mosaico de interculturalidade: aspectos sobre o direito

Propaganda
MOSAICO DE INTERCULTURALIDADE: ASPECTOS
SOBRE O DIREITO INDÍGENA
SANDRA MARIA SILVA DE LIMA
Dissertação apresentada à Universidade do Estado
de Mato Grosso, como parte das exigências do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais
para a obtenção do título de mestre.
CÁCERES
MATO GROSSO, BRASIL
2009
2
SANDRA MARIA SILVA DE LIMA
MOSAICO DE INTERCULTURALIDADE: ASPECTOS SOBRE O
DIREITO INDÍGENA
Dissertação apresentada à Universidade do Estado
de Mato Grosso, como parte das exigências do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais
para a obtenção do título de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Elias Renato da Silva Januário
CÁCERES
MATO GROSSO, BRASIL
2009
SANDRA MARIA SILVA DE LIMA
MOSAICO DE INTERCULTURALIDADE: ASPECTOS SOBRE O
DIREITO INDÍGENA
Essa dissertação foi julgada e aprovada como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais.
Cáceres, 06 de Março de 2009.
Banca examinadora
Prof. Dr. Germano Guarim Neto
Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT
Prof. Dr. Waldir José Gaspar
Universidade Federal de São Carlos-UFSCar
Prof. Dr. Elias Renato da Silva Januário
Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT
(Orientador)
CÁCERES
MATO GROSSO, BRASIL
2009
4
DEDICATÓRIA
Ser índio é poder fazer parte de uma grande diferença que existe
neste país, pela nossa forma de viver procurando sempre preservar
o que faz parte de nosso dia-a-dia.
É ter uma língua ou dialeto exclusivo, é ter um ritual, uma dança,
um canto que nos faz ser reconhecido como tais.
Ser índio é ter um instinto nativo, respeitando a natureza e fazendo
parte dela.
Ser índio é não se envergonhar de nossos traços, vestindo-nos
com o que os nossos ancestrais nos ensinaram, e agir como os
nossos pais nos educaram.
Ser índio é poder ser reconhecido não pelo cabelo, pelo rosto ou
dialeto, mas sim pelo que corre nas veias de nosso corpo.
É! Ser índio é ter uma cultura que nós conhecemos e que
preservamos desde o passado até agora.
(Eziel Borobó Rondon – Terena- Turma 2008/01)
Aos professores indígenas em formação.
Aos colaboradores do PROESI.
Por materializar sonhos e vivenciar
diversidades num encontro intercultural!
5
AGRADECIMENTOS
Ao Criador por mostrar horizontes e perdoar minhas fraquezas.
Aos meus pais, Silvestre e Maria Benedita pelo amor incondicional.
Às minhas filhas, Alessandra e Amanda, representações eterna do amor.
Aos meus irmãos, sobrinhos e cunhados pelo apoio.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Ambientais pelos valores transmitidos.
Aos
colegas
do
mestrado
pela
confiança
nos
sincretismos
gastronômicos no “Canto de Conversações”.
À Ediléia pela demonstração de carinho e amizade.
Aos amigos especiais Reginaldo Vieira e Danielle Tavares pela atenção.
Aos amigos Eliane, Valtair, Miriã, Jordano, Juliano e Kelma.
Ao Professor Germano Guarim Neto pelos indicadores para exercitar a
educação ambiental.
Ao Professor Waldir José Gaspar pela harmonia de cores e inspirações.
À Universidade do Estado de Mato Grosso pela minha formação.
Ao Programa de Educação Superior Indígena Intercultural (PROESI) por
me acolher, financiar e proporcionar este encontro intercultural.
Aos estudantes universitários indígenas, colaboradores e parceiros da
Faculdade Indígena Intercultural, pois sem vocês este mosaico não se
materializaria.
Por fim, um agradecimento especial ao Professor Elias Januário que ao
longo de sua jornada vai definindo nobres valores em sua biografia. Em sua
tese de doutorado, “Caminhos da Fronteira” foi o Homem, o Professor e o
Elias. Neste “Mosaico” mais do que o Orientador se revelou um Amigo e seus
ensinamentos já estão tatuados no coração. Obrigada, sempre!
6
ÍNDICE
Lista de abreviaturas, siglas e símbolos ..............................................................7
Listas de figuras...................................................................................................8
Resumo................................................................................................................9
Abstract..............................................................................................................10
Introdução ..........................................................................................................12
Referencial teórico .............................................................................................19
1.1 Mosaico: indicador de sustentabilidade ...................................................19
1.2 Socioambientalismo e pluralismo jurídico ................................................21
1.3 Princípios da interdisciplinaridade e da interculturalidade .......................24
1.4 Educação escolar indígena .....................................................................26
1.5 Formação de professores indígenas........................................................28
Material e métodos ............................................................................................33
2.1 A narrativa na construção do mosaico.....................................................33
2.2 Abordagem qualitativa, etnográfica e colaborativa ..................................36
2.3 Caracterização do lócus estudado...........................................................37
2.4 Revelando os colaboradores da pesquisa ...............................................39
Resultados e discussão .....................................................................................42
3.1 PROESI: do embrião à Faculdade Indígena Intercultural ........................42
3.1.1 Contextualizando a gestação do 3º Grau Indígena ...........................43
3.1.2 Materialização do 3º Grau Indígena ..................................................69
3.1.3 PROESI: ampliando horizontes .........................................................76
3.2 Eventos e narrativas interculturais ...........................................................84
3.3 Aspectos sobre o direito indígena............................................................91
3.3.1 Construindo diálogos com a antropologia .........................................92
3.3.2 Direito ocidental, indigenista e indígena............................................95
3.3.3 Revelando códigos de valores das etnias .......................................108
Considerações finais........................................................................................113
Referências......................................................................................................117
Anexos .............................................................................................................121
Apêndices ........................................................................................................147
7
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
CAIMT- Coordenadoria de Assuntos Indígenas de Mato Grosso
CDC- Código de Defesa do Consumidor
CEFAPRO- Centro de Formação de Professores
CEE-MT- Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso
CEI-MT- Conselho Estadual de Educação Indígena
CF- Constituição Federal
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
CONEPE - Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
CONSUNI- Conselho Universitário
COVEST- Comissão do Vestibular
ECA- Estatuto da Criança e Adolescente
FEMA- Fundação Estadual de Meio Ambiente
FUNAI- Fundação Nacional do Índio
FUNASA- Fundação Nacional de Saúde
GTME- Grupo de Trabalho Missionário Evangélico
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e estatística
ISA- Instituto Socioambiental
MAIWU- Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisa do Estado de Mato
Grosso
NAI- Núcleo de Assuntos Indígenas
OIT- Organização Internacional do Trabalho
OPAN - ONG Operação Amazônia Nativa
OPRIMT- Organização de Professores Indígenas do Estado de Mato Grosso
PROESI- Programa de Educação Superior Indígena Intercultural
PROLIND - Programa de Apoio à Implantação e Desenvolvimento de Cursos
de Licenciatura para Formação de Professores Indígenas
SEDUC- Secretaria de Estado de Educação
STF- Superior Tribunal Federal
STJ- Superior Tribunal de Justiça
UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina
UnB- Universidade de Brasília
UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNISANTOS- Universidade Católica de Santos
USP – Universidade de São Paulo
8
LISTAS DE FIGURAS
Figura 1: Acervo Joana Saira-PROESI(A) ................................................
Figura 2: Acervo Joana Saira-PROESI (B) ...............................................
Figura 3: Mosaico Intercultural Itinerante ..................................................
Figura 4: (A) Mapa Barra do Bugres/(B)vista aérea da cidade/(C)fachada
UNEMAT/(D) Escola Agrícola ...................................................................
Figura 5: Estudantes indígenas da turma 2008/1-PROESI .......................
Figura 6: Acervo Joana Saira-PROESI(C) ................................................
Figura 7: Primeira rodada de reuniões da Comissão Interinstitucional .....
Figura 8: Reunião da Comissão do Terceiro Grau Indígena .....................
Figura 9: Entrega do Projeto do 3º Grau Indígena ao Governador Dante
de Oliveira .................................................................................................
Figura 10: Vestibular indígena para 1ª Turma em 30/03/2001 ..................
Figura 11: Aula inaugural do 3º Grau Indígena .........................................
Figura 12: Turma Especialização do 3º Grau Indígena-2004 ...................
Figura 13: I Conferência Internacional - Barra do Bugres, setembro de
2004 ...........................................................................................................
Figura 14: Formatura da 1ª Turma em 06/06/2006 no Hotel Fazenda
Mato Grosso em Cuiabá-MT .....................................................................
Figura 15: Lançamento Museu Rondon – UFMT- 30/07/2008 ..................
Figura 16: Assinatura convênios SEDUC e UNEMAT-14/02/2008 ...........
Figura 17: Desenhos da capa CDROM - atividade da disciplina ..............
Figura 18: Acervo Joana Saira-PROESI (D) .............................................
Figura 19: Visita aldeia Formoso – Tangará da Serra-MT ........................
Página
04
11
18
38
39
41
47
52
55
67
70
71
73
75
80
82
102
112
158
9
RESUMO
LIMA, Sandra Maria Silva de: Mosaico de interculturalidade: aspectos
sobre o Direito Indígena. Cáceres: UNEMAT, 2009.161p. (Dissertação –
Mestrado em Ciências Ambientais).1
O Programa de Educação Superior Indígena Intercultural-PROESI com
sede em Barra do Bugres-MT completou onze anos em 2008. Desde a
formulação do projeto busca materializar a inclusão social e atender as
diretrizes educacionais e constitucionais de educação diferenciada para as
etnias indígenas de Mato Grosso. As reivindicações de professores indígenas
por uma formação continuada, as discussões na Conferência Ameríndia e as
negociações com instituições parceiras fomentaram a aprovação do projeto
que em 2001 teve seu inicio. Pioneira na América Latina e referência no
contexto nacional e internacional em sua primeira turma formou 186 estudantes
universitários de vários lugares do Brasil. Transformado em 2007 em Programa
e em Faculdade Indígena Intercultural em 2008. Enfatizando o
socioambientalismo, o multiculturalismo e o interculturalismo, propõe a
interação entre a cultura indígena e não indígena e a formação em serviço,
com currículo específico que valoriza a cultura, o conhecimento e as
necessidades das etnias envolvidas. Registra todas as atividades
desenvolvidas, possui um rico acervo etnográfico e uma série de publicações
que valorizam as produções dos estudantes e professores. Neste contexto
procuramos resgatar essa história em pesquisa documental com ênfase nas
Atas do projeto, nas narrativas de vivências de professores, colaboradores,
egressos e estudantes que representam a diversidade de sujeitos que
imprimem a abordagem de novas metodologias pedagógicas e a
implementação de um processo complexo de formação da sociedade
brasileira com suas experiências, dificuldades, facilidades e desafios na arte
da docência, da aprendizagem e do compromisso de
formação
e
multiplicação do conhecimento nas escolas indígenas construindo o
mosaico de conhecimentos. Para vivenciar uma atividade intercultural
considerando os princípios da pesquisa ação colaborativa foi ministrada para
os alunos da 3ª turma a disciplina Direito e Legislação, que teve como objetivo
principal a construção de conceitos do “Direito Indígena” a partir da abordagem
do Direito “Ocidental” e do “Indigenista”. Dentre as temáticas destacou-se a
abordagem do processo legislativo e as leis com temas enfocados a partir da
necessidade dos estudantes; a diferenciação entre “ter direitos” e “exercitar
direitos”, bem como a escrita do Código de Direitos e Valores dessas
comunidades. A tolerância, o respeito à diversidade e a interação entre índios
e não índios inseridos nestes discursos são peças fundamentais para
compreender este mosaico de interculturalidade.
Palavras-chave: Educação Ambiental, Direitos Indígenas, PROESI, mosaico.
1 Orientador: JANUÁRIO, Elias Renato da Silva, UNEMAT.
10
ABSTRACT
LIMA, Sandra Maria Silva of: Mosaic of interculturality: aspects
of the Indigene Law. Cáceres: UNEMAT, 2009.161p. (Dissertation - Master
in Environmental Sciences).2
The Program of Higher Education Indigene Intercultural-PROESI based
in Barra do Bugres-MT completed eleven years in 2008. Since the formulation
of the project must materialize the social inclusion and aswer the guidelines
constitutional and educational of the differentiated education for the
indigenous peoples of Mato Grosso. The claims of indigenes teachers for a
continuing education, the Conference Ameríndia discussions and negotiations
with partner institutions encouraged the approval of the project that had
beginning in 2001. Pioneer in Latin America and the reference in national
and international context in its first class graduated 186 students from
some places in Brazil. Transformed in 2007 into Program and Intercultural
Indigene University in 2008. Emphasizing the social, multiculturalism and
interculturalism, suggests the interaction between indigenous and non
indigenous culture and in-service training, with specific curriculum that
values the culture, knowledge and needs of ethnic groups involved. Logs
all activities, has a rich ethnographic collection and a series of publications that
promote the production of students and teachers. In this context seek rescue in
history with an emphasis on documentary research Minutes of the project, in
the narratives of experiences of teachers, staff, graduates and students
who represent the diversity of subjects that print the approach of new
methodologies and implementation of a complex process of training of
Brazilian society with their experiences, difficulties, advantages and challenges
in the art of teaching, learning and the commitment to increase the
knowledge and training in schools by building the mosaic of indigenous
knowledge. To experience an intercultural activity considering the principles of
collaborative action research was conducted for students from 3rd class
discipline law and legislation, which had as main objective the construction of
concepts of "indigenes rights" from the approach of the law "Western" and
the "Indigenous". Among the issues highlighted is the approach of the
legislative process and the laws with themes focused on the needs of
students, the distinction between "have rights" and "exercise rights" as
well as writing the code of rights and values of these communities. Tolerance,
respect for diversity and the interaction between Indigenes and non
Indigenes entered these discourses are key components to understand the
mosaic of interculturality.
Key Words: Environmental Education, Indigenes Rights, PROESI, mosaic.
2 Major Professor: Elias Renato da Silva Januário, UNEMAT.
11
Quando a Terra e as leis da natureza cósmica e terrena foram criadas, os
anciães da sabedoria fizeram uma roda e as narraram diante de uma
fogueira, de modo que todo fogo gravou na memória todas as leis e o
calor da sabedoria dos anciães. Por isso, quando uma fogueira se
acender e um círculo de pessoas se unir em torno do fogo, as leis serão
aquecidas novamente no coração humano.
“Os sinais do espírito”
Jecupê (1998)
12
INTRODUÇÃO
“Nossos velhos não são eternos, mas são fontes de sabedoria”. Com
poucas palavras Dona Maria Helena, nossa guia na visita à aldeia Formoso da
etnia Paresi em 03 de agosto de 2008, resumiu de forma singular como se
perpetua o ensinar das tradições indígenas: escutando, relatando e, sobretudo
respeitando a sabedoria dos anciãos.
Neste movimento a vida é percebida como um grande mosaico, um
quadro colorido onde as cores se completam. Nem sempre são nítidas, muitas
vezes foscas, sem brilho, mas identificam como é este caminhar, este
aprendizado. Para quem se afasta um pouco e observa de longe, pode apreciar
a beleza das figuras formadas ou ainda as expressões disformes.
Mosaico tem origem na palavra grega mosaicon e significa paciência
(porque requer atenção) e foi considerada desde a antiguidade uma arte digna
das deusas, por ser um trabalho de rara beleza, feito de materiais que duram
séculos e, por isso, tem um sentido de eternidade. O mosaico é uma obra de
arte que apresenta uma sucessão contínua entre o dividir e o unir, pois pelos
olhos percebemos os fragmentos que vão compor o detalhe, mas é com a alma
que compreendemos a composição e a harmonia do todo.
A base deste mosaico tem cores rejuntadas em uma narrativa com a
experiência de atividade docente, além da revelação da história de um
programa educativo. A relação entre pesquisador, informantes e colaboradores
resultou num exercício de reconhecimento de alteridades, no compartilhamento
de diferenças e no construir conhecimentos para materializar o mosaico.
Assim, a escrita desta dissertação primou pela forma pessoal, numa
perspectiva dialógica, ao narrar a própria experiência e a dos colaboradores
reproduzindo
fielmente
as
sensações
vivenciadas
ao
longo
de
seu
desenvolvimento em consonância com as diretrizes da Antropologia e do
trabalho etnográfico.
Inspiro-me em Nunes (1990) ao descrever as sensações do narradorpesquisador revestidas com paixão, entrega, envolvimento e vigilância para
“através da continuidade e da ruptura com formas de dizer já estabelecidas”
13
criar uma narrativa em que vai esboçando seu próprio contorno, buscando o
que se perdeu do lado oposto das certezas para oferecer a alguém.
A paciência necessária de um mosaicista que prepondera na hora de
colar as peças, talvez não esteja explicitamente revelada neste trabalho, mas o
entusiasmo e as impressões ao me deparar com um mundo diferente, de
culturas vivenciadas, experimentadas, trocadas, apreendidas e reconhecidas
demonstram o mais profundo sentido da expressão interculturalidade.
Não chamo aqui de confronto o que vivi durante este tempo de pesquisa,
mas nem por isso implicou ausência de conflitos, de aceitação e de
estranhamento. Vivenciar este “encontro de culturas” possibilitou compreender
como educadora, socioambientalista e artesã a construção deste mosaico de
saberes e vivências concretizado nas falas, nos documentos, no observar e no
experimentar o que é a educação superior indígena no estado de Mato Grosso.
Que
relação
tem
este
mosaico
com
o
meio
ambiente
e
a
sustentabilidade? A educação e a gestão ambiental nos remetem a essa
composição. Um mosaico em construção que tem em seus princípios e
diretrizes a busca do holismo, a valorização das partes e o interagir de saberes
e vivências para intensificar o todo.
A questão ambiental traz inquietações e muitas vezes me levou a
desempenhar o papel de militante. Antes mesmo de cursar a disciplina Direito
Ambiental já me interessava pelas abordagens legais, institucionais, filosóficas
e socioeconômicas, como um leque de discussões acerca da temática.
Paralelamente ministrava aulas de História na rede municipal e surgiu a
oportunidade de me especializar em Educação Ambiental. Concluindo o
Bacharelado em Ciências Jurídicas optei por fazer a monografia questionando
como a Lei nº 9795/99 da Educação Ambiental era cumprida no município.
Logo as pesquisas revelaram que havia muita contradição entre o que a lei
estipulava e o que na prática acontecia. Ao mesmo tempo, na pós-graduação,
questionava como a Educação Ambiental poderia contribuir para sensibilizar as
pessoas quanto à Lei nº 9433/99 definida como legislação das águas.
Nesses questionamentos encontrei indicadores de respostas e a mais
convincente foi que a educação e a gestão ambiental são processos que
14
dependem de atuação e responsabilidade de todos os habitantes desse
planeta. Terminada estas fases, ministrei por um ano Direito Ambiental e
Agrário nos cursos de Direito e Agronomia da UNEMAT no campus de Cáceres
e no “caminho das leis” discutimos várias temáticas inseridas no programa das
disciplinas.
No mestrado em Ciências Ambientais, a pesquisa me faz abrir mais uma
vez o “leque de aprendizado” e verificar como as diretrizes da educação
ambiental podem construir aquilo que determina a lei natural na busca da
interação e da igualdade dos seres humanos num ambiente que tem como
premissa a interculturalidade.
Mas como perceber esses saberes fragmentados e colá-los num grande
mosaico? Seria possível narrar a história do Programa de Educação Superior
Indígena Intercultural sem vivenciar seus princípios e diretrizes?
Utilizamos da arte da fala e da escrita dos sujeitos que compõem este
cenário. Consubstanciada numa narrativa histórica, modalidade de escrita que
aos poucos retorna significativamente na contemporaneidade, mas que já foi
muito utilizada em outras épocas sendo a única forma de noticiar grandes
descobertas. Os viajantes, os mercadores e os historiadores a utilizavam de
forma ímpar tanto para informar quanto para perpetuar saberes e
acontecimentos.
Encontro motivação no que Walter Benjamim (1986) enfatizou sobre o
narrador. Que este se apodera da tríade “a alma, o olho e a mão” e como um
artesão constrói um mosaico de experiências e fatos que revelam o
conhecimento como principal fator de superação das desigualdades.
A alma, o olho e a mão estão assim inscritos no mesmo campo.
Interagindo, eles definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser
familiar. O papel da mão no trabalho produtivo tornou-se mais
modesto, e o lugar que ela ocupava durante a narração está agora no
vazio. Pois a narração, em seu aspecto sensível, não é de modo
algum o produto exclusivo da voz. Na verdadeira narração, a mão
intervém decisivamente, com seus gestos, aprendidos na experiência
do trabalho, que sustentam de cem maneiras o que é dito
(BENJAMIM, 1986, p. 220-221).
15
A fala de várias personagens será evidenciada ao longo das narrativas e
dentre as reportagens que instrumentalizarão esta pesquisa destaco um dos
motivos para esta experiência:
[...] com grande interesse ele conta que quer saber tudo sobre as leis
brasileiras e como são interpretadas. "Queremos saber do olhar do
branco para as leis e principalmente em relação ao meio ambiente
porque nossa sobrevivência depende disso, inclusive com relação à
saúde", Maiuá Meg Poanpo Txicão - GAZETA DIGITAL - Caderno E,
ed. 6015 de 20/04/2008.
Este é o ponto de partida para a escolha desta pesquisa-ação
colaborativa. A frase de Maiuá fez reviver uma das temáticas que o
Socioambientalismo brasileiro traz ao cenário político e jurídico. A abordagem
dos “novos direitos” e a proteção jurídica à diversidade biológica e cultural
perfazem a necessidade de discussão desses eixos no âmbito das teorias do
Direito, para a proteção dos sujeitos portadores de direitos específicos já
consagrados.
São dois decênios das diretrizes constitucionais para os povos indígenas
e apesar de serem recentes as políticas públicas voltadas ao reconhecimento
da diversidade cultural dos povos indígenas nos programas de educação e de
saúde específicos, cabe ao Estado o dever de protegê-los e de lhes oferecer
meios e instrumentos para decidirem e trilharem seus próprios caminhos.
Assim, verificaremos como se deu a consolidação de um Programa de
Educação Superior, que propõe a interculturalidade como um de seus pilares.
Corroboro com o pensamento da argentina Isabel Hernandez e do
chileno Osvaldo Cipolloni da Rede Internacional de Educação para o
Desenvolvimento e Educação Popular quando dizem que,
freqüentemente tivemos que recorrer à memória como uma forma ágil
de nos auxiliarmos na difícil tarefa de sistematizar o desenvolvimento
de cada processo e por tal motivo a narração encontra por vezes um
tom ziguezagueante, como se acompanhasse o curso que
efectivamente percorreu a nossa memória (RIEDEP, 2003, p. 5).
Vivenciar, experienciar, trocar, apreender e reconhecer. Essas ações
expressam o delinear desta pesquisa que tem como marcos históricos os vinte
anos da Constituição Federal Brasileira e o decênio do Programa de Educação
Superior Indígena Intercultural-PROESI.
16
Assim, esta pesquisa objetiva resgatar a memória da institucionalização
da formação superior de professores indígenas no Estado de Mato Grosso;
revelando a sociodiversidade brasileira nas narrativas de professores,
colaboradores e alunos com suas experiências, dificuldades, facilidades e
desafios na arte da docência, da aprendizagem e do compromisso de formação
e multiplicação do conhecimento nas escolas indígenas.
A narrativa da experiência está relacionada com o exercício da docência
com a disciplina Direito e a Legislação com abordagem dos Direitos Ocidental,
Indigenista e Indígena das etnias presentes na turma/2008.
Enfim, todas as atividades tiveram como objetivo maior a possibilidade
de trazer para a Universidade os códigos de valores dos estudantes desta
turma representando-os como Direitos Indígenas em essência valorizando suas
peculiaridades e as premissas do pluralismo jurídico que ignora esse monismo
estatal predominante nos tribunais e no cotidiano da sociedade envolvente.
Participei de alguns eventos que foram fundamentais para a atividade
docente como as reuniões pedagógicas, palestras e também em outros locais
para divulgar a pesquisa como a atividade denominada “trilogia dos eventos”
exposta neste trabalho.
Mosaico de teoria planejado com narrativas, discussões teóricas,
atividade-docente, trilogia dos eventos. Parecia estar completo, mas um
mosaicista tem que expressar sua arte da forma que lhe é peculiar, trabalhando
e montando um mosaico real. Dessa forma, o desenho escolhido uniu a
logomarca do PROESI e PPGCA (figura 3, p. 18) com a proposta de
materializar um encontro entre dois programas educativos que refletisse as
cores e sintonia no exercício das diretrizes da educação ambiental.
Para confeccionar o mosaico de interculturalidade foram utilizadas como
subsídio as fontes escritas, iconográficas, os documentos Atas do período de
1997 a 2001, as fotografias do Acervo Joana Saira-PROESI, os anais da “I
Conferência Internacional sobre Ensino Superior Indígena, o processo nº
635/2008 CEE/MT de renovação e reconhecimento dos cursos de licenciatura,
caderno de memórias, textos e relatos dos professores, colaboradores,
egressos e alunos.
17
Transcrevo as palavras do saudoso sociólogo Jorge Terena que foi um
ícone do movimento indígena e reverenciado internacionalmente por suas
conquistas.
Algumas pessoas ainda acham estranho um índio ter bacharelado,
mestrado e doutorado, mas muitos deles já são formados em áreas
como história, direito, ciências sociais, engenharia, pedagogia e
outras. A maioria dos que conseguiram essa formação não tiveram
ajuda do governo para tal, e continuam não tendo. Os estudantes
indígenas às vezes passam por dificuldade nas cidades, mas por
compromisso com suas comunidades insistem em adquirir
ferramentas científicas e tecnológicas. Isso os permite discutir de
igual para igual com os governos um planejamento de políticas
públicas indígenas condizente com a realidade. Mas por que tanta
dificuldade para ajudar um pequeno número de indígenas a concluir
os estudos? Índio não precisa estudar? Contudo, a visão de que o
índio que sai da aldeia abandona a própria cultura ainda persiste
como preconceito. Ele não pode ter diploma e continuar sendo índio?
3
Revista Galileu Brasil- 31/08/2006.
Ao delinear o “referencial teórico” busca-se retratar o mosaico como um
indicador de sustentabilidade e aqui como um simbolismo de união das
premissas do socioambientalismo, do pluralismo jurídico e das diretrizes da
educação superior indígena em consonância com os princípios da educação
ambiental.
Em “material e métodos” procura-se definir a forma de escrita feita em
narrativa com o propósito de ressignificar tanto a história do programa contido
nos documentos quanto narrar a experiência. Define os procedimentos
metodológicos da pesquisa qualitativa, documental e colaborativa, assim como
caracteriza o lócus estudado e revela os colaboradores da pesquisa.
Nos “resultados e discussão” mostra-se a contextualizando da gestação,
a materialização do PROESI fechando o ciclo enquanto programa educativo e
transformando em Faculdade Indígena Intercultural. Tem ainda a missão de
revelar os diálogos e narrativas dos colaboradores, professores e alunos
conjugando com a literatura as abordagens sobre a Antropologia Jurídica.
Esta experiência intercultural, de colar fragmento por fragmento para no
colorido das peças visualizar a imagem completa, transforma-se em “corpo e
espaço” como uma contribuição para a educação ambiental.
3 Texto na íntegra: http://lpp-erj.net/olped/acoesafirmativas
18
ETAPAS DA CONSTRUÇÃO DO MOSAICO PROESI/PPGCA
Mosaico Intercultural Itinerante4
4 Declaração de Propriedade Intelectual registrada e doada no livro B-26, nº 12840 no 2º
Serviço Notarial e Registral de Cáceres-MT.
19
REFERENCIAL TEÓRICO
1.1 Mosaico: indicador de sustentabilidade
A arte musiva tem um significado de conexão, de sintonia, é a reunião
de duas peças que se transformam em uma terceira, assim como a educação
intercultural que faz o interagir, a reunião de duas ou mais culturas - neste caso
a indígena e a não-indígena – que ao colar saberes, experiências e rejuntá-las
resultam no mosaico de interculturalidade.
O mosaico é uma arte milenar que iniciou no Século V a.C. e foi
largamente difundido por todo o Oriente médio. Os sumérios utilizavam motivos
geométricos e se inspiraram na arte da tapeçaria. No Império Bizantino
estavam presentes principalmente em igrejas e templos adornando paredes e
abóbadas com personagens e acontecimentos bíblicos com ampla utilização do
vidro.
Com os romanos a arte musiva cresceu e se multiplicou. Há relatos que
o piso das tendas que o imperador Julio César utilizava em suas campanhas
era feito por mosaicistas que o acompanhavam5. No Renascimento ganhou
conotação de cópia de pintura o que fez com que diminuísse sua expressão,
apesar de muitos trabalhos confeccionados.
A construção do prédio da ópera de Paris com obras de Gian Domenico
Facchina restaura a linguagem dos mosaicos com novas técnicas extra e intra
ateliê. No Brasil ganha importância através das obras da Imperatriz Teresa
Cristina, esposa de Dom Pedro II, no Palácio da Quinta da Boa Vista, no Rio de
Janeiro que em 1852 que utilizava a técnica do embrechamento (incrustar
peças variadas) para enfeitar os jardins.
Meio século depois, em Barcelona os arquitetos Josep Maria Jujol e
Antoni Gaudi fizeram revestimentos de azulejos no Parque Güell. No Brasil
muitos mosaicistas se destacaram, dentre eles Portinari, Di Cavalcanti e outros.
Segundo o mosaicólogo Henrique Gougon6, a técnica traduz um “modelo de
comunhão e entendimento”, pois é ensinado em programas sociais para
5 Cf site : http://www.mosaicocarioca.com/html/historiadaarte/historiadaarte.htm
6 Jornalista, artista plástico. Mais detalhes ver em: http://gougon2.tripod.com/
20
adolescentes favorecendo “troca de informações e de emoções”. Temos ainda
como exemplo “os grupos de discussão que animam e sustentam o
entusiasmo de quem faz mosaico, assim como abrem espaço para os que
querem começar”. As confrarias e cafés ateliê configuram esses espaços.
Além de ser uma ferramenta para os programas de ressocialização, a
técnica do mosaico pode contribuir para a educação e gestão ambiental, pois
atribui importância aos cinco Rs da educação ambiental em ação: 7
1) Repensar os hábitos de consumo e descarte;
2) Recusar produtos que prejudicam o meio ambiente e a saúde;
3) Reduzir o consumo desnecessário;
4) Reutilizar e recuperar ao máximo antes de descartar;
5) Reciclar materiais.
A partir do exercício de sensibilização em torno dessas ações pode-se
enfatizar que a utilização dos resíduos de pisos, azulejos e demais materiais
que hoje são depositados em lixões ou diretamente nos ambientes podem ser
reaproveitados na construção de mosaicos, produzindo arte ao retratar a
beleza tanto das paisagens naturais, quanto de outras figuras resultantes da
imaginação
dos
mosaicistas,
bem
como
aprimorar
os
estudos
dos
mosaicólogos.
A antropóloga Elvira de Souza Lima (2003) enfatiza que a escola deve
promover um ambiente em que a imaginação seja despertada. Assim,
[...] para educandos e educadores, a escola deve ser um espaço de
interação com materiais diversos, elementos e processos da
natureza, processos culturais variados, recursos e técnicas das artes
e instrumentos de medição e de intervenção do mundo físico.
A técnica do mosaico contribui ainda com o desenvolvimento da
imaginação bem como propicia o entendimento das disciplinas, por exemplo,
no estudo da geometria, na alfabetização, na escrita e nas mais variadas fases
da vida humana.
Nesta abordagem a simbologia do mosaico tem o sentido de distribuir cores e
palavras, resgatar acontecimentos e valorizar a educação superior indígena
intercultural e a narrativa contribui para ressignificar os discursos e ações
7 Cf site : http://www.docelimao.com.br
21
inseridos no lócus pesquisado retratando a luta de sujeitos por direitos há
tempos reconhecidos, referenciada nos princípios da interdisciplinaridade e da
interculturalidade, com as possibilidades oferecidas pelas Ciências Ambientais
e referenciadas na Antropologia Jurídica e História Cultural.
Conforme Diaz-Rocha (2001, p. 4) as Ciências Ambientais representam
“uma procura de soma de dois caminhos para o conhecimento e a solução de
problemas sócio-ambientais, distantes por dois séculos: as Ciências Naturais e
as Humano-Sociais” e que há possibilidades de uma cooperação mútua, pois o
que visa é ultrapassar o reducionismo acadêmico e atingir estágios
complementares, com a conexão de disciplinas e áreas vizinhas em um
trabalho plural, o que contempla também a finalidade da educação ambiental
que tem no ideário do holismo sua principal meta, pois congregando as
particularidades objetiva ter uma dimensão do todo.
1.2 Socioambientalismo e Pluralismo jurídico
Esta pesquisa tem como suporte as influências do socioambientalismo e
do Pluralismo Jurídico que trouxeram significativas mudanças ao texto
constitucional brasileiro em duas décadas de promulgação.
O socioambientalismo, movimento que nasceu no século XX, da
articulação política entre movimentos sociais e ambientalistas, trouxe
influências
para
o
sistema
jurídico
constitucional
e
na
legislação
infraconstitucional, o que na visão de SANTILLI (2005, p. 34) deve ser
“construído com base na idéia de que as políticas públicas ambientais devem
incluir e envolver as comunidades locais, detentoras de conhecimentos e de
práticas de manejo ambiental” e valorizar a diversidade cultural e a
consolidação do processo democrático no país, com ampla participação social
na gestão ambiental.
Ao
estabelecer
um
caráter
baseado
no
multiculturalismo
e
no
interculturalismo, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o respeito e a
proteção da cultura e das manifestações culturais de todos os povos inseridos
no contexto nacional. Juliana Santilli nos adverte que a carta magna depende
22
de uma “leitura e interpretação holística”, pois no texto constitucional está “a
valorização da rica sociodiversidade brasileira, e o reconhecimento do papel
das expressões culturais de diferentes grupos sociais na formação da
identidade cultural brasileira” (SANTILLI, 2005, p. 75).
Santos e Nunes (2005) entendem o multiculturalismo ou pluralismo
Cultural como:
[...] o resultado das reivindicações e conquistas das chamadas
minorias, baseadas na luta pela satisfação das suas necessidades
fundamentais, situadas no plano existencial, material e cultural, não
se restringindo a efetividade dos direitos positivos, mas ao
reconhecimento e garantia de novos direitos.
São referenciais teóricos importantes para justificar as reivindicações da
comunidade indígena e dos professores indígenas em torno da qualificação no
ensino superior bem como de reconhecer os costumes e as leis existem nas
comunidades indígenas que não são consideradas pelo Estado e pela
sociedade.
Candau
(2008,
p.50-51)
faz
referência
às
classificações
do
multiculturalismo em três dimensões:
• Assimilacionista que na educação promove “uma política de
universalização da escolarização” onde todos são chamados a participar do
sistema escolar, são incluídos nas instituições. “Essa posição defende o projeto
de construir uma cultura comum e, em nome dele, deslegitima dialetos,
saberes, línguas, crenças, valores ‘diferentes’, pertencentes aos grupos
subordinados, considerados inferiores explícita ou implicitamente”.
• Na dimensão Diferencialista ou plural, a ênfase está no
reconhecimento da diferença para garantir a expressão das diferentes
identidades culturais presentes num determinado contexto, pois “afirma-se que
somente assim os diferentes grupos socioculturais poderão manter suas
matrizes culturais de base” com uma visão estática e essencialista da formação
das identidades culturais. Enfatiza “o acesso a direitos sociais e econômicos e,
ao mesmo tempo, é privilegiada a formação de comunidades culturais
homogêneas com suas próprias organizações – bairros, escolas, igrejas,
23
clubes, associações etc.”, mas o que na prática verifica-se que em muitas
sociedades favoreceu “a criação de verdadeiros apartheids socioculturais”.
• Na dimensão do Multiculturalismo Interativo perspectiva que
acentua a interculturalidade, adequada para a construção de sociedades
democráticas e inclusivas articuladoras de políticas de igualdade com políticas
de identidade. Esta dimensão promove a inter-relação entre diferentes grupos
culturais presentes em uma determinada sociedade, mas se confrontam com
“todas as visões diferencialistas que favorecem processos radicais de
afirmação de identidades culturais específicas, assim como com as
perspectivas assimilacionistas que não valorizam a explicitação da riqueza das
diferenças culturais”.
Para essa última dimensão, as culturas estão em contínuo processo
de elaboração, de construção e reconstrução. “Certamente cada cultura tem
suas raízes, mas essas raízes são históricas e dinâmicas. Não fixam as
pessoas em determinado padrão cultural”. E perpassa por questões de poder,
por relações fortemente hierarquizadas, marcadas pelo preconceito e pela
discriminação de determinados grupos, promoção do diálogo entre os
diferentes, favorecer processos de “empoderamento”.
A promoção da educação intercultural crítica e emancipatória depende
de núcleos fundamentais, os quais Candau (2008) elenca como:
• A desconstrução e “desnaturalização” de estereótipos e
preconceitos;
• Questionamento do caráter monocultural e do etnocentrismo
presentes na escola, nas políticas educativas e nos currículos;
• Articulação entre igualdade e diferença das políticas educativas
e das práticas pedagógicas;
• Resgate dos processos de construção das identidades
culturais; promoção de experiências de interação sistemática com os “outros”,
• Além do “empoderamento” de grupos sociais minoritários para
promover transformações sociais numa “questão complexa, atravessada por
tensões e desafios” (CANDAU, 2008, p.53-54).
24
1.3 Princípios da Interdisciplinaridade e da Interculturalidade
A partir da dimensão do conceito de interculturalidade privilegiamos a
educação intercultural indígena na formação superior, mas sem perder o foco
de sua utilidade que é a educação escolar indígena nas aldeias, onde se
visualiza o palco dessas ações, por isso devem ser consideradas as
características da escola indígena pautada na interculturalidade, no bilinguismo
ou multilinguismo, na especificidade, na diferenciação e na participação
comunitária.
A interculturalidade considera a diversidade cultural no processo de
ensino e aprendizagem. A escola deve trabalhar com os valores,
saberes tradicionais e práticas de cada comunidade e garantir o
acesso à conhecimentos e tecnologias da sociedade nacional
relevantes para o processo de interação e participação cidadã na
sociedade nacional. Com isso, as atividades curriculares devem ser
significativas e contextualizadas às experiências dos educandos e de
suas comunidades (BRASIL. MEC, 2007).
No Programa de Ciências Ambientais os conceitos ainda em construção
que
mais
se
destacam
dizem
respeito
à
multidisciplinaridade,
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Todas essas perspectivas têm um
fim único que é a busca da superação da fragmentação das disciplinas e a
reorganização do saber.
Para Carvalho (2006, p.121) a crise epistemológica verificada no
compartimentar, fragmentar e especializar dos saberes fez surgir os conceitos
acima, os quais podem ser caracterizados para “compreensão diversa e
multifacetada das inter-relações que constituem o mundo da vida”. A autora
contextualiza esses conceitos da seguinte forma:
• A multidisciplinaridade ocorre quando “diversas disciplinas, com base em
seu quadro teórico-metodológico, colaboram no estudo ou tratamento de um
fenômeno”, mantendo a lógica da “justaposição ou adição das disciplinas”.
• Para a transdisciplinaridade, “cada campo especializado do saber
envolvido no estudo e tratamento de dado fenômeno seria fusionado em um
amplo corpo de conhecimentos universais” trazendo a idéia de uma capacidade
ilimitada de saber tudo sobre o real.
25
• A interdisciplinaridade “não pretende a unificação dos saberes, mas deseja
a abertura de um espaço de mediação entre conhecimentos e articulação de
saberes, no qual as disciplinas estejam em situação de mútua coordenação e
cooperação”, o que se materializa na “conexão entre elas, na construção de
novos
referenciais
conceituais
e
metodológicos”,
com
a
troca
de
“conhecimentos disciplinares e o diálogo dos saberes especializados com os
saberes não científicos”.
O educador ambiental compartilha com outros profissionais do desafio
gerado pela complexidade das questões ambientais:
[...] isso implica atitude de investigação atenta, curiosa, aberta à
observação das múltiplas inter-relações e dimensões da realidade e
muita disponibilidade e capacidade para o trabalho em equipe.
Significa construir um conhecimento dialógico, ouvir os diferentes
saberes sociais (locais, tradicionais, das gerações, artísticos,
poéticos, etc.); diagnosticar as situações presentes, mas não perder a
dimensão da historicidade, ou seja, dar valor à história e à memória
que se inscreve no ambiente e o constitui, simultaneamente, como
paisagem natural e cultural (CARVALHO, 2006, p.130).
O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global é um documento referência que foi elaborado por
pessoas de vários países e publicado na Conferência Rio-92, nele estão
previstas as considerações para o processo de mudanças comportamentais e
os princípios para o exercício da EA, de onde podemos extrair os conceitos de
interdisciplinaridade e de interculturalidade.
Princípio 5. A educação ambiental deve envolver uma perspectiva
holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o
universo de forma interdisciplinar.
Princípio 9. A educação ambiental deve recuperar, reconhecer,
respeitar, refletir e utilizar a história indígena e culturas locais, assim
como promover a diversidade cultural, lingüística e ecológica. Isto
implica uma revisão da história dos povos nativos para modificar os
enfoques etnocêntricos, além de estimular a educação bilíngüe.
As pesquisas em Educação Ambiental demonstram que mais do seguir
métodos e metodologias devem contribuir e possibilitar aos leitores a
descoberta de indicadores de sustentabilidade, de experiências necessárias e
de múltiplos olhares e cada palavra exprime seu significado no tempo e no
espaço demonstrando o interesse pelos objetos ou pelos sujeitos pesquisados.
26
1. 4 Educação escolar indígena
É fundamental neste contexto trazer à tona alguns conceitos e
dimensões sobre a educação indígena.
Segundo o sociólogo Jorge Terena a Educação Indígena é o processo
com que cada povo transmite conhecimento (em língua nativa) para garantir a
sobrevivência e a reprodução cultural.
Não é uma educação dentro de quatro paredes como todos estão
acostumados, mas uma educação cotidiana. Quando um pai indígena
leva o filho para caçar ou coletar material para artesanato, a criança
passa por um processo de transmissão cultural de valores, história e
crenças.
Enquanto que a Educação Escolar Indígena deve “congregar tanto o
conhecimento tradicional dos povos quanto a cultura técnica e cientifica da
sociedade brasileira como um todo”. Isto provou um “choque entre as
educações escolar e indígena que se deu por conta da existência de
concepções de mundos diferentes”. 8
Nascimento (2006, p. 13-14) traz a abordagem da diferenciação entre a
Educação Escolar dos Índios e a Educação Escolar para os Índios. A primeira
expressa uma nova perspectiva de educação escolar, em que estão “inscritas
algumas das demandas do movimento indígena e as conseqüentes influências
da organização política de professores e comunidades” e ainda “perpassada
pela idéia de autonomia, oriunda de uma melhor adequação das praticas de
ensino aos seus interesses e modos de vida ou saberes culturais”.
A segunda perspectiva diz respeito “às experiências vivenciadas por
estes grupos étnicos desde o período colonial até recentemente, orientadas por
um pensamento assimilacionista e integracionista”, este modelo caracterizava
“um modo de educação alheio aos aspectos sócio-culturais e históricos destes
grupos”.
Inúmeras pesquisas sobre a educação indígena vêm sendo realizadas
no país e na América Latina contextualizando os avanços, as dificuldades e os
desafios dessa educação diferenciada, intercultural, bilíngüe e participativa.
8 Texto na íntegra: <http://lpp-uerj.net/olped/acoesafirmativas>, acesso em: 12/08/2008.
27
Neste rol, podemos destacar Grando (2001), Ângelo (2002), Mindlin (2003),
Grupioni (2003), Freire (2004), Nascimento (2004), Januário (2005), Silva
(2007), Medeiros e Gitahy (2008).
