O Plural nu em posição de objeto direto.

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LARA FRUTOS GONZÁLEZ
O PLURAL NU EM POSIÇÃO DE OBJETO DIRETO
Monografia
apresentada
à
disciplina
Orientação Monográfica II como requisito
parcial à obtenção do bacharelado em Letras –
Português do Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes, Universidade Federal do
Paraná.
Orientadora:
CURITIBA
2007
Profª. Drª.
Wachowicz
Teresa
Cristina
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................. 3
1
INTRODUÇÃO ........................................................................................ 4
2
O PROBLEMA .........................................................................................
3
3.1
3.2
ATIVIDADE X ACHIEVEMENT / ACCOMPLISHMENT ...............
A TELICIDADE ........................................................................................
A HOMOGENEIDADE ............................................................................
4
A ITERATIVIDADE.................................................................................
5
O PROBLEMA DA CLASSIFICAÇÃO .................................................
6
CONCLUSÃO ............................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................
2
Resumo
Este trabalho tem como objetivo revisar a classificação dada pela literatura a
VP’s que contêm um verbo accomplishment / achievement combinado a um NP
plural nu (bare plural). Sentenças como Pedro construiu casas e Ana acessou
sites são classificadas na literatura de duas maneiras: denotando um único evento
atividade ou ainda denotando repetição de eventos. A hipótese aqui defendida
será de que uma análise composicional da sentença oferece diferentes níveis de
classificação e, com isso, mesmo que o evento denotado pela sentença não
possua um ponto final – o que comumente caracteriza um evento atividade –,
isso não exclui o fato de poder haver uma repetição infinita de subeventos. A
revisão será baseada primeiramente nos textos de Vendler (1967) e Dowty (1979)
que tratam da classificação quadripartite estado-atividade-accomplishmentachivement, definindo-a através de testes. A partir desses textos, explicarei o
problema em questão. Para melhor explicitar a hipótese do trabalho foram
analisadas sentenças com verbos accomplishment, achievement e atividade com
argumento interno direto plural nu. Conclui-se a partir dessa investigação que
chamar eventos denotados por sentenças como essas de atividade, seria ignorar
duas de suas propriedades mais características: a iteratividade e a nãohomonegeneidade. Também se conclui que essa aparente confusão na
classificação é produto de uma confusão teórica maior: o nível sintático aos quais
se aplicam os conceitos de classes acionais, perfectividade e telicidade. Para
melhor explicar essa conclusão, apoiarei o trabalho no texto de Rothstein (2004),
que diz que as classes aspectuais são propriedades dos verbos e
telicidade/atelicidade são propriedades do VP.
3
1
Introdução
O problema discutido neste trabalho é a classificação de sentenças como
Pedro construiu casas / Ana achou canetas. Essa classificação é problemática,
pois Dowty (1979) as classifica de duas maneiras diferentes.
A primeira proposta classifica essas sentenças como denotando um evento
atividade, pois elas se comportam sintaticamente como verbos atividade e não
possuem um ponto final.
A segunda proposta de classificação, que engloba tanto accomplishments
como achievements, trata essas sentenças como denotando uma soma de eventos.
Ou seja, em Pedro construiu casas há uma soma de eventos de construir casas.
Este trabalho pretende discutir esse problema e checar essa análise através
de testes aplicados a sentenças-exemplo. Pretende-se mostrar como a
classificação soma de eventos é mais adequada a sentenças como essas.
Pretende-se ainda apontar o problema das classificações aspectuais na literatura
com base em Rothstein (2004).
O primeiro capítulo do trabalho irá delimitar o problema da pesquisa,
mostrando a classificação aspectual proposta por Vendler (1967) e por Dowty
(1979). A intenção é mostrar como a divergência de tratamento para os
predicados com plural nu em posição de objeto no texto é problemática.
Em seguida, três argumentos em favor da nomeação desses predicados
como soma de eventos serão apresentados. No capítulo 3, irei recuperar o que a
literatura propõe para a diferenciação das classes aspectuais e mostrar como essas
sentenças não são homogêneas. No capítulo 4, explicarei como esses predicados
são iterativos através da análise de alguns exemplos. Baseando-me em Krifka
(1998), mostrarei como o nome soma de eventos é mais adequado para classificar
as sentenças-problema deste trabalho. E, no capítulo 5, apresentarei a proposta de
Rothstein (2004) que postula que a classificação acional quadripartite estadoatividade-accomplishment-achievement se aplica a verbos, e esses não mudam de
classe de acordo com o argumento interno direto que recebem. Por fim, o
4
capítulo 6 traz a conclusão do trabalho, buscando recuperar os argumentos
apresentados.
5
2
O problema
Para entender o problema de pesquisa deste trabalho é necessário retomar
a classificação quadripartite proposta pela primeira vez por Vendler (1967) e
também retomar a reelaboração dessa classificação proposta por Dowty (1979).
Esse capítulo tem por objetivo esclarecer o problema teórico do trabalho a partir
da retomada desses texttos que propõem essa classificação de eventos/verbos.
Como justificativa para a proposta de seu trabalho, Vendler argumenta que
além da noção de tempo (tense) existem outros critérios relevantes para a análise
dos verbos. Observar o esquema do tempo, que é a maneira com que um verbo
pressupõe e envolve a noção de tempo é a alternativa que o autor sugere para a
análise desses outros aspectos do uso dos verbos.
Vendler a princípio utiliza apenas verbos que não oferecem muitos
problemas de classificação, com o objetivo de descrever os tipos mais comuns de
esquemas de tempo dos verbos do inglês, chegando a quatro diferentes tipos. No
entanto, o autor alega não pretender explicar todas as divergências de análise e
nem fechar classificações.
Verbos como gostar, amar, acreditar e saber são classificados como
estativos. Esses verbos no inglês não aceitam o progressivo e são não-agentivos.
Os estativos denotam estados e não processos que se desenvolvem no tempo. Por
não terem um ponto final determinado, cada subintervalo de um estado é igual a
ele mesmo.
