhetins e peças. Também nesta direção, Eça de Queiroz, em
Portugal, autor, ao lado de Ramalho Ortigão, de As Farpas (inspiradas em Les Guêpes,
de Alphonse Karr, a quem França Júnior rende homenagens em seus folhetins56),
54
Ver Raimundo de MENESES - José de Alencar: Literato e Político, Rio de Janeiro : Livros
Técnicos e Científicos Editora S. A., 1977.
55
Folhetim publicado no Diário do Rio de Janeiro, em 27 de maio de 1855; ver José de
ALENCAR, Crônicas Escolhidas, editadas por Fernando Paixão, São Paulo : Folha de S. Paulo
e Editora Ática S. A., 1995, p. 109.
56
Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR– Folhetim publicado em 29 de abril de 1867, no jornal
Correio Mercantil; ver: FRANÇA JÚNIOR, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (18671868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São
Paulo, Bahia : Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume
6, 1957, pp. [1]; ver, ainda, na mesma obra, os folhetins do jornal Correio Mercantil de 7 de
julho de 1867 [p. 61], de 27 de outubro de 1867 [p.125], 5 de janeiro de 1868 [p.151] e 12 de
janeiro de 1868 [p.155]. O folhetim de 29 de abril de 1867, com modificações, seria publicado
na série “Notas de um vadio”, no jornal O Globo Illustrado (1881-1882), ver: FRANÇA JÚNIOR,
Folhetins , pp. 317 a 320. Jean Baptiste Alphonse Karr, jornalista panfletário francês (1808-
33
fazendo troça da sociedade portuguesa do século XIX com intuitos moralistas e de
saneamento do regime político português, visando a sua regeneração 57, era de uma
ironia semelhante à de Machado de Assis, escritor em que o espírito cômico se associa à
herança dos “filhos de La Mancha”, como disse Carlos Fuentes58.
Quixotescos
sonhadores de um novo país, de um novo continente, de um novo mundo, Eça de
Queiroz, Machado de Assis, França Júnior são pensadores, criadores e inventores do
que Lezama Lima chamou de “eras imaginárias, pois uma cultura que não consiga criar
uma imaginação será historicamente indecifrável” 59.
Encerramos aqui este capítulo, em que apresentamos a geração literária de
França Júnior, suas críticas e propostas em relação ao Brasil que conhecia, procuramos
mostrar que havia uma constelação de autores entre aqueles escritores, poetas,
jornalistas e políticos com uma identidade de objetivos, mesmo que não
necessariamente de princípios e idéias políticas ou estéticas. Apresentamos o Rio de
Janeiro, cidade e espaço político, social e cultural que serviu de inspiração para as
comédias e forneceu material para a crônica e a crítica dos folhetins de França Júnior,
cuja biografia analítica e obras de comediógrafo e folhetinista apresentamos em linhas
gerais.
1890) exerceu forte influência em Portugal e no Brasil. Era lido e admirado por D. Pedro II,
citado por Machado de Assis e imitado por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Publicou vários
livros e foi colaborador do jornal Le Figaro. No fim da vida, em Saint-Raphael, próximo a Nice,
entregou-se à paixão pelas rosas e outras flores, cultivadas ao redor de sua casa. Chegou a
escrever uma Voyage autour de mon jardin, quem sabe ainda fazendo uso da sátira,
parodiando Xavier de Maistre (1763-1852), autor de Voyage autour de ma chambre, de quem
também Machado de Assis é devedor.
57
Ver entrevista de Maria Filomena Mónica, biógrafa de Eça de Queiroz, à revista BRAVO! ano 4, nº 40, janeiro 2001, pp. 86 a 91.
58
Ver, de Carlos FUENTES, o artigo “O milagre de Machado de Assis”, in: jornal Folha de São
Paulo, 1º de outubro de 2000, caderno Mais!, pp. 4 a 11.
59
Lezama LIMA, citado por Carlos FUENTES, op. cit., p. 11.
34
No segundo capítulo, apresentaremos o folhetim, gênero híbrido de jornalismo e
literatura, antecessor da crônica atual. Analisaremos separadamente folhetins de França
Júnior, levando em conta as categorias “Cidade(s)”, “Costumes” e “Política”. A
utilização destas categorias, entretanto, não se dará de forma rígida, pois em muitos
momentos, tanto nos folhetins como nas peças de França Júnior, a descrição e a crítica
dos costumes e da política, aparecerão misturadas, pois a visão do autor era a de um
grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações.
35
2 º capítulo –
Folhetins: a real ficção
O folhetim de que trata este capítulo não se confunde com o romance – folhetim,
nem com o romance em folhetim já estudado por autores como José Ramos Tinhorão60 e
Marlyse Meyer61. Tania Rebelo Costa Serra expôs a diferença básica entre o romance –
folhetim e o romance em folhetim no trecho abaixo:
O romance em folhetim tem preocupações estruturais e temáticas que diferem
das do romance-folhetim, mais voltado para o grande público em busca de
diversão, embora esta não seja negada no romance em folhetim. A diferença
básica está nos objetivos literários: o romance em folhetim está sempre atento à
sua organização interna, com vistas a uma unidade da estrutura narrativa
necessária para seu valor estético, enquanto o romance-folhetim pode ir sendo
construído no dia a dia até o total esgotamento da curiosidade do público, o que
causa, freqüentemente, falhas nessa unidade. 62
Recurso de donos de jornais interessados em aumentar as vendas e assinaturas,
parente literário do melodrama popular, resultado do casamento da imprensa com a
literatura, não é pela rocambolesca63 trajetória e persistente história do folhetim, como
veículo ou suporte do romance, que nos aventuraremos aqui.
O que nos interessa, sobremaneira, é o gênero híbrido de jornalismo e literatura
de ficção, que serviu de espaço tanto para devaneios, entretenimento, crítica teatral,
exercícios de estilo, como para, no caso de França Júnior, José de Alencar, Machado de
Assis e outros, falar de política, sociedade e costumes.
60
José Ramos TINHORÃO, Os Romances em Folhetim no Brasil (1830 à atualidade), São
Paulo : Livraria Duas Cidades, 1994.
61
Marlyse MEYER, Folhetim: uma história; São Paulo : Companhia das Letras, 1996.
62
Tania Rebelo COSTA SERRA Antologia do romance – folhetim (1839 a 1870), Brasília :
Editora da Universidade de Brasília, 1997, p. 21; ver também, da mesma autora: Joaquim
Manuel de Macedo, ou, Os Dois Macedos: A Luneta Mágica do IIº Reinado; Rio de Janeiro :
Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro, 1994.
63
Ver Marlyse MEYER - Folhetim: uma história; São Paulo : Companhia das Letras, 1996, e
“As mil faces de um herói-canalha”, in: Marlyse MEYER - As mil faces de um herói canalha e
outros ensaios, Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 1998, pp. 197 a 236.
36
Originário da França, o feuilleton designa o espaço vazio do jornal destinado ao
entretenimento, geralmente localizado na primeira página. A França do início do século
XIX, submetida à forte censura napoleônica, é atraída para a leitura leve, nesse espaço
também chamado de rez-de-chaussée (rés-do-chão ou rodapé), de vocação recreativa e,
em certo sentido, de domesticação dos sentidos. Diversificando-se em diferentes tipos,
os temas tratados nesses textos variam, sempre com seus autores atentos à novidade,
mais não seja pela própria natureza do veículo a que se destinam: o jornal.
No Brasil do jovem Machado de Assis, tanto o autor (o folhetinista) como sua
criação (o folhetim) assim são retratados com a ironia machadiana:
O folhetim (...) nasceu do jornal, o folhetinista por conseqüência do
jornalista. Esta íntima afinidade é que desenha as saliências
fisionômicas da moderna criação. O folhetinista é a fusão admirável do
útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o
frívolo.(...) Efeito estranho é este, assim produzido pela afinidade
assinalada entre o jornalista e o folhetinista. Daquele cai sobre este a
luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que
toca ao devaneio, à leviandade, está tudo encarnado no folhetinista
mesmo; o capital próprio.(...) Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a
política.64
Entre a dificuldade de definir ou como classificar o folhetim de que estamos
tratando, em oposição à persistência do gênero literário nas análises de Marlyse Meyer,
e o encanto que transpira de sua análise de tão arredio objeto de estudo65, ficamos com a
concisão de Antonio Candido, para quem o folhetim “...corresponde sobretudo a uma
64
MACHADO DE ASSIS – “Miscelânea, Aquarelas, IV, O Espelho: revista de literatura, modas,
indústria e arte”, 30 de outubro de 1859, in: Obra completa, vol. 3, Rio de Janeiro : Editora
Nova Aguilar S. A., 1992, p. 959.
65
Ver, da autora, o ensaio “Voláteis e versáteis: de variedades e folhetins se fez a chronica”, in:
As mil faces de um herói canalha e outros ensaios, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998, pp.
109 a 196.
37
localização na página do jornal (o rodapé), mas acabou esposando tantos significados
quantos foram os gêneros ali tratados desde a crônica noticiosa até o ensaio crítico e a
narrativa ficcional ou em série”.66
Isto posto, passemos a tratar dos Folhetins de França Júnior. Como dissemos na
apresentação desta dissertação, seria preciso separar e analisar alguns textos, levando
em conta categorias como Cidade, Costumes e Política.
A produção do autor organizada em livro67 tem vários folhetins que poderiam
ilustrar uma ou mais de uma destas categorias. Procuramos escolher alguns exemplares
representativos, para que a análise traga à luz o pensamento do autor.
No entanto, notamos a dificuldade de aplicar estritamente a classificação em
categorias, recurso utilizado para separar e analisar o material pesquisado, os folhetins
do autor, pois França Júnior, misturando os assuntos no processo de criação de suas
obras, opta, em sua crítica de costumes, por metáforas, pelo riso, pela ironia e pela sátira
como elementos formais de seu estilo literário. Em muitos textos dos folhetins, o
público e o privado, a intimidade e a vida pública e preocupações com a cidade
aparecem imbricados na descrição, crítica e análise do ambiente político, social e
cultural brasileiro da época. Desse material anotado e apresentado nos folhetins, o autor
fará uso em seu teatro, em especial nas comédias analisadas no capítulo seguinte.
66
Citado por Marlyse MEYER– Folhetim: uma história, Nota Prévia, São Paulo : Companhia
das Letras, 1996, p. 15. O mesmo texto é reproduzido na contra capa da obra citada na nota
anterior.
67
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, (prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira, da
Associação Ciências e Letras de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins
publicados nos jornais O Globo Illustrado, O Paiz e o Correio Mercantil, Rio de Janeiro,
Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1926, e Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (18671868), organização, introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São
Paulo, Bahia, Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume
6, 1957.
38
CIDADE(S)
O Rio de Janeiro, a Corte Imperial mais precisamente, cidade onde nasceu e
viveu boa parte de seus 52 anos, foi retratado e criticado em diversos aspectos pelo
folhetinista França Júnior:
Nos folhetins humorísticos cultivou a graça com muita opportunidade e
discrição, sempre a motejar dos hábitos fluminenses, a proposito de
scenas e typos, actos e costumes. Um baile, ou um massante, os jantares
e os recitativos, as visitas e organizações ministeriais, enterros, festas,
namoros, tudo constituia motivo para desopilar o figado de seus
leitores.68
É para essa cidade que volta os olhos o comediógrafo e folhetinista França
Júnior, numa produção jornalística que se inicia na década de 1860 e vai até o fim de
sua vida, em 1890. Da intimidade de um jantar ao comportamento nas ruas e lugares
públicos, nada escapa ao seu olhar arguto, à sua ironia.
A Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, recebeu esse nome por ter
recebido, em 1746, o Dr. Manuel Amaro Pena de Mesquita Pinto, que teve ampla
moradia montada por conta da Câmara, como acontecia com os ouvidores mandados
para o Brasil pela Metrópole, Lisboa. Rua inexpressiva, como tantas outras numa cidade
ainda sem vida social e com pequenas atividades comerciais, como eram as cidades na
época colonial, passou, após a abertura dos portos ao comércio internacional, a receber
ingleses e franceses, que ali se instalaram como importadores ou atacadistas (ingleses)
ou com lojas de varejo especializadas em tecidos, chapelaria, perfumes, modas,
68
Arthur MOTTA, “Perfil Acadêmico: noticia biographica e subsidios para um estudo crítico”, in:
Revista da Academia Brasileira de Letras, anno XIX, volume XXVIII, Rio de Janeiro : Edição do
Annuário do Brasil, novembro – 1928, p. 325.
39
fantasias, jóias, alfaias de luxo e livros. Lá se instalaram modistas, cabelereiros,
sorveteiros, doceiros etc. Nomes como M. Saisset, Desmarais, Wallerstein, M. Vannet.,
M. Carceler são representativos das nacionalidades presentes no comércio da rua, em
franca expansão. Sorvetes já eram servidos na Deroche, em 1834, e na Castelões, em
1870, Carlos Gomes queixava-se das dificuldades em que vivia a seu compadre Chico
Castelões, e fazia planos para voltar à Itália, enquanto comia saborosas empadas.69
O Carceler (também chamado de Confeitaria Canceler), outrora pertencente ao
italiano Antonio Franzione e instalado na rua Direita com o nome de Hotel do Norte,
teve em M. Carceler, pasteleiro e confeiteiro, e, depois de sua morte, na Viúva Carceler
e Filhos, atentos comerciantes que atraíam uma clientela ávida por seus sorvetes e
refrigerantes, com destaque para o refrigerante de pitanga. Franzione chegou a mandar
suspender, na fachada do estabelecimento, uma tabuleta onde se lia: “Antônio
Franzione, sorveteiro de S.S.M.M.I.I.”.
(...) O Imperador D. Pedro II, não raro, pelos dias calmosos, em
companhia da Imperatriz, em sala especial, nêle ia tomar o seu sorvete.
As pitangueiras de Copacabana, em campo enorme que ia do Leme ao
Ipanema, forneciam o ácido fruto que refrigerava a abrasada garganta
carioca. (...) Era êsse delicioso fruto tomado em alongadas taças de
cristal, iguais às usadas então para beber os vinhos espumantes.70
Nas mesas do Carceler sentavam-se, além do Imperador e da Imperatriz,
personalidades da política, da literatura, do incipiente empresariado, da magistratura, ou
como disse Luiz Edmundo, “...a fina-flôr da sociedade nossa, pela época”.71 Mauá,
Sales Tôrres Homem, Pereira da Silva, José de Alencar, Maciel Monteiro, Zacarias de
69
Brasil GERSON - “Rua do Ouvidor”, in: História das ruas do Rio: e da sua liderança na
história política do Brasil; notas, introdução, fixação do texto, Alexei Bueno; 5ª edição, Rio de
Janeiro : Lacerda Ed., 2000, pp. 42 a 51.
70
Luiz EDMUNDO - “O Carceler”, in: Recordações do Rio Antigo, 2ª Edição (Popular), Rio de
Janeiro : Ed. Conquista, 1956, p. 146.
71
Ibidem.
40
Góes Vasconcelos, Cotegipe, Sousa Leão, Barões do Catete e de Penedo, Viscondes de
Camaragibe, de Jequitinhonha, do Rio Branco, Nabuco de Araújo, Suaçuna, Marquês do
Paraná eram vistos freqüentemente no estabelecimento. Provavelmente os mesmos que
se vestiam com costumes, camisas e casacas confeccionados nas alfaiatarias Raunier &
Cabral ou na loja de Almeida Rabelo.72
De 1827 em diante, surgem na Rua do Ouvidor tipografias, jornais, revistas,
como o Jornal do Commercio (de Pierre Plancher), A Nação (do então jovem deputado
conservador José Maria da Silva Paranhos, futuro Barão do Rio Branco), O País (de
Quintino Bocaiúva), a Gazeta de Notícias (que contou com nomes como Ferreira de
Araújo, Joaquim Nabuco e Eduardo Salamonde), A Reforma (de Joaquim Serra) e
outros. Livrarias-Editoras ali se estabeleceram, como a dos Laemmert, que haviam
chegado da França antes de 1850 e em tipografia montada na Rua do Ouvidor
imprimiram revistas como A Vida Moderna, de Artur Azevedo e Luís Murat, O Álbum,
de Artur Azevedo, e Tebaida, de Colatino Barroso, que publicava textos e poemas dos
simbolistas. O movimento simbolista surgiria na redação da Folha Popular, onde Cruz
e Souza teve seu primeiro emprego no Rio de Janeiro, contratado por Emiliano Perneta,
redator-chefe do jornal. Garnier e Francisco Alves são outras livrarias e editoras que
surgiram na Rua do Ouvidor. A própria Academia Brasileira de Letras seria filha da
Rua do Ouvidor, pois na rua estava instalada a Revista Brasileira, em cuja terceira fase,
depois de 1890, colaboraram Machado de Assis (freguês assíduo da Casa Crashley, que
72
Brasil GERSON – Op. cit. Para conhecer a biografia das personalidades citadas, ver :
Augusto Vitorino Alves SACRAMENTO BLAKE - Dicionário bibliográfico brazileiro, Rio de
Janeiro : Imprensa Nacional, 1883-1902; ver também: S. A . SISSON (editor) Galeria dos
brasileiros ilustres, Brasília : Senado Federal, 1999, 2 vls.
41
recebia livros e revistas de países estrangeiros), Sílvio Romero, José Veríssimo,
Joaquim Nabuco, Lúcio Mendonça e outros.73
Charutos de Havana eram vendidos na loja do Bernardo, que tinha entre seus
fregueses o impecável Duque de Caxias. Europa, Ravot e Frères Provenceaux eram
nomes de hotéis onde se servia à francesa, e aonde artistas vindas de Paris recebiam
ricos fazendeiros de café do Estado do Rio. Na loja Passos, cujo café era o mais
saboroso, via-se o Visconde de Mauá e Francisco Sales Torres Homem, já mencionado
no capítulo anterior. O Visconde de Abaeté, boateiro contumaz, por ali passava todos os
dias.74
Por noventa anos, a Rua do Ouvidor foi tida como rua líder da cidade do Rio de
Janeiro. Quando é aberta a Avenida Rio Branco, no começo do século XX, a Rua do
Ouvidor perde a condição de líder e conhece a decadência que pudemos constatar, num
dos momentos da pesquisa, quando visitamos a Biblioteca Nacional e a Academia
Brasileira de Letras, em busca da obra e de informações sobre França Júnior. No que
talvez tenha sido a terrasse de uma das famosas confeitarias citadas, instalava-se
soberano o insípido logotipo de uma rede de fastfood americana... Assim referiu-se
Brasil Gerson à rua líder, citando Coelho Neto ao final do capítulo sobre a Rua do
Ouvidor:
- de madrugada funcionando como uma espécie de esôfago da cidade, a
dar passagem a carroças atulhadas de verduras, frutas e lenhas, e às
vezes até a rebanhos de bovinos que se espantavam, pondo a gente a
correr, a esgueirar-se pelos vãos das portas; das dez às onze servindo
73
74
Brasil GERSON – Op. cit.
Brasil GERSON, Op. Cit., p. 45. Na biografia de S.A. SISSON (op. Cit. pp. 57 a 63) nada
autoriza esta afirmação de Brasil Gerson. O Visconde de Abaeté foi chefe de Gabinete
Conservador (dezembro de 1858 a agosto de 1859).
42
para a digestão dos seus comerciantes vindos de dentro das lojas, bem
almoçados, para as cadeiras postas nas calçadas; e à tarde, das três às
cinco, para a defilée da elegância e do espírito, do vício e da miséria
também, “numa promiscuidade fantástica de roda concêntrica de
lanterna mágica, baralhando-se, confundindo-se”(...).
A França Júnior não poderiam escapar tantos aspectos da vida cultural,
política e social da cidade de seu tempo, contidos num espaço tão diminuto e
privilegiado. Como grande observador da vida social em suas múltiplas manifestações,
escreveu para a Gazeta de Notícias, em 1878, o folhetim “A Rua do Ouvidor”. O texto
tem início com uma alusão aos jardins da Academia de Atenas:
Quem quisesse sondar os arcanos da vida ateniense, naqueles belos
tempos em que Sócrates traçava o caminho da verdadeira luz, e Platão
sonhava o ideal dos governos, nada mais tinha a fazer que subir a
Acrópolis, e internar-se pelas ridentes alamedas dos jardins da
Academia. Era ali (...) que se concentrava todo o movimento da
esplendorosa capital da Ática. Era ali o rendez vous dos poetas,
oradores, guerreiros e artistas, cujos nomes atravessaram os séculos,
registrados pela história em laminas d’ouro.75
Sem pretender os “foros d‟ Atenas para a cidade, onde o autor teve a ventura de
ver a luz”, França Júnior diz que a “vida fluminense está na rua do Ouvidor”. Ao
percorrer o trajeto entre as duas extremidades da rua, “largo de S. Francisco de Paula até
à rua Direita”, os seus leitores teriam “apalpado o pulso do Rio de Janeiro”. Propõe,
então, o folhetinista, que se estude a “nossa capital pela rua do Ouvidor”.
O estudo inicia com a identificação dos tipos que freqüentam uma charutaria,
(onde) “discutem-se questões de praça e diversos pormenores da vida social”. Ali estão
corretores e capitalistas:
São indivíduos de quarenta anos para cima, mais ou menos, já sem
ilusões, na idade em que o abdome começa a arredondar-se, quase todos
celibatários e inimigos irreconciliáveis de reformas. (...) Em política não
75
FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, op. Cit., p. 13.
43
se lhes pode acusar de – vira casaca; - porque opinam sempre, embora
em termos, contra o governo. (...) Os freqüentadores daquele ponto são
homens de vistas práticas, e incapazes de tramar uma revolução ainda
mesmo contra o Jockey-Club, sociedade de que alguns fazem parte.76
O pôr do sol era o momento de encontro dos tais homens de vistas práticas.
Recolhiam-se, ou melhor, como disse o folhetinista, levantavam acampamento, antes do
toque do Aragão:
No período imperial gozou de grande popularidade o intendente
Aragão: Francisco Alberto Teixeira de Aragão. Na qualidade de
intendente de polícia (intendente geral da polícia da Corte e Estado do
Brasil, cargo criado por D. João VI, em 10 de maio de 1808, a quem
competia a governança da cidade; função semelhante a de um prefeito
atual, do ponto de vista administrativo), demonstrou competência e raro
zelo. Melhorou a capital do Império, reprimiu, energicamente, a
mendicidade, a vadiagem e os bandos de negros criminosos que
perambulavam pelas ruas, pilhando, assassinando e pondo,
continuamente, a população em sobressalto, e instituiu, como medida de
ordem, o toque português de colhenza, sinal dado às dez horas da noite
pelo sino grande de São Francisco de Paula – crismado, pelo povo,
como toque do Aragão – e depois do qual não mais era permitido o
trânsito.77
Do outro lado da rua, em frente à charutaria, encontra-se uma loja de papel
freqüentada por funcionários públicos, “empregados da polícia e da câmara municipal”.
A liberdade com que transitavam pela rua do Ouvidor, em pleno horário de trabalho,
assim foi ironizada por França Júnior:
Não se pode precisar a hora em que se reúnem, porque, na qualidade de
empregados públicos, dispondo a bel-prazer do tempo, entram e saem e
saem e entram quando lhes parece.78
Forma-se uma espécie de assembléia, “às vezes presidida por algum vereador”,
que cumpre uma ordem do dia na qual se discute aposentadorias de funcionários,
76
Ibidem, p. 14.
Adolfo Morales de los RIOS FILHO, O Rio de Janeiro Imperial, 2ª edição, Rio de Janeiro :
Topbooks Univercidade Editora, 2000, p. 131.
78
FRANÇA JÚNIOR – Op. Cit. p. 14.
77
44
questões municipais, limpeza pública, abusos comentados pelos jornais e, “sobretudo,
eleições, terreno onde cada um tem uma prosa a contar”. Depois das três da tarde, o
grupo se amplia com um ou outro empregado do Tesouro Imperial, e “discutem
calorosamente reformas a fazer no funcionalismo”.
Caminhando ainda com França Júnior pela rua do Ouvidor, encontramos o Hotel
Ravot, onde se hospedam os fazendeiros “ricos da província”. Símbolo da riqueza
fluminense da segunda metade do século XIX, o café, o Hotel Ravot foi poupado pelo
discreto folhetinista, que talvez não concordasse com o preconceito que já se estabelecia
em relação às artistas de teatro e canto lírico que vinham de Paris para se apresentar na
capital do Império:
O Ravot e o Frères Provenceaux (...) eram (hotéis) de categoria também,
mas de outro feitio, habitados de preferência pelas artistas vindas de
Paris, que a eles atraíam os ricos fazendeiros de café do Estado do Rio,
vários deles barões e marqueses de recente designação (...)79
Em outra loja, mais adiante, a Raunier, encontramos os dandys vestidos com
extravagância, “alvo do mulherio que passa”. Discutem assuntos importantes como o
último baile, a partida de Fulano, o jantar de Sicrano, uma nova cantora que estréia no
Alcazar (teatro lírico). Acompanham a moda, “em todas as suas evoluções e caprichos”.
Passando o ponto dos bonds de Botafogo, atinge-se a marca de quatro esquinas e
uma charutaria (onde se reúnem os estudantes). No entanto, quem por ali passava, era
“visto por todo o Rio de Janeiro”. O movimento da rua acentua-se a partir da uma hora
da tarde, e às três é “quase impossível o trânsito naquela área”.
79
GERSON, Brasil – Op. Cit. p. 45
45
O pandemônio de carroças, tilburis, campainhas, pregões de ambulantes e os
gritos dos jornaleiros anunciando a Gazeta de Notícias (em que eram publicados os
folhetins do autor), Jornal do Comércio, Globo e República, retratado por França Júnior
neste folhetim, é reproduzido nas primeiras cenas de Caiu o Ministério!, peça que será
analisada no capítulo seguinte desta dissertação. Por ora, podemos adiantar que a
descrição feita pelo autor da movimentação de pessoas, do tipo de freqüentador da
famosa rua, resulta de uma arguta observação do cotidiano, pontuada de ironia.
Na Rua do Ouvidor, como veremos na comédia Caiu o Ministério! (1882), o
espaço público torna-se palco da representação da expectativa de uma sociedade que
quer ver seus interesses privados satisfeitos pela definição da situação política. Os
boatos circulam pelas lojas, charutarias e confeitarias. A imprensa alimenta a
curiosidade dos freqüentadores da rua pelos acontecimentos políticos e as conversas,
nas esquinas e nas mesas das sorveterias, giram em torno da sucessão de gabinetes
(ministérios): a cada manchete estampada nos diversos jornais que anunciam a queda do
ministério anterior e as especulações sobre a composição do novo, pretendentes a cargos
e empregos públicos, privilégios para obras e casamentos de conveniência sondam
possibilidades, fazem planos para o futuro. Os interesses públicos e privados, a vida
pública e a vida íntima surgem imbricados, indistintos, dependendo da definição e do
rumo dos acontecimentos políticos. É também com certo moralismo zeloso dos bons
costumes que França Júnior lança a seguinte observação: “As pragas que os pais de
família rogam contra a rua do Ouvidor têm por causa aquela zona”.80
80
FRANÇA JÚNIOR, op. cit. p. 16.
46
Na loja de Mme. Lambert, localizada um pouco antes da perigosa “zona”,
entramos no “domínio do belo sexo, isto é, onde ele reina, governa e administra”. Ali,
fica-se sabendo sobre os últimos bailes, sobre os divertimentos do Rio de Janeiro e a
qualidade das companhias líricas que se apresentam.
Um local de grande movimento se avizinha: a Confeitaria do Castelões. Ali,
reúnem-se literatos, jornalistas, poetas, romancistas, músicos, deputados, “que
comentam os acontecimentos do dia, entre um homérico queijo suiço e latas de doce. É
ali onde se armam os cavaleiros das letras, política e artes. É a imprensa no meio da rua;
o cérebro do Rio de Janeiro”. Articulações políticas, quedas de ministérios e boatos são
semeados com “a mesma facilidade com que uma mãe-benta se desmancha na boca dos
freguezes”. Quem sabe se pelo Castelões, também citado em Caiu o Ministério!, não
passava (antes ou após o café na loja Passos) o Visconde de Abaeté?
Seguem-se lojas onde se reúnem médicos, engenheiros e professores
aposentados (Albernaz & Fronteiro, alfaiataria), a loja do Bernardo (onde eram
encontrados os melhores charutos de Havana), freqüentada por vários “pretendentes a
juizados de direito, funcionários reformados, oficiais generais, desembargadores e gente
provecta das duas câmaras”. Na ourivesaria do Souza, iam expor-se “os médicos
elegantes, recém chegados da Europa”.
No armarinho do Godinho, chegamos “à estação geral das famílias
econômicas”, vindas de bairros mais afastados do centro da cidade ou de suas
adjacências. As filhas dessas famílias compravam ali tecidos e aviamentos para seus
47
vestidos de festa81. O folhetinista não lhes perdoa a origem social e o gosto duvidoso
para formas e cores dos “vestidos encarnados, amarelos, verdes e azuis com enfeites os
mais extravagantes, e que davam à nossa cidade um aspecto carnavalesco”. Reproduz
no folhetim o diálogo entre duas dessas moças:
- Como pretende fazer a sua polonaise? Pergunta uma.
- Não sei ainda. Estou indecisa.
- Por que não pede o molde da Luizinha?
Em outro balcão conversam duas mocinhas gordinhas:
- Que pagode, hein, Lulú?
- E si você visse a cara com que ficou o sujeito...
- Ah! Ah! Nós quando nos ajuntemos, pintemos.
Na parte final do folhetim, não havendo nada “mais digno de menção” para seu
ligeiro estudo, ainda fala o folhetinista da confeitaria do Guimarães, onde “se reúnem
apenas alguns comedores de empadas, e um ou outro deputado inofensivo, que ali vai
tomar sorvetes em horas de sessão”. Como se vê, a atividade parlamentar não era já
muito prestigiada pelos nobres deputados.
A intuição e a observação do cotidiano pelo folhetinista, construindo o que
poderíamos chamar de “protosociologia”, através de seus devaneios sociológicos,
mesmo sem superar o senso comum, pode ser entrevista na conclusão de seu texto:
Quem quiser saber dos hábitos, gostos, tendências, profissão, política e
até da idade de qualquer indivíduo, consulte a loja que ele freqüenta na
rua do Ouvidor. Em vista do que fica exposto não há a menor dúvida de
que o Rio de Janeiro em peso está naquela rua.82
Na série de folhetins “Ecos Fluminenses” publicada no jornal O Paiz, de 1885
em diante, tratou França Júnior de diversos assuntos relativos aos hábitos urbanos,
desde conversas e comportamentos presenciados nos bondes à implacável
81
É nesse armarinho que as personagens Dona Bárbara e a filha Mariquinhas, da comédia
Caiu o Ministério! (1882), fazem suas compras.
82
FRANÇA JÚNIOR – Op. cit. pp. 13 a 19.
48
ridicularização dos indivíduos que cometiam deslizes gramaticais, como este
presenciado num baile:
- V. Ex. dança esta quadrilha?
- Se meu pai querer...
O elegante, contendo o riso, inclina-se respeitosamente, e... retira-se.
Daí a cinco minutos volta com a seguinte mensagem:
- Minha senhora, seu pai quereu.
