Licenciamento de personagens: A associação de nomes de sucesso do universo infantil a produtos como estratégia de marketing Alan Moraes Feijó* Ana Paula Madureira Lage** Resumo O tema deste trabalho é o Licenciamento de Personagens. Seu objetivo é analisar o processo de licenciamento de personagens voltados para o público infantil como uma das estratégias de marketing e publicidade mais utilizadas para aumentar a visibilidade das empresas e, por consequência, suas vendas, identificando como um produto pode gerar negócios graças à força de um personagem ou de uma família de personagens. O tema é abordado a partir do quadro conceitual fornecido pelas teorias de marketing, gestão do design e de gerenciamento de marca. O método de investigação utilizado foi o de revisão de literatura . As informações foram obtidas a partir do levantamento de conteúdo em livros sobre o tema, dados internos da empresa estudada, a Maurício de Sousa Produções (MSP), e também provenientes de artigos publicados em revistas, jornais e websites. Analisando os resultados, concluiu-se que o processo de licenciamento é estratégia comum e presente na maioria das empresas detentoras de marcas fortes e consolidadas no mercado internacional e nacional. O licenciamento de personagens fortalece o produto no mercado, unindo interesses, ações de marketing, impulsionando vendas e objetivos financeiros de diversas empresas em diferentes segmentos de mercado, com o objetivo de atingir o público-alvo através dos personagens. Abstract "The theme of this work is Character Licensing. Its objective is to analyze the licensing process of characters directed to the children audience as one of the most used strategies of marketing and advertisement to increase companies visibility and, as a consequence, its sales, identifying how a product can generate business thanks to the power of a character or of a family of characters.. The theme is addressed through the marketing theories, design management and brand management. The investigative method was exploratory research. The information was obtained from raising internal data from the studied company, in this case, Mauricio de Sousa Produções, and also from articles published in magazines, newspapers and websites." * Graduado em Tecnologia em Design Gráfico (IFF), aluno da pós-graduação em Gestão, Design e Marketing (IFF), [email protected] * * Graduada em Tecnologia em Design Gráfico (IFF), aluna da pós-graduação em Gestão, Design e Marketing (IFF), [email protected] 1 1- Introdução O licenciamento como estratégia de marketing existe no Brasil desde 1940, e tem evoluído o suficiente para posicionar o país entre os seis maiores em faturamento com o licenciamento de marcas do mundo. Estados Unidos, Japão, Inglaterra, México e Canadá estão entre os mais expressivos. “Os números praticamente dobraram nos últimos 10 anos, mas o Brasil ainda é um adolescente nesse mercado, ainda pode crescer muito. Nos Estados Unidos, o faturamento em 2010 foi de mais de US$ 100 bilhões” (ALVARENGA, 2011). A pesquisa Character Brasil (2008) da consultoria Rabelo & Associados, levantou que 81% das crianças escolhem seus brinquedos e cerca de 25% decidem a sua compra (BONFÁ e RABELO, 2009, p. 29). Pesquisas já demonstraram que produtos que utilizam um personagem, mesmo com preço 15% superior ao mesmo produto sem personagem, podem vender de 30% a 40% mais. Uma pesquisa da TNS InterScience de 2003 aponta a presença de personagens famosos ou da moda como um importante fator de influência no consumo de produtos infantis (citados em 50% das respostas sobre o assunto). Uma marca conhecida também é citada na mesma pesquisa como fator de influência no consumo (citada em 44% das respostas) (BONFÁ e RABELO, 2009, p.49). Os personagens licenciados atingem um grande sucesso junto às crianças. As idades entre 4 e 10 anos representam o coração do alvo (MONTIGNEAUX, 2003, p.187). É preciso evitar que a utilização do licenciamento seja encarada como um paliativo para compensar uma fraqueza ou déficit estrutural da marca em relação ao mercado. O licenciamento não é capaz de resolver problemas de marca (imagem, notoriedade, coerência do marketing-mix…), nem substituir a marca no mercado (MONTIGNEAUX, 2003, p.192). 