Já correr, andar, pintar, empurrar um carrinho, falar e cantar são
chamados verbos de atividade. Eles aceitam o progressivo, são agentivos e
denotam um processo que se desenvolve em fases no tempo. Por outro lado,
assim como os estativos, não possuem em seu significado um ponto final
determinado. Segundo Vendler, esses eventos são homogêneos, e seus
subeventos equivalem ao evento, assim como os estativos.
Os accomplishments são representados por ações como desenhar um
círculo, pintar um quadro, correr 2 km, construir uma casa, etc. Os
accomplishments podem ser definidos como agentivos e aceitam o progressivo.
6
No entanto, eles têm um ponto final determinado. Isso implica que qualquer
subintervalo de um accomplishment não é um accomplishment, um subintervalo
de pintar um quadro não é igual a pintar um quadro. Há, portanto, um ponto de
culminação, um clímax no qual a ação é realizada. Ex:
(1)
Ana pintou um quadro.
Nesse exemplo, a ação de pintar o quadro só se completa no momento x
em que Ana termina de pintar o quadro. Nos subintervalos desse evento pode-se
dizer que Ana estava pintando um quadro, mas não que ela pintou um quadro
como um todo.
Aqui a flexão apresenta uma confusão teórica não resolvida pelo texto de
Vendler: o verbo no gerúndio é uma atividade e o verbo no passado com o
complemento é um accomplishment. É importante ressaltar que Vendler trata dos
esquemas temporais apenas ontologicamente, sem preocupações lingüísticas,
como considerar ou não complementos ou flexões. Por outro lado, embora ele
não entre explicitamente no assunto, fica claro que o autor assume não apenas o
léxico do verbo e sim todo o VP como determinante na classificação, pois
escrever é considerado uma atividade e escrever uma carta, um accomplishment.
No entanto, escrever cartas envolve uma problemática um pouco maior, que será
discutida mais adiante.
Vendler ainda classifica os achievements, representados por verbos e
expressões como reconhecer, avistar, alcançar o topo, ganhar a corrida, etc.
Essas ações têm um ponto final determinado e acontecem apenas num único
momento de tempo; são ações pontuais. Os achievements, assim como os
accomplishments, aceitam o progressivo. Porém, com a flexão do gerúndio, os
achievements perdem seu valor e denotam não o sentido do verbo, mas os
momentos anteriores à chegada do ponto de culminação. Por exemplo:
(2)
a. Pedro alcançou o topo da montanha
b. Pedro estava alcançando o topo da montanha.
7
O exemplo (2)a descreve o exato instante em que Pedro pisou no topo da
montanha, enquanto que (2)b descreve a escalada de Pedro para chegar ao topo.
Mais uma vez a flexão tem papel fundamental nessa diferenciação.
Dowty (1979) retoma as classes acionais de Vendler, utilizando um
modelo lógico que sistematiza as diferenças lexicais entre essas quatro classes de
verbos.
Dowty retoma a classificação vendleriana acima descrita, que pela
primeira vez dividiu os verbos em quatro classes aspectuais. Seu artigo revisa
essas classes, refinando os conceitos e acrescentando definições e testes
lingüísticos à análise de Vendler, que contribuem para a comprovação das
diferenças entre essas categorias de verbos.
A primeira distinção que Dowty aponta é entre estados e atividades.
Segundo ele, apenas os últimos podem a) ocorrer no progressivo b) ocorrer no
imperativo, c) ocorrer como complemento de forçar e persuadir, d) co-ocorrer
com os advérbios deliberadamente e cuidadosamente e, e) aparecer em
construções
pseudo-clivadas.
Outra
característica
é
a
leitura
freqüentativo/habitual para o Presente Simples dos verbos de atividade1. Essas
características dos verbos de atividade também se aplicam aos accomplishments.
Contudo, os achievements não aceitam as condições b e d, tornando-se
agramaticais se postas em construções como estas. É interessante observar que
no PB essas restrições não se aplicam aos verbos achievements.
Para distinguir as atividades dos accomplishments, o texto apresenta sete
tipos de teste. O primeiro deles se baseia nos tipos de advérbios de tempo que
estes verbos aceitam e nos acarretamentos que esses advérbios produzem.
Enquanto accomplishments aceitam advérbios de tempo do tipo em x tempo (em
uma hora), tendo uma leitura duvidosa com advérbios por x tempo (por uma
hora), verbos de atividade aceitam apenas advérbios desse segundo tipo.
1
Os testes que comprovam essas conclusões a respeito desses verbos não serão desenvolvidos aqui, pois
pouco contribuem para a análise do problema deste trabalho, especificado na introdução.
8
(3)
a. ?Pedro pintou o quadro por uma hora.
b. Pedro pintou o quadro em uma hora.
(4)
a. Ana correu por uma hora.
b. *Ana correu em uma hora.2
O segundo teste proposto para diferenciar essas classes está nas
construções em (4) e (5), que Dowty considera semanticamente paralelas às
sentenças com advérbios por x tempo e em x tempo. Nesse caso, tanto os verbos
atividade quanto os verbos accomplishment aceitam a construção equivalente ao
uso do advérbio por x tempo, porém apenas os accomplishments aceitam a
construção equivalente ao uso do advérbio em x tempo.
(4)
a. Pedro passou uma hora pintando o quadro. (por x tempo)
b. Pedro levou uma hora para pintar o quadro. (em x tempo)
(5)
a. Pedro passou uma hora andando.
b.*Pedro levou uma hora para andar.
O terceiro teste de Dowty se refere à diferença de acarretamentos dos
verbos atividade e dos verbos accomplishments com advébios por x tempo. Se
Pedro caminhou por uma hora, então em qualquer momento durante aquela hora
é verdade que Pedro caminhou. Mas, se Pedro pintou um quadro por uma hora,
então não é verdade que ele pintou o quadro em qualquer momento durante
aquela hora. A diferença de acarretamento está representada em (6):
(6)
Se Ө é um verbo atividade, então x Ө-ou por y tempo acarreta que
em qualquer tempo durante y, é verdade que x Ө-ou. Se Ө é um verbo
accomplishment, então x Ө-ou não acarreta que x Ө-ou é verdade em
qualquer tempo y necessariamente.