- Então, estou às suas ordens.83
Em pouco tempo, a indigitada donzela era coberta de ridículo, primeiro pelos
freqüentadores do baile, pois o “desastrado condicional – se meu pai querer – passava
de boca em boca com uma longa cauda de gargalhadas”. À meia noite, todos os
presentes ao salão apontavam a pobre moça. No dia seguinte, duplicava-se o número
dos que já sabiam do fato. E França Júnior aponta como se dava tal milagre da
duplicação: “O processo é simples: basta ir à rua do Ouvidor, entrar numa confeitaria e
contar o caso”.84
Para mostrar como os fluminenses de nomeada fugiam do abrasador verão do
Rio de Janeiro, França Júnior nos dá, no folhetim “Friburgo e Petrópolis”85, outro
exemplo de sua técnica de analista social amador, sempre no estilo humorístico que o
distinguia, não poupando nem a sua classe de folhetinista:
Friburgo e Petrópolis são os dois poéticos refúgios dos fluminenses na
estação ardente das cigarras e ventarolas. Despovoa-se o Rio de
Janeiro. A rua do Ouvidor fica de crista caída durante três meses;
dissolvem-se os clubs do Castelões, do Bernardo e da charutaria do
Caetano; os namorados desertam dos pontos dos bonds, os vendedores
de bilhetes de loteria andam às moscas, fecham-se os pianos, os
folhetinistas perdem o espírito e a vida luxuosa da corte e vão-se
concentrar mil metros acima do nível do mar, onde se reclinam a
elegante cidade imperial e a singela vila de origem suiça. Não há
burguês com dinheiro, nem aristocrata, embora sem metal sonante, que
não procure nessa época um pretexto para ir ao campo. Este tem uma
83
Idem – folhetim “O ridículo”, p. 625.
FRANÇA JÚNIOR – op. cit. p.626
85
FRANÇA JÚNIOR – op. cit. pp.193 a 202.
84
49
filha que sofre de ataques histéricos. Aquele uma sobrinha, cujo pulmão
ameaça ruína. Este outro é achado de erisipelas. Um tem medo da febre
amarela. Outro... No fim de contas não se vai para o campo por isto ou
aquilo, mas quase sempre por moda .(...)86
As diferenças entre as cidades são apontadas por França Júnior, como “pontos de
contato e traços salientes de separação”. Se para Petrópolis, deslocavam-se a família
imperial e a corte, quase sempre por moda, para desespero das donzelas à procura de um
bom partido, ou de assuntos para suas intermináveis conversas, a maior parte dos que
iam a Friburgo o fazia por recomendação médica. A água das duas cidades possui “a
virtude dos grandes remédios americanos; - cura todas as moléstias, desde a prosaica
espinhela caída até a poética neurose, originária por amores infelizes”. Médicos a
indicavam, como ainda indicam, para males do fígado, estômago etc. Um médico, em
particular, é citado por França Júnior, mais por ironia do que pela competência: Sales
Torres Homem, mencionado no capítulo anterior. Como dissemos, os folhetinistas não
pouparam sua atitude de vira-casaca, passando de liberal radical que atacava até o
Imperador a ministro de um gabinete conservador e Visconde de Inhomirim, título
recebido do mesmo Imperador. França Júnior alista-se entre os conservadores que
repudiavam o adesista e, nos diálogos que escreveu neste folhetim, abaixo reproduzidos,
atira ao político (e médico) farpas certeiras:
86
Ibidem – p. 193.
50
-
-
-
Para onde pretende ir este ano, Dª Chiquinha?
Para Petrópolis. Aquilo deve estar explendido!
Que pena eu tenho de não ir também.
E porque não vai?
O Torres Homem disse a papai que era melhor ir para Friburgo.
Eu já mandei fazer seis vestidos na Lambert, e estou à espera de três
chapéus que devem vir da Europa. Os nossos carros já foram.
Quando sair à rua, hei-de por poeira naquilo tudo.
Você é quem pode.
No Hotel Bragança (em Petrópolis) já não há lugares. O Hotel
Inglês está cheio, as casas andam por favor.
Maldito Torres Homem!
Olhe, já lá está a família do Siqueira; ontem embarcou o Geraldo
com as filhas...
Para onde vai o Geraldo?!
Para um chalé na rua do Imperador.
Diacho do Torres Homem!87
As comparações denotam a postura crítica em relação à administração local e à
vida social, e a preferência do folhetinista por uma ou outra cidade. Assim, se em
Petrópolis os chalés e as casas de campo são construídas
...a sorrirem entre as flores, Friburgo detesta os jardins, erguendo suas
casas à beira da estrada, com o aspecto grave e carrancudo das
habitações urbanas, e consente que o capim cresça em suas ruas, dignas
de melhor sorte. (...) Petrópolis teve um teatro, que hoje é – venda.
Friburgo teve uma venda, que hoje é teatro. Petrópolis, além da
iluminação, tem a seu serviço legiões de pirilampos, que à noite cintilam
como diamantes sobre os tapetes de grama, que bordam a margem de
seus canais. Friburgo não tem iluminação nem pirilampos. (...)
Petrópolis dança aos sábados no hotel Bragança (....). Friburgo não
dança: engorda.88
87
88
FRANÇA JÚNIOR – Op. cit. pp. 196 e 197.
ibidem, p. 201.
51
COSTUMES
O mesmo França Júnior que chega ao lirismo em seus folhetins mais amenos, ao
falar de crianças, sem perder a verve que constata, que os “anjinhos do céu”, após
alguns minutos de convivência, “são mais espirituosos e malignos que todos os diabos
da terra”, é o folhetinista bucólico que censura os “brasileiros degenerados” que na
Corte cantam ao piano árias de Rossini e Verdi, recomendando irem “à Bahia”
perguntar “ao capadócio” (espécie de trovador enamorado) “como se canta”.
Antecipando a paixão musical de um Mário de Andrade, cita lundús, cateretês e
sambas.89
O campo, na época nomeado como a roça, tem aparentemente, para França
Júnior “encantos intraduzíveis”. Simulando ter recebido uma carta de um “amigo
íntimo”, publicada no folhetim “A Roça”, o autor apresenta prós e contras a respeito da
vida na natureza, pelas mãos do pretenso missivista. Viver numa choupana no “meio da
mata virgem, rodeada de flores silvestres, (...) felizes eu e ela”, respirando “ar puro,
puríssimo, tão puro que se o Rio de Janeiro pudesse recebe-lo encaixotado, fechar-seiam logo todos os consultórios médicos”. Não transpirar, ter o fígado em perfeito
funcionamento, dormir “como um justo” e ter o bom humor correndo “parelhas com o
de um recém casado sem sogra no período da lua de mel”. Todas estas vantagens da
roça, no entanto, perdem para a vida da corte pelo predomínio dos hábitos urbanos e o
choque que representa para o “amigo íntimo” a falta do pão entregue duas vezes por dia
pelo padeiro, o horror a ter apenas a carne de porco e, graças à proverbial preguiça da
89
Idem, folhetins “Crianças” (pp. 83 a 91) e “O cantor de serenatas” (pp. 203 a 208).
52
gente da roça (antecipando o Jeca Tatú de Monteiro Lobato...), ter apenas como legume
o chuchu para comer:
(...)Estou farto de lombo de porco, de costeletas de porco, de orelhas de
porco, de cabeça de porco... Não podes imaginar que porcaria! Sabes
que nunca em minha vida fiz versos. Pois bem, ontem dediquei um
soneto ao bife. Chamei-o – maná do deserto, único consolo da vida, sol
da existência. (...) No que diz respeito a legumes. Acreditas sem duvida
que devo ter tomado um fartão deles. Enganas-te, meu amigo. Esta gente
daqui boceja, dorme, e nas horas vagas toca viola. Não lhe sobra tempo
para plantar. No que diz respeito, pois, a legumes, estou reduzido ao
chuchu.90
Após reclamar que seu espírito “começa a enferrujar” pela falta de opções de
leitura, pois o livro “mais interessante que por acaso caiu-me nas mãos foi uma folhinha
de 1871”, o missivista fictício relata um pedido feito a um vizinho, para que lhe
emprestasse algum romance “digno de ler-se”, recebendo então dois volumes de um
dicionário antigo, “romance” apresentado pelo vizinho como maçante que ele lia
quando não tinha o que fazê... Concluindo a “carta”, assim podemos ver o predomínio
da cidade sobre o campo (a roça...) na crítica do cosmopolita França Júnior:
(...)A despeito de tudo, engordo e passo admiravelmente bem. Prefiro,
porém, a Corte. Tenho saudades do pão, do bife, dos camarões
recheados do Pascoal, das boas prosas à porta do Castelões, do jardim
do Teatro Santana, dos bailes dos Clubs de Regatas e das Laranjeiras,
etc., etc. Não nasci para respirar estupidamente ar puro e engordar sob
o regime da farinha de mandioca, da carne de porco e do chuchu. O meu
elemento é o Rio de Janeiro.91
No folhetim “Maçantes”, França Júnior ataca uma classe especial de homens, os
maçantes, também conhecidos, então, como amoladores, sequistas (termo ainda
90
91
FRANÇA JÚNIOR, op. Cit. p. 609.
Ibidem, p. 610.
53
encontrado nos dicionários atuais) ou músicos do futuro, apelido dado pelos que, na
época, detestavam a música de Richard Wagner. Reclama o advogado, pela pena do
folhetinista França Júnior, contra a inexistência, no código criminal, de artigos que
qualifiquem como crime os atos praticados “por semelhantes homens”. Qualquer ínfimo
atentado contra a propriedade é levado “aos tribunais com grande aparato”. No entanto,
o Juiz...
...por mais reto e severo que seja, cruzará os braços se alguém for dizerlhe: Senhor: há um homem que envenena-me a existência dia por dia,
hora por hora, minuto por minuto e contra o qual já não sei o que devo
fazer. Esse malvado tem a mania de escrever péssimos artigos políticos
para os jornais, e está sempre a falar contra o governo. Eu sou o seu –
auditório, - e qualquer lugar, onde nos encontramos, transforma-se logo
em tribuna!(...)92
Cria França Júnior, para classificar os tipos de maçantes (chatos, na gíria atual),
dez tipos de categorias: 1) os que contam histórias “a propósito de tudo”, e na narrativa
de um “caso, esquecem sempre os nomes dos personagens que nele figuram”; 2) os
retóricos, “que escolhem termos quando falam, e que gostam de se ouvir”. São
indivíduos que “não conversam, discutem.”; 3) os que falam e não deixam os outros
falarem, verdadeiros “déspotas da palavra”; 4) maçantes que não falam: os mais
perigosos, pois limitam-se a ouvir o que dizem os demais participantes de uma conversa
e, quando ela parece extinguir-se, fazem de tudo para que ela continue, inclusive falar
algo como: “-- É o que lhe digo. O senhor é quem pode. Este mundo é uma bóia. A vida
é para o senhor. O que há de novo? O que se diz por aí? Isto vai mal, etc, etc.”; 5) o
maçante lírico, “que adora em excesso a música”, e procura por todos os meios levar a
conversa para o canto lírico, as novidades na área etc.; 6) os maçantes que não gostam
de música, e “no entretanto obrigam as filhas a cantar e a tocar, para ... obsequiar as
visitas”; 7) os que “se julgam atacados de todas as moléstias”; 8) maçantes valentões,
92
Ibidem, p. 22.
54
que implicam e ameaçam brigar por qualquer motivo, mas não passam das ameaças; 9)
as solteironas, que o folhetinista, irônico, apenas menciona, sem defini-las... e, por
último, os que “consomem o tempo a indagar da vida alheia, que perguntam aos
conhecidos e desconhecidos: Onde compraste esta corrente? Estás empregado? Quanto
ganhas? O que faz tua mulher todo o dia à janela? O que jantaste hoje? etc, etc”.
Com sarcasmo, França Júnior relata a criação, “há cinco ou seis anos (...) no Rio
de Janeiro”, de uma sociedade a que chamou “Resgate dos Cativos, com o fim
altamente filantrópico de livrar os sócios das garras dos maçantes”. Chega a descrever
como se realiza o resgate: o indivíduo incomodado por um dos vários tipos de maçantes
coloca a mão no peito. Um membro da sociedade que esteja passando pelo local ou
presencie a cena aproxima-se, “afetando sofreguidão”, e diz que estava procurando a
vítima do maçante “há mais de duas horas”, que (a vítima) era esperado por outras
pessoas para tratar de um negócio imaginário. O membro da sociedade pede licença ao
maçante, leva o “resgatado” pelo braço, e “vão à primeira confeitaria tomar um refresco,
ou à próxima esquina, onde cada um segue seu rumo”.
Como acontecem aos bons escritores satíricos, e bem humorados, nosso
folhetinista não poupa nem sua classe, ao final do folhetim:
(...) Mas agora reparo que tenho diante de mim vinte e três tiras de
papel escritas! Em que categoria estarei classificado? Na décima
primeira, de que não falei: - a dos escritores insípidos, que têm a mania
de escrever folhetins. E antes que o leitor faça o sinal de socorro, ponto
final.93
93
FRANÇA JÚNIOR – op. cit. pp. 21 a 30.
55
POLÍTICA
O arcabouço institucional do regime monárquico estava expresso na
Constituição de 1824, que vigorou até o final do Império (1889) com pequenas
modificações. O sistema político era monárquico, hereditário e constitucional. Havia
uma nobreza, mas não uma aristocracia: os títulos concedidos pelo Imperador não eram
hereditários, não havendo, assim, uma aristocracia de sangue no Brasil. A religião
católica era a oficial, permitido o culto particular de outras religiões. Escravos e
mulheres não possuíam direitos políticos, sendo que os escravos estavam excluídos dos
demais dispositivos constitucionais. Uma curiosidade: até 1882 admitia-se o voto de
analfabetos, nas condições censitárias abaixo discriminadas. Formalmente, a
Constituição de 1824 organizava os poderes constituídos, definia atribuições,
assegurava os direitos individuais, a igualdade perante a lei, a liberdade de pensamento
e de manifestação. Estruturalmente uma sociedade de tradição autoritária, entretanto, no
Brasil a aplicação de tais direitos era (como é) relativa, pois a população livre das áreas
urbanas, a chamada elite letrada dependia dos grandes proprietários rurais.
No parlamentarismo monárquico que funcionou no Segundo Reinado, durante
quase cinqüenta anos, em regime bicameral, era escolhido, por voto indireto e censitário
(votavam os cidadãos brasileiros que possuíam renda anual de pelo menos cem mil réis,
os votantes), em eleições primárias, um corpo eleitoral (composto de brasileiros que
possuíssem renda de duzentos mil réis anuais e não fossem libertos, os eleitores). Esse
corpo eleitoral elegia os deputados (compunham a Câmara), que além das exigências
feitas aos eleitores e aos votantes, deveriam possuir renda anual de quatrocentos mil réis
e professar a religião católica. Pelo mesmo processo eram eleitos os Senadores. A
diferença substancial entre as duas casas legislativas estava no fato de que a eleição para
56
a Câmara era temporária e, para o Senado, vitalícia. Para o Senado, cada província
elegia, pelo sistema eleitoral em que o poder econômico decidia explicitamente o
resultado das eleições, uma lista tríplice que era encaminhada ao Imperador, para a
escolha de um dos três indicados. Na prática, o Senado vitalício era a caixa de
ressonância, no Poder Legislativo, da vontade interventora do Rei (detentor também do
Poder Moderador – instituição inspirada nas idéias de Benjamin Constant, escritor
francês que previa a separação entre o Poder Executivo, a ser exercido pelos ministros
do Rei e o poder propriamente Imperial, neutro ou moderador; no Brasil, tais idéias não
foram seguidas à risca...):
(...) Uma das maneiras de intervir, que lhe era outorgada pela
constituição, era no momento da escolha de um nome, dos apresentados
em lista tríplice, para a renovação do Senado. D. Pedro II procedia,
assim, ao preenchimento das vagas que a mortalidade abria e tirava os
seus favoritos, presenteando-os com um cargo vitalício, seguro, cômodo,
onde deviam corrigir qualquer excesso da gente mais moça, que na
Câmara eletiva não podia ter a mesma unidade de vistas, desde que,
para a sua constituição, concorriam elementos bem heterogêneos. (...)94
Havia, ainda, a figura institucional do Conselho de Estado, cujos conselheiros
vitalícios, nomeados pelo Imperador dentre os brasileiros com idade mínima de
quarenta anos (então considerada uma idade avançada para a época), renda não inferior
a oitocentos mil réis anuais, que fossem pessoas de saber, capacidade e virtude. Tal
Conselho era ouvido em momentos de crise e de tomadas de decisões importantes, pelo
Imperador, como declarações de guerra, negociações diplomáticas, ajustes de
pagamento etc. Ou seja, nos momentos em que o “Imperador se propusesse exercer
atribuições próprias do Poder Moderador”.95
94
Nelson Werneck SODRÉ, “A sucessão dos gabinetes”, in: Panorama do Segundo Império,
São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre : Companhia Editora Nacional, 1939,
Brasiliana (Biblioteca Pedagógica Brasileira), série 5ª, vol. 170, p. 91.
95
Boris FAUSTO, “O Brasil Monárquico (1822-1889)”, in: História Concisa do Brasil, São Paulo,
Imprensa Oficial/Edusp, 2001, p. 81.
57
A aparente estabilidade do Império, principalmente no Segundo Reinado, além
de ser desmentida por diversos momentos de crise institucional originada por sucessivas
quedas de gabinetes ministeriais (foram trinta e quatro os gabinetes ministeriais no
período de 1840 a 1889), eleições decididas pela força do poder local e falta de
caracterizações política e ideológica claras dos partidos políticos (Conservador e
Liberal), era prejudicada pela excessiva centralização administrativa, que ditava
remodelações gerais na máquina governamental a cada mudança de partido no poder.
Se algo houve de estável e vivo politicamente, esse algo foi o exercício do poder
imperial, aparentemente ausente:
(...) Na paisagem política do tempo, debilitados os partidos, restava a
intervenção do Imperador, o poder pessoal, exercido com habilidade, de
forma a parecer ausente. Porque, se os partidos bem estruturados
representam elemento indispensável ao funcionamento do regime
parlamentar, outro elemento essencial está na autenticidade da
representação eleitoral. E as eleições, no Império, não passavam de
farsas. (...)96
Sobre a composição social e a ambigüidade e inconsistência das posições
políticas e ideológicas dos partidos imperiais (Liberal, cujos militantes eram apelidados
de luzias – numa referência à Vila Santa Luzia, em Minas Gerais, onde os liberais
sofreram sua maior derrota, na Revolução de 1842; Conservador, cujos membros eram
chamados de saquaremas, com referência ao município fluminense de Saquarema, onde
os principais chefes do partido possuíam terras e notoriamente exerciam desmandos
eleitorais), principalmente durante o segundo reinado do Império, assim se manifestou
José Murilo de Carvalho:
96
Nelson Werneck SODRÉ, “Retrato do Império - O parlamentarismo fraudulento”, in: A
República (uma revisão histórica), Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1989, p. 20.
58
As ambigüidades de liberais e conservadores refletiam-se no
comportamento dos dois partidos. O Partido Liberal compunha-se de um
setor urbano, formado sobretudo de profissionais liberais, e de um setor
rural centrado na agricultura de mercado interno. O setor urbano
entendia liberalismo como defesa das liberdades públicas, o setor rural
o via como defesa dos interesses oligárquicos. A divisão paralisava o
partido: as reformas propostas pelo setor urbano eram sabotadas pelo
setor rural. Algo semelhante se dava no Partido Conservador, cuja
composição social incluía, grosso modo, um setor burocrático e um
setor ligado à agricultura de exportação. As tentativas de reforma que
levassem à redução do poder dos grandes proprietários, como as
referentes à abolição da escravidão, eram vetadas pelo setor rural do
partido. Por ser mais disciplinado, o Partido Conservador foi mais
eficaz em implementar reformas, sobretudo às referentes à abolição da
escravidão. Mas, ao fazê-lo, dividia-se internamente e se enfraquecia.
Liberais importantes e conservadores divididos acabavam contribuindo
para e erosão da legitimidade do sistema como um todo.97
Se, no plano da política externa, as atenções estavam voltadas para a Questão
Christie (1861-1865), o conflito com o Uruguai (1864-1865) e, principalmente, a Guerra
do Paraguai (1864-1870), no plano da política interna, a predominância de cinco a seis
anos de hegemonia liberal na Câmara e nos Ministérios imperiais exasperava o Partido
Conservador. Caxias (Luis Alves de Lima e Silva, político conservador que presidira o
gabinete de seu partido entre março de 1861 e maio de 1862, militar e aristocrata), havia
sido nomeado, em outubro de 1866 - por pressão dos oposicionistas do Partido
Conservador, que culpava os Liberais pelas incertezas da Guerra, para comandar as
tropas brasileiras no Paraguai, pelo gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos.
O acirramento da Guerra reflete-se na política interna, pois a proximidade de
uma vitória de Caxias no front poderia trazer prejuízos políticos para a situação política
(Liberal) e, mesmo entre os membros da oposição (Partido Conservador), é causa de
receios o aumento do prestígio de um militar como Caxias e o que ele representava
97
José Murilo de CARVALHO, “Federalismo e centralização no Império brasileiro: história e
argumento”, in: Pontos e bordados: escritos de história e política, Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1998, pp. 155 a 188 (especialmente pp. 180 e 181).
59
frente à oficialidade e às tropas, principalmente do Exército, que combatiam em
situação de extremas dificuldades materiais.
Zacarias Góes de Vasconcelos, apresentado por uns como um orgulhoso,
autoritário, intransigente e inacessível, vivendo apenas para seu partido, alimentando
ressentimentos com velhos desafetos (Torres Homem, entre eles), e, por outros, como
estadista comparável ao Imperador D. Pedro II98, ao longo da crise que se desenrola e
chega ao ápice no ano de 1868, procura submeter Caxias à sua vontade.
Temperamentais, nenhum dos dois cede em suas posições. O conflito se estabelece,
atiçado pela pena dos folhetinistas e articulistas dos jornais da oposição conservadora,
José de Alencar e França Júnior (Correio Mercantil) e Ferreira Viana (Diário do Rio) 99.
A questão do impasse entre o chefe militar e o chefe político de seu governo chega ao
Imperador, que consulta o Conselho de Estado. Resolve optar pelo mal menor: em
julho, cai o ministério Zacarias e sobem ao poder os conservadores. O 16 de julho de
1868 marca o fim da hegemonia liberal e dá início a um período de dez anos de
Gabinetes Conservadores.
Falando de política e costumes nessa conjuntura, nos folhetins publicados no
jornal Correio Mercantil, dos quais Raimundo Magalhães Júnior nos apresenta 45 deles
(29 de abril de 1867 a 26 de julho de 1868)100, França Júnior revela, além de sua face de
analista social, o caráter conservador do comentarista político que desenvolve intensa
98
ver Raimundo de MENESES - “O Escritor-Ministro”, in: José de Alencar: literato e político, 2ª
edição., Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos, 1977, pp. 225 a 231; ver, também,
Pandiá CALÓGERA - Formação Histórica do Brasil, 2ª edição, São Paulo : Companhia Editora
Nacional, Brasiliana, Biblioteca Pedagógica Brasileira, Série V, Vol. XLII, 1935, p. 297.
99
ver Raimundo de MENESES, op. cit., p. 225.
100
FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização,
introdução e notas de Raimundo Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia : Editora
Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira), Volume 6, 1957.
60
campanha pela volta do Partido Conservador ao poder, depois de quase 6 anos de
hegemonia liberal nos Gabinetes do Império (1862 a 1868).
O Correio Mercantil (jornal de idéias liberais no período de 1853 a 1865,
quando foi dirigido por Francisco Otaviano) já tinha, no passado, publicado os folhetins
de José de Alencar (03 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855), que levavam a
epígrafe Ao Correr da Pena. Manuel Antônio de Macedo publicara, na seção Pacotilha,
no período de 1852 a 1853, o seu Memórias de um Sargento de Milícias e Machado de
Assis trabalhara no jornal, no período de 1858 a 1860, como revisor. Francisco
Otaviano, jornalista e deputado, casara-se em 1854 com Eponina Barreto, graciosa filha
do proprietário do jornal e na residência do casal, na rua Evaristo da Veiga (São
Cristóvão), saraus e serões eram freqüentados por José de Alencar, Joaquim Manoel de
Macedo, Tavares Bastos, Machado de Assis, Bernardo Guimarães, Joaquim Nabuco,
Joaquim Serra, José Bonifácio e França Júnior, entre outros.101
Escrevendo no período mais acirrado da Guerra do Paraguai (1864-1870), nos
dois anos (1867-1868) em que atacou o 3º Gabinete Liberal de Zacarias Góes de
Vasconcelos (que durou de 1866 a 1868; os dois primeiros duraram uma semana, de 24
a 31 de maio de 1862 e sete meses, de 15 de janeiro a 31 de agosto de 1864), França
Júnior usou de metáforas, nomeação direta de seus adversários, comparações, anedotas
e ditos espirituosos para ridicularizar a situação liberal de várias maneiras. A crítica ou
comentário político eram recheados de tiradas filosóficas, máximas literárias, alusões às
campanhas de Napoleão na Europa do início do século XIX, citações em latim,
mencionando várias vezes o autor Alphonse Karr como sua principal inspiração
101
Raimundo de MENESES - Op. cit., pp. 67 a 83.
61
satírica102. O alvo predileto e quase exclusivo de seus folhetins era o Ministério
(Gabinete) e os políticos da situação liberal.
Chama atenção, também, a utilização do pseudônimo Osiris com que assinava os
folhetins dessa época. Uma forma de preservar a figura pública do autor, bacharel e
magistrado - que seria afetada por sua produção de páginas de amenidades nos jornais,
disfarçando-se sob a máscara do deus egípcio; uma maneira de dar liberdade ao escritor
para atacar os adversários liberais, ou um simples expediente para valorizar seu texto?
Qualquer destas possibilidades podia ser verdadeira. Era comum escrever-se sob
pseudônimos ou apenas por iniciais:
(...) O que quebrava a austeridade das graves folhas do Império eram as
amenidades que todas elas queriam oferecer aos leitores: folhetins que
eram escritos por um José de Alencar ou traduzidos por um Machado de
Assis; poesias dos grandes vates da época, divulgadas em primeira mão,
e os artiguetes, crônicas, comentários jocosos ou satíricos, apresentados
todos os dias sob os mais extravagantes pseudônimos. (...) Era o
pandemônio dos pseudônimos, sob os quais se perdeu muita coisa que
hoje é impossível atribuir aos verdadeiros donos. Quem não os usava,
então? Dava o pseudônimo – característico dessa fase da imprensa
brasileira como de nenhuma outra – não irresponsabilidade, mas
desembaraço de comentário e o direito de ser frívolo, superficial,
ligeiro, sem comprometer um nome já feito nas letras, na política ou
noutras atividades. 103
Torres Homem foi “Timandro”. Justiniano José da Rocha, o primeiro crítico
teatral brasileiro, jornalista político a serviço do Partido Conservador, publicou A
102
Outra influência literária sobre França Júnior, citada por R. Magalhães Júnior (FRANÇA
JÚNIOR – op. Cit., 1957, p. XIII), e que nos causou surpresa, tratando-se de um escritor
conservador, como França Júnior, foi a de Henrich Heine, que era considerado por Karl Marx
seu escritor preferido. Pelo estilo, satírico, e pela ironia mordaz, no entanto, compreendemos
tal influência, pelo menos no campo literário... Ver o prefácio de Marcelo Backes para a edição
do fragmento (ou novela) Das Memórias do Senhor de Schnabelewopski, de Henrich Heine,
São Paulo : Boitempo Editorial, maio de 2001, pp. 7 a 15.
103
MAGALHÃES JÚNIOR, R. – Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo: LISA (Livros
Irradiantes S. A. – ), 1971, p. 20.
62
política brasileira na República Oriental do Uruguai, assinando apenas “Um
Brasileiro”104.
Joaquim Serra, que como poucos e de maneira quase surrealista se encaixa na
categoria dos escritores que faziam tudo105, dirigia o jornal A Reforma. Poeta, jornalista
e precursor do Teatro de Revista no Brasil, usou, em seu próprio jornal, ironicamente, o
pseudônimo de “Ignotus”.
(...) Pretendendo-se fazer ler por partidários de todas as facções então
existentes, o Diário de Notícias tomara a liberdade de franquear uma
coluna a cada um dos três partidos do Império: - o Conservador, o
Liberal e o Republicano. Às vezes, sucedia que apenas duas das facções
enviavam o artigo, mas como o Diário de Notícias não queria se
apresentar aos leitores numa situação de desprestígio, desdenhado por
um dos partidos, cabia a Joaquim Serra, chamado às pressas do
Londres, do Café da Imprensa ou do Café do Cascata, assumir o matiz do
grupo faltoso, defendendo, intrigando, atacando, espalhando malícia e
provocando revide dos outros. Não raro, porém, faltavam os três
artigos; e Joaquim Serra, com o mesmo ardor, escrevia os três, liberal
numa coluna, conservador na outra e republicano na terceira!(...) 106
Artur Azevedo foi “Dopante”, personagem de Molière no jornal Diário do Rio
de Janeiro, “Elóy, o herói”, no Diário de Notícias; “Gavroche”, “Frivolino”, “Cósimo”,
“Cratchit”, “Petrônio”, “X.Y.Z.” e “Juvenal”, no jornal O País. Machado de Assis foi
“Dr. Semana”, “João das Regras”, “Lélio”, “Malvólio”, “Eleazar” ou “Job”. Joaquim
Nabuco, autor do clássico Um Estadista do Império, foi “Garrison” e “Freischütz” e
José do Patrocínio, político e jornalista combativo, paladino da Abolição, foi “Justino
104
MAGALHÃES JÚNIOR, R. – Três Panfletários do Segundo Reinado, São Paulo :
Companhia Editora Nacional, Série 5ª - Brasiliana – Vol. 286, Biblioteca Pedagógica Brasileira,
1956 p. 143; sobre a atividade de crítico teatral de Justiniano José da Rocha, ver, também
Décio de Almeida PRADO – O Advento do Romantismo, in: Teatro de Anchieta a Alencar, São
Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1993, pp. 121 a 140, e João Roberto de FARIA – O
Romantismo, Ensaios sobre a Tragédia e Excertos Críticos, in: Idéias teatrais: o século XIX no
Brasil, São Paulo : Ed. Perspectiva / FAPESP, 2001, coleção Textos : 15, pp. 20 a 30, 268 a
316 e 317 a 323.
105
Ver Nelson Werneck SODRÉ, História da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1999, p. 212.
106
R. MAGALHÃES JÚNIOR - Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo : LISA (Livros
Irradiantes S. A.), 1971, p. 16.
63
Monteiro” em A Notícia e “Proudhome” na Gazeta de Notícias.107 E até D. Pedro II,
polemizando com José de Alencar - “Ig”, para defender Gonçalves de Magalhães dos
ataques que o escritor proferiu contra o poema A Confederação dos Tamoios, foi aos
jornais como Outro Amigo do Poeta, em 1856108. Não por acaso, durante a ditadura
militar (1964 a 1985), no período mais agudo de censura aos jornais e meios de
comunicação, alguns jornalistas e escritores também escreveram sob pseudônimos e até
cantores (como Chico Buarque) gravaram músicas sob nomes fictícios. Foi nesse
período, também, que um jornal de São Paulo publicou um suplemento chamado
“Folhetim”.
França Júnior – Osiris revela-se, nos folhetins do período acima citado, um
crítico contundente e, por vezes, até violento. No que a violência pode se manifestar em
forma de sátira. Ou seja, as armas das metáforas, da ambigüidade, das anedotas e do
sarcasmo foram postas em uso, no combate político intelectual.