Nestas duas décadas comemorativas da promulgação da Constituição
Federal Brasileira, em que os povos indígenas tiveram reconhecidas suas
formas próprias de organização social, seus valores simbólicos, suas tradições,
seus conhecimentos, os processos de constituição de saberes e a transmissão
cultural para as gerações futuras, constituem pontos importantes que fomentam
as discussões no processo de construção dessa escola diferenciada.
A educação escolar indígena é a conquista de um espaço, de um direito
a uma escola que não mais apregoe a imposição de valores e assimilação de
uma cultura dominante, mas que seja caracterizada pela afirmação das
identidades
étnicas,
pela
recuperação
das
memórias
históricas,
pela
valorização das línguas e seus conhecimentos.
Tomando como base as características da escola indígena pautada na
interculturalidade, no bilinguismo ou multilinguismo, na especificidade, na
diferenciação e na participação comunitária é preciso dar significado a esses
conceitos para compreender os caminhos e desafios encontrados pela
educação escolar indígena.
Fleuri (2002a, p.11) ao falar sobre as relações interculturais aponta que:
Confrontar-se com estranhos não são relações fáceis e tranqüilas.
São relações profundamente conflitivas e dramáticas. A história nos
revela que muitas de tais relações entre povos e grupos sociais
diferentes têm resultado em guerras, genocídios, processos de
colonização e de dominação. Entender, pois, tais processos de
relações interculturais tornam-se a condição para não só
compreender as lógicas que conduzem à destruição mútua, mas
sobretudo para descobrir as possibilidades criativas e evolutivas das
relações entre grupos e contextos culturais diferentes.
Diante de tais questionamentos sobre as relações interculturais, temos
que exercitar a perspectiva intercultural implicada na compreensão desse
“relacionar complexo” que é a educação intercultural, pois a base está no
respeito e na aceitação da diversidade cultural.
Para que essa educação se torne real é necessário segundo Fleuri
(2002a, p.16) “enfrentar o problema da homogeneização cultural e do
28
consequente processo de hierarquização e exclusão social no currículo
escolar”, o que nos é revelada como uma tarefa complexa.
1.5 Formação de professores indígenas
A educação escolar indígena assume características diferenciadas no
contexto do sistema escolar brasileiro. Nos cursos de formação de professores
indígenas, comparados aos de professores da rede pública ou privada, este
contexto fica mais evidente, pois são povos com outras línguas e culturas, que
tinham outros processos de aprendizagem.
Segundo
Mindlin
(2003,
p.148)
a
inspiração
para
a
política
governamental de formação de professores, veio de programas nãogovernamentais na década de 80 e 90, e foi encontrada nos anseios dos povos
indígenas pela autonomia, conhecimento da sociedade brasileira e defesa de
suas terras e seus direitos.
Mindlin (2003) ao comentar os Referenciais para Formação dos
Professores Indígenas nos oferece caminhos para pensar quem são e qual
deve ser sua formação, o que devem aprender em tão curto espaço de tempo,
tendo em vista que agora é ele quem reivindica e não mais a sociedade que
impõe. Foi com base em reivindicações dos estudantes indígenas, que foi
possível realizar uma experiência intercultural narrada a seguir, pois o ponto de
partida foi a vontade dos colaboradores (MINDLIN, 2003, p. 149).
Dentro de uma abordagem reflexiva Mindlin (2003, p.152) nos coloca o
seguinte questionamento: “quantos de nós, no trabalho cotidiano, refletimos
sobre a pluralidade cultural, sobre valores preconceituosos impostos no dia-adia, sobre a exclusão e a desigualdade escamoteadas ou ignoradas no sistema
educacional?”
Isto nos impulsiona a refletir a questão da tolerância, da não-exclusão,
que para Brito (2008),
[...] não advém de um sentimento caridoso, nem da resignação diante
de um acontecimento inevitável. Tolerar o ‘Outro’ não significa um
conformismo diante de uma convivência não desejada, mas antes de
tudo, um olhar de respeito à singularidade do ‘Outro”, além de
também uma percepção diferenciada, ou abrandada, da própria
singularidade (BRITO, 2008, p.49).
29
A interculturalidade aprecia a diversidade cultural no processo de ensino
e aprendizagem, mas para isso a escola deve trabalhar os valores, os saberes
tradicionais e as práticas de cada comunidade, garantindo o acesso à
conhecimentos e tecnologias da sociedade envolvente, pois só assim
poderemos dizer que há interação e participação cidadã.
Collet (2006) ao tratar da preocupação com a diferença cultural que
esconde a desigualdade político-econômica nos traz a seguinte abordagem,
a dupla reação, por parte dos índios, aos projetos de educação
específica e diferenciada. Se, por um lado, grande parte dos grupos
indígenas vêem a educação intercultural como forma de inserção na
sociedade e economia nacionais, por outro lado há os que sentem
nesse tipo de proposta uma visão discriminatória e excludente. Estes
últimos querem a escola da aldeia nos mesmos moldes da escola do
branco, com o mesmo material e os mesmos conteúdos curriculares.
A proposta intercultural, na qual a cultura e a língua indígena fariam
parte da educação escolar, interagindo com o conhecimento do
branco, contribuiria, segundo eles, para os índios serem tratados,
cada vez mais, como diferentes, uma diferença vista como exclusão
(COLLET,2006, P. 125).
Os professores indígenas têm a incumbência de analisar dois mundos, o
étnico e o “ocidental”. Isto nos faz acreditar que existe um nível de exigência,
uma meta muito considerável, pois se espera que esses professores tenham
uma compreensão de toda sociedade, do ensino e da pedagogia, por isso é
necessária a flexibilização na construção dos currículos.
Segundo Maher (2006, p. 24) é por esse motivo, que os professores
indígenas, em seu processo de formação têm que, “o tempo todo, refletir
criticamente sobre as possíveis contradições embutidas neste duplo objetivo,
de modo a encontrar soluções para os conflitos e tensões daí resultantes”.
Outra característica do professor indígena é a de ser “guardião da
herança cultural” de seu povo, é ele que tem a responsabilidade de registrar os
conhecimentos tradicionais indígenas, conduzir os diálogos na comunidade,
liderar as discussões e negociações de seu povo, entre outras incumbências.
A formação em serviço, característica dos Cursos de Licenciaturas
Específicas do PROESI, tem como aspecto preparar professores indígenas
para todas as complexas tarefas, e de acordo com Midlin (2003) deve ser:
[...] num processo de formação permanente, regularizando sua
situação profissional, permitindo que mesmo em serviço completem
30
sua escolaridade até o terceiro grau, de acordo com cursos, currículo
e calendários específicos, que devem ser flexíveis e construídos em
direção a uma educação intercultural e multilingue, sob as rédeas da
comunidade (MIDLIN, 2003, p.149).
Nesta perspectiva de formação no PROESI, Januário (2005) nos relata
que entre os objetivos encontra-se,
[...] a proposição de conduzir os professores indígenas a conhecerem
os códigos simbólicos das diferentes sociedades (indígena e nãoindígena), colocando a disposição os instrumentos fundamentais que
precisam para ser cidadãos, para terem autonomia, para decidir,
analisar, planejar e pensar os projetos de futuro de seus povos,
conhecendo as diferentes relações sócio-culturais em que estão
inseridos. Desse modo, a proposta de educação é pensada e
formulada junto com os professores indígenas, considerando o seu
saber e do seu povo como um patrimônio, fazendo com que a ação
educativa esteja em consonância com a concepção educativa do
grupo, contribuindo dessa forma para a revitalização e manutenção
das práticas culturais de cada povo (JANUÁRIO, 2005, p.154).
Monserrat (2006, p.140) ao tratar da questão da língua, em que a
educação intercultural é adjetivada como bilíngue ou multilíngue, diz que há
dois
pré-requisitos
necessários
para
que
a
língua
minoritária
tenha
possibilidade real de sobrevivência: “que ela tenha um lugar na sociedade
maior e que desempenhe um papel fundamental na sociedade que a utiliza
como língua vernácula”, pois assim através da sua função social a língua
indígena alcançaria ao menos o plano interno das próprias sociedades. Ainda
enfatiza que,
[...] caso exista realmente uma determinação política de enfrentar a
questão da sobrevivência das línguas indígenas, dentro de um projeto
de manutenção lingüística, a implementação de uma política nessa
direção deve considerar separadamente, por questões metodológicas
e pragmáticas, dois aspectos distintos da língua: o código oral e o
código escrito (MONSERRAT, 2006, p. 147).
A assimilação pelos falantes da desvalorização preconceituosa da cultura e
da língua faz com que aconteça o progressivo desuso da língua, o que Marcos
Maia compara:
Como as espécies, as línguas nascem, desenvolvem-se,
transformam-se, perdendo certos traços e adquirindo outros e,
eventualmente, por diferentes razões, podem entrar em extinção.
Como as espécies, as línguas mantêm contato entre si,
estabelecendo diferentes tipos de relação, da simbiose à predação.
Um aspecto particularmente interessante da ecolingüística é a
31
analogia com o movimento ecológico que, além da descrição e
análise do seu objeto de estudo, coloca em relevo a importância da
atitude de engajamento ativo e cooperativo em questões prementes,
como a extinção das espécies; no caso, as línguas vivas ameaçadas
de desaparecimento (MAIA, 2006, p. 3).
Maia (2006, p.4) relata a proposta pedagógica que utilizou no 3º Grau
Indígena na UNEMAT, desenvolvendo a capacidade de questionamento
metódico dos professores. Nesse sentido,
[...] os professores indígenas, totalizando duzentas pessoas,
originárias de 36 etnias, falantes de 28 línguas, foram sempre
estimulados a desenvolver uma reflexão crítica sobre os conceitos
fundamentais da lingüística contemporânea, aplicando-os na análise
de suas línguas, que são compreendidas, não como fenômenos
exóticos, mas como sistemas plenamente relacionados a princípios
universais da linguagem (MAIA, 2006, p.4).
Januário et al (2007, p.44-48) fazem um inventário dos desafios,
avanços e perspectivas na educação superior indígena, tendo como suporte
diversos eventos que discutiram a temática. Esses fóruns de debates
possibilitam trocas de experiências e favorecem o diálogo para concretização
de políticas públicas e governamentais em torno do acesso e da condução
dessa educação diferenciada. Dentre alguns desafios relatados:
• A existência de um “discurso generalizado acerca da importância da
educação intercultural”, mas que na prática reproduz o modelo ocidental;
• “Um quadro de formadores não-indígena qualificado academicamente”
que não conseguem estabelecer o diálogo, muitas vezes silenciando vozes que
deveriam ser “escutadas”, perpetuando o “etnocentrismo”;
• A proposição de “ações que conduzam ao aprimoramento e consolidação
de
políticas
lingüísticas
e
sócio-ambientais”,
para
garantia
de
uma
“flexibilização” na estrutura rígida do Estado, isso envolve qualificação para
quem atende as demandas nos setores governamentais;
• A criação de mecanismos para que “todos tenham acesso e entendam as
leis referentes aos direitos dos povos indígenas”, desafio tanto para os
indígenas quanto para gestores e técnicos das três esferas governamentais;
• O estabelecer de “programas de intercâmbio com países da América
Latina” para que troquem experiências e diminuam o distanciamento entre as
Universidades;
32
O “caminhar” da formação escolar dos povos indígenas também merece
destaque como formas de avanços e perspectivas, assim enumeradas:
• “Legislação consistente, avançada e de vanguarda”, mas que depende de
uma aplicabilidade mais célere e eficaz.
• “Fortalecimento do tripé escola-comunidade-professor”, pois juntos podem
ser desenvolvidos projetos de interesse coletivo.
• “Construção
de
projetos
político-pedagógicos
que
considerem
especificidades culturais” das etnias, considerando suas línguas maternas,
produção de materiais didáticos, conhecimentos tradicionais.
• Discussão no “âmbito da academia” das demandas das etnias e abertura
de “canais de diálogos interculturais” e “revitalização de práticas e valores
indígenas”.
É importante fazer esses diagnósticos, pois a constante avaliação dos
cursos de formação é que possibilitarão estabelecer prognósticos para vencer
os desafios, mas também valorizar os avanços, pois esse “caminhar” deve ser
entendido como um processo de compreensão de valores, de alteridade e de
mudanças, é preciso desmistificar a questão da cultura dominante e
marginalizadora.
33
MATERIAL E MÉTODOS
2.1 A narrativa na construção do mosaico
A escolha de construir esta dissertação na forma de uma narrativa
histórica, passa pela vontade de produzir um texto onde esteja presente a
emoção dos narradores, dos sujeitos que enaltecem a trajetória do PROESI e
também pela idéia de não perpetuar uma cronologia cristalizada pelos fatos e
verdades revelados apenas pela “história dos vencedores” que não
contemplam os sujeitos históricos em sua totalidade. A narrativa tem na
experiência seu principal ingrediente, mais que sabores, ela traz as cores e os
acordes do tempo e do espaço.
O mesmo fato pode ser visto e contado de maneiras diferentes,
dependem da vivência e do olhar tanto do pesquisador quanto do leitor, assim:
[...] os narradores históricos necessitam encontrar um modo de se
tornarem visíveis em sua narrativa, não de auto-indulgência, mas
advertindo o leitor de que eles não são oniscientes ou imparciais e
que outras interpretações, além das suas, são possíveis (Burke,
1992, p. 337).
Walter
Benjamim
(1994)
destaca
na
narrativa
o
compartilhar
experiências, a valorização dos anônimos, a importância das falas como fontes
que constituem um legado para a posteridade, enfatiza que:
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que
recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as
melhores são as que menos se distinguem das histórias orais
contadas pelos inúmeros narradores anônimos (BENJAMIM, 1994,
p.198).
A utilização da narrativa como técnica de pesquisa tem sido utilizada nas
mais diversas áreas do saber. Para reconstruir a experiência do adoecer foi
utilizada por Lira et al. (2003) na Antropologia Médica ponderando que a
narrativa “mostra-se intrinsecamente relacionada à estrutura da experiência” e
se valem dos ensinamentos de Labov (1977) para representar na prática como
isto acontece:
Durante a narrativa, o passado, o presente e o futuro são articulados.
Quando as pessoas narram suas experiências, podem não só relatar
34
e recontar essas experiências e os eventos, sob um olhar do
presente. Elas podem também projetar atividades e experiências para
o futuro. No ato de narrar, novos acontecimentos propiciarão novas
reflexões sobre experiências subjetivas, conduzindo remodelações de
perspectivas anteriores (LABOV apud LIRA et al.,2003, p.61).
Weber (2006, p. 43) também utilizou da narrativa de seus diários de
campo ao retratar a vida dos índios Kaxinawá do Rio Branco-AC e enfatiza que
além dos ganhos na escrita por tornar o texto mais convidativo à leitura, a
narrativa do diário, “deve ser entendida não só como o ponto de partida para as
questões tratadas em cada capítulo, como também como um pano de fundo
que perpassa a leitura da etnografia como um todo”.
Samain apud Manini (1996) destaca que as Ciências Humanas utilizam
muito da oralidade, da visualidade e da escrita, tripé sobre o qual a
comunicação humana se constituiu ao longo da história e sobre outras fontes
de pesquisa utilizadas cotidianamente.
[...] não é da mesma maneira que se ‘pensa’ o mundo, que
se‘organiza’ uma sociedade, que se ‘efetiva’ a comunicação humana,
quando se dispõe ou da fala pura e simples, ou da escrita, ou dos
modernos multimeios (som, fotografia, cinema, vídeo, computador).
Com outras palavras: as operações cognitivas embutidas e
suscitadas por cada um desses meios de comunicação não somente
variam..., elas são singulares. (...) nossa cultura da escrita caminha,
irreversivelmente, em direção a uma outra: a da informática que, além
de ser estruturada de maneira binária, possibilitará, a nível do mesmo
intelecto humano, outras operações lógicas, outros modos de
cognição, outras maneiras de organização sócio-cultural (SAMAIN
apud MANINI, 226, p.1996).
Quem narra tenta explicar os motivos, as causas, as contingências e
tudo o que pode nos levar a configurar uma história articulada em signos,
regras, normas vivenciadas no tempo e no espaço. Nas frases narrativas
encontramos julgamentos de valor por parte do pesquisador ao selecionar os
eventos com maiores conseqüências causais, pois não se consegue incluir
tudo nas considerações sobre um todo temporal. Aqui justificam o olhar para a
seleção de documentos, falas e eventos.
Para Ricoeur (1994, p.15) "o tempo torna-se tempo humano na medida
em que está articulado de modo narrativo; em compensação, a narrativa é
significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal".
Pesavento (2006, p. 5) enfatiza que a criação do narrador, seus
acréscimos e seu olhar sobre o fato é justificado, pois, “num giro de análise,
35
poderíamos também acrescentar que o fato histórico é, em si, também criação
pelo historiador, mas na base de documentos ‘reais’ que falam daquilo que
teria acontecido”.
Neste aspecto a narrativa histórica diferencia da literária, pois enquanto
a primeira está relacionada aos fatos reais, nos documentos e vestígios, a
narrativa literária pode se valer da criação ou invenção de histórias fictícias.
À medida que o mosaico de interculturalidade ia se delineando e a para
que a narrativa se consolidasse participamos de encontros e seminários para a
sociedade e para a comunidade universitária e apresentamos resultados e
experiências do PROESI na concretização do direito à essa educação
diferenciada e nomeamos como “trilogia dos eventos”.
Trilogia “é o conjunto de três trabalhos artísticos, geralmente em
literatura ou cinema, e que estão conectados, mas que podem ser vistos tanto
como trabalho único quanto como três obras individuais”. Geralmente tem um
tema comum. 9
Muitos estudantes universitários e também outros participantes não
conheciam o PROESI, assim os questionamentos serviram também para
intensificar as atividades e assim melhorar o texto. Foram os seguintes:
•
Seminário Regional de Extensão Universitária, II SEREX-CO ocorrido
nos dias 25 e 26 de setembro de 2008 na UNEMAT em Cáceres.
•
1ª Jornada Científica no I Workshop dos Grupos de Pesquisa e da
Pós-Graduação da UNEMAT ocorrida nos dias 20 a 22 de outubro de
2008 na UNEMAT em Cáceres.
•
4º Encontro Regional de História ocorrido nos dias 09 a 14 de novembro
de 2008 organizado pela Associação Nacional de História - Núcleo
Regional de Mato Grosso - ANPUH/MT na cidade de Cáceres.
O narrador constrói sua narrativa como se construísse um caminho, mas
não um caminho reto. “É um ir e vir, ir adiante, voltar, pegar esse ponto, deixálo, falar outro, pegar de novo", de acordo com o texto da professora Bruna
Franchetto que enaltece as narrativas indígenas presente na apostila “As artes
9 Cf. site http://pt.wikipedia.org/wiki/Trilogia
36
da palavra” realizada na III Etapa presencial do 3º Grau Indígena, em julho de
2002 (FRANCHETTO, 2003).
2.2 Abordagem qualitativa, etnográfica e colaborativa
Esta pesquisa em seu aspecto metodológico tem abordagem qualitativa,
etnográfica e colaborativa. Os parâmetros para a atividade docente no PROESI
foram estabelecidos pelos princípios e diretrizes da pesquisa-ação colaborativa
que é um tipo de investigação que aproxima duas dimensões da pesquisa em
educação, quer sejam a produção de saberes e a formação contínua de
professores.
Ibiapina (2008) indica que nos processos de estudo de problemas em
situação prática que atendam às necessidades do agir profissional para
intervenção e transformação da comunidade e a compreensão de que existem
verdades para além daquelas do discurso, da prática e das teorias que tentam
representar ou explicar a realidade.
Assim, a pesquisa colaborativa é a “[...] atividade de co-produção de
saberes, de formação, reflexão e desenvolvimento profissional, realizada
interativamente por pesquisadores e professores com o objetivo de transformar
determinada realidade educativa “(IBIAPINA, 2008, p. 31).
Neste tipo de pesquisa, o envolvimento se faz com o diálogo “com” os
professores em formação e não “sobre” esses atores possibilitando a
investigação do cotidiano presente nas narrativas e na perspectiva de formação
para a multiplicação desse conhecimento nas escolas e nas comunidades
como um todo, tendo como fonte de investigação os conhecimentos prévios
que alicerçam o estudo e “ajudam os docentes a perceber que todo
conhecimento se liga às aquisições anteriores e se projeta na dinamização de
novos avanços ou construções de conceitos mais abrangentes e, ao mesmo
tempo, mais articulados com os significados construídos socialmente”
(IBIAPINA, 2008, p. 44).
Assim, buscou-se a percepção e construção de novas abordagens sobre
o Direito e a Legislação, utilizando da prática da docência para sistematizar
37
esta construção de conhecimentos com base na cooperação mútua entre
pesquisador e pesquisado. As peculiaridades locais foram determinantes para
valorização e contextualização do “Direito Consuetudinário” das etnias
colaboradoras na concretização de novos conceitos acerca do Direito Indígena.
Tozoni-Reis (2004, p.14) leciona que os princípios de uma pesquisa-açãoparticipativa dependem do encontro entre sujeitos e que “para transformar é
preciso conhecer, e somente tem sentido conhecer para transformar”.
Conhecer o PROESI foi o primeiro passo para vivenciar neste local a
experiência de uma prática pedagógica pautada na colaboração dos
estudantes
universitários
buscando
a
produção
de
conhecimento,
a
transformação desses sujeitos e a multiplicação desse aprender/ensinar na
comunidade.
Dessa maneira, o exercício da atividade pedagógica foi pautado pela
vontade dos alunos, considerando que os temas solicitados não tiveram
influência direta do professor-pesquisador. Para Tozoni-Reis (2004) é
fundamental que:
[...] para que a transformação tenha significado na produção dos
conhecimentos sobre os processos educativos ambientais é
imprescindível a participação direta do pesquisador no processo
grupal, pois as transformações somente terão sentido e significado se
definidas pelas necessidades do próprio grupo, sujeito de pesquisa
(TOZZONI-REIS, 2004, P.14).
Na pesquisa-ação “o processo de pesquisa não se esgota no produto
acadêmico, que é relevante, mas se insere dentro da estratégia maior que é
obter benefício direto para a comunidade (ter utilidade prática)”, o que foi
diagnosticado pelos alunos que no estudo do Direito e da legislação a
comunidade é que mais se beneficiará, pois com as informações poderão
buscar e garantir seus direitos enquanto cidadãos (TOZZONI-REIS, 2007, p.
37).
2.3 Caracterização do lócus estudado
O município de Barra do Bugres (Figura 4-A e B) está localizado na
microrregião de Tangará da Serra à noroeste da capital Cuiabá (155 km) e
38
pertence à mesorregião sudoeste Matogrossense a 15º04'21" de latitude sul e
a 57º10'52" de longitude oeste. Possui uma área de 7.229,90 km² e sua
população estimada em 2007 é de 32.490 habitantes.10
Situa-se no encontro entre o rio Bugres e o rio Paraguai e seu nome
deriva da barra formada pelo rio Bugres ao desaguar no rio Paraguai. A
economia do município gira principalmente em torno do agronegócio e mais
especificamente da indústria sucroalcooleira(usina Barralcool) e bovinocultura
de corte.
B
A
C
D
Figura 4 - A- Mapa Barra do Bugres (fonte: Abreu-Wikipedia) – B - vista aérea
da cidade (fonte: Prefeitura Municipal) – C - fachada UNEMAT (fonte:
UNEMAT) – D - Escola Agrícola (fonte: Acervo Joana Saira-PROESI).
O Campus Universitário Deputado Renê Barbour, da Universidade do
Estado de Mato Grosso (Figura 4-C), iniciou suas atividades em 10 de maio de
1994 e hoje conta com os cursos de graduação: Arquitetura e Urbanismo,
Ciência da Computação, Engenharia de Alimentos, Engenharia de Produção
Agroindustrial, Matemática e uma Turma Especial de Direito.
Neste campus funciona a sede do Programa de Educação Superior Indígena
Intercultural que tem sala de administração própria e utiliza os demais espaços
para funcionamento de suas atividades.
10 Cf. dados do IBGE.
39
Os estudantes universitários indígenas ficam hospedados na Escola
Agrícola “Deputado Hitler Sansão” (Figura 4-D), através de Convênio de
Cooperação Técnica entre a Prefeitura de Barra do Bugres e FUNEMAT, o
município se compromete a fornecer local de hospedagem na Escola com
água, energia elétrica, espaço para atividades de ensino e pesquisa
(laboratório, atividade de campo e recreação) nas duas etapas anuais de
estudos presenciais (de 32 dias cada etapa), além das etapas intermediárias.
2.4 Revelando os colaboradores da pesquisa
A disciplina Direito e Legislação integra o currículo como uma disciplina
transversal e deve observar as necessidades dos professores indígenas em
formação e os anseios da comunidade a qual pertencem. Atendendo estes
princípios aplicou-se a ementa sugerida pelos estudantes universitários
indígenas e foi realizada em oficinas nas etapas intermediárias de fevereiro e
outubro e na disciplina de 40 horas da etapa presencial de julho de 2008.
Figura 5 - Estudantes indígenas da turma 2008/1-PROESI.
Foto: Acervo Joana Saira-PROESI, 2008.
40
A turma (Figura 5) iniciou com quarenta alunos, todos residentes no
Estado de Mato Grosso, dois alunos foram fazer o curso de Nutrição na UFMT,
para atender as necessidades e demandas da comunidade na área da saúde e
nutrição.
Representam 12 etnias: Apiaká, Aweti, Bororo, Kayabi, Mebêngôkre,
Mehinako, Paresi, Tapirapé, Terena, Umutina, Xavante, Zoró.
Residem em 22 aldeias: Mairob, Aweti, Perigara, Kururuzinho, Kremoro,
Metuktire,
Mehinako,
Nova
Esperança,
Formoso,
Buriti,
Tapi’itãwa,
Akara’ytãwa, Towajaatãwã, Kopenoty, Umutina, Nossa Senhora Aparecida,
Marãiwatsédé, São João, Pawanewa, Bubyrej, Angj Tapua, Pandjirawa.
Representam 14 cidades de Mato Grosso: Juara, Gaúcha do Norte,
Barão de Melgaço, Apiacás, Peixoto de Azevedo, São José do Xingu, Tangará
da Serra, Confresa, Campo Novo dos Parecis, Barra do Bugres, Barra do
Garças, Bom Jesus do Araguaia, General Carneiro e Rondolândia.
41
Os nossos direitos dos povos indígenas não são escritos, está na prática
dentro de nossa cultura, cotidiano e coletivo.
Nascemos do nosso direito, crescemos do nosso direito e morremos do
nosso direito na prática de respeitar o nosso túmulo.
Os velhos aconselham os jovens no conhecimento, prática para saber a visão
da história.
•
Dança
•
Língua
•
Crença
A nossa alma da história está vivendo na consciência da sabedoria sagrada
para a nova geração e gerações.
A nossa cultura tradicional vem dos ancestrais, a música da melodia que dá
emoção aos acontecimentos.
José Laurício Tseretó TsahöböXavante- Turma 2008
42
RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 PROESI: do embrião à Faculdade Indígena Intercultural
Um Universo de culturas, saberes e desafios! Esta é a autêntica
definição para o Programa de Educação Superior Indígena Intercultural PROESI.
Resgatar a memória da institucionalização da Formação Superior de
Professores Indígenas no Estado de Mato Grosso permitiu revelar o lócus onde
se materializa esse mosaico intercultural, valorizar as vivências de professores,
colaboradores e alunos e vivenciar uma experiência de docência.
Torna-se interessante contextualizar os momentos de construção do
PROESI, local onde a educação superior indígena encontra desafios e
perspectivas para materializar e desenvolver os princípios de uma escola
indígena específica, diferenciada, intercultural, bilíngüe e de qualidade.
Apesar da luta por uma educação indígena diferenciada ser almejada há
muito tempo, somente na década de 1990, alcançou expressividade. Um dos
marcos registrados em Mato Grosso foram a realização da Conferência
Ameríndia de Educação e o Congresso de Professores Indígenas do Brasil no
período de 17 a 21 de novembro no Hotel Fazenda Mato Grosso com a
participação de aproximadamente 2 mil pessoas de 12 estados brasileiros e de
nove países da América Latina.
Segundo Medeiros e Gitahy (2008) a motivação surgiu da reivindicação
do Movimento Indígena por uma educação escolar superior diferenciada e foi
expressiva nestes dois eventos, pois foi registrada a presença de convidados
de nove países latino-americanos e diversas entidades governamentais e não
governamentais.
Desses eventos, participaram 685 professores indígenas (do Brasil e
de vários países latino-americanos), representando 86 povos
indígenas, 134 representantes de órgãos públicos e Universidades,
36 membros de organizações não-governamentais, 48 integrantes da
equipe de coordenação e apoio, 28 outros participantes (convidados,
profissionais da imprensa, visitantes) e conferencistas, palestrantes e
debatedores do Brasil, do México, da Guatemala, da Bolívia, do
Paraguai, do Peru e do Equador (MEDEIROS e GITAHY, 2008, p.
03).
43
Os objetivos dos eventos eram a reflexão e o debate acerca das
políticas públicas em educação escolar indígena no Brasil e na Ameríndia,
especialmente no que se refere à oferta de educação específica diferenciada,
de qualidade e em todos os níveis aos indígenas.
3.1.1 Contextualizando a gestação do 3º Grau Indígena
O PROESI começou em sua forma embrionária com as discussões
dessas propostas em que comunidades e lideranças indígenas solicitavam o
acesso de seus membros ao ensino superior.
Esta história pode ser resgatada a partir do conteúdo representacional
das Atas de reuniões da Comissão Interinstitucional para a Elaboração de
Anteprojeto de Licenciaturas Específicas para a Formação dos Professores
Indígenas, instituída pelo Decreto nº 1842 de 21 de novembro de 1997 que nos
revela o desafio vivido pelas pessoas que protagonizaram esta conquista. Foi
um processo de construção que valorizou a base, foi discutido, analisado e
avaliado para então se materializar.
A transcrição desta documentação resgata o contexto histórico e social e
reconstitui uma fase importante que foi a gestação da educação superior
indígena em Mato Grosso e que hoje é contabilizada como mais de um decênio
de um Programa que apenas se materializou em atividade pedagógica a partir
de 2001. Desta análise depreende a luta dos professores indígenas pela
qualificação no ensino superior observadas pelas demandas da comunidade
por uma educação diferenciada. E relatar este processo configura um meio
encontrado para dar voz aqueles que participaram de sua construção.
Trabalho semelhante foi empreendido por Nunes at al.(2007) para
resgatar a História da Enfermagem pela Memória coletiva da Associação
Brasileira de Enfermagem - Seção Piauí, onde demonstraram que,
[...] a visão que se tem do passado é como um vidro estilhaçado
antes composto de inúmeras cores e partes e que compete à história
e a memória compreendê-lo, por meio da análise dos fragmentos
existentes, evitando que os seres humanos percam referenciais
fundamentais à construção das identidades coletivas (NUNES, at al.,
2007, p. 3).
44
Esses documentos têm sua importância na medida em que se visualiza
o marco inicial de constituição e de posicionamentos político-pedagógicos de
uma classe que tem sua inserção na História a partir de sua própria
organização e que conclama o Governo do Estado bem como à Universidade
Federal de Mato Grosso-UFMT a se posicionarem com relação a essas
expectativas.
Na UFMT já havia algumas ações no sentido de envolver as
comunidades indígenas, principalmente nas áreas de Saúde e Ciências com
relação a estudos ambientais, produção de alimentos e repovoamento de
espécies. A demanda pelo ensino superior podia ser verificada pela previsão
de que em 1999 com a conclusão do ensino secundário pelo Projeto Tucum,
aproximadamente 400 índios estariam aptos a postular uma formação em nível
superior.
De acordo com arquivos da Secretaria de Educação do Estado de Mato
Grosso, o Projeto Tucum habilitou em formação de magistério intercultural, 176
professores dos povos Xavante, Pareci, Irantxe, Bakairi, Bororo, Rikbatsa,
Kayabi, Munduruku, Apiká, Nambikwara, Umutina. Iniciou-se em 1996, a partir
de proposta curricular específica, aprovada pelo Conselho Estadual de
Educação e foi concluído em 2001.
No acervo da Faculdade Indígena Intercultural encontram-se vários
documentos que pertenciam ao Projeto Tucum e hoje estão armazenados em
arquivo permanente com relatórios de ações e planejamento, avaliações dos
cursistas, planos de aulas, pronunciamentos, fotografias, comunicações
públicas, calendários, orçamentos e finanças. A análise destes documentos
contribuiria para o resgate da educação escolar indígena no Estado.
Mas, hoje temos uma nova configuração para esta formação em
magistério. Trata-se do Projeto Haiyô que atende a demanda dos povos
Tapirapé, Myky, Arara, Karajá, Cinta-larga, Guató, Chiquitano e Zoró, que
ainda não haviam sido contemplados e dos povos Nambikwara, Kayabi, Paresi,
Munduruku, Apiaká, Rikbatsa, Irantxe, Bororo e Xavante, demanda não
atendida plenamente pelo Projeto Tucum.
45
Com parceria do MEC, SEDUC, FUNAI, FUNASA, CEI11 e Prefeituras
Municipais, o Haiyô tem como objetivo habilitar índios para a docência das
séries iniciais do Ensino Fundamental conforme a Resolução 190/00/CEE-MT,
Art. 6º parágrafo 1º, inciso II, em especial os que já lecionam nas aldeias
indígenas.
O projeto teve início em 2005, com previsão de encerramento em 2010,
beneficiando assim mais de 9.033 alunos nas escolas das aldeias através de
valores, conhecimentos, tradições culturais e usos lingüísticos dos povos
indígenas e no acesso aos conhecimentos, valores e tecnologias da sociedade
envolvente.
Voltamos ao contexto de 1998, onde o objetivo das discussões da
Comissão Interinstitucional pautava por uma política permanente de formação
de professores indígenas para que no futuro assumissem integralmente os
rumos da educação escolar indígena no Estado.
Embora fossem observadas demandas por outras áreas de formação, a
Comissão foi instituída para tratar exclusivamente da formação de professores.
Entendia como necessária a criação de cursos específicos diagnosticando
barreiras culturais que deveriam ser superadas entre professores e estudantes.
Para a Comissão este trabalho exigiria o “envolvimento de pessoas dispostas à
exposição de suas próprias limitações, e sensíveis à peculiaridade da interação
entre pessoas de várias diferentes culturas”.
Este envolvimento é enfatizado por Fleuri (2002a) quando leciona que,
[...] as pessoas que interagem, individual ou coletivamente, com
pessoas de contextos sociais diferentes colocam em questão os
padrões culturais próprios, vice-versa, colocam em cheque os
princípios e a lógica que regem a cultura alheia. Este confronto inicial
deve ser transformado em um encontro de culturas e entendido como
um processo que não se constrói a partir de perspectivas singulares,
individuais, nem se consolidam em pouco tempo (FLEURI, 2002a,
P.11).
11 O CEI/MT foi criado em 1995. É um órgão consultivo, deliberativo e de assessoramento
técnico, cujas ações estão garantidas na Constituição Estadual. Dele fazem parte 12
professores indígenas, indicados por suas comunidades, além de representantes não
indígenas de instituições que apóiam a questão indígena como FUNAI, SEDUC, UNEMAT,
UNDIME, UFMT, ISA, CIMI, OPAN, OPRIMT, MAIWU e CEE/MT.
46
A preocupação da Comissão era a de não formar um professor
generalista, considerando que para atender a segunda metade do ensino
fundamental seria necessária a formação específica em todas as áreas do
conhecimento.
Suscitou então, a possibilidade de criar as Licenciaturas Específicas
Plenas: Ciências Sociais, Ciências da Linguagem, Ciências da Matemática e da
Natureza e também Pedagogia. Esta última foi rejeitada, pois o entendimento
era de que representava uma continuação do curso secundário e poderia ser
implementado em momento sequencial. As três primeiras receberam a
nomenclatura de Licenciatura Interétnica e as etapas deveriam ser voltadas em
princípio para a ciência da educação e depois em abordagem da área
específica.
Os eixos que fundamentavam a proposta contemplavam o reforço à
identidade étnica com a valorização dos costumes, línguas, tradições de cada
etnia; a vinculação com o cotidiano das aldeias, entendidas como um
laboratório vivencial dos cursos; a busca de respostas aos problemas e
expectativas das comunidades; o conhecimento do processo histórico de
relações entre as comunidades indígenas entre si e com a sociedade nacional,
bem como incorporação da instituição escolar em cada comunidade; o estudo
das línguas maternas e o debate acerca dos projetos de vida de cada povo.
Para compor a clientela, a preferência era para os professores indígenas
de MT em atividades docentes, aos que ingressariam, aos monitores e ainda
aos professores de outros estados e países ameríndios. A forma de seleção
seria decidida após o diagnóstico de interessados e a localização estava
pautada em três possibilidades: em pólos regionais sediados próximo ao local
de concentração dos cursistas nos moldes do Projeto Tucum; em um único
campus, oferecendo todos os cursos ou ainda alternando uma etapa
concentrada num único local e as demais em lugares específicos dos cursos.
A comissão definiu Grupos de Trabalho entre os presentes que ficariam
responsáveis pelos levantamentos de dados e fundamentação do projeto,
montagem dos cursos, financiamento e articulação com as instituições e com a
comunidade.
47
Naquela primeira rodada de reuniões (Figura 7) realizadas nos dias 19 e
20 de fevereiro de 1998 no auditório da SEDUC estavam presentes Mirian
Kassaizokairo (Paresi), Lucas Ruri’õ (Xavante), Agnaldo Rondon Kogapi
(Bakairi), Félix Rondon Bororo (Bororo) que representavam o Projeto Tucum,
Francisca Novantino de Ângelo (Paresi), Luiz Otávio Pinheiro da Cunha
(Antropólogo da FUNAI), Aquiles Lazzarotto (UFMT), Maria Paula de Freitas
Vannuci (Casa Civil-Coordenadoria de Assuntos Indígenas de MT), Ana Maria
de Oliveira Lopes (Conselho Estadual de Educação), Lourivaldo Abich
(UNEMAT), Maria Luzenira Braz (SEDUC) e Darci Secchi (Consultor do PNUD
e Presidente do CEI/MT).
Figura 7: Primeira rodada de reuniões da Comissão Interinstitucional.
Foto: Acervo Joana Saira-PROESI.
A Comissão voltou a se reunir nos dias 02 e 03 de abril de 1998, no
Verona Parque Hotel em Várzea Grande-MT, com a assessoria do Professor
Darci Secchi para discutir os seguintes pontos: estruturação dos cursos,
apresentação pela equipe da UFMT da proposta de organização do Curso de
Ciências da Matemática e da Natureza.
Respondendo aos questionamentos encaminhados na reunião, alguns
consensos foram destacados: a participação do Poder Público, das
Organizações Não-Governamentais, dos representantes indígenas e das
comunidades; a formação em nível de Licenciatura Plena com um ciclo básico
de formação geral e uma terminalidade específica com duração de quatro anos
48
onde estariam vinculados às seguintes Universidades: UFMT - Ciências
Matemáticas e Natureza; UNEMAT - Ciências Sociais, Línguas, Artes e
Literatura; e o acompanhamento dos cursos entre as Universidades e parceiros
com regime seriado especial, desenvolvidos de forma intensiva e presencial
nos períodos de férias e recessos escolares, além das atividades cooperadas
entre docentes e cursistas no período das aulas nas aldeias.
Outros pontos discutidos versaram sobre a coordenação dos cursos que
seriam compostas por representantes das instituições bem como por cursistas
representando os indígenas. Sobre os docentes seriam vinculados à UFMT, à
UNEMAT e de outras instituições. A dotação orçamentária específica e a
gestão financeira colegiada seriam possibilitadas com a participação das
Instituições mantenedoras e executoras.
As questões que permaneciam sem esclarecimentos voltavam para os
grupos de trabalho e marcava-se nova reunião. Os Grupos de Trabalho foram
divididos da seguinte forma:
• GT I – Proposta Curricular para Ciências Sociais, Línguas,
Artes e Literatura- equipe da UNEMAT.
• GT II - Ciências Matemáticas e Natureza- equipe UFMT.
• GT III – Estruturação do Anteprojeto dos Cursos- Francisca
Novantino, Maria Paula Vannuci, Darlene Taukane, Elias Januário, Ana Maria
Lopes, Maria Luzenira Braz e Darci Secchi.
•
GT IV- FUNAI nacional e local e CAIEMT.
As atividades do dia 03 de abril começaram com a discussão do projeto
de licenciaturas integradas pelos professores Aquiles, Domingues e Marina da
UFMT mostrando a necessidade de uma equipe prévia, apta e engajada no
projeto para formular um curso como base para o desenvolvimento profissional
e sócio-político, sem restrições para as etnias.
A Comissão voltou a se reunir no dia 24 de julho de 1998, nas
dependências do Hotel Mato Grosso Palace, e estavam presentes: Mirian
Kassaizokairo, Lucas Ruri’õ, Félix Rondon Bororo, Aquiles Lazzarotto, Maria
Paula de Freitas Vannuci, Ana Maria de Oliveira Lopes, Maria Luzenira Braz,
49
Darci Secchi, Wellington Pedrosa Quintino, Alexandre Regio, Luciano Silva e
Elias Januário.
Foram discutidos os seguintes pontos: apresentação dos trabalhos dos
grupos, novas proposições, as sínteses preliminares, planejamento de novo
calendário e outros informes. A equipe da UNEMAT apresentou a proposta da
Licenciatura em Ciências Sociais, além de relatar experiências do Projeto
Parceladas. O Professor Carlos Alberto Maldonado foi convidado para a
reunião e trouxe a temática das discussões da Carta da Terra e da Conferência
que seria realizada em Cuiabá nos dias 31/11 à 03/12/98.
Para o educador Moacir Gadotti, Diretor do Instituto Paulo Freire:
A Carta da Terra equivale à Declaração Universal dos Direitos
Humanos, apropriada para os tempos atuais... baseia-se na
afirmação de princípios éticos e valores fundamentais que norteiam
pessoas, nações, estados, raças e culturas no que se refere à cultura
da sustentabilidade, com eqüidade social contendo princípios da
12
Educação ambiental e Desenvolvimento sustentável.
No dia 25 de julho fizeram algumas deliberações. Uma delas era de que
os membros dos GTs tinham que informar os resultados das discussões para
os representantes indígenas e instituições envolvidas.
Nas reuniões do dia 28 e 29/08/1998, a Comissão teve como pauta a
apresentação dos GTs Organização Curricular e Financiamento, sendo
ressaltada a não realização da etapa intensiva do Projeto Tucum por falta de
recursos,
onde
houve
encaminhamento
solicitando
providências
do
Governador.
Outro ponto em destaque foi a maneira que os representantes indígenas
iriam discutir com suas comunidades a forma mais adequada para a
implementação das três licenciaturas programadas. A comissão e o CEI-MT
também organizariam um seminário com as lideranças, professores indígenas
e conselheiros no dia 17 e 18/11/1998.
Nas reuniões dos dias 01 e 02 de julho de 1999 estiveram presentes
Lucas Ruri’õ, Maria Luzenira Braz, Darci Secchi, Elias Januário, Luiz Otávio
Pinheiro, Agnaldo Rondon Kogapi, Félix Adugo Enau, Aquiles Lazzarotto,
12 Cf. site da UNISANTOS: www.unisantos.br/catedra/File/cartadaterradobrasil.pdf
50
Solange Ferreira Alves, Edson Kulewarã e Francisca Novantino. O Professor
Darci Secchi presidiu a reunião e destacou a função da Comissão nesta
segunda etapa que iria da elaboração do projeto até sua implementação.
