UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: o Museu Arqueológico do Foz Côa Realizado por: Humberto José Barros da Silva Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito Constituição do Júri: Presidente: Orientador: Arguente: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito Prof.ª Doutora Arqt.ª Helena Cristina Caeiro Botelho Dissertação aprovada em: 15 de Julho de 2015 Lisboa 2015 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: o Museu Arqueológico do Foz Côa Humberto José Barros da Silva Lisboa Junho 2015 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: o Museu Arqueológico do Foz Côa Humberto José Barros da Silva Lisboa Junho 2015 Humberto José Barros da Silva Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: o Museu Arqueológico do Foz Côa Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura. Orientador: Prof. Doutor Domingues Hipólito Lisboa Junho 2015 Arqt. Fernando Manuel Ficha Técnica Autor Orientador Humberto José Barros da Silva Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito Título Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: o Museu Arqueológico do Foz Côa Local Lisboa Ano 2015 Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação SILVA, Humberto José Barros da, 1981Um paradigma do território enquanto matéria construtiva : o Museu Arqueológico do Foz Côa / Humberto José Barros da Silva ; orientado por Fernando Manuel Domingues Hipólito. - Lisboa : [s.n.], 2015. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - HIPÓLITO, Fernando Manuel Domingues, 1964LCSH 1. Arquitectura de museus 2. Arquitectura vernácula - Portugal 3. Museu do Côa (Guarda, Portugal) 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 5. Teses – Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5. Museum architecture Vernacular architecture - Portugal Museu do Côa (Guarda, Portugal) Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon LCC 1. NA6690.S55 2015 Ao meu pai, postumamente. “A presença de certas obras provoca em mim algo misterioso. Parecem simplesmente estar lá. Uma pessoa não lhes dá nenhuma atenção especial. E, no entanto, é quase impossível imaginar o lugar onde estão sem elas. Estas obras parecem estar firmemente ancoradas ao chão. Funcionam como parte integrante do seu espaço envolvente e parecem dizer: “Eu sou tal como tu me vês e daqui faço parte”. Paisagens completadas. ZUMTHOR, Peter (2009) – Pensar arquitetura. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, p. 17 APRESENTAÇÃO Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Humberto José Barros da Silva Definindo-se como suporte de todos os fenómenos pertencentes ao mundo inteligível, o território é antes de tudo uma extensão de terra que aparta e define fronteiras físicas, culturais, históricas e antropológicas. Esta estratificação territorial traduz-se numa diversidade cultural que exige abordagens distintas de apropriação e ocupação do solo. No âmbito da arquitetura, a inevitável ligação de um edifício ao terreno confere ao território um papel fulcral no ato de projeto. As suas contingências determinarão a qualidade do edifício, estabelecendo-se uma relação afetiva entre a obra e a sua envolvente. A presente investigação estuda a emotividade que certos edifícios transmitem na relação tectónica que estabelecem com o contexto físico em que se inserem. Estuda-se a contribuição que alguns projetos portugueses e figuras proeminentes como Vittorio Gregotti, Fernando Távora, Álvaro Siza e Souto de Moura tiveram para a compreensão dos mecanismos que determinam esta relação telúrica entre a arquitetura e o lugar, para depois focar o estudo no museu arqueológico do Foz Côa, que é um exemplo paradigmático da condição existencial do território na arquitetura. Tenta-se perceber em que medida é que a matéria tectónica, histórica e cultural do território influenciou a materialidade do edifício. Palavras-chave: Território, Matéria, Construção, Materialidade, Metáfora, Tectónica, Lugar, Contexto. PRESENTATION A paradigm of the territory as a constructive matter: The archaeological museum of Foz Coa Humberto José Barros da Silva Defining itself as a support of all phenomena belonging to the intelligible world, the territory is first of all an extension of land that separates and defines physical, cultural, historical and anthropological boundaries. This territorial stratification translates into a cultural diversity that require different approaches to appropriation and land use. In architecture, the inevitable connection of the building to the ground gives the territory a crucial role in the project act. Their contingencies shall determine the quality of the building, establishing an affective relationship between the building and the site. This research studies the emotions that certain buildings transmits in the tectonic relationship they establish with the physical setting where they are located. It´s studied the contribution that some portuguese projects and prominent characters like Vittorio Gregotti, Fernando Tavora, Siza and Souto de Moura had to understand the mechanisms that determine this telluric relationship between architecture and the site, to then be focused on the study at the archaeological museum of Foz Coa, which is an paradigmatic example of existential condition of the territory in architecture. It´s tried to understand in what extent is that the tectonically, historical and cultural matter of the territory influenced the materiality of the building. Keywords: Territory, Matter, Construction, Materiality, Metaphors, Tectonics, Site, Context. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 – Museu do Côa - O betão enquanto metáfora do xisto. (Ilustração nossa, 2015) .......................................................................................................................... 31 Ilustração 2 – As Piscinas de Leça, Siza Vieira – A simbiose entre as plataformas de betão aparente e as rochas. (Siza, 1999, p. 60).......................................................... 31 Ilustração 3 – Signal Box, Suíça – A relação entre a “pele” de cobre do edifício e os carris da linha férrea. (Herzog & de Meuron, 1996, p.34) ............................................ 31 Ilustração 4 – Termas de Vals, Suíça, Peter Zumthor – A relação entre a pedra (basalto) e a montanha. (Vagón 293, 2015) ................................................................ 31 Ilustração 5 - The Esthetic- “Internal courtyard, Kawall Kanjiro house, Kyoto, Japan (Oliver, 1997, p.5) ....................................................................................................... 34 Ilustração 6 - The Anthropological - “Anthropomorphism in the idealized plan of a Dogon settlement” (Oliver, 1997, p. 7) ........................................................................ 34 Ilustração 7 – The Espacial – “Plan of a Mongol yurt showing spatial differentiation including altar, male and female quadrants. Variants have been recorded”. (Oliver, 1997, p. 61) ................................................................................................................ 35 Ilustração 8 – “Environment” – “Nine Climatic zones for Vernacular architecture. (Oliver, 1997, p. 128) .................................................................................................. 36 Ilustração 9 - “Desert”- Papago summer village with round house (vahkl) and shade roof (ramada), Southern Arizona, USA. (Oliver, 1997, p. 133) .................................... 37 Ilustração 10 - “Continental”- Winter hut of the Saml, orthern Scandinavia. (Oliver, 1997, p. 131) .............................................................................................................. 37 Ilustração 11 - “Mediterranean”- “Shaded whitewashed street Naxos, Cyclades Islands (Oliver, 1997, p. 135) .................................................................................................. 37 Ilustração 12 - “Montane”- Plan, sections and elevations of a double enclosure, aerodynamic shepherd’s hut on montane pasture, Velika Plana,SubAlps. (Oliver, 1997, p. 137) ........................................................................................................................ 37 Ilustração 13 - “Subtropical”- “Painted wooden house with generous porch to provide shade on the south side, Charleston, South Carolina,United States” (Oliver, 1997, p. 134) ............................................................................................................................ 37 Ilustração 14 - “Maritime”- North Hungarian House, type with stepped thatched roof (Oliver, 1997, p. 138) .................................................................................................. 37 Ilustração 15 - “Earth construction”- Clay lump workshop at Garboldisham, Norfolk, England. Walls are of clay lump on a plinth of flint rubble, repaired with brick at right corner. Top left: a) Clay lump mould; b) clay lump with key for plaster and its mould; c) Moulding press; d) Clay lump. (Oliver, 1997, p. 212) .................................................. 38 Ilustração 16 – Utilização de taipa na Grande Muralha da China. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 11) ................................................................................................................ 39 Ilustração 17 – Pirâmide do Sol de Teotihuacan, México. (Torgal, Eires e Jalali 2009, p. 13) .............................................................................................................................. 40 Ilustração 18 – Edificações em terra, Povoado de Taos, Novo México. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 13) ...................................................................................................... 40 Ilustração 19 – Edifícios em Adobe, Shibam, Iémen. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 14) ................................................................................................................................... 41 Ilustração 20 - Cidade de Arg-é Bam, Irão. (Fundación Cultural Oriente, 2015) .......... 41 Ilustração 21 - A Grande Mesquita de Djenné, Mali. (Condé Nast Traveler, 2015) ..... 41 Ilustração 22 – Plano da cidade de Arg-E-Bam antes do sismo. (Auroville Earth Institute, 2015) ............................................................................................................ 42 Ilustração 23 – Mapa-mundo – Zonas do globo com elevada densidade de construção em terra (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 17) ............................................................... 42 Ilustração 24 – Distribuição geográfica das construções tradicionais portuguesas em terra: a) Taipa; b) Adobe; c) Tabique (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 16) ................... 43 Ilustração 25 - Castelo de Paderne, Algarve (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 15) ........ 44 Ilustração 26 - Castelo de Silves, Algarve (Urry, 2015) ............................................... 44 Ilustração 27 – Sistema de taipal tradicional com aperto por cordas. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 36) ...................................................................................................... 45 Ilustração 28 – Pilões ou maços utilizados na taipa tradicional. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 37) ................................................................................................................ 45 Ilustração 29 - Construção em taipa tradicional (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 35).... 45 Ilustração 30 - Construção em taipa mecanizada com cofragens metálicas. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 38) .......................................................................................... 46 Ilustração 31 - Produção manual e secagem do adobe. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 42) .............................................................................................................................. 47 Ilustração 32 - Produção mecanizada do adobe (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p.45) ... 47 Ilustração 33 - Construção de parede em "Adobeton" (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 46) .............................................................................................................................. 48 Ilustração 34 – Casa em Luanda – Imagem virtual da proposta (Ilustração Nossa, 2010, Trienal de Lisboa) ............................................................................................. 49 Ilustração 35 – Casa em Luanda – Esquema da evolução concetual da proposta (Ilustração Nossa, 2010, Trienal de Lisboa) ................................................................ 50 Ilustração 36 – Casa em Luanda – Maqueta e fotomontagem da proposta (Ilustração Nossa, 2010, Trienal de Lisboa) ................................................................................. 50 Ilustração 37 – Habitação unifamiliar construída em taipa, pedra e madeira, Beja (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 23) ............................................................................. 51 Ilustração 38 – Adega (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 23) .......................................... 51 Ilustração 39 – Esboço Litológico do território português (Moutinho, 1979, p. 15)....... 54 Ilustração 40 – Esboço do Relevo do território português. (Moutinho, 1979, p. 17) ..... 55 Ilustração 41 – Tipos de povoamento rural. (Moutinho, 1979, p.25) ............................ 