2 - Revisão da Literatura O trabalho de pesquisa foi baseado em autores especializados em licenciamento, marketing e criação de personagens para público infantil. Sebastião Bonfá e Arnaldo Rabelo estão entre os principais referenciais sobre licenciamento no Brasil, e em seu livro Licensing - Como utilizar marcas e personagens para agregar valor aos produtos (2009), explicam o funcionamento e origem do licenciamento, além de darem orientações práticas sobre o licenciamento de personagens, celebridades e marcas. 2 No campo específico da criação e utilização de personagens voltados ao público infantil, Nicolas Montigneaux, no livro Público-alvo: CRIANÇAS - A força dos personagens e do marketing para falar com o consumidor infantil (2003), explicita o crescente poder consumidor da criança nas sociedades ocidentais, e como adultos estão dispostos a arcar com este custo, e a participação do personagem infantil no estabelecimento do relacionamento satisfatório e durável com o jovem consumidor. No relacionamento entre marcas e pessoas, mais que consumidores, Philip Kotler, no livro Marketing 3.0 (2010), aponta para as qualidades intangíveis da marca, produtos e serviços para além de suas funcionalidades, deixam de ser meros bens de consumo e passam a ser objetos dotados de significados, cultural e emocional. 3 - Metodologia A abordagem metodológica do trabalho foi a revisão estruturada da literatura, com consulta a livros, artigos científicos, periódicos, trabalhos em congressos, reportagens e entrevistas em revistas temáticas e sites, além de análise de dados de relatórios de resultados sobre licenciamento da empresa estudada, a Maurício de Sousa Produções. Foi realizado um levantamento sobre licenciamento, marketing, design, gestão, marca e cultura do consumo, através das etapas a seguir: 1- Identificação e localização: consulta a livros, sites de associações de licenciamento, sites de periódicos e artigos científicos, e análise de dados de relatórios de resultados sobre licenciamento da empresa estudada; 2- Obtenção: textos obtidos pela consulta a livros, periódicos e artigos científicos. O conteúdo também foi construído com base em referências eletrônicas, através de artigos publicados em sites relacionados ao tema; 3- Cadastramento das referências: fichamento de textos de interesse, a maioria dos textos são de livros sobre o tema, sites relacionados e artigos científicos. 3 4 - Licenciamento: Linhas Gerais. Licenciamento (ou licensing) é uma ferramenta de marketing que consiste no direito contratual de utilização de determinada marca, imagem, ou propriedade intelectual e artística registrada, que pertença ou seja controlada por terceiros, em um produto, serviço ou peça de comunicação promocional ou publicitária, durante um determinado período, em uma área geográfica específica, em troca de uma remuneração (royalty) normalmente definida como um percentual aplicado sobre o valor gerado com as vendas ou prestação de serviços que utilizam esse licenciamento. O principal papel do marketing para Cobra (1992, p. 35) é: [...] colocar no mercado produtos ou serviços que, ao mesmo tempo, proporcionem satisfação dos consumidores, e gerem resultados auspiciosos aos acionistas e ajudem a melhorar a qualidade de vida das pessoas e da comunidade em geral. Figura 1- Turma da Mônica - Pioneirismo no licenciamento brasileiro. <www.monica.com.br> Agregar valor aos produtos, aumentar a diferenciação em relação aos concorrentes, aproveitar a oportunidade de associar rapidamente um novo produto a uma imagem já consolidada e atender de forma mais adequada a determinados segmentos de público são alguns dos objetivos buscados quando se opta pelo licenciamento. Segundo a Abral (Associação Brasileira de Licenciamento) o licenciamento tem vantagens muito claras quando usado adequadamente. Estima-se que um produto licenciado tenha um giro 45% maior, em média, do que o similar não licenciado. É o valor agregado (aspirações, conceitos, qualidades) que a propriedade licenciada entrega ao produto o grande responsável por esse 4 aumento nas vendas. O fortalecimento de um novo produto ou linha também é previsto, já que a aceitação tanto do varejo, quanto do consumidor, será mais próspera se o lançamento trouxer uma