2
A agramaticalidade das sentenças desse trabalho se refere, na maioria dos casos, às leituras canônicas
desses verbos. Não quero com isso dizer que não há interpretação possível para as sentenças marcadas,
mas sim que para a leitura procurada a sentença é agramatical.
9
O quarto teste trata dos acarretamentos apontados por Kenny (1963, apud
Dowty, 1979) para o progressivo, que também diferenciam os accomplishments
das atividades:
(7)
Se Ө é um verbo atividade, então x está Ө-ndo (agora) acarreta
que x Ө-ou. Se Ө é um verbo accomplishment, então x está Ө-ndo
(agora) acarreta que x não Ө-ou (ainda).
O quinto teste que diferencia atividades de accomplishments deve,
segundo Dowty, ser usado com cuidado. Este teste se constitui em colocar os
accomplishments e as atividades como complemento de parar de.
(8)
a. Pedro parou de pintar o quadro.
b. Ana parou de correr.
Na sentença (8)b podemos concluir que Ana correu, porém na sentença
(8)a não podemos concluir que Pedro pintou o quadro. Essa mesma propriedade
torna a sentença (9)b, a seguir, agramatical:
(9)
a. Pedro terminou de pintar o quadro.
b. *Ana terminou de correr.
Quando utilizados em construções com quase, essas duas classes de
verbos também apresentam acarretamentos diferentes.
(10)
a. Pedro quase pintou o quadro.
b. Ana quase correu.
Na sentença (10)a, há um ambigüidade: pode-se entender que Pedro ia
pintar o quadro, mas desistiu antes mesmo de iniciar a atividade, ou que ele de
10
fato começou a pintar o tal quadro, porém não terminou. Na sentença (10)b, a
única leitura possível é que Ana não chegou a iniciar a atividade de correr.
Por último, Dowty apresenta os testes para os achievements. Os testes
com os advérbios em x tempo e por x tempo funcionam bem para os
achievements, porém a leitura da sentença com por x tempo causa estranhamento.
(11)
a. Paulo notou o quadro em poucos minutos
b. ??Paulo notou o quadro por poucos minutos.
Os
achievements
também
têm
acarretamentos
diferentes
dos
accomplishments. Se Pedro pintou o quadro em uma hora, é verdade que Pedro
estava pintando o quadro durante essa hora, porém não se pode dizer de (11)a
que Paulo estava notando o quadro durante o tempo de poucos minutos.
Além disso, os achievements geram leituras agramaticais com construções
em que funcionam como complemento do verbo parar.
(12)
a. *Paulo parou de notar o quadro.
As duas últimas características observadas por Dowty são a) quando em
construções com quase, os achievements não geram a ambigüidade que os
accomplishments geram, e apenas tem a ação do evento bloqueada; b) as leituras
com alguns advérbios orientados para o sujeito como atenciosamente,
cuidadosamente, vigilantemente, deliberadamente, etc, tornam-se um pouco
estranhas.
Segundo Dowty, as diferenças entre as classes aspectuais surgem da
estrutura do evento, que está implícita no léxico. Para ele, os eventos possuem
um esquema de operadores abstratos. Os estados expressam eventos verdadeiros
em todos os tempos possíveis. As atividades são representadas pelo operador DO
aplicado sobre um estado. Os accomplishments são representados pelo operador
DO que se aplica sobre um estado e um operador cause que se aplica a um
operador BECOME que por sua vez se aplica a um estado. Portanto,
11
accomplishments são atividades que culminam em um estado diferente do estado
inicial. Os achievements são representados por operadores BECOME que se
aplicam a estados.
Pode-se resumir essas conclusões através da tabela abaixo, elaborada por
Verkuyl (2001).
Estados
V(x1,...,xn)
Atividades
DO(x1, V(x1,...,xn))
Accomplishments
DO(x1, V(x1,...,xn)) CAUSE (BECOME V(x1,...,xn))
Achievement
BECOME V(x1,...,xn)
O problema que o texto de Dowty apresenta é a classificação para
sentenças do tipo Pedro construiu casas / Ana pintou quadros, em que o verbo é
um accomplishment / achievement com um complemento plural nu, que Dowty
chama de plural indefinido. Não há um consenso no texto se predicados como
esses devem ser tratados como atividades ou como uma soma de eventos.
O autor primeiro propõe que sentenças com verbos accomplishment que
tomam um plural indefinido ou um nome massivo como argumento interno direto
possuem as propriedades de uma sentença com verbo atividade.
If a sentence with an achievement verb contains a plural indefinite NP or mass noun NP
(or if a sentence with an accomplishment verb contains such an NP as object), then is has the
properties of a sentence with an activity verb. (Dowty, 1979, p. 63)
Então, (13)a seria um predicado accomplishment, e (13)b seria um
predicado atividade, pois toma um argumento interno direto plural nu.
(13)
a. Pedro comeu o sanduíche.
b. Pedro comeu sanduíches.
Nesse caso, a presença do NP plural nu em posição de objeto direto
anularia a marcação do fim do evento de comer sanduíches. Como a falta de
delimitação para o evento denotado pelo verbo é marca característica dos verbos
12
atividade, (13)b seria uma sentença com predicado atividade, e não com
predicado accomplishment, que obrigatoriamente teria que denotar um evento
com um ponto de culminação.
Por outro lado, o texto apresenta uma proposta diferente de análise quando
trata dos verbos achievement com um complemento plural indefinido ou nome
massivo, fazendo nesse caso uma análise semântica dos eventos e subeventos
denotados por sentenças como essas. Segundo o autor, a estrutura lógica desses
predicados possui um quantificador existencial dentro do escopo de um
quantificador temporal. Ou seja, os eventos representados por esse tipo de
predicado são escalonados no tempo, em que se alternam momentos em que o
evento ocorre com momentos em que o evento não ocorre. Nos termos da lógica
proposicional isso equivale a dizer que há momentos em que o evento satisfaz as
condições de verdade da sentença que se alternam com momentos em que o
evento não as satisfaz. Veja em (14):
(14)
Ana assou bolos.
