A GEOGRAFIA ESCOLAR NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: A NOÇÃO DE LUGAR COMO BASE PARA A CONSTRUÇÃO DE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA Maria do Socorro Pereira de Sousa ANDRADE [email protected] Andrea Lourdes Monteiro SCABELLO [email protected] RESUMO Esse trabalho tem como objetivo refletir sobre os problemas percebidos no ensino de Geografia dos anos iniciais do Ensino Fundamental em razão do pouco domínio dos conteúdos pelos professores desse nível de ensino. Por não serem especialistas nessa área enfrentam dificuldades na seleção dos conteúdos significativos da Geografia que permitam a construção dos conceitos basilares fundamentais para o desenvolvimento intelectual das crianças. Procuramos refletir sobre as possibilidade de solucionar os problemas relativos ao ensino-aprendizagem, além de discutir sobre a necessidade da criação de propostas metodológicas que realmente se efetivem na prática. Entre os conceitos basilares da Geografia elegemos o conceito de lugar e os conteúdos vinculados a ele, tendo em vista que sendo um dos conceitos estruturantes define a lógica dos conteúdos estudados pela Geografia. Nesse sentido o estudo do lugar e o entendimento de que o aluno pertence a ele favorece a compreensão do espaço em relação à sua própria identidade. O lugar é a referência espacial de maior intimidade do aluno. Desta forma, consideramos que a partir das vivências no lócus é possível analisar, interpretar e e compreender outros locais e as suas relações no mundo, contribuindo assim para o desenvolvimento do raciocínio geográfico. Palavras-chave: Ensino de Geografia. Anos iniciais do ensino fundamental. Conceito de lugar. Aprendizagem significativa. INTRODUÇÃO A experiência como professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental ao longo de 27 anos, possibilitou vivenciar diversos problemas relativos ao ensino de Geografia nessa etapa da escolarização que necessitam de uma análise mais rigorosa para que se possa compreender a sua gênese e elaborar propostas de intervenção educativa na busca de possíveis soluções. Parte-se da premissa de que a Geografia Escolar contribui para o desenvolvimento integral do ser humano, que, desde a mais tenra idade, necessita estar preparado para enfrentar os desafios impostos pela realidade do mundo. Viver num mundo globalizado exige o desenvolvimento de habilidades que possam ajudar na compreensão da espacialidade e das rápidas transformações dos fenômenos de natureza geográfica. Dessa forma, o ensino da geografia na Educação Básica deve ajudar as crianças e adolescentes a construir o pensamento espacial. Isso significa dizer que ao ensinar a geografia, deve-se considerá-la como parte do cotidiano dos estudantes; ciência que auxiliará no desenvolvimento da observação e da análise 1 da atualidade contribuindo para a formação do espírito crítico. Esse conhecimento torna-se necessário para que sejam percebidas com clareza as intervenções humanas espaciais e a partir daí gerar reflexões que fortaleçam a concepção de que os alunos constituem-se sujeitos transformadores dessa realidade. Como fazer para que os alunos entendam a importância de estudar Geografia se pesquisas comprovam que nos anos iniciais do Ensino Fundamental os professores de Geografia em geral, por não serem especialistas nessa área, muitas vezes têm pouco domínio dos conteúdos dessa ciência? Dessa forma, como irão demonstrar aos alunos a importância de estudar Geografia? É certo, no entanto, que a Geografia assume papel relevante na educação escolar em tempos de globalização para a sociedade em geral, ao permitir que se compreenda os fatos atuais. Não basta memorizar conceitos ou definições relativos aos aspectos físicos e humanos que esta disciplina se propõe a estudar. É necessário entender a sua natureza e a sua dinâmica. Entre as intenções desta reflexão deseja-se, desmistificar a imagem que esta disciplina angariou, ao longo da sua constituição enquanto componente curricular, em função da adoção de uma abordagem tradicional de ensino. A problemática relativa à falta ou ao pouco domínio dos conteúdos geográficos por parte dos professores dos anos iniciais pode estar associada a formação inicial e continuada. O pouco domínio dos aspectos conceituais e metodológicos compromete o ensino-aprendizagem e, em vista disso, em algumas escolas da rede privada de Teresina há preferência para se contratar professores licenciados em Geografia, em substituição aos docentes conhecidos como polidoscentes ou generalistas, geralmente com formação em Pedagogia. Como afirmamos anteriormente, entendemos a geografia escolar como relevante para o desenvolvimento integral do ser humano, pois os