licença que valide o produto (valor agregado). Associar o nome da empresa a uma determinada marca/personagem gera uma espécie de aval por parte do dono da marca, gerando credibilidade quanto a qualidade da companhia. O licenciamento também “abre portas”, principalmente com o varejo. Quando entende que determinada marca/personagem tem que estar no mix de sua loja, o varejista vai atrás do fabricante licenciado. O forte apelo emocional de um produto licenciado gera o desejo de consumo do mesmo. Resumindo, o licenciamento é uma ferramenta de marketing na qual alia-se uma marca e/ou personagem a determinado produto afim de impulsionar as vendas. J.N. Kapferer relata em seu livro "L'enfant et la publicité" uma experiência realizada com 225 crianças de 6 a 10 anos. Essas crianças deviam escolher num primeiro estágio um produto apresentado sobre uma ficha entre vários produtos de universos variados (confeitaria, jogos, vestuário...). Algum tempo depois, a experiência foi renovada, mas desta vez com a colocação da foto de um personagem conhecido ao lado de cada produto (Muhammed Ali, o Presidente Ford...). Tratava-se, nesse caso, de personagens reais. Os resultados mostraram que a simples proximidade visual do personagem conhecido pôde modificar de maneira acentuada as preferências enunciadas pelas crianças a respeito dos produtos. Em certos casos, a taxa de preferência declarada por determinado produto passou de 36% (sem personagem conhecido) para 60% (com personagem conhecido apropriado). Esse mesmo estudo mostrou também que nem todos os personagens modificaram da mesma maneira a preferência das crianças. (apud Montigneaux, 2003, p. 194 e 195) O mercado de licenciamento trabalha com suas próprias regras. A licença de uso de uma marca ou personagem só é concedida a uma empresa caso ainda não haja ninguém fazendo algo idêntico ao que ela se propõe a produzir. Isso ajuda a garantir as vendas sem baixar a lucratividade, segundo Marcos Bandeira de Mello, gerente geral da divisão Consumer Products da Warner (ROQUE, 2013, site PEGN). Usualmente os contratos de licenciamento variam entre um e três anos. A empresa licenciada é que estima a produção ao longo desse período. A partir do volume estimado serão calculados os royalties (4% a 12% sobre o valor total das vendas em média). A prestação de conta pode ser mensal ou trimestral, e um pagamento adiantado em torno de 20% sobre o valor total dos royalties previstos também é comum. “É uma forma de estimular a licenciada a fabricar realmente o produto e não simplesmente guardar na gaveta uma marca cujos direitos ela comprou”, diz Marcelo Nogueira, dono da agência Extreme Global Licensing (ROQUE, 2013, site PEGN). Com o contrato assinado, o licenciado recebe o style guide, um manual que traz os padrões de cores, posições e ângulos nos quais o personagem 5 pode aparecer. A partir desse guia ele cria um protótipo e só quando esse protótipo for aprovado pela licenciadora é que ele poderá iniciar a produção. Produzir sob licença exige um alto controle de qualidade e respeito às características originais das marcas e personagens. De acordo com Montigneaux (2003, p.196) os licenciados também precisam estar atentos aos prazos. Quase sempre as responsabilidades e padrões gráficos exigidos pelos proprietários de direitos acarretam várias idas e vindas antes de sua aceitação definitiva. O fator tempo, muitas vezes, é subestimado, porém é crucial quando se trata de licenças de caráter eventual, cuja duração de vida é limitada. 4.1 - Licenciamento de personagens voltados para o público infantil A marca representa as promessas de uma empresa ao seu público, seus valores, conceitos e atributos – muitas vezes subjetivos e emocionais – associados a tudo o que a empresa faz. Desse modo cria uma ligação emocional com os consumidores, que se identificam com ela. Como a emoção é importante no processo de compra, uma marca/personagem forte tende a gerar mais vendas e possibilitar a prática de preços mais elevados, contribuindo para aumentar a competitividade das empresas. (BONFÁ e RABELO p.46). 