Na denotação do evento de assar um bolo está implícito um ponto final em
que o bolo terminou de assar. Porém, assar bolos pressupõe uma série de
subeventos de assar um bolo escalonados tempo3. Então, nesse predicado temos
a denotação de um evento de assar um ou mais bolos, seguido de um momento
em que não se assa nenhum bolo, que por sua vez é seguido por outro evento de
assar um ou mais bolo.
Ainda, para Dowty há sempre uma vagueza em relação ao tempo dos
subintervalos. Eles são apenas “momentos psicologicamente relevantes”, ou seja,
vagamente especificados e contextualmente determinados. Logo, o ponto final
desses subeventos é igualmente vago, podendo ser determinado apenas pelo
conhecimento de mundo compartilhado.
3
Esses predicados também podem ter uma leitura coletiva. A ambigüidade entre a leitura iterativa e a
leitura episódica é própria dos plurais. Esse aspecto será abordado neste trabalho mais adiante. Aqui, no
entanto, estamos pensando numa leitura iterativa.
13
If we are to use the universal quantifier to represent durational adverbs like for six weeks in
a natural logic at all, then the moments it quantifies over must be something like “relevant
psychological moments” which are both vaguely specified and also contextually determined.
(Dowty, 1979, p. 81)
Dowty
ainda
afirma
que
o
comportamento
com
os
verbos
accomplishments parece seguir esse mesmo padrão. Para ele, essa leitura dos
predicados é condicionada pelo operador BECOME, que marca a mudança de
estado de um evento. Por isso, faz todo o sentido dizer que os verbos
accomplishment seguem o mesmo padrão de comportamento, pois na sua
estrutura aspectual também está implícito o operador BECOME.
Accomplishments will be analyzed in such a way that the direct object noun phrase falls
within the scope of a BECOME sentence (…), hence indefinite plurals and mass terms in the
direct object position of accomplishment verbs are predicted to pattern in the same way as the
subjects and objects of achievements with respect to durational adverbials. (Dowty, 1979, p. 80)
A única diferença dos achievements em relação aos accomplishments, é
que em predicados com verbos achievement a leitura de soma de eventos ocorre
também quando o nome massivo ou o plural aparece em posição de sujeito.
With achievement verbs it does not matter whether the indefinite or mass noun occurs as
subject or as object. Since both of these would occur within the scope of BECOME (…),
any indefinite plural or mass noun in the sentence will allow achievements to be used
durationally. (Dowty, 1979, p. 80)
Logo, pode-se observar uma aparente incoerência de tratamento desse
fenômeno no texto de Dowty. Este trabalho pretende revisar algumas teorias que
possam iluminar essa possível contradição, verificando o tratamento mais
adequado a sentenças desse tipo.
Para tentar resolver o problema, irei me apoiar em três argumentos que
sustentam a idéia de que esses predicados denotam soma de eventos e não
atividade. O primeiro deles é que não há homogeneidade nesses eventos
denotados por esse tipo de predicado, mesmo a homogeneidade sendo uma
propriedade característica das atividades. O segundo se refere a uma propriedade
característica desse tipo de predicado: a iteratividade, ou seja, a repetição de
eventos de mesma natureza semântica. O terceiro deles é o fato de verbos não
14
mudarem de classe aspectual, independentemente do seu tipo de argumento
interno.
Esses três argumentos serão mostrados nos capítulos seguintes. Porém,
antes é necessário pontuar algumas questões a respeito do recorte das sentenças
analisadas no trabalho.
O primeiro aspecto a ser considerado é a estrutura sintática das sentençasexemplo. Montei uma série de sentenças com verbos accomplishment e verbos
achievement que tomam um plural nu – que é o plural sem determinante - como
argumento interno direto. Para evitar a interferência de outros aspectos sintáticos,
preferi verbos que selecionam apenas um argumento interno, deixando de fora os
verbos bitransitivos e ainda os inacusativos.
Em relação ao tempo verbal dos verbos, escolhi utilizar o tempo verbal
pretérito perfeito. Essa escolha foi motivada pela freqüente associação do plural
nu com a leitura genérica, como em (15):
(15)
Pedro constrói casas.
Essas sentenças denotam o hábito / costume de Pedro de construir casas,
ou ainda a profissão de Pedro, que é construir casas. Seja qual for a interpretação
ou explicação dessas sentenças – que são inclusive um tema interessante para
investigação -, não é nelas que estou interessada neste trabalho particularmente.
Não estou procurando nas sentenças analisadas aqui a leitura genérica, e sim a
existencial. Como o tempo presente simples reforça a idéia de habitualidade do
evento, o passado perfeito parece mais adequado para ser usado nas sentenças
desse trabalho.
Ainda, é necessário esclarecer um outro aspecto relacionado ao recorte das
sentenças-exemplos: o uso do plural ao invés do singular nu. Inicialmente, tinha
optado por trabalhar tanto com plural nu quanto com ao singular nu, que no PB é
bem mais produtivo. Porém, ao começar a testar os verbos no pretérito perfeito
com um argumento interno singular nu, deparei-me com uma certa estranheza
gerada pela leitura de algumas dessas sentenças:
15
(16)
a. Ana alfabetizou alunos.
b. ?? Ana alfabetizou aluno.
(17)
a. O menino abocanhou bolachas.
b. ?? O menino abocanhou bolacha.
(18)
a. A secretária cadastrou clientes.
b. ?? A secretária cadastrou cliente.
Pode-se perceber, portanto, que o plural nu e singular nu não são
equivalentes, e não são intercambiáveis para qualquer contexto de sentença.
Presume-se, então, que o tratamento para esses dois tipos de NP deva ser
diferente. Como o objetivo do trabalho não é identificar as diferenças de uso
entre os dois tipos de nome nu, optei por trabalhar apenas com o plural nu, que
apesar de pouco produtivo na fala do PB, é justamente o tipo de nome que gera a
polêmica em relação a sua classificação. As explicações sobre o porquê de
algumas sentenças com o singular nu como complemento de um verbo no
pretérito perfeito causarem essa leitura poderão ser investigadas em pesquisas
futuras.