Discutiu-se o programa das reuniões ordinárias, o orçamento, análise das
contribuições sugeridas ao projeto, os informes, a participação do Núcleo de
Assuntos Indígenas-NAI13 no Tucum, as estratégias de viabilização do projeto.
Deliberou-se que os professores observariam qual a visão da
comunidade indígena para o curso, suas demandas e implicações na
organização sócio-cultural.
Falaram sobre o encontro de Política Indigenista que aconteceu no Rio
de Janeiro; das contribuições do Instituto Socioambiental - ISA na construção
do currículo; da contribuição do antropólogo João Dal Poz; da mudança na
introdução do projeto; da contratação de um assessor e três consultores e
foram indicados Aracy Lopes, Edir Pina, Marcio Silva e Antonio Carlos de
Souza Lima; da divulgação na imprensa local e de outros estados e da visita às
autoridades de MT (reitores, secretários estaduais, coordenadores, etc.);
criação dos GTs Estruturação do Documento (Elias, Aquiles e Darci), GT do
Orçamento (Darci, Luzenira, Solange) e GT Introdução (Otávio e Francisca).
Nas reuniões dos dias 19 e 20 de agosto de 1999 estiveram presentes
Lucas Ruri’õ, Maria Luzenira Braz, Darci Secchi, Elias Januário, Luiz Otávio
Pinheiro, Agnaldo Rondon Kogapi, Solange Ferreira Alves, Edson Kulewarã e
Francisca Novantino.
Professor Darci Secchi presidiu a reunião informando que a UNESCO
demonstrou interesse em participar das reuniões de formulação do 3º Grau
Indígena e também ficou encarregado do convênio entre as universidades.
Desta reunião destacam-se as falas dos professores indígenas presentes na
Comissão sobre a sondagem que fizeram nas comunidades e sobre a
avaliação da Comissão:
13 O NAI foi criado em 1998 e duas de suas linhas de atividades estão relacionadas à cultura
material, se referem ao Acervo Arqueológico e Etnográfico, está ligado institucionalmente ao
Departamento de História da UNEMAT e tem como objetivos desenvolver atividades de
pesquisa, ensino e extensão nas áreas de Arqueologia, Etnologia e Educação Indígena, assim
como desenvolvimento de pesquisas em conjunto com pesquisadores de outras Universidades
na área de Arqueologia.
51
Miriam: – Não temos problemas no nosso Pólo, os candidatos do 3º grau são os
cursistas do Projeto Tucum e do ano passado pra cá as coisas estão devagar, agora parece
estar mais certo, uma reunião a cada mês, estamos confiando.
Agnaldo: – Temos que ter bastante cuidado para não indicar pessoas que não darão
retorno à comunidade e o Governo abriu uma brecha para nós, achei difícil estar na Comissão,
avançamos bastante neste percurso, este trabalho é importante.
Lucas: – A escola que queremos precisa ter unidade capaz de construir novas
relações, a escola possa ser motivo de união, trabalhar com compromisso, registro histórico da
cultura. Temos que retirar a competição e preparar para ser um bom Xavante na comunidade,
sem mudar o eixo da organização Xavante e houve maior amadurecimento do grupo, a
participação é maior, o Governo precisa apoiar mais este nosso trabalho.
Edson: – De 5ª à 8ª série são professores não-índios, futuramente, nós índios
queremos assumir o ensino até o 2º Grau. É a segunda reunião que participo, gostei, achei
difícil entender tudo, mas aos poucos estou ouvindo e falando o que penso, estou gostando do
trabalho.
Nota-se por essas falas que os professores indígenas reivindicavam um
ensino superior específico para que pudessem assumir plenamente uma escola
indígena para assim valorizar a cultura, a língua e a história de cada
comunidade.
No dia 20 de agosto, a Comissão foi à sede da UNESCO falar com o
Presidente Regional Carlos Maldonado e a Professora Ana Maria Lopes para
buscar apoio político ao 3º Grau Indígena, ocasião em que foi abordado que a
UNESCO organizaria a 1ª Reunião Intersetorial de articulação das Questões
Indígenas em Cuiabá com a participação dos Estados de MS, MT e GO para
buscar saída para a Educação Indígena.
Ainda foram refletidas questões sobre os custos dos cursos e que
conotação política dariam ao trabalho da Comissão 3º Grau no sentido de
ampliar o contato com pessoas estratégicas como Marcos Terena (FUNAI),
Raquel Teixeira (GO), Senador Antero (Brasília), Dr. Celso (MS), Deputado
Antonio Joaquim (MT), Márcio Lacerda (FUNAI), Frederico Muller (FEMA).
Nos dias 21 e 22 de outubro de 1999, a Comissão reuniu-se no Centro
de Formação e Atualização de Professores (CEFAPRO) em Cuiabá-MT com os
convidados Edir Pina de Barros (UFMT), Maria Margarete Noronha (monitora
Tucum) e Rosangela Aparecida Barbosa (estudante Paresi). Foi informado que
a Doutora Aracy Lopes e demais autoridades participariam de reunião marcada
para 23 e 24/11; sobre os contatos mantidos com as universidades UnB, USP,
Museu Nacional e UFSC; sobre a reunião da UNESCO em Brasília com a UnB,
52
FUNAI, MEC, UNESCO, UNICEF (apoio político e financeiro) e Deputados
Federais e Senadores, prevista para dezembro ou fevereiro de 2000.
Foi deliberada a avaliação do projeto para os pesquisadores entrarem
nas aldeias com autorização da FUNAI; aproveitamento do quadro de
professores do Tucum; apresentação da projeção para dez anos dos cursos;
aprovação do novo orçamento; apresentação do parecer pela professora Edir
Pina.
Estava presente na reunião a Professora Catarina Sena da SEDUC que
ressaltou a importância do projeto. Houve também uma reunião com o Reitor
da UFMT Fernando Nogueira de Lima que assumiu compromisso em executar
os cursos de licenciatura e reestruturar a educação escolar indígena.
Nos dias 09 e 10 de dezembro de 1999, no CEFAPRO em Cuiabá,
reuniram-se a Comissão e os convidados Geraldo Grossi Junior, Maria
Margarete Noronha (Figura 8) e discutiram a seguinte pauta: avaliação e
aprovação do orçamento geral; avaliação das alterações propostas pelos
consultores João Pacheco de Oliveira e Luis Donizete Grupione; avaliação das
proposições da consultora Edir Pina e outros informes.
Figura 8: Reunião da Comissão do Terceiro Grau Indígena.
Foto: Acervo Joana Saira-PROESI.
A Professora Francisca Novantino informou sobre as mudanças no
campo da Educação Escolar Indígena com a nova Resolução Federal nº
53
03/CNE/99, onde institui a estadualização das escolas indígenas, citou que
estas mudanças nos proporcionam construir uma nova legislação, assegurando
recurso financeiro específico e diferenciado. A resolução do MEC estipula 3
anos para que os municípios optem, não esquecendo que para
a escola
indígena mudar de sistema ou seja vincular ao município ou estado precisa da
carta de anuência da comunidade.
A SEDUC ficou de elaborar proposta por pólos, inclusive no Xingu. O
planejamento de vagas de cada região seria analisado na etapa intensiva do
Projeto Tucum. Quem não era cursista do Tucum deveria apresentar
documento pessoal de escolaridade do 2º Grau e avaliação da comunidade
que encaminharia para SEDUC. Foi sugerido que a coordenação realizasse
uma entrevista e uma prova escrita.
Para dar continuidade a implantação do 3º Grau foi constituída uma
Coordenação Interinstitucional com um representante de cada uma dessas
instituições: UNEMAT, UFMT, FUNAI, SEDUC e Representação Indígena. Foi
indicado o nome de Francisca Novantino e Darlene Taukane como possíveis
membros da coordenação a serem ratificada pelo CEI. Outros nomes seriam
indicados pelas instituições por ofício da SEDUC. O texto sobre a organização
dos cursos e as ementas foi votado e aprovado.
A reunião de 22 de fevereiro de 2000 foi realizada na sala de reuniões
da UNEMAT em Cuiabá com as seguintes pessoas: Geraldo Grossi Júnior
(SEDUC), Luiz Otavio Pinheiro da Cunha (FUNAI), Elias Januário (UNEMAT),
Francisca Novantino de Ângelo (Representante Indígena). Esteve ausente o
representante da UFMT. A pauta discutida tinha os seguintes pontos:
1. Edição do texto do projeto para suprimir a minuta de convênio dos
anexos e incluir cópia do Decreto de criação do Projeto, fazer correção do
nome e editoração do texto, elaborar folheto sobre o Projeto, fazer 50 cópias e
enviar aos órgãos governamentais e universidades e garantir nas publicações o
nome dos parceiros e da coordenação.
2. Entrega oficial do Projeto ao governador Dante de Oliveira entre
27 e 31 de março, convidar UNESCO, Universidades, lideranças indígenas e
54
demais convidados e marcar reunião com Coordenação e CEI pra mesma
semana.
3. Organização da Coordenação Executiva com definição do espaço
para as reuniões, escolha da secretária Professora Maria Luzenira Braz,
escolha do Coordenador Professor Elias Januário, dedicação de 20 horas para
o projeto pelos representantes das universidades e a apresentação do Projeto
deveria ser comunicada anteriormente para a coordenação.
4. Calendário
de
Reuniões
mensais
com
possibilidades
de
extraordinárias.
5. Divulgação do Projeto: página na internet com resumo do Projeto,
a CEI e os representantes indígenas informariam as comunidades e no âmbito
da academia a divulgação seria feita pela coordenação.
6. Propostas de convênios: decisão pelo aguardo da manifestação
do Governo do Estado e negociação de contrapartida das instituições.
7. Tramitação do Projeto nas instâncias internas das universidades.
8. Informes:
as
atas
deveriam
ser
encaminhadas
para
a
coordenação, na próxima pauta deveria constar a discussão sobre o perfil do
docente e do cursista, representantes das universidades deveriam fazer um
cadastro dos docentes.
A reunião da Coordenação Executiva do Projeto de Cursos de
Licenciatura Específicas para a Formação de Professores Indígenas realizada
no dia 27 de março de 2000 teve como pauta os seguintes itens:
1. Informes e alterações na pauta: marcada reunião com o
governador para 28/03/2000, às 16 horas.
2. Acordada o registro dos ausentes na reunião anterior.
3. Reflexão sobre o cumprimento dos encaminhamentos da reunião
anterior: somente a divulgação na internet não fora possível.
4. O Professor Darci Secchi foi indicado para apresentar o Projeto ao
Governador (Figura 9).
5. Confecção do Termo de Cooperação entre as instituições
executoras para garantir a participação efetiva de todos os envolvidos, marcar
reunião com o novo Secretário de Educação, visitar as instâncias internas da
55
UNEMAT para saber qual efetivo interesse da instituição pelo curso e
apresentar Projeto ao Comitê do MEC.
6. Perfil do docente e critérios para o edital foram transferidos para a
próxima reunião.
7. Elaboração de um Projeto para Gestão Documental e dos Cursos
de Licenciatura.
8. Sugestão de avaliação em cada reunião dos itens não concluídos
nas reuniões anteriores, registro dos ausentes, orçamentos dos custos dos
cursos para colocar na internet. Foi informado que a UFMT não se interou do
conteúdo das reuniões depois da ausência e seria contatada. Encaminhamento
de cópias para universidades e instituições envolvidas com a questão indígena.
Figura 9: Entrega do Projeto do 3º Grau Indigena ao Governador
Dante de Oliveira. Foto: Acervo Joana Saira-PROESI.
Na reunião realizada em 02/05/2000, foram feitos os seguintes
encaminhamentos: confirmada reunião com Secretário de Educação e
apontamento dos itens a serem discutidos, leitura do ofício da Prefeitura de
Barra do Bugres oferecendo apoio ao projeto.
Um dos pontos discutidos foi a aprovação do CONEPE ao projeto,
conforme resumo do documento:
56
DECISUM Nº 090/2000- CONEPE - do Conselho de Ensino, Pesquisa
e Extensão. Ementa: Projeto de Cursos de Licenciatura específicos
para a formação de professores indígenas, em reunião nos dias 25 e
26 de abril de 2000- análise e deliberação do Projeto orçado em R$
2.962.811,22 para 200 estudantes indígenas de todo país. Determina
o histórico das comissões e estabelece que sejam feitas avaliações
por se tratar de uma modalidade da qual a Universidade não tem
experiência e que pode causar transtornos futuros.
Observa-se que o CONEPE aprovou mediante condições de todos os
custos e obrigações estarem definidos e assinados em convênios e serem
amplamente discutidos em reuniões nas mais variadas instituições que tenham
interesse na temática.
Foi sugerido o campus de Cáceres por oferecer mais estrutura e
condições
adequadas
tanto
pedagógicas
quanto
administrativas
e
encaminhamento de ofício para UFMT sobre a ausência nas reuniões.
Sobre as possibilidades de captação de recursos discutiu-se verificar a
dotação orçamentária do Estado, contatos com o MEC, com as Embaixadas
em Brasília e Universidades estrangeiras.
No item divulgação do Projeto foi deliberado que deveria ser enviada
cópia para Senhora Iara Prado sobre o interesse no espaço da Comissão para
apresentar o projeto. A divulgação pela internet seria disponibilizada bem como
o envio de cópia para os conselheiros do Comitê do MEC e pessoas ligadas à
questão indígena.
Na reunião com o Secretário de Educação foram encaminhadas as
reivindicações e também houve a promessa de conversa com o governador
sobre os recursos. A Coordenação Executiva esteve em reunião com a
Professora Fátima Roberto, Representante da UFMT para discutir questões
sobre a participação desta instituição no projeto conforme trecho integral da
ata:
A referida professora afirmou que não dispõe de tempo para
participar das atividades da Coordenação executiva, podendo estar
presente apenas em ações pontuais. O representante da SEDUC
ressaltou a importância de que o representante das universidades
tenham no mínimo 20 horas de dedicação ao projeto conforme
discussões anteriores. Fátima Roberto teceu algumas críticas em
relação ao projeto na sua parte pedagógica, afirmando que a parte
curricular tem um caráter estruturalista e dificilmente expressa os
interesses indígenas. Também fez referência na forma como vem
sendo conduzida a sua implementação com total “paternidade” por
parte da UNEMAT. Afirmou ainda que acha impossível uma gestão
57
colegiada entre as duas instituições como propõe o projeto. As
considerações da referida professora foram respondidas pelos
presentes que informaram que a UFMT, na pessoa do professor
Aquiles Lazzarotto participou de todo o processo de construção do
projeto, conforme registrado em atas. Também foi lembrado que além
do representante oficial da UFMT, o presidente da Comissão Paritária
era professor desta instituição. Também foi lembrado que após a
criação da Coordenação Executiva, esta é a quarta reunião e em
nenhum encontro de trabalho a UFMT esteve presente, ficando desse
modo à margem das decisões que precisavam ser tomadas para o
andamento do projeto. Os presentes lembraram que sempre tiveram
como expectativa a participação da UFMT e consideram fundamental
essa parceria na execução deste projeto. Como encaminhamento
desta conversa foi deliberado que a coordenação continuará as suas
atividades, a UFMT estará reunindo para avaliar o interesse concreto
e a possibilidade de uma proposta de participação no projeto,
inclusive com pessoas que tenham disponibilidade de tempo para
dedicar ao projeto. Profª Fátima Roberto fez referência a proposta da
UNESCO como sendo uma possibilidade de projeto que pode ser
encampado pela UFMT.
A reunião do dia 29/05/2000 foi realizada no campus de Cáceres, com a
presença da Coordenação Executiva, dos Diretores de Instituto, Chefes de
Departamentos, Coordenadores de Campus, Pró-Reitoria de Ensino e
Extensão, além da Reitoria.
Foram discutidos os seguintes pontos:
1. A Coordenadoria de Ensino Superior da SEDUC agilizaria convênio
entre UNEMAT e SEDUC para repasse dos recursos do ano de 2000,
conforme orçamento do projeto.
2. Discussão interna nas instâncias da UNEMAT sobre a participação de
representantes de projetos especiais nos Conselhos Internos, sobre a
possibilidade de montar uma equipe de apoio ao projeto em suas etapas
intensivas e sobre qual campus oferece as melhores condições para sediar o
projeto com estrutura física para a realização das etapas.
3. Importância do acompanhamento de professores da UNEMAT nas
etapas finais do Projeto Tucum.
4. Garantia de autonomia da Coordenação Executiva nas deliberações
pedagógicas e administrativas do Projeto 3º Grau Indígena.
Ainda foram encaminhas pela Coordenação Executiva os seguintes itens:
• Discussão da situação da UFMT e espera por uma posição de sua
participação efetiva;
58
• Verificar possibilidade da Etapa de Preparação antes da etapa
Intensiva e que seja transformada em créditos para uma Especialização em
Educação Escolar Indígena para qualificação dos docentes;
• Oficializar a Coordenação executiva através de Portaria da
SEDUC;
• Buscar parcerias com a UnB e UFRS para apoiar o projeto;
• Discutir os critérios de seleção e distribuição de vagas no projeto
na próxima reunião.
A reunião de 24/07/2000 foi realizada em Cuiabá e esteve ausente o
representante da FUNAI, Luiz Otávio e a representante da UFMT, Fátima
Roberto que justificou que por conta da greve só iria participar da reunião
depois de conversar com o reitor sobre a posição da UFMT.
Os pontos discutidos foram:
1. Modelo de ficha de cadastro para levantamento do número de
candidatos ao curso, do grupo indígena a que pertence e da região para ser
enviada às Secretarias Municipais de Educação, Regionais da FUNAI,
Associações Indígenas e pólos Tucum (apresentação - Elias);
2. A coordenação do projeto deveria percorrer as comunidades
indígenas para explicar o projeto aos professores e lideranças indígenas como
no Tucum (sugestão - Francisca);
3. Orçamento da SEDUC com valores de 2001(confirmação-Júnior);
4. Discussão sobre a carta do Prefeito de Barra do Garças
demonstrando interesse em sediar o projeto e sobre o convite para
coordenação visitar a cidade;
5. Solicitação para o Secretário de Educação do Estado agendar
reuniões com o MEC(buscar apoio), FUNAI(custar as despesas de seleção dos
cursistas) e Secretaria de Planejamento(captar recursos do BID Pantanal;
6. Acordo de que a Coordenação deverá percorrer os pólos do
Tucum, do Projeto do Xingu14 e a Aldeia São Marcos15 para conversar com os
cursistas.
14 O Projeto Xingu é um programa de extensão do Departamento de Medicina Preventiva da
Universidade Federal de São Paulo Teve início em 1965 quando, a convite de Orlando Villas
59
7. Sugestão dos nomes dos consultores: João Pacheco de Oliveira,
Bruna Franchetto e Jaqueline Rodrigues Mendes.
8. Buscar subsídios para montar o edital do Projeto Indígena e mapa
com a distribuição dos cursistas e vagas por região.
9. Balanço da reunião da SEDUC com a UNESCO/GTME16 sobre
abertura de vagas nas universidades particulares onde foi acordado que nesse
momento histórico julgamos necessário a implementação de projetos
específicos e diferenciados para professores indígenas desenvolvida pelo
Estado de Mato Grosso.
A reunião de 31/08/2000 foi realizada no campus de Barra do Bugres,
por ocasião do I Seminário sobre o 3º Grau Indígena. Foram passados alguns
informes como o Convênio 121/2000 assinado em 30/06 em que a SEDUC
assume o Projeto e a UNEMAT como executora, além de buscar recursos com
o MEC e outras entidades. O que não havia sido definido era o local.
Destacamos alguns trechos da Ata com a conversa entre os professores
participantes. Aqui foram transformados em diálogos com a intenção de
mostrar a pluralidade de vozes.
Lucas: – É a primeira vez que vem aqui ao Campus, gostei da paisagem, em relação
as etnias aqui fica mais distante dos Xavantes e próximos dos daqui e as últimas informações
que passou para os cursistas é que seria em Cáceres mas acredito que eles irão topar as
últimas decisões. O espaço é interessante, tem espaço suficiente e vamos ter que acostumar
com o ambiente.
Elias:
– Aqui é mais próximo que Cáceres.
Bôas, Diretor do Parque Indígena do Xingu (PIX), um grupo de médicos da Escola Paulista de
Medicina, atual Universidade Federal de São Paulo foi avaliar as condições de saúde dos
povos indígenas lá presentes. Esta visita marcou o início de um programa de saúde que se
estende até os dias atuais e da colaboração de uma escola médica na assistência à saúde
indígena. Ao longo de 40 anos de trabalho, o Projeto passou por diversas etapas, sempre
ampliando suas atividades, buscando responder às novas e crescentes demandas sanitárias
conseqüentes à experiência de contato dos povos xinguanos com a sociedade nacional. São
princípios norteadores do trabalho a interculturalidade, integralidade e intersetorialidade,
expressos nos programas de capacitação de recursos humanos, incluindo indígenas, e na
organização diferenciada dos serviços locais de saúde, articulados ao Sistema Único de Saúde
(SUS).
15 Terra Indígena São Marcos, etnia Xavante, Barra do Garças - MT.
16 Grupo de Trabalho Missionário Evangélico - organização não-governamental de caráter
indigenista e ecumênico, criada em 1979, tendo atuação centrada na articulação, qualificação e
fortalecimento das ações evangélico-protestantes junto a povos indígenas no Brasil.
60
Paulinho: – Já fiquei trinta dias na Escola Agrícola e o pessoal sente muito à vontade,
lá é tranqüilo. O pessoal tem colocado que gostaria de ir para Cáceres para conhecer lugares
diferentes. Na Escola Agrícola não tem orelhão para o pessoal comunicar com suas
famílias. O indígena não está acostumado ficar oito(8) horas na sala com roupa, calçado,
é preciso ter um espaço para trabalhar em grupo fora. Aqui ou em Cáceres para nós é de
menos, não faz diferença, mas como tem que equipar é importante definir, gostei muito daqui.
Cáceres eu não conheço, não posso dizer nada.
Alice: – Barra do Bugres é uma cidade que tem acolhido bem os povos indígenas, não
temos visto questão de discriminação e o 3º Grau Indígena será bem visto aqui, como o Lucas
colocou, o lazer é importante.
Elias: – O que é lazer para vocês?
Todos: – Pescar, jogar, passeio na mata, aulas em grupo no chapéu de palha.
Filadelfo: – É um prazer receber todos aqui. Os povos indígenas não têm sofrido
nenhuma discriminação dos povos aqui da região e vem de vários lugares. Sempre sedio as
pessoas vindas de fora, jogos regionais, a questão de drogas e outras coisas tem em todo
lugar, mas aqui os acadêmicos são envolvidos na conscientização. Os cursistas do Tucum já
estiveram na Escola Agrícola que já sofreu modificações para melhor com a estrutura que tem
hoje. No lazer, há as aldeias disponíveis para visitas, o chapéu de palha que o Júlio colocou é
importante ter, os times de futebol, boa oportunidade para fazermos uma boa equipe, será de
grande valia para Barra do Bugres e os povos indígenas da região. Os colegas devem dizer o
que eles acham que precisam de melhoria para eles. Não conheço a estrutura de Tangará da
Serra e de Cáceres, mas pela distância não dá. Estou de acordo que Barra do Bugres seja a
sede.
Robertinho: – Já fiz uma etapa aqui e visitei a Escola Agrícola de Tangará da Serra, é
pequena e não oferece o conforto que tem aqui. Aqui está bom, não conheço Cáceres.
Félix: – Luiz Otávio por que mudou pra cá, se já havia dito que era Cáceres?
Elias: – Não foi dito que seria em Cáceres, lá fica a sede da UNEMAT, mas não
decidiu nem Cáceres e nem Barra, por isso está havendo as conversações, mas pelo apoio
político e também é necessário para a execução do projeto que entrou Barra na discussão.
Júnior: – O que temos que ver os fatores que são favoráveis em um e outro pólo.
Cáceres tem pontos positivos, Tangará tem, etc., o que temos é observar o que cada um tem a
oferecer, Cáceres é uma cidade fronteira.
Félix: – Quais as coisas positivas que tem Barra do Garças? Silvia está disposta a
conversar conosco e o prefeito está disposto a nos atender. Mas lá não tem campus da
UNEMAT.
Elias: – Barra do Garças é descartável porque não tem campus da UNEMAT, fica
Tangará, Cáceres e Barra do Bugres.
Luiz Otávio: – Cáceres me deixou preocupado, aqui em Barra do Bugres as condições
são ótimas, tem opções diferentes de tamanho de sala, laboratório, espaço, a disponibilidade
do Júlio que nos atendeu com muita disposição. Lá em Cáceres o corpo docente é maior, mais
a hospedagem é preocupante, aqui o espaço de lazer na Escola Agrícola é muito interessante,
fica a questão da distância. Uma boa relação do coordenador, do prefeito e Escola Agrícola. É
positivo ter parceiros. Se temos uma prefeitura é interessante. O mais positivo é a disposição
do pessoal.
Orozina(docente Tucum): – A questão do espaço é muito importante para eles. É
positiva a disponibilidade, o espaço, as relações políticas que o campus tem. Quando tem a
61
parceria e a pré-disposição do coordenador é interessante. É positivo também o espaço de
ficar diferente do de estudar.
Filadelfo: – A alimentação na Escola Agrícola é muito boa.
Aldecir: – É a primeira vez que venho aqui, estou gostando muito e gostei muito do
espaço da Escola Agrícola, acho que é interessante ficar lá. Estou me tornando professora
agora.
Félix: – Como funciona a questão da prova em dois dias, se você passa tudo bem, e
se não fica fora?
Júnior: – É o exame supletivo de massa.
Rone: – Estou mais como observador, represento os estudantes indígenas de
Tangará, estou muito feliz com o Júlio por estar me dando muito incentivo. Pontos positivos,
relações harmônicas, as cabanas, o apoio político, a localidade, o acesso, a questão
emocional, quanto mais o aluno se sente em casa, mais é importante para a aprendizagem e
enquanto representante dos estudantes Halitinãs e Parecis estamos de pleno acordo com a
sede do projeto seja Barra do Bugres.
Chiquinha: – Formação de nível superior e vocês professores vão trabalhar com os
alunos de vocês nas aldeias, isto é um marco importante em nosso Estado e é uma questão de
política mesmo, não porque alguém é bonzinho e quer oferecer, é muito importante que vocês
vão participar do curso e vão para as aldeias trabalharem. Isso faz parte do programa de
formação. Vai ter a Conferência Nacional para Educadores Indígenas e vocês vão estar lá
defendendo os interesses indígenas. O lançamento e as decisões daqui irão gerar
conseqüências importantes. Vi na Folha do Estado que Cáceres é o corredor do tráfico e me
preocupo muito com a questão da segurança dos povos indígenas em Cáceres. Nós queremos
parceiros de verdade, não como tivemos no Projeto Tucum.
Félix: – Gostei da fala da Chiquinha e gostaria que explicasse como funciona uma
universidade, para que eu explique para meu povo.
Elias: – O Júlio vai tentar esclarecer um pouco sobre este momento de discussão.
Júlio: – No campus desde 1984, já tivemos a conclusão das turmas das parceladas,
começamos com três salas de aula e uma biblioteca, estamos aí sempre com o apoio político
da região. A vontade de sediar o projeto veio de ter visto as apresentações do projeto, fizemos
uma conversação interna e achamos que poderíamos entrar nessa luta, a prefeitura se colocou
a disposição de parceria com a UNEMAT para o alojamento e estamos com toda boa vontade
para apoiar o projeto.
Chiquinha: – Vai ter professores indígenas de outros estados e é importante que seja
explicado como funciona uma universidade.
Júlio: – No fórum de hoje à noite estas questões serão tocadas.
Elias: – A comissão vai ter que dar esta explicação.
Lucas: – Uma preocupação que não acontece como no Projeto tucum as atividades
pararem por falta de recursos, sendo terceiro grau não deve parar porque denigrem a imagem
até da cidade que está sediando.
Félix: – A própria população fica desacreditada.
Júlio: – A grande diferença que tem nesse projeto é que todos os projetos até agora
era baseado em financiamento externo e às vezes ficávamos a mercê de contrapartida do
Governo Federal, Secretaria de Planejamento e fazíamos projetos buscando recursos em
outros estados. Neste projeto o Estado de Mato Grosso assumiu o projeto em parceria com a
UNEMAT.
62
Chiquinha: – O que muda todo esse quadro é a lei, porque até então não tinha nada
na lei que amparava a educação escolar indígena, agora tem lei federal que delega obrigações
sobre a educação escolar indígena. Então se o governo prevendo sobre recursos, ele vai ter
que arrumar porque o Estado tem que assumir a educação escolar indígena. Diretrizes
nacionais para a educação escolar indígena.
Filadelfo: – Na reunião técnica do MEC eles tiveram oportunidades de acrescentar
itens nas diretrizes nacionais.
Elias: – Quando conseguimos assinar esse convênio entre UNEMAT e SEDUC, no
primeiro item fica claro as responsabilidades do Estado neste convênio.
Félix: – Se a missão salesiana fizer outro projeto como nós ficamos? Com eles? Ou
com vocês? Fiquei angustiado na ultima reunião porque não sei de que lado ficar.
Chiquinha: – Em relação às missões que assumiu as nossas escolas lá no MEC
surgiu essa pergunta. E o pessoal disse que a comunidade tem que definir se fica com o
Estado ou se fica com a missão. E vocês professores sofrem porque de um lado fica os alunos
do outro lado fica a missão salesiana. Em Merure tem acontecido coisas terríveis com as
pressões psicológicas que as missões tem feito. O Estado tem que intervir e a gente vai partir
para a justiça.
Paulinho: – Nós como professores vamos assumir todo trabalho pedagógico e assumir
a nossa educação diferenciada, se não ela nunca vai existir. Caminhamos até agora guiados
pelos outros então está na hora de sermos autônomos e termos educação indígena
diferenciada. Existe produção de material didático importantíssimo pelos professores indígenas
que não encontram recursos para serem produzidos, mais existe produção de Bíblias e mais
Bíblias que são produzidas e não sevem para a tão falada escola diferenciada. Não queremos
homens para nos atrapalhar, queremos ter a possibilidade de caminhar com as próprias
pernas.
Félix: – Vão até a aldeia para conversar com a comunidade para tentar conscientizar e
livrar da forma de educação que os padres trouxeram da Europa e enfiaram na aldeia. Eu
tenho muita dificuldade de passar essas coisas nas aldeias inclusive junto com os professores.
Chiquinha: – O Estado vai ter que tomar uma posição séria em relação a isso através
da lei.
Elias: – Uma das coisas a se discutir aqui é o nome do projeto e Félix aproveite o
seminário para colocar os seus questionamentos e esclarecer um pouco mais. As sugestões
para o nome do projeto: Projeto Universidade Indígena, Projeto Universidade Nativos da Terra,
Projeto Universidade Nativa, Projeto Universidade Licenciatura Indígena. Vão pensando no
nome e está encerrada a reunião.
Na reunião de 01º de setembro de 2000, em Barra do Bugres, os
membros da Coordenação reuniram-se juntamente com a convidada Srª
Orozina, coordenadora do Projeto Tucum que fez alguns informes sobre a
conclusão do Projeto Tucum e levantamento dos dados sobre interesse das
comunidades indígenas. Quando à participação de Rone, representante dos
estudantes no Fórum, houve discordância por parte da Francisca, mas quem
decidiria era a organização do fórum.
63
A apresentação do Projeto para o MEC pelo Professor Elias ficou
decidida para o dia 14 de setembro, e foi lembrado que o projeto tinha alcance
nacional e não só em Mato Grosso.
A Coordenação aprovou indicativo do campus de Barra do Bugres para
sediar o 3º Grau Indígena. Discutiu-se sobre o perfil dos consultores. As
pessoas indicadas deveriam ter atuado em escolas indígenas, ter trabalhado
com formação de professores, ter pesquisa na área indígena, atuar como
docente, ter disponibilidade para o projeto e ainda participar das diferentes
etapas. Houve a sugestão do MEC indicar nomes.
A especialização foi discutida e a UNEMAT estava preparando o préprojeto com a possibilidade dos créditos serem considerados.
Chiquinha mencionou a importância de se criar um colegiado de cursos entre
os acadêmicos para ajudar nas questões pedagógicas e administrativas, além
de contratar um profissional para tratar especificamente da questão
administrativa.
As reuniões dos dias 25, 26 e 29 setembro de 2000 foi realizada em
Cuiabá, onde discutiram a seguinte pauta:
• Minuta do documento: “A Construção Coletiva de uma Política de
Educação Escolar Indígena para Mato Grosso (SEDUC-CEI/MT)”.
• Avaliação da visita do MEC: foi satisfatória, vai servir de referência
nacional e há possibilidades de apoio para financiamento das consultorias para
avaliação dos currículos dos cursos.
• Discussão da Política Estadual para Educação Indígena com a
presença do Professor Darci Secchi e Professora Orozina da equipe de
Educação Indígena da SEDUC.
• Discussão dos pontos: lista de equipamentos a serem comprados;
Curso de Especialização para formar pessoas que darão sustentação no
desenvolvimento da política do Estado para a Educação Indígena; Inclusão da
FUNAI na distribuição de vagas; Termo de Cooperação com a FUNAI para
deslocamento dos cursistas; perfil e indicação dos nomes dos consultores. Foi
indicado o nome da Doutora Bruna Franchetto para Consultora-docente da
área de Línguas, Arte e Literatura.
64
No I Congresso dos Professores Indígenas do Médio Norte do Estado de
Mato Grosso realizado em Sapezal em 14 de outubro de 2000, os professores
indígenas manifestaram seu apoio ao Projeto, conforme texto abaixo transcrito:
Nós, professores indígenas da região do Médio Norte, reunidos no I
Congresso dos Professores Indígenas do Médio Norte do Estado de
Mato Grosso, conhecedores do trabalho desenvolvido pela
Coordenação Executiva do Projeto de Cursos de Licenciatura
Específico para a Formação de Professores Indígenas, apoiamos as
decisões tomadas por esta Coordenação no que se refere a
implementação do projeto no Campus Universitário do Vale do Rio
Bugres, uma vez que a referida Coordenação tem representação
indígena e ao longo de todo o processo tem discutido com os
membros do Conselho Indígena e com os professores os
encaminhamentos do Projeto.
No dia 08 de novembro a reunião foi realizada na sede da CAIEMT, com
o Coordenador Sr. Izanoel Sodré com o balanço do Projeto e busca de apoio
para as ações.
Foi sugerido à Coordenação Executiva do Projeto que a
escolha dos consultores deveria recair sobre pessoas que conhecem a
realidade de MT e que deveria ser feita uma aproximação dos políticos com as
aldeias, para que estes conheçam a realidade e possam defender os
interesses indígenas. Foi abordada que a questão dos recursos financeiros
deve vir do Estado e não de acordos externos para não comprometer as
etapas.
Foi
lembrado
que
o
Governador
Dante
de
Oliveira
assumira
publicamente o apoio à educação indígena em várias solenidades, que vê o
projeto como contínuo, como algo permanente que irá atender a demanda da
comunidade indígena. Foi solicitado apoio para realização da aula inaugural.
No mesmo dia reuniram-se na SEDUC onde foi discutido o modelo do
Termo de Referência para contratação dos professores. Decidiram o nome de
“Projeto de Formação de Professores Indígenas” para ser usado nos veículos e
nos documentos relacionados ao projeto.
A reunião do dia 09 de novembro ocorreu em Barra do Bugres, com a
presença de Otavio Pinheiro, Francisca Novantino, Lucas Ruri’õ, Elias Januário
e a consultora Bruna Franchetto para discutir a área de Línguas, Artes e
Literatura. Foi feito um resumo do projeto e a Professora Bruna enfatizou a
necessidade de que exista um espaço para a visão científica da língua, para a
65
estrutura (morfologia e sintaxe) e uma fase piloto com avaliações regulares. Foi
feito o convite para a consultoria, mas a professora estaria na França e não
aceitou, disse ser viável ministrar uma disciplina e sugeriu o nome do Dr.
Marcos Maia para consultoria.
Professor Elias destacou que o curso deve estar voltado para a
produção de materiais didáticos para atender as séries de 5ª a 8ª do Ensino
Fundamental.
Na reunião do dia 10 de novembro foi abordada a questão do técnico
(monitor). Lucas falou das dificuldades enfrentadas no Tucum, que os cursistas
devem reunir e estudar em grupo sem a presença do monitor, e que as
atividades da etapa intermediária devam estar relacionadas com a etapa
intensiva, por isso a importância do planejamento ser integral advertiu a
Professora Bruna.
Foi discutida a uniformidade da clientela, com maior ou menor
desempenho dos cursistas e buscar uma forma de sanar. Discutiu-se também
o Termo de Referência com modificações sugeridas pela professora (a
confecção e alteração se deu no dia 11 de novembro por Luiz Otávio e Elias
Januário), além da leitura e discussão do Termo de Compromisso entre FUNAI
e UNEMAT.
Nos dias 19 e 20 de janeiro de 2001, reuniram-se em Cuiabá e
discutiram a seguinte pauta:
1. Pesquisadores no Projeto deveriam apresentar por escrito para
apreciação da Coordenação Executiva, do Colegiado de Curso dos Docentes e
dos Cursistas Indígenas para deferimento ou indeferimento.
2. Foi referendado o nome da Professora Maria de Lourdes Bandeira
para Consultoria da área de Ciências Sociais e indicados outros nomes como o
de Susana Grillo, Márcia Spyer Resende e José Ribamar Bessa.
3. Foi relatada a reunião entre o Secretário de Educação e o Reitor
da UNEMAT. O Projeto passou a ser chamado de 3º Grau Indígena para
esclarecer os equívocos do termo Universidade Indígena. A SEDUC fez
referência das dificuldades financeiras que poderia inviabilizar o seu inicio em
julho e também a provável participação da UFMT.
66
4. O manual do candidato foi discutido e corrigido e encaminhado
para o Secretário de Educação. Na FUNAI será apresentado no dia 22 de
janeiro.
5. Foi feita correção no Termo de Referência para Docente e o de
Técnicos para leitura e apresentação de sugestões.
6. Foram definidos os termos para a equipe pedagógica do projeto:
Consultor, Docente e Técnico.
7. Foi lido o e-mail de Heitor Munhoz sobre o interesse em fazer
consultoria que no primeiro momento seria inviável devido à falta de recursos.
Elias ressaltou a importância do trabalho em equipe, da confiança, da
transparência e da solidariedade como elementos essenciais para a
consolidação de um grupo coeso e do sucesso do projeto.
A reunião do dia 08 de março de 2001 foi realizada em Cuiabá em que
participaram os seguintes representantes: Neide Martins (FUNAI), Francisca
Novantino (indígena), Geraldo Grossi Júnior (SEDUC), Elias Januário
(UNEMAT), Izanoel dos Santos Sodré (CAIEMT), Letícia Cappi (COVEST) e
Antônio Malheiros (PREEx) e discutiram os seguintes pontos:
• Procedimento para a realização da seleção do 3º Grau Indígenaadequação para seleção especial, os diferentes pólos deveriam seguir as
mesmas normativas do Manual do Coordenador.
• A data da seleção ficou marcada para o dia 30 de março com inicio às
13 horas com tolerância de 15 minutos. A equipe será composta por um
profissional da UNEMAT e outro da FUNAI ou setores ligados à Educação
Indígena.
• As provas serão aplicadas nos seguintes locais: Xingu, São Félix, Água
Boa, Campinápolis, São Marcos, Sangradouro, Meruri, Pakuera, Rondonópolis
e Barra do Bugres. Discutiram o trajeto para os locais e os veículos que foram
disponibilizados.
As reuniões dos dias 25 e 26 de abril de 2001 foram realizadas em
Cuiabá com os membros da Coordenação Executiva do 3º Grau Indígena para
discutirem a seguinte pauta:
67
Avaliação da prova do vestibular (Figura 10): foi considerada pela
FUNAI, CAIEMT E SEDUC como positiva, bem elaborada e dentro das
competências dos candidatos. Houve a indicação que na próxima seja exigida
a habilidade de pesquisador e não apenas questões conceituais.
Figura 10: Vestibular indígena para 1ª Turma em 30/03/2001.
Foto: Acervo Joana Saira-PROESI
• Discutiu-se a etapa preparatória marcada para 22 a 25 de maio no
campus de Barra do Bugres com característica de discussão e reflexão. Foram
marcadas palestras e discussões sobre a legislação na educação com
consultores, docentes e técnicos.
• Equipe de apoio para auxiliar a Coordenação e os nomes
indicados foram: Elza das Dores, Ana Maria Araújo, Margareth e Pedro Paulo.
• Indicação dos nomes da Área de Ciências Sociais: Susana Grillo,
Luiz Donizete, Maynara Maria e Dulce Pompeo.
• Possibilidade de abrir vaga para alunos especiais para oportunizar
os professores atuantes que não foram classificados.
• Proposta de incluir um seminário na etapa letiva de julho sobre
educação para a saúde com indicação do Prof. Márcio Carlos Vieira Barros.
68
• Cada representante das instituições deverão estar presentes pelo
menos uma semana na etapa de julho para auxiliar nas atividades do período.
• O horário para as aulas: 07h às 11 h e 15h às 19h. As turmas
estariam divididas por grupos lingüísticos ficando uma turma só de professores
Xavante.
• Os nomes escolhidos para o quadro de Professores após
discussão e análise dos currículos apresentados:
1. Ciências Sociais - Antônio, Luciano Pereira, Chiquinha,
Sueli Tomazi, Eliene da FUNAI, Luiz Otávio, Heloísa, Neide Siqueira, Flávio de
Luciara.
2. Ciências da Matemática e da Natureza – Adailton Alves,
João Severino, Magno Bakairi, Antônio Malheiros, Rodrigo Shimazu, Gláuce,
Edinéia, Paulo, Eli Cordeiro.
3. Línguas, Artes e Literatura – Agnaldo Bakairi, Socorro
da FUNAI, Lúcia de Água Boa, Severiá Karajá, Pedro Paulo, Ágda de Cáceres,
Lima de Pontes e Lacerda, Lucimar Ferreira, Silvana Daniel.
A
estrutura
administrativa
será
composta
por
uma
assessoria
administrativa de apoio à Coordenação; uma divisão de informação e
publicação, responsável pelos cadernos, revistas e jornais e uma divisão de
documentação responsável pela conservação e pesquisa do material produzido
ao longo do curso.
Foi sugerida uma carteira de estudante para os cursistas; oferta de duas
camisetas patrocinadas pelos empresários de Barra do Bugres; concurso para
escolha do logotipo do projeto; estabelecimento de algumas regras para os
cursistas com uso de rádio, telefone, materiais e horários e também receberão
um kit Higiene da FUNAI.
As matrículas serão feitas com apoio da FUNAI tanto pela Regional
quanto em Brasília, e ainda pela UNEMAT e CAIEMT.
O grande número de aldeias e sua localização geográfica preocuparam
o coordenador que sugeriu a realização de oficina no primeiro semestre como
forma de experiência para as ações da etapa intermediária.
69
O conteúdo representacional contido nessas Atas demonstra a
importância de todo esse planejamento para concretizar o 3º Grau Indígena.
3.1.2 Materialização do 3º Grau Indígena
Em 2001, teve início oficialmente o Projeto de Formação de Professores
Indígenas - 3º Grau Indígena, com início das aulas no mês de julho para os
primeiros classificados no vestibular. Esse grupo foi dividido em quatro turmas
de 50 alunos e a partir da etapa específica, os cursistas foram divididos em 03
turmas de acordo com a licenciatura especifica.
Os cursos obedeceram a um regime seriado especial, de formação em
serviço, sendo cada semestre letivo desenvolvido em duas etapas, totalizando
dez semestres.
Etapa presencial: realizada de forma intensiva e presencial nos meses
de janeiro/ fevereiro e julho/agosto no campus universitário da UNEMAT, em
Barra do Bugres-MT, são ministradas 210 horas-aula, distribuídas em 8 horas
diárias de estudo, além de atividades complementares no período noturno.