4.1.1 - Como a idade da criança influencia na sua relação com as marcas. A marca é muito mais do que apenas um nome ou logotipo. Segundo Kotler (2000, p. 426) a American Marketing Association – AMA define a marca nos seguintes termos: [...] uma marca é um nome, termo símbolo, desenho ou uma combinação desses elementos que deve identificar os bens ou serviços de uma empresa ou grupo de empresas e diferenciá-lo da concorrência. Figura 2 - Mickey Mouse, um dos personagens mais licenciados do mundo. <www.disney.com.br> 6 Para Kotler (2000) o posicionamento da marca consiste no desenvolvimento de uma identidade distinta, baseada em fatores de mercado e direcionada ao uso de instrumentos de comunicação. Al Ries (2002) afirma que posicionamento é o que se faz na mente do cliente em perspectiva. Não é o que se faz com o produto, mas como ele é colocado na mente do consumidor em potencial. As marcas são valiosas na medida em que transmitem significados considerados valiosos por seu público-alvo. Assim, marcas têm valor simbólico, mas tratando especificamente do público infantil, é preciso observar que a habilidade de decodificar símbolos deve ser aprendida, e é preciso ter a capacidade neurológica, cognitiva e psicológica apropriada para isso. Segundo Bonfá e Rabelo, [...] é por isso que, para produtos infantis, os personagens tendem a ser mais adequados do que marcas corporativas. Eles são facilmente reconhecidos pelas crianças. O desenho simples, as cores vivas e a expressividade das emoções atribuídas a eles fazem dos mascotes o porta-voz ideal da empresa para a criança. Ao adequar personagens ao público infantil, deve-se considerar a segmentação deste e a forma como a criança é capaz de perceber as mensagens, de acordo com sua idade. Suas capacidades, habilidades e interesses mudam com o tempo e é preciso estar atento a isso. Também deve ser levado em conta o papel que a criança exerce no processo de compra em cada fase. Tal segmentação permite simplificar essa realidade complexa criando subpartes mais homogêneas. Entre todos os elementos que podem servir para descrever a criança, a idade é sem dúvida a mais preponderante e a mais fácil de identificar. - de 0 a 3 anos: A criança não participa do processo de consumo, exceto como usuária dos produtos. A publicidade é voltada apenas aos pais. O licenciamento procura levar personagens delicados, que expressem a imagem que eles tem da primeira infância, e a marca envia uma representação valorizada do seu bebê. O universo que eles querem é doce e protegido, na idade do carinho, das meiguices e do despertar. Como exemplo de conteúdo voltado a esta faixa , a série Peppa Pig, do canal Discovery Kids, aborda valores como generosidade, amizade e sinceridade, valendo-se de uma encantadora inocência e de grande senso de humor. As cenas e situações contribuem para explicar os problemas dos personagens de uma maneira muito simples, que favorece a compreenção das crianças de 2 a 5 anos de idade. (Revista Licensing Brasil no. 37, p 28) 7 Figura 3 - Peppa Pig. <www.discoverykids.com.br> - de 4 a 8 anos: A criança é influenciadora de compra. Está na fase de fantasia. Os personagens serão muito mais eficientes que marcas tradicionais, pois só eles são facilmente compreendidos. Nessa etapa, a criança desenvolve alguns padrões de identificação: ● cuida do outro: cuida da boneca, do brinquedo, do animal do estimação e também do personagem; ● enxerga no outro: identifica no brinquedo, animal ou personagem qualidades que ela tem, ela os humaniza; ● quer ser como o outro: admira e imita o personagem, pois quer possuir certas características dele; ● vivência no outro o que não pode ser: a criança, neste caso, não quer ser igual, mas é atraída pelas qualidades negativas do personagem – estamos falando de um vilão ou uma bruxa – sente que pode expressar nele frustrações e raiva. (BONFÁ/RABELO, 2009, p 48) É nessa fase que a criança começa a buscar a necessidade de poder e controle. Daí o sucesso de lutadores e super-heróis. A velocidade também atrai, pois remete a poder e diversão. Figura 4 - Vingadores.