conhecimentos geográficos permitem compreender os fenômenos cotidianos. Ela prescinde um conhecimento especializado que envolve conceitos e procedimentos metodológicos. Dessa forma, precisa-se desmistificar a imagem que se formou no ensino tradicional, de uma geografia que não adquire sentido em si mesma. É necessário convencer as pessoas sobre tal importância, isso pode ocorrer a partir do desenvolvimento de conteúdos que tenham sentido na vida do estudante. Esses conteúdos devem valorizar o contexto, o cotidiano dos alunos e alunas, devem permitir que seja pensada a espacialidade presente na realidade vivida por ele; isso é papel do ensino. O ensino pode desenvolver, por meio dos conteúdos, um pensamento geográfico autônomo e crítico. Sabendo-se da problemática do domínio dos conteúdos geográficos por parte dos professores de Geografia dos anos iniciais, outra questão, ligada à anterior, merece nossa atenção: como a formação desses professores, no caso da formação inicial, responsabilidade do curso de Pedagogia e da formação continuada, poderia contribuir para melhorar e buscar a solução para este problema? A preocupação leva em consideração, como já afirmamos, o fato de que a cada dia é possível constatar que os polidocentes estão sendo substituídos, principalmente em escolas da rede privada, por professores licenciados em Geografia que têm o domínio dos conteúdos específicos, mas deixam a desejar nos conhecimentos pedagógicos tão importantes, principalmente para esse nível de ensino. A nossa intenção é colaborar, por meio dessa reflexão, com a busca de possíveis soluções para o problema do ensino de geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Busca que envolve o conhecimento de quem vivenciou as limitações de uma prática educativa no ensino de geografia nessa etapa de ensino e que deseja contribuir para vê-la transformada ao ensinar uma geografia que tenha significado na vida dos pequenos estudantes. A contribuição que ensejamos empreender por meio desse texto se configura como uma alternativa para o desenvolvimento de uma prática de ensino que permita aos docentes, de geografia dos anos iniciais, refletirem sobre a produção de aprendizagens significativas. É importante ter em mente que a Geografia Escolar não pode estar dissociada dos avanços epistemológicos da Geografia. Muitas vezes, no ensino dos primeiros anos, por se tratar de um ensino para crianças, esta disciplina se torna fragmentada e com uma rígida hierarquia escolar. Apresentam-se conteúdos supostamente neutros que terminam por mascarar a realidade, havendo assim incoerência entre o modo de ensinar e o movimento de viver em sociedade. Assim como as outras ciências, a Geografia possui conceitos que estruturam e definem a sua lógica de conteúdos. Logo, os conceitos-chave de natureza operativa da Geografia - espaço geográfico, lugar, região, território, rede e paisagem fundamentam os conteúdos geográficos, pois são ponto de partida para a compreensão do espaço. Conforme os PCNs (1997, p.123) esses conceitos “sintetizam aspectos da organização espacial e possibilitam a interpretação dos fenômenos que a constituem em múltiplos espaços e tempos”. A partir deles é possível “identificar a singularidade do saber geográfico, ou seja, a realidade como uma totalidade de processos sociais e naturais numa dimensão histórica e cultural.” (BRASIL, 1997, p.123-124). Dessa forma, temos como objetivo refletir sobre o ensino da geografia escolar dando ênfase aos conteúdos vinculados ao conceito de lugar, tendo em vista que este é um dos conceitos estruturantes que definem a lógica de conteúdos da geografia. Consideramos a importância da sua construção nessa etapa de ensino-aprendizagem porque é um momento em que se processa a construção da identidade do aluno. Nesse sentido compreendemos que o estudo do lugar e a compreensão de que o aluno pertence a ele favorece a compreensão do espaço em relação à sua própria identidade. O lugar é a referência espacial de maior intimidade do aluno, consideramos que a partir da sua interpretação torna-se possível analisar e compreender outros locais. Reconhecer a importância da Geografia no processo de alfabetização do aluno para a leitura de mundo supõe lançar mão de atividades que possibilitem a aprendizagem da leitura do espaço, dessa forma ele será capaz de estabelecer relações e interpretar seus acontecimentos. O conceito de lugar na Geografia escolar dos anos iniciais Straforini (2004, p.81) destaca uma das mais importantes questões que os professores devem fazer antes de elaborar o planejamento, os projetos pedagógicos, e ensinar qualquer conceito geográfico: “Qual deve ser o ponto de partida no ensino de Geografia para crianças dos primeiros