Etapa de Estudos Cooperados de Ensino e Pesquisa (intermediária)
acontece nos períodos em que os estudantes indígenas estão ministrando
aulas nas escolas das aldeias, entre o intervalo de uma etapa presencial e
outra, com atividades de ensino, pesquisa e leituras complementares.
Cada semestre letivo é composto por uma Etapa Presencial e uma
Etapa de Estudos Cooperados de Ensino e Pesquisa, tendo uma temática
central sobre a qual serão desenvolvidos os conteúdos curriculares das três
áreas de estudo. São as seguintes temáticas centrais da etapa básica: Gênese,
Tempo, Espaço, Sociedade, Território e Autonomia.
Mindlin (2003, p. 148) enfatiza que em uma formação de professores,
“sem interrupção de sua carreira de magistério, feita em períodos concentrados
de tempo para não prejudicar as tarefas didáticas, é uma das grandes
invenções do sistema de ensino”, pois configura uma ação afirmativa que visa
compensar uma parcela da população que teve negado acesso à escola e ao
ensino universal.
70
Depois deste processo de construção quando os convênios estavam
todos consolidados, com a realização do vestibular e a entrada dos alunos na
UNEMAT, temos várias abordagens sobre seu pioneirismo na América Latina
conforme pode se verificar em Nascimento e Vinha (2007, p.11) que enfatizam:
[...] ser a primeira experiência da educação superior indígena com a
implantação do 3º Grau Indígena – Projeto de Formação de
Professores Indígenas – oferecido pela UNEMAT em parceria com
diversos outros órgãos o que desencadeia um grande movimento em
todas as regiões com populações indígenas.
Após esta fase várias notícias do 3º Grau Indígena foram veiculadas na
imprensa escrita e digitalizada. Algumas delas estão contidas na pasta arquivo
Clipping-PROESI com reportagens importantes que permitem visualizar como o
programa foi noticiado ao longo desses anos em que a educação diferenciada
foi oficialmente implementada no contexto mato-grossense.
Figura 11: Aula inaugural do 3º Grau Indígena.
Foto: Acervo Joana Saira-PROESI
Sobre a aula inaugural (Figura 11), o Jornal “O Estado de São Paulo”
noticiou,
A primeira aula do 3º grau indígena na UNEMAT abordará um tema
particularmente interessante: a origem do universo. A teoria do big
bang será dada, mas não será a única. Ao lado da explicação de que
a vida surgiu de uma explosão cósmica, que resultou na formação de
galáxias, planetas, da Terra e do homem, os índios terão a
oportunidade de dar a sua versão. Os parecis dirão que surgiram da
71
pedra. Os pataxós saíram de um imenso buraco, que acreditam
existir até hoje em Juacema, o Monte Pascoal, no litoral sul da Bahia.
Já os umutinas poderão dizer que a civilização humana existe graças
17
a um casal de sua etnia, que gerou filhos da sua e de outras raças.
Segundo notícia do Jornal Estado de São Paulo, de 24/06/2001, cujo
título “UNEMAT investe R$ 3 milhões para criar o 3º grau indígena”, a aula
inaugural em Barra do Bugres, que por conta da agenda dos políticos ficou
marcada para uma semana depois do início das atividades, terá a presença de
Marcos Terena, uma das maiores lideranças indígenas no País.
Figura 12: Turma Especialização do 3º Grau Indigena- 2004.
Foto: Acervo Joana Saira-PROESI.
Entre maio de 2002 e maio de 2004 foi implantada a especialização Lato
Sensu em Educação Escolar Indígena (Figura 12), pela Faculdade de
Educação através do Departamento de Matemática em parceria com o Projeto
de Formação de Professores Indígenas - 3º Grau Indígena, no Campus
Universitário de Barra do Bugres - MT.
Contou com a participação de interessados de diferentes instituições de
vários lugares do Brasil em diversas áreas de formação que tinham
envolvimento com a questão indígena, além de professores indígenas já
graduados.
17 Cf site http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_noticias/ensino_superior/id250601.htm
72
Foi coordenado pela professora Ms. Lucimar Luisa Ferreira, autofinanciado e ofereceu 40 vagas com carga horária de 420 horas-aula,
distribuídas em oito módulos de 45 horas-aula cada um e uma monografia com
60 horas-aula.
No dia 22 de maio de 2004 foi realizado o seminário de apresentação
das monografias com uma comissão científica formada por professores
Mestres e Doutores do quadro da UNEMAT e convidados. Todas as
monografias encontram-se na biblioteca do Campus de Barra do Bugres – MT.
Atualmente o PROESI oferece 50 vagas específicas para professores
egressos da UNEMAT e outras instituições de ensino superior com requisito
que sejam das etnias que ocupam Terras Indígenas do estado de Mato Grosso
oficialmente reconhecidas e residentes em aldeias de MT, portadores de
Certificado de Conclusão do curso de Graduação (edital nº 001/2008-PROESIcom seleção em 05/12/2008 e inicio do curso em 12/01/2009) – convênio
assinado pela UNEMAT, SECITEC, SEDUC e Prefeitura de Barra do BugresMT.
O 3º Grau Indígena participou da 56ª Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência-SBPC, que contou com a participação dos cem
professores indígenas graduandos representando 33 etnias de todo país. De
acordo com o Informativo SPBC- julho de 2004- edição nº 2, as expressões da
cultura, identidade, vivências, a realidade e temas referentes à educação
específica foram discutidos além da apresentação da experiência pioneira na
America latina.
Bens materiais e imateriais dos índios são discutidos na 56ª
SBPC- O Secretário Municipal de Educação de Cuiabá afirma sobre a
fragilidade da legislação em proteger o patrimônio material e imaterial
dos indígenas, expostas a contrabando e diz que “a lei é branda”,
criticando a lei de patentes e a dilapidação do patrimônio indígena.
Na mesma ocasião Professor Elias Januário, Coordenador de
Educação Indígena destacou a língua como patrimônio imaterial
destacando a extinção da língua dos Umutina “o que aconteceu com
os Umutina é uma grande perda imaterial. É um patrimônio da
Humanidade que se perde também” Diário de Cuiabá, 02/08/2004,
reportagem de 20/07/2004.
Outro
evento
que
chamou
atenção
da
comunidade
indígena
internacional e em todo território nacional foi a “I Conferência Internacional
73
sobre o Ensino Superior Indígena” que ocorreu em Barra do Bugres-MT nos
dias 23 a 25 de setembro de 2004, cujo tema foi “Construindo Novos
Paradigmas na Educação” (Figura 13) e reuniu representantes da Bolívia,
Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala e México tendo como principal objetivo
reunir profissionais indígenas e não-indígenas além de representantes das
instituições envolvidas com a educação escolar indígena para relatar
experiências, além da discussão e encaminhamento de propostas para
fortalecer o ensino superior indígena tanto no país como no exterior.
Figura 13: I Conferência Internacional - Barra do Bugres, setembro de 2004.
Foto: Acervo Joana Saira-PROESI.
As discussões foram possibilitadas com as mesas-redondas e palestras
cujas temáticas foram:
•
A Formação de Professores Indígenas no Contexto Latino-Americano;
•
Políticas Públicas para a Diversidade no Brasil;
•
Políticas Públicas para Educação Superior Indígena no México;
•
A Atuação da ONU na Educação para Povos Indígenas no contexto
Latino-Americano;
•
Educação Superior na Política Indígena Brasileira;
•
Ações Afirmativas para Povos Indígenas;
•
Experiências de Ensino Superior para Povos Indígenas no Chile;
74
•
Perspectivas para a Normatização do Ensino Superior Indígena no
Brasil;
•
Experiências de Ensino Superior para Povos Indígenas na América
Latina;
•
Proposta de Formação em Nível Superior para Povos Indígenas.
Foram também constituídos onze grupos de trabalhos para analisarem e
discutirem as temáticas voltadas para educação escolar indígena, cujo foco
principal era o ensino superior indígena, suas diferentes disciplinas e contextos.
O evento foi abordado por diversas reportagens na mídia digitalizada
conforme trechos a seguir:
Barra do Bugres sediou Conferência que discutiu a qualidade na
educação indígena- onde pesquisadores, educadores e lideranças
indígenas que discutiram, relataram experiências, diagnosticaram a
importância das conquistas e traçaram novas perspectivas de
avanços. Segundo Otto Ricardo Rivera Alvarez, representante da
UNESCO da Guatemala “a língua, cultura e a afirmação da
identidade própria desses povos é a parte constituída do novo
paradigma educativo”, o que contribuiu para ressaltar a importância
da educação voltada para os povos indígenas e construída por esses
povos. O evento teve inúmeros colaboradores para sua realização
como a SECITEC, Governo de MT, UNEMAT, SEDUC, MEC, FUNAI,
Conselho de Educação Escolar Indígena, Prefeitura de Barra do
Bugres além de apoiadores como a UFMT, Assembléia
Legislativa/MT, Conselho Estadual de Educação, Organização dos
Professores Indígenas de MT e Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO). O Estadão- Cuiabá 29
a 30/09/2004- p.12-Fonte SECOM e UNEMAT
Representantes da ONU e governo mexicano discutem educação
indígena. A notícia traz a participação da ONU na conferencia, com a
representante da Universidade da Paz, Flor Cubero Venegas que
enfatizou que “para que realmente se cumpra o direito de educação
para todas as nações unidas tem fortalecido o empenho em solicitar
dos países que assegurem a educação indígena com base na
necessidade desses povos” e que a ONU tem recomendado aos
governos que construam políticas voltadas para garantir o direito
desses povos.
Sylvia Schmelkes, representante do México destacou que somente
após uma reunião na Guatemala em 2002 que o México implantou a
primeira universidade intercultural e destacou a importância dos
encontros, pois “esse é um impulso para que se vá adiante. E indica
interesse comum em ampliar o que já está sendo feito e de construir
coisas novas”. Portal UNEMAT-25/09
Em janeiro de 2005 tiveram início as aulas para a 2ª Turma dos Cursos
de Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas que
75
foram possibilitadas pelo Convênio entre SEDUC e UNEMAT com 100 vagas,
com término previsto para o segundo semestre de 2009, que foram divididos
em 2 turmas de 50 alunos, a partir da VII etapa, os cursistas foram divididos em
3 turmas de acordo com a licenciatura escolhida.
Em 06 de junho de 2006, a 1ª Turma concluiu as atividades do curso
(Figura 14), sendo realizada no Hotel Fazenda Mato Grosso em Cuiabá a
Colação de Grau e a entrega dos diplomas de licenciados a 186 acadêmicos
indígenas de 44 etnias dentre os quais dezenove eram de outros estados
brasileiros.
Figura 14 - Formatura da 1ª Turma em 06/06/2006 no Hotel Fazenda Mato
Grosso em Cuiabá-MT. Fotos: Acervo Joana Saira-PROESI.
Na cerimônia o reitor Taisir Karim disse que “era motivo de orgulho para
a UNEMAT desenvolver e realizar a formatura dos primeiros professores
indígenas de um curso específico e diferenciado". Durante a cerimônia, os
índios Bororo, Xavante e Bakairi dançaram para os presentes e que foi muito
noticiada e destacamos:
Reitor da UNEMAT confere grau aos primeiros professores índios da América
Latina, noticia a formatura da primeira turma em que 186 índios receberam o diploma de nível
superior e destaca a fala de Mércio Pereira Gomes, presidente da FUNAI que analisa o evento
como um marco para a política indigenista no país “com esse evento estamos marcando uma
reconciliação da sociedade brasileira pela educação”. O reitor Taisir Karim utilizou um capelo
indígena que foi comentado pelo deputado federal Carlos Abicalil como uma demonstração de
respeito para com a cultura ancestral dos indígenas. Várias autoridades estiveram no evento
que foi marcado por homenagens, danças e rituais de diferentes etnias. Jornal Cacerense,
Cáceres, 10/06/2006.
76
Segundo Carvalho (2007), os índios pediam passagem e conquistavam
seus desafios ao concluir a tão sonhada licenciatura,
Mais um desafio, nova etapa de superação de obstáculos, novas
conquistas. Em 6 de junho de 2006, com certo ufanismo, era
anunciada a colação de grau da primeira turma de 198 professores
indígenas da América Latina, um projeto pioneiro desenvolvido pela
Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) mediante
parceria com as secretarias estaduais de educação e ciência e
tecnologia, a Fundação Nacional do Índio e a prefeitura de Barra dos
Bugres. Iniciado em 2001, o projeto, desenvolvido ao longo de quatro
anos de formação geral e um ano de formação específica,
compreende as áreas de ciências matemáticas e da natureza,
ciências sociais, e línguas, artes e literatura e atendeu, até o
presente, um total de 298 professores indígenas falantes de 37
línguas e pertencentes a 44 etnias (CARVALHO,2007, P.30).
O 3º Grau Indígena esteve presente em diversos eventos, conforme
reportagens a seguir:
Lentes Indígenas noticia que a educação indígena é tema da mostra de fotos “Tempos de
Escrita”, que ocupa o espaço Muro do Museu do Índio no Rio de Janeiro, em Botafogo. Cinco
etnias mato-grossenses são foco de lentes atentas de antropólogos, fotógrafos de jornalismo e
do professor escritor e vice-reitor da UNEMAT, Elias Januário. A exposição retrata índios
fazendo uso da escrita, evidenciando novas práticas culturais em curso nas aldeias indígenas
do país.A Gazeta- Caderno E, Cuiabá, 06 /06/2007.
Universidades discutem educação escolar indígena relata a Oficina de Intercâmbio do
Programa Formação Superior e Licenciaturas Indígenas - Prolind com a temática
“Sistematizando experiências” que é promovida pelo MEC em que se discutirão os desafios
que envolvem a qualificação de um professor indígena com representantes das universidades
convidadas e integrantes do programa. A UNEMAT esteve representada pelo coordenador
geral Elias Januário, pelo coordenador administrativo Fernando Selleri e três representantes
indígenas. Portal UNEMAT- 11/05/2007.
3.1.3 PROESI: ampliando horizontes
Em agosto de 2007, o Projeto 3º Grau Indígena foi transformado em
Programa de Educação Indígena Intercultural-PROESI, conforme Resolução nº
144/2007-CONEPE de 31/08/2007 com objetivo geral de executar os Cursos
de Licenciaturas Plenas e Bacharelado, com vistas à formação em serviço e
continuada de professores e profissionais indígenas nas comunidades
indígenas, assim como a abertura de vagas nos cursos regulares de PósGraduação Lato Sensu e Stricto Sensu, cursos de formação continuada,
acompanhamento de acadêmicos indígenas nos cursos de graduação e
administração do Museu Indígena.
77
Esses cursos devem garantir uma práxis fundada nos pressupostos de
afirmação da identidade étnica e da valorização dos costumes, língua,
tradições de cada povo; articular entre conhecimentos e conteúdos culturais
autóctones no cotidiano das aldeias, entendidas como laboratórios vivenciais
entre cursistas, alunos e comunidades indígenas; buscar respostas para os
problemas e expectativas das comunidades.
Somam a esses pressupostos ainda: a compreensão do processo
histórico desenvolvido pelas comunidades indígenas entre si e com a
sociedade envolvente, o processo de incorporação da instituição escolar no
cotidiano indígena; o estudo e utilização das línguas indígenas no trabalho
docente nas escolas das aldeias além de debater acerca dos projetos de vida e
de futuro de cada povo.
A organização dos cursos será configurada como mais uma etapa do
PROESI que se desenvolve em MT e serão implementados com a participação
das Universidades Públicas, do Poder Público Estadual e Federal, de
organizações não-governamentais e de representantes indígenas; visam à
formação em nível de terceiro grau compreendendo licenciaturas plenas,
bacharelado, pós-graduação Lato e Stricto Sensu de indígenas; as graduações
oferecerão vagas aos que tiverem concluído o ensino médio.
Os cursos obedecerão a um regime seriado especial e serão
desenvolvidos de forma a propiciar a formação em serviço; as etapas de
estudos presenciais serão ministradas nos Campi Universitários da UNEMAT
ou em outros locais caso seja necessário e a abertura de vagas nos cursos
regulares será oportunizada mediante a demanda expressa pelas comunidades
indígenas e o apoio financeiro de órgãos de fomento.
Em 20/12/2008, a
Resolução nº 051/2007-CONSUNI homologou essa Resolução.
Barra do Bugres terá Museu Indígena com apoio do Ministério da
Cultura noticia o financiamento de R$ 230 mil para construção do
Projeto Museu Memória e Identidade Indígena aprovado pelo
Programa “Cultura Viva” para valorizar a diversidade cultural, a arte, a
memória e a identidade indígena além de fomentar o turismo em
Barra do Bugres. Com um acervo de mais de 800 peças que ficam
guardadas no campus da UNEMAT e futuramente estarão expostas
no Museu a ser implantado. Portal UNEMAT- 12/04/2007.
78
O Museu Indígena ainda depende de recursos para construção da sede,
os recursos aprovados estão previstos para a compra de móveis e
equipamentos para acondicionamento e exposição das peças do “Acervo
Joana Saira”.
A Resolução nº 145/2007-CONEPE aprovou o Regimento do PROESI
que foi homologada pela Resolução nº 052/2007-CONSUNI-20/12/2007
conforme fragmentos a seguir destacados:
• Tem duração indeterminada só podendo ser extinto mediante
justificativa ao colegiado do programa e votado no CONEPE e CONSUNI.
• Patrimônio do programa – Coleção de peças artesanais, acervo
bibliográfico, mobiliário e equipamentos adquiridos com recursos do programa
ou doações, coleção de fotos, filmes, fitas cassete e CDs, acervo de trabalhos
e produções realizadas pelos cursistas, veículos e barcos, colchões, roupas de
cama, utensílios e ferramentas adquiridos pelo programa,
• Financiamento- orçamento composto por recursos oriundos de
convênios e contratos com outras instituições governamentais e nãogovernamentais,
de
doações,
consultorias
e
serviços
prestados,
do
financiamento de projetos de agências de fomento às atividades de ensino,
pesquisa, extensão e cultura, no país e no exterior, bem como contrapartidas
dos recursos do orçamento da UNEMAT. Execução financeira pela UNEMAT
pelo sistema FIPLAN.
• Processo de aditamento só poderá ser assinado caso haja a
apreciação e aprovação pela coordenação geral e pelo Colegiado de Cursos
com emissão de Parecer que comporá o processo de aditamento.
Em janeiro de 2008 começaram as aulas para a 3ª turma única de 40
alunos (foram ofertadas 50 vagas, porém em decorrência das exigências
contidas no Edital nº 003/2007-COVEST, que definiu como requisito a atuação
na área da educação escolar indígena, além dos candidatos que não puderam
comparecer à prova por dificuldades com o deslocamento e dos candidatos
que não atingiram a pontuação mínima para aprovação, apenas 40 estudantes
foram habilitados a ingressar na turma).
79
A Revista RDM publicou a matéria abaixo trazendo como tema central a
situação dos indígenas no Estado de Mato Grosso e destaca o 3º Grau
Indígena, conforme resumo.
O quinhão dos nossos índios relata no subtítulo que índios e
sociedade envolvente num mesmo barco por outro modelo de
civilização iniciando com uma contradição quanto à situação dos
indígenas mato-grossenses colocando os adjetivos confortantes e
caos. O artigo traz dados da FUNAI quanto à questão fundiária,
problemas com garimpeiros, madeireiros e envolvimento dos
indígenas nesta questão e alcoolismo. Detalha um mapa de MT com
o quantum de terras demarcadas (78%), a demarcar (20%) e em
demarcação (2%), reservas indígenas (15%) e uma população
estimada em 25.123 somando as etnias presentes no estado. A
presença do 3º Grau Indígena é mencionada como um fator positivo e
ainda relata atuações de indígenas na política e enfatiza que as
relações com o governo é considerada boa pautada pelo diálogo e
pelos programas governamentais estendidos às comunidades
indígenas como o Programa Auto-Sustentável Indígena. Revista
RDM, 17/04/2008, pags.18 a 20- Eduardo Gomes- capa.
O Projeto Editorial do PROESI tem como objetivo divulgar a produção
dos universitários e dos docentes e conta com a quatro series de publicações
que tem enfoques variados dependendo das características das produções:
• Série Institucional - reúne as publicações voltadas à divulgação do
programa em seus aspectos institucionais e organizacionais como informativos,
folders, cartazes, banners e calendários.
• Série Periódicos - que reúne os periódicos produzidos e editados pelo
programa, como o Informativo de Notícias e o Cadernos de Educação Escolar
Indígena, que é uma coletânea de artigos com o objetivo de criar um espaço
onde possam ser registradas e divulgadas as experiências vividas e as
reflexões realizadas acerca do processo de ensino-aprendizagem na formação
de professores indígenas, divulgando a um público mais amplo. Tem cinco
volumes (2002, 2003, 2004, 2005 e 2007).
• Série Experiências Didáticas - voltada à viabilização de propostas de
publicações apresentadas pelos estudantes para uso em suas escolas e
aldeias apoiando com orientação pedagógica, lingüística e antropológica.
Possui oito títulos já publicados.
80
Figura 15 - Lançamento Museu Rondon – UFMT- 30/07/2008.
Foto: Acervo Joana Saira-PROESI.
O lançamento de 2008 foi muito noticiado na imprensa, mostrando que
as pesquisas dos estudantes indígenas estão “ganhando o mundo” (Figura 15).
UNEMAT lança livros de acadêmicos indígenas de etnias de Mato
Grosso noticia o lançamento dos livros Irwa, Ga, Orong e Ikpeng
Ungwopnole que aborda as concepções do povo Ikpeng sobre terra,
água, mato e mito de origem resultantes das pesquisas de Iokore
Kawakum Ikpeng, korotowi Taffarel e Maiuá Meg Poanpo Txicão junto
aos moradores mais antigos das aldeias do Parque Xingu. Os livros
serão distribuídos nas escolas indígenas e não-indígenas para
segundo o coordenador do PROESI “facilitar o entendimento de que
não existem diferenças intelectuais entre os povos, apenas culturais.
Jornal Expressão- Cáceres, 27/07/2008
• Série Práticas Interculturais - destinada à organização e divulgação das
produções textuais e visuais elaboradas pelos estudantes durante as etapas
presenciais e intermediárias dos cursos nas três áreas de concentração, são
organizadas por temáticas: Vida e Meio Ambiente, Cultura e Sociedade,
Práticas Pedagógicas e Linguagem além do Dicionário Enciclopédico de
Palavras Indígenas, que deverá integrar a coleção Práticas Pedagógicas e
Linguagem.
Estas publicações não são comercializadas e são distribuídas para muitas
instituições ou ainda para as pessoas que solicitam junto ao Programa.
81
O PROESI possui um acervo bibliográfico com 3521 livros, revistas,
trabalhos de conclusão de curso, apostilas encadernadas que se encontram na
biblioteca central do campus de Barra dos Bugres para consulta tanto dos
estudantes indígenas quanto dos demais estudantes universitários e
comunidade. Os livros pertencem ao patrimônio do Programa e possuem
número registrado no Livro Tombo, mas os empréstimos são controlados pela
biblioteca central.
O Programa organiza um setor de arquivos onde se encontram
guardados documentos sobre a educação escolar indígena como trabalhos,
textos, cartazes, pesquisas, fotos e monografias de diversos projetos
desenvolvidos no Estado de Mato Grosso, como o Projeto Tucum, além da
documentação pedagógica e administrativa que está catalogada e arquivada
na Secretaria Acadêmica que constitui uma interessante fonte de estudos.
O “Acervo Joana Saira” possui um rico acervo documental com mais de
50 mil documentos escritos, seis mil fotos, 150 fitas de vídeo e mais de 500
peças de artesanato das mais diversas etnias, além das peças doadas pela
família da professora Joana Saira que foi homenageada pelo Conselho dos
Estudantes. “Foi uma profissional cujos laços de relação com os povos
indígenas vão além da esfera universitária, sendo constante defensora e amiga
dos povos indígenas” diz a mensagem “in memorian” feita pelo PROESI à
professora que dedicou oito anos à UNEMAT.
No dia 14/02/2008, o Secretário de Educação do Estado Ságuas Moraes
e a gerente de Educação Indígena da SEDUC, Letícia Queiroz, assinaram dois
convênios com a UNEMAT referentes à abertura de 50 vagas na graduação
para indígenas da região do Araguaia e para a abertura de um curso de
Especialização em Educação Escolar Indígena especifica para indígenas,
consolidando a formação continuada. Além desse convênio, o prefeito de Barra
do Bugres, Aniceto de Campos Miranda estendeu a pareceria até o ano de
2014. Houve apresentação de dança pela etnia Mebêngôkre e todos os alunos.
Professores e colaboradores participaram do evento (Figura 16).
Entre 18 e 20 de junho, o PROESI realizou a Etapa de Planejamento e
Formação 2008/2, com a participação de professores, estudantes, técnicos e
82
representantes das instituições parceiras. Após a palestra sobre Arqueologia
no contexto dos Cursos de Licenciatura pelo Professor Luciano, foram
realizadas as mesas redondas com relatos das atividades administrativas,
pedagógicas e das publicações, além dos grupos de trabalho para discussão
de temas como avaliação, pesquisa e planejamento das atividades da Etapa de
Estudos Presenciais realizada no período de 14 de julho a 08 de agosto.
Figura 16: Assinatura convênios SEDUC e UNEMAT-14/02/2008.
Fotos: acervo Joana Saira-PROESI
Entre os componentes curriculares da Turma 2005 estão Matemática,
Física, Literatura, Artes, História, Políticas Públicas para a Educação Escolar
Indígena e Trabalho de Conclusão de Curso e na Turma 2008, os conteúdos
sobre Economia Sustentável, Práticas Pedagógicas, Direito e Legislação, e
Educação para a Saúde. Foram também apresentados os projetos de pesquisa
dos mestrandos e doutorandos que estão realizando pesquisas dentro do
PROESI.
A disciplina Direito e Legislação foi ministrada no período de 28 de julho
a 1º de agosto na sede da UNEMAT em Barra do Bugres. As aulas foram
registradas no Caderno de Memórias que integra o anexo desta dissertação.
No dia 31 de julho foi realizada uma reunião pedagógica com o Coordenador
Adjunto Fernando Selleri e os professores que estavam ministrando as aulas
durante a semana. O objetivo era avaliar as aulas da semana. Muitos pontos
foram abordados e merecem destaque:
83
• Os índios usando o espaço deles, valorizando a educação específica e
diferenciada.
•
A pesquisa na educação.
• Dificuldades, facilidades e desafios para os professores não-indígenas,
considerando suas concepções e valores.
•
A relação sala de aula e professor.
• A produção dos Trabalhos de Conclusão de Curso e as línguas maternas
e a necessidade de mais facilitadores para auxiliar os concluintes.
Em 04/08/2008 os estudantes universitários e a coordenação do
PROESI discutiram a Lei de Responsabilidade Fiscal e Licitações na palestra
ministrada pelo Coordenador Elias Januário que fez um histórico do PROESI
fazendo um levantamento de todas as atividades desde quando foi projetado o
Curso de Licenciaturas Específicas.
O PROESI firmou a carta de entendimento entre os centros associados
da Universidad Indígena Intercultural da América Latina e Caribe (U.I.I.) para
articular as ações na execução de programas, projetos e ações de formação,
capacitação e educação superior indígena. A rede é constituída pelo Fundo
para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e Caribe
(Fondo Indígena) e mais de 20 instituições ligadas ao Ensino Superior, em
países como Bolívia, Peru, Equador, Chile, Colômbia, México, Brasil e outros
da América Latina e Caribe.
Para o Prof. Dr. Marcus Maia, docente na área de Lingüística do
PROESI, a primeira conseqüência prática da participação nesta rede para as
três universidades brasileiras (UNEMAT, UFRR e UFRJ) será a indicação de
indígenas brasileiros para participar do curso de Especialização em
Revitalização Lingüística e Cultural, que será realizado na capital do Peru.
Após onze anos, marcando sua fase pré-adolescente, o PROESI foi
transformado em Faculdade Intercultural Indígena por meio de tese
apresentada pela equipe do Programa em conjunto com os estudantes
indígenas. Foi aprovada no II Congresso Universitário da UNEMAT e
possibilitará a ampliação e abertura de novos cursos materializando mais uma
conquista da educação superior indígena. Com a aprovação no CONSUNI
84
todas as atividades farão parte da Faculdade Intercultural Indígena e na
próxima década se fortalecerá como uma faculdade independente e autônoma.
A Assembléia Legislativa de Mato Grosso agraciou o PROESI com uma
Menção Honrosa pelo seu trabalho desenvolvido junto aos povos indígenas na
formação de professores em sessão extraordinária realizada em 11 de
dezembro. Ao receber o prêmio, o Coordenador Geral do PROESI, Prof. Dr.
Elias Januário destacou que "o PROESI tem dado certo porque trata de um
trabalho coletivo, construído com os povos indígenas, com o propósito de
fazer valer os direitos constitucionais em relação às comunidades indígenas".
3.2 Eventos e narrativas interculturais
As narrativas de professores, colaboradores, egressos e estudantes do
PROESI ao contar suas vivências, suas perspectivas e como constroem os
seus mosaicos de conhecimentos, revelam a sociodiversidade brasileira com
suas experiências, dificuldades, facilidades e desafios na arte da docência, da
aprendizagem e do compromisso de formação e multiplicação do conhecimento
nas escolas indígenas.
As conferências e encontros representam legítimos fóruns de debates e
auxiliam na confecção das políticas publicas e governamentais.São esses
momentos de reflexões e balanços das atividades que trazem o fortalecimento
dos movimentos sociais e promovem “autênticos diálogos interculturais”.
Assim, como forma de resgatar as diretrizes do ensino superior indígena
presente na fala dos participantes, utilizamos as contribuições dos participantes
da “I Conferência Internacional sobre Ensino Superior Indígena - Construindo
Novos Paradigmas na Educação”, ocorrida em Barra do Bugres-MT nos dias
23 a 25 de setembro de 2004.
Essas contribuições estão inseridas nos anais do evento e também em
várias reportagens que foram selecionadas destacando os assuntos discutidos
nas palestras com as percepções dos participantes, bem como das
possibilidades de intercâmbio entre os países, Universidades, gestores
85
públicos e sociedade em geral, corroborando com a exteriorização desses
desafios, avanços e perspectivas em torno da educação superior indígena.
Conferência
apresenta
experiências
latino-americanas
em
ensino
superior indígena - UNEMAT/NOTICIAS-24/09/2004, destaca:
A questão dos povos transfronteiriços verificada na fala de Fernando
Prada, Representante da Universidad Mayor de San Simon enfatizando que
“dentro dessa realidade transfronteiriça podemos identificar povos como os
Guaranis que estão tanto na Bolívia, como no Brasil, Paraguai e Argentina”,
demonstrando a importância da discussão conjunta entre os países latinoamericanos.
A educação própria também foi um ícone debatido e esteve na fala de
Jorge Garcia, representante do Equador dizendo que “esta conferência vai
demonstrar que os povos e nacionalidades podem construir coisas distintas e
próprias e que ajudem a repensar o processo educativo desses países”.
Documento produzido na Conferência Indígena será apresentado a
Governos Latino Americanos, Portal UNEMAT-27/09/2004, ressalta a
confecção do documento organizado por representantes dos participantes da
conferencia, com solicitações e propostas para subsidiar a formulação de
políticas publicas para o ensino superior indígena, discutidas por 11 grupos de
trabalhos compostos por representantes de 38 etnias, universidades,
movimentos indígenas e indigenistas, organizações governamentais e nãogovernamentais.
A índia Paresi Francisca Novantino que ressaltou que “o sentido do
ensino profissional indígena é baseado no fortalecimento étnico na
subsistência econômica, política e cultural dos povos”.
Além das experiências na America Latina foram divulgadas as
propostas desenvolvidas ou a serem implantadas por onze estados brasileiros,
Mato Grosso do Sul foi abordado por atender duas turmas de normal superior
e adotado o sistema de cotas para indígenas.
Outro depoimento sobre a experiência do 3º grau indígena foi da estudante
universitária da etnia Umutina Edna Monzilar que disse “com o 3º Grau a gente
86
viu que não mudamos nada. Que somos índios do mesmo jeito. À medida que
aprendermos vamos buscando tudo aquilo que praticamente estava perdido.
Estamos conhecendo e dando valor a nossa história, e fazendo com que
nossos alunos também conheçam”.
Representantes da ONU e governo mexicano discutem educação
indígena.
Portal UNEMAT-25/09, a notícia traz a participação da ONU na
conferência,
A Representante da Universidade da Paz, Flor Cubero Venegas que
enfatizou que “para que realmente se cumpra o direito de educação para todas
as nações unidas tem fortalecido o empenho em solicitar dos países que
assegurem a educação indígena com base na necessidade desses povos e a
ONU tem recomendado aos governos que construam políticas voltadas para
garantir o direito desses povos”.
Sylvia Schmelkes, representante do México destacou que somente
após uma reunião na Guatemala em 2002 que o México implantou a primeira
universidade intercultural e destacou a importância dos encontros, pois “esse é
um impulso para que se vá adiante. E indica interesse comum em ampliar o
que já está sendo feito e de construir coisas novas”.
FUNAI
mostra
investimentos
na
educação
escolar
indígena
em
conferencia de ensino superior- Jornal da Coordenação Geral de Educação
da FUNAI- outubro de 2004 - ano I - nº 01 destaca que Maria Helena Fialho,
Coordenadora Geral de Educação da FUNAI mostra no evento a planilha de
investimento do órgão, mas destaca que cabe ao Ministério da Educação
definir políticas para garantir o acesso, a permanência e o sucesso dos
indígenas no ensino superior. “Para isso, é necessário o reconhecimento dos
indígenas enquanto povos, que implica tratá-los a partir da ótica de seus
diferentes projetos societários, que significa também garantir a sua
participação em todo o processo de definição de implementação dessa política,
ou seja, na formulação e execução”.
87
Barra do Bugres sediou Conferência que discutiu a qualidade na
educação indígena - O Estadão- Cuiabá 29 a 30/09/2004- p.12-Fonte
SECOM e UNEMAT noticia a 1ª Conferência Internacional sobre Ensino
Superior Indígena, onde estiveram reunidos representantes de cinco países da
América Latina além de pesquisadores, educadores e lideranças indígenas
que discutiram, relataram experiências, diagnosticaram a importância das
conquistas e traçaram novas perspectivas de avanços.
Otto Ricardo Rivera Alvarez, representante da UNESCO da Guatemala
enfatizou que “a língua, cultura e a afirmação da identidade própria desses
povos é a parte constituída do novo paradigma educativo”, o que contribuiu
para ressaltar a importância da educação voltada para os povos indígenas e
construída por esses povos.
O evento teve inúmeros colaboradores para sua realização como a
SECITEC, Governo de MT, UNEMAT, SEDUC, MEC, FUNAI, Conselho de
Educação Escolar Indígena, Prefeitura de Barra do Bugres além de apoiadores
como a UFMT, Assembléia Legislativa/MT, Conselho Estadual de Educação,
Organização dos Professores Indígenas de MT e Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO).
As narrativas dos palestrantes, dos colaboradores e dos alunos
enfatizam a importância desses encontros de discussões como também da
participação no PROESI e apontam os indicadores de construção e condução
desta modalidade de educação intercultural.
Fleuri (2000) destaca que:
A educação intercultural se configura como uma pedagogia do
encontro até suas últimas conseqüências visando a promover uma
experiência profunda e complexa, em que o encontro/confronto de
narrações diferentes configura uma ocasião de crescimento para o
sujeito, uma experiência não superficial e incomum, de
conflito/acolhimento. No processo ambivalente da relação intercultural
é totalmente imprevisível seu desdobramento ou resultado final.
A professora Jurandina Sales ministra aulas no PROESI e aqui narra a
importância do programa destacando as dificuldades encontradas, os
momentos de preparação fundamentais para interação e integração de alunos,
professores e auxiliares pedagógicos. A preocupação com o aprendizado dos
estudantes universitários percorre caminhos que vão além das práticas
88
didáticas nos períodos presenciais ou intermediários, os quais ela demonstra
satisfação em contribuir:
Participar desse programa de formação de professores indígenas, no inicio foi um
desafio. Mas, depois das viagens pelas aldeias no período das etapas de acompanhamento
intermediário, de ver as pessoas mais experientes falarem nos momentos de preparação de
cada etapa, fui entendendo o processo diferenciado do programa, a cultura, as dificuldades
que nossos professores formadores tem em suas comunidades.
A partir dessas constatações fui me sentindo útil dentro do programa, agora sei o
quanto o pouco que sei, é útil a outros professores, principalmente nas questões didáticas, do
vamos ver na sala de aula, pois discurso pedagógico é uma coisa e fazer acontecer para fluir
resultados é outra muito diferente.
Gostaria de poder ajudar mais, pois me sinto muito útil ajudando lá na escola deles,
vendo as dificuldades de planejar uma aula, de dar seqüência num conteúdo, questões que às
vezes pensamos que já tenham superado, mas não. E o grande objetivo desse curso é isso
"aprender a aprender", ou seja, aprender a dar aulas dando aula, muitos deles tem tantas
dificuldades, mas acredito que estamos no caminho, gosto do que faço nesse programa, tanto
que não meço esforço para estar presente sempre que sou solicitada.
Os estudantes/professores têm dificuldades em relação ao apoio pedagógico por parte
das prefeituras, pois a maioria das escolas são de responsabilidade dos municípios e as
secretarias não dão um apoio adequado, poderiam fazer um trabalho junto ao PROESI, uma
vez que estamos fazendo muitas vezes nossa parte como docente de um acadêmico e
coordenadora pedagógica escolar.
A professora Hébia Thiago de Paula, bióloga e atuante na equipe
pedagógica descreve a importância de vivenciar valores dentro do contexto da
universidade e reforça a questão do compromisso com uma educação
construída a partir das dificuldades da aprendizagem:
Trabalhar no Indígena tem sido um processo de aprendizagem constante. Encontrei em
sala de aula atitudes que não encontrei em nenhuma outra sala do ensino regular. Respeito,
credibilidade e confiança são atitudes cabíveis a todos os professores que entrar em uma sala
de aula no PROESI. Com relação às dificuldades, são nítidas as deficiências de conteúdos
básicos, pois a maioria não teve acesso a uma educação de qualidade. Essa situação faz com
que tenhamos um maior comprometimento com as nossas atividades pedagógicas.
A professora Marinez Santina Nazzari, responsável pela área de
linguagem, narra sua participação no programa e enfatiza as diretrizes que
fundamentam a educação intercultural. Prepondera em sua fala a preocupação
com a lingüística, tanto com o português e a língua materna. É importante
observar a dificuldade do planejamento e do caminhar entre os dois mundos,
entre as diversidades culturais. Isso possibilita a reflexão e o engajamento:
Iniciei meus trabalhos no PROESI em 2007 (mês de março). Minha primeira atuação foi
nas oficinas pedagógicas da etapa de estudos cooperados de ensino e pesquisa 2007/1.
Naquela ocasião viajamos para as aldeias pólo, que foi uma experiência muito rica no sentido
de conhecer a nossa clientela e compreender alguns aspectos que os diferenciam dos demais
estudantes de graduação.
As visitas e as oficinas de 2007 me proporcionaram algum entendimento sobre o
processo escolar, que para nós não-índios parece tão natural existir, e as diferentes culturas.
Passaram a fazer sentido as angustias apresentadas por eles nas etapas presenciais.
89
A atuação na sala de aula das etapas intensivas tem me ensinado muito sobre todos os
aspectos, mas principalmente sobre particularidades lingüísticas, que quando entendidas me
fazem ampliar a própria compreensão da língua portuguesa.
Outra questão muito relevante é a forma como o Programa constrói dialeticamente a
matriz norteadora da formação dos professores. Isso também me proporciona reflexões sobre
os processos formativos a que somos submetidos os professores da sociedade envolvente.
Nesse trabalho de dois anos (2007 e 2008) a principal dificuldade talvez seja a de
transitar com o planejamento elaborado pela equipe em meio a tanta diversidade cultural e de
experiências com a educação escolar.
Mas isso exige que se faça um deslocamento daquilo que temos como modelo de
valores e de sistema educacional e novamente nos coloca diante da oportunidade de reflexão e
de um verdadeiro curso de estudos culturais (aqui como aprendiz).
O Professor José de Alencar Simoni (Cajá), professor de Química da
Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, professor convidado do
programa destacou seu olhar comparativo entre o desejável e o possível, entre
o PROESI e a escola do não-índio. Relatou sobre a organização do programa
quanto à logística e atendimento aos professores e estudantes. A importância
do professor - auxiliar, das avaliações e das dificuldades tanto do professor
quanto do aluno na disciplina neste espaço multicultural e polifônico.
Quando fui convidado a atuar no PROESI, fiquei muito lisonjeado, ao mesmo tempo
apreensivo. Tratava-se de uma experiência totalmente nova para mim, cujos contornos eram
difíceis de prever. Tivemos algumas reuniões anteriores com o Prof. Elias, juntamente com a
equipe que participaria da área de Matemática e Ciências da Natureza, Professores: Arguelo,
Maria Antônia, Zoraide, Roseli e Cajá. Nessas reuniões traçamos nossa atuação junto ao
curso, ficando estabelecido, em princípio, que nortearíamos nossa atuação em sala de aula em
atividades de caráter prático experimental. Também estaríamos preocupados com a
capacitação dos professores no sentido de dar-lhes autonomia e não, meramente,
conhecimento acabado.
Não tivemos nenhuma dificuldade com a disponibilização de espaço, materiais e
equipamentos. A coordenação do projeto sempre providenciou o que necessitávamos.
Em sala de aula as dificuldades eram mais freqüentes em relação às ferramentas
matemáticas e de português. Senti muitas dificuldades no trato da Química, principalmente em
relação a esses dois fundamentos.
Procurei apresentar meus trabalhos iniciais utilizando ferramentas diversas. Dessa
forma, procurei, por exemplo, numa atividade prática, informar aos alunos, apenas
verbalmente, todo o procedimento experimental (simples). Num segundo momento, as
informações eram repassadas apenas de forma escrita e os alunos realizavam a outra
atividade. Num outro momento, combinei a apresentação das informações: parcialmente
escritas/ parcialmente via oral.
Por serem práticas, as atividades sempre exigiam relatos do experimento. Num
primeiro momento apresentávamos um roteiro de relatório totalmente pronto, bastando aos
alunos a complementação dos espaços vazios. Num segundo momento pedimos algumas
considerações por escrito, além da colocação dos dados em espaços vazios e assim por
diante.
Utilizamos com bastante freqüência a apresentação oral dos trabalhos e estimulamos o
trabalho em grupo. Em geral os alunos apresentaram boa disposição para ir ao quadro e
apresentar seus resultados. Percebe-se uma grande dificuldade dos estudantes indígenas em
generalizar fatos, para eles, no geral, cada informação morre em si mesmo. Cada resolução é
única e particular. Para tentar evidenciar essa generalização de resultados, procuramos repetir
várias vezes o mesmo experimento para sistemas diferentes, mas o resultado não foi muito
positivo.
90
Também percebi que os estudantes consideram que suas perguntas não são
perguntas gerais e de interesse de todos. Quando alguém perguntava e a pergunta era
apresentada à classe como um todo, antes de ser respondida para todos os alunos, parece
que o estudante ficava insatisfeito com aquilo, pois repetia a pergunta em particular e que
deveria ser respondida no particular. Era muito comum, em um mesmo grupo, a mesma
pergunta ser feita por três alunos diferentes em seqüência, parecendo uma aula particular.
Também verificamos que a atuação de dois docentes ao mesmo tempo e com “times”
diferentes, melhora o aprendizado dos alunos. Muitas vezes, o Professor não consegue
perceber, ao mesmo tempo de sua fala, qual é o problema do aluno e qual deve ser a
estratégia a ser usada. Um segundo docente percebe isso mais claramente e pode intervir com
a ferramenta apropriada.
