FLG 0355 – Climatologia II Disciplina Ministrada pelo Prof. Dr. Ricardo Contribuição especial de Henrique Lobo Pradella – Climatologia Dinâmica – Um Recorte Histórico 1 – Introdução O curso de Climatologia II tem, em suas origens, a idéia da Climatologia Dinâmica. Desta maneira, o presente texto introdutório tem por objetivos: (i) a apresentação do contexto que possibilitou o surgimento desta perspectiva dentro da Geografia e (ii) a apresentação de alguns autores que abordaram o tema, e a importância deste para o desenvolvimento da Climatologia Geográfica. A elaboração do texto foi realizada pelo pesquisador da área de Geografia, Henrique Lobo Pradella que gentilmente contribuiu com resultados de seu trabalho. Com isto, será possível demonstrar um pequeno aporte epistemológico que visa dar sustentação aos estudos da Climatologia Dinâmica na visão geográfica, introduzindo a idéia desta, através de um recorte histórico significativo. 2 – Meteorologia Dinâmica: Uma Breve Apresentação Segundo Pédélaborde (1955) a concepção de climatologia se depara com o problema preliminar que aparece quando se trata de qualquer compartimento da geografia: o intercâmbio com outras ciências, neste caso, a meteorologia. Dessa forma a Climatologia Dinâmica surge na fronteira da Meteorologia Dinâmica, que por sua vez encontra sua origem em nomes como Bjerknes, Rossby e von Neumann. Em essência esse novo ramo da meteorologia caracteriza-se pelo emprego dos princípios térmicos e da Mecânica dos Fluídos no estudo da atmosfera. Sendo essa abordagem proposta inicialmente pelos Bjerknes, pode-se dizer que a Escola de Bergen dominou quase completamente tal campo no inicio do século XX. Os temas centrais basearam-se na consideração de que a atmosfera é composta de grandes corpos de ar relativamente homogêneos, separados por fronteiras suavemente inclinadas ou superfícies frontais. Nesse contexto surgiram os modelos explicativos baseados no conceito de Frente Polar e no “jogo” das massas de ar. É necessário ainda considerar que o conceito de heterogeneidade física do ar em sentido horizontal não se fixa até a terceira década do século XX, e que somente a partir deste momento se estabelecem um certo número de massas de ar susceptíveis de serem cartografadas. Cabe lembrar também que as camadas altas da atmosfera não eram conhecidas até que a partir da Segunda Guerra Mundial, com os avanços da aviação, intensificam-se as sondagens. E é justamente nesse período que 1 se destacam os estudos de Rossby sobre a circulação geral da atmosfera. Assim a Escola de Chicago aperfeiçoa os conceitos desenvolvidos pela Escola de Bergen, e consolida esta nova abordagem, focalizando suas pesquisas sobre o movimento do ar, incorporando os princípios termodinâmicos, elemento essencial para a racionalização da disciplina. Esta dimensão espacial, segundo Neto (2004), possibilitou o desenvolvimento de um modelo global de circulação, capaz de definir a gênese dos climas regionais. Foram ainda desenvolvidos os conceitos de “jet streams”, bem como os modelos de circulação secundária. Por fim, coube a von Neumann conferir maior precisão e aplicabilidade a estes estudos. Isso se deu, sobretudo, com a adoção de modelos em escala e a introdução da computação. Tais recursos viabilizaram a utilização de procedimentos matemáticos e físicos cada vez mais sofisticados. Consolidava-se então, a previsão numérica do tempo. 3 – Algumas Propostas de Abordagem Acreditamos com esta breve apresentação acerca da Meteorologia Dinâmica ter esclarecido, ao menos parcialmente, o contexto no qual a Climatologia Dinâmica se desenvolveu. Julgamos pertinente apontar algumas definições divergentes acerca deste conceito e dos ramos da Climatologia, a fim de evidenciar a diversidade de concepções e métodos trabalhados que, por muitas vezes, não são relatados na literatura brasileira acerca do tema. Segundo Neto (2004), em 1928 Bergeron define Climatologia Dinâmica como o “tratamento estatístico dos tipos de tempo1 (massas de ar e frentes) como fenômenos completos e de entendimento dos processos termodinâmicos”. Ainda segundo Neto (2004) os termos Climatologia sinóptica e Climatologia dinâmica seriam sinônimos. Porém, segundo Court (1957, apud Gregory, 1992) os ramos da disciplina definem-se como: • Complexa: análise e apresentação de informações climáticas relacionadas a aplicações práticas; • Sinóptica: compreensão dos climas locais e regionais, examinando-se a relação entre os elementos do tempo e os processos de circulação atmosférica; • Dinâmica: lida com a descrição explicativa dos climas mundiais em termos da circulação e da perturbação da atmosfera. Segundo Pédélaborde (1955), existem dois grandes ramos na Climatologia, o tradicional e o dinâmico ou sintético. O primeiro caracteriza-se pelo estudo isolado dos elementos do tempo e da atmosfera. Já o segundo abarcaria a mecânica geral da 1 Segundo Pédélaborde (1955): “Uma noção ainda mais larga é a do tipo de tempo. Onde uma combinação reaparece freqüentemente (não exatamente da mesma maneira, por certo, mas com constituintes vizinhos e produzindo efeitos praticamente parecidos), ela constitui um tipo de tempo”. 