anos do Ensino Fundamental?” O autor apresenta uma resposta ressaltando o que os pesquisadores da área como Callai (1998), Pontuschka (2002), Demo (1988), Kaercher (1998), apontam como ponto de partida para ensinar Geografia para crianças. Segundo esses autores, o ponto de partida deve ser o lugar de convivência, a realidade do aluno e de seus familiares. A partir do lugar em que se vive. Para Callai (1998, p.59) “é mais fácil organizar as informações, podendo-se teorizar, abstrair do concreto, na busca de explicações, de comparações e de extrapolações”. Essa abordagem segundo Pontuscka (1999, p.133) “pode garantir a compreensão do espaço geográfico, dentro de um processo que vai do particular ao geral e retorna enriquecido ao particular”. Ensinar Geografia requer, portanto, a compreensão de que o aluno, apesar de sua individualidade, é o resultado das relações que estabelece com os outros no espaço vivido, pelas experiências vivenciadas. Ao estudar o lugar o aluno passa a reconhecer que pertence a ele favorecendo assim a construção da sua própria identidade. É necessário reconhecer “a geografia do lugar do aluno” (COSTELLA, 2012, p.53) para não sacrificarmos uma fase do reconhecimento de relações. Relações que se estabelecem no entorno, no local onde o cotidiano acontece, ligado aos eventos geográficos que nem sempre são vistos como “geográficos”. É a Geografia escolar que permitirá essa compreensão por meio da leitura do lugar, pois as interpretações locais levarão à percepção e análise desses eventos: o deslocamento dos indivíduos para o trabalho, para a escola e o tempo que gastam nos percursos, o movimento e a diversidade dos meios de transporte, as relações de poder exercidas no município, na sua casa, na escola, no bairro, enfim no espaço mais próximo, aquele que permite analisar os eventos geográficos cotidianos. Acredita-se que agindo dessa forma a criança será capaz de analisar outros lugares. No entanto, para chegar a essa compreensão, o professor dos anos iniciais, que geralmente não é especialista em Geografia, precisa da sustentação teórica que fundamenta essa forma de ensino. Não há como ensinar a construir o conceito de lugar sem ter a noção das diversas visões desse conceito, já que na educação escolar se defende que o ensino de Geografia, dever partir dos conceitos cotidianos para chegar aos conceitos científicos. No entanto, os conceitos científicos estão assentados em bases filosóficas que devem fazer parte da atividade reflexiva do professor, para que este possa defender a construção do conceito de lugar conforme sua visão de mundo, de ensino, de aprendizagem. Pode ocorrer que o professor, na sua prática, na sua identidade docente, se comporte conforme o pensamento de um determinado método filosófico sem que tenha noção de que existe um fundamento teórico-filosófico subjacente a sua prática. O conceito de lugar que defendemos nesse trabalho está associado à Geografia Humanista com base na Fenomenologia e no Existencialismo, os quais identificam o lugar fundando-se na própria existência humana através de uma experiência profunda e imediata do mundo como dotado de significados. A abordagem desse espaço se dá por meio da análise de como ele é vivenciado pelos seres humanos. Nesse sentido, propõe-se uma Geografia que descreva a vivência dos indivíduos em vários contextos. Na Geografia Humanista valoriza-se o sentimento dos sujeitos no espaço, o lugar ganha visibilidade como conceito científico. Segundo Yi-Fu Tuan (1983, p.179), o lugar pode ser definido de diversas maneiras: [...] é qualquer objeto estável que capta nossa atenção. Quando olhamos para uma cena panorâmica, nossos olhos se detêm em pontos de interesse. Cada parada é tempo suficiente para criar uma imagem de lugar, que em nossa opinião, momentaneamente parece maior. No entanto um objeto pode não atrair a atenção de ninguém, mas adquire valores que lhe dão visibilidade, pois se tornam conhecidos emocionalmente, pela fama, por meio da literatura, muitas vezes, impregnada de sentimento de lugar, pela arquitetura diferenciada, pelas festividades, pela rivalidade ou conflitos com outros lugares, etc. O lugar se torna realidade a partir de nossa familiaridade com o espaço, ele se distingue de espaço, porém, o espaço pode se transformar em lugar “à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor” (TUAN, 1983, p.6). Dessa forma, adquire definição e significado. Buttimer (1982, p.174), defende a idéia de Schrag (1968) sobre a visão de espaço do ponto de vista fenomenológico como “um horizonte vivido ao longo do qual as coisas e as pessoas são percebidas e valorizadas.” Para esta autora, no entendimento da experiência humana é inadequado “descrever o espaço