A maior dificuldade que tivemos foi a não utilização de uma avaliação formal dos
alunos, por provas, exercícios, etc. Procuramos avaliar apenas sua participação em sala de
aula e o material apresentado por eles sobre as atividades experimentais ou exercícios dentro
do relatório. A própria estrutura do curso não permite ao aluno, um tempo para que ele assimile
o conteúdo e tente, por conta, superar suas dificuldades por si só. Como as aulas são dadas o
dia todo e não há intervalos, o assunto é apresentado, não há tempo para reflexões, estudos
extra-classe e retorno com dificuldades a serem discutidas.
No inicio, o curso de formação pretendia ser mais universal, os alunos passariam
quatro dos cinco anos tendo as mesmas atividades, independente da área a que se dedicariam
no futuro (último ano). Para nós da área de Matemática e Ciências, isso, logo de início, pareceu
um grande equivoco. Afinal, na escola do não índio, estamos acostumados a um estudo mais
focado na área. Não conseguimos nos convencer de que a sistemática adotada pelos criadores
do curso estivesse correta.
Em nossa área, a formação com competência, exige um tempo muito maior dedicado
aos assuntos pertinentes a ela. É impossível alguém se formar bem, em cinco anos, numa área
larga como essa, mesmo tendo cinco anos de aulas só do conteúdo específico, quanto mais
em apenas um ano.
Uma dificuldade comum também entre os universitários não índios é a falta de
interesse na atividade e na sua formação, além de sua preparação anterior ser deficiente. Esse
é um quadro bastante notório no PROESI. Há muitos alunos que não teriam condições
mínimas de acompanhar as atividades, mesmo considerando-se que as mesmas são
oferecidas num nível bastante elementar. Também nota-se que há muitos alunos cujo interesse
está focado em outra coisa. Tem-se a impressão de que está ali, apenas, cumprindo tabela.
Nesses casos fica difícil obter uma boa formação. Esses alunos contaminam outra parte de
alunos com interesse pouco evidente, arrastando alguns deles para o desinteresse.
A diversificação de cursos, a diminuição do número de vagas, o estímulo à
concorrência em um vestibular mais forte ou adotando-se, inclusive, um ingresso maior e com
um filtro logo no fim do primeiro ano para reter parte dos alunos, a atribuição de um sistema de
bolsas e o aluno se vira, durante 4 anos, em período integral e estágios nas aldeias no período
de férias, penso que daria melhores resultados.
Nestas narrativas os professores demonstram o envolvimento com o
Programa pela possibilidade de relatar suas vivências num modelo de
educação diferenciada comparado com o ensino regular. Concluem que o
trânsito pelo ensino diferenciado, bilíngüe e intercultural requer um profissional
sensibilizado com a diferença para que essa relação dialógica seja verificada
na prática.
Para Souza e Fleuri (2003), essa preocupação narrada pelos
professores é um dos pilares da educação intercultural:
A educação intercultural se preocupa com as relações entre seres
humanos culturalmente diferentes uns dos outros. Não apenas na
91
busca de apreender o caráter de várias culturas, mas, sobretudo, na
busca de compreender os sentidos que suas ações assumem no
contexto de seus respectivos padrões culturais e na disponibilidade
de se deixar interpelar pelos sentidos de tais ações e pelos
significados constituídos por tais contextos e nos coloca face a face
com o estranho, com a diferença, como desconhecido, que não pode
ser reconhecido nem apropriado, mas apenas conhecido na sua
especificidade diferenciadora. Não se trata de reduzir o outro ao que
pensamos ou queremos dele. Não se trata de assimilá-los a nós
mesmos, excluindo sua diferença (SOUZA e FLEURI, 2003, p. 6869).
O PROESI por ser este lugar plural, multiétnico faz com que o professor
não-índio e até o professor indígena repense seus valores, mude seus
conceitos de que a educação é “um lugar comum”, pois só a partir dessas
reflexões é que “os significados podem ser reelaborados nos processos de
interação social” (AZIBEIRO, 2003, p.96).
3.3 Aspectos sobre o Direito Indígena
Como conhecer o Programa de Educação Superior Indígena Intercultural
e contar sua história sem vivenciar uma experiência?
Este foi o primeiro questionamento para encaminhar esta pesquisa. A
orientação veio no sentido de fazer algo que não ficasse apenas como
observador-selecionador de documentos ou ainda como o pesquisador que
relata tudo, ouve tudo, mas não se envolve. Mas como me envolver, tornar
parte, sem necessariamente ser um?
Para tentar solucionar as duas questões acima e absorver a idéia de
participação no PROESI comecei as leituras dos textos de Antropologia. Já
havia visto a disciplina no curso de Licenciatura em História e as palavras
pareciam familiares, embora não tivesse uma análise mais aprofundada sobre
a etnografia.
Comecei a ler “A interpretação das culturas” de Clifford Geertz, e assim
consegui entender as várias metáforas surgidas na orientação: “enxergar por
sobre os ombros”, “a etnografia da janela do carro”, “interpretar e não explicar”,
“traços da realidade”, “as inúmeras tartarugas segurando o mundo” e tantas
outras que faziam eco em meus pensamentos.
92
“Faça alguma coisa ligada à arte!” Essa sugestão eu não esqueci.
Juntamente com os “ecos” e as leituras fomos delineando algumas idéias,
muitas delas nem chegaram a sair do pensamento, talvez pela insegurança de
adentrar num mundo de descobertas do “outro”, do “nós”, do “eu”.
Aos poucos as leituras me faziam conhecer as classificações da
Antropologia e com base nas características consegui agrupar três pontos de
contato para o estudo proposto: Cultural, Social e Jurídica.
3.3.1 Construindo diálogos com a Antropologia
A Antropologia Cultural18 implica um ponto de contato entre a Ciência
Social que propõe conhecer o homem enquanto elemento integrante de grupos
organizados e a Ciência Humana que se volta especificamente para o homem
como um todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia,
linguagem, etc., isso implica um estudo envolvendo a comunidade e seus
integrantes, tanto no aspecto comunitário quanto no individual.
Segundo Da Matta (1990:150) a Antropologia Social toma como “ponto
de partida a posição e o ponto de vista do outro, estudando-os por todos os
meios disponíveis”, sejam pelos dados históricos, fatos econômicos, políticos,
“nada deve ser excluído do processo de entendimento de uma forma de vida
social diferente”.
Daqui surge a motivação para estudar e compreender o ponto de vista
dos estudantes universitários indígenas. Quais são os códigos de valores na lei
indígena de suas comunidades? Qual o posicionamento sobre o “Direito
Ocidental” e o “Direito Indigenista”?
As respostas para estes questionamentos estão aqui delineadas, pois a
partir das oficinas e da disciplina, os estudantes universitários trazem para o
contexto da sala de aula a vivência na aldeia e as normas de cada etnia,
revelando os códigos de valores e as leis em suas comunidades.
18 Cf. site http://pt.wikipedia.org/wiki/Antropologia_cultural
93
Para Colaço (2008, p.29-30) a Antropologia Jurídica pode ser
caracterizada como o estudo do Direito das sociedades simples; além das
instituições do Direito da sociedade contemporânea; do Direito comparado
entre diferentes sistemas jurídicos, sejam de sociedades primitivas ou
modernas e do pluralismo jurídico com múltiplos sistemas normativos, que
ignoram o monismo estatal.
Assim, depois de algumas conversas, decidimos que a temática se
relacionaria com o Direito e suas contribuições. Ainda numa fase preliminar da
pesquisa fui convidada a transitar pelo PROESI e visitar a sala da turma
2008/1.
Depois da apresentação o coordenador sugeriu que fizesse uma oficina
sobre alguma legislação, para assim me ambientar e formular os objetivos da
pesquisa. Percebi que havia interesse pelos estudantes universitários
indígenas em saber mais sobre o Direito. Para a pesquisadora surgia um
desafio: como seria ministrar aulas no PROESI com a abordagem de uma
ciência que tem um “número sem fim” de temas a serem trabalhados?
Lembrei de um trecho de Geertz (1989) retratando que,
olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião,
ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum – não é afastar-se
dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico
de formas não-emocionadas: é mergulhar no meio delas. A vocação
essencial da antropologia interpretativa não é responder às nossas
questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as
respostas que outros deram e assim incluí-las no registro de
consultas sobre o que o homem falou (GEERTZ, 1989 p. 40-41).
Quando voltava de Barra do Bugres comecei a dimensionar como seria
esta experiência, atuar como docente, pesquisar e vencer meus próprios
desafios. Na semana que fiquei em Cáceres comecei realmente a planejar e a
ver materializar-se um projeto de pesquisa, pois as outras tentativas foram
abortadas. Mas garanto que a troca foi desafiadora e empolgante e ainda
estaria novamente na UNEMAT ministrando aulas.
O desafio então estava lançado, “alea jacta est”, “a sorte está lançada”
como disse Júlio César, às margens do Rio Rubicão, na Itália em 49 a.C..
Tudo corria conforme o desejado. Havia encontrado o local e os sujeitos
da pesquisa, mas aí surgiram muitas questões. Qual tema trabalhar? Qual
94
tempo estipular para a oficina? Como seria a aceitação da turma tanto dos
temas, quanto da pesquisadora?
Ao ler as experiências de Foote-White (1990) no texto “treinando a
observação participante” compreendi a importância de “ser aceito, conquistar a
confiança” do grupo pesquisado, pois este analisa quais as intenções do
pesquisador na medida em que o conhece. Na pesquisa colaborativa, isso se
torna a peça principal de um mosaico, aquela que imprimirá o resultado do
trabalho de busca de percepções e de novos conhecimentos.
Diante de tantos questionamentos, havia um quesito já superado, iria
dialogar sobre o Direito com os alunos, uma ciência complexa e apaixonante.
Assim, o desafio ficou maior, unir as ciências num mosaico intercultural e
encontrei em Santos e Nunes (2005) uma explicação para esta empreitada,
[...] julgamos como indispensável para uma efetiva concretização dos
direitos indígenas constitucionalmente reconhecidos, o debate do
direito com outros ramos do saber, em especial, a história, a
sociologia e a antropologia. Faz-se necessário que o direito abra-se
para outros saberes, para novos desafios, pois somente assim
restarão vencedores aqueles que lutam por um direito plural e
multicultural (SANTOS e NUNES, 2005, p.24).
Ao buscar esse diálogo entre educação ambiental, formação de
professores e antropologia jurídica dentro de uma metodologia colaborativa
queremos abrir espaços pedagógicos de criação, de pesquisa e de alternativas
didáticas e metodológicas.
Colaço (2006) nos leciona sobre a responsabilidade dos profissionais da
área jurídica para que o “Direito exista de fato para todos” e devemos semear a
cultura da “naturalização” do Direito presente no cotidiano das pessoas e
compreender que,
O Direito não deve ser um ente distante e inatingível para a maioria
das pessoas. O Direito a ter direitos, deve permear o dia-a-dia dos
seres humanos, ou seja, deve ser valorizado e estar presente no
cotidiano dos homens. Isto significa que o Direito deve estar presente
o tempo todo e para todos, e não apenas em momentos de conflitos,
de extrema necessidade, de violência exacerbada, de flagrantes
injustiças; ou mostrar-se somente para uma pequena parcela
privilegiada da população e que já está na hora de sairmos do
isolamento e entrarmos em contato com o mundo real, com os
marginalizados, com os excluídos, com o diferente, possibilitando a
aquisição de uma maior sensibilidade com os problemas do outro
(COLAÇO, 2006, p. 1).
95
Corroboro com esse entendimento e acredito que sempre podemos
garantir o direito à informação independente da maneira como é abordado, seja
por intermédio de palestras, de textos produzidos e informação nos locais em
que você frequenta.
3.3.2 Direito Ocidental, Indigenista e Indígena
Comecei a preparar a primeira oficina. Já havia estudado sobre o
Decreto nº 6040/2007 que trata das populações tradicionais e sua visibilidade
no mundo político e jurídico de maneira formal. O que isso implicaria sobre
direitos indígenas?
A população indígena é uma das comunidades tradicionais elencada
como destinatária desta legislação, e um ponto fundamental encontrado seria o
diálogo entre os indígenas com outros povos para fortalecerem seus direitos no
cenário nacional e internacional, mesmo já tendo seus direitos específicos
estipulados na CF/88 e nas leis infraconstitucionais.
A oficina realizada em 14/02/2008 foi possibilitada com a anuência da
Professora Francisca Novantino que cedeu seu horário para a abordagem do
Decreto Presidencial 6040/2007, em aula expositiva, com a participação dos
alunos em forma de seminário integrador. Após houve uma preleção com os
universitários, em uma dinâmica, sugerindo os temas para a disciplina que
seria planejada para julho de 2008 na etapa presencial.
A aula teve início às 7h30min. Antes de começar as atividades foi feita a
leitura do Caderno de Memórias por um acadêmico. Este caderno é uma
metodologia adotada pelo PROESI em que um aluno escolhido na lista de
presença relata todas as atividades feitas na aula do dia anterior, lê em voz alta
para a classe, após a saudação à turma.
Esta técnica tem funcionado como uma forma de apoio pedagógico e
também como uma maneira de registro das aulas, assim professores e alunos
podem utilizar para melhorar o desempenho e promover mudanças nos planos
de ensino caso se mostrem insuficientes com a proposta da educação
intercultural.
96
Adotei esta técnica para relatar minhas impressões sobre o conteúdo
das aulas do mês de julho e foi produzido durante a semana. Não foram feitas
transcrições da literatura e contêm a dinâmica das aulas, do interesse dos
estudantes pelos temas e ainda da seqüência cronológica dos acontecimentos,
requisitos de uma narrativa.19
Após a apresentação pela Professora Francisca Novantino, distribuí o
texto do decreto com auxílio do monitor Félix que me passou algumas
orientações. Foi proposta a leitura individual do Decreto Presidencial nº 6040
de fevereiro de 2007, por tratar da legislação mais recente que envolve as
Comunidades tradicionais e os povos indígenas inseridos neste contexto,
sendo também portadores de direitos e obrigações.
A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais recomenda uma educação diferenciada, de acordo
com as características próprias de cada povo ou comunidade de modo a
“garantir e valorizar as formas tradicionais de educação, e fortalecer processos
dialógicos como contribuição ao desenvolvimento próprio de cada povo e
comunidade garantindo a participação e controle social tanto nos processos de
formação educativos formais como nos não-formais”.20
Feita a leitura do decreto na íntegra e à medida que os alunos tinham
dúvidas permeavam-se os questionamentos. Os termos técnicos e a forma da
escrita da lei provocaram dúvidas que foram sendo sanadas.
A aula foi interrompida às 09h30min por ocasião da cerimônia de
assinatura dos convênios entre SEDUC e PROESI, conforme notícia veiculada
em 15/02/2088 no Portal UNEMAT:
Secretário de Educação Ságuas Moraes Sousa esteve em Barra do
Bugres visitando o Programa de Educação Superior Indígena
Intercultural - PROESI - juntamente com a gerente de Educação
Indígena da SEDUC, Letícia Queiroz, ocasião em que assinou dois
convênios com a UNEMAT referentes à abertura de 50 vagas na
graduação para indígenas da região do Araguaia e para a abertura de
um curso de Especialização em Educação Escolar Indígena.
Também participou da cerimônia o prefeito municipal de Barra do
Bugres, Aniceto de Campos Miranda, que assinou convênio com a
UNEMAT estendendo a parceria até o ano de 2014. Durante o
evento, que contou com a participação de Lideranças Indígenas e
19 Vide apêndices.
20 BRASIL. Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007. Dispõe sobre a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília. 2007.
97
demais autoridades, os Mebêngôkre saudaram o secretário
apresentando uma dança tradicional de seu povo. Segundo o
Coordenador do programa, Prof. Dr. Elias Januário, esse dia
representou mais um marco na Educação Escolar Indígena com a
oficialização da abertura de uma pós-graduação específica para
indígenas e a consolidação da formação continuada para os Povos
Indígenas (Equipe PROESI).
Ao retornarem às 14h30min, foi proposta uma atividade em que foi
distribuída uma ficha para que os alunos se identificassem e escrevessem
quais temas no Direito eles gostariam de estudar na disciplina “Direito e
Legislação” na etapa presencial em julho.
Logo após, receberam um questionário com perguntas sobre o Decreto
nº 6040 para que entregassem em julho na etapa presencial. Após coletar as
fichas, voltamos a analisar o decreto e os alunos questionaram sobre a
ausência de políticas públicas para os indígenas.
Questões sobre o Decreto Presidencial nº 6040/2007
1. O acadêmico já conhecia o texto do Decreto?
2. A visibilidade política e jurídica, um dos fundamentos dessa política será
realmente alcançada no contexto atual no Brasil?
3. Houve algum contato entre os representantes das populações indígenas da
Comissão Nacional em sua aldeia?
4. Como são tratados os eixos Identidade e Território em sua comunidade?
5. Quais as necessidades e anseios de sua comunidade quanto à
implementação dos eixos temáticos da política?
6. Quais as ações e os programas governamentais que foram ou estão sendo
implementados em sua aldeia?
7. As oficinas sobre legislação serão importantes para o PROESI?
8. Como poderão ser multiplicadas as informações em sua aldeia? E dentro das
escolas?
9. Faça uma oficina sobre essa legislação em sua aldeia ou sala de aula e
recolha as percepções dos alunos ou membros da comunidade
Apresentamos aqui as respostas apenas das questões 5 e 9: Quais as
necessidades e anseios de sua comunidade quanto à implementação dos eixos
temáticos da política? Faça uma oficina sobre essa legislação em sua aldeia ou
sala de aula e recolha as percepções dos alunos ou membros da comunidade.
A escolha dessas questões revelam os anseios das comunidades e
podem servir como indicadores e indicativos para fundamentar as demandas
das comunidades indígenas quanto aos eixos temáticos contidos no Decreto,
referentes à identidade, territórios, programas e ações governamentais, uma
98
vez que são as comunidades tradicionais que devem se auto-identificar para
que sejam implementados os outros dois eixos.
Nossas lideranças orientam a comunidade para valorizar e defender o
nosso território tradicional onde nasceram e viveram nossos
ancestrais. Estamos lutando para demarcar o Kapôtnhinore, que
também é nosso território que foi invadido pelo não-índio, os velhos
também nos orientam para manter a nossa cultura tradicional.
(Beboiti- Mebêngôkre)
Sempre na minha comunidade reunimos para poder realizar uma
reunião junto com a FUNAI para que a nossa demarcação saia logo
para que dentro da nossa terra praticamos as nossas identidades
porque da terra precisamos tudo que tem. (Arlindo- Kayabi)
A nossa identidade cultural até hoje está presente no nosso dia-a-dia,
mantendo as tradições dos nossos antepassados. Referente ao
nosso território podemos afirmar que hoje estamos assegurados pó
lei. (Rosa-Zoró)
A intenção das comunidades é elaborar o projeto através da política
desenvolvimento sustentável de qualidade de vida, o projeto de peixe,
projeto de pequi para permanecer a sua alimentação tradicional e
também fortalecer as suas culturas. (Cosme-Xavante)
Sim, a comunidade tem muita vontade que o texto se torne uma
realidade entre a comunidade, ou seja, que a escrita se transforme
em ações. (Alzirene-Tapirapé)
Em relação a essa implementação a prioridade seria educação e
saúde que está sendo necessário no momento, e recurso para poder
desenvolver algum trabalho dentro da aldeia. (Edinho-Bororo)
A segunda questão escolhida traz relatos de como o estudante
universitário de posse dessas informações multiplicaria na aldeia. Para essas
percepções não foram estabelecidos critérios e nem metodologias de
abordagem, funcionando de maneira livre.
A multiplicação e produção de novos conceitos consistem num dos
objetivos desta pesquisa colaborativa e como professores/membros da
comunidade, esses colaboradores se dispuseram a informar a comunidade
sobre o Decreto e sua influência no cotidiano da aldeia.
Hodiernamente essas técnicas são muito utilizadas nos projetos
socioambientais que visam multiplicar as informações, onde as pessoas são
capacitadas e posteriormente multiplicam o conhecimento técnico-cientificosocial, beneficiando assim toda a comunidade.
99
As idéias das comunidades, quanto dos alunos, são a mesma: que
não pode ser só escrita no papel para ser de enfeite. Mas sim, que
seja colocada em prática e seja cumprida realmente. (Cecílio-Paresi)
As percepções do meu povo Umutina e do nosso chefe de posto é o
seguinte: ainda falta atenção direcionada às comunidades indígenas,
quilombolas e ribeirinhos. É necessário que se descubra a
importância de manter estas populações no seu território tradicional,
oferecendo um mínimo para sobreviver. (Rosiney- Umutina)
Nossas lideranças já sabem sobre esse plano do governo. Através do
Administrador de Regional de Colíder-MT participaram de uma
reunião com técnicos do governo, representantes do Banco Mundial e
Interamericano para discutir um projeto de coleta de comercialização
de óleo de copaíba, breu branco, seringa e apicultura. (PatkoreMebêngôkre)
Esta oficina foi realizada com membros da comunidade e alunos,
trabalhei com eles e os mesmos ficaram todos entusiasmados em
saber que tinham por lei um amparo e que o governo tinha uma
preocupação em atendê-las. (Francisco-Zoró)
Fiz a oficina sobre essa legislação, o que nós entendemos sobre as
leis. A nossa dificuldade é aprofundar os conceitos para aprender
usá-lo na reunião, no processo e no discurso. A comunidade incentiva
os professores indígenas para aprender viver a tecnologia de bom
desempenho dos conhecimentos para articular dentro da área
indígena. A oficina é muita importante de chamar atenção a todos os
alunos e professores. (José Laurício- Xavante)
Esta oficina foi realizada com alunos da Escola Zamã Korej Pangyjej,
das séries 5ª, 6ª e 7ª. O que pude perceber é que eles não tinham
conhecimento desta legislação e muito menos do que tinha escrito
nela, só então, após terem lidas e debatidas é que tiveram a noção
do que se tratava. Depois da leitura começou a surgir perguntas e
dúvidas referente o que se tratava o Decreto. (Edmilson-Zoró)
Segunda-feira à noite, na aldeia Anguj Tapua, uma oficina com a
Comunidade, foi feito por mim sobre Desenvolvimento Sustentável no
Decreto 6040 de 07/02/07. Estavam presentes quase todos da
comunidade. Eu expliquei os detalhes do Decreto. A comunidade
gostou porque esse Decreto apóia o trabalhão das comunidades
indígenas e se preocupa com meio ambiente e com o futuro das
comunidades. A comunidade entendeu que o projeto da CONAB que
apóia o nosso trabalho de coleta da castanha do Brasil está apoiado
neste Decreto e que existe outras possibilidades de trabalho nesta
mesma linha. (Jair- Zoró)
Aqui na minha aldeia eu fiz uma pequena oficina sobre essa
legislação. Eu fiz com uns membros da comunidade, porque o meu
aluno é muito pequeno ainda, por isso eu fiz com membros da
comunidade. Mas algumas pessoas já sabiam essa história de
legislação, porque eles ouviram essa história de legislação muito
tempo, por isso eles entende um pouco a respeito sobre legislação.
Legislação é um direito do povo indígena. Por isso para mim é muito
importante essa legislação, porque através da legislação que eu
estou estudando na Universidade para conhecer melhor essa
100
legislação. Também através dessa legislação o povo indígena estão
ensinando o seu aluno diferente na escola. (Rogério-Tapirapé)
Fiz uma pequena oficina com os alunos dentro da sala de aula, onde
cada qual expôs as suas percepções. A maioria colocou que seria
muito importante, onde a PNPT, estaria trazendo melhores condições
para os povos indígenas. Em busca de ter uma saúde melhor, ter
alimentos de qualidade que é o direito dos povos e comunidades
indígenas. E também colocaram a respeito de ele estar garantindo o
território e de não deixar de perder o valor que a cultura tem e sobre a
política que a comunidade precisa estar se envolvendo em relação
aos direitos dos povos e comunidades tradicionais. (Edinho-Bororo)
Assim que voltei para Cáceres comecei a preparar as aulas, pois tinha
duas atividades dentro da pesquisa: continuar a revisão bibliográfica e planejar
as aulas.
Os temas contidos nas fichas serviram como indicadores para selecionar
as temáticas que direcionavam para o estudo dos “direitos indígenas”. Agora
estava indo muito além do que estava pensando. Mas logo me encantei com a
idéia,
iria
participar
da
pesquisa
e
ainda
teria
a
possibilidade
de
ensinar/aprender, vivenciar espaços tão diferenciados do meu.
Aos poucos fui compreendendo que o educador deve favorecer o
diálogo, a participação, respeitar as opiniões e necessidades da turma, e
abordar currículos que atendam as demandas sociais e culturais da realidade
local, e isso adquire mais sentido quando se dialoga com treze etnias em um
espaço privilegiado da formação de professores.
Dessa forma esses diálogos devem buscar a contextualização em todas
as dimensões, pois enfatiza Barcelos (2007) que o:
(...) trabalho com as questões ambientais na perspectiva da formação
de professores(as), e num tempo de grandes transformações
científicas, estéticas, éticas, simbólicas, políticas e religiosas não
pode se eximir de suas implicações políticas e sociais (BARCELOS,
2007, p. 9).
Assim, não se pode ver ambiente apenas como espaço de vida, de
verde, mas ir mais além, é preciso senti-lo como espaço de vivências, de interrelações e de solidariedade.
No momento de escolha dos temas, os estudantes universitários tinham
apenas a questão-“que tema do Direito gostariam de ver na disciplina ‘Direito e
Legislação’?”
101
Ao categorizar os tópicos escolhidos pelos estudantes, foram
selecionados os seguintes temas: Estatuto do Índio; Decreto 6040; Código
Penal; legislação funcionalismo; LDB; Resolução 03/99; Direitos Humanos;
Constituição Federal; Direito do Trabalhador; Conselho Tutelar; Convenção
169; leis ambientais; legislação deficiente físico; Estatuto do Idoso; Estatuto da
Criança e Adolescente; Lei Maria da Penha e Direito do Consumidor.
Por que foi adotada esta metodologia para escolha dos temas?
A educação intercultural tem como premissa um currículo específico e
intercultural, assim difere do currículo de outras Universidades, pois são
valorizadas as necessidades da comunidade, que é o espaço de aplicação e
multiplicação das vivências da Universidade.
De que adiantaria planejar uma disciplina de 40 horas e não atender às
necessidades dos estudantes nem de suas comunidades?
Ao analisar as fichas pude então fazer o planejamento das aulas21 e pelas
temáticas distribuí os conteúdos em sete pastas que foram assim nomeadas:
Introdução e Direito Constitucional; Direito do Meio Ambiente; Direito das
Mulheres; Direito dos Idosos; Direito da criança e do Adolescente; Direito do
Consumidor e Direitos Indígenas.
Nestas pastas estavam além da legislação, reportagens e textos que
foram selecionados durante o planejamento das aulas e durante a semana.22
Trabalhamos na perspectiva de um conteúdo aberto, construído à medida que
as discussões fossem ganhando consistência.
Esta metodologia foi interessante, pois as abordagens temáticas
dimensionavam o interesse pelo assunto e as reportagens contextualizavam a
disciplina ganhando uma dinamicidade na construção dos saberes.
O conteúdo programático era enriquecido durante a semana para no
final materializar, “tomar corpo”. Foi gravado um CDROM com todas as pastas,
que foi entregue na sexta-feira antes do encerramento.23
Este foi um momento de descontração, pois no dia anterior sugeri que os
alunos confeccionassem a capa. Fizeram desenhos representando as etnias
21 Vide apêndices.
22 Vide anexo.
23 A cópia do CDROM com todo conteúdo pode ser encontrada no arquivo do PROESI.
102
com muita criatividade, despertando curiosidades por estudantes de outra
turma que por sinal estavam tendo aulas de “História da Arte” (Figura 17).
Alguns temas provocaram discussões mais contundentes, entre elas a
abordagem do Código Penal, pois a partir da leitura dos artigos os
questionamentos eram unânimes: “índio pode ou índio não pode?”, pois para
os estudantes o que tem validade é a legislação internacional em vigor, a
Convenção nº 169 da OIT, a qual era interpretada que o indígena não poderia
ser preso.
Figura 17: Desenhos da capa CDROM - atividade da disciplina.
Foto: Sandra Lima, 2008.
Após a abordagem dos artigos, de comparar os ditames legais
prevaleceu um entendimento sobre a questão da prisão, de que esta pode ser
executada em qualquer momento, tanto pela Polícia Federal quanto pela
Polícia Civil ou Militar, desde que em flagrante delito ou com mandado de
prisão judicial autorizando.
Quanto
ao
cumprimento
da
pena,
este
sim
deve
seguir
as
recomendações do artigo 9º da convenção que deve buscar “compatibilizar o
sistema jurídico nacional com os direitos humanos internacionalmente
103
reconhecidos” respeitando as medidas que tradicionalmente recorrem esses
povos para punir delitos cometidos por seus membros e “as autoridades e
tribunais devem levar em conta os costumes dos povos”.24
A Lei Maria da Penha, que trata da violência doméstica, foi um tema
muito questionado e nesta abordagem enfatizaram que os direitos das
mulheres devem ser respeitados e essas informações multiplicadas nas
comunidades.
Outra questão relevante foi a abordagem sobre as Terras Indígenas que
não são concebidas como propriedade particular e que são protegidas pela
Constituição Federal e legislações infraconstitucionais em vigor no país. A
visão e o sentimento de pertencimento têm relações diretas com a propriedade
comunitária.
Abordamos os interesses dos indígenas e os estudantes relacionaram
direitos que não envolviam grandes questões econômicas e de interesse
comercial, embora algumas falas demonstrassem que o tema ainda é
controverso.
É interessante mencionar que nas questões sociais e humanas “um
tema gera outro” e de certa forma tratamos de todos os “direitos específicos
constitucionais e infraconstitucionais”, pois no critério de priorização prevaleceu
essa categorização.
No decorrer da semana foram propostos questionamentos sobre
proposições das aulas, usando a dinâmica do seminário integrador. Também
foram feitas dissertações livres por questionamentos previamente formulados
como “O que é ser índio ou índia para você?”; “Você se considera “integrado”
ou “interado” na sociedade brasileira? Por quê?” e “Construa a percepção do
que é Direito”.
Essas questões foram solicitadas no começo da semana, antes de
serem abordadas várias temáticas. Transcrevo aqui algumas dessas
percepções.
“O que é ser índio ou índia para você?”
24 Cf. site www.planalto.gov.br/consea/Static/documentos/Eventos/IIIConferencia/conv_169.pdf
104
Para mim ser índia é ter orgulho da minha cultura, de opinar pelos
meus direitos como indígena e fazer valer esse direito. (Rosiney Umutina)
Ser índio ou índia tem que se identificar a sua raça mesmo que esta
no meio de outras raças, não deixar de ser o que você é, não
negarem a sua identidade. (Vanderlei - Paresi)
Ser índio é a minha identificação étnica, cultural, crença, costumes e
pinturas corporais. Onde na sociedade ocidental há várias
classificações de grupos ou comunidades, por exemplo, gaúcho,
mineiro e nordestino. No descobrimento do Brasil, uma comunidade é
identificado e chamado de indígenas ou índios, por andarem com
mínimos trajes, arco e flecha. Desde o principio, a nossa identidade é
a cultura, língua materna, pinturas em gerais, corpos e objetos é a
nossa raiz. Isso é ser índio. (Juscinei - Bororo)
Ser índio está no sangue. Porque não há como julgar um indígena na
contemporaneidade. Por mais que perde a sua cultura, língua e
tradições culturais não deixará de ser como é. Certamente não será a
mesma pessoa como era no passado vivendo da caça e pesca. Mas
continuara sendo índio pelo fato de nascer índio. (Messias - Terena)
“Você se considera “integrado” ou “interado” na sociedade brasileira? Por quê?”
Eu considero interado, porque o povo indígena já foi reconhecido a
sua identidade. Sendo assim, nós não deixamos a nossa realidade
mantendo as nossas línguas materna, para isso lutamos e buscamos
a implantação do governo porque temos direito de cidadão. (Jair Zoró)
Considero-me interado. Porque os conhecimentos que estou
adquirindo está me conduzindo na minha vida. Mas, não deixo de ser
o que sou, falo o meu idioma, dou muito valor para minha cultura e
nunca negarei de ser “Paresi”. (Cecílio - Paresi)
Sou integrado na sociedade, pois a partir do momento em que falo de
povo indígena, é sempre comentado na sociedade, mais apesar disso
não tenho as vezes o direito que devo ter como indígena , então a
sociedade não-índia só vê que sou índio quando precisa que seja
visto a favor deles, pois na hora em que nós indígenas precisamos
não temos o apoio deles.(Elias -Terena)
Considero um integrado na sociedade brasileira, porque quando os
indígenas passam a ser documentado ou registrado no senso da
educação ou saúde, ele passa a ser um integrante da sociedade,
mesmo sofrendo grande preconceito nos lutamos pela nossa garantia
e direito e cidadania. Essa é a razão de eu dizer que sou um índio
integrado na sociedade brasileira. (Joel - Terena)
Eu me considero sim “integrada” na sociedade. Principalmente
fazendo parte da educação escolar. (Cristina - Apiaká)
Considero as duas palavras, porque atualmente estamos ingressando
e conhecendo culturas diferentes da cultura indígena que não
pertence ao índio, por exemplo: como os povos indígenas
105
ingressando numa faculdade e banco de trabalho, e isso porque
conhecendo a vida social para adaptar com que estamos
aprendendo. E isso significa que estamos integrando e interando
numa sociedade brasileira. (Zezanias - Paresi)
Eu me considero interado na sociedade brasileira, porque eu pratico a
cultura ocidental e a cultura materna. Pois, atualmente no mundo, eu
posso conviver com as duas sociedades, porém, sempre mantendo a
minha identidade, esta é a minha expectativa. (Koria - Tapirapé)
Considero como interados na sociedade brasileira, porque eu sempre
valorizo a minha etnia Xavante, ao mesmo tempo para não perder a
cultura Xavante. Ao mesmo tempo em que estou fazendo no meio da
cidade o estudo, considero, sou Xavante e a família nada transforma
para outra sociedade. Eu nasci índio e eu sempre vou ser índio. (José
- Xavante)
O juiz federal de Roraima, Helder Girão Barreto em sua função judiciária
se depara diuturnamente com processos envolvendo indígenas. Na obra
“Direitos Indígenas: vetores constitucionais” discute o paradigma da interação,
na contemporaneidade como outra forma de denominação, que dispõe a
comunidade indígena como um grupo social que tem história e valores
próprios, nem superiores ou inferiores às outras. A interação entre culturas
diferentes e a incorporação de novos traços culturais não significam o
abandono da própria identidade étnica, pois é importante que haja uma
definição constitucionalmente adequada do instituto para evitar qualquer
tentativa de excluir a aplicação dos dispositivos constitucionais (BARRETO,
2004).
Sparemberger (2008) analisa os diplomas legais que fazem referência
aos Direitos Indígenas e enfatiza que:
[...] no Estatuto do Índio e na Declaração das Nações Unidas sobre
Direitos dos Povos Indígenas há formas diferentes de perceber o
índio. No primeiro, os índios são tratados numa perspectiva de
inferioridade, ao passo que na atual Declaração, assim como na
Constituição, são tratados numa perspectiva de diferença, ou seja,
não são mais classificados dentro de uma escala evolutiva a partir do
‘paradigma da integração’, sendo-lhes garantido o direito de serem
‘diferentes’ a partir do ‘paradigma da interação’, que respeita a cultura
e os valores indígenas. Assim, a Assembléia Geral da Organização
das Nações Unidas(ONU) aprovou e reforçou o paradigma da
interação na Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos
Povos Indígenas, em 13 de setembro de 2007. Essa Declaração é
resultado de longa resistência do movimento indígena e reconhece,
entre outros pontos importantes, a autodeterminação dos povos
indígenas (SPAREMBERGER, 2008, p. 145- 146).
106
Nesta perspectiva, foi solicitado aos estudantes universitários indígenas
o texto “Construa a percepção do que é Direito” e abaixo selecionamos
algumas construções.
Para termos certeza que temos o direito, devemos estar atento,
fazendo a leitura da Constituição Federal, para que ninguém nos
engane. Também, dizer as autoridades que ela seja cumprida e não
apenas para servir de enfeite do livro. (Cecílio - Paresi)
O mundo atual nos mostra que temos direitos, não porque o “homem
branco” impôs esse direito, mas sim porque isso já vem desde o
principio de nossas vidas como povos indígenas. O fato é que ocorre
por muitas vezes, não conhecer esses direitos e deixando o não-índio
decidir algo por nós. O direito existe, mas o que acontece é que são
contrariados por muitos que tem o entendimento disso, por exemplo,
os juízes, que por inúmeras vezes por interesse financeiro violam
esses direitos. Mas uma coisa é certo, nosso direito não existe
quando nós não há provocamos e fazer ou conhecer esses direitos e
correr atrás deles, isso é essencial para nossa defesa como
cidadão.(Eziel-Terena)
O nosso direito é ter valorização dos nossos costumes e as tradições;
respeitar as leis dos mais velhos, para mim o direito é isso, foi assim
que eu entendi sobre o direito. (Rosa- Zoró)
Direito é o direito que cada ser humano tem, direito de escolher seu
livre arbítrio, sem que ninguém possa interferir na sua própria
escolha. O direito que cada povo tem, seu modo próprio de viver
respeitando as suas diferenças culturais. (Nilce - Terena)
O direito se desenvolve, faz parte de cada um de nós, quem não erra,
quem erra, então pelo meu entendimento sobre o direito é isso.
(Patkore- Mebêngôkre)
Os constituintes das leis não podem deixar o primeiro habitante
desvalorizado. Os índios sejam valorizados para participar junto com
os poderes legislativos pra inserir as reivindicações de direitos e
deveres. (Awajatu- Aweti)
Tem diversas leis no Brasil, fala que o direito de cada população,
temos leis indígenas, sobre o direito dos índios na sua cultura e a
suas terras. O direito de cada sociedade indígena e não-indígenas
também podemos ver e respeitar. Para mim o direito é o respeito, o
que pode e o que não pode, como funciona e como faz. (TakaktumMebêngôkre)
Direito para mim é ter saúde, educação de primeira qualidade e os
meus direitos indígenas respeitados. Sabemos que todos os seres
humanos têm direito de ter uma condição de vida melhor. Mas para
termos essas condições de vida melhor, precisamos conhecer
primeiro as leis que fala o respeito desses direitos para podermos
cobrar das autoridades responsáveis. (Rosiney- Umutina)
107
Percebemos nestes depoimentos que a busca pelo reconhecimento
dos direitos indígenas é primordial para que a visibilidade aconteça. E este é
um processo que vem com muita luta, conforme as palavras de Ângelo (2002),
O surgimento de novas organizações indígenas e de povos que foram
obrigados a se silenciarem para não desaparecerem, e hoje emergem
com toda a riqueza cultural, ainda preservada em seus saberes e
conhecimentos, nos possibilita buscar novas estratégias de
desenvolvimento sem perdermos a identidade como povo.
Para Santos (2005) quando se discute quais direitos possuem os povos
indígenas, deve-se consignar o fato de que os índios possuem o “direito de ter
direito”. Deve-se reconhecer que os povos indígenas são sociedades
complexas e auto-suficientes, pois possuem organização social, cultura,
crenças, tradições, princípios éticos, valores e direito próprios. Enfatiza ainda
que ao interpretarmos os direitos dos povos indígenas,
[...] não podemos ler os direitos dos povos indígenas ao
reconhecimento à luz de preconceitos e concepções ocidentais. Ao
contrário, no que tange aos novos direitos, e em especial aos direitos
indígenas, entendemos que o sistema jurídico brasileiro carece de
uma nova hermenêutica, de uma forma plural e multicultural de
compreender o fenômeno jurídico, forma essa que assegure aos
povos indígenas os direitos que os ventos pós-88 lhes trouxeram
(SANTOS, 2005, P.16).
Esse reconhecimento é possível quando se observa o Direito à luz do
Pluralismo Jurídico que reconhece que a nossa sociedade é plural e possui
ordenamentos jurídicos paralelos ao oficial. Diante disso, é imprescindível que
outros sistemas jurídicos, escritos ou não, devem ser observados. Assim, há
um posicionamento defendido por Santilli (2005) de que,
a enorme sociodiversidade brasileira impede a adoção de uma norma
homogênea ou critério único de representação- afinal, são centenas
de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais, com
enormes diferenças étnicas e culturais entre si, vivendo em distintos
ecossistemas. Evidentemente, as normas de representação individual
ditadas pelo nosso Direito Civil são inapropriadas para contemplar a
enorme diversidade de sistemas de representação dos povos
tradicionais, e o Direito estatal brasileiro deve, portanto, se limitar a
reconhecer e conferir validade jurídica a essas formas de
representação (SANTILLI, 2005, p. 225).
108
3.3.3 Revelando Códigos de Valores das Etnias
A possibilidade de trazer para a Universidade os Códigos de Valores das
Etnias da turma/2008 e representá-los como o “Direito Indígena” em sua
essência perfaz o resultado final desta pesquisa.
Os estudantes detinham a percepção de que o Direito somente existe e
pode ser exercitado se estiver estampado no texto escrito da lei. A partir da
abordagem do que consiste o Direito Consuetudinário e que as leis escritas
tem seu nascimento com o costume, as tradições e os fatos acontecidos na
sociedade, que são os comportamentos do cotidiano que definem a legislação,
os estudantes relataram seus códigos de valores.
Para isso foi proposta a seguinte atividade: “Depois de conhecer um
pouco sobre a legislação não indígena e a legislação indigenista, descreva
como é o Direito dos Costumes Indígenas (consuetudinário) considerando sua
etnia”. Eis a transcrição de algumas respostas representativas das etnias.
Para a etnia Kayabi:
Eu como moro dentro da minha aldeia e vejo que o direito do meu
povo Kayabi é não casar com próprio parente. O costume é casar
com a mulher que não faz parte da família ou casar com a filha do tio
ou tia. Quando a mulher tem filho novo, não pode trabalhar, não pode
comer carne de bichos somente pode comer peixinho como sardinha,
e nem acender fogo, senão pode fazer mal para crianças, só pode
fazer depois de 3 meses. E respeitar os mais velhos, tudo isso existe
na minha comunidade. (Arlindo)
Para a etnia Umutina:
Antigamente no costume do povo Umutina era considerado pecado
maior: não bater nos filhos, nunca perder sua flecha e não casar com
primos(as). Hoje isso não acontece mais, agora com o chefe do posto
que é índio e com o jovem cacique juntos com outras lideranças
estão trabalhando muito nestas questões tradicionais. Nós Umutina
consideramos como costumes: ex; quando bate o timbó a moça que
está menstruada não pode ir pegar peixe, porque não morre; quando
os jovens for fazer uma apresentação cultural não pode esquecer de
usar os trajes tradicionais da dança e também não pode faltar a
bebida e comida tradicional da cultura do povo Umutina. Esses são
uns dos costumes que existe na Aldeia dos Umutinas. (Rosiney)
Para a etnia Zoró:
O Direito do povo Zoró, os costumes nossos assim, por exemplo
quando o jovem quer casar com a menina, ele tem que trabalhar e
109
ajudar o pai dela. O pai da menina observa a ele , como ele trabalha,
se ele está com preguiça, ele não vai casar com a menina. Esse o
nosso Direito do povo Zoró. (Edmilson)
Para a etnia Xavante:
Existem a legislação na etnia Xavante, que considera como a lei os
nossos ancestrais e divide-se de dois clãs. Essa divisão é muito
importante para os povos Xavante, mais vivem unidos, se aconteceu
o brigar no mesmo clã e outro clãs separa para ser em paz. Esses
dois clãs têm direito respeitar de outros clãs. O casamento também é
mesmo, os Xavante não se casado em qualquer pessoas, tem nome
de dois clãs Po’redz’ono e Owawe, se for homem Po’redz’ono ele faz
casamento com a mulher Owawe. Assim é o casamento, mais os
homens e as mulheres não podem brincar o mesmo clã, sabemos eu
nós todos Xavante próprio da nossa legislação tem que cumprir e
respeitar, o que temos próprio direitos. Adolescente que considera o
padrinho como se fosse o pai, o padrinho que dar conselho para que
não pode fazer alguma coisa errada. Porque tem os anciões que
acompanhando a nossa legislação, e eles têm mais poderes.