No folhetim de 26 de maio de 1867, França Júnior utiliza a pintura como
metáfora para sua crítica ao Gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos. Após
descrever o quadro A miséria de uma família, do pintor Rafael, o folhetinista afia sua
arma (o lápis...) e ataca:
(...)Aparei o lápis e resolvi esboçar, não o quadro da miséria de uma família,
mas o croquis da desgraça de um povo. Tracei no primeiro plano sete figuras
sinistras (alusão ao Gabinete Ministerial, composto de 7 pastas ministeriais) e
comecei a obra. Em uma pintei a vaidade ataviada de galas, abrangendo o vasto
horizonte com um olhar pretencioso de águia. Em outra a barriga dominando a
cabeça. Pintei no mesmo plano a niilidade agaloada. E em cada uma das outras
107
R. MAGALHÃES JÚNIOR - Artur Azevedo e sua época, 4ª edição, São Paulo : LISA (Livros
Irradiantes S. A. – ), 1971, p. 20.
108
Ver Raimundo de MENEZES – “Primeira Rusga com o Imperador”, in: José de Alencar:
literato e político, 2ª edição, Rio de Janeiro – São Paulo: Livros Científicos e Técnicos, 1977,
p. 91
64
figuras fui entornando um mundo de paixões desencontradas. Mais algumas
pinceladas e o quadro estava completo. Ai de mim! A minha pobre palheta
esbarrou diante do primeiro personagem do plano! Fazer ressaltar de um rosto
imberbe milhares de pequenos sentimentos; dar-lhe um riso de amabilidade nos
lábios, e ao mesmo tempo estampar nessa fisionomia o cunho da arrogância e
do poder, era um impossível!109
A crítica do folhetinista não perdoa nem a indumentária dos Ministros:
(...) Com sete casacas e uma situação progressista, qualquer, hoje, levanta um
ministro em dez minutos. (...) O progresso a cada dia obra uma maravilha.
Outrora os homens subiam ao poder pelas tradições de serviços reais. Hoje até
os colarinhos são títulos de merecimento! Vede, por exemplo, um ministro da
agricultura, atual (alude ao Deputado Manoel Pinto de Sousa Dantas). É um
colarinho e nada mais. (...) No colarinho está a solução dos problemas sociais
os mais importantes, que hão de aparecer no futuro. Ele cheira à progresso
desde o primeiro posponto até o último. Questão de crédito, finanças, bem estar
do país, desenvolvimento das indústrias, artes, ciências, tudo parece querer sairlhe das pontas, graças a inspiração do céu. E o Brasil se não colhe já tantos
benefícios, dirá entretanto um dia, cheio de reconhecimento: Tive um par de
colarinhos por ministro; a ele devo minha salvação.110
As casacas a que se refere a metáfora de França Júnior eram as pastas do
ministério, na época: Império, Justiça, Estrangeiros, Fazenda, Marinha, Guerra, e
Agricultura, Comércio e Obras Públicas. A metáfora é uma constante nos diversos
folhetins políticos escritos pelo autor, que recorre à comparação dos sete ministros e do
Gabinete Ministerial com objetos, partes do corpo humano, aposentos de uma casa etc.
Como neste texto, em que França Júnior compara o ministério a um gabinete
(aposento):
O gabinete é um canto isolado do domicílio, onde o homem medita e resolve as
mais altas questões de interesse privado e social. (...) Foi entre quatro paredes
de seu modesto aposento, que Molière daguerreotipou a sociedade de seu tempo.
(...) Onde se desenvolveu o gênio de Shakespeare? No gabinete. Não era no
gabinete que Maquiavel, inspirado por Satã, traçava o plano dessa política
perigosa, de que tanto têm abusado os tartufos de todas as épocas?(...) Sirvam
estas idéias de prólogo ao que tenho de dizer hoje. Venho falar de um gabinete.
Não pensem os leitores que se trata de uma sala, quarto ou aposento que já está
no domínio da história. Não: a tese versa sobre – sete homens, com quem a
história não tem o menor contrato, e que constituem o que se chama por
109
FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização,
Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S.A.,
Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 6, p. 27.
110
Ibidem, p. 28.
65
metáfora – um gabinete. (...) Há gabinetes arranjados e dessaranjados. (...) O
gabinete de que vou me ocupar, pertence à segunda ordem. (...) Como os deuses
da mitologia pagã, este preside o império; aquele à agricultura, outro aos
estrangeiros, outro, finalmente, à justiça. (...) O Deus do império é um móvel de
luxo no gabinete. (...) O deus da guerra é a cadeira de balanço. (...) E o Deus da
fazenda? Este é o divã macio e perfumado, o móvel de mais luxo e serventia no
gabinete. (...) O Deus da marinha é uma mesa torneada com gavetas, que vai
servindo, em caso de necessidade, de secretária.(...) O Deus da agricultura é
uma insinuativa cadeira de braços, que parece dizer a todos que entram no
gabinete. – Vinde a mim, vinde repousar um pouco das fadigas; vede, eu estendo
meus braços a tudo que me cerca. É a cadeira das - Preciosas Ridículas – do já
assaz citado Molière. (...) Há em todos os gabinetes um traste, cujo uso especial
se ignora, e que parecendo servir para muita coisa, não tem afinal préstimo
para coisa alguma. É o aparador. O aparador é o – Deus dos estrangeiros. (...)
O que será o Deus da justiça? Um disparate de pau! (...) Porque um gabinete
não é uma sala de jantar, e este Deus é o bufete. (...) Uma mesa de jantar em um
gabinete é o contra-senso mais revoltante que se pode imaginar! Comer no
sacrário da meditação!! Esta mesa em uma sala de estudo é a prova solene do
desarranjo da casa. Ela quer dizer: Aqui todos querem governar, e ninguém
governa. Aqui ninguém se entende. (...)111
A metáfora dos móveis é ampliada, com a imagem de uma casa, no folhetim de
06 de julho de 1868, em que, além da atacar o Presidente do Conselho Zacarias Góes de
Vasconcelos, França Júnior elogia Francisco Gonçalves Martins, o Barão de São
Lourenço, “um dos mais conspícuos vultos, da oposição”. Com a queda dos liberais, o
oposicionista conservador seria nomeado Presidente da Província da Bahia, e levaria
França Júnior, o folhetinista de oposição aos liberais, como secretário de governo:
O partido conservador e o liberal são os coproprietários deste belo e grande
edifício, que se estende do Amazonas até ao Prata. O ministério e os
progressistas, disse ainda o Sr. Barão de São Lourenço, não são outra coisa
mais do que meros posseiros que não pagam rendas. A casa era antigamente
habitada pelos legítimos proprietários, que souberam conservá-la (...) Houve,
porém, quem se lembrasse de alugá-la.(...) De então para cá o edifício já não é o
mesmo, e o Brasil tornou-se uma verdadeira casa de orates. (...) Não há uma
parede que não esteja esburacada pelo prego. Pobre Brasil! (....) No gabinete,
que ocupa o centro da casas, e donde partem as ordens para as salas e os
quartos, reina a desordem e a confusão. (...) As sete cadeiras que aí se viam
outrora tratadas com todo o zelo, oferecem o triste espetáculo de trastes velhos e
já gastos, que sustentam-se por milagres inauditos de equilíbrio. (...) E dizem
que essa moxinifada (miscelânea) é obra de um só homem – o Sr. Zacarias.112
111
ibidem, folhetim de 17 de maio de 1867, pp. 19 a 23.
112
ibidem, pp. 267 e 268.
66
Outra forma de ataque utilizada por França Júnior foi a comparação entre o
ministério e os gatos, no folhetim de 12 de janeiro de 1868. Inicia o folhetim
lamentando-se da falta de assunto e atacando o “governo progressista”:
O folhetim é um verdadeiro salão de baile; “entra-se nele sem se saber o que se
vai dizer.” Ou antes, para me servir de uma imagem que está mais a mão, é uma
pasta de governo progressista, que o ministro ainda imberbe aceita ignorando o
que vai fazer.(...) No governo atual, o primeiro problema que surge, por mais
complicado que seja, encontra a sua solução na providência divina. Há sete
homens fardados, pro formula, a fim de que o povo, que quase sempre julga as
coisas pelos seus resultados, possa dizer – o governo fez isto, o governo fez
aquilo, etc.113
Em seguida, França Júnior cita um pensamento de Rousseau, que seguiu sempre
à risca na elaboração de seus textos: “A verdadeira filosofia (...) consiste em observar os
fatos que se passam ao redor de nós.” A citação aparece em outros textos do folhetinista
e marca uma característica de seu método de trabalho: a observação. O autor pede a seus
leitores que não levem a mal que ele “... diga que tenha feitos sérios e profundos estudos
sobre os gatos e os cães”. O estudo mostra as diferenças entre cães e gatos, em termos
de comportamento e temperamento. O cão é “devotado em excesso a seu senhor”, o
gato, porém, “é essencialmente egoísta”: “O cão coça-se para fora; o gato coça-se para
dentro, a fim de que a voluptuosidade do gozo reverta toda para si e só para si!”114
A metáfora do estudo sobre cães e gatos tem uma aplicação. Servirá para um
ataque ao progressismo e à Liga Progressista, que em sua composição em 1862,
motivou a ida de vários políticos conservadores para o campo liberal.115 França Júnior
não perdoa o progressismo, e os “gatos progressistas” na metáfora:
113
Ibidem, p. 154.
Ibidem, p. 156.
115
“Forma-se, logo em 1862, a Liga Progressista, gerada no governo do Gabinete Caxias
(1861 a 1862), sob o fundamento que os partidos estavam extintos e, segundo um dos seus
artífices, „não consoem no presente‟, cabendo aos „homens prudentes‟ „antes conjurar a
114
67
(...) O progressismo entrou neste malfadado país como um amigo. Elemento de
destruição, ninguém contestará que foi um gato preto que soltaram em nosso lar
em um dia de trovoada. (...) Que juízo se deverá fazer deste país, onde há
presentemente sete gatos? E que gatos! Ninguém ignora que a missão da raça
felina é matar ratos. Pois bem; os gatos do progressismo, mais terríveis ainda
que seus irmãos, nem sequer realizam esta missão providencial! – Ligaram-se
com os ratos e vão solapando tudo! Liga! Tal foi o primeiro nome do
progressismo. E desde então carnívoros e roedores tomaram posse desta casa. É
conhecida a maneira porque se introduziram em nosso seio os tais senhores
progressistas. (...) Não entraram com a sinceridade do coração, falando a
linguagem da verdade; miaram mansinho, como verdadeiros hipócritas, e
vieram de esguelha coçar o lombo à custa das nossas misérias! E como se coçam
eles? Para fora? Certamente que não, fôra conceder a estranhos aquilo que
deve ficar em si e só em si. Eles coçam-se para dentro, isto é, repartem pelos
afilhados, pelos parentes, por toda a casta de filhotes os títulos, as honras e os
empregos, que ficam assim em família para mais consolidar a raça. (...)116
O final do folhetim reserva a crítica mais contundente de França Júnior,
escrevendo sob a máscara do pseudônimo (Osiris), para seus adversários progressistas:
(...) Sempre de esguelha os tais gatos! Há dias apareceu nas colunas de um
jornal inglês, subvencionado pelo governo, um artigo contra o sr. Marquês de
Caxias (posteriormente Duque de Caxias, militar e político do partido
conservador, indicado pelo gabinete liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos
para comandar as tropas brasileiras no período mais difícil da Guerra do
Paraguai), acusando a má direção das operações de guerra. Querem perfídia
mais clara? Não ousaram ferir de frente o nosso primeiro cabo de guerra,
procederam como verdadeiros gatos – formaram o bote e atacaram-no de
ilharga.117
Os ataques pessoais também fizeram parte da galeria de instrumentos utilizados
pelo folhetinista de oposição aos gabinetes liberais. Em dois deles (publicados em 3 de
novembro de 1867 e 22 de março de 1868), o alvo foi o médico e político Gustavo
tempestade que provocá-la‟ (a citação é de Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império).
Com essa ponte passam do campo conservador para o liberal, chefes de expressão de
Zacarias de Góes e Vasconcelos, Nabuco, Sinimbu, Saraiva e Paranaguá, entre outros. (...) De
imediato, a Liga Progressista logra tomar o poder, para um desfrute de seis anos (1862-1868).
(...) A Liga empenha-se em fixar a responsabilidade dos ministros pelos atos do Poder
Moderador, luta pelo dogma do rei que reina e não governa, adota a bandeira das franquias
provinciais e locais,quer a pureza do sistema representativo e eleitoral. (...) toma colorido o
debate da liberdade econômica e agita-se, pela primeira vez, o problema abolicionista.”
Raimundo FAORO - “O Renascimento Liberal e a República”, in: Os Donos do Poder: formação
do patronato político brasileiro, Porto Alegre: 4ª edição, Ed. Globo, v. 2, p.444.
116
FRANÇA JÚNIOR - Política e Costumes: Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização,
Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S.A.,
Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 6, pp. 156 e 157.
117
Ibidem, p. 159.
68
Adolfo de Sá, liberal progressista, que governava a província do Rio Grande do Norte.
Nos dois textos, o ataque é dirigido ao político pela via literária. França Júnior
ridiculariza no primeiro folhetim a falsa cultura do autor do “primoroso relatório”, o
“Dr. Gustavo”, que abriu “a assembléia provincial do Rio Grande do Norte em 3 de
maio” de 1867 com a leitura do documento:
(...) Falando de todas as coisas, neste impagável relatório, quis o Sr. Gustavo
falar ainda de algumas coisas mais. É assim que entram em cena a história
antiga e moderna, as lutas de preponderância entre as classes privilegiadas para
o ensino e educação; os relatórios da França, os cantões da Suiça, os Gracos,
César, Émile de Girardin, Licurgo, Pitágoras, Sólon, Moisés, Moreau de Hones,
Goethe e Valentin Smith. Há homens que de tal sorte conservam a impressão do
último livro que lêem que, pegando da pena, vão insensivelmente plagiando o
escritor da véspera. O Sr. Dr. Gustavo, poucos dias antes de escrever este
trecho, tinha lido provavelmente algum catálogo de leilão de livros. (...)118
No folhetim de 22 de março de 1868, intitulado “A propósito de uma tese”, o
objetivo do folhetinista é analisar a tese de graduação em medicina do Dr. Gustavo
Adolfo de Sá, pela Faculdade de Medicina da Bahia. Nos trechos seguintes, procuramos
dar uma idéia do julgamento de França Júnior sobre a tese do Dr. Gustavo, que
aproveita novamente a oportunidade para atacar os progressistas:
(...) A tese do Dr. Gustavo Adolfo de Sá é a face brilhante que revela o seu
talento de escritor. (...) É um homem que, mesmo escrevendo não dá um passo
sem consultar o código da etiqueta. (...) Reza a mitologia antiga que Júpiter
sentindo uma forte dor de cabeça, saiu-lhe do crânio a deusa Minerva armada
de ponto em branco. O prólogo da tese do Dr. Gustavo anunciou-se como o
nascimento da deusa da sabedoria. São dois partos memoráveis: um perde-se
nas névoas do mito, o outro pertence ao domínio da realidade. (...) Ainda uma
imagem: “a vernaculidade da língua agitando-se e folgando de prazer, sentada
como conviva no banquete da civilização!” Como isto é majestoso e
pantagruélico! (...) Não é tudo ainda: a vernaculidade da língua preside neste
banquete os ensaios de seus educandos, e parece já ver gozando vida de
realidade um dos seus mais utopistas e liberais projetos – a instrução universal!
O escritor considera a instrução universal como uma utopia, e confessa ser um
dos projetos mais liberais. Doutrina de progressista! Que lhe agradeçam os
liberais históricos. (...) “O luxuriante acepipe do olfato” vai sem comentários.
As vantagens da saúde são de tal arte descritas nesta dissertação que, pondo-se
a mão em qualquer homem sadio, ter-se-á por força um poeta. (...) A perífrase
118
Ibidem, p. 132.
69
para designar o carro é inimitável: “É uma máquina ambulante que nos faz
estremecer e sorrir involuntariamente”. Por outras palavras: o carro é um
choque elétrico. (...)119
As comparações entre progressistas e conservadores também são objeto da pena
do folhetinista. No folhetim de 17 de maio de 1868, o analista político França Júnior
marca as diferenças entre as duas correntes de pensamento e, indiretamente, expõe seus
valores e idéias políticas, através das comparações entre as duas correntes de
pensamento, convidando o leitor a estudar as tendências de ambas, sempre através da
mediação das metáforas:
Não sou progressista. Por que? Eu me explico: o Brasil é um país ainda jovem.
No Brasil (...) ainda não há verdadeiramente idéias; sustentar o contrário fôra
transformar o curso das coisas, e querer desconhecer a sabedoria das leis
divinas, que regem as maravilhas da criação. O que temos são tendências para
boas ou más idéias. Batem-se hoje em luta de morte dois partidos – o
conservador e o progressista. (...) Quereis conhecer o conservador e o
progressista? Estudai-lhe as tendências. É para esse estudo de observação que
eu convido o leitor. A filosofia, disse um grande homem, consiste em observar
os fatos que se passam ao redor de nós. (...) Estudai dois homens falando. Este,
cheio de critério, conta o caso como o caso foi, e em poucas palavras dá o seu
recado. Aquele vai buscar a perífrase para narrar o fato mais insignificante,
acotovela os ouvintes, abre parenteses para falar de si, e acaba por desvirtuar o
que conta, quando não prega uma peta (mentira). Um é o conservador, o outro
é o progressista. (...) O conservador narra, o progressista inventa. (...) O
conservador tem família por dever; o progressista por luxo. (...) O conservador,
temente a Deus, adora-o com fé robusta. O progressista ou é carola, ou cai no
extremo oposto da impiedade. (...) A frivolidade é também um dos traços
salientes que caracterizam os sectários da doutrina que combato. O progressista
lança à margem as grandes questões vitais e faz da niilidade um cavalo de
batalha. (...) Entre os vegetais são também visíveis os pontos de diferença. O
progressista é por natureza insidioso e traiçoeiro. Estas duas qualidades reúne o
agrião, que, sob o aspecto verde negro de suas folhas, esconde a venenosa
cicuta. O cogumelo é também progressista. (...) Creio ter exuberantemente
provado porque não sou progressista.120
Ao terminar este folhetim, França Júnior justifica-se por ter excluído da lista de
partidos “que hoje se batem” o partido liberal, que aproveita para atacar:
(...) Tive minhas razões para fazê-lo. Há dias, conversando com um distinto
membro desta seita, disse-me este em confidência, e eu em confidência também
119
120
Ibidem, pp. 202 a 209.
Ibidem, pp. 245 a 249.
70
comunico aos leitores: o partido liberal é muito grande; mas falta-lhe uma
cabeça. Logo, tirei eu muito logicamente a conclusão – quem tem cabeça não
vai para um tal partido. À vista do exposto, resolvi por enquanto eliminá-lo da
luta, até que apareça o que lhe falta.121
Num hipotético diálogo entre o jornalista/literato e o político liberal, a resposta
aos ataques de França Júnior poderia vir de Joaquim Nabuco, neste texto de 1886, em
que o político e escritor analisa as eleições liberais e conservadoras:
(...) Sem dúvida o partido Conservador, eu sou o primeiro a reconhecê-lo, tem
todas estas vantagens sobre nós; de ser um partido disciplinado, organizado,
ambicioso, previdente, paciente, autoritário, palaciano, escravista, rico e
céptico. Com a disciplina ele fez o que nós não fazemos: garante a eleição dos
seus melhores homens. (...) Os liberais, ao contrário, são dilacerados por
dissidências intestinas, por invejas e descontentamento, além de sua rebeldia
natural, e os conservadores, partido muito pouco sensível à sedução de fora,
sabem fazer vibrar esse teclado de paixões propriamente democráticas com uma
superioridade inimitável de intriga. Com a organização, eles têm unidade de
comando e hierarquia nas províncias. A ambição fá-los todos interessarem-se
nas eleições como em questão de vida e morte (...) a previdência os leva a
prepararem com antecedência a luta, e a paciência a não fazerem inimigos
enquanto em oposição dos que os não acompanham a primeira vez. O espírito de
autoridade lhes dá a maior de todas as vantagens: a tradição governamental, a
identificação constante com o governo. Palaciano, o partido pode sempre
garantir que dentro de pouco estará no poder; escravista, ele tem o apoio
cordial e a confiança da escravidão, isto é, da terra; rico, ele possui talvez o
mais considerável elemento de nossas eleições, o dinheiro, tão considerável que
merece em ser tratado à parte; e, por fim, céptico, não tem os terríveis
impedimentos de princípios e de compromissos pronto como está sempre a
governar com as mesmas idéias contra as quais tiver ganho as eleições.122
(grifos do autor)
Em diversos momentos, França Júnior elabora, nos folhetins, o material que será
utilizado em suas comédias de costumes sociais e políticos. Pequenos diálogos,
descrições, expressões que utiliza, são transpostos para situações, caracterizações e falas
dos tipos criados nas comédias. O texto do folhetim é transcrito para a linguagem
dramatúrgica e, com a encenação, torna-se passível de atualizações e concretizações que
possibilitarão a materialização, no teatro, do pensamento do autor.
121
Ibidem, p. 250.
Joaquim NABUCO, “Eleições Liberais e Eleições Conservadoras”, in: A Abolição e a
República, organizado e apresentado por Manuel Correia de Andrade, Recife: Editora
Universitária da UFPE,1999, pp. 54 e 55.
122
71
Esta característica do processo criativo de França Júnior faz com que as
metáforas, descrições e imagens dos devaneios sociológicos123, da crítica de costumes,
da sátira política apresentados nos textos híbridos de jornalismo e literatura que são os
folhetins, estejam presentes na representação satirizada, nas comédias, dos costumes da
Corte Imperial e da política partidária, das questões de conotação política do Segundo
Reinado, como veremos no capítulo seguinte.
Como exemplos desse procedimento, podemos citar: a descrição do ambiente do
turfe e imagens das corridas de cavalos no folhetim do Correio Mercantil de 2 de junho
de 1867, que tem a sua correspondência na comédia Entrei para o Clube Jácome, de
1877; a ironia do folhetinista, no folhetim “Carnaval”, de 27 de fevereiro de 1868,
contra o “estrangeirismo” de uma sociedade carnavalesca que se apresentara num
festejo levando dois “camelos d‟África” no seu cortejo, pois “temos camelos, podemos
dizer com orgulho, não há necessidade de ir mendigá-los ao estrangeiro”, é retomada
pela personagem Henrique, em O Tipo Brasileiro, comédia de costumes de 1872; a
123
A expressão utilizada pelo próprio França Júnior situa o folhetim como gênero literário, mas
não lhe tira o valor de registro histórico e análise social, de documento para a pesquisa
sociológica, histórica, estética, literária. Anatol ROSENFELD (“Literatura e Sociedade” – in:
Estrutura e Problemas da Obra Literária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos
nº 1, pp. 57/58), ao analisar as relações entre arte e sociedade, nos ajuda a compreender os
devaneios sociológicos que França Júnior constrói em sua obra literária (folhetins), e as
distorções, exageros, ampliações e idealizações que o jornalista e teatrólogo utiliza para
empreender sua reconstrução teatral do Brasil: “(...) ...é preciso realçar que a relação entre a
obra de arte literária e a sociedade é extremamente mediada. Qualquer simplificação neste
terreno desvirtua os fenômenos. De modo algum a obra de arte literária pode ser reduzida a
condicionamentos sociais. Não pode ser explicada, como um todo estético valioso a partir
deles, por mais que estes fatores tenham influído nela e se manifestem nos vários planos. No
processo de criação interferem intensamente elaborações imaginativas e obsessões pessoais
que particularizam radicalmente os momentos socioculturais. A própria obra impõe
imperativos estéticos que não podem ser derivados, sem mais nada, do momento
histórico-social, visto decorrerem, ao menos parcialmente, da tradição autônoma de
cada gênero. Esta, embora tenha por sua vez raízes sociais, não pode ser reduzida a elas
e é reelaborada de um modo complexo e pessoal, embora sob a influência de novas
situações histórico-sociais.” (grifos nossos)
72
frustração no casamento, com a mudança de humores da namorada convertida em
esposa (de meiga a megera), apresentada no folhetim “Platonismo”, de 17 de junho de
1867, é o assunto da peça Direito por Linhas Tortas, de 1870; os dois folhetins da série
“Ecos Fluminenses” (1885), intitulados “O futuro da mulher” trazem a temática
antifeminista desenvolvida em As Doutoras, comédia de 1889.124
Mas é com os folhetins ”Pretendentes” e “Organizações Ministeriais”,
publicados no jornal Gazeta de Notícias125, em 1878, que o procedimento de aproveitar
pequenos diálogos, descrições e expressões dos folhetins, transpostos para situações,
caracterizações e falas dos tipos criados nas comédias de costumes, vai ser mais e
melhor utilizado. A peça Caiu o Ministério!, de 1882, que será analisada no capítulo
seguinte, recebe diálogos inteiros tirados destes folhetins. A comparação, pela leitura
dos textos, entretanto, permite-nos aferir a riqueza das idéias, descrições e pensamentos
do autor, contidos nos folhetins, que não poderiam ser transcritos para a comédia, por
seu caráter literário, jornalístico.
Entretanto, a comédia ao ser encenada, como veremos no terceiro capítulo desta
dissertação (Teatro: a real representação), sai do plano literário, dramatúrgico, pela ação
dos tipos caricaturados (políticos, seus familiares, a moça fútil e a mãe que procura um
casamento rico para a filha, os pretendentes a empregos públicos, o inglês aventureiro
atrás de um privilégio governamental, freqüentadores da Rua do Ouvidor etc),
permitindo ao espectador atualizar e concretizar, por atos de percepção e fruição
124
Para os folhetins de 2 e 17de junho de 1867, e 27 de fevereiro de 1868, ver FRANÇA
JÚNIOR, Política e Costumes, Folhetins Esquecidos (1867-1868); para os folhetins intitulados
“O futuro da mulher”, ver FRANÇA JÚNIOR, Folhetins; para as comédias de costumes, ver
Teatro de França Júnior, 2 volumes.
125
FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, pp. 93 a 101; 185 a 192.
73
estética, a ficção e a crítica social e política. A história torna-se real, sem que a obra de
arte perca sua unidade, seu caráter temporal.
Se, como veremos na comédia Caiu o Ministério!, uma personagem (Mr. James)
personifica a crítica à obsessão brasileira pela discussão política, no folhetim
“Organizações Ministeriais” encontramos um estudo do analista político França Júnior
sobre os “políticos da Rua do Ouvidor”. O escritor de folhetins informa o comediógrafo.
O cronista da cidade prepara o autor teatral. França Júnior dialoga com suas próprias
observações, traduzindo sua crítica social em ação teatral. A sátira, a caricatura e a
paródia, ampliam e exageram os defeitos morais, os (maus) costumes políticos, a moda,
a vacuidade dos tipos sociais.
A descrição detalhada, e paródica, do desespero e das humilhações dos
pretendentes a empregos públicos, esperando a boa vontade do “protetor” (o político
que forma sua clientela entre os pretendentes, alimentando a política do favor), no
folhetim, recebe um tratamento que torna a situação clara para o espectador, na
encenação da comédia. A peça mostra, e o folhetim nos descreve, o ridículo do
pretendente que implora o empenho do político para conseguir um “lugar” na máquina
burocrática do Estado:
E eu que vim dos confins do Amazonas, e aqui estou há seis meses a fazer
despesas, hospedado na casa do Eiras (no folhetim: na casa da D. Maria), com
uma numerosa família, composta de mulher, seis filhos, duas cunhadas, três
escravas, quatorze canastras, um papagaio e um corrupião.126
126
FRANÇA JÚNIOR - Teatro de França Júnior, vol. 2, 1980, p. 215; Folhetins, 1926, p. 97.
74
O exagero da sátira, porém, parece ter correspondência no texto do historiador
Raymundo Faoro, que utiliza o depoimento de outro folhetinista para ilustrar sua análise
do sistema político do Segundo Reinado:
(...)Na base da pirâmide, a apatia, a indiferença, o alheamento, periodicamente
acordados pelos capangas, no interior, pelos capoeiras, nas cidades,
substituídos, na paz, pelo bacamarte oficial, enquanto, no outro extremo, o
emprego empolga as imaginações, ocupa as combinações ministeriais, numa
febre sem correspondência com a atividade econômica. “Indivíduos há” – depõe
João Francisco Lisboa (o folhetinista do Jornal de Timon) – “que abrem mão de
suas profissões, deixam ao desamparo as suas fazendas, desleixam o seu
comércio, e se plantam na capital anos inteiros à espera de um emprego,
consumindo improdutivamente o tempo, e o pouco cabedal que possuíam, e que,
não obstante, bem aproveitados por um homem ativo e empreendedor, dariam
muito mais que todos os empregos imagináveis... Seja que aspirem aos cargos de
magistratura tão-somente, ou aos políticos, eletivos e administrativos, seja que
aspirem a uns e a outros ao mesmo tempo; àqueles como um meio seguro de
existência, a estes como um meio de passatempo e dissipação nas capitais e na
corte, ou como satisfação ao poder e ambição política.(...)127
França Júnior aponta, com seus folhetins e peças teatrais, para uma idealização
da vida social, na qual a separação do público e do privado, a profissionalização da
política e da administração pública, a coerência entre doutrinas e práticas políticas, o
culto à intimidade, o bom gosto e o refinamento aristocrático, a cultura e a identidade
brasileiras substituiriam o provincianismo, o bacharelismo, o mau gosto burguês, a
subserviência à cultura estrangeira, o nepotismo e o clientelismo no recrutamento dos
quadros da administração do Estado, o casamento por interesse, a superficialidade nas
relações sociais e na cultura.
Portanto, nos folhetins é possível fazer a leitura do pensamento e da crítica
social de França Júnior, na apresentação da realidade, como um registro no nível da
descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e análise social, documento
127
Raymundo FAORO - “O Sistema Político do Segundo Reinado”, in: Os Donos do Poder:
formação do patronato político brasileiro, vol. 1, Porto Alegre: 4ª edição, 1977, p. 390.
75
para a pesquisa sociológica, política, histórica, estética, literária. A ambigüidade do
estatuto literário do folhetim permite esse tipo de leitura.
Esta leitura dos folhetins, deve ser realizada levando em conta o caráter de obra
de arte, de ficção que esses textos possuem, lembrando-se que a realidade é apresentada
metaforicamente, propositalmente distorcida, exagerada, ampliada. A leitura estará
sujeita a atualizações e concretizações e estará informada pela cultura, pelos
conhecimentos históricos, por nossa qualidade de apreciadores de um objeto estético.
Isso não tira a realidade da obra como fato e documento histórico, análise social etc.
Desta forma, ao criar seus textos, fazendo uso da intuição e da observação do
cotidiano, o folhetinista de costumes (sociais, culturais, urbanos) França Júnior constrói
o que chamamos de “protosociologia”. A proximidade entre a literatura e a sociologia,
por exemplo, está na análise do comportamento da sociedade carioca que acompanha a
família imperial a Petrópolis, nas críticas ao mau gosto estético da burguesia que
freqüentava os teatros, de uma sociedade que a tudo reagia levando em conta a moda
(ou criando, como ritual de representação, modelos de figuração ou de
interdependências128). A análise política, por sua vez, apesar do viés ideológico que
possui, traz elementos para o entendimento dos costumes, idéias e comportamentos dos
indivíduos e dos partidos, e do pensamento político de França Júnior.
Embora estejamos analisando separadamente folhetins e comédias de costumes,
estes dois gêneros estão vinculados em França Júnior - muitas vezes um reafirmando
idéias, observações e críticas do outro.
128
ver Norbert ELIAS - A Sociedade de Corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia de corte; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
76
Neste momento, passaremos ao terceiro capítulo desta dissertação, “Teatro: a
real representação”, no qual pretenderemos procurar apreender, no desenvolvimento das
situações teatrais, como o pensamento do autor se manifesta em termos de crítica e
idealização do real.
