Acesso E Representação Lexical De Palavras

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Anais - XVII ENANPOLL - Tomo III - GT21 - Psicolingüística
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ACESSO E REPRESENTAÇÃO LEXICAL DE PALAVRAS FLEXIONADAS EM GÊNERO NO
PORTUGUÊS
Letícia M. Sicuro Corrêa
Diogo A. de A. e Almeida
*
RESUMO:A representação e o acesso de palavras flexionadas em gênero no léxico mental são
investigados por meio de tarefa de decisão lexical com falantes adultos de português. Visa-se a verificar
se os resultados obtidos em espanhol (Dominguez, Cuetos & Segui, 1999) podem ser replicados em
português e, em particular, se categoria gramatical, ou a natureza do processo flexional (lexical ou
sintática), é um fator relevante na representação e no acesso a essas formas. Os resultados obtidos em
espanhol sugerem que nomes (substantivos) e adjetivos flexionados em gênero têm representações
independentes no léxico, sendo recuperados por uma via direta de acesso lexical. Oferecem, pois, suporte
a um modelo de léxico mental em que formas plenas (de superfície) são representadas. Os presentes
resultados não sustentam essa hipótese, ainda que possam indicar que formas femininas de alta
freqüência relativa no par flexionado admitem acesso direto. Esses resultados indicam, ainda, que o
acesso a nomes e adjetivos é diferenciado. Sugere-se que interpretabilidade de traços léxico-sintáticos,
caracterizada no âmbito da teoria lingüística, seja uma propriedade incorporada em modelos de duploacesso do léxico mental.
PALAVRAS-CHAVE: léxico mental; acesso lexical; representação lexical; gênero gramatical;; flexão.
INTRODUÇÃO
Este estudo lida com o reconhecimento de palavras flexionadas em gênero por falantes adultos
de português. Visa-se a verificar se palavras flexionadas em gênero são recuperadas do léxico mental
como formas plenas, ou seja, tal como formas não flexionadas, e se esse tipo de representação pode
ser atribuído indistintamente a nomes (substantivos) e adjetivos, tal como sugerido por dados do
espanhol (Dominguez, Cuetos & Segui, 1999).
Léxico mental pode ser entendido como um tipo de memória para elementos do léxico e diz
respeito ao conhecimento que o falante tem das palavras da língua. Esse conceito se inscreve em
teorias psicolingüísticas que visam a explicar o modo como unidades lexicais são recuperadas na
compreensão e na produção da linguagem, assim como dar conta de dificuldades no acesso lexical.
Um dos tópicos mais discutidos na caracterização de um modelo do léxico mental é o modo
como palavras plurimorfêmicas estariam representadas. Ou seja, se o fato de estas formas serem
derivadas ou flexionadas do ponto de vista da descrição lingüística necessariamente implica que o
acesso a elas é dependente de regras de formação de palavras ou de procedimentos de natureza
gerativa. Assumindo-se uma possível dissociação entre o modo como palavras são caracterizadas
morfologicamente e o modo como são representadas para acesso lexical, palavras derivadas teriam,
em princípio, mais chance de serem representadas como formas plenas do que palavras flexionadas,
dado que o processo de derivação não é completamente regular e estas podem adquirir nuances
semânticas imprevisíveis a partir do significado dos morfemas constituintes. De fato, formas
derivadas de alta freqüência, tal como formas irregulares, tendem a ser representadas
independentemente da palavra primitiva de sua “família” morfológica (Pinker, 1991). Formas
regulares flexionadas, por sua vez, parecem ser decompostas no acesso lexical, como sugerem
resultados experimentais obtidos em tarefas de reconhecimento com sonda (prime) semântica
Sonnenstuhl, Eisenbeiss & Clahsen, (1999), dados neuropsicológicos obtidos por meio da técnica
dos potenciais evocados (ERP –Event Related Potentials) (Penke et al., 1997) assim como erros de
concordância obtidos com afásicos agramáticos (Janssen & Penke, 2002).