(Cosme)
Para a etnia Terena:
Na comunidade terena existe costumes, leis, regras. E leis e regras
são ditas pelo cacique que a comunidade respeita muito. Existe o
trabalho coletivo, em que é marcado um dia específico para um
mutirão na aldeia. Todos os homens e crianças de 12 anos de idade
acima devem participar. Se acaso alguns dos membros da aldeia
obrigados a comparecer não fizer presente, ele é punido com tarefas
a fazer dentro da comunidade. A mesma punição acontece quando
alguns dos membros da aldeia cometem algo errado fora ou dentro
da aldeia, e não importa se homem ou mulher. O cacique reúne com
as lideranças decide em que tarefa os infratores irão ou deverão fazer
por um dia, dois dias, uma semana ou até um mês dependendo do
ato cometido. E não esquecendo, é claro, que isso vale para todos
aqueles(as) que são de acima de 12 anos de idade. (Eziel)
Para a etnia Bororo:
Na minha aldeia tem dois clãs. O casamento é feito nos clãs
diferentes, não pode ser do mesmo, porque na cultura não é
permitido. Desde pequeno a família orienta e aconselha para se
tornar um homem de bem, honesto e justo, seja dentro da aldeia ou
lugar onde estiver. Quando namora e decide casar, não pose com a
mulher do mesmo clã. Quando o individuo da aldeia comete um
delito, que seja grave, por exemplo, um homicídio, ele responde essa
pena no Código Penal da Justiça. E com certeza ele cumpria essa
punição na cadeia. (Juscinei)
Para a etnia Paresi:
Na infância da mulher, ela pode ver a flauta sagrada. A partir de
receber a primeira menstruação é impedida (porque pode fazer mal
pra ela). Somente o homem pode dançar com as flautas e ser
110
tocadas, sem ser vista pelas mulheres adultas. A xixa(bebida) é
preparada somente pelas mulheres. O casamento é feito, somente
com aceitação dos pais e dos próprios casais. (Cecílio)
Para a etnia Mehinako:
Na nossa aldeia existe outra lei que somente a etnia Mebêngôkre
utiliza tradicionalmente durante a vida do povo como, por exemplo,
casamento tradicional tem que optar e conversar com pai se ele pode
casar com a menina que gostou. O pai e a mãe do rapaz aceita
concordam com o casamento dele durante a festa ela está
comprometida de casar no inicio da festa. Ele casando e dentro da
casa da sogra e do sogro é proibido ele não pode conversar com a
cunhada, com o sogro e a sogra é o direito de ele respeitar a família
dos outros, motivo ele está recém casado. (Kokopieti)
Para a etnia Mebêngôkre:
A relação do Direito do meu povo existe entre os homens e as
mulheradas, como música, festa, pintura e alimento comestível. A
regra do costume do povo, completamente desigual do passado
como atual. A casa dos homens nenhuma mulher não pode entrar e
nem menino, que não é rapaz. Quando tiver a festa da mulher
nenhum homem comparecer no meio. Tem a regar também para o
homem e mulher (casal) quando ter primeiro filho, o homem nem
aparece na casa do homem e nem andar em qualquer rumo, no pátio
da aldeia e nem a mulher também. Só pode quando ele vai se pintar
e a mulher também. Tem muita coisa que existe ainda na nossa
tradição. E o Direito Penal mesmo muito complexo na nossa
sociedade. (Txuakre)
Santilli (2005) adverte que para compreender o direito dos povos
indígenas, é preciso
[...] se libertar de concepções positivistas e formalistas do direito, de
que a lei contém todo o direito e com ele se confunde. O monismo
jurídico – que orienta a formação da maior parte dos profissionais do
direito- se prende à idéia do direito estatal único, e de que o Estado é
a única fonte do direito. O monismo jurídico desconsidera a
existência, no mesmo espaço territorial, de uma sobreposição de
ordens jurídicas, concorrente com o direito estatal e a diversidade de
sistemas jurídicos desenvolvidos pelos povos tradicionais (SANTILLI,
2005, p. 217-218).
No encerramento da disciplina os alunos destacaram a importância do
estudo do Direito de cada etnia representada na leitura do texto Agradecimento
por Joel Terena (p.112).
O pluralismo jurídico reconhece e objetiva a visibilidade dos códigos de
valores e costumes das sociedades indígenas como “Direitos Indígenas” em
111
sua essência deixando de acolher o direito apenas como norma oriunda
unicamente do Estado, pois valorizar as mais diferentes etnias, seus
comportamentos, suas tradições e seus conhecimentos.
Essa atividade foi considerada pelos estudantes como a possibilidade de
diálogos com a comunidade para fortalecer o movimento indígena e
principalmente multiplicar na escola indígena que os direitos e os deveres são
inerentes de cada sociedade.
Finalmente, é preciso reconhecer a pluralidade em todas as dimensões,
pois somente dessa forma conseguiremos falar em sustentabilidade neste
planeta.
112
Agradecimento
Professora, a vida é a razão do viver.
Estudando com a senhora, pude isso entender.
Leis, costume, doutrina e direitos.
Que há muito tempo eu ouvia, mas não entendia desse jeito.
As leis: indígenas, da mulher e das crianças.
Me chamou tanta atenção, que me deu nova esperança.
De ver os seres humanos, viver em plena liberdade.
Abraçando filhos e esposas, indigena ou não, cantando de felicidade.
Aprendi a entender, ter uma nova visão.
Dos direitos indigenistas, que existe e não é em vão.
Basta apenas fazer valer, todos vão entender.
Que os índios são seres humanos, com direito a viver.
Muitos já morreram, lutando sem resultado.
São triste lembranças, do esforço do passado.
Lutando com arco e flexa, borduna e machadinho.
Tentando dar vida digna para os filhos e netinhos.
Mas agora posso dizer, conheci minha razão.
Vou lutar até o fim, com toda dedicação.
Quero ver felicidade, paz, amor e educação.
São os meus agradecimentos a professora Sandra Lima
De todo meu coração.
(Texto de Joel Mário Terena- Turma 2008/01)
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mosaico de interculturalidade proposto para esta pesquisa trouxe
como base as discussões sobre a interdisciplinaridade e a interculturalidade
convergindo com muitas áreas do saber. As Ciências Ambientais em sua tarefa
de conectar estes saberes auxilia a Educação Ambiental unindo a Antropologia
e suas caracterizações, o Direito, a legislação, a arte e possibilita este diálogo
plural.
A formação de professores indígenas no contexto da educação
intercultural tem significado um avanço na valorização da cultura indígena em
todas as suas dimensões. Pioneira na América Latina, a Faculdade Indígena
Intercultural
vem
concretizando
este
ensino
específico,
intercultural,
diferenciado, bilíngüe e de qualidade.
Ao resgatar os fatos contidos nas Atas de reuniões da Comissão
Interinstitucional para a Elaboração de Anteprojeto de Licenciaturas Específicas
para a Formação dos Professores Indígenas foi possível ressignificar a fase
embrionária e com isso compreender como foi a atuação dos indígenas e
colaboradores nesta construção e desenvolvimento do ensino superior
indígena.
Até a pré adolescência, preparando-se para expandir seus horizontes
como Faculdade Intercultural Indígena, pode-se visualizar na história do
PROESI com a representatividade dos vários sujeitos que o compõem,
indígenas e não indígenas, a busca na concretização da implementação de um
processo
complexo
de
formação
da
sociedade
brasileira
com
suas
experiências, dificuldades, facilidades e desafios na arte da docência, da
aprendizagem e do compromisso de formação e multiplicação do conhecimento
nas escolas indígenas.
Com a abordagem de novas metodologias pedagógicas e construindo
cotidianamente
preconceitos,
um
mosaico
problematizando
de
a
conhecimentos
tolerância,
e
de
respeitando
superação
a
de
diversidade
socioambiental e promovendo diálogos interculturais procura alcançar a
sustentabilidade.
114
Assim, devem buscar a concretização dos eixos que complementam os
objetivos a proposta maior a de que os indígenas deverão conduzir esse
processo de interação e convivência com a sociedade em suas práticas
culturais e educacionais, “desnaturalizando” as práticas de integração,
assimilação e aculturação antes da Constituição Federal de 1988 e continuar
construindo o mosaico multicultural e intercultural.
A
experiência
relatada
nesta
pesquisa
qualitativa
primou
pela
valorização dos dados obtidos. O lócus pesquisado e os colaboradores que
definiram as interferências e colaboraram de maneira a construir novos
conceitos, relatar o cotidiano e as regras estabelecidas nas aldeias como
normas e valores a serem seguidos, assim como permitiu que outras culturas
presentes no espaço da sala de aula compartilhassem dessas informações.
Discutir o Direito e a legislação neste espaço multiétnico e plural
possibilitou
a
valorização
dos
conceitos
abordados
pelos
estudantes
universitários indígenas e a realização do diálogo intercultural.
A partir do
estudo do “Direito Ocidental” e do “Direito Indigenista” a abordagem dos
conceitos do “Direito Indígena” foi construída valorizando o conhecimento
prévio e os anseios da comunidade no ambiente da Universidade.
Ao
classificar
percebemos
que
a
os
temas
escolha
sugeridos
pelos
estudantes
preponderou
sobre
direitos
indígenas
especiais
e
comunitários destinados à proteção daqueles que a lei, a jurisprudência,
os costumes e os princípios de direito definem como merecedores de
atenção especial, como por exemplo, o meio ambiente, as mulheres, as
crianças e adolescentes, os portadores de necessidades especiais, o
idoso, os consumidores, os indígenas e povos e comunidades tradicionais.
A metodologia utilizada nas aulas com as reportagens possibilitou aos
estudantes entender a ciência do Direito como estudo do comportamento
humano, fruto do movimento da sociedade bem como de uma construção que
deve ter por base o diálogo multicultural, por isso conhecer os códigos
positivados, as leis indigenistas e revelar o Direito Consuetudinário das aldeias
se materializa como mais um instrumento de resistência e luta para os povos
indígenas.
115
Trazer para a Universidade as informações e contextualizações do
Direito e da legislação permitiu aprofundar as reflexões acerca dos direitos
especiais, personalíssimos e comunitários reafirmando a necessidade da
garantia da especificidade de cada etnia com respeito e tolerância no contexto
da interculturalidade.
O Direito Indígena estruturado pelos costumes e valores das
comunidades indígenas foi identificado pelos colaboradores como “Direito
Essência” consolidado independente da ingerência estatal, pois é exercitado
pelos membros da comunidade no seu cotidiano. Com a pesquisa junto
à comunidade foram discutidos e somados os vários entendimentos dos
códigos de valores e normas das etnias dentro do espaço do pluralismo
jurídico.
A forma com que cada etnia aplica o direito nas comunidades garante
que o direito costumeiro ou consuetudinário se perpetue e se faça exercitar. Os
estudantes universitários e professores que já atuam na educação escolar
indígena se responsabilizaram em transmitir o conhecimento das mais variadas
formas de aplicabilidade da ciência do Direito nas escolas e também nas
aldeias, quer sejam em oficinas, em textos informativos, reuniões dos
conselhos bem como nas festas da comunidade completando o ciclo formação
e multiplicação.
Enfatizaram ainda a necessidade dos povos indígenas reivindicarem no
Congresso Nacional, Assembléias e Câmaras legislativas possíveis inclusões e
exclusões de assuntos que estão sendo debatidos no cenário legislativo,
exercitando assim os princípios da educação ambiental: conhecer, envolver e
partilhar.
Muitas limitações foram observadas nesta pesquisa colaborativa. Os
estudantes reconheceram que devem intensificar as leituras para assimilar os
conceitos, termos técnicos e vocabulário próprios do Direito para melhor
entenderem a dinâmica dos processos legislativos bem como a atuação das
diversas instituições envolvidas na aplicabilidade das diretrizes legais.
O estudo de várias temáticas possibilitou abordar vários aspectos legais,
econômicos e socioambientais como a auto-identificação dos povos e seu
116
reconhecimento, a propriedade comunitária e privada, assim como seus
interesses na gestão dos recursos ambientais que estão nas Terras Indígenas.
Dentre as problemáticas sociais que mais preocupam os indígenas nas
aldeias foram identificadas a criminalidade, o alcoolismo, a prostituição e as
drogas, o que para os professores das comunidades se torna urgente e
necessário a confecção de políticas públicas voltadas para combater esses
problemas, com educação de qualidade, valorização dos costumes e efetivo
exercício de respeito às diferenças culturais.
Ao refletir sobre essa “pedagogia do encontro” e relatar as narrativas dos
professores, alunos e colaboradores percebe-se que é impossível não se
envolver e reforçar as metas que esse ensino diferenciado, intercultural e
específico propõe.
Para os estudantes indígenas, colaboradores desta pesquisa, conhecer
as normas de outras etnias resulta numa união mais consistente de forças na
luta por seus direitos constitucionais e pelos direitos que lhe são inerentes por
serem indígenas e cidadãos do mundo.
Para a pesquisadora este mosaico de interculturalidade foi uma
possibilidade de encontro com o exercício dos princípios da Educação
Ambiental de solidariedade e de alteridade que nos fazem humanos, pois é na
complexidade que se verifica o crescimento, assim como no reconhecer e no
respeitar a diferença que nos tornamos partes deste Universo.
Ao reconhecer as limitações em conhecer esse universo cultural ímpar,
da experiência de vivenciar esse encontro intercultural, de compreender que o
Direito é fruto da produção humana e que podemos marginalizar ou caminhar
juntos no processo cultural reforça a percepção de que o “outro” complementa
o “eu” e fica impossível ignorar o “nós”.
117
REFERÊNCIAS
ANGELO, F. N. A Educação e a Diversidade Cultural. Cadernos de educação
escolar indígena, Barra do Bugres - MT, v. 1, p. 34-40, 2002.
AZIBEIRO, N. E. Educação intercultural e complexidade: desafios emergentes
a partir das relações em comunidades populares. In: FLEURI, R. M. (Org.).
Educação Intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003,
p. 85-107.
BARCELOS, V. H. L. Antropofagia cultural brasileira e educação ambiental:
contribuições à formação de professores. In: I Congresso Internacional de
Educação ambiental dos Países lusófonos e Galícia, 2007, Galícia:
CEIDA, 2007, v.1, p. 01-18.
BENJAMIN, W. O narrador. Magia e técnica, arte e sociedade. SP:
Brasiliense, 1986.
BENJAMIN, Walter. “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai
Lescov”. In: Magia e Técnica, Arte e Política - Obras Escolhidas (7a ed.). São
Paulo: Brasiliense, 1994.
BARRETO, H. G. Direitos indígenas: vetores constitucionais. Curitiba: Juruá,
2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade. Educação Escolar Indígena: diversidade
sociocultural indígena ressignificando a escola. Brasília: MEC/Secad, 2007.
BRITO, A. J. G. Etnicidade, alteridade e tolerância. In: COLAÇO, T. L.
Elementos de Antropologia Jurídica. São José: Conceito Editorial, 2008. p.
41-57.
BURKE, P.(Org.). A Escrita da História. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
CANDAU, V. M. F. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões
entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v. 13, p. 45-56,
2008.
CARVALHO, I. C. de M. Educação ambiental: a formação do sujeito
ecológico. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2006.
CARVALHO, M. R. de. Os índios pedem passagem. Ciência e Cultura, 2007,
v. 59, n. 2, p. 29-31.
COLAÇO, T. L. Direito e Cotidiano: uma experiência a ser relatada. In: XIV
Congresso Nacional do CONPEDI, 2006, Fortaleza. Congresso Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006.
COLAÇO, T. L. O despertar da Antropologia Jurídica. In: Elementos de
Antropologia Jurídica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 13-38.
COLLET, C. L. G. Interculturalidade e educação escolar indígena: um breve
histórico. In: GRUPIONI, L. D. B. (Org.). Formação de Professores
Indígenas: repensando trajetórias. Brasília: MEC/SECAD, 2006, p. 115-129.
118
DA MATTA, R. Trabalho de campo. In. Relativizando: uma introdução à
antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1990. p. 143-173.
DIAZ-ROCHA, P. E. Interdisciplinaridade e Meio Ambiente em Cursos de
Pós-Graduação no Brasil. 2001, 414p. (Tese de doutorado) - Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.
FLEURI, R. M. Multiculturalismo e interculturalismo nos processos educativos.
In: Ensinar e aprender: sujeitos, saberes e pesquisa/ Encontro Nacional de
Didática e Prática de Ensino. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 67-81.
FLEURI, R. M.Cultura: uma categoria plural. In: Reinaldo Matias Fleuri. (Org.).
Intercultura: estudos emergentes. Ijuí: Unijuí, 2002a, p. 7-17.
FLEURI, R. M.. Desafios à educação Intercultural no Brasil. In: Reinaldo Matias
Fleuri. (Org.). Intercultura: Estudos emergentes. Ijuí: Unijuí, 2002b, p. 128-150.
FOOTE-WHITE, W. "Treinando a Observação Participante", in: GUIMARÃES,
A. Z. Desvendando Máscaras Sociais. Rio de Janeiro, Francisco Alves,
1990.
FREIRE, J. R. B. Trajetória de muitas perdas e poucos ganhos. In: Educação
Escolar Indígena em Terra Brasilis, tempo de novo descobrimento. Rio de
Janeiro: IBASE, 2004, p. 11 a 32.
FRANCHETTO, B. As artes da palavra. Cadernos de educação escolar
indígena, Barra do Bugres, UNEMAT, v. 2, n. 1, 2003.
GEERTZ, C. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. In.
A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. p. 3-21.
GRANDO, B. S. Índio Brasileiro, Integração e Preservação. In: Reinaldo Matias
Fleuri. (Org.). Intercultura: Estudos Emergentes. Ijuí-RS: Unijuí, 2001, p. 101116.
GRUPIONI, L. D. B. Educação em contexto de diversidade étnica: os povos
indígenas e o paradigma da educação intercultural no Brasil. In: RAMOS, M.
(Org.). Diversidade na educação: reflexões e experiências. Brasília:
SEMTEC/MEC, 2003, p. 111-121.
IBIAPINA, I. M. L. de M. Pesquisa Colaborativa: investigação, formação e
produção de conhecimentos. Brasília: Líber Livro Editora, 2008.
JANUÁRIO, E.; SILVA, F. S.; KARIM, T. M. Desafios e Perspectivas na
Educação Superior Indígena. Cadernos de Educação Escolar Indígena, v. 5,
p. 43-50, 2007.
JANUÁRIO, E. Projeto 3º Grau Indígena: Os desafios da Formação Superior
para Indígenas em Mato Grosso. Anais da I Conferência Internacional Sobre
Ensino Superior Indígena, UNEMAT - Barra do Bugres / MT, v. 01, p. 153157, 2005.
JECUPÉ, K. W. A Terra dos mil povos: história indígena brasileira contada
por um índio. São Paulo: Peirópolis, 1998.
LIMA, E. de S. A imaginação e a escola. Revista Nova escola on-line, São
Paulo, SP, Ed. 166, out. 2003. Seção Com a palavra. Disponível in:
119
http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0166/aberto/mt_242279.shtml. Acesso
em: 10 nov. 2008.
LIRA, G. V.; CATRIB, A. M. F.; NATIONS, M. K. A Narrativa na Pesquisa Social
em Saúde: Perspectiva e Método. Revista Brasileira de Promoção da Saúde,
Fortaleza-CE, v. 16, n. 1/2, p. 59-66, 2003.
MAHER, T. M. Formação de Professores Indígenas: uma discussão
introdutória. In: L. D. B. Grupioni. (Org.). Formação de Professores
Indígenas: repensando trajetórias. Brasília: MEC/SECAD, 2006, p. 11-37.
MAIA, M. A. R. A revitalização de línguas indígenas e seu desafio para a
educação intercultural bilíngüe. Tellus (Campo Grande), v. 11, p. 01-13, 2006.
MANINI, M. P. Os usos da iconografia no ensino e na Pesquisa: o acervo
multimeios do Arquivo Edgard Leuenroth. Cadernos AEL (Arquivo Edgard
Leuenroth - IFCH/UNICAMP), Campinas - SP, n. 5/6, p. 221-244, 1996.
MEDEIROS, I. A.; GITAHY, L. Universidade e integração de saberes: a
formação de professores indígenas na UNEMAT. In: Congreso Iberoamericano
de Ciudadania y Política Pública en Ciencia y Tecnología, 2008, Madrid. Anais.
Madrid, 2008, p. 01-09.
MINDLIN, B. Referenciais para a formação de professores indígenas: um livro
do MEC como bússola para a escolaridade. Em Aberto, Brasília-DF, v. 20, n.
76, p. 148-153, 2003.
MONSERRAT, R. M. F. Política e planejamento lingüístico nas sociedades
indígenas do Brasil hoje: o espaço e o futuro das línguas indígenas. In: L. D.
B. Grupioni. (Org.). Formação de Professores Indígenas: repensando
trajetórias. Brasília: MEC/SECAD, 2006, p. 131-153.
NASCIMENTO, R. G. do. Educação escolar dos índios: consensos e
dissensos no projeto de formação docente Tapeba, Pitaguary e JenipapoKanindé.2006, 140 p. Dissertação (Mestrado em Educação)-Centro de Ciências
Sociais aplicadas-UFFR, Natal, 2006.
NASCIMENTO, A. C.; VINHA, M.. Educação Escolar Indígena e o Sistema
Nacional de Educação. In: XXIII Simpósio Brasileiro de Política e
Administração da Educação, 2007, Porto Alegre. Por uma escola de
qualidade. Porto Alegre: ANPAE, UFRGS/FACED/PPGEDU, 2007.
NASCIMENTO, A. C. Escola indígena: palco das diferenças. 01. ed. Campo
Grande: Editora UCDB, 2004.
NUNES, Z. C. R. M. História da Educação: espaço do desejo. Em Aberto Revista do INEP/MEC, Brasília, v. IX, n. 47, p. 37-45, 1990.
NUNES, B. M. V. T.; Santos, A. M. R. dos M.; Batista M. E.; SILVA, M. E. D.
da C. e; MONTEIRO, C. F. de S.; Carvalho, M. do L. Memória coletiva da
Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Piauí. Revista Brasileira de
Enfermagem, v. 60, nº 4, 2007.
PESAVENTO, S. J. História & literatura: uma velha-nova história, Nuevo
Mundo Mundos Nuevos, Debates, 2006, [En línea], Puesto en línea el 28
120
janvier 2006. Disponible in: http://nuevomundo.revues.org/index1560.html.
Consultado el 17 octobre 2008.
REDE INTERNACIONAL DE EDUCACIÓN PARA EL DESARROLLO Y
EDUCACIÓN POPULAR (RIEDEP). Mosaico educativo uma saída para o
labirinto. Vitoria–Gasteiz, Disponível in: www.webpolygone.net março 2003.
Acesso em: 28 Nov 2008.
RICOEUR, P. Tempo e narrativa. Trad. Constança M. Cesar. Campinas:
Papirus, 1994.
SANTILLI, J. Socioambientalismo e Novos Direitos: proteção jurídica à
diversidade biológica e cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005.
SANTOS, B. de Souza; NUNES, J. A. “Introdução: para ampliar o cânone do
reconhecimento, da diferença e da igualdade”. Disponível em: <
http://www.ces.uc.pt/publicações/res/pdfs/Introd. Mult Port,pdf > 2005. Acesso
em: 10 Jul 2008.
SANTOS, R. M. dos. Pluralismo, multiculturalismo e reconhecimento: uma
análise constitucional do direito dos povos indígenas ao reconhecimento. In: I
Encontro de Direito e Cultura latino-americanos: diversidade, identidade e
emancipação, 2005, Curitiba. Revista Eletrônica UFPR. Curitiba, 2005. v. 43,
p. 1-25.
SILVA, L. P. Arqueologia e educação escolar indígena na II etapa dos Cursos
de Licenciatura (turma 2005-2009). Cadernos de Educação Escolar
Indígena, v. 5, p. 75-93, 2007.
SOUZA, M. I. P. de; FLEURI, R. M. Entre limites e limiares de culturas:
educação na perspectiva intercultural. In: FLEURI, R. M. (Org.). Educação
Intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 53-84.
SPAREMBERGER, R. F. L. Antropologia e diferença: quilombolas e indígenas
na luta pelo reconhecimento do seu lugar no Brasil dos (des)iguais. In:
Elementos de Antropologia Jurídica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.
p. 125-159.
TOZONI-REIS, M. F. de C. (Org). A pesquisa-ação-participativa em
educação ambiental: reflexões teóricas. São Paulo: Annablume, 2007.
TOZONI-REIS, M. F. C.; TOZONI-REIS, J. R. Conhecer, transformar e educar:
fundamentos psicossociais para a pesquisa-ação-participativa em educação
ambiental. In: 27ª Reunião Anual da ANPED, 2004, Caxambu. Anais da 27ª
Reunião Anual da ANPED, 2004.
WEBER, I. Um copo de cultura: os Huni Kuin (Kaxinawá) do Rio Humaitá e a
escola. Rio Branco, AC: EDUFAC, 2006.
121
ANEXOS
Anexo A- Texto 02- Fontes do Direito Penal...................................................122
Anexo B - Texto 03- Sentença Justiça federal Acre........................................124
Anexo C - Texto 04 - Direitos indígenas na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988...........................................................................127
Anexo D - Texto 05- História do Direito- Direito Indígena: um direito ou uma
concessão do direito estatal?..........................................................................129
Anexo E - Texto 06- Decreto Nº 6.513, de 22 de julho de 2008......................131
Anexo F- Texto 07- Índios vêem ameaça em mobilização do Exército...........132
Anexo G- Texto 08- Governo tenta “convencer” índios de MT a deixar explorar
potencial hídrico...............................................................................................133
Anexo H - Texto 09- “Decreto que autoriza bases militares em terras indígenas
é inconstitucional”, afirma conselho.................................................................134
Anexo I -Texto 10- Crimes indígenas precisam ser esclarecidos....................135
Anexo J - Texto 11- Lei Maria da Penha dá nova visão à família moderna....137
Anexo K - Texto 12-Projeto dá prioridade a processo judicial de indígenas...138
Anexo L - Texto 13- Lobão Filho propõe estender pena de cidadão comum a
índio integrado.................................................................................................139
Anexo M - Texto 14- Obrigação de amparo aos idosos..................................141
Anexo N - Texto 15- Criança indígena não tem direito à família?...................144
Anexo O - Texto 16- Mato Grosso entra na luta pelo fim do infanticídio no
Brasil................................................................................................................145
Anexo P- Texto 17- Lei Nº 11.645, de 10 de março de 2008..........................146
122
Anexo A - Texto 02 - Fontes do Direito Penal
Como dizia o Marquês de Beccaria, Cesare Bonessana, "só uma norma
procedente do poder legislativo, que representa toda uma sociedade unida pelo
contrato social, pode limitar a sagrada liberdade do indivíduo, definindo os
delitos e estabelecendo as penas". Sendo a lei formal a única e exclusiva fonte
imediata do Direito penal incriminador (o que cria ou amplia o ius puniendi), não
podem cumprir esse papel a lei delegada nem os princípios jurídico-penais nem
os costumes.
Leis delegadas: considerando-se que as leis delegadas são elaboradas
pelo Presidente da República (CF, art. 68), parece muito evidente que elas não
servem de fonte para o Direito penal incriminador. Aliás, referidas leis não
podem versar sobre direitos individuais (CF, art. 68, § 1º, II). Daí se infere que
não podem cuidar da definição do delito nem das suas conseqüências
jurídicas.
Princípios jurídico-penais: os princípios jurídico-penais, que são
extraídos dos textos constitucionais, internacionais ou legais, constituem fontes
formais imediatas do Direito penal (em geral), mas tampouco podem definir
crimes ou penas ou medidas de segurança ou agravar penas. Os princípios
ganham força a cada dia na nossa jurisprudência, mas não podem substituir a
lei formal como fonte única do Direito penal incriminador.
Os costumes são "normas" de comportamento que as pessoas
obedecem de maneira uniforme e constante (requisito objetivo), com a
convicção de sua obrigatoriedade jurídica (requisito subjetivo). No âmbito
penal, os costumes, como fontes informais, jamais podem criar crime ou pena
ou medida de segurança ou agravar a pena. Podem, entretanto, beneficiar o
agente (em casos específicos - cf. RT 594/365). Exemplo: imagine um costume
indígena de praticar relação sexual com a adolescente logo após sua primeira
menstruação. Mesmo que ela conte com treze anos de idade, não há que se
falar em delito (nem em presunção de violência). Esse costume seria invocado
pelo juiz para a absolvição do agente (por se tratar de fato atípico).
De qualquer maneira, quanto aos índios, não é correto concluir que a
vida deles está regida exclusivamente pelos seus costumes. O homicídio
praticado por índio, ainda que tenha como vítima outro índio, configura, em
regra, um fato punível de acordo com o Direito penal nacional e, por isso
mesmo, deve o autor responder por ele normalmente. Aliás, em regra a
competência, nesse caso, é da Justiça estadual (Súmula 140 do STJ).
Fontes formais mediatas: duas são as fontes formais mediatas (que
explicam ou interpretam ou aplicam as fontes imediatas ou informais): doutrina
e jurisprudência.
1’) Doutrina: a função da doutrina (opnio doctorum) consiste em interpretar as
fontes formais imediatas do Direito penal. Não conta com caráter vinculante,
mas muitas vezes acaba bem cumprindo seu papel de evitar a improvisação e
o arbítrio, oferecendo conceitos coerentes que muito contribuem para a
sistematização do Direito.
2’) Jurisprudência: a decisão reiterada dos juízes e tribunais num determinado
sentido forma a jurisprudência, que muitas vezes não só é fonte formal do
Direito como inclusive "criadora" dele (por exemplo: quem afirma no Brasil que
123
só existe crime continuado quando as infrações não se distanciam mais de um
mês umas das outras? A jurisprudência. Logo, essa regra foi criada pela
jurisprudência. É lógico que não é uma posição ortodoxa afirmar que o juiz
"cria" o Direito, porém, na prática, é isso o que ocorre (muitas vezes) e
inclusive é legítima essa função do juiz, desde que ele atue no âmbito do vazio
legislativo (para suprir suas lacunas).
3’) Súmulas vinculantes: sendo as súmulas vinculantes uma parte da
jurisprudência consolidada do STF, também elas constituem fonte mediata do
Direito penal. Embora vinculantes, não possuem força de lei nem emanam do
Poder Legislativo. É por isso que não podem ser classificadas como fonte
imediata do Direito penal.
Súmula é a síntese ou o enunciado de um entendimento jurisprudencial
extraída (extraído) de reiteradas decisões no mesmo sentido. Normalmente são
numeradas. Desde a EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) as súmulas podem
ser classificadas em (a) vinculantes e (b) não vinculantes. Em regra não são
vinculantes. Todas as súmulas editadas pelo STF até o advento da Lei
11.417/2006 não são vinculantes. Para serem vinculantes devem seguir
rigorosamente o procedimento descrito nessa Lei, de 19.12.2006, que
regulamentou o art. 103-A da CF (inserido na Magna Carta pela EC 45/2004).
Competência do STF: somente o STF pode aprová-las; nenhum outro tribunal
do país pode fazer isso. Se o STF quiser transformar alguma súmula já editada
(não vinculante) em vinculante, terá que seguir o novo procedimento legal.
Súmula vinculante e súmula impeditiva de recurso: a vinculante só pode
ser emitida pelo STF; a impeditiva de recurso é qualquer súmula criada pelo
STF ou STJ. Por força da Lei 11.276, de 07.02.2006, que alterou o art. 518 do
CPC, "O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver
em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo
Tribunal Federal" (art. 518, § 1º, do CPC); a súmula vinculante vincula
sobretudo o juiz (que é obrigado a respeitá-la); a impeditiva não limita (não
engessa) a atividade jurisdicional, podendo o juiz decidir contra a súmula; caso,
entretanto, decida de acordo com seu sentido, não caberá sequer o recurso de
apelação.
Aprovação por 2/3 dos membros do STF: para edição ou revisão ou
cancelamento de uma súmula vinculante exige-se quorum qualificado (dois
terços: leia-se: oito Ministros do STF). A súmula vincula os demais órgãos do
Poder Judiciário (vincula todos os juízes, os tribunais e até mesmo as Turmas
do próprio STF) assim como a administração pública, direta ou indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal.
GOMES, Luiz Flávio. Fontes do direito penal: necessária revisão desse assunto
(parte 2). Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br.05 setembro. 2007.
124
Anexo B- Texto 03
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE
Autos nº : 2001.30.00.000873-8/3ª vara
Classe : 01500 – ação ordinária/outras
Autor: Ministério Público Federal
Requerida: Elizabeth Ferreira Passos
SENTENÇA
I – RELATÓRIO
1.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, na condição de substituto processual das
comunidades indígenas do Estado do Acre, propôs ação de reparação por danos morais em face de ELIZABETH FERREIRA
PASSOS, qualificada nos autos, pleiteando o pagamento de indenização no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a ser pago
em favor da FUNAI. Como fundamento alegou que a requerida na sua coluna Beth News, no jornal O Rio Branco, “no dia 22 de
abril de 2001, praticou crime de preconceito racial contra o povo indígena em geral, ao emitir conceito depreciativo sobre esta raça”,
tachando-os de fedorentos.
2.
Relata a inicial que as nações indígenas representadas pela União das Nações Indígenas do
Acre e Sul do Amazonas – UNI, o Conselho Indigenista Missionário da Amazônia Ocidental – CIMI/AO e o Departamento de
Assuntos Indígenas do Conselho de Missão entre índios – COMIN, presentes ao II Encontro da Cultura Indígena, realizado no
Espaço Kaxinauá, nesta cidade de Rio Branco, sentindo-se ofendidos e agredidos em sua imagem e dignidade, ofereceram
representação ao Ministério Público para que este adotasse as medidas visando coibir atitudes discriminatórias e preconceituosas.
3.
documentos.
A inicial se fez acompanhar de exemplar da publicação e da representação, entre outros
4.
A Requerida contestou (fls. 53/61) e alegou, preliminarmente, a) a ilegitimidade das
entidades representantes, dizendo que tais entidades não apresentaram documentos que comprovem sua existência e a qualidade de
representantes das comunidades indígenas; b) a impossibilidade de o Ministério Público Federal pleitear em nome da FUNAI; c) a
incompetência da Justiça Federal para o pleito, na forma da súmula 140 STJ. No mérito sustentou que o comentário não acarretou
danos materiais ou morais às comunidades indígenas presentes ao II Encontro de cultura Indígena, e que não houve intento de
ofender a honra ou imagem dos índios presentes àquele evento. Enfatizou que o objetivo do comentário era tecer críticas ao
Governo do Estado do Acre, “mais conhecido como Governo da Floresta, pela péssima organização do evento, visto que deixou os
índios amontoados sem o menor conforto, e a maioria deles era obrigado a fazer as necessidades fisiológicas no pátio do Espaço,
surgindo daí a razão do mau cheiro exalado no ambiente provocado pelos próprios índios. Todos os que foram ao local ficaram
impressionados com a falta de higiene de que foram vítimas os índios” [sic].
5.
Afirmou que a ação proposta pelo Ministério Público Federal reflete a ira que o Procurador
da República, subscritor da ação, nutre pela ré em face de críticas feitas àquele agente público pela requerida em sua coluna
jornalística.
6.
Sustentou que não houve prova do dano, ilegitimidade do Ministério Público e ainda que
dano houvesse, a indenização pleiteada seria desproporcional.
7.
condenação do autor em honorários.
Ao final postulou a improcedência da ação, caso não acolhida nenhuma das preliminares, e a
8.
Não juntou documentos.
9.
O Ministério Público rebateu as preliminares as fls. 64/71.
10.
As partes não especificaram provas e o autor requereu o julgamento antecipado da lide.
11.
Manifestação da FUNAI, nos termos da Lei 9.028/95, art. 11-B, com a redação dada pela MP
2.180-35, pugnando pelo prosseguimento do processo nos termos em que foi proposto (fl. 87).
12.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Sucinto, é o relatório, pelo que decido.
125
Das Preliminares
13.
Da Incompetência – A Justiça Federal é competente para dirimir conflitos que envolvam
interesses de comunidades indígenas, na exata dicção do art. 109, XI da Constituição Federal. Esta causa tem como causa de pedir,
em tese, a ofensa dirigida ao indío enquanto grupo, raça, a atingir indistintamente todos os integrantes da comunidade indígena. A
súmula 140 do STJ se refere à competência para o processo e julgamento de crimes praticados contra ou por indígenas, não se
aplicando à espécie. Neste sentido a Jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PLEITEANDO DIREITOS E INTERESSES
INDÍGENAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 109, INCISO XI, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
(...)
4. Nas ações civis públicas, cujo objeto seja a defesa dos interesses globais de silvícolas, ainda que
promovidas nos termos da Lei 7.347/85, a competência para o seu processo e julgamento será dos Juízes
Federais.
TRF 3ª Região, Conflito de Competência 97.03.031709-0 MS, Rel. Juiz Sinval Antunes, 3ª Seção, DJ
05.05.1998, pg. 383.
14.
Da Legitimidade do Ministério Público Federal – Nos termos do art. 129, V da Constituição
Federal e art. 5º, III, “e” da Lei Complementar do Ministério Público Federal. Em decorrência, não tem consistência a discussão
acerca da legitimidade das diversas entidades que requereram ao Ministério Público Federal a adoção de providências em face do
suposto escrito preconceituoso, pois na qualidade de substituto processual o MPF pode agir autonomamente.
15.
Da impossibilidade de pedido em favor da FUNAI – Esta ação tem como causa de pedir
suposto dano moral praticado contra a comunidade indígena e como pedido provimento condenatório da ré a título de reparação,
atendendo, em princípio, à condição [da ação] possibilidade jurídica do pedido. Além disso, o ordenamento jurídico pátrio admite
que o produto de condenações obtidas em ações coletivas [ou similares] sejam utilizadas em favor do grupo ofendido, sem
especificação de vítimas diretas objetivamente consideradas, verbi gratia, art. 13 da LACP e art. 100, parágrafo único, do CDC e
Lei 9008/95 que disciplina o Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Assim se justifica porque a condenação não se destina à FUNAI,
mas aos índios, e apenas será aplicada pelo órgão de defesa dos índios em favor destes, em face do caráter difuso do dano.
16.
preliminar.
Além disso, a intervenção da FUNAI no feito, aderindo ao pedido, torna insubsistente a
Do Mérito
17.
Afastadas as preliminares, não se exige maior exame para se perceber o preconceito e
racismo contido no pequeno texto subscrito pela jornalista:
FORÇANDO A BARRA
Nem mesmo o governador da Floresta e seu staff agüentou (sic) o mau cheiro exalado pelos nossos
irmãos índios que estiveram participando da feira das tribos, realizada no espaço Kaxinauá. Os
visitantes ficaram impressionados com as péssimas condições, falta de higiene e com a exagerada
determinação demagógica da tribo que organizou o evento. Pior para os alunos da rede estadual de
ensino que foram obrigados ao sacrifício de sentir o odor durante a visitação forçada. Que maldade
com as crianças e os professores...
18.
Não se trata de ilação, de conclusão ou interpretação: o texto é direto ao se referir ao mau
cheiro exalado pelos índios presentes ao evento, expressando intolerância com culturas diferentes e incorrendo na visão unilateral de
que o único estilo de vida bom e aceitável é o adotado pelo emissor do comentário, no fenômeno designado pela moderna
antropologia de etnocentrismo25[1].
19.
O tempo em que vivemos aspira à tolerância, ao pluralismo cultural e respeito às diferenças
culturais, religiosas e sociais, como condição da paz entre os povos e do desenvolvimento pleno da humanidade, pela só e bastante
razão de que não há cultura, civilização, religião ou sociedade melhor que outra, mas apenas diferente.
20.
É direito de qualquer pessoa preferir chanel nº 5 ou Gabriela Sabatini, embora estes
perfumes, a despeito de sua fama e preço, se constituam em odores indesejáveis para quem vive na e da floresta, necessitando se
integrar à natureza e não espantar caça (animais, aves) com cheiros exóticos e destoantes da mata. Aos olhos de quem precisa, para
25[1] Sentimento de estranhamento diante dos costumes de outros povos e grupos que se dá em razão de se avaliar o outro a partir
de sua própria ótica e referência.
126
sua sobrevivência e não por deleite ou vaidade, se familiarizar e se inserir aos odores da floresta, a pessoa que usa aquelas
fragrâncias requintadas se mostrará despreparada para sobreviver naquele habitat. Diferentemente, a mesmíssima pessoa, nas rodas
da alta sociedade de nossa cultura ocidental, dada às frivolidades e opulência, será alvo de admiração, retratando, uma e outra
situação, o relativismo cultural.
21.
O pluralismo cultural tem tutela constitucional, como se extrai do repúdio ao racismo
constante da Constituição (art. 4º, , VII) e da especial proteção conferida aos índios (art. 231) e demais grupos participantes da
formação do povo brasileiro (art. 215, §1º), além de em inúmeros dispositivos nossa Carta Política repelir, reiteradamente, o
preconceito e o racismo enquanto agressões aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana: art. 5º , VII, XLI, XLII. Em
cumprimento à Carta Republicana foi aprovada pelo Congresso Nacional a Convenção Relativa aos Povos Indígenas e Tribais em
Países Independentes26[2], pela qual se obriga o Brasil a adotar “as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as
pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados” bem como a reconhecer e proteger “os
valores e práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais próprios dos povos [indígenas]” (artigos 4, item 1, 5, “a”,
respectivamente).
22.
Atente-se que a referência “mau cheiro exalado pelos índios” não se constitui em opinião
ingênua e livre de ranço ou mero exercício do direito constitucional de crítica e de opinião; ao contrário, mostra-se claramente
preconceituosa contra a raça índios, com o nítido propósito não de criticar ou opinar, mas de desmerecer os indígenas que ali se
encontravam reunidos e que não usavam fragrâncias do Boticário, Carolina Herrera ou da Água de Cheiro, atingindo sua imagem e
dignidade.
23.
A alegação de que a intenção do comentário era criticar a (des)organização do evento e do
local, conduzida pelo Governo do Estado do Acre, não merece guarida porque, se o propósito era verdadeiro, é lícita a crítica, mas
sem achincalhar e discriminar os silvícolas, manipulando-os como instrumento de agressão. A comunidade indígena, enquanto tal,
merece respeito por sua só condição de grupo de pessoas, não se mostrando razoável que sejam utilizados, como se objetos fossem,
para atingir quem quer que seja. A Requerida tinha como profissional da informação - mais que o direito - o dever de denunciar
eventuais condições impróprias, imundas ou indignas acaso oferecidas ou mantidas pelo Governo do Acre aos índios, e deveria fazêlo com contundência, esclarecendo à opinião pública as más condições impostas aos indígenas, sem ofendê-los, sem discriminá-los
ou atingi-los na sua dignidade e auto-imagem, expondo-os ao público leitor como se fossem fedorentos, povo imundo. A crítica ao
Governo, se verdadeira, seria em resguardo dos índios, não em detrimento de sua raça.
24.
Patente, pois, o preconceito e a discriminação contida no comentário da Requerida, que
desmereceu a condição de indígenas, atribuindo-lhes característica negativa e ridicularizando-os perante o público, ofendendo-lhes o
sentimento de auto-estima e de integrantes de um grupo com práticas e costumes diversos das observadas na sociedade urbana
brasileira, impondo-se sanção, quer para reparar o dano, quer para desestimular a discriminação.