77
3 º capítulo
Teatro: a real representação
”O país real é bom, revela os melhores instintos;
mas o país oficial é caricato e burlesco.”
Machado de Assis, 1861
Nas obras de História do Teatro consultadas, constatamos que a intensificação
da atividade teatral, propriamente dita, no Brasil, acontece com a chegada da Família
Real e da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. No período colonial, o quadro
geral apresenta manifestações isoladas, com espetáculos em precárias Casas de Ópera,
predominantemente musicais e eventos comemorativos, envolvendo famílias de
poderosos locais (casamentos, batizados, chegada de algum oficial ou burocrata da corte
portuguesa, etc.).
A construção de um teatro oficial, determinada por D. João VI (decretada em
1810; inaugurada em 1813), e a nova vida comercial, social e política originada da
presença da corte no Rio de Janeiro, determinaram uma rápida mudança na qualidade do
teatro e da música apresentados. O crescimento das cidades, proporcionado pela
abertura dos portos, e o contato com países europeus, criou as condições materiais e
intelectuais para que o teatro pudesse
desenvolver-se. Nos primeiros tempos da
formação desse teatro, companhias portuguesas apresentavam um repertório de peças
originais ou traduzidas do francês (dramalhões de cunho histórico, tragédias
78
neoclássicas, pequenas comédias e entremezes portugueses), e muitos artistas
portugueses acabaram fixando residência e carreira no país.
O público nativo, ampliado com expatriados que haviam fugido das tropas de
Napoleão, que também acabaram radicando-se no Rio de Janeiro, comparecia às
apresentações e o teatro...
...passou então a ser a diversão preferida, quer por interesse propriamente
cultural de apreciação do espetáculo, quer por sofisticação e vontade da
população de estar presente em lugares onde apareciam o Príncipe-Regente, sua
família e os nobres vassalos.129
Sob o impacto das idéias românticas, na década de 1830, seguiu-se uma fase
mais rica da produção dramatúrgica brasileira. O maior ator brasileiro do século XIX,
João Caetano (João Caetano dos Santos,1808-1863) inicia sua carreira de ator e
empresário. Seu nome estará ligado à história do teatro oficial inaugurado no Rio de
Janeiro, em 1813 (Teatro São João), que hoje recebe seu nome.
A produção cultural brasileira do século XIX teve como característica marcante
a dependência de modelos europeus, principalmente franceses.
Na literatura brasileira, e, particularmente, no teatro, tal dependência se faz
sentir na produção de autores como Gonçalves de Magalhães, Martins Pena e Gonçalves
Dias, da primeira geração de dramaturgos românticos.
129
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA - História do Teatro Brasileiro: um percurso de
Anchieta a Nelson Rodrigues; Rio de Janeiro : Editora UFRJ, EDUERJ, FUNARTE, 1996, p.
113.
79
Essa geração de poetas românticos, que viveu a agitação política anterior e
posterior à Independência, consolidou o terreno para a criação de um teatro nacional.
Além dos três autores mencionados, João Caetano, ator e empresário, já citado, é outro
nome importante.
Gonçalves de Magalhães (Domingos José Gonçalves de Magalhães, 1811-1882),
com a tragédia Antonio José, ou o poeta da Inquisição (1838), considerada um marco
histórico do teatro brasileiro por Sábato Magaldi130, teria inaugurado o drama
romântico. O texto dramático conta a história do dramaturgo brasileiro que morreu na
fogueira da inquisição, em Portugal (1739), por “suposta prática de judaísmo”. Para
Sábato Magaldi, “a tragédia é, no seu contexto, um protesto contra todas as formas de
injustiça”.
Segundo outros autores, no entanto, a primazia no movimento romântico deveria
ser atribuída ao professor franco-brasileiro Luis Antônio Burgain131, que teve os dramas
A Última Assembléia dos Condes Livres e Glória e Infortúnio ou A Morte de Camões
encenados, respectivamente, em maio e agosto de 1837, no teatro São Pedro Alcântara,
por João Caetano.
Martins Pena (Luis Carlos Martins Pena, 1815-1847) foi o “formulador da
comédia brasileira de costumes”132. Seu teatro traz a linguagem popular, pela primeira
130
Ver “O Encontro da Nacionalidade”, in: Sábato MAGALDI - Panorama do Teatro Brasileiro,
3ª edição, São Paulo : Global Editora, 1997, pp. 34-41.
131
Luis Antônio Burgain: 1812-1877, “francês de nascença e brasileiro por adoção literária”; ver
Décio de Almeida PRADO - O Drama Romântico Brasileiro, São Paulo, Editora Perspectiva
S.A., 1996, p.54. Ver, também Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, 2ª edição, ampliada,
Salvador: Ed. Empresa Gráfica da Bahia, 1991, p.198.
132
Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, Editora Empresa Gráfica da Bahia, 1992, p. 198.
80
vez, para o palco. Até hoje suas comédias são representadas com sucesso, pois os tipos
retratados e a sátira política e social mostram um país que não se alterou tanto assim
desde sua época.
João Caetano foi ator, empresário, incentivador da dramaturgia brasileira.
Chegou a escrever um livro (Lições Dramáticas, 1862) abordando métodos de formação
do ator e problemas teóricos e estéticos do teatro.
Gonçalves Dias (1823-1864), contemporâneo de Álvares de Azevedo (18311852) e Castro Alves (1847-1871), é autor da peça Leonor de Mendonça, inspirada – em
parte – no Otelo, e de outras três peças que marcam, no conjunto, a sedução da época
pelos dramas de inspiração histórica.
A produção teatral de França Júnior inicia-se em 1861, quando cursava o
terceiro ano da Faculdade de Direito, em São Paulo com a peça Meia hora de cinismo,
na qual o autor representava as brincadeiras e zombarias (pagodes) de uma república de
estudantes, envolvendo o pagamento de uma dívida.
Aproveitando a vivência
estudantil, o autor já exercitava a crítica de costumes, marca do observador atento da
realidade à sua volta, característica que aprimorou, posteriormente, em cada peça
escrita. No mesmo ano (1861), além da peça já mencionada, foi representado também o
texto República Modelo, do qual se infere, pelo título, que tratava de assunto semelhante
(a vida estudantil nas repúblicas de estudantes de Direito, na São Paulo da época). O
folhetim “A República”, publicado no jornal A Gazeta de Notícias em 1878, que trata da
vida numa “república” estudantil, tem diálogos que se assemelham aos da primeira peça
81
escrita por França Júnior, e poderiam ter feito parte do texto teatral República Modelo,
peça de que só se tem notícia de haver sido encenada, pois o texto perdeu-se.133
No anexo 1, apresentamos uma relação das obras de França Júnior, cujo
levantamento foi feito a partir da lista publicada por Arthur Motta na Revista da
Academia Brasileira de Letras, e por outras fontes a que tivemos acesso.
A vida literária e cultural girava, então, na corte imperial (o Rio de Janeiro), em
torno do confronto entre Romantismo e Realismo.
França Júnior, como fez Martins Pena, prestigiou o teatro de costumes, a sátira
política e social, indo buscar na atividade política e nos hábitos e costumes da sociedade
carioca de seu tempo, a da Corte do Império, farto material para suas comédias. Dentre
elas, destacam-se: Tipos da Atualidade (1862), Como se fazia um deputado, Caiu o
Ministério! (ambas de 1882) e As Doutoras (1889).
França Júnior freqüentou o Colégio D. Pedro II, onde obteve o grau de bacharel
em Letras. Como boa parte dos escritores e homens públicos do Império, seguiu depois
para São Paulo, onde se formou em Direito (1862). Com Tipos da atualidade (1862),
comédia em 3 atos, fez sua verdadeira estréia de comediógrafo, logo após formar-se na
Faculdade de Direito de São Paulo. Além desta, e das já citadas Meia hora de cinismo e
133
João Roberto FARIA, no capítulo “França Júnior e a Comédia de Costumes”, de seu livro O
Teatro na Estante (Cotia, SP, Ateliê Editorial, 1998), escreveu: “Embora esse texto (República
Modelo) esteja perdido, é de supor que se trate de uma variação sobre o mesmo tema da
comédia anterior (Meia hora de cinismo)”. A leitura do folhetim A República publicado na
Gazeta de Notícias (1878) e em livro (Folhetins, 1926, pp. 163 a 172) dá razão a João Roberto
Faria: França Júnior desenvolve diálogos no folhetim que caberiam perfeitamente no provável
enredo da peça. O autor que aproveitava o material publicado em folhetins numa peça como
Caiu o Ministério!, por exemplo, teria feito o caminho inverso, e aproveitado diálogos da
comédia de 1861 no folhetim de 1878?
82
República Modelo (1861), podemos citar o texto teatral Ingleses na Costa (1864), cujo
enredo novamente retoma as peripécias de estudantes para lidar com os credores,
fazendo uma alusão aos empréstimos ingleses e às questões políticas envolvendo Brasil
e Inglaterra.
A crítica de costumes e o comentário político estão presentes em outras peças de
França Júnior. Assim, em Amor com amor se paga, de 1871, há um quiproquó
envolvendo dois casais (Miguel e Adelaide Carneio; Eduardo e Emília Coutinho), no
qual o autor satiriza os exageros do amor platônico dos românticos.
Na peça O Defeito de Família (1870) um rude criado alemão atrapalha-se com a
língua e com os costumes, numa família comandada por uma espécie nativa de “M.
Jourdain”, da comédia “O Burguês Fidalgo”, de Molière. França Júnior ironiza a
superficialidade da filha de família (Josefina), obstinada em esconder do namorado
(Artur, bacharel recém-formado, apaixonado que desfia adjetivos à sua amada que bem
poderiam servir para classificá-lo como maçante retórico, conforme folhetim acima
analisado), um joanete.
Entrei para o Clube Jácome é um a propósito cômico em um ato que França
Júnior ofereceu ao mesmo clube em 1877. Nele, o comediógrafo/folhetinista
homenageia o propulsor do Turfe no Rio de Janeiro, que já havia sido citado no
folhetim publicado em 2 de junho de 1867. Na comédia, o comediógrafo ironiza a febre
por corridas de cavalos que havia tomado conta do Rio de Janeiro, com o personagem
Julião da Cunha, pai de família, de 50 anos, vivendo única e exclusivamente para os
cavalos, a ponto de falar à filha, que procura um namorado, sobre lindos cavalos que viu
83
no referido Clube, e de não aceitar para genro moço que nunca houvesse montado um
cavalo na vida.
No folhetim, França Júnior descreve o ambiente e o comportamento social no
prado de corridas (na verdade, uma praça pública), compara a corrida às trapalhadas do
governo (Gabinete Liberal de Zacarias Góes de Vasconcelos, 1866-1868) e vai adiante
descrevendo as corridas e o desfecho da tarde de gala. Assim descreve o Sr. Jácome,
não sem aproveitar para alfinetar os progressistas:
(...)O mestre do turf, afagando o bigode negro, e revelando o sistema da cabeça
aos pés. Sua posição a cavalo, era um verdadeiro estudo de linhas. Imóvel sobre
o selim, dir-se-ia um soldado prusso, petrificado pela disciplina, ou um
colarinho de ministro, cônscio de sua dignidade, em dia de despacho. O Sr.
Jácome cheira a progresso, como a situação política que atravessamos. Esta
desgarra-se entretanto daquele em um ponto culminante. O progresso da nossa
terra não sabe de onde veio, o que quer, nem para onde vai; o Sr. Jácome sabe
que veio do velho mundo, onde fez sérios estudos sobre o cavalo, quer o
melhoramento da raça cavalar no Brasil, e vai para onde vão todos os que têm
uma idéia.(...)134
Uma característica do teatro de França Júnior, mantida desde seu primeiro texto
encenado, vai ser marcante ao longo de toda sua produção dramatúrgica (comédias) e
literária (folhetins): os costumes e a política se mesclam como foco de seu olhar agudo
sobre a realidade.
Procuramos criar uma classificação em categorias, utilizada no capítulo anterior,
como recurso do pesquisador para separar e analisar os folhetins do autor. Assim, os
textos foram apresentados utilizando-se categorias como “Cidade(s)”, “Costumes” e
“Política”. No entanto, é preciso ressaltar que os costumes e a política, em muitos
momentos, tanto nos folhetins como nas peças de França Júnior, aparecem misturados,
134
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., 1957, p.34.
84
pois sua visão era a de um observador crítico da vida social em suas múltiplas
manifestações.
O material anotado e analisado nos folhetins, era utilizado na elaboração das
comédias. No processo de criação de suas comédias, França Júnior elaborava
simultaneamente a crítica de costumes e a crítica política, mostrando-nos como o
público e o privado, a intimidade e a vida pública estavam de tal maneira imbricados no
tecido social e cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, comportamentos,
ritos e aparências criticáveis. Tal trama é recortada pelo autor e recomposta, na forma
de carapuças fartamente distribuídas, principalmente em suas comédias de costumes,
através do uso de situações em que a paródia, a caricatura e a sátira são elementos
utilizados para uma reconstrução teatral do Brasil.
Ao lado da futilidade das moças casadoiras e da simplicidade dos tipos
populares, aparecem a astúcia e a ingenuidade políticas de velhos chefes políticos e
novos bacharéis idealistas. Sátiras políticas se cruzam com sátiras domésticas, e
assuntos de família são resolvidos por acordos políticos e eleições arranjadas. Quando
não, um golpe do destino resolve a questão familiar (casamento) e a mudança dos
ventos políticos deixa clara a inapetência de um político pelas coisas... da política, como
em Caiu o Ministério!.
Edwaldo Cafezeiro assim descreveu o teatro do autor:
França Júnior escreveu um teatro de comédia, satírica sobretudo. Através dos
textos até agora publicados, podemos distinguir três abordagens: a) uma
comédia de imitação clássica representativa de uma trama de equívocos e
armadilhas (...); b) a burleta com suas cenas fantasiosas e seus quadros
apoteóticos, que na sua obra atinge o apogeu com Direito por linhas tortas; c)
uma comédia satírica ao mesmo tempo política e de crítica de costumes,
85
abordando o casamento por interesse; as estudantadas (trotes, anedotas e
farras); as manias (por cavalos, por estrangeiros); a donzela casadoira; os
estereótipos (hipercorreção, sofisticação exagerada); a usura e o crédito.
Entrosam-se a sátira política de âmbito individual (a luta pelos ministérios,
pelos cargos públicos, afilhadismos) com a de âmbito nacional (Questão AngloBrasileira, decadência do Império, a Abolição da Escravatura, a República).
(...) Aliás, a política brasileira do Império está referenciada desde a primeira
obra teatral de França Jr.(...)135
Sábato Magaldi chamou-o de o verdadeiro “continuador de Martins Pena, na
preocupação precípua de fixar os costumes”. Comparado a Martins Pena, entretanto,
França Júnior é mais “realista e elaborado”, deixando-se, por vezes, “contaminar pela
vulgaridade que propagou nos espetáculos da segunda metade do século” (XIX). Como
consolidador do teatro de costumes, França Júnior “não poupa ninguém, satisfazendo-se
em cobrir de ridículo até os bem intencionados”. Magaldi reconhece no comediógrafo
“grande domínio da carpintaria teatral” e o uso seguro de “diálogos simultâneos e
elipses”, o que demonstra ambição em “exprimir complexas arquiteturas cênicas”, mas
censura-lhe “a graça pesada, o mau gosto claro, a presença dos menos exigentes padrões
cômicos”, constatando que, ao contrário de Martins Pena, França Júnior “dificilmente se
apóia no meio termo", no uso dos recursos da farsa.
Após passar em revista a obra do comediógrafo, com sinopses e comentários
críticos sobre as numerosas comédias de um ato do autor (metade de sua produção),
Magaldi detém-se sobre Direito por Linhas Tortas (1871), Como se Fazia um
Deputado, Caiu o Ministério! (ambas de 1882) e As Doutoras (1889).
O exercício com os textos curtos, no entender do crítico, deve “ter apurado a
linguagem cênica”, permitindo que França Júnior “pisasse terreno firme nos textos mais
135
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA – “Romantismo: a comédia da libertação”, in:
op. cit., p. 275 e 281.
86
longos”. As relações de casais, as transformações na vida conjugal, que a ida para a
Corte de uma família interiorana trazem nessas relações, são os assuntos da comédia
Direito por linhas tortas. Intriga sentimental envolvendo criados, disfarces, estratégias
para fazer ou refazer a ordem doméstica, alterada pela mudança de comportamento da
esposa (namorada e noiva submissa, depois esposa irascível e dominadora),
reconhecimentos e perdões, velhos recursos farsescos são utilizados para ironizar as
relações familiares e provocar o riso.
As “melhores qualidades de França Júnior, que revela particular espírito na
sátira dos costumes políticos”, para Sábato Magaldi, estão na comédia Como se Fazia
um Deputado, de 1882, que teve o verbo do título alterado pelo autor (de Faz para
Fazia), face à coincidência da promulgação de legislação eleitoral (Lei Saraiva 136),
criada para inibir os abusos de candidatos e seus correligionários satirizados na peça.
Em Caiu o Ministério!, por sua vez, a crítica aos “costumes do filhotismo nacional”
satiriza a composição de um ministério que tem no seu interior um jovem bacharel de
22 anos, idealista, com “a cabeça cheia de Spencer e Schopenhauer e sobretudo de
retórica”, além de retomar o tema da submissão ao estrangeiro (principalmente ao
inglês; mas não deve ser esquecida a influência francesa na cultura e nos costumes da
época) que se aproveita da ingenuidade nativa, para conquistar privilégios para seus
negócios.
De uma “perspectiva retrógrada” (para Sábato Magaldi), trata França Júnior, na
forma de sátira em As Doutoras (1889) dos novos papéis que a mulher começava a
assumir na sociedade de fins do século XIX, também no Brasil. Duas amigas (uma
136
De autoria do Senador pela Bahia, José Antonio Saraiva (ver TAUNAY, op. Cit., p.. 161).
87
médica e uma advogada) formam-se, casam-se, e passam a ter com os maridos, também
médico e advogado, uma relação quase contratual, chegando uma delas (a médica
Carlota, que se formou incentivada pelo pai, Manuel Praxedes, progressista e defensor
da emancipação feminina) a preferir o debate científico com o marido (também médico)
a externar sentimentos. O comediógrafo satiriza, ainda, a pedanteria bacharelesca,
ironiza a crise conjugal dos casais modernos e reafirma a maternidade como função
primordial da mulher no casamento. O reacionarismo do autor, entretanto, é atribuído
pelo crítico ao gênero dramático no qual produziu sua peça:
(...) Poderíamos surpreender-nos com o reacionarismo da conclusão de França
Júnior, se esquecêssemos o gênero de As Doutoras. No drama, cabe qualquer
espécie de reivindicação. A comédia, sobretudo a sátira, se presta a caçoar das
idéias inovadoras, e há mesmo implícito, em toda luta pelo progresso, ao lado
da causa justa e simpática, um inevitável ridículo. Ao comediógrafo cumpre
desenvolver esse prisma, incorrendo embora no erro de assumir uma
perspectiva retrógrada. Mas não se deve conceder demasiada importância a
esse vezo de passadismo nostálgico, tão freqüente na comédia: os autores
apenas criticam os excessos das teses progressistas, porque, ao tratarem delas,
geralmente já estão vitoriosas. Talvez o teatro exerça o papel moderador de
corrigir o entusiasmo quixotesco das místicas da novidade. (...) 137
A feitura destas quatro obras atesta o domínio da técnica e a consolidação dos
temas pelo comediógrafo, e a conclusão da análise do crítico é afirmativa da qualidade
do autor estudado:
(...) Para França Júnior, o teatro não guarda mais segredos. Ele movimenta com
inteira facilidade as suas personagens, e não desperdiça um só diálogo que
possa produzir um efeito cômico. A farsa política, vazada com perspicácia
realista, atinge na sua obra os melhores exemplos do gênero no Brasil.(...)
França Júnior teve a sorte (o talento, diríamos melhor) de compor umas poucas
comédias deliciosas, que figuram obrigatoriamente em qualquer antologia do
nosso teatro de costumes. Escreveu, por felicidade, algumas obras-primas, e elas
são sempre a culminação do palco. Mais próximas de nós, pelo sabor realista,
prestam-se a remontagens, que não se tornam rotineiras em virtude de nosso
desconhecimento do passado. Como se fazia um Deputado, Caiu o Ministério! e
137
Sábato MAGALDI - ”Fixação de Costumes”, in: Panorama do teatro brasileiro, 3ª ed. – São
Paulo : Global Editora, 1997, pp. 140 a 151. Obs.: as citações em itálico no corpo desta
dissertação reportam-se ao capítulo “Fixação de Costumes”.
88
As Doutoras, entre outros textos, sustentam a reivindicação para França Júnior
do título de melhor comediógrafo do Brasil.(...)138
Outros estudiosos, historiadores e pesquisadores de teatro analisaram a obra de
França Júnior, e o exagero de Sábato Magaldi pode ser constatado pelo estudo de alguns
autores. Décio de Almeida Prado, ao escrever sobre a evolução da comédia brasileira,
situa duas das principais obras de França Júnior numa perspectiva crítica em relação à
literatura e do teatro do século XIX, e aponta, em sua análise, os temas presentes na
obra do comediógrafo e que nos interessaram sobremaneira para nosso estudo. Fica
clara a postura do historiador e crítico nos trechos abaixo citados:
(...)A preocupação com o lugar-comum, com o que se fala quando não se diz
nada, atravessa boa parte da literatura do século XIX. É nessa linha de
mediocridade satisfeita consigo mesma, observada por um olho irônico mas
destituído de maldade, que se deve ler as duas comédias de costumes políticos –
de maus costumes políticos na verdade – escritas por França Júnior.(...)Pode-se
analisar a peça (refere-se a Como se Fazia um Deputado), sem extrapolar os
seus limites, por dois lados. Em seu sentido mais ambicioso ela nos coloca frente
a dois Brasis opostos: o agrário e o citadino; o dos coronéis e o dos bacharéis;
o do fato e o da lei; o que age(...)e o que discursa(...). Visto mais de perto,
considerando os indivíduos, o enredo revela outro aspecto: a conversão dos
jovens, efetuada pelos mais velhos(refere-se ao casamento por conveniência,
tratado pelos parentes do casal de jovens da peça, Henrique e Rosinha). Não se
trata de educação sentimental, porque os sentimentos representam papel
secundário. Mas é uma espécie de escola da vida prática, posta a serviço de dois
jovens simpáticos, e no fundo dóceis, que não oferecem resistência à cooptação
social. (...)Parece que o autor, paisagista pertencente à escola criada Brasil pelo
pintor alemão George Grimm, preocupou-se mais com o quadro da sociedade
brasileira do que com uma história interessante a ser contada.(...)O vazio da
vida diária e a tolice da vida política é o que se demonstra na peça, às vezes
pelo método do absurdo.139
É uma tradição quase unânime, como vimos em Sábato Magaldi e em outros
autores consultados, citar Martins Pena, França Jr. e Artur Azevedo, respectivamente,
como criador, consolidador e detentor do posto oficial de responsável pelo
138
Ibidem, pp. 149 e 151.
Décio de Almeida PRADO - “A Evolução da Comédia”, in: História Concisa do Teatro
Brasileiro: 1570-1908, São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 1999, pp. 127, 131 e
133.
139
89
estabelecimento da Comédia de Costumes como gênero dramatúrgico que se
desenvolveu entre nós, com tempero tipicamente brasileiro. Artur Azevedo é para Décio
de Almeida Prado, o detentor do reinado absoluto no posto oficial de comediógrafo
brasileiro.140 Joaquim Manuel de Macedo, autor de comédias políticas ou sátiras de
costumes nacionais (entre elas “A Torre em Concurso” de 1857, publicada em 1863),
cujo enredo também aborda a questão política que França Júnior critica em Como se
Fazia um Deputado, também freqüenta a lista dos escritores de comédias de costumes
do século XIX. Machado de Assis também tentou a sátira política em Quase Ministro
(encenada em 1863). José de Alencar faz comédia de costumes em “O Rio de Janeiro –
Verso e Reverso” (encenada em 1857, publicada, em segunda edição revista pelo autor,
em 1864). João Roberto Faria141, Lothar Hessel e Georges Raeders142, em certo sentido
também Nelson de Araújo143, Hermilo Borba Filho144 e Flávio Aguiar145 reforçam essa
tradição.
O estudo de Iná Camargo Costa146, por sua vez, aponta o caráter do
comprometimento ideológico da obra de França Júnior e se contrapõe à idéia de que o
autor tenha sido o consolidador da comédia de costumes no Brasil. Para Iná Camargo
Costa, o mais correto seria dizer que França Júnior, ao contrário de Martins Pena,
dedicou-se à alta comédia, e não à comédia de costumes. Para comprovar seu
140
Décio de Almeida PRADO, Décio de – Op. cit., p. 126.
João Roberto FARIA - “França Júnior e a Comédia de Costumes”, in: O Teatro na Estante,
São Paulo, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, pp.55 a 65
142
Lothar HESSEL e Georges RAEDERS - O teatro no Brasil sob D. Pedro II, 2ª parte, Porto
Alegre : Ed. da Universidade, UFRGS, 1986, pp. 83 a 90.
143
Nelson de ARAÚJO - História do Teatro, Salvador : Empresa Gráfica da Bahia, 1991, p. 201.
144
– Hermilo BORBA FILHO - História do Teatro, Rio de Janeiro : Livraria Editora da Casa do
Estudante do Brasil, s/d (prefácio do autor, de novembro de 1950), pp. 417-418.
145
Flávio AGUIAR (org.) - Antologia do teatro brasileiro / A aventura realista e o teatro
musicado, São Paulo : Editora SENAC São Paulo, 1998, pp. 7 a 9.
146
Iná Camargo COSTA “A classe da comédia de França Júnior”, in: Sinta o drama, Petrópolis,
RJ : Ed. Vozes, 1998, pp. 157 a 175.
141
90
argumento, a pesquisadora aponta deficiências formais, o tratamento dado ao assunto
predominante na obra do comediógrafo, “heróis provenientes da classe dominante e
suas tribulações”, seu conservadorismo que “vai muito além da mera desqualificação de
tudo o que aponte para a modernização e democratização do país”, e indica que uma das
peças de um ato de França Júnior (A lotação dos bondes, de 1885) teria sido condenada
pelo próprio autor “à mera condição de peça ideológica, de categoria duvidosa”, pelos
próprios recursos dramatúrgicos empregados para evitar o confronto entre os
antagonistas que representavam, por um lado, os abolicionistas e a postura
antiabolicionista.
A autora comenta, ainda, Direito por Linhas Tortas, (1870). Não é nosso
objetivo neste estudo defender o caráter político ou ideológico do autor que escolhemos
para analisar. Apenas poderíamos mencionar, a título de colaboração para uma reflexão
a respeito do teatro e da obra jornalística de França Júnior, que muitos autores reputados
como conservadores, na verdade, pelo uso de um instrumento particularmente difícil de
ser classificado politicamente, como a sátira e o comentário irônico, na verdade faziam
um retrato cruel da hipocrisia e da superficialidade da sociedade de seu tempo. A
história política brasileira, mesmo sem relevarmos o caráter de enfrentamento de classes
de muitos episódios, particularmente os do período do Segundo Reinado, é rica em
exemplos de contradições nos atos e comportamentos dos supostos representantes de
posições progressistas. E uma das ironias da História estaria no fato de que, por
exemplo, boa parte da legislação mais progressista (o termo tem que ser relativizado em
relação ao quadro político do Segundo Reinado...) com relação à abolição da
escravatura, e a própria Lei Áurea, foi proposta, votada e aprovada em momentos de
hegemonia conservadora no cenário político da época.
91
Antes de analisarmos as peças escolhidas, lembremos que, ao fixarmos algumas
linhas de pesquisa para nosso estudo, procuramos definir França Júnior como um crítico
mordaz da política e dos costumes brasileiros da época em que viveu. Ao negar ou
rejeitar comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos, o autor expressa
seu pensamento sobre a sociedade brasileira e o desejo de um país diferente daquele por
ele criticado. Influenciado, em boa parte, pelo repertório de peças realistas francesas e
brasileiras apresentadas no Teatro Ginásio147 no período iniciado em 1855 e encerrado
em 1865, França Júnior teve em Tipos da atualidade (1862) sua primeira peça
representada naquele Teatro, na Corte. Iniciou, com esta peça, sua produção
dramatúrgica influenciado por aquele repertório, mas, em suas obras posteriores, a
comicidade predominaria em detrimento dos temas “sérios” típicos da comédia realista.
O que nos parece importante salientar, de qualquer modo, é a existência de um
clima propício no Rio de Janeiro ao surgimento de um repertório de peças
comprometidas com uma visão de mundo liberal e burguesa. A isso se deve boa
parte do sucesso das peças francesas e brasileiras representadas a partir de
1855. Os espectadores podiam reconhecer-se no palco e aplaudir os valores em
que acreditavam. Assim, a despeito do predomínio do sistema escravista, foi
possível aos dramaturgos brasileiros registrar o surgimento de uma camada
social aberta ao liberalismo e às chamadas virtudes burguesas, nos anos que se
seguiram à supressão do tráfico de escravos. Não pode passar despercebido aos
olhos do analista o fato de a classe média emergente ser a protagonista das
peças teatrais escritas no período. Nesse sentido, a conclusão pode ser outra: os
dramaturgos brasileiros, sintonizados com as transformações sociais,
realizaram em suas obras o primeiro esforço conjunto para a formação de uma
consciência burguesa no Brasil, antecipando-se aos próprios ideólogos do novo
liberalismo, que apareceram logo em seguida. Por trás disso tudo, aquilo que há
pouco chamamos de desejo de civilização. Era preciso que o teatro, instrumento
moralizador e civilizador, como diria um Machado de Assis – fervoroso defensor
das idéias liberais, na juventude - ajudasse o Brasil a elevar-se ao plano das
sociedades mais avançadas.148
147
Ver João Roberto FARIA, O Teatro Realista no Brasil:1855-1865, São Paulo : Perspectiva :
Editora da Universidade de São Paulo, 1993.
148
Ibidem , pp. 268 e 269.
92
A análise interna das peças, fundamentada na compreensão do enredo, seleção
de assuntos e temas, apreensão do significado das cenas e reconstrução das ações e falas
das personagens, revela um autor que nos mostra como o público e o privado, a
intimidade e a vida pública na Corte Imperial, estavam imbricados no tecido social e
cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, comportamentos, ritos e aparências
criticáveis. Esta trama é recortada e costurada pelo autor, na forma de carapuças
fartamente distribuídas às platéias das comédias de costumes, através da paródia,
caricatura e sátira utilizadas para uma reconstrução teatral do Brasil.
O uso da palavra carapuça, feito extensivamente ao longo desta dissertação,
precisa ser esclarecido. Além de remeter-nos ao processo de seleção dos assuntos e
criação das comédias de França Júnior, a imagem das carapuças possui uma referência
situada na história.
A caricatura reproduzida no final da apresentação desta dissertação, remete-nos
à figura do Padre Lopes Gama (Miguel do Sacramento Lopes Gama, 1793-1852),
jornalista e político que publicou artigos de crítica social e política no jornal O
Carapuceiro, que fundou em Pernambuco. O Carapuceiro circulou com interrupções
durante catorze anos (1832-1846). Lopes Gama assumiu a cadeira de deputado geral em
1840 e, nessa época, divulgou O Carapuceiro na Corte, pelas páginas de O
Despertador. Também no Rio de Janeiro publicou “Lições de Eloqüência Nacional”
(1846). Até pouco antes de morrer, colaborava no jornal Marmota Fluminense (1852).