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Regularidade pode, no entanto, não ser o único fator determinante do modo como formas
flexionadas são reconhecidas na compreensão ou recuperadas na produção. Baayen, Dijkstra &
Schreuder (1997) argumentam que as propriedades específicas dos afixos na língua têm de ser
levadas em conta num modelo de identificação lexical, e listam uma série de parâmetros que podem
ser relevantes ao processamento em nível morfológico, dentre os quais a dominância de freqüência –
fator considerado determinante do modo de representação de palavras flexionadas em gênero em
espanhol (Dominguez, Cuetos & Segui, 1999).
Dominância de frequência diz respeito à freqüência relativa das chamadas formas de superfície
(a forma da palavra tal como se apresenta fonologicamente, ou seja, não segmentada em morfemas
constituintes) de um par flexionado. Por exemplo, no caso de uma língua em que haja formas
distintas para singular e plural e que a diferença resida na presença ou ausência de um morfema de
número adicionado a uma base, um par singular/plural tem dominância singular se a forma mais
freqüente do par for a singular e tem dominância plural se a forma plural for a mais freqüente.
Efeitos de freqüência da forma de superfície de um par flexionado no reconhecimento lexical são
tomados como indicativos de que a forma flexionada encontra-se representada como forma plena,
dispensando-se, com isso, o uso de regras ou de operações de natureza computacional quando de seu
acesso na produção e/ou na compreensão.
Os estudos conduzidos em espanhol (Dominguez et al., 1999; 2000) fizeram uso de formas
flexionadas em gênero e em número em tarefa de decisão lexical – o falante tem decidir o mais
rapidamente possível se a palavra que lhe é apresentada é ou não uma palavra de sua língua. O
tempo de decisão é tomado como medida do tempo de acesso lexical. Quanto menor o tempo, mais
chances há de a forma ser reconhecida sem a necessidade de decomposição, ou seja, por via direta.
Nesse estudo, a freqüência de superfície foi uma variável manipulada, caracterizando-se, dessa
forma, a dominância da freqüência – masculina ou feminina; singular ou plural, nos pares
flexionados. A freqüência cumulativa, ou seja, a soma da freqüência das formas masculina e
feminina, no caso da flexão de gênero, e das formas singular e plural, no caso da flexão de número,
foi uma variável controlada. Os resultados apresentaram um tempo de decisão menor para as formas
dominantes, independente de gênero, sugerindo que formas flexionadas em gênero são representadas
independentemente uma da outra e acessadas por uma via direta no léxico mental.
A representação de formas flexionadas como formas plenas seria compatível com a hipótese de
que todas as palavras (formas livres) encontram-se “listadas” no léxico mental, não havendo
necessidade de se postularem processos associativos ou gerativos no âmbito do léxico (Full Listing
Model (Butterworth, 1983)). Entretanto, essa hipótese não tem encontrado suporte na maioria dos
estudos sobre acesso lexical, cujos resultados podem ser explicados de forma mais adequada por
meio de modelos de duplo-acesso – modelos que admitem o acesso lexical por uma via direta, em
que a forma plena é recuperada, e por uma via analítica, que requer a decomposição da forma em
seus morfemas constituintes (Caramazza, Laudanna & Romani, 1988; Taft, 1994; Schreuder &
Baayen, 1995).
Os resultados relativos a formas flexionadas em gênero em espanhol levantam ainda uma série
de questões interessantes para o tratamento do gênero gramatical em modelos de produção e de
compreensão de enunciados verbais e no estudo da aquisição da linguagem. Palavras flexionadas em
gênero seriam menos sujeitas a deslizes da fala (erros ou trocas involuntárias de unidades lingüísticas
relevantes ao processamento, tal como afixos), por serem acessadas tal como raízes ou bases
lexicais? Morfemas de gênero não seriam distintos, do ponto de vista da percepção e da aquisição, de
vogais temáticas, a despeito de sua carga semântica? Formas flexionadas em gênero seriam
adquiridas como formas com gênero intrínseco (tal como os nomes com traço [-animado] em
português e espanhol)? A freqüência de uso tornaria intrínseco um traço opcional de elementos do
léxico (como o de nomes flexionados)? Esses resultados também remetem a discussões de natureza
descritiva, em que se considera a possibilidade de formas femininas serem decorrentes de derivação,
dado que podem acarretar alteração do sentido da base, como em empregada, aventureira. Esse tipo
de discussão seria relevante para um modelo do léxico mental?