25.
Do valor da reparação – O Ministério Público Federal pleiteou R$ 200.000,00 (duzentos mil
reais) a título de indenização. É despropositada. Quer pelo reduzido texto, quer pela reduzida repercussão. O comentário foi
pequeno, em jornal e seção de pouca leitura e de reduzida circulação (circulação inferior a 1500 exemplares por edição), em cidade
com pouco mais de 250 mil habitantes, de modo que não se justifica valor tão elevado, principalmente quando se considera que a
sanção tem, mais que finalidade reparadora27[3], função preventiva, desestimulando práticas preconceituosas e racistas.
26.
Assim ponderando, fixo a reparação por danos morais causados pela Requerida à
comunidade indígena em razão da emissão de comentário preconceituoso e racista no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais),
devendo tal quantia ser aplicada pela FUNAI em favor daquele grupo em eventos, aquisição de remédios, transporte etc, com
prestação de contas em Juízo com fiscalização do Ministério Público.
III - DISPOSITIVO
27.
Com estas razões, acolho parcialmente o pedido para condenar ELIZABETH FERREIRA
PASSOS a pagar a quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por danos morais causados à comunidade indígena, devendo este valor
ser usado pela FUNAI em favor dos índios, com prestação de contas em Juízo e fiscalização do Ministério Público Federal.
28.
Custas pela Requerida.
29.
Retifique-se autuação para classe 1500 – ação ordinária/outras.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Rio Branco – Acre, 4 de outubro de
2002. Jair Araújo Facundes - Juiz Federal Substituto da 3ª Vara no exercício da titularidade
30.
26[2] Convenção da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho - OIT 169, de 7/6/1989, aprovada pelo
Congresso Nacional brasileiro em 25.8.93.
27[3] O dano foi difuso, o que dificulta a reparação individualizada e justifica a tutela genérica pleiteada pelo autor.
127
Anexo C- Texto 04- Direitos indígenas na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988
As referências constitucionais aos direitos indígenas são as seguintes:
NO TÍTULO III - "DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO"
CAPÍTULO II – DA UNIÃO
Artigo 20 – São bens da União:
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
Artigo 22 – Compete privativamente à união legislar sobre:
XIV – populações indígenas;
NO TÍTULO IV - "DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES"
CAPÍTULO I – DO PODER LEGISLATIVO
SEÇÃO II - DAS ATRIBUIÇÕES DO CONGRESSO NACIONAL
Artigo 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
XVI – autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a
pesquisa e lavra de riquezas minerais;
CAPÍTULO III – DO PODER JUDICIÁRIO
SEÇÃO IV – DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS E DOS JUÍZES FEDERAIS
Artigo 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar:
XI – a disputa sobre direitos indígenas
CAPÍTULO IV – DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS DA JUSTIÇA
SEÇÃO I – DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Artigo 129 – São funções institucionais do Ministério Público:
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
NO TÍTULO IV - "DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA"
CAPÍTULO I – DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Artigo 176 – As jazidas, em lavras ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de
energia hidráulica constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração ou
aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto
da lavra.
1. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere
o capítulo deste artigo somente poderão ser efetuados mediante a autorização ou concessão
da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na
forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se
desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
NO TÍTULO VIII - "DA ORDEM SOCIAL"
CAPÍTULO III - "DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO
SEÇÃO I – "DA EDUCAÇÃO"
Artigo 210 - Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais.
2. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às
comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem.
SEÇÃO II – DA CULTURA
Artigo 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais.
128
1. O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e
das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
NO TÍTULO VIII - "DA ORDEM SOCIAL"
CAPÍTULO VII – "DOS ÍNDIOS"
Artigo 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
1. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física
e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
2. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente,
cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, dos lagos nelas existentes.
3. O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do
Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação
nos resultados das lavras, na forma de lei.
4. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas
são imprescritíveis.
5. É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do
Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população,
ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso, garantindo em qualquer
hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
6. São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das
riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse
público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a
extinção do direito à indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às
benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
7. Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, 3 e 4.
Artigo 232 – Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar
em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os
atos do processo.
NO "ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS"
Artigo 67 – A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a
partir da promulgação da Constituição.
Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil.
129
Anexo D- Texto 05 - História do Direito- Direito Indígena: um direito
ou uma concessão do direito estatal?!
Para compreender a realidade do tratamento dado pelo Estado brasileiro
aos povos indígenas, mais especificamente aos direitos dos vários povos
indígenas que habitam o território nacional, é necessário abordar, ainda que
sucintamente, o tratamento que foi dado a eles desde o início do período
colonial. É fato que o processo de colonização foi um dos motes do início da Era
Moderna, em que os europeus, no nosso caso, os portugueses, trouxeram para
cá a fé cristã, mas, diferentemente do período medieval e suas cruzadas, não
lhes interessavam as glórias típicas dos senhores e guerreiros da Idade Média.
O que os colonizadores buscavam eram bens materiais, a riqueza que advinha
da exploração da natureza e dos outros seres humanos, fato que permeou todo
o período colonial brasileiro. O que importava era a aquisição do "vil metal", e
em seu nome tudo era permitido, como o total desrespeito ao diferente, a
barbárie, o extermínio de outros povos, de outras culturas e, junto com estas,
de outros "direitos".
O Estado Moderno, caracterizado pela junção de quatro tópicos, ou seja,
finalidade, povo, território e soberania, tem como ponto forte a idéia de
soberania ligada a determinado território, legitimado por uma identidade
nacional. E, para ser soberano, não se pode aceitar, dentro do mesmo
território, mais do que um único sistema jurídico. O Direito, principalmente após
a Revolução Francesa, passa a ser entendido como expressão máxima da razão
humana, positivado em lei. Os fenômenos da ocidentalização (europeização) e
do monismo jurídico foram extremamente rigorosos com a cultura, a
organização, as crenças, os costumes, as línguas e o direito dos povos
indígenas. É que a consolidação da forma de organização estatal do Ocidente
se configura a partir dos ideais europeus, encobrindo a sua origem de violência
na exclusão do outro. E esse racionalismo jurídico que surge com grande vigor
a partir do século XIX dá continuidade ao desprezo pelo direito dos povos
indígenas, já que, ao aceitar a existência de apenas um sistema jurídico, impõe,
com base na univocidade do direito, a concepção jurídica dominante sobre
todas as outras formas existentes dentro do território nacional.
A ciência jurídica moderna ocidental, ainda nossa contemporânea, oculta
a diversidade existente na sociedade e aceita uma ficção que exerce a real
função ideológica de ocultamento das diferenças e de imposição de seus
próprios fundamentos como forma de dominação cultural. Foi sob sua égide
que se deu a independência dos países latino-americanos que, imbuídos do
espírito racional da necessidade da existência de um único sistema jurídico,
perpetuou o que os colonizadores já faziam há séculos, ou seja, não deu
reconhecimento legal aos indígenas, com a diferença de que agora passaram
eles a serem tratados como indivíduos formalmente iguais aos demais. O
resultado dessa nova concepção é a idéia de que o índio deve mesmo ser
aculturado, integrado à sociedade dominante. Nesse aspecto pode-se dizer que
"índio bom é índio morto", entendendo-se "morto" como aquele que abre mão
130
de suas diferenças culturais, étnicas, raciais etc. Aliás, esse fato não ocorre só
com os índios em nossa sociedade...
Da mesma forma que o direito dos colonizadores foi introduzido em
nosso país mediante violência, sem considerar o direito dos povos indígenas, a
partir do século XIX, com base nas teorias evolucionistas, ocorreu a imposição
da cultura européia em total detrimento das outras culturas, com clara
predileção pela política de aculturação em detrimento da valorização da
diversidade cultural: mais uma vez os povos indígenas, junto com sua rica
cultura, inclusive jurídica, são atirados ao limbo. É apenas com o advento da
Constituição Federal de 1988 que surgem indícios de um novo caminho para a
compreensão e o respeito dos direitos dos povos indígenas que habitam o
território brasileiro. O art. 231 da CF assegura aos índios brasileiros essa
espécie de cidadania diferenciada, o que permite uma leitura tanto multicultural
como pluralista dos seus direitos. Dispõe o caput do art. 231 que "São
reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens". Percebe-se que, minimamente, é reconhecido aos índios o direito de ser
índio!!!
Mas surgem aqui perguntas ainda sem respostas: quais direitos possuem
os povos indígenas brasileiros? O princípio da autodeterminação dos povos
aplica-se a eles? Podem utilizar para a decidibilidade de conflitos os seus
preceitos jurídicos, mesmo que atentem contra o disposto no sistema jurídico
estatal? Se o direito moderno, com foco na igualdade-liberdade-individualidade
anulou as diferenças étnicas e culturais, significa que não aceita o diferente, e o
nosso sistema jurídico atual é ainda construído sobre esse tripé, portanto é
patente a insuficiência dos direitos e garantias fundamentais na proteção dos
direitos das minorias étnicas, no caso os povos indígenas. É que o respeito
pelas minorias étnicas exige a relativização desses direitos, a aceitação da
diversidade étnica e profunda discussão sobre a universalidade cristã dos
direitos humanos, de base kantiana. Fica patente que para buscar um direito
indígena que seja mais do que mera concessão do direito estatal é necessário
acrescer aos princípios dos direitos humanos, em interação dialética, os
princípios que norteiam os direitos das minorias. Quais direitos possuem os
povos indígenas? A resposta a essa pergunta não pode ser outra que não "o
direito de ter direitos", entendendo "direitos" como os seus próprios sistemas
jurídicos. Aceitar a existência dos direitos indígenas representa não só opor-se a
uma única matriz cultural, mas também respeitar e proteger o direito à
diferença, essencial para o futuro humano.
Obs.: Colaborou neste artigo Adriana Biller Aparício, mestranda em Direito pela
UFSC. Jornal Carta Forense, segunda-feira, 2 de abril de 2007
131
Anexo E- Texto 06- DECRETO Nº 6.513, DE 22 DE JULHO DE 2008.
Altera o Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, que dispõe sobre a atuação das
Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 6.001, de 19 de dezembro de 1973,
no art. 15 da Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999, e nos arts. 142 e 144, § 1o, inciso III,
da Constituição,
DECRETA:
Art. 1o O caput do art. 2o do Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Art. 2o As Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, e a Polícia Federal, por meio
do Ministério da Justiça, ressalvada a hipótese prevista no art. 3o-A deste Decreto, deverão
encaminhar previamente à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional plano de
trabalho relativo à instalação de unidades militares e policiais, referidas no inciso II do art. 1o,
com as especificações seguintes:” (NR
Art. 2o O Decreto no 4.412, de 2002, passa a vigorar acrescido do seguinte artigo:
“Art. 3o-A. O Comando do Exército deverá instalar unidades militares permanentes, além das já
existentes, nas terras indígenas situadas em faixa de fronteira, conforme plano de trabalho
elaborado pelo Comando do Exército e submetido pelo Ministério da Defesa à aprovação do
Presidente da República.
Parágrafo único. Não se aplicam a este artigo as disposições contidas no art. 2o deste Decreto.”
(NR)
Art. 3o Para a instalação das unidades militares de que trata o art. 3o-A do Decreto no 4.412,
de 2002, o Ministério da Defesa deverá apresentar plano inicial de trabalho, elaborado pelo
Comando do Exército, à Presidência da República, no prazo de noventa dias a contar da publicação
deste Decreto.
Parágrafo único. Após a aprovação do plano inicial de trabalho pelo Presidente da
República, será feito o sucessivo detalhamento dos recursos orçamentários e financeiros
pertinentes, assim como serão adotadas as medidas necessárias ao início da sua execução.
Art. 4o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de julho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Nelson Jobim
132
Anexo F - Texto 07 - Índios vêem ameaça em mobilização do
Exército - 29/07/2008
Local: Boa Vista - RR
Fonte: Folha de Boa Vista
Link: http://www.folhabv.com.br/
O decreto que prevê o envio de tropas para reservas indígenas está causando
preocupação entre líderes indígenas e grupos de direitos humanos, para quem a
medida viola as leis e a autonomia dos povos nativos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto na semana passada, em
resposta a criticas de militares e políticos sobre a suposta infiltração de
guerrilheiros, traficantes e outros nas reservas, que representam 12 por cento do
território nacional.
\"Lula pode ser bem intencionado, mas os militares não ligam para nós\", disse
Saturnino Xavante, secretário da ONG Coiab. \"Todos esses anos mantivemos os
intrusos para fora, e agora somos um risco à segurança nacional?\"
De acordo com ele, os indígenas temem que o Exército ocupe parte de suas terras,
influencie suas culturas e estupre suas mulheres. Em 2007, conflitos fundiários
provocaram a morte de 92 índios.
Latifundiários, madeireiras e mineradoras dizem que os índios são um entrave ao
progresso.
Márcio Meira, presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), disse à Reuters
na sexta-feira que é favorável ao envio de tropas.
\"Eu concordo\", disse Meira, acrescentando que o Exército costuma ajudar os
índios em questões de saúde e transporte.
\"Há a necessidade de maior presença do Estado no território para garantir a ordem
jurídica e constitucional, não só na Amazônia, mas em todo o território nacional.
Senão, não temos como garantir a resolução desses conflitos na base legal\",
afirmou Meira num restaurante de Brasília decorado como oca.
O presidente da FUNAI acrescentou que a sociedade brasileira tem obrigação legal
e moral de honrar os direitos indígenas. \"Precisamos fazer valer o pacto que foi
estabelecido com os povos indígenas na Constituição de 1988. É uma questão
ética, uma dívida histórica\", disse ele.
133
Anexo G- Texto 08 - Governo tenta "convencer" índios de MT a deixar
explorar potencial hídrico
Local: Cuiabá – MT, 27/07/2008.
Fonte: 24 Horas News
Link: http://www.24horasnews.com.br/
Entre os dias 8 e 12 de julho, índios das etnias rikbaktsa, cinta-larga, arara, apiaká, kayabi,
munduruku e enawene nawe foram à cidade de Juína (MT) para participar de reuniões
promovidas pela FUNAI e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Na pauta, novos
pedidos de autorização para que técnicos do setor elétrico terminem seus levantamentos dentro
das terras indígenas, e mensagens deixadas no ar a respeito da possibilidade do Exército
interceder, caso necessário. O objetivo é concluir o inventário das bacias dos rios Juruena e
Aripuanã, primeiro passo para a realização de estudos de viabilidade econômica de novos
empreendimentos hidrelétricos. Mapas preliminares indicam que alguns deles, se não dentro
dessas áreas protegidas, estão perigosamente próximos de seus limites.
As bacias dos rios Juruena e Aripuanã reúnem as maiores extensões de áreas protegidas no
estado de Mato Grosso. De acordo com dados levantados pelo Instituto Centro de Vida (ICV),
existem 28 terras indígenas e 12 unidades de conservação, que asseguram sobrevida a
aproximadamente 8.548.094 hectares de florestas e recursos hídricos em regiões intensamente
pressionadas por desmatamento. Mas hoje, só na bacia do Juruena, há pelo menos 83
aproveitamentos hidrelétricos em fase de estudos, dos quais 30 (937MW) foram suspensos pela
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no dia dois de julho.
De acordo com a EPE, a intenção é permitir que os estudos de inventários desta bacia e sua
Avaliação Ambiental Integrada sejam concluídos, para que se possa fazer uma análise dos
impactos ambientais cumulativos de todas as usinas. Mas só foram interrompidos os casos de
empreendimentos ainda sem interessados em dar prosseguimento aos estudos ou que tenham
apenas o pedido de registro na agência. A EPE realiza atualmente sete estudos de inventários
hidrelétricos em bacias amazônicas - Juruena (AM/MT), Aripuanã (AM/RO/MT), Trombetas
(PA), Sucunduri (AM), Jarí (PA/AP), Branco (RR) e Araguaia (MT/GO/TO/PA). Todos
precisam ficar prontos até março de 2009.
Durante uma das apresentações dos representantes da Coordenação Geral de Patrimônio
Indígena e Meio Ambiente da FUNAI (CGPIMA) aos enawene nawe, que ocorreu no dia 11 de
julho, foram mostrados os mapas ilustrados com triângulos coloridos, que representam a
localização dos aproveitamentos hidrelétricos antes e depois da suspensão, sem especificar os
nomes dos rios ou demais detalhes de interesse dos índios. A eles só foi dito o número de
usinas suspensas. Tantos projetos próximos às terras indígenas provocou surpresa
generalizada. Ainda mais para os enawene, que já têm tido dores de cabeça suficientes ao
brigarem contra complexo de dez usinas no alto rio Juruena (350MW), sendo a mais próxima a
menos de 20 quilômetros da terra indígena. Depois disso, a própria FUNAI foi obrigada a
admitir que soube desses mapas há também muito pouco tempo.
134
Anexo H - Texto 09 –“Decreto que autoriza bases militares em terras
indígenas é inconstitucional", afirma conselho
Local: São Paulo – SP, 28/07/2008.
Fonte: Amazonia.org.br Link: http://www.amazonia.org.br
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que o Decreto 6.513/08, assinado pelo
presidente Lula no último dia 23 e que autoriza a instalação de bases militares permanentes
dentro de terras indígenas na faixa fronteiriça brasileira fere a Constituição Nacional. Isso
porque tal decreto dispensa a consulta aos povos indígenas habitantes dessas terras antes
da construção dessas bases, sendo contrário também à Convenção 169 sobre Povos
Indígenas e Tribais em Países Independentes, da Organização Internacional do Trabalho
(OIT).
O novo decreto do presidente Lula altera o Decreto 4.412/02 que trata do mesmo assunto e
havia sido publicado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O movimento
indígena tenta revogá-lo desde aquela data. "No entanto, ao invés disso, o presidente Lula
publicou um novo decreto sem ouvir os povos indígenas", diz o Cimi.
A inconstitucionalidade se dá pelo fato de que um decreto presidencial não pode
regulamentar a construção de unidades militares em terras indígenas, quer estejam elas em
faixa de fronteira ou não, pois a constituição somente admite qualquer ocupação nessas
terras, no caso de relevante interesse público da União, segundo lei complementar. Como
não existe tal lei complementar, não pode existir um decreto isolado que regre sobre isso.
Instalação
O novo decreto diz que o Ministério da Defesa tem um prazo máximo de 90 dias para enviar
um programa para instalação das bases militares. Esse plano será implementado sem que
os povos indígenas afetados participem da discussão. O Cimi chama a atenção também para
o fato de que o novo decreto eliminou até mesmo a necessidade de se consultar a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) sobre eventuais impactos às comunidades com a construção das
bases em faixa de fronteira.
Francisco Loebens, da Regional Norte I do Cimi, responsável pelos estados da Amazônia e
Roraima, lembra que as comunidades tradicionais não possuem nenhum tipo de problema
em relação ao papel das forças armadas na região. "A principal preocupação é quanto ao
tipo de relação que geralmente se estabelece entre essas bases militares e os indígenas da
região. Geralmente o exército não respeita as diversidades locais. A preocupação das
comunidades é com o recebimento de um tratamento respeitoso, o que até agora não vem
ocorrendo", lamenta.
Contra a Constituição
O Cimi defende que o Decreto 6.513/08 é tão inconstitucional quanto era decreto publicado
por Fernando Henrique. Em 2004, o Conselho Federal da Organização dos Advogados
Brasileiros (OAB), analisando representação do Cimi, aprovou um parecer favorável à
proposição de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra o referido decreto. O
parecer foi fundamentado à época na opinião de Carmem Lúcia Antunes Rocha, exintegrante da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
e atualmente ministra do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo informações do Cimi, naquela época, o Conselho Federal da OAB não entrou com a
ADI por entender que o caso seria de atribuição constitucional do Procurador Geral da
República (PGR). O então procurador, Cláudio Fontelles, teve opinião diversa da OAB e
também não propôs a ADI.
135
ANEXO I- Texto 10- Crimes indígenas precisam ser esclarecidos
A Folha de São Paulo publica também uma matéria importante sobre a
penalidade de índios. Cita um suposto estudo da FUNAI de que há mais de 500
índios presos no Mato Grosso do Sul. Na verdade, esse estudo é do Ministério
da Justiça. Os dados da FUNAI, pelo menos até o ano passado, era de pouco
mais de 100 índios presos no Mato Grosso Do Sul. Não é pouco, mas também
não são tantos assim.
A discussão entre o ex-procurador da FUNAI, Luiz Fernando Villares, o
advogado do CIMI, Paulo Guimarães, e o advogado do ISA, Raul Telles, é
bastante interessante, por ser complementar. O procurador da FUNAI cita o
aumento da população indígena e sua integração à sociedade brasileira como
fatores do aumento de presos indígenas.
Só que o advogado do CIMI acha que a situação social dos índios tem
que ser resolvida. Ora, é claro que este é ponto, mas, enquanto isso não
acontecesse, o debate sobre o crime e formas específicas a isso têm que ser
encontradas.
A matéria diz que a FUNAI e todos os demais querem a mudança no
Estatuto do Índio. Acho que não precisa para isso, porque já contem na
definição do nível do relacionamento indígena com a sociedade brasileira os
modos
como
os
crimes
deverão
ser
julgados.
Importante é notar que os dois principais tribunais do Brasil, o Supremo
Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, têm dado sentenças
diferentes para mesmas situações. Eis o que precisa mudar! Estatuto do Índio
prevê
regalias
penais,
mas
não
é
cumprido.
Só em MS há cerca de 500 índios cumprindo pena em regime fechado, diz a
FUNAI, apesar de lei estabelecer semiliberdade. Interpretações divergentes
sobre estatuto e falta de identificação do acusado como índio são algumas das
causas da distorça.
Os índios condenados pela Justiça têm direito a privilégios penais
previstos no Estatuto do Índio, mas, na prática, os juízes ignoram as
recomendações. O estatuto prevê que, "se possível", a pena de detenção seja
cumprida "em regime especial de semiliberdade" e no local onde funciona o
órgão federal de apoio a indígenas mais próximo da aldeia do condenado.
Segundo a FUNAI, somente em Mato Grosso do Sul -Estado com o
maior índice de índios presos e com a segunda maior população indígena do
país-, há cerca de 500 cumprindo pena em regime fechado. O órgão não
possui dados fechados da situação carcerária da população indígena em todo
o país.
O procurador-geral da FUNAI, Luiz Fernando Villares, aponta como uma
das causas da distorção as divergentes interpretações de juízes sobre a
condição indígena. Alguns magistrados, ao combinar leis com o estatuto na
hora de proferir a sentença, deixam a regra favorável ao índio em segundo
plano.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por
exemplo, já se contradisseram em decisões ao analisar a condenação de
índios, aponta Villares. Em uma decisão do STF, entendeu-se que o índio tem
direito à semiliberdade. Essa regalia foi conferida "pela simples condição de se
136
tratar
de
indígena",
em
atenção
ao
"previsto"
no
estatuto.
Enquanto isso, numa decisão do STJ, a lei de crimes hediondos, com a
previsão de regime fechado, prevaleceu. "Por força mesmo do disposto [por
essa lei], não se aplica o regime de semiliberdade estatuído [pelo estatuto] ao
indígena
condenado
por
delito
hediondo."
Devido a isso, explica Villares, é difícil a fiscalização por parte dos 40
procuradores da FUNAI espalhados no país.O advogado do Cimi (Conselho
Indigenista Missionário), Paulo Machado, acrescenta que um dos fatores que
levam ao alto número de índios presos em regime fechado é a falta de
identificação dele como indígena no inquérito. "No momento em que há
conhecimento de que ele é índio, tem que se tomar providências específicas."
A FUNAI defende que o estatuto, de 1973, seja atualizado. Villares acha
que o aumento da criminalidade decorre do crescimento da população indígena
e de sua integração com a sociedade branca. "E isso não foi previsto na lei."
Há 16 anos tramita no Congresso um projeto que cria um novo estatuto.Raul
Telles, advogado do Instituto Socioambiental, não vê necessidade de
atualização em razão só da questão penal.O advogado do Cimi concorda. Para
Machado, deve haver a identificação dos conflitos sociais que os índios
enfrentam e os levam à criminalidade. "Não vai resolver só tirar o índio da
cadeia. Porque ele volta e continua no centro do problema. Não esperamos
que o Estado resolva a questão só da óptica judicial, mas também da social."
http://merciogomes.blogspot.com/2007/12/crimes-indigenas-precisam-ser.html
137
ANEXO J- Texto 11- Lei Maria da Penha dá nova visão á família moderna
Em Agosto de 2006 entrou em vigor a lei nº 11.340, que cria mecanismos para coibir e
prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Sancionada pelo Presidente da
República, a lei, conhecida como “Maria da Penha”, aborda importantes aspectos de prevenção
e combate à violência doméstica. A legislação traz uma mudança positiva no conceito de
família; como é possível observar no art. 5º §II, em que o âmbito familiar é compreendido como
a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Desta forma, a lei considera que a violência
contra a mulher, pode ocorrer também em relacionamentos homossexuais e em qualquer caso
onde haja vínculos afetivos entre a vítima e o agressor, independentemente de morarem juntos
ou não.
A “Lei Maria da Penha” leva este nome em homenagem à Maria da Penha Maia, líder
de movimentos de defesa dos direitos das mulheres e vítima da violência doméstica. Foi vítima
de seu ex-marido que tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez com tiros de revólver e na
segunda tentou eletrocutá-la. Depois dos atentados, Penha ficou tetraplégica. Nove anos após
o ocorrido, o agressor foi condenado a oito anos de prisão e, por meio de recursos jurídicos,
ficou preso por apenas dois anos.
Para Cássio Rodrigo, Coordenador Geral da CADS (Coordenadoria de Assuntos da
Diversidade Sexual), a lei pode ser emblemática, pois “reconhece a existência de vínculo
afetivo entre pessoas do mesmo sexo e marca o início do reconhecimento das parcerias civis”.
Além disso, “protege a mulher lésbica da violência doméstica, geralmente praticada por
familiares, que acreditam poder curá-la e transformá-la em heterossexual”. Além de
representar um avanço no combate à impunidade da violência contra a mulher, a lei relaciona
modificações imediatas, como a criação de juizados especiais de Violência Doméstica e
Familiar, resultando em processos com suas resoluções definidas em menor período de tempo.
Com o objetivo de divulgar e explicar a nova legislação, a Coordenadoria da Mulher,
por meio da Secretaria Especial para Participação e Parceria, promoveu, em novembro do ano
passado, oficinas educativas no centro de São Paulo. De acordo com a socióloga da
Coordenadoria da Mulher, Maria Lúcia da Silveira, foram realizados seminários com advogados
e setores da defensoria pública, a fim de discutir a resistência judicial na aplicação da lei. Para
ela, houve e, ainda há, muita resistência na implementação da ‘Maria da Penha’.
“Para sanar essa resistência judicial, nosso foco agora é disponibilizar o suporte necessário às
mulheres vítimas de violência”, afirma a socióloga.
Segundo Dimitri Sales, assessor jurídico da CADS e do Centro de Referência de
Direitos Humanos e Combate a Homofobia, “o elemento que configura e inova a legislação é a
iniciativa de considerar a violência psicológica uma violência doméstica, e a mesma se
caracterizar a partir do vínculo de confiança estabelecido entre a vítima e o agressor”. Outro
aspecto importante que Sales evidencia é o fato da lei acompanhar novos debates de toda a
sociedade, permitindo que o Estado garanta a integridade física e psíquica dos membros de
qualquer forma de família, seja ela homossexual ou não.
De acordo com o Código Penal, modificado pela lei, os agressores deixarão de receber
penas consideradas brandas em relação aos danos causados, como o pagamento de multas e
cestas básicas às vítimas. Os agressores passarão a sofrer penas mais severas, que vão
desde a proibição de conviver com a vítima, até a limitação da freqüência
de convívio nos mesmos ambientes que a ofendida.
Em pesquisa feita pelo site da Presidência da República, cerca de uma em cada cinco
brasileiras (19%) declara ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem, sendo
16% de violência física, 2% violência psíquica e 1% assédio sexual. A CADS reconhece que a
promulgação dessa nova legislação é um avanço positivo na discussão de gênero e
sexualidade no Brasil, por ser a primeira lei de âmbito nacional que evidencia a formação de
família compostas por homossexuais; além de ampliar e concretizar a visibilidade e o
reconhecimento da importância na luta social de direitos de segmentos vulneráveis da
sociedade.
Por Juliana Caleffi-Assessoria de Imprensa-CADS (Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual)Secretaria de
Participação e Parceria-Tel: (11) 3113 – 9762 http://www.prefeitura.sp.gov.br/cads Enviado em Questão Indígena,
GÊNERO, RAÇA E ETNIA, Oportunidades para Povos Indígenas de GRUMIN | 17 de Março de 2007 @19:57 .
138
Anexo K- Texto 12- Projeto dá prioridade a processo judicial de indígenas
Henrique Afonso: objetivo é resolver rapidamente os conflitos fundiários. O Projeto de
Lei 3410/08, do deputado Henrique Afonso (PT-AC), prevê que os processos sobre
terras indígenas, ou em que seja parte índio ou comunidade indígena, tramitarão na
Justiça com prioridade. O objetivo da proposta é criar condições para a solução rápida
de conflitos fundiários envolvendo índios. "O uso da via judicial para resolver questões
e preservar a paz não tem se mostrado eficiente, pois a demora na decisão judicial
acirra os ânimos, contribuindo ainda mais para a beligerante situação atual", disse o
deputado. Desde 2003, nos termos do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), os processos
em que uma das partes ou intervenientes tenha idade igual ou superior a 60 anos
passaram a ter preferência. Tramitação - O projeto, que tramita em caráter
conclusivo, será analisado pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; e de
Constituição e Justiça e de Cidadania.
PROJETO DE LEI Nº , DE 2008 (Do Sr. Henrique Afonso)
"Introduz o art. 1211-D na Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo
Civil, para dispor sobre prioridade na tramitação de processos de interesse dos
Índios."
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta Lei introduz o art. 1.211-D no Código de Processo Civil, para dar
prioridade à tramitação de processos de interesse dos Índios.
Art. 2º A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, passa a
vigorar acrescida de um artigo 1.211-D, com a seguinte redação:
"Art. 1.211D. Terão prioridade na tramitação os processos judiciais relativos às terras
indígenas em que figurem como parte ou interveniente índios ou comunidades
indígenas .
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, Estatuto do Índio, estabeleceu com
clareza a obrigatoriedade de aplicação a eles das leis vigentes, no país, respeitadas
as peculiaridades específicas; o exercício de direitos por eles depende do
preenchimento de condições mencionadas na própria lei e em outros atos legislativos.
Aos índios e comunidades indígenas não integrados na comunhão nacional sujeitamse a regime tutelar, nos termos do art. 7º do Estatuto. Essa lei visa, principalmente,
garantir aos índios e comunidades, a preservação da vida, cultura e condições de vida
digna, assegurando aos não aculturados proteção tutelar, para exercício de seus
direitos. Embora já existindo legislação regulando a situação jurídica de
índios e comunidades, inclusive estabelecendo regras relativas a posse de terras,
bens e renda do patrimônio indígena, é freqüente a ocorrência de gravíssimos
incidentes envolvendo disputa pela posse da terra e de seus frutos. Em grande parte a
situação conturbada, que tem ceifado inúmeras vidas, origina-se de indefinições
quanto a utilização e posse de terras. A utilização da via judicial para dirimir questões
e assim preservar a paz, não se revela profícua, pois a demora na emissão de decisão
judicial acirra os ânimos, contribuindo ainda mais para a beligerante situação
existente. Assim, pareceu-nos de bom alvitre buscar parâmetros legais que tendam a
apaziguar ânimos e interesses existentes. Na linha desse entendimento, formulamos
PL, cujo objetivo é dar celeridade aos feitos que envolvam índios, colônias indígenas e
referentes a questões sobre terras, indígenas São as razões que alicerçam o PL para
o final pedimos apoio dos nobres colegas.
Sala das Sessões, em de 2008.Deputado HENRIQUE AFONSO-PT- AC
http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=124797
139
Anexo L- Texto 13- Lobão Filho propõe estender pena de cidadão comum
a índio integrado
O senador Lobão Filho (PMDB-MA) apresentou projeto que muda o
Estatuto do Índio (Lei nº 6001/73) para determinar que os índios "em via de
integração" e os "integrados" à sociedade responderão como cidadãos comuns
em processos penais e, se condenados, não contarão com qualquer benefício
atenuante.
Pela proposta, continuam inimputáveis os indígenas isolados, ou seja,
aqueles que não mantêm qualquer contato com a civilização. Pondera que o
novo Código Civil (Lei nº 10.406/02) retirou os índios da lista de pessoas
relativamente incapazes, determinando que eles teriam a sua capacidade
regulada por legislação especial - no caso, o Estatuto do Índio.
Entretanto, o estatuto não faz qualquer distinção quanto ao grau de
integração dos índios, estabelecendo apenas que suas penas serão sempre
atenuadas.
Com isso, quando condenados a reclusão ou detenção, eles têm direito a
regime especial de semiliberdade na sede da Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) mais próxima de sua moradia. O senador ressalta que os juízes são
hoje obrigados a atenuar a pena aplicada ao indígena, determinando que eles
cumpram a pena em semiliberdade. Lobão Filho citou recente decisão do
ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, que acabou por autorizar um
índio condenado por tráfico de entorpecentes a cumprir pena em regime de
semiliberdade apenas por se tratar de indígena, mesmo tendo ele freqüentado
escola, falando fluentemente o português e sendo o líder de uma quadrilha. Eli
Teixeira/ Agência Senado.
PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL Nº , DE 2008-Altera o art.
56 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, para estabelecer critérios de
imputabilidade de índios.
O Congresso Nacional decreta:
Art.1 º- O art. 56 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Art. 56. No caso de condenação de índio por infração penal, o juiz deverá, ao
aplicar a pena, considerar o grau de integração do índio, obedecendo também
os seguintes critérios:
I- Os índios isolados, conforme o artigo 4º, inciso I, desta Lei, serão
considerados inimputáveis.
II- Os índios em vias de integração e os integrados, conforme o artigo 4º,
incisos II e III, desta Lei, serão considerados imputáveis e responderão de
acordo com as leis penais vigentes no país.”
Art.2º-Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
140
JUSTIFICATIVA
Antes do advento do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) os índios eram
considerados relativamente incapazes. Quanto à imputabilidade penal, que era
interpretada à luz do artigo 26 do Código Penal e do artigo 4º do Estatuto do
Índio (Lei 6.001/73), predominava o entendimento no sentido da imputabilidade
dos índios integrados, inimputabilidade dos isolados e da necessidade de
exame pericial para aferição da responsabilidade penal dos índios em vias de
integração.
O novo Código Civil, ao retirar os silvícolas do rol dos relativamente incapazes,
determinou que estes teriam a sua capacidade regulada por legislação especial
-Estatuto do Índio - que classifica os índios como sendo integrados, isolados ou
em vias de integração.
No entanto, vale ressaltar, que ao tratar da imputabilidade penal, o artigo 56 do
referido estatuto não faz qualquer distinção quanto ao grau de integração dos
índios, estabeleceu apenas que haverá atenuação necessária da pena, e que
as penas de reclusão e de detenção deverão ser cumpridas em regime
especial de semiliberdade, na sede da FUNAI mais próxima da habitação do
condenado.
A lei, portanto, não faculta, mas impõe ao magistrado a decisão de atenuar a
pena a ser aplicada ao silvícola, independente de este ser ou não plenamente
integrado. Exemplo disso foi o voto do Ministro Eros Grau, do Supremo
Tribunal Federal que, ao analisar habeas corpus 85198/MA, que deferiu o
regime de semiliberdade previsto no Estatuto pela simples condição de se
tratar de indígena.
No caso em questão, o Ministério Publico Federal impetrou Hábeas Corpus
(em favor de índio acusado de tráfico de entorpecentes, associação para o
tráfico e porte ilegal de arma) requerendo a realização de exame antropológico
e psicológico para avaliação do grau de integração do silvícola na sociedade e
a aplicação do regime de semiliberdade próximo à sua habitação.
Com relação ao primeiro pedido, este foi dispensado tendo em vista o grau de
escolaridade, fluência na língua portuguesa e o nível de liderança exercida na
quadrilha. Quanto ao pedido de aplicação do regime de semiliberdade, este foi
conferido unicamente por se tratar de indígena. Na tentativa de evitar que
episódios como estes voltem a ocorrer, a presente proposta visa alterar a
redação do artigo 56 da Lei 6001/73 para definir o grau de imputabilidade dos
silvícolas isolados, em vias de integração e integrados. Os isolados - aqueles
que não mantêm qualquer contato com a civilização - seriam considerados
inimputáveis. Por sua vez, os índios em vias de integração e os integrados, não
fariam jus a benefício algum, respondendo, assim, de acordo com as leis
vigentes no país.
Por todo o exposto, pedimos que os nobres Senadores e Senadoras aprovem
a presente proposição.
Sala das Sessões, Senador Lobão Filho- Assessoria de Imprensa com
Secretaria Especial de Direitos Humanos.
141
Anexo M- Texto 14- Obrigação de Amparo aos Idosos
» CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
TÍTULO VIII- DA ORDEM SOCIAL
CAPÍTULO VII- DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DO IDOSO
Art. 229 Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230 A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida.
» LEI Nº 6.001, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1973. Estatuto do Índio
TÍTULO I- DOS PRINCÍPIOS E DEFINIÇÕES
Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades
indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e
harmoniosamente, à comunhão nacional.
Parágrafo único. Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis
do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os
usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas
nesta Lei.
TÍTULO V -DA EDUCAÇÃO, CULTURA E SAÚDE
Art. 54. Os índios têm direito aos meios de proteção à saúde facultados à comunhão
nacional.
Parágrafo único. Na infância, na maternidade, na doença e na velhice, deve ser
assegurada ao silvícola, especial assistência dos poderes públicos, em estabelecimentos
a esse fim destinados.
Art. 55. O regime geral da previdência social será extensivo aos índios, atendidas as
condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas.
» LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002-Institui o Código Civil
LIVRO IV – DO DIREITO DE FAMÍLIA
TÍTULO II – DO DIREITO PATRIMONIAL
SUBTÍTULO III – DOS ALIMENTOS
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos
recursos da pessoa obrigada.
§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de
necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens
suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem
se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo
a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta
de outros.
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a
ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em
142
condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau
imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer
na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as
demais ser chamadas a integrar a lide.
Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem
os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as
circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na
forma do art. 1.694.
Art. 1.701. A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou
dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua
educação, quando menor.
Parágrafo único. Compete ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do
cumprimento da prestação.
Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e
desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar,
obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694.
Art. 1.703. Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente
contribuirão na proporção de seus recursos.
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos,
será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha
sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não
tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge
será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.
Art. 1.705. Para obter alimentos, o filho havido fora do casamento pode acionar o
genitor, sendo facultado ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação
se processe em segredo de justiça.
Art. 1.706. Os alimentos provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da lei
processual.
Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a
alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever
de prestar alimentos.
Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver
procedimento indigno em relação ao devedor.
Art. 1.709. O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante
da sentença de divórcio.
Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo
índice oficial regularmente estabelecido.
» LEI Nº 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003.- Estatuto do Idoso e dá outras
providências.
TÍTULO I- DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público
assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à
liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
143
I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e
privados prestadores de serviços à população;
II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;
III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção
ao idoso;
IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso
com as demais gerações;
V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do
atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de
manutenção da própria sobrevivência;
VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e
gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;
VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de
caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;
VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.
TÍTULO II- DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
CAPÍTULO I- DO DIREITO À VIDA
Art. 9o É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde,
mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento
saudável e em condições de dignidade.
CAPÍTULO II- DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE
Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o
respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos,
individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 3o É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer
tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
CAPÍTULO III- DOS ALIMENTOS
Art. 12. A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores.
Art. 14. Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o
seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência
social.
» LEI Nº 5.869 , DE 11 DE JANEIRO DE 1973, ART. 650. Código de Processo
Civil.
LIVRO II- DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
TÍTULO II - DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE EXECUÇÃO
CAPÍTULO IV- DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR
SOLVENTE
SEÇÃO I- DA PENHORA, DA AVALIAÇÃO E DA ARREMATAÇÃO
SUBSEÇÃO I - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens:
I - os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados a alimentos de
incapazes, bem como de mulher viúva, solteira, desquitada, ou de pessoas idosas;
144
ANEXO N- Texto 15- Criança indígena não tem direito à família?
Existe entre nós um universo de crianças que não merecem ter uma família?
Será que o bom senso que rege os direitos fundamentais de todas as crianças
brasileiras, deva estar ausente para as crianças indígenas?
A constituição brasileira, ao abraçar a doutrina da proteção integral e garantir a
TODAS as crianças brasileiras o direito fundamental à família, teria excepcionado à
criança indígena o amor parental, privando-a da alegria de pronunciar a palavra “pai e
mãe” em qualquer língua que seja, em prol do respeito aos seus costumes?
Ao menos esta é a constatação que se pode abstrair de certos raciocínios que se
amparam numa ótica unifocal de uma importante questão que envolve alguns raros
casos de crianças indígenas, que em caráter excepcionalíssimo, acabam por absoluta
falta de opções, devido às incessantes omissões dos órgãos tutores, colocada em
lares brasileiros não indígenas, através de adoção.
Certamente, não é possível a escolha aleatória dentre direitos fundamentais tão
especiais, quando um deles é essencial para o próprio desenvolvimento do indivíduo.
E todo mundo sabe: Criança precisa de família para se desenvolver de forma sadia.
Assim, índios, brancos, amarelos, negros, mamelucos, cafusos, e outras tantas
variantes étnicas que já caíram em desuso, são todos brasileiros, portadores de
direitos fundamentais que devem ser abraçados pela mesma constituição.
O caso dos índios, rejeitados em suas tribos por questões culturais, e que se
encontram, com o conhecimento dos órgãos tutores jogados em abrigos, à mercê da
própria sorte em algumas comarcas do País, merece total atenção da justiça.
São CRIANÇAS acima de tudo, e encontram-se privadas por longos anos, de
fases importantes de seu desenvolvimento ante as omissões do Estado, no
cumprimento de seu papel de tutela destes indivíduos, que perante as circunstâncias
de abandono em que se encontram, já romperam completamente com a cultura
indígena e são rejeitados por seus pares. Juízes e Promotores de Justiça da Infância
e Juventude, são acima de tudo, guardiões de uma infância UNA, que merece respeito
em igualdade de condições.
Negar o direito fundamental à família para crianças indígenas que estão
esquecidas por anos em abrigos com o pleno conhecimento da FUNAI, após
esgotados todos os meios de manutenção de sua cultura e laços parentais biológicos,
negando-lhes o direito de sorrir e resgatar a dignidade humana que se estabelece
primeiramente através dos laços de família, sob o pretexto cívico de preservar-lhes a
identidade indígena, é por demasiado cruel e desumano.
A linguagem crítica, que se estabelece em torno desta mesma questão, é formada
o mais das vezes, por muitos, que sequer têm acesso às informações mínimas sobre
as reais condições destas crianças indígenas, que certamente perpassa pela gritante
necessidade de demarcação de suas terras e se prolonga através de conflitos e
embates jurídicos seculares, impondo aos índios condições indignas de vida em
muitos recantos deste País, em situação humilhante, que é de conhecimento público.
A subversão da cultura indígena, transformada em cultura “brasileira” através de
intervenções jurídicas na forma de adoção nestes casos excepcionais, é a validação
do direito à vida de pequenos indivíduos, que se estabelece em princípios elementares
de bom senso.
É preciso que se reconheça o tamanho da ausência do Estado em tão relevantes
questões, e é preciso que se faça URGÊNCIA onde ela realmente existe.
A criança, não pode esperar, nem pagar a conta de tantas omissões.