A edição completa de O Carapuceiro, em “fac-símile”, foi feita por iniciativa de
Leonardo Dantas Silva, em Pernambuco.
93
O historiador Evaldo Cabral de Mello selecionou e editou 48 crônicas de O
Carapuceiro, “escolhidas exclusivamente entre os artigos de crítica social”, e, na
introdução da antologia, qualifica o Padre Lopes Gama como “costumbrista”. Ao falar
sobre o gênero literário no qual o padre jornalista apresentava sua crítica social, Evaldo
Cabral de Mello apresenta uma definição do “humor costumbrista” e do “costumbrista”
que, a nosso ver, não é descabida para o “carapuceiro fluminense” França Júnior:
Falar de costumbrismo a respeito de Lopes Gama seguramente não é descabido.
Nesses mesmos anos em que ele redigia seu obscuro jornal de província, o
espanhol Mariano José de Larra levava o gênero ao ponto mais alto que viria a
alcançar nas literaturas ibéricas. (...) Como o de Larra, o objetivo de Lopes
Gama era o velho corrigit ridendo mores, moralizar os costumes pelo
humorismo. (...) O humor costumbrista pode esconder uma aspiração de pureza
que, embora risonha, não é menos fanática que a do missionário. Daí que, com
toda a sua aparência de iconoclasta ou de contestatário, o costumbrista tenda a
ser indivíduo visceralmente conservador, por paradoxal que pareça. E, com
efeito, ele está interessado não em transformar a sociedade, cuja organização,
no essencial, aceita, mas apenas em reformar os costumes, por lhe parecerem ou
perigosamente subversivos da ordem social ou simplesmente ridículos ou
irracionais. O que não significa tampouco que ele seja um reacionário.149
Tipos da atualidade (1862) foi a primeira peça de França Júnior representada na
Corte.
Segundo a apresentação da edição estudada, a comédia em três atos era
representada “sempre com extraordinário sucesso nos teatros do Rio de Janeiro e nos
Estados do Brasil com o título: O Barão da Cutia.150 Nela o autor critica o casamento
por dinheiro, num texto híbrido que mistura a comédia de costumes a intenções
moralizantes, em que a personagem Barão da Cutia é a representação do caipira
paulista, simplório, rico, que desconhece o ritual e as armadilhas da Corte.
149
Padre Lopes GAMA, O Carapuceiro: Crônicas de costumes; organização Evaldo Cabral de
Mello. – São Paulo : Companhia das Letras, Retratos do Brasil, 1996, pp. 9-10.
150
FRANÇA JÚNIOR - Teatro de França Júnior II, Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro,
Fundação de Arte, 1980, p. 17.
94
Na construção das personagens e no desenvolvimento da ação teatral, as
características sociais e culturais são evidenciadas para marcar a incompatibilidade do
homem do campo com o falso refinamento e a afetação da sociedade da Corte Imperial
em acelerado processo de urbanização. Tais elementos (características sociais e
culturais do homem do campo, falso refinamento e afetação da Corte) constituem o
material trabalhado na crítica feita por França Júnior à sociedade apegada às aparências,
que valorizava o dinheiro em detrimento da moral, tratando com desdém a simplicidade
e a franqueza do homem da província.
Ainda não temos, do ponto de vista formal, o domínio da “carpintaria” teatral,
nem o pleno desenvolvimento da vocação cômica que caracterizaram algumas
produções posteriores de França Júnior. Mas fica patente, na escolha do tema e pelo
desenvolvimento do entrecho da comédia, a intenção de mostrar à sociedade e aos
indivíduos, através da caricatura, o rumo tomado nas escolhas morais, nos
comportamentos e na fixação de hábitos e ritos sociais, pela visão do autor,
condenáveis. Poderíamos dizer que as caracterizações dos personagens, através de suas
ações, constituem os recortes do tecido social com que França Júnior costura já algumas
de suas diversas carapuças.
Há, (...) nos tipos de França Júnior, uma busca de realização social. São todos
elementos da pequena e média burguesias; padecem dos vícios e virtudes
próprios de uma classe em crise existencial. Apesar de estar seu teatro
totalmente integrado na política do Segundo Império, (....) nenhum tipo nobre
aparece senão caricaturado. O mesmo acontece com as mulheres, que, se não
são submissas donas de casa, são pedantes e sofisticadamente burlescas em suas
ações ou jovens dispostas a cumprir educadamente as pretensões dos pais. Além
disso, são parodiadas também figuras como os coronéis, que traduzem uma
mentalidade patriarcal, autoritária, prepotente e quase sempre incoerente. No
95
mesmo caso a figura do novo rico, dos bacharéis e bacharelas, representantes
típicos dos desvios e aberrações sociais da época.151
Logo na cena III do primeiro ato da comédia, o Barão é apresentado, por
intermédio de uma carta enviada da capital paulista, como “um dos mais ricos
fazendeiros de São Paulo”. Isso provoca o interesse de Dona Ana de Lemos - viúva de
um comerciante português, personagem-tipo que representa o interesse prático,
financeiro, que regia as relações familiares, a preparação das filhas de família para
casamentos de conveniência. É a mãe de Mariquinhas, jovem de 17 anos apaixonada
por Carlos de Brito, recém-formado em Medicina cujo único patrimônio é o diploma de
“doutor”.
Dona Ana quer dar a filha como esposa a um “negociante honrado”, ou a “algum
homem sisudo”, a quem o dinheiro conquistasse prestígio, posição social, “consideração
e importância”, como ocorrera a seu falecido marido. Na perseguição desse objetivo, é
secundada por Gasparino de Mendonça, alcoviteiro cortesão, Oficial de Secretaria,
freqüentador “de todas essas sociedades onde se reúne o grand monde”, ele mesmo um
caça dotes que casa com “uma velha muito rica” (Ato II, cena I), para ostentar (a
aparência de) uma posição social mantida artificialmente por uma longa “experiência
(...) adquirida nos salões da Corte” (Ato I, cena IV). Torna-se viúvo de Porfíria (uma
“velha rica”), “mandando-a para outro mundo da maneira a mais fácil possível”, após
submetê-la a uma verdadeira maratona de festas, bailes, jantares, sessões líricas e peças
de teatro, “um meio pronto e eficaz” que recomenda “a todos aqueles que casarem com
velhas ricas” (Ato III, cena III).
151
Edvaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA , “Romantismo: a comédia de libertação”, in:
História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Rio de Janeiro:
Editora UFRJ / UERJ / FUNARTE, 1996, p. 278.
96
A contraposição desse primeiro par de personagens (Dona Ana de Lemos e
Gasparino de Mendonça), construído para caracterizar os costumes a serem criticados
na comédia (casamento por interesse e superficialidade cortesã), com o par quase
romântico formado por Mariquinhas e Carlos de Brito é flagrante. Mariquinhas é a
jovem enamorada por Carlos, criada pela família para um casamento de conveniência,
educada no ambiente dos salões da corte, ocupando seus dias com bordados, músicas
que toca no piano e desenhos, além de suspiros apaixonados na ausência do amado, a
quem tenta convencer a pedir sua mão em casamento, antes que a mãe a destine ao
Barão da Cutia; afinal, como lembra ao objeto de seu amor a também prática
Mariquinhas, apesar de pobre e idealista, o médico foi criado e educado por um tio rico
(Ato II, cena I). Carlos, jovem médico idealista, tem sentimentos nobres e convicções
morais que o levam a concluir que “o mundo só olha para os fins e não atende aos
meios” (Ato I, cena VIII). É crítico ao culto das aparências e aos casamentos por
interesse, a que chama de “casamentos da época” (Ato II, cena I). Desdenha da
superficialidade de Gasparino, um “homem da época” (Ato III, cena VIII), contesta os
valores de Dona Ana de Lemos, que especula com a mão da filha e procura um
casamento rentável para Mariquinhas. Carlos diverte-se com as gafes e a ingenuidade
do Barão, a quem acaba dando razão quando este ataca Dona Ana de Lemos, “mulher
falsa e fingida que põe preço à mão de sua filha e que não duvida comprometer a sua
palavra só por causa do dinheiro” (Ato III, cena XI).
A intriga é simples: Mariquinhas ama Carlos, apesar de este ainda não ter
alcançado uma “posição social”. Carlos, apesar de idealista e de possuir apenas um
diploma de “doutor” como patrimônio, tem um tio rico. Dona Ana de Lemos, vigilante
97
dos interesses econômicos da família, tolera as visitas de Carlos, mas lembra a filha que
um casamento rico é a sua função na casa. Gasparino de Mendonça, símbolo da
futilidade e superficialidade de certo tipo comum na Corte, um “homem da época”, faz a
linha de apoio às pretensões de Dona Ana e procura dar cabo de suas dívidas, mantendo
sua aparente “posição social” também com um casamento vantajoso.
O Barão da Cutia é alvo das intenções de Dona Ana de Lemos, do aproveitador
Gasparino e vítima da própria ingenuidade. Apaixonado por Mariquinhas pede a mão da
moça à mãe, que vislumbra no casamento a realização de seu “sonho dourado” (Ato II,
cena VII). Sofre a humilhação de ser preterido na disputa pela noiva, quando um golpe
de teatro faz uma herança tornar Carlos duas vezes mais rico que ele: a morte do tio
deixa ao médico uma fortuna de mil contos de réis.
Carlos passa a ser tratado com cortesia pela futura sogra e admiração por
Gasparino, que recebe de Dona Ana a missão de enxotar da casa o Barão da Cutia,
agora considerado pela viúva “um toleirão, um malcriado que vem todos os dias
aborrecer a menina e maçar-me a paciência contando-me histórias da sua burra branca,
falando-me das vantagens da garapa de Santo Amaro, da farinha de milho, de sua
fazenda e de tudo que lhe vem à boca” (Ato III, cena IV).
A frieza com que passa a ser tratado na casa da família, as desculpas e oscilações
de comportamento da pretensa noiva e os achaques de que é objeto por parte de
Gasparino atormentam o provinciano Barão, que cai em si e lamenta ter deixado a
pacata Cutia para ir ao Rio de Janeiro, à Corte, uma “terra endiabrada cheia de carros,
98
de lama e de calor, para deixar-me apaixonar nesta idade por uma menina que é um
demônio de saia balão!” (Ato III, cena IX).
O desfecho moralizante traz a crítica acerba de França Júnior ao comportamento
das personagens Dona Ana de Lemos e Gasparino de Mendonça pelas palavras do
desenganado e desprezado Barão, que classifica a viúva como uma “mulher falsa e
fingida que põe preço à mão de sua filha e que não duvida comprometer a sua palavra
só por causa do dinheiro (...) capaz de saltar por cima das considerações da honra e da
dignidade.” Na sua indignação, repele ameaças porque se sua “linguagem é de um
homem estúpido”, sem possuir isso que Dona Ana “chama educação” e que ele chama
“antes a máscara que oculta uma alma corrompida”, alega possuir ao menos “a
franqueza e a lealdade que caracteriza um homem de província” (Ato III, cena XI).
Eram dois mundos distintos que se hostilizavam com rancor crescente, duas
mentalidades que se opunham como ao racional se opõe o tradicional, ao
abstrato o corpóreo e o sensível, o citadino e cosmopolita ao regional ou
paroquial.152
Lembrado pela viúva que “está no seio de uma família”, o Barão responde que
está “é no seio da corrupção e da miséria!”. Convidado por Gasparino a retirar-se da
casa, “para não dar escândalos”, repele o convite com um ataque fulminante a quem
“especulou também com este negócio, servindo de correio de meus amores, para exigir
depois o pagamento de algumas dívidas que sua mulher não quis pagar!”, chamando
ainda o elegante caça dotes de “vil, ordinário e infame!” (Ato III, cena XI).
152
Sérgio Buarque de HOLANDA, “Herança Rural”, in: Raízes do Brasil, 8ª edição, Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, Coleção Documentos Brasileiros, volume 1, 1975, p. 46.
99
O Barão vai embora para sua Cutia, onde deseja entrar “tão puro e tão limpo”
como de lá saiu (Ato III, cena XI), mas antes sente-se vingado ao saber que Dona Ana
vai casar com Gasparino. Este enxerga no novo casamento outra oportunidade de ouro,
afinal “Dona Ana de Lemos tem alguma coisa... julga-me sem dúvida senhor de uma
boa fortuna com a morte da velha... a menina casa-se com mil contos... fica este bolo em
casa...” (Ato III, cena III).
Carlos e Mariquinhas vão se casar e é o noivo quem lembra à futura sogra as
condições em que cedeu, afinal, à cooptação do meio social e foi aceito na família, pois
não foi “o interesse, nem uma especulação de lucros” que o ligou a Mariquinhas, um
“protótipo de virtudes”, e sim “um sentimento que Vossa Excelência desconhece e que
na época atual desafia o epigrama. Como simples doutor em medicina sei que a mão de
sua filha me seria negada; Vossa Excelência queria um título ainda mais nobre; esse
título a fortuna mo deparou. Não é o Doutor Carlos de Brito que hoje vem fazer parte
de sua família; é um milionário, um capitalista que vem realizar as ambições de Vossa
Excelência” (Ato III, cena XII).
Dona Ana pede que o futuro genro não “faça injustiça” aos seus sentimentos,
pois “pode avaliar-se os efeitos de uma paixão quando a sentimos também no peito”, e
apresenta-lhe o “Senhor Gasparino de Mendonça, que de hoje em diante fará parte da
nossa família com o doce nome de meu esposo.” Ao apelo de Mariquinhas para que
evitem o casamento da mãe com “semelhante homem”, Carlos responde, encerrando a
comédia com a seguinte sentença: “--- É ainda uma ambição fatal que a cega: cumpra-se
o seu destino na terra.” (Ato III, Cena XII).
100
Dando à peça o título "Tipos da atualidade", o comediógrafo faz da
mediocridade e do interesse as molas-mestras das relações interpessoais na
sociedade fluminense de então.153
Comportamentos, hábitos e atitudes de seus contemporâneos são rejeitados e
satirizados por França Júnior nesta comédia de certo sabor realista154, revelando o
crítico social no bacharel recém saído da Academia. Convém lembrar que França
Júnior, estudante de humanidades e bacharel em Letras no Colégio Pedro II, concluiu a
Faculdade de Direito de São Paulo em 1862, ano em que escreveu Tipos da atualidade
ou o Barão da Cutia. Iniciando a vida literária nos bancos da Academia, foi
influenciado pelo modelo realista francês adaptado ao Brasil (leia-se, a Corte Imperial
do Rio de Janeiro) da segunda metade do século XIX, que experimentava franco
desenvolvimento econômico e urbano graças ao redirecionamento de capitais que eram
empregados no comércio de escravos, a partir da interrupção do tráfico em 1850.
Já aparecem no texto do jovem autor traços do que se poderia qualificar como a
sua contribuição para um pensamento sobre a sociedade brasileira, que foram
aprofundados nos folhetins e nas últimas comédias: o olhar irônico do autor sobre os
costumes da época, sua verve crítica, estavam direcionados para uma sociedade
burguesa, moderna, civilizada, em que as relações familiares não fossem submetidas ao
puro interesse financeiro, nem tão pouco ao ideal de vida simples (melhor seria dizer
“simplória”) da província.
153
Texto sobre França Júnior no “site” da Academia Brasileira de Letras, da qual França Júnior
é patrono da cadeira nº 12. ver: www.academia.org.br/imortais.htm
154
Ver a análise de João Roberto FARIA sobre a peça em O Teatro Realista no Brasil: 18551865, São Paulo : Perspectiva : Editora da Universidade de São Paulo, 1993. – Estudos; 136,
pp. 249
101
A seguir, apresentaremos textos que abordam questões de costumes, de política
partidária e de conotações políticas gerais.
O amplo quadro social abarcado nas comédias de costumes de França Júnior,
com a utilização do material anotado sobre tipos e costumes originado dos folhetins que
o autor publicava em diversos jornais, deram ao crítico social diversas opções de
assuntos, situações e comportamentos a serem abordados nos enredos das peças.
Com a linguagem cênica apurada nas comédias de um ato, e o exercício
constante da seleção e crítica de costumes desenvolvido tanto naquelas obras quanto na
escrita dos folhetins, nota-se que, nos textos de maior fôlego, como as comédias Direito
por linhas tortas (1870), Como se fazia um deputado (1882), Caiu o ministério! (1882)
e As Doutoras (1889), a temática política predomina, principalmente nas peças de 1882.
Mesmo ao abordar as relações de casais e ao elaborar uma sátira ao feminismo,
respectivamente, nas comédias de costumes Direitos por linhas tortas e As doutoras,
França Júnior não deixa de introduzir as relações de poder no desenvolvimento da
trama. No nível da intimidade doméstica e das idéias sobre o papel da mulher na
sociedade, não deixa o crítico social de pincelar, mesmo que em registro paródico,
questões políticas, como a Guerra do Paraguai ou os direitos políticos da mulher:
Barão – Parece que o meu baronato está lhe incomodando muito! Pois faça o
mesmo. É preciso que cada cidadão pague, como pode, o tributo à pátria. Uns
derramam sangue em sua defesa, outros dão planos de campanha pelas
esquinas e os mais sensatos, como eu, alcançam um título que os enobrece do
dia para a noite, mandando para a guerra alguns representantes do elemento
servil.” (Direito por linhas tortas, Ato III, cena I)
102
Carlota – (...) O que me traz aqui é um motivo de ordem grandíloqua, elevada e
arquicivilizadora. Senhor Manuel Praxedes, apresento-me candidato à
Deputação Geral, pelo Município Neutro.
Praxedes – Bravo! Bravo! Muito bem!
Maria – Pois as senhoras querem também ser deputadas?
Praxedes – Por que não? Nos Estados Unidos, as mulheres são caixeiras,
empregadas nos telégrafos, nas estradas de ferro, nos correios... são até
capitães nos navios.
Carlota – Até bombeiras. Amanhã sairá em todas as folhas a minha circular.
Nesta peça estereotipo o programa das reformas sociológicas femininas de que
pretendo dotar o meu país. Vai ver, fica a mulher equiparada ao homem em tudo
por tudo. É uma revolução. (As Doutoras, Ato II, Cena XVI).
Na comédia em um ato O Tipo Brasileiro (1872), temos um tema que o autor
retoma, parcialmente, em Caiu o Ministério! (1882) e no folhetim “Parece estrangeiro!”
(da série “Ecos Fluminenses”, publicada no jornal O Paiz, em 1885) o costume
brasileiro de valorizar o que é estrangeiro, inclusive no que diz respeito à aparência
física e ao modo de vestir. Em breves movimentos e em falas expressivas, com a ação
em ato único, temos a caracterização do assunto da comédia e o retrato das
personagens-tipo, a exemplo do que acontecerá em Entrei para o Club Jácome (1877):
Toda a comicidade está centrada naquilo que Henri Bergson chama de
“rigidez” em seu clássico O Riso. Ou seja: o personagem age mecanicamente,
repetindo um comportamento que vai se mostrando extravagante, exagerado e
conseqüentemente cômico. Já O Tipo Brasileiro ilustra a comédia centrada
numa única idéia: satirizar o costume nativo de valorizar somente o que é
estrangeiro. Em cena, o inglês espertalhão encanta o brasileiro imbecil com
projetos de obras absurdas, vendendo-os como geniais, mas no final é
desmascarado por um jovem e inteligente filho da terra.155
Henrique é apaixonado por Henriqueta, filha de Teodoro Paixão, criticado por
Henrique por sua mania pelo “estrangeirismo” (Ato Único, Cena I). Henriqueta também
ama Henrique, mas o casal tem sobre suas cabeças a ameaça de um rival poderoso para
Henrique: Mr. John Read, empreendedor inglês a quem a mão da moça está prometida
155
João Roberto FARIA - “França Júnior e a Comédia de Costumes”, in: O Teatro na Estante:
estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira, São Paulo : Ateliê Editorial, 1998, p. 60.
103
em casamento por Teodoro Paixão, que irá finalmente unir o nome brasileiro da família
a um nome estrangeiro:
Teodoro --- (...) Estuda um ar senhoril e compenetra-te da idéia de que vais ser
a mulher de um inglês! Miss Henriqueta Paixão Read! Que nome! Tem o diabo
do Paixão que desconcerta-lhe a harmonia estrangeira, mas enfim, se quiseres,
podes tirá-lo. (Cena IV.)
O empreendimento que fascina Teodoro Paixão é uma “idéia de alta
conveniência pública, de que os tais senhores brasileiros ainda não se lembraram" e que
só poderia “germinar num cérebro maravilhosamente organizado: Mr. John Read
pretende obter do governo um privilégio para encanar cajuadas em toda a cidade.”
(Cena II).
No embate entre Teodoro Paixão e sua obsessiva preferência por tudo que é
estrangeiro, com a defesa da cultura e da sociedade brasileiras feita pela personagem
Henrique, o nacionalista França Júnior apresenta, pela crítica ao “estrangeirismo”, um
verdadeiro projeto político, cultural e moral para o Brasil:
Henrique --- (...) O brasileiro desprestigia-se a si próprio, em todos os lugares, a
cada momento, nas coisas mais insignificantes da vida e nos maiores
acontecimentos dela. (...) Saímos do colégio ignorando a nossa história;
sabemos onde fica a França, a Inglaterra e a Rússia, mas raros são os que
podem dizer os nomes das principais cidades do Brasil. No parlamento
ninguém cita os luminosos precedentes do nosso passado, roídos pelas traças
em solitários arquivos; em compensação porém invocam-se ali, a cada passo, as
práticas inglesas e levantam-se soberbos pedestais a lord Derby, Pitt, Thiers,
Guisot e a tantos outros luzeiros do velho mundo. A imprensa desprestigia os
nossos literatos: quando uma vocação surge, ébria de esperanças, ou morre
ignorada, tiritando no gelo da indiferença, ou sucumbe aos golpes da crítica
invejosa e mordaz. Não há ninguém honrado no fastígio do poder: os estadistas
assumem o governo, cheios de fé, e descem dos conselhos da coroa, feridos na
probidade e trazendo no coração os gérmens da descrença. Se a dignidade da
nação emprenha-se em cruenta guerra, amesquinhamos as nossas vitórias
perante o estrangeiro mandando escrever em todos os jornais do império que
nos batemos com inimigos esfaimados, maltrapilhos e covardes. Não é tudo
ainda, os guerreiros da Rua do Ouvidor dão planos de campanha e,
desrespeitando a dignidade do pavilhão nacional, abatem hoje o general que
104
elevaram ontem, para elevarem outro que hão de abater amanhã. (...) A nossa
indústria definha, humilhada por nós mesmos. O brasileiro que monta um
estabelecimento industrial trata logo de ocultar a nacionalidade de seus
produtos em pomposos rótulos estrangeiros. (...) Envergonhamo-nos das
tradições as mais populares que todos os povos civilizados respeitam como
legados preciosos do passado. Vamos de dia em dia perdendo o tipo na família,
nos hábitos, nos costumes, e finalmente até já começamos a prostituir a
própria língua que falamos! (Cena II – grifos nossos)
No trecho citado, há claras referências à Guerra do Paraguai (1865-1870) e ao
papel do Duque de Caxias, do Partido Conservador, nomeado comandante das tropas
brasileiras no Paraguai por um Gabinete Ministerial liberal (presidido por Zacarias Góes
de Vasconcelos). Caxias, após várias vitórias militares, passou a ser atacado pela
imprensa e pela situação liberal. Vale lembrar que França Júnior era simpático às teses
do Partido Conservador. A Rua do Ouvidor era uma “praça de guerra” de partidários
das tendências políticas do Império.
França Júnior já havia ironizado, num folhetim publicado em fevereiro de 1868,
o luxo de uma sociedade carnavalesca, o “Club X”, que havia utilizado dois camelos e
vestuários luxuosos num festejo carnavalesco. Na comédia, o autor aproveita o material
de suas observações que havia registrado no folhetim. Tal como naquele texto, percebese a ironia do autor, até sobre o bem intencionado Henrique:
Teodoro – É verdade. Ora, ouça. “Grande exposição de camelos da Costa
D’África. Entrada 1$000.”
Henrique – Eis aí ainda uma prova do nosso pouco amor à pátria, e do maldito
estrangeirismo que vai tudo invadindo. Camelos da Costa d’África! Este país
tem muito bons camelos, pode dize-lo com orgulho, não há necessidade de ir
mendigá-los ao estrangeiro.
Teodoro – (Com intenção.) – Lá isso tem, é a pura verdade.
Henrique – Talvez militasse no ânimo do expositor uma razão muito poderosa de
economia.
Teodoro – Qual é?
Henrique – É que o camelo da Costa d’África pode passar muitos dias sem
comer; os camelos do Brasil são os que mais comem. (Cena II).
105
No momento em que Henrique desfila suas queixas nacionalistas, Teodoro
Paixão ironiza o entusiasmo do jovem brasileiro, chamando de “Discursos!” a sua
pregação nacionalista, dizendo que ele é “... um brasileiro às direitas; tem discursado
maravilhosamente. Estamos fartos de discursos, queremos a realidade.” (Cena II).
Desfere um golpe certeiro no apaixonado por Henriqueta, ao comunicar-lhe que a moça
irá casar com Mr. John Read.
Determinado a não abrir mão de sua paixão e a dar uma lição ao pai de
Henriqueta, Henrique disfarça-se de françês chegado “diretamente de Lisbonne pour
arranje um negocio com o governo”, que tem “idéia de montar aqui um grande fabrique
de pomade.”, alimentando a “esperance de fazer beaucoup d‟argent neste país”. O falso
francês compromete-se, sozinho, a dar “pomade a tout le monde. (...) Se eu consegue
arranjar ser pomadiste universal avec garantie du gouvernement, acaba de uma vez com
pomade falsificade que se consume em tudo o Brésil.”(Cena VII).
O despropósito e o exagero dos empreendimentos “estrangeiros” - o
encanamento de cajuada pelo inglês e o monopólio da pomada, pelo francês, só tem
paralelo, na sátira de França Júnior, no fato de que há um brasileiro, Teodoro Paixão,
que porá a sua “humilde proteção” ao “serviço de todos os estrangeiros inteligentes e
laboriosos que aportam a este país.” (Cena VII). O servilismo aos estrangeiros é
impiedosamente retratado em Teodoro Paixão.
Após uma sucessão de cenas em que Henrique, Teodoro Paixão e Mr. Read
alternam-se em situações ridículas, e Henriqueta torna-se objeto de disputa entre os dois
“estrangeiros”, o inglês é desmascarado pelo falso francês e revela-se um aproveitador,
106
que está atrás do dote de Henriqueta e do privilégio governamental para apurar dinheiro
e pagar dívidas contraídas em Paris. Teodoro Paixão presencia o momento em que o
inglês é desmascarado e passa a repudiar os estrangeiros.
Na cena final, Henrique, ainda como o falso francês, pede a mão de Henriqueta.
Teodoro nega, dizendo que “nesta casa não há de entrar mais tratante algum” e que
consente no casamento da filha “com o Senhor Henrique”. Este revela-se e obtém a mão
de Henriqueta e assim termina a comédia:
Teodoro --- Pois era o senhor?!
Henrique --- É verdade; um brasileiro, ainda quando nenhum préstimo tenha,
serve ao menos para desmascarar um tratante. Receba calado esta lição e
aprenda a respeitar a terra das bananas e palmeiras, onde canta o sabiá. Deitenos a sua benção.
Teodoro (Abençoando-os.) --- Deus os faça santos.
Henrique – Merci, Mr. Theodore Passion. (Cena XIII)
Na peça Tipos da atualidade (1862), França Júnior compõe seu material de
trabalho, traçando o perfil de uma sociedade apegada às aparências, que valoriza o
dinheiro em detrimento da moral, que trata com desdém a simplicidade e a franqueza do
homem da província. Suas carapuças são distribuídas aos esnobes e à instituição do
casamento e os interesses que em torno dela gravitavam na sociedade do Segundo
Reinado. Em O Tipo Brasileiro (1872), temos a credulidade do cortesão que valoriza
tudo que é estrangeiro, comicamente representada no caráter rígido da personagem
Teodoro Paixão. A carapuça aqui tem endereço certo: a mania de só atribuir valor à
cultura, às idéias, aos produtos estrangeiros, já então amplamente disseminada na
107
sociedade brasileira, revelando o “desamor pelo eu brasileiro, o desrespeito pela
dignidade própria” 156.
A política brasileira do Império está referenciada na obra dramatúrgica de
França Júnior desde a primeira obra teatral escrita e encenada. Em seus textos, surgem
referências a temas como a Questão Anglo-Brasileira, a decadência do Império, a
Abolição da Escravatura, a Guerra do Paraguai, a República, a Conciliação (gabinetes
parlamentares entre 1853-1857), os empréstimos ingleses que inauguraram a
dependência externa brasileira das finanças internacionais etc157. João Roberto Faria
considerou que trazer o assunto político à comédia de costumes foi a contribuição de
França Júnior para o teatro brasileiro que, neste sentido, teria ido um pouco além de
Martins Pena.158
No entanto, não apenas questões especificamente políticas foram alvo da crítica
e da sátira de França Júnior. Os costumes sociais, a intimidade, a vida privada aparecem
ao lado da temática especificamente política, como as articulações para a composição de
um ministério ou a maneira como se processa a eleição de um deputado. Esses costumes
sociais e práticas políticas são alvo da denúncia, da paródia, das caricaturas e da sátira
do autor.
A política é o fio condutor do enredo e permeia as relações que as personagens
estabelecem entre si, nas peças Como se fazia um deputado e Caiu o Ministério! (ambas
156
Folhetim “Parece estrangeiro!”, in: FRANÇA JÚNIOR - op. cit. p. 652.
Edwaldo CAFEZEIRO e Carmem GADELHA , op. cit. pp. 275 a 285.
158
Resposta à pergunta que fizemos ao palestrante, dia 16 de outubro de 2001, durante o
debate sobre o tema de sua palestra “Teatros Nacionais e Sociedade Burguesa”, no ciclo O
TEATRO E A CIDADE – São Paulo, 08 a 31 de outubro de 2001, Centro Cultural São Paulo,
Secretaria do Municipal da Cultura.
157
108
de 1882). A primeira peça, como já o dissemos, teve o verbo do título alterado pelo
autor (de faz para fazia), face à coincidência da promulgação de legislação eleitoral
criada para inibir os abusos de candidatos e seus correligionários satirizados na peça. O
ridendo castigat mores da sátira pode ser percebido, involuntariamente, já desde este
episódio. Os costumes políticos não mudaram por força de lei. Nem na época em que a
comédia foi escrita, nem posteriormente.
Duas lideranças locais, oficiais da Guarda Nacional159, uma do Partido
Conservador (Tenente-Coronel Chico Bento), outra do Partido Liberal (Major
Limoeiro) disputam o poder na Freguesia de Santo Antônio do Barro Vermelho. A
província vai eleger um Deputado e os dois líderes ensaiam uma discussão sobre
princípios, mas acabam arquitetando planos para a manutenção do poder, através da
eleição de Henrique, sobrinho e herdeiro do Major Limoeiro, bacharel em Direito
recém-formado. Para selar a aliança, um casamento de conveniência. A noiva será
Rosinha, moça simples, da “roça”, filha do Tenente-Coronel Chico Bento.
A estratégia política, que compreende o casamento por interesse, é expressa em
rápidos diálogos entre os dois “oficiais”:
Limoeiro –(...) Eu represento o dinheiro; o tenente-coronel a influência. (...)...
é preciso olhar seriamente para o futuro de Henrique, antes que a reforma
eleitoral nos venha por aí.
Chico Bento – Quer então que...