16
3
Atividade X Achievement / Accomplishment
Um caminho pelo qual pode se tentar resolver a questão-problema deste
trabalho é tentar estabelecer as diferenças entre os verbos accomplishment /
achievement e os verbos atividade.
A partir das teorias de Vendler (1967) e Dowty (1979) que se propõem a
classificar os verbos em relação ao aspecto, ambas recuperadas no capítulo
anterior, estabelecem-se quatro classes aspectuais (também chamadas de classes
acionais)4 e também propriedades e testes que visam identificá-las. Recuperações
e elaborações posteriores (Bertinetto, 2001; Rothstein, 2004) trazem algumas
outras propriedades, mas, sobretudo sintetizam e esclarecem o que já foi dito a
respeito dessas classes.
Rothstein (2004) propõe a noção de estágio, que seria a propriedade de um
evento se dividir em estágios ao progredir no tempo.
(19)
a. Pedro cabe na cadeira.
b. Pedro nada.
c. Pedro copia a tarefa.
d. Pedro cospe no chão da sala.
Nos exemplos acima, apenas os eventos de nadar e copiar a tarefa podem
se dividir em estágios no tempo. Em (19)a, temos um estado que não se divide no
tempo, pois não apresenta agentividade. Em (19)d, temos um evento pontual.
Um teste interessante que identifica se um evento possui estágios ou não é o uso
do progressivo.
(20)
a. ? Pedro está cabendo Ana.
b. Pedro está nadando.
c. Pedro está copiando a tarefa.
4
Foltran & Wachowicz (2007) propõe o uso do nome classes acionais para designar as classes
vendlerianas, pois essa nomenclatura minimizaria a confusão terminológica e já estaria sendo usada no
Brasil e em outros países. Portanto, passarei a chamar essas classes de classe acionais.
17
d. Pedro está cuspindo no chão da sala.
A sentença (20)a causa estranheza e não aceita o progressivo
impunemente por ser um estado que não se desenvolve no tempo. (20)b e (20)c
aceitam o progressivo normalmente, pois denotam eventos que possuem estágios.
E, por fim, (20)d aceita o progressivo, mas não com a idéia de um evento que
está em progresso no tempo, mas de um evento que se repete durante um período
de tempo, ou seja, Pedro deu várias cuspidas no chão da sala.
Rothstein recupera também a propriedade da telicidade que diz respeito ao
fato do evento ter ou não um ponto final a ser alcançado5 que pode ser testada
com os advérbios por x tempo / em x tempo. Como esses testes já foram
elaborados no capítulo anterior, não o farei novamente aqui. A seguir vem a
tabela que resume as considerações de Rothstein a respeito dessas duas
propriedades em relação às classes de verbos.
Rothstein (2004)
Estado
Atividade
Achievement
Accomplishment
± estágio
+
+
± télico
+
+
Bertinetto (2001) propõe ainda outras três noções semânticas: a
duratividade, a dinamicidade e a homogeneidade. A duratividade trata da
“quantidade de tempo físico que cada eventualidade pode durar” (Foltran &
Wachowicz, 2007, p. 220).
A dinamicidade diz respeito à agentividade do
evento. Um evento é dinâmico se ele possui um agente. A homogeneidade pode
ser expressa pela seguinte regra: se um evento e é homogêneo, qualquer
5
É importante diferenciar evento télico ou terminado de evento perfectivo ou acabado. Embora, essas
duas noções possam parecer a mesma coisa, elas apontam em direções diferentes. Pedro correu é um
evento acabado, porque sua realização está no passado, mas não é um evento télico, pois o verbo correr
não possui um thélos a ser alcançado.
18
subintervalo desse evento e, corresponde a e. Ao aplicar essas noções ao
conjunto de sentenças em (19), chegamos a tabela abaixo:
Bertinetto
(2001)
Estado
Atividade
Achievement
Accomplishment
± durativo
± dinâmico
± homogêneo
+
+
+
+
+
+
+
-
Ao analisar textos como Vendler (1967), Dowty (1979), Bertinetto (2001)
e Rothstein (2004), pode-se perceber que eventos denotados por verbos
accomplishment / achievement se diferenciam dos eventos denotados por verbos
atividade de duas maneiras: em relação à telicidade e à homogeneidade do
evento. As duas seções seguintes do trabalho irão comentar esses dois aspectos,
respectivamente.
3.1
A telicidade
De acordo com as considerações de Vendler (1967), Dowty (1979),
Bertinetto (2001) e Rothstein (2004), os estados e atividades são atélicos,
enquanto os accomplishments e os achievements são télicos. Se os predicados
com verbo accomplishment / achievement que tomam um plural nu como
argumento interno direto são atividade, é de se esperar que esses sejam atélicos
tais como as atividades.
Para testar a telicidade do evento, irei me basear em dois testes proposto
por Dowty (1979). O primeiro teste é o teste que utiliza os advérbios por x tempo
/ em x tempo como complemento para os predicados em questão. O segundo
verifica os acarretamentos da sentença Pedro parou de [verbo accomplishment /
achievement + plural nu].
No primeiro teste as sentenças se comportaram da seguinte maneira:
19
(21)
a. Ana correu por uma hora / *em uma hora.
b. Ana acarpetou o quarto *por uma hora / em uma hora.
c. Ana acessou o e-mail por uma hora / em uma hora.
d. Ana acarpetou cômodos por um hora / *em uma hora.
e. Ana acessou sites por uma hora / *em uma hora.
Como se pode perceber, os predicados (21)d e (21)e, com o plural em
posição de argumento interno direto, comportam-se como o predicado com verbo
atividade em (21)a, e não como os predicados com verbo accomplishment /
achievement em (21)b e (21)c. Esse teste mostra que os predicados estudados
neste trabalho são atélicos.