55 Ilustração 42 – As formas do Relevo: Escarpa de falha – A) No granito as escarpas e superfícies conservam-se bem e existe forte concentração de drenagem. B) Nos xistos, todas as formas são dissecadas por uma rede hidrográfica muito densa, conservando-se só algumas escarpas de falha e transformando-se as superfícies altas num mar de cabeços. (Ribeiro, Lautensach e Daveau, 1991, p. 175) ......................... 55 Ilustração 43 – As formas do Relevo: Reboco de erosão: C) No granito, as escarpas são vivas, com ângulo bem marcado na base; as colinas isoladas na planície testemunham o retrocesso do flanco montanhoso; os vales principais são largos e de fundo plano entre vertentes abruptas; outros tipos de vales: a) de fratura, b) de rejuvenescimento lento. D) Nos xistos, passa-se gradualmente da montanha para a planície e não há montes-lhas; a rede hidrográfica é densa e o relevo muito dissecado. (Ribeiro, Lautensach e Daveau, 1991, p. 175). ........................................................... 55 Ilustração 44 – Adaptação agrícola às vertentes do Douro através da construção de socalcos. (Centro de Inovação de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2015) ..................... 56 Ilustração 45 – O ambiente agreste da região do Norte - Montes, O “Lugar”. (Amaral,1988, p. 131) ................................................................................................. 57 Ilustração 46 – Alpendre de uma casa no Alentejo. (Amaral, 1988, p. 179) ................ 57 Ilustração 47 – Situação da Zona 1 no País. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 11) ...... 61 Ilustração 48 – Povoamento em Ponte de Lima, panorâmica sobre a Sobrada. (Arq. Pop. Portuguesa,1988, p. 32). .................................................................................... 61 Ilustração 49 - Relevo e hidrografia (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 14) .................... 62 Ilustração. 50 – Geologia (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 15) ................................... 63 Ilustração 51 – Casas em Castro Laboreiro, construção em granito (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 38) ............................................................................................ 64 Ilustração 52 - Casa do povoado, construção em granito, Manhouse, S. Pedro do Sul. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 83)............................................................................ 64 Ilustração 53 – Situação da zona 2 no País. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 123) .... 65 Ilustração 54 – Serra do Marão. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 128) ....................... 65 Ilustração 55 – Mapa geológico com a separação da Terra fria e Terra quente (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 124) .................................................................................. 66 Ilustração 56 – Pormenor de um telhado de lousa rematado nas juntas com argamassa, Boavista, Marão (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 139) ............................ 67 Ilustração 57 – Revestimento de parede em lousa, Cotorinho, Marão. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 138) .......................................................................................... 67 Ilustração 58 – Construção em xisto numa curva de caminho, Montes (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 136) .......................................................................................... 67 Ilustração 59 – Situação da zona 3 no país. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 3) ......... 68 Ilustração 60 – Os vales de Cotarredor (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 7) ................ 68 Ilustração 61 – A semelhança dos arredores de Pinhel, Guarda, com as planícies alentejanas (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 6)........................................................... 69 Ilustração 62 – Mapa geológico (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 13).......................... 69 Ilustração 63 - Mapa dos materiais correntes de construção (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 61) ................................................................................................................ 70 Ilustração 64 – Construção em xisto, uma casa em Outeiro da Vinha (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 64) ............................................................................................ 71 Ilustração 65 – Aglomerado de casas em granito com cobertura de colmo, Bigorne. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 71)............................................................................ 72 Ilustração 66 - Pormenor de cobertura «colmada». (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 71) ................................................................................................................................... 72 Ilustração 67 – A simbiose entre um aglomerado de casas em granito e a sua envolvente, Sortelha. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 15) ......................................... 72 Ilustração 68 – Situação da zona 4 no País. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 123) .... 73 Ilustração 69 – Praia em Palheiros da Tocha (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 125) ... 73 Ilustração 70 - Um aglomerado concentrado em Azenhas do Mar. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 143) .......................................................................................... 74 Ilustração 71 – Esboço de um aglomerado em Sesimbra. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 143) ........................................................................................................................ 75 Ilustração 72 – Sesimbra. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 142) ................................. 75 Ilustração 73 – Mapa Geológico. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 172) ...................... 76 Ilustração 74 – Mapa dos materiais de construção. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 172) ............................................................................................................................ 76 Ilustração 75 – Construção em pedra calcário, Arneiro, Santarém. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 175) .......................................................................................... 77 Ilustração 76 – Construção em pedra calcário, Arneiro, Santarém. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 175) .......................................................................................... 77 Ilustração 77 – Parede de taipa, Arneiro, Santarém. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 180) ............................................................................................................................ 77 Ilustração 78 – Parede de adobe, Arneiro, Santarém. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 180) ............................................................................................................................ 77 Ilustração 79 – Casa de madeira, praia de Mira. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 186) ................................................................................................................................... 77 Ilustração 80 – Interior de uma casa de madeira, praia de Pedrógão. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 184) .......................................................................................... 77 Ilustração 81 – Situação da zona 5 no país. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p.3) .......... 78 Ilustração 82 – Planície alentejana. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 24) .................... 78 Ilustração 83 – Emprego da cal nas habitações, Alegrete - Caiações sucessivas ao longo de gerações concedem aos edifícios texturas inesperadas. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 56) ............................................................................................ 79 Ilustração 84 - Mapa geológico. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 10) ......................... 80 Ilustração 85 - Construção em Taipa com cunhais de tijolo, Vidigueira. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 37) ............................................................................................ 81 Ilustração 86 – Casas geminadas, aplicação de cal e tijolo. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 39) ................................................................................................................ 81 Ilustração 87 – Construção em xisto, Monsaraz (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 49) . 82 Ilustração 88 – Construção em granito, Terena. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 49) . 82 Ilustração 89 – Construção em pedra calcário. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 49) .. 82 Ilustração 90 – Construção em granito, Terena. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 49) . 82 Ilustração 91 – Situação da zona 6 no país. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 123) ..... 83 Ilustração 92 – Localidade de Ferragudo, Portimão. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 126) ............................................................................................................................ 83 Ilustração 93 – Mapa geológico. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 174) ....................... 85 Ilustração 94 – Mapa dos materiais. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 174) ................. 85 Ilustração 95 - Corte esquemático de uma cobertura em abóbada de tijolo maciço (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 184) .................................................................................. 86 Ilustração 96 - Cobertura em abóbada, Faro (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 184) .... 86 Ilustração 97 – Construção em taipa assente sobre fundação de alvenaria de pedra, Odemira (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 176) ........................................................... 87 Ilustração 98 – Castelo de Silves. (Urry, 2015) ........................................................... 87 Ilustração 99 – Universidade da Calábria, Cozenza, Itália, 1972 – Vista aérea do conjunto, a relação entre o alinhamento do Eixo proposto e o existente. (Universidade da Calábria, 2015) ...................................................................................................... 92 Ilustração 100 – Planta de situação do complexo da Universidade da Calábria, Vittorio Gregotti (Nesbitt, 2008, p. 373) ................................................................................... 93 Ilustração 101 – Vista do eixo estruturante da Universidade da Calábria (Skyscrapercity, 2015) ................................................................................................ 94 Ilustração 102 - Esquema da noção de lugar em Hegel (Muntañola, 1996, p. 27) ...... 98 Ilustração 103 – Palácio dos Braguinhas – Edifício da antiga Escola Superior de Belas Artes do Porto [ESBAP] e atual instalação da Faculdade de Belas da Universidade do Porto [FBAUP]. (Universidade do Porto, 2015) ......................................................... 104 Ilustração 104 – Edifício “Bonjour Tristesse”, Berlim, Álvaro Siza Vieira. (Testa, 1996, p. 75) ........................................................................................................................ 106 Ilustração 105 – Siza Sketch perspective for the expansion of the city of Macau in collaboration with Fernando Távora. (Fleck, 1995, p.104) ......................................... 107 Ilustração 106 - A ruína da antiga Casa dos 24 (Gomes, 2008) ................................ 110 Ilustração 107 – Processo de demolições do arranjo urbanístico,1939. (Gomes, 2008) ................................................................................................................................. 111 Ilustração 108 – Vista do Terreiro da Sé, com o antigo torreão da “Casa do 24” à esquerda. (Gomes, 2008) ......................................................................................... 111 Ilustração 109 – Configuração da praça após reestruturação. (Gomes, 2008) .......... 111 Ilustração 110 – Comemorações do Duplo Centenário, 1940. (Gomes, 2008) .......... 111 Ilustração 111 – Vista da fachada sul – a relação tectónica e cromática com a envolvente. (Dias, 2015) ........................................................................................... 113 Ilustração 112 – Vista da fachada poente e a ruína da antiga torre. (Dias, 2015) ..... 113 Ilustração 113 – Plantas e cortes do projeto de execução (Gomes, 2008) ................ 114 Ilustração 114 – Esquisso do enquadramento urbano do edifício e alçados do anteprojeto, 1996 (Gomes, 2008) ............................................................................. 114 Ilustração 115 – Vista da fachada norte, adossada à escadaria de acesso à Rua de S. Sebastião. (Urry, 2015) ............................................................................................. 115 Ilustração 116 - Vista panorâmica da “Casa dos 24” integrada na malha urbana (Urry, 2015) ........................................................................................................................ 115 Ilustração 117 – Planta Piscina das Marés. (Siza, 1999, p. 58) ................................. 117 Ilustração 118 – Planimetria do complexo Taliesin West. (Wright, 2007, p. 129) ...... 117 Ilustração 119 – Perspetiva do plano a 45º. (Siza, 1999, p. 82) ................................ 