159
“Era a milícia cidadã criada em 1831, inspirada na Revolução Francesa, para manter a
ordem e policiar o município. A lei de 18.8.1831 extinguiu as milícias e criou a Guarda Nacional.
O alistamento era só entre os cidadãos que possuíam condições econômicas estáveis. Graças
à Guarda Nacional, surgiam grupos locais que obrigaram o governo a fazer acordos para
manter a centralização do Estado. Os comandantes locais passaram a ser os coronéis, que
também dirigiam a política. Esta instituição prestou serviços na Revolução Farroupilha e na
Guerra do Paraguai. No final do II Reinado a força se abastardou pela corrupção da venda de
cargos aos novos ricos. Foi extinta em 1918.” Moacyr FLORES, Dicionário de História do Brasil,
2ª edição, revista e ampliada, Porto Alegre : EDIPUCRS, 2001, Coleção História; 8, pp. 292.
109
Limoeiro – Que o tome sob a sua proteção o quanto antes, apresentando-o seu
candidato do peito nas próximas eleições.(...)O rapaz é meu herdeiro, casa com
a sua menina, e assim conciliam-se as coisas da melhor maneira possível.
Chico Bento (com alegria concentrada) – Confesso ao major que nunca pensei
em tal; uma vez, porém que este negócio lhe apraz...
Limoeiro – É um negócio, diz muito bem; porque, no fim de contas, estes
casamentos por amor dão sempre em água de barrela. O tenente-coronel
compreende... Eu sou liberal... o meu amigo conservador...
Chico Bento – Já atinei! Já atinei! Quando o Partido Conservador estiver no
poder...
Limoeiro – Temos o governo em casa. E quando o Liberal subir...
Chico Bento – Não nos saiu o governo de casa.(...)E se se formar um terceiro
partido? Sim, porque devemos prevenir todas as hipóteses...
Limoeiro – Ora, ora... Então o rapaz é algum bobo? Encaixa-se no terceiro
partido. O tenente-coronel já não foi progressista, no tempo da Liga160?
Chico Bento – Nunca . Sempre protestei contra aquele estado de coisas; ajudei
o governo, é verdade, mas no mesmo caso está também o major, que foi feito
comendador naquela ocasião.
Limoeiro – É verdade, não o nego; mudei de idéias por altas conveniências
sociais. Olhe, meu amigo, se o virar casaca fosse crime, as cadeias do Brasil
seriam pequenas para conter os inúmeros criminosos que por aí andam.
Chico Bento – Vejo que o major é homem de vistas largas.
Limoeiro – E eu vejo que o tenente-coronel não me fica atrás.
Chico Bento – Então casamos os pequenos...
Limoeiro – Casam-se os interesses... (Ato I, Cena VI – grifos nossos).
O processo de convencimento e formação do candidato é conduzido pelo tio,
com o senso prático e realista dos velhos líderes políticos. Limoeiro tira da frente dos
olhos do jovem idealista as ilusões românticas dos tempos da Academia, pois “isto de
poesia não dá para o prato”. É preciso ocupar-se “com alguma coisa séria”. Questionado
sobre que carreira pretende seguir, Henrique vê o tio desqualificar uma por uma as que
o recente bacharel enumera: a magistratura, a advocacia, a diplomacia, a carreira
administrativa e o jornalismo. A política é a carreira ideal, pois para “... deputado não é
preciso ter prática de coisa alguma. Começas logo legislando para o juiz municipal, para
o juiz de direito, para o desembargador, para o Supremo Tribunal de Justiça, para mim,
que sou quase teu pai, para o Brasil inteiro em suma.” (Ato I, Cena VII).
160
Liga Progressista. “Grupo político organizado pelo Marquês de Caxias, quando presidia o
Conselho de Ministros. A liga se dissolveu em 1865 com a queda do gabinete do marquês de
Olinda”. Moacyr FLORES - op. cit., pp.358/359. O Marquês de Caxias, futuro Duque de Caxias,
político e militar, pertencia ao Partido Conservador, o mesmo do Tenente-Coronel Chico Bento.
110
A resposta à pergunta do Major Limoeiro sobre as opiniões políticas de
Henrique, que nunca havia pensado no assunto, satisfaz o Major, pois o não ter idéias
políticas revela que Henrique é “... mais político do que eu pensava.” A escolha de um
partido, qualquer um, é necessária ao futuro candidato, e o jovem bacharel concorda em
ser do partido do tio (Liberal). Este questiona se ele pode ser conservador e Henrique
concorda também. Limoeiro decide que Henrique servirá aos dois partidos. Henrique
protesta que “isto é uma indignidade” e recebe do tio uma prática lição de realismo
político: “Indignidade é ser uma coisa só!” (Ato I, Cena VII).
Os dois coronéis comunicam aos jovens Henrique e Rosinha que eles vão se
casar. A perplexidade do sobrinho do Major não é menor do que a resistência da roceira
filha do Tenente. Rosinha diz não gostar de brincadeiras e diz que não quer casar.
Teimosa, a moça diz que “... quando digo que não quero, é porque não quero mesmo.”
161
As dificuldades no convencimento dos noivos são superadas por um golpe de
teatro por parte de França Júnior: a simplicidade da roceira Rosinha agrada a Henrique
que tem diante de si uma bela moça: “Cintura fina e delgada, cabelos castanhos...
Decididamente não é nenhuma asneira”. Casar com um moço que “não é muito feio”,
doutor em Direito, de quem tem doces recordações de infância (Henrique havia
presenteado a menina com uma boneca) e com a perspectiva de ir morar no Rio de
Janeiro, não desagrada à moça simples.
161
Antecipando uma expressão que seria utilizada, no final do século XX, por um conhecido estadista da
República para desqualificar a oposição, Rosinha reitera a recusa: “É à-toa, escusa de estar nhen-nhennhen em cima da gente.” (Ato I Cena IX – grifos nossos).
111
Os arranjos domésticos e políticos caminham paralelamente, e bem. No segundo
ato da comédia, a eleição. Revela-se a trama urdida para eleger Henrique: capangas,
brigas, roubos de urnas, listas de eleitores fantasmas, voto de escravos, mortos e
estrangeiros, todos os recursos da fraude eleitoral então disponíveis são utilizados e o
atônito bacharel a tudo assiste, perplexo, chocado. Ao perceberem a manobra política,
levantam-se vozes de protestos, a primeira eleição é anulada e segue-se um segundo
pleito cujo resultado é previsível: é eleito Deputado Provincial o Doutor Henrique
Limoeiro.
No terceiro e último ato, Rosinha é preparada, sob protestos, para tornar-se
mulher de um deputado. É a mãe, Dona Perpétua que a lembra que deve ser uma “...
moça educada, bem arranjadinha” e que a mulher de um político “... é uma senhora que
tem o dever de ser amável, de dar reuniões em sua casa, de lisonjear os outros, e de se
apresentar bem.” (Ato III, Cena I). O Major Limoeiro sonha um “futuro mais que
perfeito” para o sobrinho: “Moço, rico, talentoso, deputado provincial aos vinte e quatro
anos, futuro representante da nação aos vinte e cinco, futuro ministro aos vinte e seis,
futuro chefe de partido aos trinta e futuro senador do império aos quarenta!” (Ato III,
Cena II) Aqui fica clara a intenção de França Júnior de denunciar o compadrio, aliado
político do filhotismo, como alavanca das carreiras políticas da época.
Major Limoeiro e Tenente-coronel Chico Bento, consumada a eleição do
protegido, tratam de promover Henrique a candidato à representação nacional (deputado
na Câmara Federal, no Rio de Janeiro). Articulam a indicação por um dos partidos. Ao
excesso de cuidados de Chico Bento sobre a apresentação de um programa eleitoral, em
112
que o candidato “há de definir as suas idéias”, Limoeiro retruca perguntando o que tem
“... as idéias com o programa, e o programa com as idéias?”. Pede ao aliado que não
misture “... alhos com bugalhos (...) e parta deste princípio: o programa é um amontoado
de palavras mais ou menos bem combinadas, que têm sempre por fim ocultar aquilo que
se pretende fazer.” (Ato III, Cena IV).
O choque de Henrique com os acontecimentos das eleições ressuscita o
idealismo do recém-formado bacharel, que havia sido amortecido pela sedução política
do tio, e pela perspectiva do casamento com Rosinha, por quem se apaixona. Henrique
cai em si e pondera:
“Acabo de sair dos bancos da academia, do meio de uma mocidade leal e
generosa, cheio de crenças, sonhando a felicidade de minha pátria, e eis que de
chofre matam-me as ilusões, atirando-me no meio da mais horrível das
realidades deste país – uma eleição, com todo o cortejo de infâmias e
misérias.”(Ato III, Cena V)
Este choque de realidade seria trágico, se não fosse cômico. Henrique, que tem
consciência de ser um mero joguete nas mãos dos velhos líderes políticos, nega-se a
apresentar-se à Câmara como deputado eleito, mas é chamado à coerência pelo tio:
“Mas, rapaz, como combinar esta série de disparates que estás dizendo agora, com o que
fizeste nas eleições?!” (Ato III, Cena V).
França Júnior, folhetinista político de oposição entre 1867 e 1868, arremata um
diagnóstico da vida política brasileira, ainda válido, neste quase monólogo do novo
“deputado”:
Chico Bento – Pois o senhor não tem a ambição de representar o seu país?
Henrique – E o senhor chama isto representar o país? O que é que eu
represento? Quais são as minhas idéias? A que partido estou filiado? Que
113
solução posso dar a todos os grandes problemas sociais que se agitam
presentemente?
Limoeiro – Porém...
Henrique – Formado apenas há dois meses, sem experiência da vida, sem a mais
pequena noção dos negócios públicos, o que vou fazer na Câmara? O papel
triste e ridículo de um filhote, apresentado por um tio liberal e um futuro sogro
conservador. Que manancial fecundo para os folhetins dos jornais de
oposição! (Ato III, Cena V – grifos nossos)
Rosinha é chamada pelo futuro sogro, Major Limoeiro, para convencer Henrique
a não “abandonar a carreira que tão brilhantemente começa agora.” A felicidade da
moça simples está em jogo. Limoeiro, hábil na sedução política, joga com os interesses
da futura esposa de um deputado, pois “... a menina tem também o maior interesse nisto.
Irá para a corte, terá ricos vestidos, bonitas jóias, aparecerá nos grandes bailes,
freqüentará todos os teatros, divertir-se-á, enfim, como uma verdadeira princesa.” O
major alimenta a curiosidade da moça da roça pelos “encantos de uma grande capital”.
Rosinha finalmente capitula ao ver-se, nas palavras do hábil sedutor, casada e passeando
com o marido pela Rua do Ouvidor:
Limoeiro – É um céu aberto! De noite, então, nem falemos. É clara como o dia e
tem mais gente que o arraial no dia da festa de Santo Antônio. A menina só de
braço com seu marido, para baixo e para cima, a comprar uma jóia aqui, ali um
vestido, acolá um chapéu, e todos a perguntarem: quem é aquela moça? Que
peixão! Pois não conheces? É a mulher do Deputado Limoeiro. Há nada que
pague isto? (Ato III, Cena VII)
Dizendo-se uma “... pobre moça da roça”, sem educação, que não pode, como o
refinado homem da corte que é Henrique, “... dizer tanta coisa bonita”,
Rosinha
pergunta se ele é capaz de fazer “uma coisa que vou lhe pedir?” e arranca do futuro
marido a promessa de levá-la para a Corte. Rosinha, porém, impõe a condição de ir para
a Corte como a “mulher do Senhor Deputado Limoeiro”, ao que Henrique, ciente da
armadilha armada pelo tio, responde:
114
Henrique – Por que me falas de política quando falo-te de amor?
Rosinha – Porque a política dar-te-á a posição, e eu quero ver-te um grande
homem.
Henrique – Compreendo. Meu tio, depois de haver tentado plantar em meu peito
a ambição, procura agora arraigar no teu a vaidade! Se o não estimasse como
um verdadeiro pai, e se não visse que tudo quanto ele tem feito é com as
melhores intenções, diria que a serpente procura Eva para tentar Adão. (Ato III,
Cena VIII).
A cooptação social está consumada, com o casamento de conveniência dos
jovens representantes das famílias aliadas na política. Henrique partirá como Deputado
e envidará “todos os esforços para bem cumprir” seus deveres, levando, porém, “a
convicção de que a descrença, mais tarde ou mais cedo, far-me-á tragar a taça dos
dissabores.” (Ato III, Cena IX).
Na festa que comemora a eleição de Henrique, o liberal Major Limoeiro entrega
a carta de alforria a Domingos, um escravo que participou da fraude eleitoral, votando
mais de uma vez. França Júnior alfineta a “filantropia” interessada do líder político
liberal na província:
Limoeiro - Chegaste a propósito. (Com ar solene) – Domingos, de hoje em
diante serás um cidadão livre. Aqui tens a tua carta, e na minha fazenda
encontrarás o pão e o trabalho que nobilita. (Ato III, Cena XII – grifos nossos)
Com a fidelidade do ex-escravo, o Major da Guarda Nacional conserva preso a
sí o cabo eleitoral, para continuar exercendo o poder autocrático na Freguesia. E assim
termina esta comédia.
Desta forma, em vinte anos de produção intermitente, a produção dramatúrgica
de França Júnior esteve voltada para a crítica social de costumes e da política de seu
115
tempo. Aproveitando o farto material que a observação do cotidiano, apresentado
metaforicamente ou em forma de descrição, nos folhetins que escreveu para vários
jornais, mostrando a vida no Brasil em suas múltiplas manifestações, tanto no ambiente
urbano do Rio de Janeiro Imperial da segunda metade do século XIX, quanto no entorno
rural, França Júnior trouxe para o teatro, para o plano da representação, essa mesma
sociedade.
A representação, em chave de paródia, caricatura e sátira, aponta e exagera os
defeitos da sociedade carioca das últimas décadas do século XIX, mostra-nos tipos
sociais que se enredam em tramas de hábitos, comportamentos, ritos e aparências
criticados pelo comediógrafo que não poupa ninguém, “satisfazendo-se em cobrir de
ridículo até os bem-intencionados”162.
Da cultura à política, do ambiente doméstico à vida social, das questões de
Estado à vida urbana, em vários campos procura o analista de costumes França Júnior
material para suas carapuças morais, estéticas, culturais e políticas. Nada parece
escapar ao olhar atento, à sua pena ágil, ao estilo cômico de representar a realidade que
tem à frente de seus olhos. O trabalho de elaborar a trama, recompondo a imagem da
sociedade, sob a forma de carapuças devidamente endereçadas, é feito de modo a
recortar no tecido social, cultural e político brasileiro da época o que nos é mostrado,
em chave de comédia, propositalmente exagerado (caricatura), esgarçado, ampliado.
A escolha do material a ser trabalhado e a fatura dos folhetins, e principalmente
das comédias, ressalta, como vimos demonstrando ao longo deste trabalho, o que era
162
Sábado MAGALDI - “Fixação de costumes”, in: Panorama do Teatro Brasileiro; 3ª edição,
revista e ampliada, São Paulo : Global Editora, 1997, p. 140.
116
mais evidente, o que mais agredia a sensibilidade estética, cultural, social do homem de
letras, do jornalista que passa a utilizar a máscara de autor teatral para mostrar “à sua
época e geração sua forma e efígie” (Hamlet, Ato III, Cena II). E a principal crítica,
parece-nos, é dirigida ao modo como essa sociedade, em seu cotidiano, na imprensa, nas
manifestações mais simples do cotidiano e na construção de suas instituições, não
distinguia o público do privado, a intimidade da vida pública.
Assim, na primeira peça analisada (Tipos da Atualidade, de 1862), temos o perfil
de uma sociedade apegada às aparências, que valoriza o dinheiro em detrimento da
moral, que trata com desdém a simplicidade e a franqueza do homem da província, e
França Júnior distribui suas carapuças aos esnobes e à instituição do casamento, aos
interesses que em torno dela gravitavam na sociedade. Na segunda peça estudada (O
Tipo Brasileiro, de 1872), o alvo do comediógrafo é a credulidade do cortesão que
valoriza tudo que é estrangeiro, comicamente representada no caráter rígido da
personagem Teodoro Paixão. A carapuça aqui tem endereço certo: a mania de só
atribuir valor à cultura, às idéias, aos produtos estrangeiros, já então amplamente
disseminada na sociedade brasileira. Na terceira peça estudada (Como se fazia um
Deputado, de 1882), a sátira política castiga as oligarquias que dominam o país,
denuncia a corrupção do processo eleitoral, os vícios do bacharelismo e a ausência de
um projeto político para o país. A ampla carapuça preparada por França Júnior nessa
comédia, a partir do recorte de aspectos capturados da realidade política do Segundo
Império, abarca ainda os arranjos domésticos e sua influência nos negócios do Estado.
Pontilhando o material trabalhado por França Júnior, ao longo de sua obra
dramatúrgica, anterior e posterior à peça que analisaremos em seguida, encontramos
117
diversos assuntos, comportamentos, hábitos, costumes e atitudes que foram abordados
no trabalho do crítico: as estrepolias ou “estudantadas” dos Acadêmicos da Faculdade
de Direito de S. Paulo, os exageros do amor platônico e a mania livresca – romanesca –
da mulher que se arrebata em aventuras imaginárias; o culto às aparências; a ostentação;
a moda feminina; as manias coletivas; as dívidas de estudantes; a pedanteria
bacharelesca; o costume de falar mal das pessoas pelas costas; as idéias políticas
progressistas; a valorização exagerada da cultura estrangeira; a vida fútil das moças
casadoiras; a astúcia dos velhos chefes políticos oligarcas; a conciliação política; os
tipos populares e ingênuos; o contraste entre a vida no Brasil agrário e no Brasil urbano;
o casamento por interesse; o feminismo incipiente; o papel da mulher numa sociedade
patriarcal; o desprestígio do ser brasileiro entre seus contemporâneos; a desvalorização
da História e do passado; a vergonha das tradições populares; o uso de expressões
estrangeiras na língua e na nomenclatura de produtos brasileiros; a conversão ou
cooptação dos jovens pelos mais velhos.
Caiu o Ministério! é, sem dúvida, a peça mais conhecida do comediógrafo, e
talvez a mais citada nas análises e resenhas críticas de sua obra literária, encontradas na
teoria e na crítica teatral. Sendo assim, para adicionar mais uma às tantas descrições e
análises, nossa colaboração compreenderá também uma leitura do espetáculo teatral,
pois tivemos o privilégio de ir a campo e assistir a uma encenação da peça, quando
estávamos próximos à conclusão do texto da dissertação163.
163
Caiu o Ministério! esteve em cartaz de setembro a dezembro de 2001, e de 16 de março a
30 de junho de 2002 com temporada no Teatro João Caetano, dirigida por Ariela Goldmann,
dentro do Projeto “Formação de Público” (curadoria de Gianni Ratto e orientação de Maria
Sílvia Betti e Flávio Wolff Aguiar), da Secretaria Municipal de Cultura do Município de São
Paulo. O espetáculo teve temporada de 16 a 24 de fevereiro de 2002 no Teatro Municipal de
São Paulo. O Projeto Formação de Público, da Prefeitura do Município de São Paulo (20012002), do qual a encenação de Caiu o Ministério! a que assistimos participou, ao lado de
espetáculos como Geração Trianon (Anamaria Nunes), Pedro Mico (Antonio Callado) e Nossa
vida em família (Vianinha), fez parte da política pública para o teatro paulistano, em que uma
118
Em 1973, no Teatro Popular do Sesi, houve também uma encenação da peça.
Osmar Rodrigues Cruz, diretor do espetáculo falando sobre sua encenação, disse que
escolheu Caiu o Ministério!...
...porque esta contém todos os elementos que a fazem uma das peças mais
importantes daquela época. Autor de peças de costumes, engraçado, sagaz como
crítico social e político, França Júnior enfoca nessa peça o empreguismo, hoje
o chamado “nepotismo”, a corrupção, defeitos políticos até hoje praticados no
Brasil. Nós estávamos ainda no regime militar, mas a censura não incomodou,
achava que eram histórias de outros tempos. Atualizei o linguajar e reforcei um
pouco a comédia, fiz o espetáculo dentro de um estilo satirizante, queria que o
público se divertisse, mas sem deixar de lado a crítica ao sistema político da
época, e o resultado foi de momentos hilariantes. Escolhi um elenco de atores
criadores de tipos, que pudessem fazer até caricatura, eles tinham total
integração com o público.(...)França Júnior é não só um gozador mas
principalmente um crítico violento. Daí partimos para a sátira. As gags, o non
sense de determinadas situações, a introdução e o final, foram encenados para
demonstrar que tudo se repete, enquanto não se modificarem os homens. O
realismo do texto é um realismo crítico, portanto, nunca a realidade
simplesmente mas a sua distorção, para assim atingir a crítica dessa
realidade.(...)Cada personagem representa uma parte da sociedade, cada cena é
um flash crítico dessa mesma sociedade. (...)Querer unificar uma peça que tem
em cada cena um sentido, em cada personagem uma característica, ora realista
ora absurda, às vezes ridícula, é querer abandonar o humor desordenado mas
agudo, do autor.(...)Completamos dez anos de existência, atingindo 300.000
espectadores, só com Caiu o Ministério. Isso demonstrava que tínhamos
conseguido plantar o espetáculo popular, atraindo gente e ao mesmo tempo
afirmando o teatro como necessidade cultural.164 (grifos nossos)
Caiu o Ministério! (1882), das peças a que tivemos acesso neste estudo, parece
ser a síntese dramatúrgica do pensamento de França Júnior sobre a sociedade, a cultura
e a política de seu tempo. Nela, o procedimento de aproveitar textos, idéias, diálogos e
das linhas mestras que regiam a Secretaria Municipal de Cultura era: “Construção do
pensamento cultural na cidade que permite a constituição de cidadãos e cidadãs dotados de
capacidade de entendimento dos problemas que afetam a cidade, o Brasil e o mundo”. A
escolha das quatro peças citadas, representativas de algumas das facetas mais marcantes da
vida nacional, visava atingir o objetivo do programa que era: “...o de difundir o teatro através
daquilo que ele produz de mais característico, ou seja, o prazer artístico, o entretenimento, e a
reflexão crítica sobre o mundo que o cerca”.
164
Osmar Rodrigues CRUZ e Eugênia Rodrigues CRUZ, Osmar Rodrigues Cruz: uma biografia
teatral, São Paulo: Hucitec, 2001, pp. 214, 216, 217 e 231.
119
situações, anteriormente criados nos folhetins, é amplamente utilizado, como apontou
Décio de Almeida Prado165.
A análise do espetáculo deve incorporar os elementos que a crítica teatral estuda
ao abordar o fenômeno teatral. Cenografia, indumentária, iluminação, marcações
cênicas, adereços, música, desempenho dos atores, proposta ou desenho cênico da
encenadora, são alguns dos elementos a serem estudados. Por outro lado, em se tratando
de um texto de época, e de uma sátira política, é preciso apreender que comportamentos
são criticados, quais instituições são caricaturadas, quais comportamentos e atitudes
individuais e coletivas são analisados e qual o entendimento da situação social, histórica
e política representada, do ponto de vista do pesquisador e espectador, num estudo que
se propõe aproximar campos de conhecimento como o Teatro e a Política.
Antes de mais nada, é preciso considerar que o teatro se realiza em ato pela
conjugação, em um dado espaço, de três elementos principais: ator, texto e
público. Da relação ator-texto, surge a personagem em cena. É ela, a máscara,
que dá ao teatro, entre os diversos gêneros de comunicação artística
interpessoal, o seu lugar próprio. Da co-presença física ator-público, decorre o
modo pelo qual se verifica a apreensão sensível da obra cênica, isto é da
percepção ao vivo. Assim, nenhum desses elementos pode faltar para que haja
uma plena função teatral e, de seu equilíbrio, por distintas que sejam as
maneiras de acentuá-los e estabilizá-los, depende não apenas a existência de um
tipo de teatro e linguagem teatral, mas inclusive a riqueza de sua expressão.
Resta ainda examinar duas operações que, em si restritas ao palco, são
indispensáveis à configuração e comunicação do universo cênico. Trata-se da
concretização mimética e da articulação significativa. A primeira torna-se
necessária para que a representação teatral seja apreendida. Pois sem as
sugestões feitas a partir de similaridades no mundo real, por tênues e remotas
como é possível que sejam, seria inoperável a percepção imediata de alguns
aspectos da ficção teatral que permitem a decodificação mediata do restante
pelo espectador. Mas a arte cênica não fica nisso no seu esforço para constituir
e veicular a “peça”. O outro recurso que utiliza é a simbolização. Tudo quanto
se apresenta em seu quadro, contanto que se mantenha no plano do “teatral”,
adquire um caráter simbólico. É o caso, por exemplo de qualquer gesto, que
deixa de ser sintomático, como é em geral na vida, e se converte em símbolo de
si mesmo, por mais espontâneo e automático que pareça ser ou seja de fato. O
165
Décio de Almeida PRADO, “A Evolução da Comédia”, in: História Concisa do Teatro
Brasileiro: 1570-1908, capítulo sétimo, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999, p. 132.
120
teatro procura articular em termos de suas convenções constitutivas elementos
provenientes do mundo real, e o caminho para uma linguagem cênica
inovadora liga-se diretamente à capacidade da criação teatral de inventar,
agrupar e inter-relacionar símbolos, isto é, ao poder de ela gerar uma
articulação significativa a partir do palco.166 (grifos nossos)
Para entrarmos nos fundamentos do espetáculo assistido, inicialmente
reproduzimos o texto introdutório contendo o enredo da peça elaborado para o
programa:
Esta peça de França Júnior, representada em 1882, critica os costumes
políticos brasileiros do fim do Império, apontando problemas que fazem parte
do nosso cotidiano de hoje. Passam perante o espectador a inconsistência dos
partidos políticos, o nepotismo, a política de favorecer os amigos e perseguir os
inimigos, a confusão entre os espaços público e privado, a futilidade da vida das
elites num Rio de Janeiro que dispõe de um consumo sofisticado para quem é
rico mas cujas ruas ainda se cobrem de pobreza e de uma árdua luta pela vida,
para quem não nasceu em berço dourado. O enredo é simples, e os personagens,
na verdade, são tipos bem marcados. Diante da queda de mais um ministério (no
fim do Império eles não duravam um ano) o político Felício de Brito é
encarregado de organizar o novo governo. Imediatamente começa a ser
assediado por pretendentes a cargos, empregos, favores, privilégios e por outros
pretendentes... à mão de sua filha Beatriz. Esta é uma moça fútil mas esperta, e é
também objeto da paixão de Felipe, moço caixeiro que vira repórter para cobrir
a formação do novo governo. Este moço é pobre, mas tem na manga um bilhete
de loteria que torna tudo promissor... O final é previsível, pois todos os
personagens, se têm ou exibem grandes defeitos, têm também um número
suficiente de pequenas qualidades para torná-los pelo menos um pouco
simpáticos aos olhos do espectador. França Júnior realiza assim o ideal da
comédia de costumes – ridendo castigat mores – ao mesmo tempo em que,
hoje, nos proporciona momentos de bom divertimento reconstituindo uma
época de nossa história.167 (grifos nossos)
A simplicidade do enredo e a direção de Ariela Goldmann para o espetáculo
apresentado no Teatro João Caetano, em São Paulo (2001/2002), permitem ao público a
plena compreensão da sátira de França Júnior. As caracterizações dos tipos sociais
166
Armando Sérgio da SILVA e J. GUINSBURG - “A Linguagem Teatral do Oficina”, in: J.
Guinsburg : Diálogos sobre Teatro, Armando Sérgio da SILVA (organizador), São Paulo :
Editora da Universidade de São Paulo, 1992, pp. 97 e 98.
167
Programa do Projeto de Formação de Público, Secretaria Municipal da Cultura,
Departamento de Teatro, Prefeitura do Município de São Paulo, 2001.
121
criados pelo autor foram bem construídas pelos atores, que demonstram larga
experiência de palco e conhecimento da época e dos costumes satirizados na comédia. O
texto de época é bem dado nas falas e mesmo expressões hoje em desuso são
compreendidas, pois a expressão facial e o gestual dos atores auxiliam a leitura e o
entendimento do público. A ação flui rápida envolvendo a platéia, que acompanha
atenta a sucessão de situações em que a realidade social e política da última década do
Império é representada pelo viés cômico e crítico. Marcações cênicas bem definidas, o
palco vazio e o aproveitamento de todo o teatro (inclusive bastidores e platéia) como
espaço de atuação valorizaram o trabalho dos atores, conquistando a empatia e a atenção
do público. Figurinos simples e adereços de época situam a ação no século XIX, sem no
entanto tornar pesadas demais as caracterizações dos atores. Da mesma maneira, a
cenografia apenas localiza a ação no espaço, sem ocupar todo o palco, o que dá
agilidade à mudança de ambiente verificada entre o primeiro e o segundo atos.
O rigor168 com que foi executado o trabalho artístico, revela o cuidado que o
grupo de atores e a direção teve em trazer para a cena o texto de França Júnior. E esse
rigor artístico é responsável pelo perfeito entendimento que atores e público,
atualizando e concretizando as palavras da sátira política, revelam ter atingido a cada
apresentação. A história da cultura política brasileira do Segundo Reinado é atualizada
pela arte teatral.
Os atores mantêm a concentração e a presença no jogo cênico de modo a
garantir, ao longo do Primeiro Ato, a manutenção do clima imaginado por França Júnior
para a movimentação e o burburinho da Rua do Ouvidor, mesmo quando a ação e as
168
Hostinato rigore, divisa de Leonardo Da Vinci. Não se confunde com rigidez, bloqueio
criador. Ver Paul VALÉRY, Introdução ao Método de Leonardo Da Vinci, tradução de Geraldo
Gérson de Souza, Ed. bilíngüe, São Paulo: Editora 34, 1998.
122
falas restringem-se aos atores que surgem em primeiro plano. Tal pano de fundo para as
especulações em torno da formação do Gabinete, para o encontro das mulheres e filhas
do Conselheiro Brito (Filomena e Beatriz), do Desembargador Francisco Coelho
(Bárbara e Mariquinhas) e Dona Felicianinha, para discutirem política, futilidades
domésticas, moda e pretendentes à mão de Beatriz, e para a apresentação destes e seus
interesses (emprego, privilégio governamental e uma paixão não correspondida),
reconstitui o painel descrito por França Júnior no folhetim “A Rua do Ouvidor”.169
169
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, pp. 13 a 19.
123
A rua, como espaço público, vira palco da representação da expectativa de ver os
interesses privados satisfeitos pela definição da situação política. A imprensa encarregase de alimentar a curiosidade e os boatos circulam pela Rua do Ouvidor: a cada
manchete estampada nos diversos jornais que anunciam a queda do ministério anterior e
as especulações sobre a composição do novo, pretendentes a cargos e empregos
públicos, privilégios para obras e casamentos de conveniência sondam possibilidades,
fazem planos para o futuro. Os interesses públicos e privados, a vida pública e a vida
íntima surgem imbricados, indistintos, porém ainda dependendo da definição e do rumo
dos acontecimentos políticos. Ao lado de uma possibilidade de emprego (Dr. Raul), a
possibilidade de um casamento para a moça fútil (Beatriz), também cortejada pelo
inglês que quer apoio político para seu projeto (Mr. James). Há espaço também para o
devaneio romântico de um caixeiro (Felipe Flecha), apaixonado pela filha do político
Brito, que a viu pela primeira vez na Confeitaria Castelões, “comendo empada”. As
esperanças de Felipe, de ser correspondido no amor de Beatriz, são depositadas na
remota possibilidade de tirar a sorte grande na loteria.
