D u l l e y , R . D . Conceitos estabelecidos pela PNMA Meio Ambiente A expressão meio ambiente (milieu ambiance) foi utilizada pela primeira vez pelo naturalista francês Geoffrey de Saint-Hilaire em sua obra Études progressives d´un naturaliste, de 1835, onde milieu significa o lugar onde está ou se movimenta um ser vivo, e ambiance designa o que rodeia esse ser. Há uma grande discussão em torno da redundância do termo meio ambiente, por conter duas palavras com significados similares, como observa Vladimir Passos de Freitas (2001, p. 17): A expressão meio ambiente, adotada no Brasil, é criticada pelos estudiosos, porque meio e ambiente, no sentido enfocado, significam a mesma coisa. Logo, tal emprego importaria em redundância. Na Itália e em Portugal usa-se, apenas, a palavra ambiente. Gastão Octávio da Luz (2007, on line), doutor em meio ambiente e desenvolvimento, analisando dicionários e enciclopédias de várias épocas, constata que o material fornecido pelos autores tende a promover a sinonímia entre meio e ambiente. Dessa forma, enquanto conceitos, os verbetes perdem seu valor objetivo e, quanto à representação conceitual, poderiam ser ditos como sendo confusos e obscuros. Conforme Luiz Carlos Aceti Júnior (2007, on line), o Novo Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio define meio como lugar onde se vive, com suas características e condicionamentos geofísicos; ambiente; esfera social ou profissional onde se vive ou trabalha, e ambiente como o conjunto de condições naturais e de influências que atuam sobre os organismos vivos e os seres humanos. O professor venezuelano José Moyá (2007, on line), já na época da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, no Rio de Janeiro em 1992 (Rio 92), chegou a alardear que “meio ambiente não existe”, e que o que existe “é um todo global e integrado, cujos elementos se combinam interdependentemente, formando uma unidade indissolúvel” que deve então ser denominado apenas de ambiente. Por outro lado, os defensores do termo afirmam que esta questão não passa de um problema de semântica. Também existe uma forte tendência na manutenção do vocábulo, pois o termo já é popularmente difundido como sendo a designação para os assuntos da natureza, e também que vários organismos internacionais, nacionais, estaduais e municipais já incorporaram o termo às suas siglas, como é o caso do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), Ministérios de Meio Ambiente e Secretarias de Meio Ambiente. No mesmo sentido é o entendimento do mestre ambientalista Edis Milaré (2001, p. 63): Tanto a palavra meio quanto o vocábulo ambiente passam por conotações, quer na linguagem científica quer na vulgar. Nenhum destes termos é unívoco (detentor de um significado único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com significados diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora no sentido vulgar a palavra identifique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país, que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas. Lato sensu, meio ambiente é o conjunto de fatores exteriores que agem de forma permanente sobre os seres vivos, aos quais os organismos devem se adaptar e com os quais têm de interagir para sobreviver. No âmbito jurídico, é difícil definir meio ambiente, pois como bem lembra Edis Milaré (2003, p. 165), “o meio ambiente pertence a uma daquelas categorias cujo conteúdo é mais facilmente intuído que definível, em virtude da riqueza e complexidade do que encerra”. No Brasil, o conceito legal de meio ambiente encontra-se disposto no art. 3º, I, da Lei nº. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, que diz que meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Trata-se de um conceito restrito ao meio ambiente natural, sendo inadequado, pois não abrange de maneira ampla todos os bens jurídicos protegidos. Conforme a lição de José Afonso da Silva (2004, p. 20), o conceito de meio ambiente deve ser globalizante, “abrangente de toda a natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico”. Dessa forma, o conceito de meio ambiente compreende três aspectos, quais sejam: Meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora; enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam; Meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído; Meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora artificial, difere do anterior pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou (SILVA, 2004, p. 21). Temos ainda o Meio ambiente do trabalho, previsto no art. 200, VIII, da Constituição Federal de 1988, ou seja, “o conjunto de fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que interligados, ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho da pessoa” (SANTOS, on line). Tal conceito de meio ambiente foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, que em seu art. 225 buscou tutelar não só o meio ambiente natural, mas