117 Ilustração 120 – Pormenor da cobertura em estrutura de madeira assente nas paredes de betão, (Siza, 1999, p. 59) ..................................................................................... 118 Ilustração 121 – Articulação das piscinas com as rochas. (Ganshrit, 2004, p. 75-94)119 Ilustração 122 - A simbiose entre o betão, as rochas e o areal. (Siza, 1999, p. 60) .. 119 Ilustração 123 – A patine do tempo sobre o betão e as rochas, resultando na fusão entre o natural e o construído. (Olhares, 2015) ......................................................... 120 Ilustração 124 – Vista Poente da ruína adossada à casa. (Gili, 1997, p. 45) ............. 121 Ilustração 125 - Planta do piso – O rochedo torna-se parte integrante da estrutura espacial da casa. (Gili, 1997, p. 46) .......................................................................... 122 Ilustração 126 – Vista da cobertura assente sobre o terreno, referenciando uma nova topografia humanizada. (Toy, 1999, p. 86)................................................................ 123 Ilustração 127 – Vista Poente – A casa estabelece uma relação de continuidade com os muros de contenção dos socalcos. (Gili, 1997, p. 45) .......................................... 123 Ilustração 128 - Vista nascente da relação que o rochedo estabelece com o interior e exterior da casa. (Toy, 1999, p. 87) .......................................................................... 123 Ilustração 129 - Pormenor construtivo das fachadas Nascente/Poente. (Futagawa, 1999, p. 85) .............................................................................................................. 124 Ilustração 130- Centro das Artes- Planta de Localização (David, 2007, p. 34) .......... 125 Ilustração 131 – Cortes – O edifício atuando como topografia humanizada, gerando espaços, por subtração, na massa rochosa da colina (David, 2007, 38) ................... 126 Ilustração132 – A mutação cromática do edifício ao longo dia (David, 2007, p. 35) .. 127 Ilustração 133 – Complexo das Salinas, Câmara dos Lobos, Ilha da madeira - A relação tectónica entre o paredão e as plataformas com os rochedos, recriando e humanizando uma nova topografia que ambiciona fundir-se com as rochas. ........... 129 Ilustração 134 – Pavilhão do vulcanismo, Ilha da Madeira – A relação que o corpo pétreo do pavilhão estabelece com a falésia, como se brotasse dela. (Barbosa, 2015 ................................................................................................................................. 129 Ilustração 135 - Mapa de localização da Paisagem Protegida do Corno de Bico (Paredes de Coura, 2015) ........................................................................................ 131 Ilustração 136 - paisagem do Corno do Bico (Câmara municipal de Paredes de Coura, 2015) ........................................................................................................................ 132 Ilustração 137 – Plantas de implantação do piso 0 e piso 1 do conjunto – Note-se na planta do piso 0 como os pilares do edifício do CEIA se confundem com os troncos das árvores. (Guerreiro e Correia, 2007, p. 102)....................................................... 133 Ilustração 138 - Corte longitudinal do conjunto (Guerreiro e Correia, 2007, p. 101) .. 134 Ilustração 139 - Vista do alçado poente – A alavancagem do edifício sugere o desabrochar dos troncos do solo, que elevam-no do terreno, mantendo a fruição do mesmo e respeitando a sua condição de paisagem protegida, incrementada também pela “camuflagem” do corpo entre o maciço arbóreo, com o intuito de amenizar o impacto visual do edifício na envolvente. Integração e preservação são assim as palavras de ordem desta intervenção sensível ao território e, por isso, consentânea com a sua finalidade. (Guerreiro e Correia, 2009, p. 51)........................................... 134 Ilustração 140 – Vista do alçado sul – Note-se, numa transferência de matéria, a relação conceptual entre os troncos naturais com os artificias e o revestimento do edifício: como se tivessem transferido a camada epidérmica que reveste os troncos para o corpo do edifício. (Nautilus, 2015).................................................................. 135 Ilustração 141 - Pormenor construtivo do edifício em estrutura de betão com revestimento exterior de madeira. (Guerreiro e Correia, 2007, p. 103) ..................... 135 Ilustração 142 – Vista norte – rampa de acesso ao edifício (Guerreiro e Correia, 2009, p. 52) ........................................................................................................................ 136 Ilustração 143 – Planta de implantação – reconversão dos edifícios existentes (Guerreiro e Correia, 2007, p. 102) ........................................................................... 137 Ilustração 144 – Vista nascente da ampliação proposta – a relação de continuidade do novo corpo da pousada com o preexistente (a antiga casa do professor, no fundo da imagem). (Guerreiro e Correia, 2007, p. 101/102) .................................................... 137 Ilustração 145 – Barragem do Alqueva (Comissão Nacional Portuguesa de Grandes Barragens, 2015) ...................................................................................................... 139 Ilustração 146 - Vista aérea da antiga Aldeia da Luz (Pinto, 2011) ........................... 139 Ilustração 147 - Localização da antiga Aldeia da Luz (Pinto, 2011) .......................... 140 Ilust. 148 - A nova Aldeia da Luz com o conjunto da Igreja, cemitério e Museu em primeiro plano (Pinto, 2011) ...................................................................................... 141 Ilustração 149 - Localização da nova Aldeia da Luz (Pinto, 2011) ............................ 141 Ilustração 150 - Vista poente do conjunto: Museu, cemitério e Igreja (Pacheco e Clément, 2004, p. 49) ............................................................................................... 142 Ilustração 151 - Corte e alçado Norte do Museu (Pacheco e Clément, 2004 p. 52) .. 143 Ilustração 152 – Vista norte – Os planos que denunciam a presença do edifício na paisagem. (Museudaluz, 2015) ................................................................................. 143 Ilustração 153 – Vista para antiga localização da Aldeia. (Museudaluz, 2015) ......... 144 Ilustração 154 - Planta de implantação do conjunto – Igreja, cemitério e Museu. (Pacheco e Clément, 2004, p. 49)............................................................................. 144 Ilustração 155 - Vista poente do conjunto – A integração do museu na paisagem – a relação cromática e topográfica com o território. Desta perspetiva o edifício assume uma espécie de embasamento da nova Aldeia da Luz. (Pacheco e Clément, 2004, p. 49) ............................................................................................................................ 145 Ilustração 156 – Estereotomia da pedra. (Pacheco e Clément, 2004, p. 50) ............. 146 Ilustração 157 – Pormenor do revestimento das tiras de pedra (xisto) sobre a estrutura de betão (Basulto e Assael, 2015) ............................................................................ 146 Ilustração 158 - Museu de Arte Moderna de Varsóvia, Polónia – A relação com o maciço arbóreo. (Rebelo, 2015) ................................................................................ 151 Ilustração 159 - Ktima House, Grécia – Fachada e planta de implantação. (Rebelo, 2015) ........................................................................................................................ 151 Ilustração 160 –Tree House, Pigadakia, Grécia (Rebelo, 2015) ................................ 152 Ilustração 161 – Enquadramento geográfico da região que integra o Plano Estratégico de Promoção Turística do Vale do Côa e Alto Douro. (Arte-coa, 2015) .................... 154 Ilustração 162 – Vale do Côa. (Ilustração nossa, 2015) ............................................ 154 Ilustração 163 – Arte do séc. XVI-XX (Ilustração nossa, 2015) ................................. 155 Ilustração 164 – Arte da Idade do Ferro – 1º milénio AC (Ilustração nossa, 2015) .... 155 Ilustração 165 – Arte Magdalenense e Tradiglaciar 15.000-9.000 AC. (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................................................. 155 Ilustração 166 – Arte do Período Gravetto-Solutrense 30.000-15.000 AC (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................................................. 155 Ilustração 167 - Mapa do Parque Arqueológico do Vale do Côa (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................................................................ 156 Ilustração 168 - Vista nascente da Canada do Inferno: gravuras rupestres junto ao leito do rio Côa (Ilustração nossa, 2015) .......................................................................... 157 Ilustração 169 - Canada do Inferno: réplica da rocha 11 (Ilustração nossa, 2015) .... 158 Ilustração 170 - Réplica do quotidiano de um caçador paleolítico no seu acampamento no Vale do Côa. (Ilustração nossa, 2015) ................................................................. 159 Ilustração 171- Fachada Norte do Museu e uma réplica de um painel de xisto do Vale de José Esteves 16: A semelhança entre a cor, textura, fragmentações e assimetrias da fachada com as da réplica. (Ilustração nossa, 2015) ........................................... 161 Ilustração 172 – Museu do Côa – A cobertura enquanto miradouro, imagem 3D do concurso. (Seabra, 2004, p. 30) ................................................................................ 163 Ilustração 173 – Fachada sul – Imagem 3D do concurso, perspetivando-se uma forte fisionomia visual do corpo projetado sobre a encosta, (Seabra, 2004, p. 33) ............ 164 Ilustração 174 – A massa híbrida de betão com textura e pigmento do xisto. (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................................................. 166 Ilustração 175 – A constante permutação das superfícies cambiantes de betão ao longo do dia. (Ilustração nossa, 2015) ...................................................................... 167 Ilustração 176 – Enquadramento do edifício na paisagem – Vista da fachada sul. Notese a presença enigmática do corpo monolítico sobre a encosta. (Cortesia de Rebelo e Pimentel, 2015)......................................................................................................... 167 Ilustração 177 – O capeamento da cobertura com as placas prefabricadas. (GOP, 2015) ........................................................................................................................ 168 Ilustração 178 – Aspeto final das placas montadas e a diferença entre as superfícies texturadas dos contornos exteriores e as lisas do interior (rampa de acesso ao interior do museu), demarcando claramente o limite entre um ambiente mais agreste e natural e outro mais sensível e humanizado. (Ilustração nossa, 2015) ................................. 168 Ilustração 179 – Localização do Museu na confluência dos vales. (Cortesia dos arquitetos Camilo Rebelo e Tiago Pimentel, 2015) ................................................... 169 Ilustração 180 - A presença (dis)simulada do museu denunciada apenas pelos muros que delimitam o perímetro de implantação (Ilustração nossa, 2015) ......................... 171 Ilustração 181 – Vista da fachada sul e nascente – A mudança de escala do edifício, que evolui de uma presença abstrata para um corpo concreto. (Cortesia de Rebelo e Pimentel, 2015)......................................................................................................... 171 Ilustração 182 - Alçado Sul - A preservação da topografia permite libertar o edifício no extremo da encosta, resolvendo simultaneamente os acessos de serviços e proporcionando um confronto mais intenso com o vale. (Rebelo e Pimentel, 2015) . 172 Ilustração 183 – A penumbra da rampa de acesso ao interior do museu remete o visitante para um tempo primitivo, onde subjazem as salas “grutas”. (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................................................................ 173 Ilustração 184 – Espaço de exposição permanente – Sala expositiva "A" dedicada ao Vale do Côa como património mundial da humanidade e o corredor de acesso às salas de exposição permanente. (Ilustração nossa, 2015) ................................................. 174 Ilustração 185 - Sala de exposição temporária (Ilustração nossa, 2015)................... 174 Ilustração 186 - Planta Piso 0 - área expositiva: 01- Acesso público – átrio exterior, 02 Serviço educativo, 03- Acesso público – entrada norte, 04- Investigação – sala de arquivos, 05- Entrada do auditório, 06- auditório, 07- Museu – átrio interior, 08- Loja, 09- Átrio público – acesso aos elevadores, 10- Sanitários, 11- Armazém, 12- Cacifos, 13- Armazém, 14- Salas de exposição temporária, 15- Corredor das salas de exposição, 16- Salas de exposição permanente, 17- Depósito, 18- Sala de museografia, 19- Oficinas, 20- Laboratório de fotografia. (Cortesia de Rebelo e Pimentel, 2015)......................................................................................................... 175 Ilustração 187 - Planta piso -1: 01- Escada – Entrada, átrio do restaurante, 02- Acesso público – restaurante, 03- Átrio público – restaurante, 04- Auditório, 05- Sanitários, 06Cafetaria, 07- Bar/Restaurante, 08- Restaurante, 09- Cozinha, 10- Dispensa – armazém, 11- Sanitários, 12- Acesso de serviço, 13- Área de serviço, 14Estacionamento, 15-Área técnica. (Rebelo e Pimentel, 2015) .................................. 