O ponto crucial a ser considerado a partir dos dados do espanhol diz respeito, contudo, ao fato
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de as conclusões serem atribuídas indiscriminadamente a nomes (substantivos) e adjetivos.
Nos primeiros, a flexão decorre de um processo essencialmente lexical – o morfema de gênero
apresenta uma forma marcada que denota um subconjunto da classe denotada pela forma masculina
não marcada – o subconjunto dos seres do sexo feminino. Nos segundos, o morfema de gênero pode
ser visto como indicativo de concordância gramatical – condição que evidencia o compartilhamento
de traços léxico-sintáticos de mesmo valor por elementos sintaticamente relacionados. A flexão é,
nesse caso, decorrente de um processo de natureza sintática. Seria esta distinção irrelevante para um
modelo do léxico mental?
Diante das questões acima levantadas, torna-se necessário verificar a generalidade das
conclusões de Domingues et al.. O presente estudo teve como propósito replicar o experimento
relativo a gênero do espanhol, explorando a grande semelhança entre a morfologia do gênero nas
duas línguas. Diferentemente daquele estudo, contudo, a categoria gramatical a que a forma da
palavra mais imediatamente remete (nome ou adjetivo) foi tomada como variável independente.
Consideramos que, ainda freqüência de superfície possa ser um fator relevante para a
representação/acesso de nomes femininos, o mesmo não seria esperado para a representação/acesso
de adjetivos, tendo em vista a natureza sintática da flexão nesses últimos. Ainda diferentemente do
estudo em espanhol, apenas nomes com traço [+ animado] foram utilizados. O estudo de Domingez
et al. incluiu pares tais como fruto /fruta; jarro/jarra, cuja caracterização como pares flexionados em
gênero, ainda que já tenha sido sugerida (Câmara, 1970), é polêmica. Não há evidência de que a
forma feminina seja morfologicamente relacionada à masculina de um ponto de vista etimológico,
nem de que os falantes da língua percebam a forma de gênero feminino como relacionada
morfológica ou conceptualmente à forma masculina, dado que esta relação pode ser muito tênue,
como em cano/cana (Português), caño/caña (Espanhol). É provável, pois, que tais formas sejam
representadas de forma independente e é possível que a inclusão das mesmas no estudo do espanhol
tenha afetado a direção dos resultados obtidos.
Apresentamos abaixo os resultados do primeiro experimento de uma série que visou a
investigar o modo como nomes e adjetivos flexionados em gênero seriam representados ou
recuperados no acesso lexical, a partir de dados do português (o estudo completo encontra-se em
Corrêa, Almeida & Porto (a sair)).
1. EXPERIMENTO DE DECISÃO LEXICAL
Esse experimento teve como objetivo verificar se dominância de freqüência determina a
velocidade do reconhecimento de nomes e adjetivos em português, como sugerido pelos dados do
espanhol. Um efeito de dominância de freqüência independentemente de um efeito de gênero, com
formas dominantes sendo reconhecidas mais rapidamente do que as não- dominantes, seria
indicativo de que a chamada forma de superfície – a forma masculina (não marcada) e a forma
feminina (marcada, pela adição do morfema de gênero –a) são representadas independentemente e
que seu acesso não envolve decomposição.
As mesmas variáveis manipuladas em Dominguez et al. (1999) foram aqui manipuladas:
Dominância de Freqüência em pares flexionados em gênero (Dominância Masculina (DM) e
Dominância Feminina (DF)) e Gênero (Masculino e Feminino), à exceção de Categoria Gramatical
(Nome (substantivo) e Adjetivo), introduzida neste estudo. Metade dos participantes foram
submetidos à condição Nome e a outra metade à condição Adjetivo. O experimento teve, portanto,
um design fatorial 2 (Dominância de freqüência) x 2 (Gênero) x 2 (Categoria Gramatical), sendo este
último um fator grupal.