também o artificial, o cultural e o do trabalho. Com isso, conclui-se que a definição de meio ambiente é ampla, devendo-se observar que o legislador optou por trazer um conceito jurídico indeterminado, cabendo, dessa forma, ao intérprete o preenchimento do seu conteúdo. Poluição A interpretação da redação do conceito de poluição trazida pela Lei Federal nº. 6.938/81 é no sentido de que toda e qualquer alteração pode ser causa de poluição. Isto ocorre porque a Lei Federal nº. 6.938/81define poluição como sendo uma espécie de degradação ambiental, oriunda de atividades. Ou seja, poluição é a degradação ambiental necessariamente resultante de atividades de pessoas físicas ou jurídicas O conceito de degradação ambiental é mais amplo que o de poluição, englobando-o. Assim, toda poluição pode ser considerada degradação ambiental, mas nem toda degradação ambiental corresponde à poluição. Então a expressão “qualquer alteração” deve ser entendida de forma ampla, e não apenas como sendo a presença, o lançamento ou a liberação, nas águas,no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia... (muito embora seja este o conceito estabelecido na Lei Estadual Paulista nº. 997/76, bem como o usualmente empregado no meio técnico). Poluição A Lei Federal nº. 6.938/81, quando conceituou poluição, não especificou que seu resultado seria oriundo apenas de determinadas condutas, muito pelo contrário, foi redigida de forma totalmente ampla. E se não fez exceções, deve ser entendida de forma ampla. A única conduta descrita em tal conceito legal corresponde a da alínea “e”, sendo justamente os casos de lançamento de matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Em todas as demais alíneas não são descritas condutas, e sim resultados prejudiciais ao meio ambiente (em sentido amplo), oriundos das atividades (antrópicas). A Lei Federal nº. 6.938/81 conceitua poluição no artigo 3º, inciso III, alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”. Se apenas a última alínea corresponde aos casos de lançamento de matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos, as outras quatro alíneas significam outras hipóteses de poluição. Portanto, poluição – para a Lei Federal nº. 6.938/81 – não se resume apenas aos casos previstos em sua última alínea (a presença, o lançamento ou a liberação, nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia...), mas ao contrário, amplia as possibilidades de se ver configurada a poluição. Desta forma, qualquer alteração deve ser considerada como sendo passível de causar poluição, por exemplo, lançamento de matéria ou energia..., supressão de vegetação, construção de um empreendimento, introdução de espécime animal, dentre outros. Diz a referida lei: Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (…) III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; Poluidor Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (…) IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; Recursos ambiental Segundo Portugal (1992) “... A palavra recurso significa algo a que se possa recorrer para a obtenção de alguma coisa.” Para esse autor, o homem recorre aos recursos naturais, isto é, aqueles que estão na Natureza, para satisfazer suas necessidades. Para Art (1998) recurso pode ser: a) componente do ambiente (relacionado com frequência à energia) que é utilizado por um organismo e b) qualquer coisa obtida do ambiente vivo e não-vivo para preencher as necessidades e desejos humanos. Os recursos naturais, se após seu uso podem ser renovados, isto é, voltarem a estar disponíveis, são renováveis, caso contrário são não renováveis. Exemplos de recursos renováveis são: flora, fauna naturais e todos os ecossistemas cultivados. Já os recursos naturais não renováveis, são os que não podem ser produzidos, embora possam a longo prazo serem substituídos por outros, como por exemplo o petróleo substituindo o carvão. A utilização desses termos tem ocorrido mais frequentemente quando se pretende referir a formas econômicas e racionais de utilizá-los de modo que os renováveis não se esgotem por mau uso e os não renováveis rapidamente deixem de existir. Embora ainda bastante utilizado no passado como referência aos cuidados com o ambiente, o termo recursos naturais quase não faz mais parte da legislação brasileira recente, que adotou preferencialmente o termo recursos ambientais. Nas entrelinhas da legislação pode-se verificar a presença de resquícios que indicam o conceito de recursos naturais ainda presente. O exemplo mais patente está nos termos que compõem a sigla do IBAMA que parece ser apenas Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, mas cujo nome completo inclui também os termos “dos Recursos Naturais Renováveis”. Pode-se entretanto, verificar que no corpo da legislação pertinente os termos recursos naturais praticamente desaparecem sendo substituídos por outros. Um claro exemplo disso é o inciso VI do artigo 4º da lei