175 Ilustração 188 - Fachada norte – A relação entre a superfície da fachada e o bloco de xisto que brota do solo. Esta imagem sugere o território construído na forma do edifício a partir dos afloramentos de xisto. (Ilustração nossa, 2015) ..................................... 178 Ilustração 189 - Planta de implantação – A forma triangular do museu gerada pela confluência dos vales do Forno e de José Esteves. (Rebelo e Pimentel, 2015) ........ 179 Ilustração 190 – O aspeto de afloramento de xisto e a relação cromática que o edifício estabelece com o território, gerando uma perceção de corpo esculpido na encosta, mediante lapidação da mesma – a encosta deixou de ser apenas terreno e passou a ser construção. (Vimeo.com, 20-4-2015) .................................................................. 179 Ilustração 191 – Acesso ao Miradouro Sul (Ilustração nossa, 2015) ......................... 182 Ilustração 192 – Acesso ao Miradouro Norte (Ilustração nossa, 2015) ..................... 182 Ilustração 193 - Planta de cobertura (piso 2): 01- Estacionamento, 02- Acesso ao miradouro sul, 03- Miradouro norte, 04- Entrada, rampa de acesso ao museu. (Cortesia de Rebelo e Pimentel, 2015) ..................................................................... 183 Ilustração 194 – O Museu enquanto miradouro. (Ilustração nossa, 2015)................. 184 SUMÁRIO 1. Introdução .............................................................................................................. 25 2. O território enquanto matéria construtiva ................................................................ 29 2.1. As influências da arquitetura vernacular [portuguesa] ..................................... 29 2.1.1. A universalidade da arquitetura vernacular ............................................... 32 2.1.2. Construção em terra ................................................................................. 38 2.1.3. Arquitetura vernacular portuguesa ............................................................ 43 2.2. A “Escola de Veneza”: entre o território e a arquitetura Analógica ................... 88 2.3. O legado da escola do porto: arquitetura contemporânea portuguesa e a relação com o Lugar. .............................................................................................. 96 3. O museu de arte e arqueologia do vale do Côa ................................................... 147 3.1. Os autores ..................................................................................................... 147 3.2. O território ..................................................................................................... 154 3.3. O museu........................................................................................................ 162 4. Considerações finais sobre o museu .................................................................... 177 4.1. O museu enquanto território construído......................................................... 177 4.2. O museu enquanto lugar ............................................................................... 181 5. Conclusão ............................................................................................................ 185 Referências .............................................................................................................. 189 Bibliografia ................................................................................................................ 199 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 1. INTRODUÇÃO Da natureza provém toda a matéria, toda a origem dos materiais que constroem o nosso mundo. Desde os primórdios da civilização que o Homem interage com o meio, usufruindo dos seus recursos para construção de abrigos, refúgios, ferramentas e utensílios, tudo com os materiais da natureza, do ambiente físico, do território. Na sua fase nómada, começou, inicialmente, por se abrigar em grutas e cavernas, tendas ou acampamentos instáveis que montava durante as suas deslocações estacionais em busca de alimentos e de um clima mais ameno. E já numa fase sedentária, de agricultura e pastoreio (período Mesolítico e Neolítico), começa a formar comunidades tribais e os primeiros povoados fixos, abandonando abrigos temporários e inaugurando outros de caráter mais permanente, que viriam a constituir o modelo essencial de habitação dos primeiros grupos humanos. Estes abrigos fixos apresentam diversas formas, dependendo do ambiente físico em que se encontram e dos recursos materiais que o território fornece para a sua a construção. No entanto, mesmo com a evolução da humanidade, o Homem continua a reconhecer as suas origens na natureza, assim como a sua dependência em relação a ela. E a arquitetura, como disciplina e processo de intervenção que simboliza a ligação do Homem à natureza, reflete esse estado de espírito. Ela restabelece a presença do real na consciência deste, mantendo-o ligado às suas próprias raízes. Essa consciência do real, estruturada mediante a estreita relação da arquitetura com o lugar, é privilegiada no panorama da arquitetura contemporânea [portuguesa]. Esta ligação não é reconhecível apenas na arquitetura, mas em quase toda a atividade humana e artística. Veja-se, por exemplo, a presença da natureza nas artes plásticas, nomeadamente os trabalhos de Joseph Beuys1 e da Arte Povera2, ou as bases conceptuais que formalizaram as intervenções da Land Art, que constituem, de algum modo, uma linha de pensamento importante para arquitetura, uma vez que operam ambas sobre um suporte comum – o território. 1 Joseph Heinrich Beuys (1921-1986) foi um professor, ativista político e artista plástico alemão. Notabilizando-se pelos seus vários meios e técnicas de produção artística – escultura, fluxus, happening, performance, vídeo e instalação. O artista alemão entendia que “não pode haver atividade artística sem o conhecimento da natureza”. 2 A arte Povera foi um movimento artístico Italiano, nas décadas de 1960/70. Carateriza-se pelo uso de materiais naturais, simples ou de caráter banal ou “pobre”, daí a designação “Povera”. Humberto José Barros da Silva 25 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Esta linha de pensamento pode ser restabelecida no caso de estudo (Museu do Foz Côa), que, concebido como “instalação na paisagem”, é produto de uma analogia feita pelos próprios autores do projeto, que consideram as gravuras rupestres como sendo “a primeira forma de Land Art da história da Humanidade”. Este princípio de interação com a paisagem traduziu-se na ideia motriz do projeto, pela forma como o edifício se implanta no território, como se de um afloramento de xisto se tratasse, à semelhança dos blocos de xisto que serviram de suporte [artístico] das gravuras rupestres. O presente estudo pretende, portanto, constituir uma investigação sobre o território enquanto matéria construtiva e compositiva em arquitetura, referenciando contextos arquitetónicos que demonstram em que medida o território determinou a materialidade do edifício. A eleição do tema resulta de uma intriga pessoal – inerente ao processo criativo em arquitetura –, sobre a emotividade que certos edifícios transmitem, pelo seu caráter mutável e entrópico na relação que estabelecem com o território, ajustando-se às cambiâncias cromáticas e tectónicas do contexto físico em que se localizam, ensaiando semelhanças plásticas com os elementos que formalizam o território. As superfícies, sujeitas às mudanças sazonais do tempo, encontram-se em constante permutação de aparências com o lugar, resultando, do processo, experiências surpreendentes e reveladoras. A semelhança tectónica entre o artificial e o natural, e a ambiência que produzem, tornam o edifício indissociável ao seu contexto. Segundo Loos3 “cada material tem a sua própria e específica linguagem expressiva”, mas também um contexto específico para sua plena expressão. A arquitetura e o lugar são objetos de estudo de amplos contornos, destacando-se como uma das mais fortes características da arquitetura contemporânea portuguesa, impulsionada pela “Escola do Porto”. O lugar enquanto entidade dotada de fenómenos transversais à atuação do homem no espaço é observada pelo arquiteto, que o reconhece, deixando-se inspirar por ele, através daquilo que Paul Valéry4 designa como “um estado poético que lhe está subjacente” (Neves, 2001, p. 12). Assim, 3 Adolf Loos (1870-1933) foi um visionário arquiteto austríaco. O seu ensaio “Ornamento e delito” marcou profundamente o panorama da arquitetura do séc. XX. Foi ainda percursor do “ Raumplan” – um esquema de desenvolvimento da planta em diferentes cotas, conforme a relevância e distribuição programática dos espaços, estabelecendo hierarquias espaciais mediante variações de escala e de materialidade, definindo, assim, graus de intimidade distintos entre os espaços. 4 Paul Valéry (1871-1945) foi um filósofo, escritor e poeta francês cuja obra abrange áreas como arquitetura, música, literatura e dança. Na sua vasta obra, destaca-se a “Introduction à la méthode de Léonard de Vinci, que na altura era o seu ídolo, na segunda metade da década de 1890. Humberto José Barros da Silva 26 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa através das crenças na caracterização dos lugares e dos sítios, o arquiteto estabelece uma forte relação sentimental e poética com essas entidades. No caso de Siza Vieira e Souto Moura, por exemplo, essa relação é uma constante nos seus projetos. A relação entre natureza e construção é decisiva na arquitetura. Esta relação, fonte permanente de qualquer projeto, representa para mim como que uma obsessão; sempre foi determinante no curso da história e apesar disso tende hoje a uma extinção progressiva. (Siza Vieira, 1998, p. 17) Este forte vínculo da arquitetura portuguesa ao lugar será o mote para circunscrever a presente investigação num contexto, essencialmente, nacional, tendo como objeto de estudo o museu arqueológico do Foz Côa, pela força telúrica do território materializada no edifício. Um museu pensado à semelhança do seu contexto. Uma intervenção abrangente, que agrega a sua história à do lugar. Procurando a continuidade cromática da paisagem, optámos por uma expressão produzida por betão com adição de pigmento, semelhante à cor do xisto (matéria abundante no local), resultando numa massa híbrida com textura (obtida por moldes feitos sobre as rochas locais) ”. (Rebelo e Pimentel, 2010, p. 5) A sua imagem enquanto “instalação na paisagem” é potenciada pelo sentido afirmativo do seu corpo enquanto massa física que extravasa a encosta – um monólito habitável, texturado e pigmentado, que evoca as pedreiras locais (suporte artístico das gravuras rupestres). Um verdadeiro paradigma do território enquanto matéria construtiva e operativa de projeto. A dissertação inscreve-se em três capítulos. No primeiro capítulo será feito um enquadramento do tema, em que se fará uma abordagem mais literal do território enquanto matéria construtiva, referenciando a arquitetura vernacular, pelo facto de se construir com os materiais e recursos locais – aspetos autóctones que viriam a influenciar bastante a arquitetura contemporânea portuguesa, após o “Inquérito da Arquitetura Popular em Portugal”. Ainda no primeiro capítulo, estabelecer-se-á, também, um paralelo entre a “Escola do Porto” e a “Escola de Veneza”, pelo facto de se afirmarem sob o mesmo princípio ideológico e de partilharem dois aspetos fundamentais que as caracterizam na sua essência, e que são elucidativos para a temática em questão: a refundamentação/contextualização da arquitetura tradicional no panorama modernocontemporâneo e a aposta numa produção arquitetónica de contexto. Humberto José Barros da Silva 27 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Numa segunda fase do enquadramento, estudar-se-ão algumas obras que evidenciam a relação da arquitetura contemporânea portuguesa com o lugar, com enfoque na Escola do Porto, para se perceber em que linha de pensamento é que se fundamenta a abordagem conceptual do projeto do museu. Pois a formação dos seus autores (Camilo Rebelo e Tiago Pimentel) é oriunda desta Escola, que proclama uma visão romântica da arquitetura, pautando-se por um sistema pedagógico intimista de “escola-atelier”, onde a relação mestre/discípulo é cultivada ininterruptamente entre o universo académico e o profissional. E assim “a visão romântica do ser arquiteto, continua a refletir-se na prática profissional dos jovens arquitetos formados na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto [FAUP] ” (Figueira, 2011) A imagem arquitetónica […] apesar de poder ser encarado como um elemento tecnicamente previsto – projetado pelo desenho, ou pelas maquetes, por exemplo – reflete também os mitos, a história, os conceitos característicos do saber contemporâneo, a biografia do arquiteto e dos utentes da arquitetura, das suas memórias culturais, dos seus sonhos; ou seja, de um conjunto de circunstâncias que lhe dão significado. (Neves, 1991, p. 13) E assim a investigação vai limitando, progressivamente, o âmbito dos seus objetivos até focar-se, concretamente, no caso de estudo, onde se tentará perceber como os fatores inerentes ao território, de âmbito tectónico, histórico-geográfico, paisagístico e artístico, serviram de matéria operativa de projeto, resultando numa obra paradigmática, que incorpora em si as valências do território, atribuindo-lhe qualidade de imagem – Vila Nova de Foz Côa tornou-se, assim, indissociável ao museu, que lhe concedeu a emergente projeção. No terceiro e último capítulo, e em tom conclusivo sobre o caso de estudo, faremos uma analogia do museu sob duas perspetivas estudadas no enquadramento do tema: O museu enquanto território construído, pela forma como evoca o terreno xistoso em que se implanta; e o museu enquanto lugar, pela sua estratégia de implantação, que deixa imperturbada a contemplação da