< www.marvel.com> 8 É uma fase em que as meninas estão mais interessadas na socialização e no relacionamento com as amigas. A moda se torna cada vez mais importante, expressa sua personalidade e sinaliza a qual ela pertence. - de 9 a 12 anos: A criança é praticamente decisora de compra, embora a mãe ainda participe do processo. Ela já compreende bem regras e papéis sociais. Os tweens, ou pré-adolescentes, ao mudarem de comportamento, negam os produtos infantis ao mesmo tempo que buscam referências no mercado adolescente – querem se estabelecer crescidos. Eles também dominam a tecnologia, são multitarefas e mostram grande apelo por novidade. Buscam expressar sua personalidade enquanto procuram se integrar em seu grupo social. Os personagens são mais radicais, irreverentes e trangressores, ou podem representar a inclusão em um grupo social, expressando a importância do relacionamento com o grupo de amigos. Eles continuam sendo objeto de grande interesse até os 9 ou 10 anos, quando costumam ser substituídos por celebridades ou ídolos, como artistas e atletas. E nessa fase em que as marcas corporativas também começam a fazer parte das escolhas das crianças. A publicidade é dirigida principalmente à criança, embora a mãe também deva ser considerada. Figura 5 - Big Time Rush, sucesso entre adolescentes.<www.nickelodeon.com> Essa divisão etária é aproximada, já que alguns estudos mostram que a criança pode associar corretamente um logotipo ao produto correspondente já a partir dos 4 anos. As formas e cores são muito importantes nesse processo. No entanto, o significado da marca ainda não é compreendido. Para a criança ser capaz de compreender uma marca tradicional, sem personagem, é preciso que ela possua um pouco mais de maturidade intelectual – que começa a partir dos 6 ou 7 anos – mesma idade em que a criança costuma ser alfabetizada 9 Começa ai sua capacidade de compreender a linguagem simbólica. Suas preferências também podem começar a mudar nessa fase. (BONFÁ/RABELO p.47 a 49.) O Quadro abaixo reúne os diferentes elementos que caracterizam esses grupos de crianças. Sua leitura não deve ser feita de maneira estrita, pois limites das idades fixadas são mutantes, como já foi mencionado. É preciso dar mais atenção às tendências gerais que marcam cada passagem de uma categoria para outra. Desenvolvimento & Aprendizado Níveis de Idade Socialização Autonomia Recem-nascidos e lactentes 0-24 meses Relação dual mãe/criança Forte dependência Crianças na tenra Infância 2-4 anos Centrada sobre si Dependência Desenvolvimento da linguagem Crianças na idade pré-escolar 4-6 anos Entrada no maternal Dependência Desenvolvimento da linguagem Juniores 6-9 anos Escola primária/ melhor amigo Desejo de independência Leitura/escrita Pré-adolescentes 9-11 anos Grupo de amigos Independência Abstração Tabela 1 - Caracterização de faixas etárias infanto-juvenis (Montigneaux, 2003, p.101 ) 4. 2 - Escolhendo o personagem ideal A avaliação de personagens para licenciamento não deve ser feita apenas com base em sua exposição. Claro que personagens muito famosos ímpactam um público maior, mas, assim como há produtos de massa e produtos de nicho, há personagens de massa e de nicho. É preciso ver o que é adequado a cada empresa. Figura 6- Mônica - evolução da personagem. <www.monica.com.br> 10 O que influencia vendas futuras em um personagem ou marca é basicamente seu reconhecimento pelo público (nome, desenho, símbolos, histórias…) e a relevância dos conceitos associados a ele (significados ligados ao personagem, valores e princípios, o quanto são valorizados pelo público). O personagem não deve ser apenas um adorno no produto, mas deve dar vida a ele, emprestando sua personalidade e os valores que representa. O design do produto e o desenvolvimento das artes também devem estar relacionados a temas representados pelo personagem. Os pais também precisam aprovar os personagens e o que representam nos produtos comprados para as crianças. "É necessário se apoiar em estudos e testes feitos sobre os consumidores, a fim de não haver enganos quanto ao alvo a atingir. A opinião dos consumidores nem sempre corresponde à dos licenciados e dos licenciadores." (MONTIGNEAUX, 2003, p. 194). Arnaldo Rabelo, especialista em marketing infantil, apresenta em seu livro em construção "Marketing Infantil - Como conquistar a criança como consumidora" dá detalhes importantes para a correta identificação e escolha do público-alvo para os negócios. Não reconhecer que o público infantil não é homogêneo é um erro comumente cometido. Outra falha comum é pequenos