O mesmo espaço da Rua do Ouvidor é ocupado por conversas ociosas, pela
ostentação consumista e pela falsa cordialidade feminina. É ali, ainda, que o inglês Mr.
James faz suas críticas à instabilidade política, à fragilidade dos partidos e ao excesso de
retórica dos brasileiros. Do folhetim “Organizações Ministeriais”, França Júnior retirou
o material para a construção de alguns dos diálogos da peça, como as especulações
sobre a formação do Ministério e reproduziu literalmente, no texto da comédia, trechos
do folhetim nas seguintes falas da personagens D. Bárbara e do inglês Mr. James:
D.Bárbara – Pois eu se fosse homem acabava com câmaras, com governo, com
liberais, conservadores e republicanos e reformava este país. (Ato I, Cena V)
Mr. James – Republicana evolucionista estar partida que tem por partida tirar
partida de todas as partidas. (Ato I, Cena XIV)
124
No segundo ato, a situação se inverte: definida a situação política e indicado o
Conselheiro Felício de Brito para a Presidência do Conselho de Ministros (Gabinete),
sua casa, espaço íntimo, domínio do privado, passa a ser o foco dos interesses na disputa
de cargos, nas indicações para ocupação de cargos em concursos públicos (Ernesto e
demais pretendentes) e na concessão de privilégio para o projeto absurdo de Mr. James
(um trem para o Corcovado puxado a cachorros).
Novamente, França Júnior utiliza, num diálogo entre o Felipe Flecha e Ernesto,
o procedimento de aproveitar, no texto da comédia, material anteriormente publicado
num folhetim. Trata-se do folhetim “Pretendentes”
170
, no qual França Júnior esboça o
perfil da clientela política e dos que perseguem o “empenho” (proteção) dos políticos
para seus interesses:
(...)
Ernesto – És mais feliz do que eu.
Felipe – Por quê?
Ernesto – Porque não pretendes sentar-te a uma grande mesa que há neste país,
chamada de orçamento, e onde, com bem raras exceções, todos têm o seu talher.
Nesta mesa uns banqueteiam-se, outros comem, outros apenas lambiscam. E é
para lambiscar um bocadinho, que venho procurar o ministro.
Felipe – Ele não deve tardar.
Ernesto – Fui classificado em primeiro lugar no último concurso da secretaria.
Felipe – Então está com certeza nomeado.
Ernesto – Se a isso não se opuser um senhor de baraço e cutelo, chamado
empenho, que tudo ata e desata nesta terra, e a quem até os mais poderosos
curvam a cabeça. (...) (Ato II, Cena I)
Os assuntos domésticos, como a decoração da casa, o casamento da filha com
um dos agora mais interessados pretendentes (Dr Raul, por um emprego, e Mr. James
pelo privilégio ao seu projeto) e a ostentação de uma posição social pela família do
170
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 93 a 101.
125
Presidente do Conselho (à custa do endividamento deste), misturam-se com a
articulação política, servindo a casa de local para uma reunião do Gabinete, que vai
discutir a ocupação de uma pasta ministerial vaga (Marinha).
O “estrangeirismo”, a credulidade do cortesão que valoriza tudo que é
estrangeiro, só atribuindo valor à cultura, às idéias de ingleses ou franceses,
principalmente, foi criticado por França Júnior em O Tipo Brasileiro (1872). Tal
comportamento submisso aos estrangeiros ressurge no diálogo de Mr. James, a mulher
do Conselheiro Brito, Filomena e sua filha Beatriz, que intercala palavras de várias
línguas em suas falas, numa clara demonstração de pedantismo. Mr. James, que já havia
constatado, com a concordância do Dr. Raul, que tudo “que se faz neste terra (...) é para
inglês ver” novamente exerce o seu “direita de faz crítica do Brasil” (Ato I, Cena XIV),
referindo-se à preguiça, à obsessão pela discussão política e ao bacharelismo nacionais,
aproveitando a conversa para tratar de seu interesse, o privilégio para a execução de seu
projeto “ferroviário”:
(...)
Filomena – Tudo quanto temos de bom devemos aos Srs. Estrangeiros.
Beatriz – C‟est vrai. Os brasileiros, com raras exceções, não se ocupam dessas
coisas(empreendimentos).
Mr. James – Brasileira estar muito inteligente; mas estar também muito
preguiça. Passa vida na Rua do Ouvidor e fala de política, pensa só de política
de manhã até à noite. Brasileira que estar deputada, juiz de paz, vereador...
Vereador ganha dinheira?
Filomena – Não, senhor; é um cargo gratuito.
Mr. James – Então mim não sabe como tudo quer ser vereador. Senhorra já
falar com sua marida a respeita de minha projeta?
Filomena – Não, senhor, mas hei de falar-lhe.
Mr. James – Sua marida estar engenheira ou agricultor?
Beatriz – Papai é doutor em Direito.
Mr. James – E ministra do Império?
Beatriz – Também doutor em Direito.
Mr. James – Ministra d’Estrangeiras?
Filomena – Doutor em Direito.
Mr. James – How! Toda ministério estar doutor em direita?
126
Beatriz – Sim, senhor.
Mr. James – Na escola de doutor em direita estuda marinha, aprende planta
batatas e café, e sabe todas essas cousas de guerra?
Filomena – Não, senhor.
Beatriz – Estudam-se leis.
Mr. James – No Brasil estar tudo doutor em direita. País não indireita assim.
(...) (Ato II, Cena IV).
A visita abrupta à casa do Conselheiro Brito, feita pelo Desembargador
Francisco Coelho, que pleiteia o cargo da Marinha, e sua contrariada mulher, Dona
Bárbara, apresenta a crítica de França Júnior aos maus modos da “classe média, em que
figura a nossa boa burguesia”. A mesma crítica era apresentada no folhetim “Visitas”
171
, em que França Júnior já havia inserido a oração para “mau olhado” feita por Dona
Bárbara e ironizada por Filomena e Beatriz, mais uma vez marcando o tratamento
desdenhoso que as cortesãs dão à mulher do político provinciano. A negativa às
pretensões políticas do Desembargador, líder da maioria governista, faz com que este
passe para a oposição, e vá atacar violentamente o Gabinete em que foi rejeitado.
Chamam à atenção as cenas em que acontece a reunião ministerial e a indicação
pelo Conselheiro Felizardo de seu sobrinho, Dr. Monteirinho, bacharel recém-formado
de 22 anos, para a pasta da Marinha. A marcação cênica da entrada e a caracterização
dos Ministros reforçam a caricatura dos políticos proposta pela direção do espetáculo,
provavelmente inspirada em caricaturas de época ou na iconografia do próprio França
Júnior: todos os Ministros vestem-se da mesma maneira, com elegantes fraques, e
possuem bigodes, como o autor da comédia. O breve diálogo do Conselheiro Brito com
os colegas de Ministério mostra a instabilidade política criada por não ter sido atendido
o interesse do Desembargador Coelho: depois de apenas 15 dias de ter subido ao poder
o Gabinete presidido pelo Conselheiro Brito, muitos políticos haviam mudado de lado,
171
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 49 a 56.
127
da situação para a oposição. Aqui fica clara a crítica do autor à inconsistência dos
partidos e à incoerência dos políticos da época, que privilegiavam os interesses pessoais
em sua conduta como homens públicos.
O filhotismo político é a tônica da cena em que Dr. Monteirinho é indicado para
o Ministério. O padrinho, seu tio Felizardo, é sondado para ingressar no Ministério, na
pasta da Marinha, mas indica o jovem bacharel, filho de sua irmã Maria José, que
“acaba de chegar da Europa, razão pela qual ainda não tomou assento na Câmara.” Dr.
Monteirinho revela-se um prodígio de retórica, leitor de Spencer, Schopenhauer,
Bückner, Litré, “todos esses grandes vultos, que constituem o apostolado das sociedades
modernas”, mas completamente inexperiente nos negócios do Estado. Felizardo, o
político experiente, tranquiliza o Conselheiro Brito quanto a esse fato: “Fica sob as
minhas vistas: eu saberei guiá-lo.” Aqui repete-se a situação já mostrada em Como se
Fazia um Deputado (1882), quando um jovem bacharel (Henrique) é levado a
candidatar-se a Deputado por um tio oligarca do Partido Liberal. Lá o processo de
cooptação social levou o idealista Henrique a aceitar as imposições familiares e entrar
na carreira política. Em Caiu o Ministério! França Júnior apresenta um jovem que
apresenta como única credencial para ocupar um cargo público, além do diploma de
bacharel em Direito obtido em São Paulo, o apadrinhamento político.
Entre 1881 e 1882, mesma época em que Caiu o Ministério! foi escrita e
encenada pela primeira vez, França Júnior publicou uma série de folhetins no jornal O
Globo Ilustrado intitulada “Notas de um vadio”172. Quando publicou a primeira das
172
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, pp. 295 a 328. A palavra “vadio” tem a conotação de boêmio,
um personagem típico da Rua do Ouvidor, que passava o dia em conversas com os ociosos e
dessas conversas tirava a sua “ciência” : “Ser vadio é uma ciência que exige estudo e
tendências especiais de espírito. (...) Os vadios de hoje são uns sujeitos de bom gosto, que
estudam no grande livro da vida. Conhecem mais os homens que todos esses milhares de
128
notas, França Júnior advertia seus leitores que as notas em seu poder haviam sido
recebidas de um vadio “daquele gênero”, e prometia que elas “hão de ser impressas tais
quais as recebi”. Criava o folhetinista e teatrólogo mais uma máscara, que usou para
criticar os costumes e a política nacionais. Na nota VI, surge uma crítica do “vadio” à
retórica que pode perfeitamente ter inspirado a criação da personagem “Dr.
Monteirinho”:
(...)
Os oradores!
Os discursos!
Neles está a desgraça do país.
Esse fez um brinde retórico em lauto banquete. Gemem no dia seguinte os prelos
com a apoteose de um talento, que apareceu, e o país, agradecido, elege-o seu
representante. E o representante, ainda mais agradecido, atira os interesses do
país no Parnaso.
Aquele faz pomposo discurso acadêmico, na sessão magna de uma sociedade
literária: é felicitado no fim com palmas e o clássico cumprimento dos seus
numerosos amigos.
- Que gênio! Que talento, ouve-se à surdina pelos diversos grupos. Começa o
moço a convencer-se que é gênio, e desde então já não se contenta em fazer o
seu discurso bonito, lança as vistas para a casa que olha para a rua da
Misericórdia (refere-se à Câmara dos Deputados), e não sai dali até que esta
grite misericórdia! pelos disparates que faz.
Aqui é uma criança. Na lividez das faces transparece-lhe a crença.
Mas a criança tem a felicidade de possuir um padrinho.
Ora, quem tem um padrinho é afilhado.
E lá vai a criança representar o país.
E tudo isso porque disseram um dia ao padrinho que o menino era inteligente.
Ali... leitores, seria um nunca acabar descrever o número de crianças
inteligentes que por aqui se arranjam. 173 (...)
filósofos que os séculos têm produzido. (...) O vadio de bom gosto veste-se bem, fala como um
Cícero, escreve artigos para os jornais, e não há assunto, por mais importante e difícil que seja,
a respeito do qual ele não possa dizer pelo menos meia dúzia de palavras. (...) Sempre
irrepreensivelmente barbeado, trajando no último apuro, enluvado quando a situação o exigia,
era um regalo vê-lo discutir com estadistas, diplomatas, literatos, jornalistas, comerciantes,
artistas, com toda aquela pleiade brilhante de moços e velhos que frequentavam a loja do
Paula Brito onde funcionava a dita Petalógica (sociedade de mentirosos – “peta” quer dizer
mentira). (...) Logo que acordava lia as folhas diárias, que naquele tempo não eram tantas
como hoje. (...) Em seguida vestia-se, e ia almoçar café com leite no Braguinha, que era o
botequim da moda. (...) Ali conversava e ficava sabendo coisas de que os jornais não se tinham
ocupado, por não se ter ainda descoberto o reporter. Findo o almoço e a palestra, ia passear. E
era nesse passeio que ele bebia a sua melhor ciência. Aqui falava com um senador, ali ouvia
um advogado, acolá assistia a uma discussão literária; mais adiante fazia parte de um círculo,
em que se falava de artes, etc., etc.” FRANÇA JÚNIOR - op. cit., pp. 297 e 298.
173
FRANÇA JÚNIOR, op. cit., pp. 319 e 320. Como costumava fazer com outros folhetins, o
autor aproveitou boa parte do texto publicado no folhetim do Correio Mercantil, de 29 de abril
de 1867. Tirou-lhes as referências à situação conjuntural daquele período, quando escrevia sob
129
o pseudônimo Osiris e atacava o Gabinete Liberal de Zacarias de Góes Vasconcelos, e
reproduziu-os como uma das “Notas de um vadio”, no jornal O Globo Illustrado, em 1881-1882.
O diálogo do autor com suas referências e o material de suas observações parece ter sido
constante: o perfil do Dr. Monteirinho já estava pronto há mais de 15 anos! Para uma
comparação entre os textos dos folhetins, ver FRANÇA JÚNIOR, Política e Costumes:
Folhetins Esquecidos (1867-1868), organização, Introdução e Notas de R. Magalhães Júnior,
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira)
volume 6, pp. 1 a 6.
130
Na cena seguinte, Mr. James vai à casa do Conselheiro Brito para apresentar ao
Gabinete o projeto de uma estrada de ferro para o Corcovado, com um trem movido a
cachorros. Os ministros discutem o absurdo projeto e entram em considerações sobre as
suas características técnicas. Dr. Monteirinho, para demonstrar seu conhecimento,
intervém e demonstra ser o mais interessado no assunto. Por não estar o cachorro
“classificado como motor” na legislação decide levar o projeto para discussão no
legislativo. O segundo ato encerra-se, ainda, com a declaração de amor de Felipe Flecha
(agora repórter que cobre a pauta política) a Beatriz. A filha do conselheiro repele
Felipe, mas considera que este “ao menos não me falou em emprego nem em privilégio”
(Ato II, Cena XVII).
No terceiro ato da comédia, precipita-se a crise política. Filomena, mulher do
Conselheiro Felício Brito, que quer ver a filha, Beatriz, casada com um dos pretendentes
à mão da moça, Mr. James, e não compreende porque o marido, sendo Presidente do
Conselho de Ministros, não concede o privilégio que fará com que o inglês execute seu
projeto. A discussão do projeto na Câmara levou à criação de dois “partidos”, um a
favor e outro contra o projeto dos cachorros. A mulher passa em revista com o marido
os possíveis votos favoráveis ao projeto. Em jogo está o casamento da filha, e a mãe
incita o marido a usar de todos os meios para aprovar o projeto. A pressão da mulher
leva o Conselheiro a propor “questão de gabinete” para a discussão do projeto na
Câmara (no parlamentarismo monárquico, na votação de uma “questão de gabinete”, a
derrota do governo implicaria na queda do Ministério e em novas eleições
parlamentares). Mais uma vez fica clara a indiferenciação entre interesses públicos e
privados, entre vida íntima e vida pública, e o quanto a discussão política estava presa à
satisfação de interesses particulares, familiares inclusive.
131
Dr. Monteirinho, decidido a utilizar seus dotes de orador para a defesa do projeto
no debate da Câmara, faz sua profissão de fé de futuro “estadista”, alimentando o sonho
da elite letrada:
Dr. Monteirinho – (...) Levo o meu discurso na ponta da língua. Hei de tratar a
parte técnica, sobretudo, com o maior cuidado. Na discussão deste projeto ou
conquisto os foros de estadista, ou caio para nunca mais erguer a fronte. (Ato
III, Cena I)
O letrado se torna letrado para conquistar o cargo, para galgar o parlamento,
até que o assento no Senado lhe dê o comando partidário e a farda ministerial,
pomposa na carruagem solene.174
As esperanças de mãe e filha, sobre um bom casamento, ficam depositadas na
discussão do projeto do pretendente inglês. Caindo o projeto, cai o Ministério, e vão
embora os pretendentes.
É mais uma vez, aproveitando o material do folhetim “Pretendentes”, acima
citado, que França Júnior constrói a cena em que Filomena e Beatriz comentam a sina
da clientela política de vários cantos do país, que manda presentes e cartas pedindo a
proteção do Conselheiro Brito, para que este promova seus interesses. Em seguida,
após mais uma visita indesejada de Dona Bárbara - desta vez para provocar a mulher do
político, com as manchetes apregoadas por jornaleiros e as conversas contrárias ao
projeto dos cachorros, que ouviu... “passando por acaso na rua do Ouvidor...”, enche-se
a sala de pretendentes atrás do “empenho” (proteção) do Conselheiro para uma
indicação a “um lugar” na máquina burocrática do Estado.
174
Raymundo FAORO, “O Sistema Político do Segundo Reinado”, in: Os donos do poder:
formação do patronato político brasileiro, 4ª edição, Porto Alegre: Ed. Globo, 1977, p. 390.
132
A primeira conseqüência, a mais visível, da ordem burocrática, aristocratizada
no ápice, será a inquieta, ardente, apaixonada caça ao emprego público. (...) O
patronato não é, na realidade, a aristocracia, o estamento superior, mas o
aparelhamento, o instrumento em que aquela se expande e se sustenta. Uma
circulação de seiva interna, fechada, percorre o organismo, ilhado da
sociedade, superior e alheio a ela, indiferente à sua miséria. O que está fora do
estamento será a cera mole para o domínio, enquanto esta, calada e medrosa, vê
no Estado uma potência inabordável, longínqua.175
A clientela é submetida a longas esperas (alguns atravessam “seis ministérios”,
indo “duas vezes por dia” à casa do político) e submetem-se ao estado de espírito do
Conselheiro, para ver se seus pedidos são atendidos. A apresentação, no folhetim, e a
representação caricata, na comédia, dessa situação poderiam ilustrar a análise de
Roberto Schwarz sobre a política do favor:
(...) Assim, com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a
existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta
assegurada pela força. Esteve presente por toda a parte, combinando-se às mais
variadas atividades, mais e menos afins dele, como administração, política,
indústria, comércio, vida urbana, Corte etc. Mesmo profissões liberais, como a
medicina, ou qualificações operárias, como a tipografia, que, na acepção
européia, não deviam nada a ninguém, entre nós eram governadas por ele. E
assim como o profissional dependia do favor para o exercício de sua profissão, o
pequeno proprietário depende dele para a segurança de sua propriedade, e o
funcionário para o seu posto. O favor é a nossa mediação quase universal – e
sendo mais simpático do que o nexo escravista, a outra relação que a colônia
nos legara, é compreensível que os escritores tenham baseado nele a sua
interpretação do Brasil, involuntariamente disfarçando a violência, que sempre
reinou na esfera da produção.176
“Muito se sofre”, é a expressão de desalento do pretendente Ernesto, que põe as
esperanças de ser chamado para ocupar um lugar “na Secretaria”, para o qual tem
direito por ter sido aprovado em primeiro lugar em concurso público, numa carta de
indicação de um “deputado mineiro governista”.
175
Ibidem, pp. 390-391.
Roberto SCHWARZ , “As idéias fora do lugar”, in: Ao vencedor as batatas: forma literária e
processo social nos inícios do romance brasileiro, São Paulo: Editora Livraria Duas Cidades
Ltda, 4ª eição, 1992, p. 16.
176
133
A imprensa sensacionalista é invocada e surge o repórter Felipe Flecha para
atualizar as conversas dos pretendentes. As informações não são boas, o Ministério está
por um fio, e a discussão do “projeto dos cachorros” é a causa da instabilidade política.
O desânimo toma conta dos pretendentes, enquanto Felipe procura por sua Beatriz... O
“lugar” na máquina do Estado, pleiteado por vários pretendentes, está ameaçado. O
vínculo com o protetor só se mantém com a permanência do político no poder. A queda
iminente do Ministério virá transtornar os planos da clientela e romperá o vínculo entre
o poder e os que dele dependem. A eles e ao apaixonado e pobre Felipe Flecha, só resta
a loteria, o acaso, como esperança de realizar seus sonhos de alcançar uma “posição
social” e o casamento com a mulher amada:
Pereira, para Ernesto – O senhor sabe onde está a minha esperança?
Ernesto – Onde?
Pereira, tirando um bilhete de loteria do bolso – Aqui neste bilhete do Ipiranga.
Felipe – Eu também tenho um. (Vendo na carteira:) Querem ver que o perdi!
Não, cá está. A esta hora deve ter andado a roda. Com a breca, nem me
lembrava! (Olhando para dentro:) Se pudesse ao menos ver-lhe a pontinha do
nariz.
Pereira – Vou ver o que tirei. (Sai.)
Felipe – E eu também. Mas qual! Sou de um caiporismo (má sorte) horrendo.
Adeus, sr. Ernesto. (Olhando para todos os lados:) Onde estará ela? (Sai.) (Ato
III, Cena VIII).
Mr. James cai em si, e finaliza sua análise da política brasileira, lamentando ter
feito “negócia” com o Ministério em queda: na composição do Gabinete Ministerial não
“tem um só ministra de Bahia. E ministéria sem baiana – estar defunta logo, senhor. (...)
Baiana estar gente muito poderosa. Não se pode esquece dela.” (Ato III, Cena X). Além
da constatação da força política e da influência dos políticos da Bahia, tanto do partido
Liberal quanto do partido Conservador, principalmente no período em que escreveu a
comédia177, é possível que França Júnior estivesse homenageando o senador baiano
177
O liberal baiano José Antonio Saraiva chefiava o Gabinete no início de 1882, e voltaria a
chefiar outro Gabinete em 1885; outros nomes de senadores e chefes de Gabinete influentes,
baianos ou eleitos pela Baía, podem ser citados, como o liberal Zacarias de Gois Vasconcelos;
134
Francisco Gonçalves Martins, Visconde de São Lourenço, falecido em 1872, em cujo
governo provincial serviu como secretário de governo entre 1868 e 1871. Provável
dívida de gratidão?
É ainda através de Mr. James que o conservador França Júnior critica,
novamente, o despreparo dos afilhados políticos para o exercício do poder, a
intromissão dos assuntos de família na administração pública e a falta de compostura
dos estadistas brasileiros:
Mr. James – E tem inda mais; Ministra da Marinha...
Raul – Dr. Monteirinho?
Mr. James – Yes. Ministra da Marinha estar muito pequenina.
Raul – Muito moço é o que o senhor quer dizer?
Mr. James – All Right. No pode ser estadista e governa país logo que sai de
escola. É preciso aprende primeiro, aprende muito, senhor. Todo mundo estar
caçoando, e chama ministra de Cazuzinhe. O senhor sabe dizer o que é
Cazuzinhe?
Raul – É um apelido de família.
Mr. James – How? Mas família fica em casa, e no tem nada com ministéria.
Vosmecês aqui têm costume de chama homem d’estado de Juquinha, Lulu,
Fernandinha. Governa está muito sem-cerimônia. (Ato III, Cena X – grifos
nossos)
O desfecho da comédia mostra, com a já anunciada queda do ministério, a fuga
dos pretendentes ao casamento de conveniência com a filha do Conselheiro Brito que
estavam atrás não da mão da moça, mas sim de uma “posição social” (Dr. Raul) ou do
privilégio governamental para seus projetos (Mr. James). Acontece, também, a
debandada dos pretendentes ao “empenho” do Presidente do Conselho de Ministros por
seus interesses.
Manoel Vieira Tosta – Marquês de Muritiba; o conservador João Maurício Wanderley – Barão
de Cotegipe.
135
À contrariedade de Filomena, por ter perdido a chance de um casamento rico
para a filha, França Júnior opõe a alegria do político Brito por ter se livrado das
pressões e das suspeitas de ser ladrão, alimentadas pela imprensa, ele que saía “... do
ministério mais pobre do que entrei, porque estou crivado de dívidas, e com a pecha de
ladrão.” (Ato III, Cena XIV). Questionado pela mulher sobre o que pretende fazer a
respeito dos ataques que sofreu, Brito responde, conformado: “Nada: infelizmente, esta
é a sorte de quase todos que descem do poder.” (Ato III, Cena XIV).
A cena final vai mostrar o apaixonado Felipe Flecha realizando o sonho de sua
paixão: o bilhete que comprara estava premiado e ele vai receber duzentos contos. O
interesse da mãe e da filha muda em relação ao “pobre do repórter” e o happy end é
comentado com ironia por Mr. James: “All right! Boa negócia”.
A comédia de França Júnior materializa, nas situações absurdas em que envolve
suas personagens, e nas carapuças que o autor, no espetáculo, distribui à sociedade de
seu tempo, as críticas do escritor. Os diversos segmentos sociais, caracterizados nos
tipos cômicos, agem em situações e episódios em que a realidade é propositalmente
distorcida e ampliada. O “realismo crítico” do texto atinge a crítica dessa mesma
realidade, e cada cena constitui, nas palavras de Osmar Rodrigues Cruz acima citadas,
um “flash crítico dessa mesma sociedade”.
Ao aproveitar no enredo da comédia Caiu o Ministério! idéias e textos
publicados anteriormente na forma híbrida de literatura e jornalismo que é o folhetim,
França Júnior traz para o nível da representação a realidade já apresentada em forma de
registro, no nível da descrição jornalística ou da crônica, como história e análise social.
Para nossa análise, que procura a aproximação entre arte e política, entre o teatro e a
136
política, a abordagem desses textos (folhetins e comédias de costumes) coloca
problemas de ordem metodológica que só podem ser superados adotando-se uma
postura que...
...preserve toda a riqueza estética e comunicativa do texto literário, cuidando
igualmente para que a produção discursiva não perca o conjunto de significados
condensados na sua dimensão social. Afinal, todo escritor possui uma espécie de
liberdade condicional de criação, uma vez que os seus temas, motivos, valores,
normas ou revoltas são fornecidos ou sugeridos pela sociedade e seu tempo – e é
destes que eles falam.178
Os tipos marcantes de França Júnior, caracterizados pelos atores, fixam-se na
memória do público, assim como a sátira do escritor à sociedade e às instituições
políticas de sua época. No plano da realização teatral, o espetáculo assistido, a nosso
ver, traduz os tipos criados pelo autor e sua crítica, de maneira a propiciar ao público
um entendimento e uma atualização adequada à obra teatral.
Para encerrar este capítulo, um breve comentário.
Em 1880, França Júnior propôs a Artur Azevedo fazerem juntos uma revista179
“para ser representada na Phenix.”. A censura econômica, em par com a censura
propriamente dita, fez com que a revista perdesse a atualidade. A empresa teatral a
quem era destinado o texto, recuou frente aos gastos de encenação, e, para não
“molestar” os autores, empenhou-se com a burocracia da censura, “por portas
travessas”, para que a representação fosse proibida. O texto ficou preso na burocracia da
censura (polícia), que não o proibiu, mas, retendo o manuscrito em seu poder, impediu
que acontecesse a encenação, e a temática da revista-de-ano foi superada, dado o caráter
178
Nicolau SEVCENKO, Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República, 2ª edição, São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985, p. 20.
179
“Tal qual como lá”; ver quadro do Anexo 1.
137
efêmero de tal tipo de espetáculo180. Tempos depois, Artur Azevedo propôs que
colaborassem juntos numa comédia, mas França Júnior estava doente e morreu (27 de
setembro de 1890), sem que pudesse realizar o projeto. Artur Azevedo lamentou não ter
tido “... a honra de assinar uma peça com França Júnior.” 181
O que a História não registrou, o Teatro, com seu poder de invenção, atualizando
e concretizando a História no palco, realizou: a encenação de Ariela Goldman para Caiu
o Ministério! utilizou um trecho musicado da revista A Fantasia (1896) de Artur
Azevedo, com os atores cantando em meio ao público, na abertura do espetáculo. A Rua
do Ouvidor, centro político, social e cultural do Rio de Janeiro e do Brasil da época, e,
de certa forma, uma “personagem” da peça, surge inteira ali:
Não há rua como a rua
Que se chama do Ouvidor!
Não há outra que possua
Certamente o seu valor!
Sendo assim tão mal calçada,
Sendo estreita como é,
Pode até ser comparada
A qualquer beco chué;
Mas o caso é que esta rua
Atrações tem sem rivais
Quem a ela se habitua
Não a deixa nunca mais!
Muita gente há que se mace
Quando, seja porque for,
Passa um dia que não passe
Pela Rua do Ouvidor!182
Uma bela homenagem aos dois amigos e grandes comediógrafos brasileiros.
180
FRANÇA JÚNIOR, Folhetins, 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos
jornais O Globo Ilustrado, O Paiz e o Correio Mercantil; Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, Rio
de Janeiro, 1926, pp 8 e 9.
181
Ver Joaquim José da FRANÇA JÚNIOR - Folhetins, 1926, p. 9.
182
Artur AZEVEDO, Teatro de Artur Azevedo – Tomo IV – Rio de Janeiro : INACEN, 1987
(Clássicos do Teatro Brasileiro, 8), p. 265.
138
CONCLUSÃO
Esta carapuça saiu-me mais séria do que eu queria.
Tenham paciência, a outra irá mais garrida e faceta.
Padre Lopes Gama, em O Carapuceiro
A trajetória deste trabalho teve início há muito tempo atrás. Não a descoberta do
tema, mas a atitude de procurar, o interesse pela pesquisa em si. Razões de ordem
pessoal, em circunstâncias variadas, levaram-me a interromper e retomar um sem
número de vezes o caminho. Por vezes, a realidade da vida impõe ao pesquisador fatos
concretos contra os quais a mais firme convicção, a disciplina, o rigor, nada podem.
Outras vezes, abandonamo-nos no manancial dispersivo de acontecimentos, paixões e
apelos que o mundo nos traz ao abrirmos a porta da casa, numa bela manhã de sol.
Um pensamento ocupou minha reflexão, num momento em que a convicção, a
disciplina e o rigor brigavam, em minha mente, com o mundo (entre parenteses: tais
momentos foram freqüentes e fecundos neste percurso): “--- Nada, nem a Arte, a
Religião, o Pensamento, a Cultura, nada pode nos livrar do que somos. Eu não posso
fugir do que sou. No entanto, inventamos a Arte e outros meios de adiar este encontro.
Criamos máscaras que ocultam o ator por trás da personagem, do papel. Até quando isso
é possível? Por que essas máscaras que usamos para representar tantos papéis?”.
Em instantes, vários pensamentos passaram por minha mente: talvez isso a que
chamamos realidade, nada mais seja do que pura representação, uma invenção teatral,
139
uma metáfora que nos ajuda a suportar tantos maus e mesmo bons momentos. Pensei
em nosso país, em que a imaginação e o sonho estão presentes desde o achamento.
Afinal, a imaginação européia da época estava voltada para a re descoberta do paraíso
na Terra. Os que aqui chegaram buscavam, também, uma Utopia. O sonho europeu do
Eldorado não seria a manifestação desse desejo de ir além da realidade, a busca do
Transcendente aqui na terra mesmo? Pensava em quanto a busca (para uns, a fuga) de
um novo modo de viver, de construir a vida, individual e coletivamente, é um ato de
sonho impregnado de desejo, poesia e teatralidade. O quanto há de dramático numa
mudança do modo de ser e estar, tanto de um indivíduo quanto de um povo, de uma
Nação. Pensava em quanto pode ser interessante descobrir essas características no
pensamento de um autor, na ação dos indivíduos e da coletividade, da sociedade.
A obra literária de França Júnior já era o objeto de pesquisa, e as preocupações,
em relação à política, anteriores à descoberta deste objeto, eram o que me intrigava,
despertava a minha curiosidade: o jogo, a encenação, as máscaras do poder. Unindo
ambos (objeto e preocupações iniciais), perguntei-me sobre que tipo de máscaras um
cavalheiro elegante, culto, sábio, irônico e crítico de sua época utilizava para,
demolindo ou ironizando atitudes, personalidades e comportamentos, mostrar - como
quer o Hamlet ao falar a atores sobre a representação, “à sua época e geração sua forma
e efígie” (Ato III, Cena II).