O segundo teste aponta na mesma direção. Veja em (22):
(22)
a. Ana parou de correr → Ana correu.
b. Ana parou de acarpetar o quarto → Ana não acarpetou o quarto.
c. *Ana parou de acessar o site.
d. Ana parou de acarpetar cômodos → Ana acarpetou cômodos.
e. Ana parou de acessar sites → Ana acessou sites.
Esse teste mostra também que as sentenças (22)d e (22)e se comportaram
como a sentença com verbo atividade, portanto, atélicas.
Essa constatação está de acordo com os teóricos que assumem em sua
maioria que não há delimitação para sentenças com o plural nu (ou plural
indefinido) como argumento interno de um verbo (Dowty, 1979; Tenny, 1994;
Krifka, 1998; Verkuyl, 2001).
Tenny (1994) quando diz que o argumento interno direto delimita o
evento, pontua que o argumento interno direto precisa ser espacialmente
delimitado. Quando se trata de nomes massivos ou de plurais nus, o evento será
não-delimitado, pois o argumento interno direto não oferece uma quantidade ou
uma delimitação espacial que delimite a ação do verbo. A noção de delimitação
que Tenny apresenta equivale à noção de telicidade.
20
There are verbs that describe delimited or non-delimited events depending on whether the direct
argument is ‘spatially delimited’. Mass nouns (…) or bare plural objects lead to non-delimited
readings, and specific or count noun objects (…) lead to delimited readings. (Tenny, 1994, p. 24)
Krifka (1998) postula dois tipos de predicados: os cumulativos e os
quantizados. Os predicados cumulativos são aqueles cuja soma das partes do
evento denotado é igual a ele mesmo. Os predicados quantizados são aqueles que
apresentam algum tipo de quantificação e, portanto, não são passíveis dessa
mesma operação. O autor classifica os predicados com plural nu como
cumulativos. Para ele, cumulatividade está diretamente associada à atelicidade,
enquanto quantização está associada à telicidade: “eat apples is cumulative and
telic but eat two apples is quantized and atelic” (Krifka, 1998).
Por fim, Verkuyl (2001) divide as sentenças em terminativas e durativas6;
as primeiras denotam eventos com ponto final (télicos), as segundas denotam
eventos sem ponto final (atélicos). Composicionalmente, cada nível sintático da
sentença contribui para o cálculo aspectual da sentença toda. Toda vez que a o
argumento interno não for quantificado (−SQA), a sentença receberá o traço
+durativo. Os plurais nus não apresentam quantificação e, portanto, quando estão
em posição de objeto direto, tornam a sentença durativa (atélica).
Já que os testes para diferenciar verbos accomplishments e achievements
de verbos atividade baseiam-se quase exclusivamente em testes para checar a
existência de um ponto final do evento denotado por esses verbos, tende-se a crer
que eventos denotados por verbos accomplishment / achievement com o plural
nu são atividades.
3.2
A homogeneidade
A homogeneidade é a propriedade de um evento de possuir suas subpartes
iguais a si mesmo. Por exemplo, as subpartes de correr são iguais a correr. A
homogeneidade caracteriza os eventos denotados por verbos estativos e verbos
6
A propriedade da duratividade de Verkuyl (2001) não é a mesma apresentada por Bertinetto (2001).
21
atividade. Os verbos accomplishments são não-homogêneos porque as subpartes
de calibrar o pneu, não correspondem a calibrar o pneu.
A homogeneidade pode ser posta em oposição à cumulatividade, que é a
propriedade da soma de um evento ser igual a ele mesmo. A soma de dois
eventos de correr ou de comer maçãs é igual a ele mesmo.
Rothstein (2004) define três tipos de homogeneidade: a homogeneidade
forte, a homogeneidade fraca e a homogeneidade muito fraca. Um predicado X é
fortemente homogêneo se toda subparte x de X também é X. Um predicado X é
fracamente homogêneo se toda subparte x de X contém uma parte própria que
também é X. E, um predicado X é muito fracamente homogêneo, se alguma
subparte x de X contém X.
Para a autora, os predicados fortemente homogêneos são os predicados
com verbos estativos, pois eles são homogêneos nos instantes de tempo. Já os
predicados fracamente homogêneos, representados pelos verbos atividade, são
homogêneos nos intervalos de tempo. Em João dirigiu o carro não se pode dizer
que trocar a marcha, girar o volante, olhar pelo retrovisor, etc. são intervalos de
tempo mínimos de dirigir. É necessário considerar um átomo mínimo (que não é
a menor possibilidade de divisão das substâncias) que possa corresponder ao
evento de dirigir. Então, cada átomo de dirigir, também será dirigir. Os
predicados muito fracamente homogêneos estão associados aos predicados nãoquantizados.
Podemos testar o se um predicado é homogêneo, e qual tipo de
homogeneidade ele apresenta através de regras adaptadas daquelas propostas por
Rothstein (2004). Como o intuito do trabalho não é lidar com os verbos estativos,
os únicos que apresentam homogeneidade forte, esse tipo de homogeneidade será
deixada de fora do trabalho:
(23)
Se X é um predicado fracamente homogêneo, então todas as
subpartes x de X contém uma parte própria que também é X.
22
(24)
Se X é um predicado muito fracamente homogêneo, então algumas
subpartes x de X contém uma parte própria que também é X.
Uma regra equivalente foi proposta por Dowty (1979):
(25)
Se Ө é um verbo atividade, então x Ө-ou por y tempo acarreta que
em qualquer tempo durante y, é verdade que x Ө-ou.
Ao aplicar esse tipo de regra aos predicados tratados nesse trabalho
percebemos que eles não são homogêneos como as atividades.
(26)
a. Pedro coloriu desenhos.
b. Ana cadastrou clientes.
Nem todas as subpartes de colorir desenhos contêm uma parte própria que
é colorir desenhos, mas partes que podem ser colorir uns desenhos, colorir dois
desenhos, colorir alguns desenhos. Da mesma maneira, nem todas as subpartes
cadastrar clientes contêm uma parte própria que é cadastrar clientes.