e grandes varejistas miniaturizarem produtos adultos e entender o mercado a partir de experiências pessoais. Este último, segundo ele, pode trazer mais dificuldades às marcas de se relacionarem e, em seguida, vender. A atenção aos diferentes estágios das crianças vale para utilizar, com êxito, personagem licenciado, a fim de agregar valor ao produto. O portfólio de marcas, o conjunto de marcas que uma empresa utiliza em suas linhas de produtos, deve ser administrado de forma estratégica. Para explicar as etapas necessárias nessa administração, podemos utilizar a sigla S.A.P.: ● Segmentação – o público total da empresa deve ser analisado quanto aos seus aspectos decisivos em seu comportamento de compra. Podem ser seus hábitos e atitudes, seus valores, seus desejos. Se houver muitas diferenças, o que é comum, deve-se dividir o público em grupos menores com características mais homogêneas. ● Alvo (escolha do público) – aqui são definidos os grupos que se pretende atender, normalmente selecionados de acordo com o potencial de rentabilidade. Cada grupo, ou segmento, deverá ter uma solução ou linha específica. ● Posicionamento – cada linha desenvolvida deve ser claramente identificada, não apenas em suas características intrínsecas e objetivas, mas também em suas qualidades subjetivas, como associações simbólicas. Se diferentes linhas de produtos têm diferentes “promessas”, significados e associações, devem ter marcas diferentes. O processo de associar cada marca a valores e idéias específicas é o que chamamos posicionamento. É a forma como a marca será percebida pelo público (Estratégia de marcas e personagens) (SITE MARKETING INFANTIL, 2014) . 11 4.3 - Influência ou manipulação? Qual a responsabilidade das empresas? O licenciamento de personagens populares coloca evidente a questão da submissão da criança à influência das marcas. Ao dirigir-se diretamente à criança para convencê-la a comprar ou provocar uma compra, será que a empresa não vai longe demais? Deve-se permitir que personagens estampem embalagens de biscoitos, guloseimas, ou protagonizem brinquedos vendidos como "superdivertidos"? Onde termina a responsabilidade do Estado e das empresas e começa a dos tutores? Os personagens são acusados de contribuir com o consumismo, a obesidade, entre outros males. De fato, a obesidade infantil é um problema crescente. A valorização do consumo como forma de expressão da identidade também. Seria a publicidade infantil a causa de tudo isso? O que não é saudável à criança não é o consumo eventual de biscoitos ou guloseimas, mas seu consumo excessivo. Os pais têm uma responsabilidade permanente sobre seus filhos: impor limites. É parte importante da educação. As marcas também tem responsabilidade, cuidando do tipo de produto que oferecem e do modo como comunicam. Se um produto anunciado tem contra indicações, este deve ser alvo de mudanças. As empresas devem oferecer às crianças produtos de qualidade. Se não o fizerem, não estão assumindo a responsabilidade que lhes é devida. A criança hoje é protegida de possíveis excessos das empresas por uma série de normas e regulamentações: Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Criança e do Adolescente, Conar, Anvisa. E ainda existem projetos de lei bem mais radicais em trâmite, que buscam declarar abusiva toda e qualquer publicidade dirigida ao público de 0 a 12 anos, pretendendo colocar assim as crianças "à salvo"1. São raros os países que proíbem a publicidade infantil: Canadá (apenas em Quebec, desde 1980), Suécia (desde 1991) e Noruega (desde 1992). Curiosamente, são raras também as próprias crianças nesses países. A população infantil do Brasil, de 44 milhões de pessoas, é maior que a população inteira de todos esses lugares somados. O impacto econômico de uma eventual proibição desse tipo no nosso país seria enorme (RABELO e CARDOSO, 2014, site Marketing Infantil). A sedução operada pelo personagem de marca pode sim se transformar em manipulação, já que os personagens são eficazes ferramenta de comunicação com as crianças, 1 Publicada no Diário Oficial da União, a Resolução 163 do Conanda, de 13 de março de 2014, considera 12 mas é na prática e na intenção que se determina a manipulação. Evitar a confusão, de forma que a criança sempre entenda que o enunciador é a marca ou a empresa – mesmo quando a palavra esteja com o personagem, não dirigir apelo imperativo de consumo diretamente à criança, usar linguagem clara e simples, considerando a inexperiência e a credulidade do receptor, apresentar os produtos de forma leal, com um nível de informação suficiente e ser sensível ao fato de que as crianças ainda não são capazes de tomar decisões a respeito de questões como a comparação de preços, quantidades ou a noção de tempo são pontos cruciais na comunicação para crianças. 