Com base nos resultados obtidos em espanhol, a previsão é de um efeito principal de
Dominância de Freqüência, ou seja, as formas de superfície de freqüência dominante no par deverão
ser reconhecidas mais rapidamente do que seus pares.
Com base no fato de a flexão de gênero em nomes ser de natureza estritamente lexical
enquanto que a flexão de gênero em adjetivos é de natureza sintática, prevê-se interação entre
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Dominância de Freqüência e Categoria Gramatical com um possível efeito de Dominância de
Freqüência restrito a nomes.
1.1.Método:
1.1.1.Participantes:
Setenta e quatro adultos (48 mulheres e 26 homens), falantes nativos de português, alunos da PUCRio, participaram como voluntários, constituindo dois grupos de 37 sujeitos.
1.1.2.Material:
Material lingüístico: quarenta e oito pares de palavras flexionadas em gênero: vinte e quatro
nomes e vinte e quatro adjetivos distribuídos em quatro listas experimentais: duas para o grupo de
nomes e duas para o grupo de adjetivos. Cada lista continha vinte e quatro palavras-alvo: doze
masculinas – seis DM (palavras masculinas dominantes no par) e seis DF (palavras masculinas não
dominantes no par); doze femininas – seis DF (palavras femininas dominantes no par) e seis DM
(palavras femininas não dominantes no par). Apenas um membro cada par flexionado em gênero foi
incluído em cada lista, de modo que cada participante foi exposto a apenas um elemento do par
flexionado. As palavras foram extraídas de duas bases de dados: uma base de dados de 1.129.365
palavras identificadas em jornais no período de um mês e uma base de dados de língua oral, extraída
do projeto NURC (Duarte, 1996), formando um total de cerca de 1 milhão e meio de palavras. Os
nomes e adjetivos foram classificados inicialmente em função do contexto de ocorrência. Estes
foram posteriormente submetidos, como palavras isoladas, à classificação, por cem falantes nativos
de português escolarizados (alunos de graduação ou pós-graduação ou profissionais de nível
superior). Apenas as palavras cuja classificação como nome ou adjetivo correspondeu à classificação
inicial nas respostas de pelo menos 90% dos sujeitos foram incluídas no material de teste. 114 pares
de nomes e 96 pares de adjetivos cuja diferença entre a freqüência das formas do par foi igual ou
superior a três em um milhão foram pré-selecionados. Os pares pré-selecionados foram submetidos a
quatro grupos de setenta e cinco falantes nativos para que estes julgassem qual das formas era a mais
freqüente no uso da língua. No caso de nomes, o julgamento subjetivo correspondeu à dominância
relativa identificada na base de dados em 83% dos casos. Apenas estes pares foram incluídos. No
caso de adjetivos, esse julgamento coincidiu com a dominância real em apenas 5,21% dos pares,
dado que a forma masculina foi considerada a mais freqüente na maioria dos casos. Por esta razão,
as listas de adjetivos tiveram de ser baseadas predominantemente na freqüência real,
independentemente do julgamento dos falantes. Tanto a freqüência de superfície quanto a freqüência
cumulativa dos nomes e dos adjetivos foram controladas. O número médio de sílabas por condição
também foi controlado e a o número de palavras morfologicamente complexas foi contrabalançado.
50 pseudo-palavras foram incluídas em cada lista, sendo estas morfologicamente compatíveis com a
classificação como nomes ou como adjetivos. As pseudo-palavras foram distribuídas nas listas de
nomes e de adjetivos. Uma lista de sete palavras e oito pseudo-palavras foi criada para treinamento.
Equipamento: Um computador PC AMD Athlon 900Mhz com monitor super VGA de 15 polegadas
e uma caixa de botões, com dois botões identificados com V ou F para indicação da decisão do
falante quanto à palavra pertencer ou não à língua.
O quadro 1 apresenta as palavras-teste por listas e condições experimentais. Os números entre
parênteses indicam a freqüência de superfície da forma em questão.
Quadro 1
Lista 1: Nomes
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Masculinos DM: aluno (253), curandeiro (4), fotógrafo (14), garoto (128), pato (53), urso (21).
Masculinos DF: bruxo (1), cozinheiro (9), dono (23), enfermeiro (4), moço (66), sogro (36).