vasta paisagem do Douro, transformando a encosta num autêntico miradouro. Humberto José Barros da Silva 28 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 2. O TERRITÓRIO ENQUANTO MATÉRIA CONSTRUTIVA 2.1. AS INFLUÊNCIAS DA ARQUITETURA VERNACULAR [PORTUGUESA] Segundo Rudofsky5, “a filosofia e o conhecimento prático dos construtores anónimos oferecem a maior fonte de absorção e potencial de inspiração arquitetónica para o homem industrial.” (Rudofsky, 1964, p. 10) Para os arquitetos contemporâneos, as raízes da arquitetura “vernacular, anonymous, spontaneous, indigenous, rural […]” (Rudofsky, 1964, p. 3), como for conveniente designar, representam uma fonte inesgotável de inspiração, amparada na força da sua expressão criativa e da sua autenticidade, relativamente à relação que estabelece com o sítio em que se localiza. A expressividade e riqueza plástica patente na arquitetura vernacular são referências transversais a vários universos culturais no âmbito da produção arquitetónica contemporânea. Onde os arquitetos, imbuídos pelo valor do locus, ensaiam experiências semelhantes, mas aliadas a uma componente tecnicista, que através de um processo metafórico, idealizam edifícios à semelhança da envolvente. Os edifícios tornam-se, assim, nexos [arqui]tectónicos do contexto em que se inserem, incorporando as suas qualidades sensoriais e enaltecendo a sua atmosfera, que na perspetiva de Trías6, segundo Hipólito “[…] é constituído pelo nexo entre o território e o corpo. […] ” (Hipólito, 2011, p. 7). […] o ambiental, o ambiente, é constituído pelo nexo entre o território e o corpo. Envolve-o como âmbito que o circunda e instala-o num território. A arquitetura e a música são artes ambientais que dão forma a um ambiente e que determinam o caráter e a qualidade da “atmosfera” ou do ar que se produz entre o corpo e o ambiente […] “, o que põe a arquitetura como um sistema relacional entre o corpo, o espaço e o território […] (Trías, Hipólito, 2011, p. 7) 5 Bernard Rudofsky (1905-1988) foi um arquiteto e teórico cultural. Para além de ensaios sobre a arquitetura e design, escreveu também sobre vestuário, calçado e hábitos do quotidiano. Lamentando a perda de consciência sensorial do homem tecnológico e industrializado, reiterou nos seus estudos a necessidade de uma reflexão sobre às práticas rudimentares como forma de sensibilizar novamente o homem sobre as qualidades sensoriais das coisas que o rodeiam. 6 Eugenio Trías Sagnier (1942/2013) foi um escritor e filósofo espanhol. Aplicou as suas ideias nos campos da ética, da reflexão política, do pensamento histórico-filosófico, da teoria do conhecimento, da filosofia da religião, da ontologia e da arte e estética, sendo os dois últimos os seus âmbitos preferidos. Entre a sua vasta obra, encontram-se “La filosofia y su sombra (1969), “Teoría de las ideologías (1970), “La dispersión (1971) e “Metodologia del pensamiento mágico (1971). Humberto José Barros da Silva 29 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A capacidade do ser poder experimentar o mundo sensorialmente reverte-nos para o conceito de imaginação corpórea […] O corpo articula o mundo. Simultaneamente o corpo é articulado pelo mundo. Quando “Eu” apreendo o betão como sendo qualquer coisa fria e dura, “Eu” reconheço o corpo como sendo quente e macio. Deste modo o corpo na sua relação dinâmica com o mundo torna-se o Shintai. O Shintai é um ser sensível que responde ao mundo. (Frampton, 1998, p. 30,32) Será, portanto, neste princípio – da troca de metáforas corpóreas entre o nosso corpo, o território e o corpo da arquitetura – que se fará referência à arquitetura vernacular no presente estudo, sob uma perspetiva da sua remanescência na arquitetura contemporânea portuguesa, pela relação que ambas estabelecem com o lugar. O exercício de invenção é central, porque parte da perceção e da memória em direção ao que ainda não é, mas este exercício não é casual ou gratuita violação do já constituído, mas sim busca contínua de uma ordem nova e diversa. Instituição de uma nova possibilidade, de uma nova experiência do mundo acionada materialmente. [...] A problemática da fundação de uma «pedagogia da invenção» deve, sem dúvida, passar através das técnicas da manualidade e da perceção, da existência física (enquanto técnicas que nos adestram no encontro com a realidade e com a matéria por meio do próprio corpo), e deve saber aproveitar as técnicas da psicologia da expressão como técnicas de resposta e de autenticidade [...] (Gregotti, 2004,p. 29) E como se poderá restabelecer, sensorialmente, a presença do nosso corpo na relação corpórea entre a arquitetura e o lugar, entre o artificial e o natural? A resposta seria, na medida em que “ […] o corpo reconstitui o mundo através da apropriação táctil da realidade […] ” (Frampton, 1998, p. 30). Neste sentido a materialização de um edifício é produto da sensibilidade do autor no reconhecimento dos fenómenos e qualidades sensoriais que formalizam o território, determinando o tipo de abordagem ou estratégia de projeto a ser preconizado em função dessa leitura. A metáfora constitui, assim, um processo humano pelo qual o arquiteto, enquanto utente e projetista, entende e estrutura os diversos domínios da experiência no processo de projeto. E sobre esta relação metafórica do homem com o mundo percebido, Frampton7 refere que: Desta distância, ou melhor, através do viver desta distância, o espaço circundante manifesta-se como uma coisa dotada com vários sentidos e valores. Porque o Homem tem uma estrutura fisionómica assimétrica, com uma parte superior e inferior, esquerda e direito, frente e costas, o mundo articulado torna-se por seu turno num espaço heterogéneo. O mundo que se dá aos sentidos e ao estado do corpo tornam-se assim 7 Kenneth Frampton, arquiteto britânico, nascido em 1930, no seu ensaio “Introdução ao Estudo da Cultura Tectónica”, fala sobre interdependência entre o mundo percebido e o homem que o apreende, o que designa de “Metáfora Corpórea”, baseando-se no princípio da “Imaginação corpórea”, proposto por Gianbattista Vigo na «Scienza Nuova» em 1730. Humberto José Barros da Silva 30 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa interdependentes. O mundo articulado pelo corpo é um espaço vivido, habitado. (Frampton, 1998, p. 31) Rossi8 fala-nos do valor do locus, “entendendo-o como uma relação singular e no entanto universal, que existe entre uma certa situação local e as construções aí localizadas” (Rossi, 2001, p. 151). Neste sentido, o que sustenta-se aqui, essencialmente, sobre a arquitetura vernacular é o poder da sua imagem autóctone enquanto fonte de inspiração para arquitetura contemporânea, pela ligação ao local de construção, através dos materiais do próprio local. Ilustração 1 – Museu do Côa - O betão enquanto metáfora do xisto. (Ilustração nossa, 2015) Ilustração 2 – As Piscinas de Leça, Siza Vieira – A simbiose entre as plataformas de betão aparente e as rochas. (Siza, 1999, p. 60) Ilustração 3 – Signal Box, Suíça – A relação entre a “pele” de cobre do edifício e os carris da linha férrea. (Herzog & de Meuron, 1996, p.34) Ilustração 4 – Termas de Vals, Suíça, Peter Zumthor – A relação entre a pedra (basalto) e a montanha. (Vagón 293, 2015) 8 Aldo Rossi (1931-1997) foi um arquiteto e teórico italiano. Figura proeminente da “Escola de Veneza” e pioneiro na releitura da arquitetura do iluminismo e do modernismo, refundamentou o conhecimento, a teoria e o processo da composição arquitetónica na história e na dinâmica dos processos urbanos. No seu ensaio “A Arquitectura da Cidade” faz referência ao termo genius loci no mundo clássico, referindo-o como uma divindade local, que presidia tudo o acontecia nesse mesmo lugar. Humberto José Barros da Silva 31 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Esta influência que a arquitetura vernacular exerce sobre a arquitetura contemporânea, não ocorre de uma mera imitação, mas sim de um processo de interpretação, ancorado num suporte conceptual que determinará a materialização do edifício em função do seu contexto. Pois na perspetiva de Braizinha: […] não existiria evolução do conhecimento humano se simplesmente se imitasse no sentido denotativo do termo imitação. Imitar pressupõe que existe um entendimento das bases que estão no suporte da ideia, adaptando-as a novos conceitos, formas e aplicações defende na perspetiva que tem a partir do conhecimento. […] (apud González, 2006, p. 26) O mesmo autor refere ainda “que o facto de a imitação ser imagético, no sentido e na medida em que está ligada às imagens que criam arquétipos, o que é certo é que o arquétipo é em si a imagem livre de imitação e carregado de interpretação.” (González, 2006, p. 27). Portanto a relação da arquitetura vernacular estabelece com seu contexto físico é evocada pela arquitetura contemporânea numa perspetiva poética, através da materialidade como veículo de expressão e entendimento das valências do território na materialização do objeto arquitetónico. Nos exemplos apresentados o artificial assemelha-se ao natural, através de um processo metafórico de criação, ditado pela matéria do território. 2.1.1. A UNIVERSALIDADE DA ARQUITETURA VERNACULAR Etimologicamente, ‘vernáculo’ é qualidade do que é próprio do país ou da região a que pertence, deriva do latim ‘vernaculu’, que significa «escravo nascido em casa». A number of attempts have been made to find an overall definition of vernacular architectutre. It is not surprising that these attempts have been unsuccessful for the term is used to embrace an immense range of building types, forms, traditions, uses and contexts. […] “ (Oliver, 1997, p. 21) Antes de qualquer abordagem sobre exemplos arquitetónicos que evidenciam a universalidade da arquitetura vernacular, importa ver antes de mais, a inúmeras designações que a caracteriza. Sendo que o termo ‘vernacular’, pelo seu significado, tornou-se o mais adequado para englobar a enorme diversidade das construções que se enquadram nas expressões populares deste tipo de arquitetura, em detrimento de outros termos implícitos, mas pouco mencionados. “Vernacular architecture is now the term most widely used to denote indigenous, tribal, folk, peasant and traditional architecture […] “. Contudo “The Encyclopedia of vernacular architecture of the world” define a arquitetura vernacular do seguinte modo: Humberto José Barros da Silva 32 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Vernacular architecture comprises the dwellings and all other buildings of the people. Related to their environmental contexts and available resources, they are customarily owner- or comunity-built, utilizing traditional technologies. All forms of vernacular architecture are built to meet specific needs, accomodating the values, economies and ways of living of the culture that produce them. (Oliver, 1997, p. 23) Uma vez que não existe uma abordagem específica para o estudo da Arquitetura Vernacular, as diversas investigações levadas a cabo sobre este tipo de construções desempenham um papel fundamental para o seu conhecimento, não deixando, no entanto, de revelar-se uma disciplina complexa no seu escrutínio, pela diversidade de perceções que várias direções de pesquisa trazem até a ela. Existem, pois, abordagens arquitetónicas que evidenciam diversas motivações na sua origem, e que, por sua vez, implicam diferentes métodos de estudo utilizados para percebê-las. Além disso, um investigador de determinada área terá, certamente, interesses profissionais que irão influenciar, de algum modo, a direção da sua investigação e as provas e conclusões apresentadas para apoiar a sua teoria. Como resposta à incomensurabilidade que abarca os domínios da arquitetura vernacular, a “Encyclopedia of vernacular architecture of the world”, estabeleceu uma estratégia interessante de abordagens e conceitos que sintetizam o estudo desta arquitetura, através de um denominador comum a diversas culturas que a praticam. Entre esses conceitos destacam-se: a) O Estético – está relacionado com ideias de qualidade e valor das edificações. b) O Antropológico – aborda os edifícios como artefactos culturais, que podem ser reveladores da sua relação com a família, a estrutura social e os costumes. c) O Arqueológico – faz referência aos antecedentes arquitetónicos revelados por pesquisas [etno]arqueológicas, comparando o uso do edifício contemporâneo com o registo de artefactos, para identificar os primeiros estilos de vida. d) O Arquitetónico – pode desvendar princípios tecnológicos e organizacionais e trazer técnicas de análise de edifícios vernaculares que podem influenciar, positivamente, futuros edifícios, contribuindo para uma produção arquitetónica de todos os tempos, portanto intemporal. Humberto José Barros da Silva 33 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa e) O espacial – refere que habitar um determinado espaço é uma experiência compartilhada universalmente. Mas cada espaço está profundamente imbuído de valores culturais específicos, que caracterizam a identidade de um povo. f) O Cognitivo – revela padrões comportamentais numa comunidade rural ou urbana, refletindo perceções cognitivas da compreensão do indivíduo sobre o modo como assimila mentalmente o edifício e a sua envolvente. g) O Fenomenológico – busca identificar a natureza experimental do lugar, e a forma como este afeta o edifício por dentro e por fora. h) O Ecológico – refere-se ao habitat vernáculo como parte de sistemas naturais do ambiente, pela sua construção com materiais que a própria natureza fornece. i) O Desenvolvimento – avalia o potencial dos edifícios tradicionais para responder aos problemas habitacionais da atualidade, sejam económicos, ecológicos, culturais, técnicos, estéticos, entre outros. j) O Etnográfico – baseia-se na descrição das comunidades e das