Lei Federal n. 6.938/81 que diz “a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. Ou seja, descarta recursos naturais, trocando por recursos ambientais. Dentre os quatorze objetivos finalísticos institucionais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) apenas dois referem-se aos recursos naturais, o quinto que é “monitorar as transformações do meio ambiente e dos recursos naturais” e o o é de “promover o acesso e o uso sustentado dos recursos naturais”. Ou seja, pode-se inferir que recursos naturais renováveis corresponderiam na legislação aos chamados recursos ambientais que tivessem aplicação econômica. Dessa forma, a principal Lei n. 6.938/81, que rege os destinos do ambiente no Brasil, dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, os termos recursos naturais aparecem apenas duas vezes, dando preferência a recursos ambientais quando os termos recursos naturais renováveis estão bem presentes no nome completo da instituição federal responsável, o IBAMA. Deve-se ressaltar que historicamente o conceito de recursos naturais é muito mais antigo do que os de meio ambiente humano e o próprio ambiente, mas tem sido frequentemente confundido com os dois. Já nos anos 50s e 60s ocorre a menção desse termo ou até mesmo antes disso alguns órgãos públicos, principalmente o Ministério da Agricultura e em São Paulo, a Secretaria de Agricultura, se não utilizavam o termo de modo explicito, pelo menos já se preocupavam com os recursos naturais. Estes eram então classificados em recursos naturais renováveis (culturas, flora, fauna, criações, etc.) e não renováveis (petróleo, carvão, solo, água, etc.). No Estado de São Paulo foi apenas por ocasião de uma reforma administrativa, iniciada em 1967 e implantada em 1970, que se institucionalizou o termo recursos naturais com a criação da Coordenadoria da Pesquisa dos Recursos Naturais (CPRN) pelo Decreto n. 51.756/69, posteriormente denominada, já na Secretaria do Meio Ambiente, Coordenadoria de Proteção dos Recursos Naturais (GOVERNO, 1971). Em 1986 foi criada a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA) que incorporou o órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento que tratava das questões referentes aos recursos naturais: a Coordenadoria da Pesquisa dos Recursos Naturais (CPRN) à qual estava subordinada a Divisão de Proteção dos Recursos Naturais (DPRN). Portugal (1992) ressalta importante aspecto relacionado com a preservação dos recursos naturais que se refere à biodiversidade que deve estar presente nesses recursos. Considera que “... A preservação da biodiversidade é importante para que o homem tenha tempo de descobrir a utilidade das espécies, para a sua própria sobrevivência. A cura de muitos males que hoje existem e que ainda virão a existir, pode estar em plantas em extinção ou poderia estar em outras que já foram extintas.” E também “a manutenção das espécies originais ainda não modificadas pelo homem; assim, se amanhã, a engenharia genética conseguir um tomate de grande tamanho, isso será importante para a humanidade mas, aí, poderá estar ocorrendo uma erosão genética que precisará ser recomposta com o tomate primitivo, sem contar que o novo fruto é um desconhecido alimento e não se sabe os males que possa vir a causar. Dessa forma, são importantes as Reservas Biológicas.” Essa visão mais abrangente sobre o que sejam recursos naturais torna-se cada vez mais importante. E isso porque o valor dos recursos naturais ou ambientais passou, em grande parte, a ser intrínseco às espécies, ou seja, a ser constituído muito mais por sua base genética. Santos (2003) afirma que “... A tecnociência e o capital global não estão interessados nos recursos biológicos - plantas, animais e humanos. O que conta é o seu potencial para reconstruir o mundo, porque potencial significa potência no processo de reprogramação e recombinação.” (...) “... tal estratégia considera que tudo o que existe ou existiu como matéria-prima a ser processada por uma tecnologia (biotecnologia) que lhe agrega valor. Nesse sentido, a única ‘coisa’ que conta na nova ordem é o que pode ser capturado da realidade e traduzido numa nova configuração. A única ‘coisa’ que conta é a informação.” No caso a informação genética contida na biodiversidade que passou a ser o recurso natural mais importante para a economia, ou melhor dizendo, a bioeconomia. Santos (2003) afirma que o novo foco de interesse do grande capital “... não está nos corpos, nos organismos, nos indivíduos, nos seres vivos, e sim nos seus componentes genéticos, nas suas virtualidades”. E denuncia que o objetivo da biotecnologia é de transformar recursos naturais renováveis e não renováveis e exemplifica com a produção de sementes, que com a biotecnologia/engenharia genética deixa, ou não mais pode, se produzir por si mesma, mas necessitará cada vez mais de novas interferências externas para realizar seu ciclo ecológico de reprodução.