Femininos DM: cenógrafa (0), funcionária (37), pomba (5), prima (12), proprietária (12), rata (0).
Femininos DF: costureira (25), datilógrafa (5), empregada (127), esposa (30), noiva (76), viúva (16).
Lista 2: Nomes
Masculinos DM: cenógrafo (5), funcionário (193), pombo (19), primo (80), proprietário (27), rato (28).
Masculinos DF: costureiro (16), datilógrafo (1), empregado (141), esposo (0), noivo (8), viúvo (11).
Femininos DM: aluna (74), curandeira (0), fotógrafa (0), garota (96), pata (14), ursa (- 6).
Femininos DF: bruxa (3), cozinheira (18), dona (200), enfermeira (12), moça (217), sogra (37).
Lista 3: Adjetivos
Masculinos DM: bonito (38), esportivo (46), estranho (44), famoso (38), interno (71), positivo (56).
Masculinos DF: absoluto (22), amplo (30), elétrico (30), falso (21), profundo (21), sagrado (23).
Femininos DM: belo (82), cheio (55), curto (66), diverso (70), moderno (74), religioso (60).
Femininos DF: aberto (91), antigo (98), básico (57), científico (45), externo (48), frio (35).
Lista 4: Adjetivos
Masculinos DM: bela (55), cheia (47), curta (44), diversa (66), moderna (69), religiosa (49).
Masculinos DF: aberto (113), antigo (106), básico (63), científico (52), externo (64), frio (76).
Femininos DM: bonita (33), esportiva (30), estranha (- 33), famosa (33), interna (30), positiva (34)
Femininos DF: absoluta (30), ampla (43), elétrica (59), falsa (24), profunda (36), sagrada (34).
1.1.3.Procedimento:
Os participantes foram instruídos oralmente e por meio de informação apresentada no monitor
situado numa cabine acústica do LAPAL (Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da
Linguagem da PUC-Rio), onde o experimento foi conduzido. Cada participante foi apresentado a
uma lista escolhida aleatoriamente por meio de um programa em linguagem EXPE6 (Pallier, Dupoux
& Jeannin, 1997), com a qual o experimento foi criado. Cada uma das palavras da lista era
apresentada no centro da tela do monitor após a apresentação de 5 asteriscos durante 500 mseg.. A
palavra permanecia na tela até o participante apertar um dos dois botões de uma caixa conectada ao
computador para registro do tempo de resposta. Na ausência de resposta por 300 mseg, o estímulo
desaparecia da tela, reiniciando-se uma seqüência de asteriscos seguida de um estímulo lingüístico.
Após cada julgamento, um intervalo de 100 mseg precedia o próximo estímulo.
1.2. RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Os tempos de julgamento formam submetidos a uma ANOVA por sujeitos e a outra por itens.
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Um efeito significativo de Categoria Gramatical foi obtido em ambas as análises F1(2,72) =
13.40 p<.001 (778.3 mseg para Nomes e 655.16 mseg para Adjetivos);F2(2,10) = 25.01 p<.001
(774.26 mseg para Nomes and 655.16 para Adjetivos). O efeito da interação entre Gênero e
Categoria Gramatical aproximou-se do nível de significância na análise por sujeitos F1(2,72) = 3.09
p<.08), e foi significativo na análise por itens F2(2,10) = 6.29 p=.03 (757.61 mseg para Nomes
masculinos; 790.92 mseg para Nomes femininos; 659.91 mseg para Adj. Masculinos e 651.41mseg
para Adj. Femininos.). Um efeito significativo da interação Dominância de Freqüência e Categoria
Gramatical também foi obtido em ambas as análises: F1(2,72) = 10.07 p<.01 (799.62 mseg para
Nomes no par DM; 756.96mseg para Nomes no par FD; 646.6 mseg para Adjetivos no par DM e
663.6 mseg para Adjetivos no para DF); F2(2,10) = 7.96 p<.02. (794.08 mseg para Nomes no par
DM; 754.62 mseg para Nomes no par DF; 646.55mseg para Adjetivos no par MD; 663.76 mseg para
adjetivos no par FD). A Tabela 1 apresenta as médias da análise por sujeitos. O número de erros foi
1.94 (max escore=24), o que demonstra que as decisões lexicais foram precisas.