Em Pedro coloriu desenhos, não é verdade que, em qualquer tempo y
desse evento, ele coloriu desenhos. Há intervalos de tempo entre um desenho e
outro que obrigatoriamente acontecem. O mesmo se aplica a (26)b, que não
acarreta que em qualquer tempo y de cadastrar clientes, Ana cadastrou clientes.
Portanto, a não-homogeneidade desses predicados pode nos levar na
direção de que esses predicados não são atividade, pois não se comportam como
as atividades em relação a esse tipo de propriedade.
Pode-se dizer apenas que esses predicados são muito fracamente
homogêneos, pois são não-quantizados, o que os difere dos accomplishment e
achievement com outro tipo argumento interno direto. Vimos que chamá-los de
atividade seria um erro. Mas chamá-los de soma de eventos tem alguma
vantagem? É o que iremos observar no capítulo seguinte.
23
4
A iteratividade
Uma importante característica desse tipo de sentença é que elas permitem
uma leitura iterativa. Tenny (1994) aponta para o fato de sentenças com verbos
accomplishment / achievement e um complemento plural nu apresentarem essa
leitura: “The reason for this is that bare plurals (such as schoolboys or students)
introduce the possibility of a reading in which the event is understood as iterated”
(Tenny, 1994, p. 26).
A iteratividade é definida por Wachowicz (2003) como a repetição de
eventos de mesma natureza semântica escalonados no tempo. Castilho (2002)
postula duas faces do aspecto, uma qualitativa (perfectivo /imperfectivo) e a
outra quantitativa (semelfactivo / iterativo). A iteratividade está associada a face
quantitativa do aspecto e representa uma quantificação do imperfectivo e do
perfectivo. A iteratividade engloba tanto leituras de repetição determinada quanto
leituras de repetição indeterminada ou de freqüencialidade.
O teste abaixo tem o objetivo de resgatar a iteratividade das sentenças com
verbos accomplishments e achievements. Observe (27):
(27)
a. Pedro compôs canções durante o ano, mas entre uma canção e
outra, ele também fez poemas.
b. Ana comprou apartamentos no ano passado, mas entre uma
compra e outra, ela consultava a opinião do marido.
Em (27)a e (27)b temos exemplos que mostram como o evento de compor
canções e o evento de comprar apartamento é iterativo, pois eles se subdividem
em subeventos. Note que em (27)a há uma ambigüidade característica dos
accomplishments nesse caso: as canções podem ou não estar acabadas para
constituir um subevento. Se Pedro for um artista em crise de processo de criativo,
pode compor várias canções sem terminar nenhuma. Em outras palavras, o
thélos do evento de compor não precisa necessariamente ser atingido. O mesmo
24
não ocorre com os predicados com verbo achievement, pois estes denotam
eventos pontuais.
(28)
Ana comeu sanduíches durante a tarde, mas entre uma comida e
outra ele tomava um gole de suco.
Neste exemplo fica fácil observar o que foi dito acima. A leitura com o
verbo accomplishment na sentença (28) é ambígua, pois se pode dividir o evento
tanto entre as suas mínimas partes (ou seja, a interrupção se dá no meio do
sanduíche), quanto entre cada evento de comer um sanduíche. Isso se dá porque
esse tipo de evento envolve processo e também porque o objeto direto dos
accomplishments mede a extensão física do evento (Tenny, 1994).
As sentenças com verbos atividade que tomam um argumento interno
plural nu também apresentam a leitura iterativa:
(29)
a. Pedro dirigiu carros no estacionamento durante toda a tarde, mas
entre um carro e outro, ele parava pra dar uma olhada no jogo.
b. Ana empurrou carrinhos no supermercado durante a tarde, mas
entre um carrinhoe outro, ela parava para descansar um pouco.
Como se pode observar, as sentenças acima também têm leitura iterativa,
mesmo tendo um verbo atividade. O que se pode prever, então, é que toda vez
que houver um plural em posição de objeto direto de um verbo agentivo, esse
predicado apresentará leitura iterativa. Esse comportamento está previsto tanto
por Castilho (2002), quanto por Wachowicz (2004) que afirmam que o traço do
verbo não influencia a iteratividade.
A próxima seção do trabalho apresentará a teoria de Krifka (1998), que
apresenta uma classificação pra sentenças do trabalho e também postula algumas
propriedades que ajudam a entender o problema em questão.
Quando se fala em repetição de eventos, precisamos escalonar essa
repetição no tempo. Então, “a repetição é uma das formas como se constitui o
25
tempo” (Wachowicz, 2003). Por isso, a noção de tempo apresentada por Krifka
(1998) é interessante para defender a tese deste trabalho.
O tempo, para Krifka, é a soma de partes de tempo (instantes ou
intervalos). Para definir essa soma de partes, o autor se apóia em duas
propriedades: a adjacência temporal e a precedência temporal. A adjacência
temporal é a propriedade dos instantes de tempo acontecerem num esquema
linear, sem se sobrepor, exatamente um após o outro. A precedência temporal é a
propriedade dos instantes de tempo acontecerem um imediatamente após o outro.
A noção de soma aplica tanto ao tempo quanto aos indivíduos. Então, a
maçã é a soma de partes de maçã. E maçãs é a soma tanto de partes de maçã
como de indivíduos-maçã. Isso licencia a interpretação proposta para (27)a e
(28).
A partir desses conceitos, definidos formalmente por Krifka, pode-se
chegar à estrutura aspectual das sentenças tema desse trabalho. Logo, se é
possível contar o tempo, é também possível contar subeventos que ocorrem
nessas partes de tempo. Portanto, o evento de comer maçãs pode ser uma soma
dos subeventos de comer (uma, mais de uma, ou partes de) maçãs, já que maçãs
também representa uma soma.
Uma predicação estabelece uma relação entre os argumentos envolvidos
nessa predicação, então se há uma soma de indivíduos-maçã que são comidos por
Pedro, há também uma soma de subeventos de comer essas maçãs que ocorrem
nos instantes de tempo desse evento. Claro que essa leitura só é permitida se
pensarmos na leitura iterativa, ou então teríamos apenas um evento de comer
todas as maçãs ao mesmo tempo (leitura episódica). Essa ambigüidade de leitura
é dada pela denotação do plural, representada formalmente pelo reticulado (cf.