meramente em termos de sua geometria”. Tuan e Buttimer, segundo Holzer (1992, p.213), “foram pioneiros na utilização dos conceitos de lugar e de mundo vivido associado a uma base fenomenológica-existencialista”. Estes conceitos identificaram seus trabalhos humanistas. Podemos destacar o conceito de lugar na linha do pensamento de Ana Fani Alessandri Carlos e Milton Santos. Carlos (1996) aborda as relações sociais no modo de produção capitalista e como definição sustenta que lugar é a base de reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar. Base fundada num modo de produção em que todos estão inseridos pela apropriação, então o espaço apropriado transforma-se em lugar. “O lugar é o mundo do vivido, é onde se formulam os problemas da produção no sentido amplo, isto é, o modo como é produzida a existência social dos seres humanos” (CARLOS, 1996, p.26). As formas urbanas e o modo de apropriação do lugar, por exemplo, refletem e explicam as transformações ou a formação das sociedades urbanas atuais. A autora debate o processo de transformações no mundo por meio da globalização e destaca o desenvolvimento das comunicações ao buscar a diminuição do tempo de percurso e não do espaço de percurso. As comunicações diminuem as distâncias e a velocidade do fluxo de informações estabelecendo conexões entre o lugar e espaços mais amplos, assim lugar passa a ser redefinido numa rede de lugares. Na visão de Santos (2001, p.314), o lugar assume uma nova dimensão pelas atuais condições de globalização que interferem em nossa relação com o mundo, pois hoje é possível, por meios tecnológicos, ver a Terra por inteiro e estabelecer relações com os lugares mais longínquos. Dessa forma “cada lugar é, à sua maneira, o mundo.” Virtualmente todos os lugares se tornam mundiais, porém sem perder sua individualidade. Há necessidade de, “revisitando o lugar no mundo atual, encontrar seus novos significados. Uma possibilidade nos é dada através da consideração do cotidiano” (SANTOS, 2001, p.315). O cotidiano de todas as pessoas se enriquece de novas dimensões por meio da velocidade das informações que facilita a comunicação em todos os aspectos da vida social. Conforme o autor, nada se faz na atualidade sem os objetos que nos cercam e tudo o que fazemos produz informação. Enfim, o estudo do lugar, como ponto de partida no ensino de Geografia nos primeiros anos do Ensino Fundamental, significa reconhecer que este espaço, por ser imediato, experienciado, não recusa a leitura do espaço global que afinal de contas está ligado ao todo, sem limitar-se apenas ao aspecto meramente locacional. Isso porque o cotidiano do lugar está impregnado de elementos de outras localidades do mundo. Por exemplo: nos letreiros e nos produtos das casas de lanches e restaurantes oriundos dos mais diversos países do mundo, nos artigos importados do material escolar e da própria vestimenta, nos filmes que, na sua grande maioria são estrangeiros e até mesmo na maneira das pessoas se comportarem. Tudo isso contribui para forjar a identidade do lugar mantendo características únicas, frutos da integração do externo e do interno, carregada de valores e sentimentos para aqueles que o vivenciam. A partir do estudo do lugar será possível desenvolver outros conceitos que fundamentarão os conteúdos do conhecimento geográfico. Metodologias de ensino de Geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental – desafios para uma aprendizagem significativa As questões até então discutidas apontam para a importância da construção do conceito de lugar no ensino de geografia dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Gostaríamos de salientar que é indispensável o desenvolvimento de propostas de metodologias de ensino que possam contribuir para a construção do referido conceito a fim de garantir uma aprendizagem significativa. E que se criem as condições práticas para a sua efetivação. Edgar Morin (2004) preconiza para a educação do futuro a mobilização de saberes voltados para a compreensão de “problemas centrais ou fundamentais que permanecem totalmente ignorados ou esquecidos”, mas necessários para ensinar no mundo que se anuncia ensinar a condição humana como “objeto essencial de todo o ensino” (MORIN, 2004, p.15). O autor ressalta que “conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele”. Isso significa contextualizar a existência humana para destacar a sua relevância a partir de situações que nos levem a refletir que a nossa identidade está intimamente ligada ao lugar onde vivemos, ou “onde estamos”, ou de onde viemos e até para onde vamos. Nesse aspecto, a contribuição dos conteúdos de Geografia seria indispensável, pois os professores podem abordá-los voltando-se para o