5 - As Maçãs Turma da Mônica - Grupo Fischer / Citrosuco Figura 7 - embalagem das Maçãs Turma da Mônica.<www.citrosuco.com.br> A Turma da Mônica é a marca brasileira com maior número de licenciamentos do país. Com início na década de 1960, os licenciamentos hoje são responsáveis por cerca de 90% do faturamento da Maurício de Sousa Produções2, que movimenta anualmente R$ 2,7 bilhões. Entre seus produtos mais representativas estão a linha editorial, que conta com mais de um bilhão de revistas publicadas em 120 países, e a de produtos infantis, principalmente fraldas descartáveis. As duas categorias, juntas, representam cerca de 40% do faturamento total da empresa. Não se tem notícia de estúdio algum com o porte da Mauricio de Sousa Produções que trabalhe sob tais parâmetros (SOUZA, 2013, p.10). Um exemplo de produto que deu certo graças a associação com os personagens da Turma da Mônica são as "Maçãs Turma da Mônica" licenciadas para o Grupo Fischer . 2 A Mauricio de Sousa Produções é o quarto maior estúdio de quadrinhos do mundo. 13 Inicialmente, apesar de próprios para consumo, os frutos não chegavam ao mercado por serem muito pequenos. Os produtores então tiveram a ideia de agregar o produto à marca criada por Mauricio de Sousa, e o que antes era refugo virou sucesso de vendas . O grupo Fischer viu a oportunidade de ampliar o valor das maçãs associando a praticidade do produto pronto para consumo para um público-alvo bastante exigente: as crianças. Hoje, a maçã Turma da Mônica representa aproximadamente 10% de toda produção de maçã para consumo in natura do grupo e chega ao mercado a preços entre 25% e 30% acima das maçãs convencionais. E apesar dos personagens terem um apelo claro às crianças, a escolha por ícones clássicos ultrapassa o público-alvo. No caso das Maçãs da Turma da Mônica, a Fischer verificou também que pessoas solteiras e casais jovens sem filhos consomem o produto, pois os personagens fazem parte da infância deles, o que desperta o desejo de compra, além dos atributos objetivos”, diz Arnaldo Rabelo em entrevista ao portal "Mundo do Marketing". A maçã da Turma da Mônica foi o primeiro produto do setor de hortifruti a ganhar marca e embalagem especiais. Assim surgiu uma nova categoria para o setor e, hoje, ela é bastante utilizada. A meta principal da Fischer com o licenciamento é gerar vendas, já que esses produtos, vendidos a granel, teriam um valor muito menor no mercado. No momento a empresa está ampliando o leque de produtos e já conta com a pera rocha e o kiwi, também licenciados pela Turma da Mônica. A mudança de paradigma das marcas, mais focadas na busca por valores e na relação emocional, construiu para a Turma da Mônica a imagem de uma infância saudável. "Quem se identifica com isso o faz em várias categorias de produtos, por isso essa diversidade tão grande de licenciamentos. O personagem empresta aos produtos tanto os atributos de diversão, quanto dessa relação com a infância e com os valores da Turma da Mônica", completa Arnaldo Rabelo (MARTINS, 2011). A estratégia de licenciamento agrega valor a commodities – como uma maçã – e o destaca no ponto de venda. Dar uma marca a um alimento faz com que o produto tenha benefícios que vão além da funcionalidade. “A partir do momento em que o alimento possui uma marca, que remete a um universo que os consumidores valorizam, a relação ultrapassa o nível dos atributos objetivos e encontramos valores subjetivos no produto”, ressalta Rabelo . A MSP divulga em seus relatórios que a licenciada obteve ao longo de 10 anos um crescimento de 380% (CAGR 17%). A Fischer, no entanto, sabe que há regiões que ainda não estão preparadas para receber o produto. “No Norte e