Link, 1983).
Portanto, sendo a iteratividade uma propriedade característica desse tipo
de predicado, licenciada pelos conceitos propostos por Krifka, o nome soma de
eventos parece uma alternativa interessante para classificar os predicados tema do
trabalho. No entanto, a soma e a iteratividade também estão presentes em
sentenças com verbo atividade se tomarem como argumento interno um plural.
26
Se a discussão que surge de Dowty (1979) é chamar predicados com plural nu de
atividade, aqui parece se apresentar um possível problema para a nossa análise.
Esse problema será discutido na seção seguinte.
27
5
O problema da classificação
Este capítulo tem o objetivo de, ao recuperar a proposta de classificação
de Rothstein (2004), esclarecer alguns problemas em torno de como nomear os
predicados, os verbos e as sentenças.
Ao longo da pesquisa, pude perceber que há incoerências na literatura
sobre o que influencia na definição do aspecto de uma sentença. Uma hora se fala
em classes acionais aplicadas a verbos, outra hora a VP’s. Ainda, há a questão de
definir o papel da morfologia do verbo nas sentenças, o que algumas vezes é
ignorado.
O texto de Vendler (1967) faz uma proposta de classificação de eventos, e
não está se ocupando especificamente de critérios lingüísticos para definir as
classes. Dowty (1979) é quem refina os conceitos e reelabora a teoria pensando
em critérios lingüísticos. Mas, o autor faz algumas confusões em seu texto. Por
exemplo, ele diz que as classes acionais devem ser atribuídas não apenas ao
verbo, mas ao VP todo. No entanto, inicia o texto falando de classes de verbos, e
logo depois de admitir que o VP todo deve ser considerado para se definir uma
classe acional, o autor volta a falar de verbos atividade ou accomplishment.
Nesse sentido, o texto de Rothstein (2004) é esclarecedor. Nele, a autora
diferencia o aspecto lexical do aspecto gramatical. O aspecto lexical engloba as
classes aspectuais e a distinção télico / atélico. As classes acionais, segundo o
texto, se aplicam ao léxico do verbo, e a distinção télico / atélico se aplica a todo
o VP. O aspecto gramatical é caracterizado em algumas línguas pela morfologia
flexional (caso do PB) e acarreta a distinção perfectivo/imperfectivo.
Portanto, a hipótese aqui defendida é de que uma análise composicional da
sentença, conforme proposta por Rothstein (2004), oferece diferentes níveis de
classificação. Com isso, mesmo que o evento denotado pela sentença não possua
um ponto final – característica das atividades –, isso não exclui o fato de haver
uma repetição infinita de subeventos, que é dada pelo léxico dos verbos somado
ao complemento plural nu.
28
A partir daí podemos perceber que sentenças como Pedro construiu casas
/ Ana achou canetas podem ser consideradas atélicas, sem que se precise dizer
que são atividades, pois esses eventos não são homogêneos como se espera que
as atividades sejam. Nas palavras da própria autora:
So “state”, “activity”, “achievement”, and “accomplishment” will be properties of verbs.
Telicity and atelicity, however, will be properties of VPs (…). “Build a house” and “build
houses” are respectively, telic and atelic VPs headed by an accomplishment verb (…).”
Portanto, toda que vez um plural nu aparece em posição de argumento
interno direto de um verbo accomplishment ou achievement, o que se altera é a
telicidade do VP e não a classe a que o verbo pertence.
29
6
Conclusão
A partir das discussões apresentadas aqui, conclui-se que a teoria de
Krifka (1998) propõe uma ferramenta formal de análise que permite que se
postule a contagem dos eventos e subeventos no tempo. Assim, sentenças como
Pedro construiu casas / Ana achou canetas podem ser consideradas somas de
eventos e não uma atividade. Conclui-se também que como esses predicados não
são homogêneos, não podem ser considerados atividades.
Concluiu-se ainda que as diferentes classificações são conseqüência de
uma recorrente confusão teórica sobre a que níveis sintáticos se aplicam as
classes acionais. A proposta de classificação feita por Rothstein (2004), adotada
aqui neste trabalho, revela que telicidade, perfectividade e classes acionais se
aplicam diferentes níveis da sentença. Se as classes acionais se aplicam ao léxico,
e telicidade / atelicidade se aplicam ao VP, o argumento interno direto vai apenas
interferir na telicidade do evento e não irá alterar a classificação acional do
verbo.
Os argumentos apresentados aqui em favor de chamar esse tipo de
predicado de soma de eventos obviamente não esgotam as explicações sobre o
assunto. Algumas questões permanecem em aberto. Uma delas é a diferença
entre o plural nu e o singular nu no PB.
Outro questionamento que surgiu no decorrer do trabalho, foi a respeito
dos verbos atividade que ao tomar um argumento interno direto tornam-se
accomplishment. Se estamos dizendo que as classes acionais se aplicam ao léxico
do verbo, como dar conta de tratar desse fenômeno? Seria interessante postular
que há duas entradas lexicais para o verbo comer, sendo um deles uma atividade
e o outro um accomplishment?
Há ainda um questionamento sobre o conceito de homogeneidade. As
atividades são realmente homogêneas? Por acaso, se eu estivesse correndo e
desse uma parada para respirar, esse evento seria ainda homogêneo? Como dar
conta desse problema ontológico dentro dessas classes de verbo?
30
Todas essas questões permanecerão em aberto aqui, mas possivelmente
serão tratadas em trabalhos futuros.
31
Referências Bibliográficas
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Gramática do Português Falado. Campinas: Ed. da Unicamp, v. 7. DOWTY, D.
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TENNY, C. (1994). Aspectual roles and the syntax-semantics interface,
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32
WACHOWICZ, Teresa Cristina. (2003). As leituras aspectuais da forma do
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Tese (Doutorado em
Lingüística) – Pós Graduação em Lingüística, USP
__________. (2004). Iteratividade, quantificação e telicidade. (não publicado)
33
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