compromisso da escola com a formação dos cidadãos no século XXI. No entanto para formar cidadãos é preciso assumir a condição de cidadão e isso implica pensar em condições de aprendizagem que tenham como principal objetivo o desenvolvimento de conteúdos que ajudem a pensar o mundo em que se vive de forma ampla, a partir da compreensão da própria realidade cotidiana, mobilizando novos elementos e instrumentos do pensamento não considerados anteriormente. Para uma professora que ensina Geografia, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, mas não é especialista na área, torna-se difícil desenvolver um ensino que contribua para a valorização dessa disciplina na vida do educando. A imagem que dela se formou, por meio do ensino tradicional, não compreende as abordagens que envolvem a sociedade interferindo na construção do espaço e nem o sujeito que pensa e concebe o espaço vivido. Desenvolver um ensino que estimule a reflexão sobre o mundo vivido extraescolar, que aproxime a matéria escolar Geografia, das experiências do cotidiano ligadas à espacialidade (Kaercher, 2014) ainda é muito desafiador. A reflexão que envolve analisar e compreender na configuração das paisagens as intervenções humanas é uma ação que também abarca aspectos subjetivos, e isso é algo que gera dificuldade para que de fato se aceite a Geografia como uma disciplina que não estuda somente os aspectos físicos, visíveis, empiricamente verificáveis. Kaercher (2014, p.30) acrescenta que a geografia deve possibilitar “a leitura da paisagem, a leitura do mundo da vida, a leitura do espaço construído. Pois “a leitura do espaço, entendido como uma construção humana, permite que o aluno compreenda a realidade social.” A Geografia Humanista ainda precisa convencer a sociedade, devendo começar pelos próprios educadores em geral, especificamente pela formação de professores contando também com a participação dos pais, parentes, professores de reforço, muito frequentemente educados tendo como base a Geografia Tradicional. Isso é um desafio para os educadores do presente com perspectivas para o futuro, e como desafio é preciso enfrentar as barreiras que impedem o desenvolvimento do ensino para a compreensão. Parte-se então, nos anos iniciais, da compreensão das noções das crianças com relação ao mundo em que vivem na contemporaneidade para depois sistematizar a construção dos conceitos relacionados à geografia. Para que isso ocorra não basta um grande volume de informações que chegam à sala de aula, mas a compreensão dos fenômenos estudados, via para a concretização da aprendizagem. Concordamos com Morin (2004, p94) ao ressaltar que “o problema da compreensão tornou-se crucial para os humanos e, por esse motivo, deve ser uma das finalidades da educação do futuro.” Assim, é importante uma metodologia de ensino que valorize os conceitos cotidianos das crianças, mas que desenvolva nelas uma postura científica, um espírito investigativo. É necessária uma metodologia que valorize a produção de sentidos, que promova o desenvolvimento da dimensão afetiva na construção processual dessas noções de lugar. Caso isso não ocorra é possível que os assuntos trabalhados não sejam compreendidos, apenas memorizados como informações reproduzidas. É possível que as noções de lugar permaneçam entendidas apenas como posição na sociedade e localização espacial, que não sejam mobilizadas para entender o mundo e a humanidade que age o tempo todo na sua transformação. Segundo Morin (2004, p.94-95), “a compreensão humana vai além da explicação. A explicação é bastante para a compreensão intelectual ou objetiva das coisas anônimas ou materiais”, mas não é suficiente para a compreensão humana. Para este autor essa compreensão comporta um conhecimento do outro que é percebido não somente objetivamente, mas como um sujeito com o qual nos identificamos e que também identificamos conosco. Se o lugar é produto das relações humanas, entre o homem e a natureza, se é tecido por essas relações e se a partir delas há produção de identidade humana, é preciso ter consciência dessa relação para atribuir significados ao lugar. Desenvolver metodologias que levem nossos alunos a essa consciência, necessária para a verdadeira compreensão do sentido de lugar, implica acreditar no que Morin (2004, p.95) preconiza sobre a compreensão ao ressaltar que esta “inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade.” Compreender o lugar por meio da mera explicação ou por imposição pode tornar-se um obstáculo para a sua aprendizagem. Como levar nossos alunos a desenvolver essa consciência necessária para a verdadeira compreensão do sentido de lugar? Recorrendo à nossa experiência pensamos que o caminho é acreditar nessa