Nordeste brasileiros é comum o consumidor dar preferência a 14 frutas locais, o que reduz a participação da maçã (Turma da Mônica) na alimentação, que possui um preço mais elevado”, explica Passos (MARTINS, 2011). Do outro lado do processo, emprestar o nome da Turma da Mônica, ou de uma de suas marcas derivadas como Turma da Mônica Baby ou Turma da Mônica Jovem, a uma linha de produtos é uma tarefa executada com cuidado pela equipe da Mauricio de Sousa Produções. São levados em consideração critérios como a relevância e a identificação com os valores da marca antes de firmar parcerias. As fábricas são visitadas e uma equipe avalia os cuidados com os processos de fabricação e distribuição dos produtos. Outro ponto é a expectativa de durabilidade do acordo para que, em caso de problemas futuros, os personagens não tenham a imagem prejudicada. Para a MSP, é vantajoso estar associada a empresas que tem em sua postura a qualidade de seus produtos e respeito ao consumidor. Segundo Mônica Sousa, diretora comercial da licenciadora : Nossa meta sempre foi trabalhar para o bem-estar da criança. Passamos valores como amizade, respeito aos pais, aos mais velhos, uma sociedade mais ou menos equiparada, onde todo mundo tenha pai e mãe cuidando com carinho. A gente não tem licenciamento de refrigerante e bala, porque mudou a sociedade. Faz 16 anos que trabalhamos com frutas no licenciamento. De alguma maneira, estamos fazendo com que a mãe tenha a força do personagem para incentivar a criança a experimentar frutas e verduras. Fica mais fácil para a mãe convencê-la de que sua saúde depende dessas práticas (HERDY, 2014). As longas parcerias são uma característica dos licenciamentos da Turma da Mônica. A mais famosa delas foi feita na década de 1970, com a Cica, e perdura até hoje: o extrato de tomate Elefante. O bom desempenho dos licenciamentos da marca Turma da Mônica está ligado ao pioneirismo e às gerações de pais que tiveram experiências com os personagens. "As crianças da década de 60, 70 se tornaram pais que acharam interessante repassar a Turma da Mônica para os filhos. Podemos dizer hoje que a Turminha já está na sua terceira geração de público, porém, o interessante é que eles se atualizam para acompanhar o tempo e isso é fundamental para conquistar as novas gerações, explica Rabelo. (RABELO, 2014). 15 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve como objetivo demonstrar o potencial do licenciamento como estratégia de marketing junto ao público infantil, através da associação de produtos a nomes já conhecidos no mercado. Diferentes motivos levam à compra pela presença e associação do personagem ao produto, nas diferentes faixas etárias, como demonstrado no artigo. Através do histórico do licenciamento no âmbito nacional e internacional, pode-se avaliar sua evolução como eficaz ferramenta de marketing, e sua lapidação como estratégia consolidada para aumento de vendas e lucros. Fica exposta a inegável força de persuasão do personagem junto à criança, vínculo que deve ser utilizado de maneira responsável pelas empresas licenciadoras e licenciadas, para desenvolver uma relação saudável com este público específico, que ainda se encontra em processo de construção de sua identidade, num momento em que os valores transmitidos são responsáveis na formação da personalidade, visão de mundo, comportamento. 16 Referências ABRAL - Manual do Licenciamento 2013: disponível em http://abral.org.br/wpcontent/uploads/2013/04/ABRAL_Manual-do-Licenciamento-2013.pdf Acessado em 12/06/2014 ALVARENGA, Darlan. Uso de licenciamento de marcas se diversifica e chega a biquíni e tomate. 2011 - Disponível em http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2011/08/usodelicenciamento-de-marcas-se-diversifica-e-chega-biquini-e-tomate.html. Acessado em 22/06/2014. COBRA, Marcos Henrique Nogueira. Administração de Marketing. São Paulo: Atlas, 1992. BONFÁ, Sebastião e RABELO, Arnaldo. 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Fonte: www.nickelodeon.com Figura 6- Mônica - evolução da personagem. Fonte: www.monica.com.br Figura 7 - embalagem das Maçãs Turma da Mônica. Fonte: www.citrosuco.com.br Tabelas Tabela 1 - Caracterização de faixas etárias infanto-juvenis (Montigneaux, 2003, p.101 ) 19