Além do pseudônimo (Osiris, metáfora da dispersão e da fragmentação...) que
França Júnior utilizava nos folhetins, havia a construção, pela via da paródia, da
caricatura e da sátira, de tipos sociais característicos e a crítica às instituições, práticas e
costumes sociais e políticos nas personagens de suas comédias. Tais recursos
140
(pseudônimo e máscaras teatrais) ocultavam o analista arguto, o crítico mordaz, o
pensador que sonha uma sociedade diferente da que ironiza. Ao lado de tantos outros
artistas, pensadores e políticos de seu tempo, França Júnior viria somar mais uma
contribuição ao sonho de criação ou invenção de um novo país, uma Nação, o Brasil.
Neste estudo sobre a obra de França Júnior, percorremos as fronteiras entre as
áreas do teatro e da política, e nos detivemos sobre um pensamento cultural (político e
crítico) formulado por um artista e intelectual vinculado ao teatro e à crítica de
costumes. Sua produção dramatúrgica e literária expressa várias dimensões da
sociedade brasileira, mais especificamente da sociedade carioca ou da Corte Imperial,
da segunda metade do século XIX.
Na busca de pistas para decifrar a sociedade brasileira, circunscrevendo tal
tarefa às possibilidades abertas por França Júnior, deparamo-nos com um autor que tira
as máscaras à sociedade de seu tempo e veste-lhe as suas carapuças críticas. É uma
sociedade que vai ao teatro e recebe alegremente tais críticas, ri de si mesma, e, talvez,
reflita sobre seus vícios e defeitos.
Na construção de uma categoria de análise, usamos a metáfora da carapuça. As
carapuças, que França Júnior distribui em sua obra dramatúrgica, são feitas a partir da
observação da realidade à sua volta, e da habilidade do autor de recortar no tecido
social, cultural e político brasileiro de sua época os aspectos que nos são mostrados,
“costurados” em suas comédias, propositalmente exagerados e ampliados, como
caricatura, paródia e sátira.
141
A corte imaginária das personagens não se compõe de outro tecido,
apesar de expressas no papel, que os da legião dos homens que
freqüentam as ruas. Todos são filhos de igual teatro, comprometidos na
mesma existência, quer a suscitada pelo historiador, quer a evocada
pelo romancista. Quem os veste, arrancando-os do anonimato e do caos,
será o olho organizador, classificador, o olho do biógrafo ou do
ficcionista. No fundo, a situação histórica e social lhes dá a densidade,
retratando as idiossincrasias de grupo: o homem que vê não está
isolado, mas imerso no grupo, pré-formado pela conduta e pelo
pensamento dos outros. O boneco de tinta cumpre um papel social como
o boneco de carne e sangue, representando ambos suas frustrações, na
fantasmagoria de um mundo criado coletivamente.183
Trabalhamos com informações, detalhes, descrições, situações, comportamentos,
atitudes, enredos, diálogos, cenas, caracterizações, instituições e questões políticas.
Descobrimos vários registros e documentos para a pesquisa sociológica, política,
estética, literária.
Tentamos empreender uma leitura do pensamento e da crítica social de França
Júnior, na apresentação metafórica da realidade184 presente nos folhetins. Esse
pensamento, em forma de sátira, expressa a negação ou rejeição de comportamentos,
hábitos e atitudes de seus contemporâneos, em especial, da pequena burguesia em
formação na segunda metade do século XIX. Nos textos que analisamos o público e o
privado, a intimidade e a vida pública, a casa e a rua, a cidade e o campo aparecem
imbricados na descrição, em pequenos diálogos, trechos de crítica social e análise do
ambiente político.
183
Raymundo FAORO – “O Espelho e a Lâmpada”, in: Machado de Assis: a pirâmide e o
trapézio, 4ª edição, revista, São Paulo: Editora Globo, 2001, p. 526.
184
Nos reportamos a Anatol Rosenfeld (“A Estrutura da Obra de Arte – O ser do objeto”, in:
Estrutura e Problemas da Obra Literária, São Paulo : Editora Perspectiva, 1976, Coleção Elos,
nº 1, pp. 13/14.) para entender que “realidade” aqui é apenas uma das dimensões da obra de
arte analisada, sujeita a variados atos de atualização e concretização pelo pesquisador
enquanto apreciador e sujeito desses atos.
142
França Júnior é um autor que privilegia o diálogo, não apenas no estilo literário.
Ele dialoga com o leitor e com suas próprias fontes: reaproveita idéias, fatos,
acontecimentos, críticas anteriores ainda válidas no momento em que (re) escreve. Por
duas vezes, ao longo da dissertação, ao analisarmos os folhetins políticos, confrontamos
seu texto com o de outros autores, um político e jornalista (Joaquim Nabuco) e um
historiador (Raymundo Faoro) e pudemos perceber que, apesar da mordacidade das
críticas do conservador França Júnior, elas encontram ressonância, repercutem, são
passíveis de discussão, de debate.
Nos folhetins, é possível fazer a leitura do pensamento e da crítica social de
França Júnior, na apresentação metafórica da realidade, como um registro no nível da
descrição jornalística ou da crônica, como registro histórico e análise social (os
devaneios sociológicos feitos nos folhetins), documento para a pesquisa sociológica,
política, histórica, estética, literária.
No domínio da literatura dramática, estamos frente à representação que França
Júnior nos traz dessa sociedade, seus costumes e defeitos, criticados e apontados, agora,
em registro ficcional, literário. Nossa análise caminhou para um limiar, uma fronteira
entre gêneros, e o recurso à dramaturgia e à encenação se fez necessário. Se
acrescentarmos o domínio da encenação, do espetáculo teatral propriamente dito, todo o
material da observação, todas as idéias, comportamentos, hábitos, costumes, atitudes,
todos os ritos sociais e assuntos trabalhados e criticados por França Júnior em seu
processo de criação, materializam-se no palco, na cena, na ação da comédia. O texto
materializa-se, as personagens tomam forma. Finalmente, vemos as carapuças
distribuídas pelo autor sobre cabeças reais, pensantes, vivas, concretas. Há atores dando
143
vida às criações do escritor, intenção às palavras, ao pensamento, à crítica de França
Júnior.
O aproveitamento nas comédias de costumes, do material anotado e apresentado
por França Júnior nos folhetins, é demonstrado em nossa análise. Trata-se não apenas de
um procedimento utilizado na criação artística, mas também de uma metodologia do
observador arguto, que envolve e alicia o leitor para o acompanhamento de seus estudos
e devaneios sociológicos.
Da mesma maneira, o espectador das comédias de costumes de França Júnior é
aliciado e envolvido pelos tipos e situações representadas. A crítica de costumes e a
crítica política aparecem juntas, e o autor mostra-nos como o público e privado, a
intimidade e a vida pública estavam já de tal maneira imbricados no tecido social e
cultural brasileiro, compondo uma trama de hábitos, relações, favores, comportamentos,
ritos e aparências condenáveis. Hábil na escrita com sua pena afiada, cortante como
uma tesoura, França Júnior seleciona e recorta desse tecido o material de suas comédias.
Com ele alinhava suas carapuças morais, estéticas, políticas, costurando-as com as
linhas da paródia, da sátira, da caricatura.
144
(...)O teatro procura articular em termos de suas convenções
constitutivas elementos provenientes do mundo real, e o caminho para
uma linguagem cênica inovadora liga-se diretamente à capacidade da
criação teatral de inventar, agrupar e inter-relacionar símbolos, isto é,
ao poder de ela gerar uma articulação significativa a partir do palco.185
Na abordagem da encenação, nossa análise tomou o rumo da fronteira entre arte
e política, entre teatro e política. O texto e sua carga de críticas, idéias, comportamentos,
valores, atitudes, se materializa. As personagens tomaram forma. Há atores e um
público que, como o pesquisador espectador, vivenciam as criações do autor, notam
intenções, inflexões, interpretam palavras, compreendem o pensamento que elas
conduzem. É um texto de época que está sendo encenado; uma sátira política.
Identificamos instituições, atitudes individuais e coletivas, que analisamos ao par do
entendimento da situação social, histórica e política representada de diversos pontos-devista: dos atores, da direção, do público, do pesquisador.
O trabalho do pesquisador foi informado pela crítica teatral: foi feita a leitura
crítica do espetáculo. Se antes havia a mediação do texto para o entendimento da obra e
a identificação de seus elementos internos e externos, passou a haver o fato, o
acontecimento teatral, que traz em si, indistintos, tais elementos.
O palco foi preenchido com ações concretas, que ora evidenciavam a
apropriação do espaço público pelo interesse privado, ora representavam a intimidade
do poder que se apropria desse espaço. A política do favor (Caiu o Ministério!), na
185
Armando Sérgio da SILVA e J. GUINSBURG - “A Linguagem Teatral do Oficina”, in: J.
Guinsburg: Diálogos sobre Teatro, Armando Sérgio da SILVA (organizador), São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1992, p. 98.
145
expressão de José de Souza Martins, base e fundamento do Estado brasileiro, não
permite nem comporta a distinção entre o público e o privado.186
A elaboração das carapuças, por França Júnior, com recortes do tecido social,
cultural e político, elementos do mundo real, “costurados” com as técnicas e convenções
do teatro, da comédia de costumes, gera uma articulação de símbolos, no palco, que
(re)inventa o Brasil pela paródia, caricatura, sátira.
O grande esforço que percebemos na obra dramatúrgica e nos folhetins de
França Júnior é o de elaborar uma reconstrução do Brasil, mais pela pena da “galhofa”,
com um viés social e político bem demarcado: sua crítica foi realizada tendo como
referência uma sociedade burguesa, moderna, civilizada, de inspiração européia, que ele
não vê ocorrer na sociedade da Corte Imperial. Sociedade da qual o folhetinista e
comediógrafo, de uma perspectiva conservadora, condena o apego às aparências, o
casamento por interesse, a subserviência aos padrões estéticos e culturais estrangeiros, e
os vícios que se estabeleciam (e ainda estabelecidos estão) na cultura política brasileira:
a inconsistência partidária, o patronato político, o nepotismo, o despreparo para o
exercício do poder. E a principal crítica, a nosso ver, é dirigida ao modo como essa
sociedade, em seu cotidiano, na imprensa, nas manifestações mais simples e nos
momentos de crise social e política não distinguia o público do privado, a intimidade da
vida pública.
Tem o comediógrafo na pena o instrumento cortante da sátira, critica os excessos
do progresso, mas sente o gosto amargo da realidade: sua época está sendo ou já foi
186
José de Souza MARTINS, “Clientelismo e corrupção no Brasil contemporâneo”, in: O Poder
do Atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta, São Paulo : Editora Hucitec, 1994, p. 20.
146
superada. Apega-se à forma, a princípios (ele que tanto os ironizou), fazendo apenas
com que seu teatro, nas palavras de Sábato Magaldi, exerça o papel moderador de
corrigir o entusiasmo quixotesco das místicas da novidade.
França Júnior viveu e morreu com o Império, o Segundo Reinado. As novas
idéias republicanas mudavam a cultura, a política e o pensamento do país:
(...) A propaganda republicana (...) fazia-se por si mesma. Atribuir-lhe o
sucesso feliz à palavra dos tribunos, ao jornalismo doutrinário ou
agitador, ao entusiasmo da mocidade robusta, à indisciplina militar, e
por fim ao levante de um exército que, como o de 7 de abril, nada mais
foi que a ordenança passiva da nação em marcha – equivale a atribuir a
maré montante às vagas impetuosas que ela alteia. Porque, na
realidade, o que houve foi a transfiguração de uma sociedade em que
penetrava pela primeira vez o impulso tonificador da filosofia
contemporânea. (...) As novas correntes, forças conjugadas de todos os
princípios e de todas as escolas – do comtismo ortodoxo ao positivismo
desafogado de Littré, das conclusões restritas de Darwin às
generalizações apressadas de Spencer - o que nos trouxeram, de fato,
não foram os seus princípios abstratos, ou leis incompreensíveis à
grande maioria, mas as grandes conquistas liberais do nosso século; e
estas compondo-se com uma aspiração antiga e não encontrando entre
nós arraigadas tradições monárquicas, removeram, naturalmente, sem
ruído – no espaço de uma manhã – um trono que encontraram... (...) Não
tinham mais significados os nomes dos partidos. Existiam pela força da
inércia. (...) De sorte que, em 1889, quando o seu último ministério
liberal tentou a última reação conservadora, ela (a monarquia) caiu –
porque não podia mais parar. (...) Foi o que se viu a 15 de novembro de
1889: uma parada repentina e uma sublevação; um movimento refreado
de golpe e transformando-se, por um princípio universal, em força; e o
desfecho feliz de uma revolta. Porque a revolução já estava feita.187
A Proclamação da República alijou do poder aquele que era o símbolo de uma
época, D. Pedro II. O comediógrafo era amigo da família real e sentiu o golpe, não tão
duro quanto a incompreensão da colônia portuguesa para com sua última comédia,
Portugueses às direitas (1890). França Júnior morreria, desgostoso, quatro meses
depois da estréia malograda.
187
Euclides da CUNHA, “Da Independência à República”, in: À Margem da História, Porto,
Portugal: Lello & Irmãos, Livraria e Editora, 1909, pp. 366 a 399.
147
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PAVIS, Patrice – Dicionário de Teatro, tradução de Jacob Guinsburg e Maria Lúcia
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VASCONCELOS, Luiz Paulo – Dicionário de Teatro; Porto Alegre: L&PM Editores,
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Fotografia Brasileira, Coleção Pedro Corrêa do Lago, Brasília, Rio de Janeiro, São
Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, Livraria e Editora Francisco Alves,
Catálogo da Exposição em Brasília, setembro de 2000.
Programa de Teatro
Projeto “Formação de Público”, Secretaria Municipal da Cultura / Cooperativa Paulista
de Teatro (setembro a dezembro de 2001), Teatro João Caetano (São Paulo), onde
foram apresentadas as peças Caiu o Ministério!, de França Júnior, Geração Trianon, de
Anamaria Nunes, Pedro Mico, de Antonio Callado e Nossa vida em família, de
Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha).
Anexo 1 – Obras de França Júnior
Meia hora de cinismo
A República modelo
Tipos da atualidade (O Barão da Cotia)
Ingleses na costa
Direito por linhas tortas
Comédia em 1 ato – 3ª edição – 19 pp. – São
Paulo, Livraria de C. Teixeira. Escrita em
São Paulo, em 1861, quando o autor cursava
a Faculdade de Direito. Há uma edição de
1870 – Cruz Coutinho. Publicada na edição
de 1980, Teatro de França Júnior – Tomo I,
Coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, vol.
5 – MEC/FUNARTE/SNT – pp. 51 a 73.
Representada pela primeira vez em 17 de
julho de 1861, em São Paulo. Alguns anos
depois, novamente representada, foram
introduzidas canções pelo maestro Emílio
Lago. A letra de uma delas, “Canção do
boêmio”, foi escrita por um jovem estudante
de direito, notório praticante do “cinismo”
indicado no título (estrepolias, bebedeiras de
estudantes), chamado Antônio de Castro
Alves.
Comédia em 1 ato. Escrita em São Paulo, em
1861. Texto não encontrado.
Comédia em 3 atos – 36 pp. – 2ª edição :
São Paulo, Livraria de C. Teixeira. Escrita
em São Paulo em 1862. Publicada na
edição de 1980, Teatro de França Júnior –
Tomo II, Coleção Clássicos do Teatro
Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –
pp. 20 a 59. Representada pela primeira vez
no Teatro Ginásio Dramático (1862) e,
posteriormente, no “Novidades”, em 8-121863. Também conhecida como “Barão da
Cutia”. Encenada em 1974 pelo TPS
itinerante (Teatro Popular do Sesi, com
elenco que viajava pelo interior de São
Paulo), com estréia em 30 de julho, em
Santo André.
Comédia em 2 atos. Escrita no Rio de
Janeiro, em 1864 (Editor: Paula Brito).
Publicada na edição de 1980, Teatro de
França Júnior – Tomo I, Coleção Clássicos
do
Teatro
Brasileiro,
vol.
5
–
MEC/FUNARTE/SNT – pp. 75 a 94.
Comédia em 4 atos. Rio, Typ. Americana,
1871, 133p. Publicada na edição de 1980,
Teatro de França Júnior – Tomo II, Coleção
Clássicos do Teatro Brasileiro, vol. 5 –
MEC/FUNARTE/SNT – pp. 61 a 121.
Representada pela primeira vez na Phenix Dramática
(Teatro Fênix Dramático), em 8-10-1870.
Maldita parentela
Amor com amor se paga
O defeito de família
O tipo brasileiro
O relatório sobre a pintura e a estatuária
Entrei para o Clube Jácome
Folhetins
Comédia em 1 ato, escrita em 1871. Edição
de 1957, Revista de Teatro da SBAT
(Sociedade Brasileira de Autores Teatrais);
edição de 1972, Cadernos de Teatro
(Tablado). Publicada na edição de 1980,
Teatro de França Júnior
– Tomo I, Coleção Clássicos do Teatro
Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –
pp. 157 a 180.
Comédia em 1 ato – 30 pp – Rio, Livraria
Popular de Cruz Coutinho, Typographia
Americana, 1871. Publicada na edição de
1980, Teatro de França Júnior – Tomo I,
Coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, vol.
5 – MEC/FUNARTE/SNT – pp. 95 a 110.
Representada pela primeira vez na Phenix
Dramática (Teatro Fênix Dramático), em 69-1870.
Comédia em 1 ato – 49 pp. – Rio, Typ.
Americana, 1871. Publicada na edição de
1980, Teatro de França Júnior – Tomo I,
Coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, vol.
5 – MEC/FUNARTE/SNT – pp. 111 a 133.
Representada na Phenix Dramática (Teatro
Fênix Dramático), em 25-9-1870.
Comédia em 1 ato – 42 pp. – Rio, Typ.
Americana, 1872. Publicada na edição de
1980, Teatro de França Júnior – Tomo I,
Coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, vol.
5 – MEC/FUNARTE/SNT – pp. 135 a 155.
Representada no Teatro Recreio Dramático,
em novembro de 1882. Encenada em 1992
pelo TPS itinerante (Teatro Popular do Sesi,
com elenco que viajava pelo interior de São
Paulo)
(Exposição Universal de Viena, em 1873) –
32 pp. – Rio; Typographia Nacional, 1874.
Comédia em 1 ato (“A propósito cômico em
um ato. Oferecido ao mesmo clube por
França Júnior”) – 24 pp. – Rio, Livro
Popular (Typographia Véra-Cruz), 1877.
Publicada na edição de 1980, Teatro de
França Júnior – Tomo I, Coleção Clássicos
do
Teatro
Brasileiro,
vol.
5
–
MEC/FUNARTE/SNT – pp. 181 a 196.
(Bibliotheca da “Gazeta de Notícias”) – 1ª
edição – 233 pp., “in-8º”, Rio de Janeiro,
1878; 2ª edição, Rio de Janeiro, Livraria de
Jacintho Ribeiro dos Santos (sucessor de
Cruz Coutinho), 1894; 3ª edição, com o
título Folhetins: publicados na Gazeta de
Notícias, Rio de Janeiro, Livraria de Jacintho
Ribeiro dos Santos, 1915; 4ª edição
(aumentada) – 711 pp. e título Folhetins,
com prefácio e coordenação de Alfredo
Mariano de Oliveira, Rio de Janeiro,
Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1926
Política e Costumes – Folhetins Esquecidos Organização e introdução de Raimundo
(1867-1868)
Magalhães Júnior – Editora Civilização
Brasileira S/A. Rio de Janeiro, São Paulo,
Bahia, 1957 – 287 pp. Com exceção dos
folhetins de 6 de julho de 1868 e “Em uma
gôndola” (de 26 de julho de 1868),
publicados no “Correio Mercantil”, os
demais textos publicados nesta coletânea
não foram incluídos na publicação dos
Folhetins (edição de 1926).
Tal qual como lá
Revista de ano, em parceria com Artur
Azevedo; 1879/1880? – “a empresa a quem
a destinávamos recuou diante dos gastos de
encenação, e, não nos querendo molestar,
empenhou-se, por portas travessas, com a
polícia, para que esta proibisse a
representação. A polícia não proibiu, mas
reteve o manuscrito em seu poder, até que a
revista perdeu a atualidade.” (Artur
Azevedo, in: Folhetins). O texto da revista é
dado como perdido.
Os candidatos
Comédia em 1 ato. Foi representada em 1(tradução do italiano da peça
8-1881 no Teatro São Pedro de Alcântara,
de José Fogliani)
Rio de Janeiro, pela Companhia Adelaide
Tessero.
Três candidatos
Comédia em 1 ato. Representada no Teatro
Recreio Dramático em 1882.
Um carnaval no Rio de Janeiro
Comédia em 1 ato. Representada no Teatro
Recreio Dramático em 1882.
Como se fazia um deputado
Comédia em 3 atos, com música de Carlos
Cavalier – 80 pp. – Rio, Gazetinha Editora,
1882. Editada em 1965 pela Revista de
Teatro Dionysos, da Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais (SBAT). Publicada nos
Cadernos de Teatro do Tablado (nº 136 –
janeiro, fevereiro, março de 1994, pp. 28 a
47). Publicada na edição de 1980, Teatro de
França Júnior – Tomo II, Coleção Clássicos
do
Teatro
Brasileiro,
vol.
5
–
MEC/FUNARTE/SNT – pp. 123 a 168.
Representada, pela primeira vez, no Teatro
Recreio Dramático (Rio de Janeiro), em 14
de abril 1882.
Caiu o Ministério!
Dois proveitos em um saco
De Petrópolis a Paris
A lotação dos bondes
As doutoras
Portugueses às direitas
Comédia em 3 atos – 56 pp. – Rio, Livraria
Popular de Cruz Coutinho, 1884. Manuscrito
apógrafo (1912), SNT (Serviço Nacional de
Teatro). Editada em 1961 pelo Instituto
Nacional do Livro. Edição de 1972 a cargo
do SNT. Publicada na edição de 1980,
Teatro de França Júnior – Tomo II, Coleção
Clássicos do Teatro Brasileiro, vol. 5 –
MEC/FUNARTE/SNT – pp. 169 a 221.
Representada no Teatro Recreio Dramático,
em julho de 1882. Apresentada pelo Teatro
Popular do Sesi - TPS, em São Paulo, em
1973 (temporada no Teatro Maria Della
Costa; comemoração dos 10 anos do TPS).
Em cartaz de setembro a dezembro de 2001,
e de 16 de março a 30 de junho de 2002 com
temporada no Teatro João Caetano, dirigida
por Ariela Goldmann, dentro do Projeto
“Formação de Público”, da Secretaria
Municipal de Cultura do Município de São
Paulo. Temporada de 16 a 24 de fevereiro de
2002, no Teatro Municipal de São Paulo.
Comédia em 1 ato – 24 pp. – Rio, Livraria
Popular de Cruz Coutinho, 1883. Publicada
na edição de 1980, Teatro de França Júnior
– Tomo I, Coleção Clássicos do Teatro
Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –
pp. 197 a 211.
Comédia de costumes em 3 atos, com
música de Carlos Cavalier. Representada no
Teatro Recreio Dramático, em 25 de junho
de 1884
Comédia em 1 ato – 27 pp. – Rio, Livraria
de Cruz Coutinho, 1885. Publicada na edição
de 1980, Teatro de França Júnior
– Tomo I, Coleção Clássicos do Teatro
Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –
pp. 212 a 231.
Comédia em 4 atos, representada no Teatro
Recreio Dramático, em 27 de junho de 1889.
1912: manuscrito apógrafo; 1932: Teatro
Brasileiro da SBAT. Publicada na edição de
1980, Teatro de França Júnior
– Tomo II, Coleção Clássicos do Teatro
Brasileiro, vol. 5 – MEC/FUNARTE/SNT –
pp. 223 a 291. Teria sido representada em
fins da década de 40 do século XX, em São
Paulo, por Osmar Rodrigues Cruz.
Comédia em 3 atos, representada no Teatro
Recreio Dramático, em 9/5/1890, no festival
Bendito chapéu
em benefício de um batalhão que seguiu para
Zambezia.
Não
encontrada,
pelo
pesquisador, notícia sobre edição.
Comédia em 1 ato. Não encontrada edição
ou notícia sobre sua representação.
Em Petrópolis
Comédia em 1 ato. Não encontrada edição
ou notícia sobre sua representação.
O beijo de Judas
Comédia em 4 atos. Não encontrada edição
ou notícia sobre sua representação.
Duas pragas familiares
Comédia em 5 atos. Não encontrada edição
ou notícia sobre sua representação.
Trunfo às avessas
Opereta em 2 atos. Representada nos Teatros
Fênix Dramática e Apolo. Cópia manuscrita
s/d. Música de Henrique de Mesquita.
Fontes:
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Rio de Janeiro, 1898, páginas 163 a 165.
Folhetins – França Júnior, prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira (Da Associação de Ciências e
Letras, de Petrópolis), 4ª edição, aumentada, com os folhetins publicados nos jornais O Globo Ilustrado, O Paiz e o
Correio Mercantil; Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, Rio de Janeiro, 1925.
Revista da Academia Brasileira de Letras – Ano XIX, Volume XXVIII – Seção Perfis Acadêmicos, França Júnior
(Joaquim José da França Júnior – Patrono da cadeira nº 12 da ABL), por Arthur Motta; TAB, Edição do Anuário do
Brasil, Rio de Janeiro, novembro de 1928, páginas 320 a 327.
França Júnior, Política e Costumes – Folhetins Esquecidos (1867-1868) – organização, introdução e notas de
Raimundo Magalhães Júnior (da Academia Brasileira de Letras), edição ilustrada, coleção Vera Cruz (Literatura
Brasileira), volume 6, Editora Civilização Brasileira S/A, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, 1957.
O Teatro no Brasil – Tomo II (subsídios para uma biobibliografia do teatro no Brasil) – J. Galante de Sousa,
Ministério da Educação e Cultura, Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1960, páginas. 245 a 247.
Teatro de França Júnior (Tomo I)– texto estabelecido e introdução de Edwaldo Cafezeiro, com a colaboração de
Carmem Gadelha e Maria de Fátima Saadi, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, Serviço Nacional de
Teatro, Fundação Nacional de Arte, coleção Clássicos do Teatro Brasileiro, volume 5, 1980.
Osmar Rodrigues Cruz – uma vida no teatro – Osmar Rodrigues Cruz e Eugênia Rodrigues Cruz, São Paulo :
Hucitec, 2001.
Teatro de Artur Azevedo (Tomo I) – estabelecimento de texto de Antônio Martins de Araújo, com a colaboração de
Carmem Gadelha e Maria de Fátima Saadi, Rio de Janeiro, Instituto Nacional de Artes Cênicas, coleção Clássicos do
Teatro Brasileiro, volume 7, 1983.
O Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções – Neyde VENEZIANO. – Campinas, SP : Pontes : Editora
da Universidade Estadual de Campinas, 1991.
Anexo 2
Breve Cronologia do Império,
de um teatro oficial no Brasil
e da vida de um autor teatral:
1808 – vinda da Família Real para o Brasil;
1810 – decreto de D. João VI, determinando a construção de um “teatro decente” e
digno de sua real presença; a família real prestigia o teatro indo a apresentações;
1813 – inaugurado o “Real Teatro São João”, em 12 de outubro: “O público do teatro São
João, durante o primeiro reinado, apinhava-se no teatro, menos para aplaudir atores e cantores do que para
manifestar, sempre que se deparasse oportunidade, sua concordância entusiasta com as autoridades e às
vezes até mesmo sua discordância. O Teatro São João foi convertendo-se no centro não só da vida
artística do Rio, como ainda da vida política e social do país” (HESSEL, Lothar e RAEDERS, Georges –
O teatro no Brasil – da colônia à Regência; Porto Alegre, Edições URGS – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – 1974, p.101);
1815 – elevação do Brasil a Reino;
1821 – 6 de abril: volta da Família Real a Portugal;
1822 – Independência do Brasil;
1823 – Constituinte elabora texto que desagrada o Imperador D. Pedro I;
1824 – Outorga da Constituição por D. Pedro I; juramento da constituição em 25 de
março; à noite, após récita de gala com a presença de S. M.; o teatro incendeia-se
(literalmente);
1825 – 2 de dezembro: nasce D. Pedro II;
1826 – o Teatro é reaberto com o nome de “Imperial Teatro São Pedro de Alcântara”,
no mês de abril;
1829 – morre o Fernandinho (Fernando José de Almeida – empresário e construtor do
Teatro desde a vinda da família Real, contratava companhias líricas, administrava o
teatro e conseguia dinheiro de loterias ou do Tesouro para as obras) em junho;
1831 – D. Pedro I abdica em favor de seu filho Pedro de Alcântara, de 6 anos de idade e
embarca para Portugal, entre os dias 7 e 13 de abril;
-- em 3 de maio de 1831, reabre-se o Parlamento do Império. O Teatro muda de
nome: ”Teatro Constitucional Fluminense”, nome que só vai ser modificado em 1838,
quando volta a se chamar “São Pedro”;
1831 a julho de 1840 – Período das Regências Trinas, de Feijó e de Araújo Lima;
1835 a 1849 – Período de revoltas como a Revolução Farroupilha (RS), Cabanagem
(Pará), Sabinada (Bahia), Balaiada (Maranhão), Revolução Liberal (MG a SP) e
Revolução Praieira (PE);
1838 – Nasce Joaquim José da França Júnior, a 19 de abril, no Rio de Janeiro. Filho de
Joaquim José da França e de Dona Mariana Inácia Vitovi Garção da França;
1840 – maioridade de D. Pedro II;
1840 a 1889 – Período monárquico constitucionalista, com regime Parlamentar, com
aproximadamente 35 gabinetes onde se alternavam os partidos liberal (luzias) e
conservador (saquaremas);
1850 – Lei Euzébio de Queiróz, de repressão ao tráfico negreiro (proclamada durante o
Gabinete Conservador de Costa Carvalho – outubro de 1849 a maio de 1852);
1851/52 – Guerra contra Oribe e Rosas – Uruguai e Argentina;
1862 – França Júnior gradua-se bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Faculdade
de Direito de S. Paulo;
1863/64 – Intervenção contra Aguirre, no Uruguai;
1865/l870 – Guerra do Paraguai;
1868 – França Júnior é secretário do Governo Provincial da Bahia e adjunto de
promotor público no Rio de Janeiro;
1871 – Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro (proclamada durante o Gabinete
Conservador do Visconde do Rio Branco – março de 1871 a junho de 1875);
1873 – França Júnior é um dos representantes brasileiro na Exposição Universal de
Viena;
1885 – Lei dos Sexagenários, de 28 de setembro (Lei Dantas, proclamada durante o
Gabinete Conservador do Barão de Cotegipe – agosto de 1885 a março de 1888);
1888 – Lei Áurea, de 13 de maio: abolição total da escravatura, sem indenização, no
Brasil (proclamada durante o Gabinete Conservador de João Alfredo – março de 1888 a
junho de 1889);
1889 – Proclamação da República; partida para o exílio do Imperador intelectual, para
uns; burocrata, para outros...
1890 – morte de França Júnior, em Poços de Caldas, Minas Gerais, a 27 de setembro;
1891 – morte de D. Pedro II, em Paris, a 5 de dezembro;
1928 – Demolição do Teatro São Pedro de Alcântara. No mesmo lugar, é construído o
Teatro João Caetano. Ainda esta lá. Até quando?
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