possibilidade, na capacidade das crianças de refletirem sobre os conhecimentos que construíram na cotidianidade do espaço vivido e, a partir deles, e com a mediação do professor, se pratique um exercício contínuo de estabelecer relações entre esses conhecimentos e os novos conhecimentos que deverão adquirir na escola. A seleção dos conteúdos que envolverão o processo de construção do conceito de lugar deverá considerar o contexto próximo dos alunos e alunas. Torná-los significativos vai depender do domínio das competências pedagógicas de reconhecer como a criança pensa o espaço e como se forma o processo de construção da aprendizagem da criança em cada etapa de seu desenvolvimento. Associado a essa noção, o domínio dos conteúdos específicos da Geografia que serão trabalhados nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Dessa forma, é indispensável saber qual a importância de ensinar e aprender Geografia nos dias atuais: por que e para que ensinar Geografia? A compreensão dessas questões levará certamente à elaboração de metodologias que conduzirão ao alcance dos objetivos almejados para a construção de aprendizagens significativas em Geografia, começando pela compreensão do sentido do lugar. CONCLUSÃO Os problemas que a Geografia escolar enfrenta para ser ensinada nos anos iniciais do Ensino Fundamental começam pelas limitações dos professores desse nível de ensino no que tange ao domínio dos conteúdos específicos dessa ciência, ocasionando dificuldade na seleção desses conteúdos conforme o papel que eles têm na aprendizagem das crianças. Procuramos realizar uma reflexão sobre esses problemas que, embora sejam amplamente discutidos, continuam com pouca aplicação na prática educativa, principalmente no ensino de Geografia. Defendemos uma prática docente fundamentada por teorias educacionais que valorizam a aprendizagem por compreensão. O nosso objetivo foi refletir sobre o ensino de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental dando ênfase aos conteúdos vinculados ao conceito de lugar, tendo em vista que este é um dos conceitos estruturantes que definem a lógica de conteúdos da geografia. Além da importância de sua construção nessa etapa de ensino-aprendizagem, momento em que se processa a construção da identidade do aluno, pois o lugar é a referência espacial de maior intimidade do aluno, a partir da sua interpretação torna-se possível analisar e compreender outros locais. Valorizamos um ensino que contemple a aprendizagem significativa da Geografia que pode se desenvolver quando o professor procura estabelecer a relação entre os novos conhecimentos na construção de conceitos científicos com os conhecimentos já existentes na estrutura cognitiva dos alunos. Dessa forma o aprendiz passa a ter uma relação com o conhecimento de forma diferenciada, pela compreensão de novas informações que foram associadas aos conceitos relevantes que já existiam na sua estrutura cognitiva. Os alunos passam a atribuir significado àquilo que está sendo ensinado. Ao defendermos a urgência desses pressupostos teóricos para serem aplicados na prática pedagógica, discutimos a necessidade de propostas metodológicas que possam contribuir para a construção da aprendizagem significativa da Geografia. Propostas de metodologias de ensino ligadas às concepções da Geografia Humanística, voltadas para o ensino da compreensão da condição humana como “objeto essencial de todo o ensino” (MORIN, 2004, p.15). O ensino da noção de lugar permite então, contextualizar a existência humana para destacar a sua relevância a partir de situações que nos levem a refletir que a nossa identidade está intimamente ligada ao lugar onde vivemos. Pensando dessa forma cremos que a Geografia seria indispensável, para a formação dos cidadãos no século XXI. Resta-nos, educadores e pesquisadores preocupados com a educação, não só denunciar esses problemas, mas promover, além da teoria, situações de aprendizagem para que os professores formados e em formação possam aplicar na prática pedagógica esses conhecimentos. Eis o maior dos desafios da educação em geral que deve iniciar pela educação básica. REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Geoquegrafia. Brasília, MEC/SEF, 1997. BUTTIMER. Anne, Aprendendo o dinamismo do mundo vivido. In Antonio Cristofoleti (Org.). Perspectivas da Geografia. São Paulo: Difel, 1982, p. 165.193. CALLAI, H. C. O ensino de Geografia: recortes espaciais para análise. In: CASTROGIVANI, A. C. et al. (Org.) Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. Porto Alegre: AGB, Seção Porto Alegre, 1998. CARLOS, A. F. A. O lugar no/do Mundo. São Paulo: HUCITEC, 1996. COSTELLA, Roselane Zordan. 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