suas práticas em relação às estruturas que constroem. k) O Geográfico – considera os padrões de ocupação e edificação vernacular no seu ambiente topográfico e locais espácio-económicos, em escalas que vão do regional ao continental. Ilustração 5 - The Esthetic- “Internal courtyard, Kawall Kanjiro house, Kyoto, Japan (Oliver, 1997, p.5) Humberto José Barros da Silva Ilustração 6 - The Anthropological - “Anthropomorphism in the idealized plan of a Dogon settlement” (Oliver, 1997, p. 7) 34 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 7 – The Espacial – “Plan of a Mongol yurt showing spatial differentiation including altar, male and female quadrants. Variants have been recorded”. (Oliver, 1997, p. 61) A arquitetura vernacular, para além de expressar a identidade e a cultura de um povo, caracteriza de forma particular o seu modo de habitar e de intervir no território. É “[…] uma lição de qualidade e adaptação às condições do meio, de saber construir ligado à paisagem […]” (Amorim, 2010, p. 67) Na sua pluralidade tipológica manifestam-se diversos condicionalismos – geográficos, económicos, sociais e culturais – locais e das comunidades que as constroem e habitam. Estas implicações traduziram-se numa diferenciação regional pela utilização de materiais e recursos do próprio local de intervenção, pela adaptação às especificidades climáticas, aos costumes do quotidiano da comunidade e respetiva atividade económica. Condicionalismos regionais que materializaram-se em modos de construir distintos, mas comuns pelo facto de serem desenvolvidas segundo estratégias empíricas de adaptação ao meio ambiente. Humberto José Barros da Silva 35 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A arquitetura vernacular é, assim, uma arquitetura de produção que não se revê em dogmas arquitetónicos, mas sim na diversidade tipológica que caracteriza os modos de habitar de um povo e da sua região, que tem como denominador comum em todos os universos culturais os materiais e recursos locais. É, portanto, na diversidade de recursos materiais do território que reside toda a riqueza e essência da arquitetura vernacular. É do fator local que advém toda a sua autenticidade, porque os territórios diferem e com eles difere o clima, a cultura, os hábitos e modos de habitar. A intensa carga telúrica do território sobre este tipo de construções deriva do simples facto de serem construídos com os materiais do terreno em que se erguem, estabelecendo uma certa harmonia com o ambiente em que se localizam. “As fontes da matéria-prima quase sempre estão próximas da obra – tira-se a terra do solo e constrói-se ao lado […] ” (González, 2006, p. 32). Ou seja, em zonas graníticas, constrói-se em granito; em zonas xistosas, constrói-se em xisto; em zonas de solos calcários, utilizam-se alvenarias de argamassa; e em zonas de maior predominância do barro, argila, areia e cal, constrói-se em taipa ou adobe, e assim sucessivamente. O território torna-se, literalmente, matéria de construção, elemento ativo que formaliza linguagens e modos diversificados de edificar consoante a sua localização geográfica. Ilustração 8 – “Environment” – “Nine Climatic zones for Vernacular architecture. (Oliver, 1997, p. 128) Humberto José Barros da Silva 36 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 9 - “Desert”- Papago summer village with round house (vahkl) and shade roof (ramada), Southern Arizona, USA. (Oliver, 1997, p. 133) Ilustração 10 - “Continental”- Winter hut of the Saml, orthern Scandinavia. (Oliver, 1997, p. 131) Ilustração 11 - “Mediterranean”- “Shaded whitewashed street Naxos, Cyclades Islands (Olivver, 1997, p. 135) Ilustração 12 - “Montane”- Plan, sections and elevations of a double enclosure, aerodynamic shepherd’s hut on montane pasture, Velika Plana,SubAlps. (Olivver, 1997, p. 137) Ilustração 13 - “Subtropical”- “Painted wooden house with generous porch to provide shade on the south side, Charleston, South Carolina,United States” (Oliver, 1997, p. 134) Ilustração 14 - “Maritime”- North Hungarian House, type with stepped thatched roof (Oliver, 1997, p. 138) Humberto José Barros da Silva 37 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 15 - “Earth construction”- Clay lump workshop at Garboldisham, Norfolk, England. Walls are of clay lump on a plinth of flint rubble, repaired with brick at right corner. Top left: a) Clay lump mould; b) clay lump with key for plaster and its mould; c) Moulding press; d) Clay lump. (Oliver, 1997, p. 212) 2.1.2. CONSTRUÇÃO EM TERRA “A construção em terra é um sistema construtivo que ultrapassa qualquer horizonte da memória edificada. Trata-se de um sistema simples de construção que sucede naturalmente à utilização da caverna como unidade básica residencial.” (González, 2006, p. 25) Descobrir a origem da construção em terra, bem como as alterações a que foi sujeita ao longo dos séculos, é descobrir a génese da expressão cultural de civilizações que vão desde a antiguidade mesopotâmica, egípcia, europeia, africana; do Médio Oriente, às civilizações romanas e muçulmanas, e às asiáticas hindu e chinesa. O velho Egipto, por exemplo, afirma-se pelas suas belas construções em pedra, mas a ausência deste material na grande zona entre o rio Tigre e o Eufrates fez desenvolver a magnífica arquitetura em terra que abrangeu todo o norte de África, o Magreb e a própria Europa. Embora atualmente já se tenha um conhecimento mais aprofundado dos métodos e formas de construir em terra, mantém-se a dificuldade de sabermos exatamente a origem deste modo de edificar. Contudo não deixa de ser interessante e justificável, de certo modo, este enigma da origem da terra como material de construção por excelência, pelo simples facto de ser uma matéria ubíqua, que, fornecida pelo solo, encontra-se, praticamente, em qualquer parte do mundo, e consequentemente a sua origem construtiva torna-se inconclusiva. Pode-se dizer, no entanto, que o Mediterrâneo foi o elo de povos que trouxe até à Europa os conhecimentos sobre este tipo de construção, desenvolvida pelas grandes civilizações Hindu, Egípcia e Mesopotâmica. Humberto José Barros da Silva 38 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Pela descoberta de habitações à base de blocos de terra (adobe) no atual Turquemenistão, datadas de um período entre 8.000 a 6.000 a.C., com as construções na Mesopotâmia entre 5.000 a 4.000 anos a.C. e com os exemplares de blocos de adobe descobertos na bacia do rio Tigre há 7.500 anos a.C., estima-se que o Homem tenha começado a construir com terra há cerca de 9.000 a 10.000 anos a.C. Embora não seja consensual o período exato,“ […] não se estará muito longe da verdade se se admitir que a construção em terra tenha tido o seu início juntamente com o início das primeiras sociedades agrícolas num período cujos conhecimentos atuais remontam entre 12.000 a 7.000 a.C. […] ” (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 10). No entanto, são inúmeros os casos de construções em terra, que executadas há milhares de anos, ainda se encontram erguidas atualmente. A grande Muralha da China, construída ao longo de 2.000 anos, por ordem de 13 dinastias, apresenta troços bastante extensos construídos em taipa, sendo que muitos troços foram posteriormente revestidos com alvenaria de pedra. Ilustração 16 – Utilização de taipa na Grande Muralha da China. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 11) A pirâmide de Uxmal, no México, construída entre os séculos VI e X, é um exemplo de uma mega estrutura construída com terra. O seu centro é de terra compactada e o exterior é recoberto de pedras. A pirâmide do Sol, também no méxico, tem no seu núcleo aproximadamente dois milhões de toneladas de terra compactada. Humberto José Barros da Silva 39 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 17 – Pirâmide do Sol de Teotihuacan, México. (Torgal, Eires e Jalali 2009, p. 13) As construções em terra são comuns na América central. As ruínas da cidade de Chanchán no Perú constituem um dos mais antigos conjuntos arquitetónicos feitos com terra. Entre as construções mais antigas à base de terra, inclui-se também o povoado de Taos, no estado do Novo México, que foi erguido entre 1000 e 1500 D.C., com paredes de argila seca ao sol, reforçada com fibras vegetais. É também um dos povoados indígenas mais bem conservados do estado, uma vez que as restantes foram completamente descaracterizados pelos atuais moradores. Ilustração 18 – Edificações em terra, Povoado de Taos, Novo México. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 13) Um dos grandes exemplos de construção à base de terra à escala urbana é a cidade de Shibam, no Iémen. Ainda hoje habitada, esta cidade teve origem no séc. III, embora os edifícios que persistem atualmente sejam, na sua maioria, do séc. XVI. É composta por edifícios que possuem entre 5 a 11 andares, construídos em adobe cuja espessura se estreita gradualmente nos andares superiores para aligeirar o seu peso e melhorar a estabilidade. Humberto José Barros da Silva 40 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 19 – Edifícios em Adobe, Shibam, Iémen. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 14) Mas a maior construção em adobe de todo o mundo é a cidade Arg-é Bam, no Irão, construída há 2.000 anos sobre a antiga fortaleza de Bam. Um dos aspetos mais interessantes nesta cidadela, para além da sua escala, são as torres captadoras de vento – dispositivos naturais de ventilação, construídos para suportar as extremas condições climáticas que assolam as cidades Iranianas. Atualmente, a cidadela encontra-se desabitada devido ao sismo que a devastou em 2003. Entre as construções monumentais à base de terra, destaca-se ainda a Grande Mesquita de Djenné, no Mali, um dos maiores edifícios em adobe do mundo. Ilustração 20 - Cidade de Arg-é Bam, Irão. (Fundación Cultural Oriente, 2015) Humberto José Barros da Silva Ilustração 21 - A Grande Mesquita de Djenné, Mali. (Condé Nast Traveler, 2015) 41 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 22 – Plano da cidade de Arg-E-Bam antes do sismo. (Auroville Earth Institute, 2015) Sobre o panorama mundial e atual deste tipo de construções, estima-se que “quase 50% da população mundial vive em habitações feitas com terra, qualquer coisa como 3.000 milhões de indivíduos […] e as projeções existentes apontam para que nas próximas 3 décadas, esse valor possa chegar a 9.000 milhões” (Jalali, 2009, p. 17/18) Ilustração 23 – Mapa-mundo – Zonas do globo com elevada densidade de construção em terra (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 17) Humberto José Barros da Silva 42 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 2.1.3. ARQUITETURA VERNACULAR PORTUGUESA O panorama nacional da construção em terra Na Península Ibérica, a construção em terra terá surgido por influência de diversos povos, entre os quais os Fenícios, Cartagineses, Romanos e Muçulmanos. Tendo sido maior a influência por parte dos últimos, que foram os que mais divulgaram este tipo de construção. Em Portugal, de uma forma genérica, a construção em terra abrange predominantemente a zona sul do país, nomeadamente, a região do Algarve, Alentejo, a zona do Ribatejo e finalmente inflete para o litoral, abrangendo a zona de Aveiro. A abundância deste tipo de construção nestas zonas verifica-se naturalmente por razões de ordem geográfica e mais concretamente por razões geológicas, uma vez que são zonas com solos de escassas reservas de pedra para a construção, e maior predominância do barro, xisto, argila, areia e cal. São zonas onde as construções eram feitas usando os materiais que existiam no local. “As fontes da matéria-prima estão quase sempre próximas da obra – tira-se a terra do solo e constrói-se ao lado […] ” (González, 2006, p. 32). Ilustração 24 – Distribuição geográfica das construções tradicionais portuguesas em terra: a) Taipa; b) Adobe; c) Tabique (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 16) Humberto José Barros da Silva 43 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A resistência deste tipo de construção e os seus processos de execução permitiram a preservação, até a atualidade, de elementos arquitetónicas importantes em Portugal. Recordemos a zona antiga da Albufeira que se mantém em taipa, como a maior parte das construções do último período em que muçulmanos dominaram a Península Ibérica. Dela encontramos exemplos importantes em Mértola, no bairro muçulmano; ou exemplos de arquitetura militar islâmica em taipa, como o Castelo de Paderne ou de Silves, com taipa forrada a pedra vermelha grés. Estes exemplos, e ainda uma parte da muralha fernandina de Lisboa, com longos séculos de existência, comprovam a resistência destas construções à base de terra. Silves, por exemplo, antiga capital muçulmana do Algarve «ALGHARB D’AL ANDALOUS», possui um vasto património de Arquitetura de Terra, de origens romanas, obras que demonstram uma longevidade admirável. Ilustração 25 - Castelo de Paderne, Algarve (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 15) Ilustração 26 - Castelo de Silves, Algarve (Urry, 2015) Este tipo de construção compreende dois métodos de execução distintos: a taipa, técnica que consiste na execução de paredes autoportantes “in situ”; e o adobe, blocos de terra moldada. Na construção em taipa, enche-se um espaço de 0,50 metros, entre os taipais, de uma massa constituída por terra, argila, cal e pequenas pedras, que será depois vigorosamente apiloada por um longo período, para que fique bem comprimida, garantindo a coesão dos elementos que a constituem. A terra é compactada em camadas de aproximadamente 10 cm, até preencher todo o taipal, este é posteriormente removido e recolocado para a camada seguinte. A forma de encaixe entre camadas é feita na horizontal ou ligeiramente inclinada para reforçar o travamento entre as mesmas. As fundações destas paredes de terra são tradicionalmente executadas em alvenaria de pedra, de modo evitar a humidade nas paredes. Humberto José Barros da Silva 44 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 27 – Sistema de taipal tradicional com aperto por cordas. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 36) Ilustração 28 – Pilões ou maços utilizados na taipa tradicional. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 37) Ilustração 29 - Construção em taipa tradicional (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 35) Para além da taipa tradicional, desenvolveu-se, com o aparecimento de novas tecnologias, a taipa mecanizada – um novo sistema de produção de taipa executado com o mesmo princípio de produção da taipa tradicional, diferindo apenas na qualidade das superfícies, dimensões e meio de compactação. A cofragem pode ser amovível conforme as dimensões utilizadas, recorrendo-se a moldes de madeira ou de metal. No entanto, o tipo de moldes dependerá sempre da textura que se pretende obter. A compactação da terra é realizada através de um compactador pneumático, otimizando desta forma a eficácia e o tempo de execução da obra. Humberto José Barros da Silva 45 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 30 - Construção em taipa mecanizada com cofragens metálicas. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 38) Já a construção em adobe apresenta um processo de produção mais simples e talvez por isso mais utilizado nas construções antigas. O termo adobe deriva do árabe “attob” e significa tijolo seco ao sol, o que revela exatamente o processo de endurecimento do material. Pensa-se que esta técnica tenha sido introduzida na Península Ibérica durante a ocupação árabe. No sul do país, como já foi aqui referido, são frequentes os edifícios em alvenaria de adobe, devido à predominância de solo arenoso. O seu fabrico consiste na moldagem da terra em pequenos moldes paralelepipédicos de madeira, que são enchidos com uma massa feita com mistura de terra, argila e cal. Estes blocos de terra, designados, também, de “formigão” (se na sua constituição for misturada palha ou fibras vegetais para reforço da massa), depois de retirados os moldes, são secos ao sol durante semanas para adquirem boa resistência, que permita depois o seu uso na construção. Depois do processo de secagem, a forma de construir em adobe é semelhante a do tijolo convencional, sendo que o assentamento dos blocos é realizado com argamassa à base de terra, a fim de obter melhor junção entre a argamassa e os blocos, uma vez que se mantém o mesmo nível de retração, evitando-se, assim, o aparecimento de fissuras na superfície das paredes. Tal como a taipa, o abobe também pode ser produzido através de processo mecanizado, utilizando máquinas semelhantes às agrícolas, o que possibilita um processo de fabrico mais rápido. Humberto José Barros da Silva 46 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 31 - Produção manual e secagem do adobe. (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 42) Ilustração 32 - Produção mecanizada do adobe (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p.45) Tal como a pedra, que tem várias composições que lhe conferem caraterísticas específicas de resistência, também quer o adobe quer a taipa, conforme as dosagens e o tipo de argila e cal empregues, poderão adquirir características diversas, que lhe conferem um estatuto de material de construção por excelência. “ […] Um material que pelas suas características económicas, construtivas e ambientais poderá permitir o renascer da arquitetura regional”. (Pinheiro, 1991, p. 9) Mas o grande desenvolvimento da construção em terra veio, no entanto, a revelar-se nos países do Norte de África. Onde a tecnologia evoluiu de forma exponencial ao longo do tempo. Nas construções do Burundi e Marrocos, por exemplo, a modelação da taipa eleva as formas arquitetónicas a níveis de organicismo incríveis. Em Marrocos, por exemplo, desenvolveu-se uma técnica de construção em adobe, designado de “Adobeton” – adobe com revestimento em betão –, que consiste numa tecnologia de construção de paredes exteriores em adobe com camada protetora das Humberto José Barros da Silva 47 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa intempéries do exterior em elementos de betão prefabricados, aumentando deste modo a resistência e durabilidade das superfícies, e conferindo-lhes um caráter mais industrial. Ilustração 33 - Construção de parede em "Adobeton" (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 46) Como já referido, seja por razões de ordem económica, cultural, estética, de sustentabilidade, ou mesmo no sentido de uma continuidade ou harmonia com o lugar e a sua história, a exaltação do imaginário vernacular tornou-se no novo paradigma da arquitetura contemporânea, seja por via da metáfora como veículo de exaltação, seja por necessidade de salvaguarda e renovação destes ancestrais métodos de edificar. A título de exemplo, veja-se o caso do projeto vencedor do concurso organizado pela Trienal de Lisboa9 em parceria com a Trienal de Luanda. O concurso versava o tema “Casa em Luanda: Pátio e pavilhão”, e procurava uma solução que se enquadrasse nesses padrões, sendo desenvolvido para albergar famílias constituídas por 7 ou 9 pessoas. 9 A Trienal de Arquitetura de Lisboa é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é investigar, dinamizar e promover o pensamento e a prática em arquitetura, realizando a cada três anos um fórum de debate, reflexão e divulgação que cruza fronteiras disciplinares e geográficas. A primeira trienal, intitulada “Vazios Urbanos”, realizou-se em 2007. Humberto José Barros da Silva 48 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa As propostas teriam que privilegiar a sustentabilidade do seu processo construtivo, podendo considerar-se, no entanto, a sua execução de modo faseado ou até mesmo a autoconstrução por parte dos seus futuros moradores. A equipe vencedora apresentou uma proposta de habitação em taipa de pilão, composta por seis pátios ligados por um corredor central que articulam-se com os diferentes ambientes e espaços da casa. O projeto destaca-se pelo uso da taipa como resposta aos requisitos programáticos, mas também como resposta à cultura e ao território árido a que se destina. Apesar desta técnica de construção ancestral, a proposta assenta numa lógica perfeitamente adaptada aos usos e padrões contemporâneos. O recurso ao método de construção em taipa é claramente uma exaltação da arquitetura vernacular enquadrada num contexto contemporâneo. Uma proposta inspirada a partir do contexto geográfico a que se destina – um território que se enquadra num continente cuja construção em terra apresenta um historial milenar. Neste sentido, o território apresenta-se como matéria construtiva (no sentido literal) e compositiva (numa referência cultural do território). Ilustração 34 – Casa em Luanda – Imagem virtual da proposta (Ilustração Nossa, 2010, Trienal de Lisboa) Segundo os arquitetos, o projeto define “uma casa onde o interior se comunica permanentemente com o exterior. “Um interior íntimo e protegido, onde cada membro da família pode ter a sua privacidade e autonomia”. A escolha da taipa como único material para a construção da casa é suportada pela ideia de que a riqueza e diversidade da proposta ficassem evidentes na riqueza da tipologia, do espaço e da luz, e não na diversidade de materiais aplicados. Humberto José Barros da Silva 49 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 35 – Casa em Luanda – Esquema da evolução concetual da proposta (Ilustração Nossa, 2010, Trienal de Lisboa) Ilustração 36 – Casa em Luanda – Maqueta e fotomontagem da proposta (Ilustração Nossa, 2010, Trienal de Lisboa) Esta proposta é mais um testemunho do papel fundamental que a arquitetura vernacular desempenha no panorama da arquitetura contemporânea, que se quer diversificada mas autêntica, estando intrinsecamente vinculada ao seu contexto geográfico e cultural. A arquitetura contemporânea pode avançar se tiver em conta as fontes vernáculas. A reinterpretação perpetua a tradição local, ao mesmo tempo que incorpora novas ideias com origem na mesma região ou em outras mais distantes. Desta maneira, as tradições locais fortalecem-se e renovam-se graças às novas influências, todo este processo evita a estagnação. (Bahamón e Álvarez, 2009, p. 99) Humberto José Barros da Silva 50 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A dinâmica formativa à volta da construção em terra, bem como o entusiasmo com que novas gerações de arquitetos encaram este tema, ainda não tem grande expressão em Portugal. No entanto, é importante referir que apesar de constituírem, atualmente, uma percentagem diminuta em termos de mercado imobiliário nacional, vão tendo já lugar várias obras de construção em terra, sendo que a sua incidência se faz sentir mais no sul do país. O nosso futuro depende do nosso passado e do nosso presente. Assim, a modernidade precisa desta continuidade que liga a obra passada, a ação presente, a construção do futuro. E o nosso objetivo terá de ser a qualidade da vida futura – não da nossa técnica, mas das populações. É preciso então recuperar, reavaliar e reabilitar as técnicas ancestrais e humanas com o que somos hoje, com a nossa sensibilidade. (Braizinha, 1993, p. 6) Ilustração 37 – Habitação unifamiliar construída em taipa, pedra e madeira, Beja (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 23) Ilustração 38 – Adega (Torgal, Eires e Jalali, 2009, p. 23) A constituição do território português A singularidade das culturas é feita de pequenos e singulares acontecimentos que nos distinguem e nos individualizam. Factos históricos, representações culturais imateriais e realizações materiais concretas, tais como edificações e artefactos, que têm uma importância determinante na caracterização cultural de um povo. É assim que o património português tem um papel fundamental para a compreensão do nosso território, da nossa história, da nossa cultura, do modo de ser e estar na vida. Partindo do lugar enquanto espaço físico e humano, com as suas características próprias, ordenou-se um território e edificou-se um país. Este processo longo e gradual foi acompanhado por desenvolvimentos e transformações na estrutura social e económica da população. Humberto José Barros da Silva 51 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Mas o “conhecimento de um lugar, de uma região ou de um país pressupõe conhecer as artes e os ofícios que lhe conferem vida, que lhe deram a individualidade que os caracteriza.” (Fernandes, 2006). Graças aos operários das mais diversas áreas, podemos hoje entender o percurso de Portugal na História, através das obras edificadas, das mais eruditas às mais populares. No entanto, como referiu Fernando Távora, “particular atenção deverá ser dada à arquitetura tradicional, porque a casa popular fornecer-nos-á grandes lições quando devidamente estudada, pois ela é a mais funcional e a menos fantasiosa, numa palavra, aquela que está mais de acordo com as novas intenções." (Távora, “O Problema da Casa Portuguesa”, 1947) A arquitetura tradicional, profundamente ligada aos lugares e às suas comunidades, formaliza-se, como é comum em todas as construções tradicionais, a partir dos recursos e materiais locais, sendo que a componente artesanal do saber construir desempenha um papel preponderante em todo o processo. Os artificies, anónimos mestres na arte da construção tradicional, possuem técnicas ancestrais e de conhecimentos únicos. São eles que, com experiência herdada de gerações, tão bem constroem a imagem tradicional do povo português, partindo do caráter próprio de cada região para a construção de uma identidade nacional tão coesa e singular quanto diversa. De contornos bastante irregulares, o território português apresenta uma linha de costa bastante extensa, com 812 km e uma fronteira terrestre com a Espanha que se prolonga por 1215 km de comprimento. Da sua posição marginal relativamente à Península Ibérica, resulta uma certa continuidade nas formas e na topografia, que se prolongam do outro lado da fronteira, sem que esta, na sua maior extensão, tenha origem em acidentes naturais bem vincados. A semelhança do relevo é notória quer no Norte do país, onde o planalto de Trás-os-Montes parece prolongar os planaltos de Castela-a-Velha e de Leão, quer no Sul, onde a província do Alentejo apresenta a mesma continuidade em relação às formas topográficas de Castela-a-Nova e da Estremadura espanhola. No centro, é a cordilheira central, representada pela Serra da Estrela, que surge como último elemento de um conjunto de elevações que, seguindo uma direção NordesteSudoeste, atravessam o centro da península. Humberto José Barros da Silva 52 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Marginalmente são os vales profundos do Douro, Tejo e Guadiana que, seguindo diversas direções, transportam para o oceano as águas nascidas respetivamente nas serras de Urbion, de Albarcin e na lagoa de Ruidera. Do ponto de vista geológico e estrutural, o território é formado por três grandes unidades, diversas entre sim na origem, na litologia e na própria evolução das formas representadas, provenientes de ações tectónicas e processos erosivos diferenciados. Estas unidades estão representadas pelo Maciço Antigo ibérico, pelas Orlas Sedimentares-Ocidental e meridional e ainda pelas bacias do tejo e do Sado, de formação mais recente. O mais antigo e extenso das unidades é o Maciço Antigo ibérico, formado por rochas metamórficas, eruptivas e sedimentares, que cobrem quase sete décimos do território. Entre as formações mais antigas, destacam-se as rochas gneisses, micaxistos, quartzitos, calcários metamórficos e outras camadas