2 atmosfera, considerando conjuntamente os estados do meio atmosférico: o tempo e as massas de ar. Este autor ressalta ainda que o segundo grupo seria perfeitamente adaptado aos geógrafos, pois estes se interessam precisamente pelas combinações. A nova abordagem forneceria também uma descrição realística do meio atmosférico. Por fim temos a proposta de Albentosa (1976), que identifica quatro grupos: Climatologia Analítica, Separativa ou Tradicional; Climatologia Dinâmica; Climatologia Sinóptica e Climatologia Sintética ou Moderna. No primeiro grupo os estudos compreendidos teriam como base a análise estatística dos caracteres que são considerados mais significativos do clima, em geral, como temperatura, precipitação e vento. Quanto à Climatologia Dinâmica caberia à explicação matemática da atmosfera pelas leis da Mecânica dos Fluídos e da Termodinâmica. Teria por base as freqüências e intensidades médias dos sistemas de circulação e seria largamente empregado pelos meteorologistas, além de apresentar um caráter marcadamente esquemático, sobretudo devido a influência da meteorologia de previsão. Por Climatologia Sinóptica este autor compreende a consideração da atmosfera como realidade física a partir do estudo dos tipos de tempo. Neste sentido o clima é o resultado de uma sucessão de processos dinâmicos, que, ao realizar trocas constantes de matéria e energia, estão, evidentemente, relacionados à circulação geral. Albentosa (1976) defende ainda que este ramo seria o mais adequado ao geógrafo, pois, ao aliar observações in loco às séries estatísticas, estaria mais próximo da realidade. Assim a análise dos tipos de tempo, constituir-se-ia como base da Climatologia Sinóptica. Isto se deve ao fato de que esta abordagem acerca dos tipos de tempo os considera como elementos verdadeiros do clima. Finalmente, a Climatologia Sintética caracteriza-se por uma particular atenção aos problemas teóricos gerais, buscando a formulação de hipóteses acerca dos grandes sistemas de circulação. Ainda segundo Albentosa (1976) é muito difícil precisar a origem destas tendências ou dos trabalhos que precederam o desenvolvimento dos novos métodos, sobretudo no que diz respeito ao estudo dos tipos de tempo. Isso se deve ao fato de que já no século XIX, precisamente nos últimos dois decênios, o contexto acadêmico para a análise dos tipos de tempo era bastante favorável, incentivando assim a produção de trabalhos dentro desta temática. Pode-se dizer que, depois dos Bjerknes, foi aceita a existência de descontinuidades atmosféricas que separam corpos de grande homogeneidade ou massas de ar. Assim, nas primeiras décadas do século XX, as massas de ar e as frentes constituíram-se em conceitos inseparáveis na prática da análise sinóptica. A estes elementos soma-se a noção de tipos de tempo e a investigação das vias de penetração dos mesmos, consolidando as bases da moderna concepção de Climatologia. 3 Embora Albentosa (1976) reconheça a consolidação do método sinóptico no século XX, o autor admite também a diversidade dos métodos2 empregados, fato que impossibilita a comparação de resultados, sobretudo se aliado à diversidade de definições e concepções acerca dos ramos da Climatologia. Cabe citar ainda, como reforço às novas tendências, a proposta de M. Sorre, também na década de 1930 do século XX. Este autor concebe o clima como “o ambiente atmosférico constituído pela série de estados atmosféricos sobre um lugar em sua sucessão habitual”. Com essa definição tem-se um passo importante na sistematização da disciplina. Em primeiro lugar por considerar os “estados da atmosfera”, ou seja, os tipos de tempo. Em segundo lugar tem em conta a “sucessão” dos tipos de tempo, fator essencial para a caracterização dos climas, devido à sua influência sobre a escala das atividades humanas. Ainda em Sorre temos a idéia de síntese unida à de ritmo, ou seja, assim como o conceito de “massas de ar” constitui-se em um recurso sintético e descritivo, o mesmo ocorre com o conceito