Table 1
Médias do tempo de decisão (mseg) para palavras flexinadas em gênero em função
de categoria gramatical, dominância de freqüência e gênero (n = 74)
Categoria Gramatical
Nome
Adjetivo
Dominância de freqüência no par
DM
DF
DM
DF
Média Total
Gênero
Masc.
777.75
746.91
656.10
661.71
710.62
722.84
Fem.
821.50
767.04
637.00
665.81
MédiaTotal:
799.63
756.98
646.55
663.76
Os presentes resultados não sustentam a hipótese da dominância de freqüência sugerida pelos
dados do espanhol. É possível que diferenças no material de teste, com inclusão de nomes com traço
[-animado] em pares, cujos elementos não são morfologicamente relacionados, tenha favorecido o
efeito de Dominância de freqüência obtido em Dominguez et al. (1999). Os efeitos gerados por
Categoria Gramatical no presente estudo indicam que este fator, ou o tipo de processo flexional
envolvido (lexical ou sintático), afeta o modo como palavras flexionadas em gênero são
representadas e acessadas. O menor tempo de resposta para adjetivos em comparação a nomes pode
indicar que a informação relativa a gênero não é computada nesses últimos. Observa-se na Tabela 1
que palavras dos pares DM levaram mais tempo para serem reconhecidas do que palavras dos pares
DF, enquanto que uma tendência na direção oposta pode ser notada entre adjetivos, sendo que essas
diferenças são particularmente manifestas nas palavras femininas. Esses resultados são compatíveis
com a visão de que nomes femininos têm mais chance de adquirirem uma representação autônoma
devido a nuances de sentido que possam assumir. No caso de adjetivos, a direção das médias parece
indicar que a forma masculina não marcada guia o acesso lexical, o que é compatível com o
julgamento subjetivo de dominância de freqüência na preparação do material do teste. Quanto ao
efeito de Dominância Feminina no reconhecimento de nomes independentemente do gênero, não é
claro como uma representação independente da forma flexionada (feminina) poderia afetar a rapidez
de acesso à sua contraparte masculina. Os modelos correntes de acesso lexical teriam dificuldade de
dar conta desse resultado. Tendo em vista que esse direcionamento envolveria uma interação (3-way)
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que não foi significativa, não é claro o quanto essa tendência é indicativa de um modo de
representação lexical. Esse ponto foi explorado em experimentos subseqüentes (ver Corrêa, Almeida
e Porto, a sair).
A principal evidência trazida pelos presentes resultados é de que o acesso a nomes e adjetivos
flexionados em gênero não pode ser tomado como um mesmo processo. Os efeitos aqui obtidos
apontam para a relevância do conceito de interpretabilidade, tal como caracterizado no programa
minimalista (Chomsky, 1995), para modelos do léxico mental. O fato de, nessa perspectiva, o traço
lexical de gênero ser interpretável no nome e não interpretável nos elementos que com ele
concordam é compatível com a possibilidade de o falante/ouvinte representar e recuperar
diferentemente nomes e adjetivos e de a informação relativa a gênero não ser relevante no
reconhecimento desses últimos.
CONCLUSÃO:
O estudo do acesso a palavras flexionadas em gênero em Português não sustenta a idéia de
estas sejam representadas como formas plenas e que seu acesso dispense decomposição. É possível,
no entanto, que formas femininas de freqüência dominante em pares flexionados venham a admitir
uma via direta de acesso. Modelos de duplo acesso (Caramazza, Laudanna & Romani, 1988; Taft,
1994; Schreuder & Baayen, 1995) fariam prever tais resultados. O que os modelos correntes não
explicariam é o acesso diferenciado a nomes e adjetivos flexionados em gênero. É necessário, pois,
que uma propriedade tal como interpretabilidade de traços do léxico (com suas implicações para a
sintaxe e para a interpretação nas interfaces da língua com sistemas de desempenho) seja levada em
conta em uma teoria do léxico mental.
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