ARIADNE DE FÁTIMA CANTÚ DA SILVA- Promotora de Justiça (Campo Grande-MS)
e Coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança Indígena da ABMP (26/02/2008).
145
Anexo O-Texto 16 - Mato Grosso entra na luta pelo fim do infanticídio no
Brasil
07.17.2008 por Tandai em Brasil, Mato Grosso
O parlamento mato-grossense assumiu oficialmente hoje a luta contra a matança de
crianças indígenas, uma prática culturalmente conhecida como infanticídio. O compromisso foi
firmado pelo presidente da Assembléia Legislativa, deputado Sérgio Ricardo (PR), que recebeu,
na tarde desta quinta-feira, militantes índios e não índios integrantes do movimento “pela ampla
abrangência” que busca a aprovação de Projeto de Lei em tramitação na Câmara Federal
proibindo a prática. A manifestação ocorre paralelamente em 10 estados brasileiros hoje (17) e
amanhã.
Em Mato Grosso, três medidas serão adotadas pelo presidente do parlamento: o envio
de moção de apoio ao deputado federal Henrique Afonso (PT-AC), autor do projeto de lei
1057/2007 em tramitação; mídia para conscientizar a população através da TVAL, e a coleta de
assinaturas a serem enviadas à Câmara Federal pedindo a aprovação da nova lei, denominada
Lei Muwaji.
A lei, se aprovada, vai garantir que os direitos das crianças indígenas sejam protegidos
com prioridade absoluta, de acordo com a Constituição Brasileira, o Estatuto da Criança e do
Adolescente e todos os acordos internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é
signatário. “O direito a vida está na Constituição, é lei, e a lei para todos, índios e não índios”,
defendeu Sérgio Ricardo.
De acordo com o índio Henrique Terena, no Brasil existem 285 nações indígenas e “a
matança de crianças acontece na maioria delas”. Estima-se que anualmente mais de 200 crianças
indígenas de várias tribos sejam rejeitadas por suas comunidades. São condenadas à morte por
serem portadoras de deficiências físicas ou mentais, por serem gêmeas, ou filhas de mãe
solteira. Por estas razões são enterradas vivas, envenenadas ou abandonadas na floresta. Muitas
são recém-nascidas, outras são mortas aos 3, 5 e até 11 anos de idade.
Terena informou que o problema se agrava ainda mais porque muitos dos pais,
inconformados pela ausência do filho, acabam por cometer suicídio. “Mesmo o Brasil sendo
dividido em estados, é composto de gente, de iguais. Não queremos desrespeitar, não somos
contra a cultura indígena, somos a favor da vida”, disse a militante Kaling Almeida, de Mato
Grosso do Sul. “Queremos resguardar o direito á vida de todas as crianças, não só as nossas.
Isso passa pela aprovação da lei. Enquanto ela fica parada em Brasília, as crianças continuam
morrendo”, alertou André Alves, de Cuiabá.
A exemplo do que ocorreu com a Lei Maria da Penha, a Lei Muwaji foi assim batizada
em homenagem à coragem de uma mulher, a indígena Muwaji Suruwaha. Pela tradição do seu
povo, ela deveria ter sacrificado sua filha Iganani, que nasceu com paralisia cerebral. Mas
Muwaji enfrentou não só os costumes de sua comunidade indígena, mas também toda a
burocracia da sociedade nacional, para garantir a vida e o tratamento médico de sua filha.
Também estiveram representados na audiência na AL, os seguintes municípios:
Chapada dos Guimarães, Rondonópolis, Lucas do Rio Verde, Comodoro, Diamantino em Mato
Grosso; Chapadão do Sul em Mato Grosso do Sul; Goiânia e Chapadão do Sul em Goiás; Ilha
Solteira e Araçatuba, em São Paulo.O movimento popular de ampla abrangência se mobiliza
organizando manifestações públicas em 10 capitas brasileiras: Cuiabá, Brasília, Curitiba, São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Recife, Belém, Salvador e Aracajú.
Fonte: 24 Horas News -http://www.brasilcontraapedofilia.org/2008/07/17/mato-grosso-entrana-luta-pelo-fim-do-infanticidio-no-brasil/
146
Anexo P- Texto 17 -lei nº 11.645, de 10 março de 2008.
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afrobrasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da
África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a
cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,
em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras.” (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 10 de março de 2008;
187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Fernando Haddad
Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.3.2008.
147
APÊNDICES
Apêndice A – Planejamento da disciplina .......................................................148
Apêndice B - Caderno de Memória- Revelando a experiência........................150
Apêndice C - Texto 01- Direito.........................................................................160
148
Apêndice A - P L A N E J A M E N T O
CURSOS DE LICENCIATURA PARA PROFESSORES INDÍGENAS
ÁREA DE CONHECIMENTO: Ciências Humanas
COMPONENTE CURRICULAR: Direito e Legislação
DOCENTE: Sandra Maria Silva de Lima
CARGA HORÁRIA: 40 horas-aula totais
TURMAS: Turma 2008
PERÍODO: 28/07 a 01/08 de 2008
PERFIL DO CURSO:
O curso abordará a temática dos Direitos Indígenas apartir de temas do Direito e da
legislação contidos na disciplina com caráter de tema transversal dentro do contexto da
interculturalidade.
OBJETIVOS:
Geral: Possibilitar a construção de novos entendimentos através da percepção dos
estudantes universitários do PROESI sobre o Direito e a Legislação tendo como
temáticas os direitos indígenas específicos bem como outros direitos estipulados pela
legislação “ocidental”.
Específicos:
• Expor e analisar a legislação e os conceitos contidos nos textos legislativos
através da doutrina e jurisprudências.
• Estimular a reflexão crítica sobre o contexto histórico legislativo bem como a
aplicabilidade das leis no cenário político- jurídico do Brasil.
• Identificar a compreensão do Direito valorizando os conhecimentos prévios e a
vivência dos estudantes universitários na formação profissional através das
produções textuais e formas sugeridas de multiplicação das informações nas
aldeias de mato Grosso.
CONTEÚDOS:
Os conteúdos a serem abordados durante o curso versarão sobre:
• Direito das Mulheres (Lei Maria da Penha nº 11.340/06);
• Direito Ambiental (Lei nº 9605/98- Crimes Ambientais e Lei nº 6938/81Política Nacional do Meio Ambiente)
• Direito do Consumidor (Lei nº 8078/90- Código de Defesa do Consumidor)
• Direito da Criança e Adolescente (Lei nº 8069/90- Estatuto da Criança e
Adolescente)
• Direito Penal (Decreto-Lei nº 2848/40- Código Penal)
• Direitos Indígenas (Lei nº 6001/73- Estatuto do Índio; Convenção OIT-169;
Resolução 03/99)
• Outros temas: Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/2003); Recursos Hídricos (Lei
9433/97); Conselho Tutelar; Declaração dos Direitos Humanos; Decreto nº
6040/2007- Comunidades Tradicionais.
149
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:
A metodologia a ser utilizada: aulas expositivas dialógicas, seminários interativos,
confecção de textos a partir das temáticas.
AVALIAÇÃO:
Avaliação será qualitativa considerando a participação dos discentes e a produção de
textos acerca dos seminários desenvolvidos bem como uma avaliação descritiva dos
conteúdos ministrados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARAUJO, Ana Valéria et alii. Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à
diferença. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade: LACED/Museu Nacional, 2006.
Código Civil; Código Comercial; Código de Processo Civil: Constituição Federal. Obra
coletiva de autoria da editora saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo
Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes, 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes e Resolução
referente à ação da OIT sobre povos indígenas e tribais. — 2a ed. — Brasília: OIT,
2005.
FLEURI, Reinaldo Matias. Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
Interesses difusos e coletivos. Obra coletiva de autoria da editora saraiva com a
colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e
Lívia Céspedes, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: proteção jurídica à
diversidade biológica e cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005.
150
Apêndice B - Caderno de Memória - revelando a experiência
Barra do Bugres, 28/07/2008
A primeira aula da etapa presencial começou às 7h30min de uma segundafeira ensolarada com toda a turma de 2008. Após o cumprimento e saudação a todos
foi lido o Caderno de Memórias sobre os acontecimentos da aula de 6ª feira. Após a
leitura todos aplaudiram e o aluno Joel Terena relatou o conteúdo da reunião do
Conselho Indígena mostrando o modelo da carteira de estudante.
Logo em seguida o coordenador do PROESI informou sobre os projetos
pedagógicos do programa e solicitou a assinatura dos estudantes acordando com um
dos projetos citados. Neste momento em que pediu que assinassem por extenso o
nome e também a etnia a qual pertence, surgiu uma dúvida sobre a rubrica e o nome
por extenso. O professor Elias escreveu seu nome por extenso e também fez a
assinatura no quadro e perguntou a diferença e o porquê da necessidade de escrever
o nome completo.
Disse a todos que a rubrica não possibilita a averiguação do nome nos
registros de identificação dos órgãos responsáveis como a Polícia Federal, Receita
Federal, Secretaria de Segurança Pública e outros, pois este tipo de assinatura pode
não exprimir e nem referir ao nome do portador do documento oficial que em casos de
abaixo - assinados não contém cópia do referido documento. Também foi suscitada a
dúvida quanto ao nome, prenome e sobrenome que costumamos dizer de forma
equivocada. Foi usado como exemplo o nome do professor, prenome Elias e nome
Januário e falei da não existência do termo sobrenome.
Depois disso o professor Elias Januário fez nova apresentação e assim conduzi
a aula com a explanação do texto 01-“Direito” onde falamos da origem e do
desenvolvimento dessa Ciência Social. Neste momento da aula os alunos fizeram
muitos questionamentos trazendo dúvidas sobre os casos concretos que acontecem
nas aldeias e ainda a interpretação do significado do direito considerando “branco” e
“índio”. Ainda não tínhamos definido quais termos seriam utilizados, pois considerei os
que já possuíam baseados em resultados da própria mídia bem como em seu
cotidiano.
Distribuí o texto 2-“Fontes do Direito Penal” para que lessem individualmente,
pois após a leitura seria feita a explanação. O texto foi escolhido tendo em vista as
particularidades do Direito Penal e para fixarem as fontes do direito, quer sejam, leis,
costumes, doutrina e jurisprudências. Neste momento os alunos lembraram casos
como de “Isabella”, “Daniel Dantas” e do “índio Galdino” fazendo considerações na
forma de aplicação desse direito, como o poder judiciário aplicando a lei ou pelo poder
discricionário do juiz determina e resolve os casos, protela outros ou ainda decide de
forma não condizente com a realidade esperada por todos na sociedade.
Foi determinante a forma com que foi tratada a questão financeira na visão dos
alunos, a qual também faz parte da ampla maioria da população brasileira, uma
indignação quanto à forma de punir, baseada em interesses privados, privilégios de
direitos e inaplicabilidade da lei. A leitura do texto e sua interpretação foram
importantes para perceber qual o conceito do Direito Penal.
O texto foi discutido após o intervalo para o almoço e no inicio do período
vespertino (14h30min). As aulas foram divididas em temas que integraram o material
didático do CDROM.
No tema “Introdução ao Direito e Direito Constitucional” utilizamos a sentença
prolatada pelo Juízo Federal do Acre (texto 03). Este foi um exercício importante, pois
os alunos identificaram na peça processual as fontes do direito: leis, doutrinas,
151
costumes e jurisprudências fixando melhor o texto anterior e visualizando a menção
das leis tanto do Código Penal quanto da legislação indigenista.
Abordando o Direito Constitucional foram lidos e comentados todos os artigos
da Constituição Federal de 1988 pertinentes aos direitos indígenas do texto 04“Direitos Indígenas na Constituição da república Federativa do Brasil de 1988”. Com a
leitura perceberam que os direitos e deveres indígenas podem ser extraídos não
apenas do capítulo específico nos artigos 231 e 232.
Com o apoio de vários textos e artigos sobre a súmula 140 do Superior
Tribunal de Justiça, os alunos compreenderam a questão da competência tanto da
Justiça Federal quanto da Justiça Estadual para julgar os crimes e infrações cometidos
por indígenas, tema este muito controverso na doutrina e na jurisprudência. Após
vários questionamentos encerramos a aula às 18h30min propondo aos alunos uma
reflexão sobre a percepção do direito tendo como referência a aula dada e os seus
conhecimentos acerca da temática.
Barra do Bugres, 29 de julho de 2008.
Após a leitura do Caderno de Memórias pelo aluno o aluno Elias Jorge Franco,
da etnia Terena, foi lido e explicado o texto 05- “História do Direito- Direito Indígena:
um direito ou uma concessão do direito estatal?!”.
Este texto foi apenas projetado no data-show, os alunos não tinham a cópia.
Alguns alunos fizeram a leitura e parágrafo por parágrafo foi comentado os termos que
não conheciam. Embora não estivesse utilizando o dicionário jurídico, a explicação se
dava tanto pelo vocábulo em português e ainda pelo vocábulo jurídico, uma vez que se
trata de linguagem técnica onde os alunos comentaram a dificuldade de entender só
falando a palavra, por isso adotamos como regra dentro da sala que, toda vez que não
soubessem o significado, perguntariam após a leitura do parágrafo antes da
explicação.
O que chamou a atenção foi o processo histórico e sua influência na confecção
das leis e dos sistemas de regramento e costumes dos povos indígenas. Falaram
sobre a importância de conhecer a origem e o tratamento que o Estado deu aos
indígenas, como a sociedade não-indígena interpretou e como a comunidade indígena
recepcionou este código de regramento diferente daqueles que possuem
internamente.
Depois da discussão desse texto foi proposta uma atividade onde dissertaram
sobre “a percepção que possuem sobre o direito”.
Após o intervalo continuaram a atividade. Ainda no período matutino
começamos a abordagem da temática Direito Ambiental, tratando da questão
ambiental com comentários gerais sobre a Lei nº 9795/99 que trata da Educação
Ambiental.
Os alunos expressaram que é fundamental a aplicabilidade desta lei, pois a
natureza tem modificado muito e os homens estão destruindo tudo sem preocupações.
Falaram da forma que as comunidades indígenas manejam a natureza para não faltar
recursos para os que virão. Percebe-se aqui que essa preocupação atende a vários
princípios ambientais destacando o desenvolvimento sustentável.
Na explicação das leis sobre Crimes Ambientais e Política Nacional do Meio
Ambiente, respectivamente Leis nº 9605/98 e nº 6938/81 houve muitas indagações
sobre como é aplicado o conteúdo da lei ambiental, e que conceitos relacionam à
questão indígena, atingindo o modo de vida e os costumes. Foi então debatida as
possibilidades do índio incorrer em crimes ambientais e também de que forma
poderiam atenuar a pena, visto que é um direito específico tanto da atenuante quanto
152
do cumprimento da pena em regime diferenciado. Todos saíram para o almoço às
11h30min.
Durante a aula a Senhora Rosa, responsável pela parte logística do PROESI
apresentou aos alunos o cacique Narciso da Aldeia Quatro Cachoeiras da Etnia
Paresi. Foi um momento interessante, pois o cacique nos premiou com ensinamentos
e conselhos para os universitários, destacando questões como gratidão,
reconhecimento, preservação da cultura, dos recursos naturais. Em sua fala ficou
evidenciada a importância do indígena conhecer a cultura do branco, mas jamais
perder a própria cultura. Destacou que fica orgulhoso quando vê sua neta na sala
estudando e o quanto ela valoriza o estudo e que está lecionando na aldeia.
Agradeceu o PROESI pelas oportunidades e que todos devem aproveitar para
estudar, para beneficiar os que estão nas aldeias e também os que virão. Todos
aplaudiram, um dos alunos agradeceu a visita do parente. Em seguida falei algumas
palavras e o agradeci. O cacique estava com a vestimenta indígena da qual falou
sentir honrado em mostrar para indígenas e não-indígenas.
No período vespertino continuamos tratando do tema Direito do Meio Ambiente
e vimos alguns artigos da Lei de recurso Hídricos nº 9433/97 dando ênfase para
participação do indígena e sua comunidade nos Comitês de Bacia Hidrográfica.
Discutimos sobre os decretos nº 6515 que instituiu a Guarda Ambiental, nº
6514 que altera a lei de crimes ambientais e nº 6513(texto 6) que trata da atuação das
Forças Armadas e da Policia Federal nas Terras Indígenas, todos decretos
presidenciais publicados no dia 23 de julho de 2008, mas que já possuem algumas
interpretações que foram comentadas na mídia digital.
Foram abordados os textos 7, 8 e 9 respectivamente com os títulos: “Índios
vêem ameaça e mobilização do Exército”; “Governo tenta ‘convencer’ índios de MT a
deixar explorar potencial hídrico” e “Decreto que autoriza bases militares em Terras
Indígenas é inconstitucional, afirma conselho”. Os textos foram projetados, lidos
integralmente comentando os termos jurídicos e suscitando vários questionamentos
sobre o que anda ocorrendo no cenário político e jurídico do país e do Estado de Mato
Grosso. Foi fundamental para os estudantes o acesso a essas informações recentes.
Barra do Bugres, 30 de julho de 2008.
Começamos a aula da 4ª feira com a leitura do Caderno de Memórias pelo
aluno Edmilson Zoró, da etnia Zoró.
Notamos a ausência no período matutino dos sete alunos que foram à Cuiabá
no Museu Rondon na UFMT para o lançamento dos livros escritos na língua Ikpeng,
com textos e ilustrações dos alunos e professores do PROESI. Os alunos comentaram
que se sentem honrados vendo os parentes autografando livros e tornando realidade a
preservação da cultura das comunidades indígenas.
Continuamos falando sobre o decreto nº 6513, pois os alunos estão
preocupados com o que poderá acontecer caso não venha a ser declarado
inconstitucional. Lembrei que o decreto já se encontra em vigor e com prazos
determinados para cumprir as determinações. Então falamos mais sobre o decreto até
a hora do intervalo, sempre com o cuidado de visualizar a legislação como produto do
momento histórico que estamos vivenciando. Os alunos fizeram inúmeras questões
combinando hipóteses das mais variadas sobre possíveis resultados da presença de
militares nas Terras Indígenas, ficaram preocupados porque a lei não mencionou a
palavra povos indígenas.
Entreguei o texto 10-“Crimes indígenas precisam ser esclarecidos” para que
lessem individualmente e logo após fazermos o seminário integrador.
153
Ao projetar o texto lemos todos os parágrafos e destacamos as falas e as
recomendações legais contidas no texto, além das problemáticas sociais que
preocupam as aldeias como a criminalidade, o alcoolismo, a prostituição, as drogas e
a forma de aplicabilidade da legislação, identificamos neste texto as controvérsias nas
decisões do STF e STJ.
No período vespertino todos os alunos já estavam na sala, alguns contaram
sobre o ocorrido em Cuiabá e que os autores do livro deram muitos autógrafos e foi
bonito o evento. Comentamos rapidamente o texto da aula da manhã para que os
alunos que retornaram do evento ficassem interados do tema.
Logo em seguida foi proposta uma atividade em que responderam
individualmente as questões: “O que é ser índio ou índia para você?” e “Você se
considera ‘integrado’ ou ‘interado’ na sociedade brasileira? Por quê?”. Ficaram
elaborando as respostas até o intervalo. Logo após recolhi todas as folhas de
respostas e lhes foi entregue o texto 11 “Lei Maria da Penha dá nova visão à família
moderna”.
O texto foi lido individualmente. Começamos a abordagem do Direito das
Mulheres com a leitura e comentários da Lei nº 11.340/2006. Fizeram várias
perguntas, as mulheres falaram de suas preocupações e discutimos outros textos que
compõem o material didático (CDROM).
Ao comentarmos o texto que trouxe uma temática da homossexualidade
ficaram um pouco eufóricos sobre a abordagem. Enfatizei que a lei não protege
apenas briga de casais, mas toda violência contra a mulher, tanto pelo companheiro
ou companheira (aqui reportando ao texto) quanto pelos pais, irmãos, parentes ou
pessoas que possuem grau de afinidade com a vítima. Alguns casos que trouxeram
como hipóteses não seriam analisados por esta lei, mas pelo Código Penal. E foram
muitas as hipóteses, imaginaram um número considerável de hipóteses.
Após vários questionamentos quiseram saber como se dá a denuncia sobre a
lei Maria da Penha. Falei dos procedimentos e mostrei uma cópia de um caso de
flagrante e autuação do caso na Delegacia de Mulheres da cidade de Cáceres, com o
cuidado de preservar os nomes da vítima e acusado-ofensor.
Como uma das temáticas escolhidas por eles, na ocasião da oficina feita em
fevereiro do corrente ano, era a questão processual, dei ênfase em peças processuais
como a sentença, a ação (processo) e neste caso dos direitos das mulheres para a
nota de culpa e do inquérito policial. Como a cópia retratava apenas o inquérito e sua
distribuição para o Poder Judiciário foi comentado quais as medidas feitas após isso.
Esta lei tem uma particularidade no rito processual devendo tanto a atuação do
juiz quanto dos serventuários da justiça serem mais rápidas para proteger a
integridade física da vítima.
Considerei até este momento, uma das leis que chamou mais a atenção de
todos na sala, embora com muitas informações específicas, eles disseram que os
direitos das mulheres devem ser conhecidos e respeitados. Enfatizei que às mulheres
índias é aplicada a Lei Maria da Penha, mas que prepondera a decisão de escolher
como será a resolução de possíveis casos considerando a questão cultural.
Terminamos a aula com inúmeros comentários sobre o direito das mulheres e a
necessidade de estudar mais sobre a temática, de esclarecer a comunidade sobre a
condução dos problemas com a bebida alcoólica e outras situações que contribuem
para a violência.
Barra do Bugres, 31 de julho de 2008.
Começamos a quinta-feira com a aluna Nilce Alcântara, da etnia Terena lendo
o Caderno de Memórias. Após este momento entreguei cópia dos textos de Projetos
154
de Lei que estão tramitando no Congresso Nacional. Nesta parte da aula expliquei
sobre o processo legislativo e os termos políticos e jurídicos que permeiam a lei desde
a sua confecção até a entrada em vigor.
Os termos foram complicados para o entendimento apenas do ponto de vista
doutrinário pela própria complexidade da matéria. Mas com os questionamentos dei
ênfase aos processos de promulgação e veto da legislação, explicando o caminhar da
lei nos dois momentos distintos. Assim chegamos também aos termos sanção,
publicação, entrada em vigor, validade, regulamentação e implementação.
Aqui eles expuseram o porquê da lei “não funcionar”, “não valer”, “não pegar”,
“ficar só no papel”, “entender a interesses”, expressões que falaram durante a aula.
O texto 12-“Projeto dá prioridade a processo judicial de indígenas” foi discutido
do ponto de vista de beneficiar as comunidades indígenas na questão da celeridade
processual considerando que a morosidade causa imensos prejuízos no exercício dos
direitos. Explanei sobre as mudanças que serão feitas no Código de Processo Civil
com a entrada em vigor caso a lei venha a ser publicada. O texto apresentado é da
Câmara dos Deputados com a exposição de motivos, o texto do Projeto de Lei e a
Justificação.
Aqui entenderam que não alteraria e nem suprimiria direitos conquistados, mas
o tempo diminuiria para seu exercício.
O texto 13-“Lobão Filho propõe estender pena de cidadão comum a índio
integrado”, despertou muito interesse e muitos questionamentos, pois neste texto há
uma modificação na forma do juiz mensurar a pena, retirando dos índios em via de
integração e dos índios integrados a possibilidade de tratamento diferenciado no
cumprimento da pena que atualmente é estipulado pela Lei 6001/73- Estatuto do Índio.
Por este projeto de lei apenas os índios isolados continuariam tendo tratamento
especial, os demais responderiam como cidadão comum.
A discussão teve momentos de intenso debate, pois para alguns estudantes
universitários, os índios nem sequer podem ser presos. Expliquei que este
entendimento faz parte da interpretação equivocada da ampla maioria dos cidadãos
brasileiros, mesmo dos não-indígenas.
Neste momento polêmico foi necessário enfatizar as abordagens anteriores
sobre o Código Penal, CF/88 e demais orientações. Aqui se percebia a ênfase na
pena, esquecendo das condutas reprováveis pela sociedade indígena e não-indígena
do fato ou ato cometido pelo agente. Novamente foi imprescindível a abordagem
constitucional, a menção a direitos acompanhados de deveres, bem como a leitura dos
artigos da Constituição Federal de 88 e do Código Penal.
Embora o projeto tratasse de tema penal a justificativa do projeto se deu em
torno das alterações trazidas pelo Código Civil, Lei nº 10406/02 que retirou a
inimputabilidade dos indígenas considerando-os capazes. Fizeram-se necessária
algumas considerações sobre o Código Civil que não foi especificamente escolhido
nos temas solicitados.
Após o intervalo do lanche passamos para a temática dos Direitos dos Idosos
que estão contidas na Lei nº 10741/2003 que estava na apostila do material fornecido
pelo PROESI. O texto foi projetado no data-show e comentamos a maioria dos artigos.
Ao discutir pontos da lei, os alunos identificaram alguns costumes nas aldeias
quanto ao tratamento dos seus idosos, da valorização com a presença na educação
dos mais moços e crianças. Ficaram impressionados como a lei descreve condutas
em torno da questão do idoso. Projetei ainda o texto 14- “Obrigação de Amparo aos
Idosos” destacando as leis que tratam do tema. Após, foi passado um esquema
visualizando estes direitos que consta no CD com conteúdo programático.
Vimos depois a Lei nº 10098/2000 que trata das normas e critérios básicos
para promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida, simplificada como “lei dos deficientes físicos”. Ao abordar esta lei
155
perceberam alguns artigos que estavam presentes no Estatuto do Idoso quanto ao
acesso a lugares públicos e a necessidade de cuidados especiais.
No período da “tarde começamos a aula com o texto 15 -” Criança indígena
não tem direito à família?”para abordar a temática Direito da Criança e do
Adolescente. Lido o texto individualmente foi projetado o Estatuto da Criança e do
Adolescente destacando os itens mais importantes tendo em vista ser uma lei extensa.
Foi feito um histórico do ECA e comentado sobre a maioridade que está adquirindo
considerando os dezoito anos que completa em 2008.
A leitura do texto possibilitou a explicação do tema adoção das crianças
indígenas por famílias não-indígenas, o que em várias opiniões emitidas faz com que a
perda da identidade seja acelerada, pois sem o convívio diário a criança esquece seus
costumes. Mas ponderaram para o fato de que essas crianças não podem crescer em
abrigos sem a possibilidade de receber tratamento e carinho familiar.
Foram falados vocábulos jurídicos e ações como a guarda provisória e
definitiva, os trâmites na justiça dos processos de adoção e de guarda.
Ficou evidenciada a vontade de conhecer o ECA para aplicação e divulgação
nas escolas e nas aldeias por parte dos professores que já atuam na educação
escolar indígena.
Abordamos as atribuições do Conselho Tutelar e a função dos conselheiros na
condução do Estatuto. No material didático fornecido consta uma cartilha ABC do
Conselho Tutelar explicativa. Foi acertado que irão divulgar nas aldeias sobre o
Conselho Tutelar para que, caso necessitem, recorram aos conselheiros.
Outro tema bordado foi a questão do infanticídio nas aldeias, ocasião em que
foi lido o texto 16- “Mato Grosso entra na luta pelo fim do infanticídio no Brasil”. Este é
um tema polêmico também na sociedade não-indígena, pois a mãe ao cometer o
crime, o resultado já lhe traz uma penalidade no aspecto psicológico. Os alunos
disseram que é preciso investir em formas de tratamento para as mulheres, pois não
devem ser vistas só como assassinas, mas carentes de cuidados maiores.
Na sociedade indígena este assunto também carece de uma atenção maior,
mas as decisões e políticas devem ouvir os indígenas para verificar as peculiaridades
de cada povo.
Como último ponto da aula iniciamos o tema Direito do Consumidor com a
leitura do Código de Defesa do Consumidor-CDC que inovou e modificou o cenário
legislativo e de aplicação da pena no Brasil. Lembramos que outras leis sofreram
fortes influências com o CDC, pois trouxe conceito como direitos difusos e coletivos.
À medida que os termos jurídicos iam aparecendo os alunos questionavam em
que contexto se dava a aplicabilidade da lei. Surgiram muitos casos hipotéticos e qual
solução seria dada àquela demanda.
Por tratar de um texto muito extenso e que necessitaria de um período maior
nos detivemos em artigos que contextualizam a finalidade da lei. Como os alunos já
tinham vários conceitos e definições dadas anteriormente a posterior leitura individual
do material será facilitada.
A questão do consumo excessivo de bens e serviços também foi analisada
pelos alunos sob o ponto de vista de como os indígenas estão interados no contexto
da sociedade. Atentaram para o fato de que se continuarmos com este consumo
exagerado poderemos ter sérios conflitos no futuro com a falta de recursos naturais.
Aqui observamos uma preocupação com a visão da capacidade limite e suporte dos
bens ambientais. Disseram que é importante estudar o CDC e também multiplicar as
informações nas aldeias
156
Barra do Bugres, 01º de agosto de 2008.
Iniciamos a aula com a leitura do caderno de memórias pelo aluno Rogério
Tapirapé, da etnia Tapirapé.
Abordamos os aspectos dos Direitos Indígenas para finalizar em sala de aula a
programação contida no planejamento considerando que ao longo da semana vimos
vários textos e legislações indigenistas. Lembramos a diferença entre Direito
Consuetudinário (costumes) e as normas positivadas indigenistas como integrante dos
direitos indígenas.
O Direito Consuetudinário tem como pressupostos as normas consensuais de
cada povo indígena enquanto que a legislação indigenista são as normas positivadas
emanadas pelas Casas Legislativas e pelo Executivo. Aqui, construímos o conceito
dos Direitos Indígenas.
Projetei o texto 17 com o texto da Lei 11645/2008 que traz referência à
educação, pois estabelece diretrizes e bases da educação nacional para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. Após a leitura da lei e interpretação do texto legislativo foi
questionado se eles viam a lei como um aspecto benéfico ou maléfico nos aspectos
culturais. As opções de respostas eras “sim” ou “não”. Menos da metade da sala
responderam sim, então pedi que os que respondessem “não” justificassem a
resposta. Todos esses se abstiveram, embora insistisse para colher os depoimentos.
Assim inverti a questão para os que responderão “sim” e o aluno Joel da etnia
Terena falou que “é benéfica, pois assim os estudantes podem conhecer a realidade
das sociedades africanas e indígenas”. Destacou que “os indígenas devem produzir
seu próprio material para as escolas indígenas, bem como produzir textos para
informar a sociedade não-indígena”.
Abordei ainda a questão do livro didático que deve ser atualizado retirando
aqueles textos onde a única visão oferecida é a do índio em sua oca, ornamentado
com adereços e entendido como alguém que esteve por aqui. Para isso devem ser
divulgadas informações atuais de como o índio está vivendo no cenário nacional e
internacional, uma visão criteriosa.
Destaquei o fato de que os professores em formação tem essa
responsabilidade. Ilustramos com o exemplo dos egressos do curso do PROESI que
publicaram os livros na língua materna. Desse exemplo surgiu um questionamento
interessante: “Como vamos ler o livro se não tem tradução e não conhecemos a língua
que eles estão escrevendo?”
Neste momento todos mostraram esta preocupação, o que fez com que
sugerissem que as publicações sejam feitas também no português, tendo em vista que
todos entendem, escrevem e falam português que é a língua que os fazem sentir
“interados” no ambiente da universidade.
Depois destes comentários com a Lei nº 11645/08 foi perguntado se os que
disseram “não” ainda quisessem dar o depoimento que poderiam defender a idéia.
Ninguém quis argumentar e funcionou como uma votação sem a justificativa do “não”,
pois se omitiram a expor o motivo da escolha.
Projetei o Decreto nº 5051/2004 que determinou a entrada em vigor da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT. Neste momento da
aula fizemos a abordagem do processo legislativo de como são utilizados os termos
jurídicos contidos no decreto. Foram suscitados termos como o depósito do
instrumento de ratificação na OIT, sendo importantes os termos retificação, ratificação,
afirmação e confirmação. Outro termo foi o de apensamento da Convenção ao Decreto
Presidencial nº 5051/04 e foi dado um exemplo para a compreensão dos trabalhos
escolares quando coloca a capa, esta seria o Decreto e a Convenção 169 seria o
conteúdo do trabalho, o que identificaram como o mais importante, mas foi enfatizado
157
que só passou a ter vigor no país após a publicação em 20 de abril de 2004
coincidentemente assinado no dia do índio, o que despertou a atenção dos alunos que
fizeram inúmeros comentários, um deles foi a visão internacional para o Brasil que
trata da questão indígena, falada intensivamente somente no dia 19 de abril.
Para definir a noção equivocada de que o índio não pode ser preso ao praticar
um crime tendo a Convenção 169 como lei que ampara esta justificativa, nos
detivemos no artigo 9º que remete a aplicabilidade das normas contidas no sistema
jurídico nacional. A prisão está amparada legalmente, pois a conduta reprovativa está
presente no Direito Consuetudinário estabelecido nos códigos e regramentos internos
de cada aldeia ou etnia. Foi detalhado que a atenuante se dá no cumprimento da pena
e não é possível aplicá-la nas fases dos atos processuais e de averiguação
posteriores à conduta criminosa.
Projetei uma compilação do Projeto de Lei nº 2057/91 de autoria do Deputado
Federal Luciano Pizzato com as modificações e alterações no texto das versões de
1994, 2000 e 2001, tanto na questão da nomenclatura da lei, este projeto tem o nome
de “Estatuto das Sociedades Indígenas” enquanto que a lei a ser modificada,
recepcionada e posteriormente revogada tem a nomenclatura de “Estatuto do Índio”.
Este projeto modifica substancialmente a Lei nº 6001/73 que disciplina o
Estatuto do Índio. A modificação se dará desde a conceituação até a forma de tutela,
pois considera a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil que foram vistos
anteriormente.
Outro ponto que foi discutido foram os interesses indígenas, pois o Estatuto
das Sociedades Indígenas faz referência ao tratar da questão das terras indígenas e
sua gestão. Foi indagado quais seriam os interesses indígenas, obtendo-se as
seguintes respostas: preservar a natureza, valorizar a cultura, vida digna, costumes e
crenças, cuidar da nossa terra, preservar e aprender a língua materna, respeitar os
nossos direitos, direito à educação e à saúde, valorizar nosso conhecimento indígena;
alimentação tradicional, festas tradicionais, lazeres, agricultura de subsistência, direito
das mulheres falarem.
A próxima indagação foi se eram apenas esses os interesses e disseram que
não lembravam mais. Então comentamos sobre interesses maiores, tanto sociais
quanto os econômicos ligados à produção, ao manejo das riquezas naturais existentes
nas terras indígenas e que são direitos indígenas protegidos constitucionalmente.
A abordagem confirmou o que vinham afirmando anteriormente sobre a
propriedade. Os estudantes têm a noção de coletividade, comunidade e não
conseguem diagnosticar os grandes interesses das comunidades. Assim, o discurso
que fazem referente à Terra Indígena deve ser melhor trabalhado confrontando as
premissas legais presentes na CF/88, Lei 6001/73 e outras.
No intervalo para o lanche fizemos uma atividade lúdica, uma exposição com
os CDs com o material didático visto o longo da semana. No dia anterior cada aluno
levou uma folha sulfite para produzir desenhos e montar a capa do CD. Como era
intervalo para o lanche, os demais estudantes do PROESI vieram ver as capas e
comentaram o interesse pela disciplina. Após este momento retornamos as discussões
sobre a importância de estudar o Direito e a Lei, que a leitura é fundamental para
conhecermos esta Ciência Social e os alunos comentaram sobre a necessidade de
multiplicar as informações nas aldeias.
Este é um dos objetivos da disciplina, que na formação dos professores que
atuarão e que atuam nas escolas transmitam aos alunos as informações obtidas e
construídas em sala de aula. Uma das considerações feitas pelos alunos também
valorizou o repasse, a multiplicação para os moradores nas aldeias e para isso
poderiam utilizar das oficinas, escrever textos informativos, reuniões o conselhos,
festas da comunidade.
158
Um comentário importante foi que diagnosticaram que através da informação
poderão mobilizar a comunidade indígena para reivindicarem nas casas de leis
possíveis inclusões ou exclusões de assuntos que estão sendo debatidos atualmente.
Após estes momentos de reflexão sobre a disciplina foi distribuída a avaliação
da disciplina em formulário do PROESI que entregariam na próxima terça-feira. Foi
solicitado ainda que observassem na projeção a atividade da etapa intermediária
(texto 18). As questões foram comentadas e ficou estipulado que na etapa
intermediária entregariam as respostas.
O final da disciplina estava chegando, agradeci aos alunos a atenção no
decorrer da semana e enfatizei que foram mais que apenas estudantes, foram
colaboradores na construção das temáticas, pois escolheram os temas anteriormente,
complementando os trabalhos e os objetivos da disciplina dessa etapa. Após os
agradecimentos o aluno Joel da etnia Terena leu uma poesia redigida ao longo das
aulas retratando fielmente seu entendimento da disciplina. Foi um momento muito
especial, pois as palavras marcaram significativamente, contextualizando as
percepções e impressões que foram vivenciadas durante a semana. Joel autorizou a
divulgação do texto. Ao final agradeci novamente pela atenção e colaboração de
todos, terminamos as aulas com aplausos.
Aldeia Formoso - Tangará da Serra-MT, 03 de agosto de 2008.
A maioria dos alunos da etapa presencial juntamente com professores e
funcionários do PROESI tiveram um dia especial. Fomos visitar a Aldeia Formoso na
região de Tangará da Serra-MT. Estava chovendo quando chegamos à aldeia do povo
Paresi. Fomos recebidos pela Senhora Maria Helena que nos mostrou toda a aldeia,
as habitações, a casa de cultura e a cachoeira.
Figura 19 - Visita na aldeia Formoso – Tangará da serra-MT.
Foto: Sandra Lima, 2008.
159
Um momento especial foi a explicação de dona Maria Helena sobre o ritual
com um ancião, que ao redor da fogueira onde estava uma chaleira de chá ele
contava aos mais novos suas memórias com a pretensão que estes repassem aos
netos e todos os que virão depois. Vi nestas palavras a preocupação com a
preservação da memória do povo Paresi. Ela disse que “nossos velhos não são
eternos, mas são fontes de sabedoria”.
A visita à aldeia me trouxe também a percepção de como os dois mundos, o
indígena e o não-indígena estão materializados na arquitetura. A oca, as casas em
metade madeira e metade palha, a casa de madeira coberta com telhas e a casa de
alvenaria. Comentamos sobre estes aspectos e observamos a escola toda de
alvenaria e como a influência não indígena modificou a aldeia no aspecto
arquitetônico, cultural e social.
160
Apêndice C- Texto 01 - DIREITO
•
Provém da palavra latina directum, que significa reto, no sentido retidão, o certo, o
correto, o mais adequado.
•
Etimologia- Direito é “qualidade daquilo que é regra”.
Antiguidade - Celso: “Direito é a arte do bom e do eqüitativo”.
Idade Média - Dante Alighieri: “Direito é a proporção real e pessoal de homem para homem
que, conservada, conserva a sociedade e que, destruída, a destrói”.
Kant: ”Direito é o conjunto de condições, segundo as quais, o arbítrio de cada um pode
coexistir com o arbítrio dos outros de acordo com uma lei geral de liberdade”.
•
O direito é um conceito em constante mutação, até porque enraizado e conseqüente da
própria condição humana, que necessita de ajuste e adequação diuturnamente, seja
com relação a seu habitat, aos critérios e normas de convivência, bem como às novas
realidades construídas pelos grupamentos humanos e a própria evolução do
conhecimento cientifico e tecnológico.
•
Direito Natural- nasce com o próprio homem independente de regramento quanto a sua
utilização. (Revelação)
Naturalistas: necessitam critério de avaliação das mesmas normas. Não há padrão de
medida.
•
•
Direito Positivo- direito regrado, criado e escrito pelos homens, através de normativos e
legislação que indicam e individualizam as situações e preceitos a serem seguidos ou
cumpridos. As fontes do direito são fundamentais na construção do direito positivo: o
direito escrito e interpretado que rege as relações humanas na atualidade. Positivistas: ordem social ou através do Estado
Conceito de Direito
1) NORMA estabelecida na lei, ou seja, a regra jurídica
2) FACULDADE, que todos temos, de exigir um determinado comportamento alheio, em defesa
de nossos direitos.
•
Tipos de direito positivo:
Positivismo legalista: volta-se só para a lei.
Positivismo historicista ou sociologista: É o do direito costumeiro ou da classe dominante, que
pretende exprimir sua cultura e traçar sua organização social, resguardada pelos mecanismos
de
controle
e
segurança
desta
ordem
estabelecida.
Positivismo psicologista: Defere aos juízes como no judgemade Law, construindo normas, além
e acima das leis. (discricionário)
• Tipos de direito natural
Cosmológico: origem no universo.
Teológico: origem na lei divina
Antropológico: origem na razão humana. Torna-se positivo após a ascensão da burguesia.
161
Direito natural: plano ideal, da abstração. Princípios imortais (natureza, deus, razão).
Direito positivo + Direito natural = complementares, pois não são estanques, isolados ou
desligados.
Direito: existe antes, perante e depois do Estado. Busca da práxis jurídica no âmbito social
As principais fontes são as leis, os costumes, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais.
COSTUME é caracterizado quando existe a reiteração de uma conduta na convicção da
mesma ser obrigatória.
DOUTRINA é construída pelos estudiosos da área jurídica quando da interpretação do direito.
JURISPRUDÊNCIA é o resultado de decisões judiciais no mesmo sentido, que resultam em
novos entendimentos e compreensões do direito
•
Hierarquia das leis - evita que direitos de maior abrangência não sejam suplantados
por direitos e regramentos inferiores.
Principais normativos que regem o direito positivo ou escrito no Brasil são: Tratados,
Convenções Internacionais, Constituição Federal, Constituições Estaduais, Leis
Complementares, Leis Federais, Estaduais e Municipais, além das Medidas Provisórias
Federais, que possuem um caráter de excepcionalidade, objetivando uma
normatização emergencial.
Formas especializadas: Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito de Família, Direito Penal,
Direito Marítimo, Direito Tributário, Direito Imobiliário, Direito do Consumidor. Somente no Brasil
temos mais de 20 ramos ou especializações do direito, com a forte tendência de que as áreas
se multipliquem, requerendo ainda mais profissionais capacitados para atender os novos
nichos de demanda.
Segundo Dworkin (jusfilósofo inglês) "O direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras
ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera de
comportamentos. Tampouco por alguma lista de autoridades com seus poderes sobre parte de
nossas vidas. O império do direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o
processo. Estudamos essa atitude principalmente em tribunais de apelação, onde ela está
disposta para a inspeção, mas deve ser onipresente em nossas vidas comuns se for para
servir-nos bem, inclusive nos tribunais. É uma atitude interpretativa e auto-reflexiva, dirigida à
política no mais amplo sentido. É uma atitude contestadora que torna todo cidadão responsável
por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os princípios, e o que
tais compromissos exigem em cada nova circunstância. O caráter contestador do direito é
confirmado, assim como é reconhecido o papel criativo das decisões privadas, pela
retrospectiva da natureza judiciosa das decisões tomadas pelos tribunais, e também pelo
pressuposto regulador de que, ainda que os juízes devam sempre ter a última palavra, sua
palavra não será a melhor por essa razão. A atitude do direito é construtiva: sua finalidade, no
espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho
para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao passado. É, por último, uma atitude
fraterna, uma expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por
nossos projetos, interesses e convicções. Isto é, de qualquer forma, o que o direito representa
para nós: para as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter."
O direito é aquilo que uma sociedade ou grupamento social compreende como ideal de retidão
e correto para a sua coletividade, Assim, o Direito é um conjunto de normas que têm por
objetivo a pacificação social e a organização da vida em sociedade.
Download