de “ritmo”, sendo, portanto, descritivo. No entanto acreditamos que parte destes elementos identificados em Sorre já esteja presente na definição de J. Hann (apud Neto, 2004), segundo o qual “o clima é a totalidade dos tipos de tempo”. E por tempo este autor compreende “somente uma fase da sucessão dos fenômenos, cujo ciclo completo, reproduzindo-se com maior ou menor regularidade em cada ano, constitui o clima de qualquer localidade”. Esse brevíssimo resgate se faz necessário uma vez que, no Brasil, grande parte dos trabalhos climatológicos produzidos nas últimas décadas carregam a noção de climatologia dinâmica. Porém, somos levados a crer que houve um grave “distanciamento” entre o conceito originalmente introduzido por Ferraz (1945)3 e o que foi amplamente divulgado por Monteiro (1962, 1969, 1971 e 1975). Isso se deve ao fato de que o conceito de Climatologia Dinâmica adotada no Brasil, ao nosso ver, caracteriza-se antes pela incorporação dos conceitos de clima e tempo desenvolvidos por Sorre e pela idéia de flexibilidade / movimentação dos fenômenos, pois acreditava-se que assim seria possível uma perspectiva crítica e holística acerca do objeto de estudo.4 Postura essa que, de forma alguma, nos parece orientada pelos princípios da Meteorologia Dinâmica. 2 Ou seriam técnicas? “Para certos estudos, os valores médios ou normais, despistam o pesquisador, quando correspondem a períodos calendários, nos quais se sucedem tipos de tempo muito diversos. Estes devem ser isolados. É o que exige a climatologia dinâmica”. (pág. 110). 4 Acreditamos que seja uma postura ingênua atribuir à técnica ou ao método um caráter crítico ou explicativo. 3 4 4 – Considerações Finais A principal conclusão que alcançamos com este breve resgate refere-se à grande diversidade de concepções e práticas relacionadas à Climatologia Dinâmica. De forma que, nos parece evidente que tal assunto não está encerrado, apresentando, portanto, inúmeras possibilidades de investigação para os geógrafos afeitos aos estudos do clima. Por fim, cabe ressaltar que, desde sua consolidação, a Climatologia Dinâmica possibilitou significativos avanços, qualitativos e quantitativos para o estudo do clima, sobretudo no escopo da Climatologia Geográfica. 5 – Agradecimentos Em especial, ao pesquisador e aluno de Geografia, Henrique Lobo Pradella pela publicação, na íntegra, de parte de sua pesquisa que contribuiu para introduzir a idéia de Climatologia Dinâmica – Um Recorte Histórico. 6 – Referências Bibliográficas ALBENTOSA, L.M. Climatologia dinâmica, sinóptica o sintética. Origen y desarrollo. Revista de Geografia, Universidade de Barcelona, 1976. FERRAZ, J. S. Meteorologia Brasileira: Esboço elementar de seus principais problemas. Companhia Editora Nacional, 1945. GREGORY, K.J. A Natureza da Geografia Física. Bertrand Brasil, 1992. MONTEIRO, C.A.F. Da necessidade de um caráter genético à classificação climática: Algumas considerações metodológicas a propósito do estudo do Brasil Meridional. 1962. MONTEIRO, C.A.F. A Frente Polar Atlântica e as chuvas de inverno na fachada sul-oriental do Brasil. Doutorado, USP, São Paulo, 1969. MONTEIRO, C.A.F. Análise Rítmica em Climatologia: problemas da atualidade climática em São Paulo e achegas para um programa de trabalho. Instituto de Geografia. 1971. MONTEIRO, C.A.F. A climatologia no Brasil ante a renovação atual da geografia: um depoimento. USP, Instituto de Geografia, Métodos em Questão. 1973. MONTEIRO, C.A.F. Teoria e Clima Urbano, USP. 1975. 5 MONTEIRO, C.A.F. A Geografia no Brasil (1934 – 1977): avaliações e tendências. 19??. MOURA, A.D. A obra e o legado de John von Neumann. Seminário apresentado no IEA – USP, 1995. NETO, J. L. S. História da Climatologia no Brasil: gênese e paradigmas do clima como fenômeno geográfico; in Cadernos Geográficos, UFSC, Florianópolis, 2004. PEDELABORDE, P. Introduction a l’étude scientifique du climat. Tome I-Notions élementaires de climatologie dynamique. Paris: Centre de Documentations Universitaire, 1955. SORRE, M. Objeto e Método da Climatologia. Revista do Departamento de Geografia, nº 18. USP, São Paulo, 2006. TOLEDO, Gil Sodero de. Tipos de tempo e categorias climáticas na Bacia do Alto Tietê (1968) – Ensaio Metodológico. Doutorado, USP, 1973. VECCHIA, F. e CUNHA, D.G.F. As abordagens clássica e dinâmica de clima: uma revisão bibliográfica aplicada ao tema da compreensão da realidade climática. In “Ciência e Natura”, UFSM, 2007. 6 Anexo 1: Linha do Tempo ================================ Ricardo Augusto Felicio Prof. Dr. Depto Geografia – FFLCH – USP [email protected] 7