acentuadamente comprimidas e enrugadas. Além destas, temos ainda os granitos e os diorites, que cobrem uma grande parte do território, concorrendo em extensão, com as formações xistosas circundantes. Estas encontram-se associadas a outras formações, nomeadamente os grauvaques, dando origem ao complexo-xisto-grauváquico, bastante representado entre o rio Tejo e a Serra da Estrela, e no vale do Douro. Humberto José Barros da Silva 53 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 39 – Esboço Litológico do território português (Moutinho, 1979, p. 15) As formações graníticas, com elevado teor de humidade, arenizam-se facilmente, dando origem a formas topográficas bem definidas, de caráter retilíneo, contribuindo deste modo para o desenvolvimento de vales amplos e férteis. Os xistos, pelo contrário, além de menos permeáveis do que os granitos, não sofrem de processos de arenização, pelo que o solos apresentam-se bastante secos e pobres. Os diferentes tipos de rochas correspondem a formas de relevo diversos, bem como tipos de ocupação humana, e consequentemente tipos de arquitetura distintos. Para além da estrutura geológica do território, os fatores do relevo e do clima, também, determinam diversos tipos de povoamento. O relevo português é constituído por blocos mais ou menos extensos e fraturados de planaltos cortados por vales e outras elevações resultantes da erosão diferencial que tem atuado sobre as formações geológicas. Desta complexidade de planaltos e enrugamentos resulta naturalmente uma diferente distribuição das altitudes. A sul do Humberto José Barros da Silva 54 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa rio Tejo, por exemplo, o predomínio das superfícies planas é notório, prevalecendo altitudes inferiores a 200 metros. Já a norte do rio predominam altitudes superiores a 400 metros, como por exemplo na Serra da Estrela. Ilustração 40 – Esboço do Relevo do território português. (Moutinho, 1979, p. 17) Ilustração 41 – Tipos de povoamento rural. (Moutinho, 1979, p.25) Ilustração 42 – As formas do Relevo: Escarpa de falha – A) No granito as escarpas e superfícies conservam-se bem e existe forte concentração de drenagem. B) Nos xistos, todas as formas são dissecadas por uma rede hidrográfica muito densa, conservando-se só algumas escarpas de falha e transformando-se as superfícies altas num mar de cabeços. (Ribeiro, Lautensach e Daveau, 1991, p. 175) Ilustração 43 – As formas do Relevo: Reboco de erosão: C) No granito, as escarpas são vivas, com ângulo bem marcado na base; as colinas isoladas na planície testemunham o retrocesso do flanco montanhoso; os vales principais são largos e de fundo plano entre vertentes abruptas; outros tipos de vales: a) de fratura, b) de rejuvenescimento lento. D) Nos xistos, passa-se gradualmente da montanha para a planície e não há montes-lhas; a rede hidrográfica é densa e o relevo muito dissecado. (Ribeiro, Lautensach e Daveau, 1991, p. 175). Humberto José Barros da Silva 55 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A repartição do relevo a norte e a sul obriga a uma distribuição distinta das populações e à diferenciação de modos de vida, assentes fundamentalmente nas atividades do setor primário. Assim, a adaptação da agricultura à irregularidade do relevo processouse através da construção de inúmeros socalcos, como demonstram as vertentes do Douro e as montanhas minhotas. Já as zonas mais baixas, embora apresentem uma grande extensão em área, os solos apresentam baixos índices de produtividade, devido à sua formação litológica, composta essencialmente por areia, aptos apenas para florestação. Ilustração 44 – Adaptação agrícola às vertentes do Douro através da construção de socalcos. (Centro de Inovação de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2015) Apesar da diversidade física do território, a existência de grandes unidades naturais com idênticas formas de relevo, de clima, de revestimento vegetal e da própria atividade humana sugere a divisão do território em províncias. Desta divisão, podemos distinguir as províncias em três grandes domínios climáticos, que irão influenciar a distribuição populacional pelas regiões a Norte, no Centro e a Sul. A desequilibrada repartição da população no território português, com maiores densidades ao longo da faixa litoral entre o Minho e o Tejo, ao longo dos vales dos principais rios, no Sul do país e no Algarve, não deixa de se refletir nas condições naturais já aqui referidas, como a litologia, o tipo de solos, o clima, o relevo e própria vegetação. Essas condições naturais, além de influenciar os fatores de distribuição, de crescimento e de atividade da população (predominantemente agrícola e pecuário), influenciam também o tipo de construção existente nas diversas regiões, um precário modo de habitar. Humberto José Barros da Silva 56 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A nenhuns condicionamentos a Arquitectura regional está mais vincadamente sujeita que à penúria do povo e aos materiais de construção. Uma na limitação de soluções, outros na sua efetivação. […] Para lá do que procuram conscientemente, há nas soluções um jogo espontâneo e belo de volumes, de aberturas ou de superfícies fechadas, de claros-escuros que o sol realça ao afagar uma parede caiada a que a tortuosidade do terreno deu vida. Conseguem uma superação do que a natureza e a dura vida lhes oferecem e, para tal, basta-lhes pegar na pedra, mesmo sem acarinhar, moldar a taipa ou empilhar o adobe, jogar com os tijolos e com os vazios, com a doçura da cal ou com a vivacidade da madeira, passar de quando em quando uma mancha de cor e, sem saberem regras de composição nem quererem ser mais do que esmerados, carinhosamente erguem o lar ou a oficina. (Amaral, 1988, p.387) Ilustração 45 – O ambiente agreste da região do Norte - Montes, O “Lugar”. (Amaral,1988, p. 131) Ilustração 46 – Alpendre de uma casa no Alentejo. (Amaral, 1988, p. 179) Na zona Sul do país, por exemplo, nas regiões alentejanas e algarvias, constituídas essencialmente por solos planos, ricos em calcário, areias e grés, ou xistos pouco ou nada cristalinos (como se poderá constatar no mapa litológico), abundam construções com paredes caiadas e pintadas de branco – um método que reduz a incidência dos raios solares sobre as casas, atenuando, assim, o calor tórrido que se faz sentir nestas regiões. Outro método de combate ao clima quente e seco compreende espaços exteriores de permanência, como alternativa ao interior quente das casas, como o alpendre ou uma varanda coberta, que resguardam do sol, conservando-se frescos. Os invernos temperados, alternados com dias soalheiros influenciam o caráter do espaço exterior contíguo à habitação que, pela criação dum alpendre ou de uma varanda alpendrada, constitui zona de transição climática entre o ambiente tórrido e o interior fresco. (Amaral, 1988, p. 179) Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal Este Inquérito foi um extenso trabalho realizado pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos entre 1955 e 1960, com iniciativa do então presidente Francisco Keil do Amaral, Nuno Teotónio Pereira, Fernando Távora, entre outros arquitetos. Humberto José Barros da Silva 57 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A pretexto da crise de identidade que assolava o país relativamente às diretrizes modernistas que proliferavam na Europa, Távora, em 1947, preocupado com a implementação de uma arquitetura nacional com valores próprios, lançou o alerta para a necessidade de renovação das intenções e ideias para uma arquitetura portuguesa que não se quer apenas moderna, mas identitária, consentânea com as suas necessidades e valores, e não estritamente racionalista ou funcionalista, como algumas produções arquitetónicas que proliferavam na Europa, imbuídos de um espírito progressista por vezes irrefletido. Com o alerta deste “Problema da Casa Portuguesa”, Távora deu, assim, o mote para o Inquérito à Arquitetura Popular, que viria a servir de ponte entre o tradicional e moderno em Portugal. Debate-se aqui um problema central do nosso pensamento. O da identidade. Casa portuguesa, em sentido lato espaço português, forma portuguesa, ambiente português, cultura portuguesa, etc., etc. O problema da identidade: num mundo de massificação e de internacionalização valerá a pena lutar pela individualidade e pela identidade? Mas como conjugar a individualidade e a identidade com a modernidade? Ou que modernidade para garantir ao homem e ao seu espaço a sua individualidade e a sua identidade? A identidade como condição de sobrevivência? (Távora,1993 p. 56) Contra às drásticas ruturas do modernismo com o passado, Távora sendo um defensor da continuidade, para quem a obra arquitetónica tem de ser entendida no contexto em que se insere, defendeu fervorosamente a efetivação de uma identidade nacional, alcançável apenas com o escrutínio dos valores da arquitetura tradicional e o modo como podem servir de referência para a evolução contextualizada da arquitetura portuguesa – um princípio que Kenneth Frampton defende no seu “Regionalismo Crítico”, referindo o seguinte: Para enveredar pelo caminho da modernização, será necessário jogar fora a cultura do passado que foi a raison d’être de uma nação? […] Daí se origina o paradoxo: de um lado, a nação tem de fincar raízes no seu passado, forjar para si mesma um espírito nacional e desfraldar essa reivindicação cultural e espiritual perante a entidade colonista. Mas, para poder tomar parte da civilização moderna, é necessário participar simultaneamente da racionalidade científica, técnica e política, o que muitas vezes exige o abandono puro e simples de todo um passado cultural. O facto é que nem toda a cultura pode suportar e absorver o choque da civilização moderna. E o paradoxo é: como modernizar-se e retornar às fontes? Como despertar uma velha civilização adormecida e se integrar na civilização universal […] (Frampton, Nesbitt, 2008, p. 505). A problemática da Casa Portuguesa exigia, portanto, uma perspetivação arquitetónica nacional “ […] atenta à necessidade de uma nova adequação social e histórica, interessada em desenvolver um processo próprio com diferentes coordenadas.” (Vieira, 1997, p. 9). Com a preocupação de articular as diretrizes do modernismo com Humberto José Barros da Silva 58 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa as necessidades de uma sociedade que se quer esclarecida quanto à sua identidade, surgiu a iniciativa de elaborar o Inquérito sobre o estudo do meio e da arquitetura tradicional portuguesa produzida até então, facto que veio a ser determinante para a obra de Fernando Távora, que destaca-se pelo reconhecido equilíbrio que estabelece entre a modernidade e a tradição. Como já foi referido, Távora foi, inicialmente, o impulsionador da ideia, ao propor um trabalho sério sobre o tema. Mas dois anos depois, Keil do Amaral pronunciou-se, também, sobre a necessidade de um trabalho do género, vindo posteriormente a afirmar-se como figura fulcral no lançamento e coordenação do Inquérito. Organizados em seis equipas repartidas por diversas regiões do país, estes arquitetos, muitos recém-licenciados, procederam a um estudo exaustivo da arquitetura popular, percorrendo cerca de 50.000 quilómetros de automóvel, tirando cerca de 10.000 fotografias, centenas de desenhos e levantamentos, e tomaram milhares de anotações escritas. Deste abundante material, foi preparado e lançado o livro “Arquitetura Popular em Portugal”. Para este trabalho estabeleceram-se disposições concretas e pormenorizadas sobre aspetos que convinha analisar, tais como: ocupação do território, estruturação urbana, materiais e processos correntes de construção, influência do clima, da economia, da organização social, dos fatores de evolução sobre os edifícios e os seus agrupamentos, e ainda uma análise das sínteses plásticas dos edifícios e das suas condicionantes. Nesta investigação procurou-se respostas sobre a prática da arquitetura na sua ligação essencial com os fatores geográficos, mas também no âmbito das relações, dos desdobramentos e sobreposições entre as influências mediterrânicas e atlânticas, descritas antes pelo geógrafo Orlando Ribeiro, no seu livro “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico” (1945). Este inquérito viria a influenciar o panorama da arquitetura moderna e contemporânea portuguesa, servindo de inspiração a uma vaga de arquitetos, que irão cultivar o seu interesse na qualidade expressiva das construções tradicionais, que se notabilizaram pela forte incidência regional. Aspetos que viriam a ser determinantes na relação da arquitetura contemporânea portuguesa com o lugar. Humberto José Barros da Silva 59 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa No entanto, a consequência mais ampla, a nível cultural, deste trabalho foi a conclusão da inexistência de uma arquitetura de caráter nacionalista, uma vez que não se constatou um padrão de linguagem arquitetónica, mas sim uma diversidade construtiva resultante da vigorosa imposição do território e das condições naturais à ocupação humana nas diversas regiões, em que cultiva-se e constrói-se o que a natureza consente, de acordo com as condições geográficas. A arquitetura popular regional não é urbana de origens nem de tendências. Pode «urbanizar-se», melhorar de cuidados construtivos e apuros formais, mas, se lhe cortam as raízes que a prendem fortemente à terra e aos seus problemas, desvirtua-se, perde a força e a autenticidade. (Amaral, 1988, p. 19) Portanto, o objetivo deste estudo não foi definir um estilo arquitetónico mas sim demonstrar a diversidade regional destas construções, que viria a ter um impacto considerável na produção arquitetónica portuguesa, permitindo novas formas de diálogo entre arquitetura moderno-contemporânea e a tradicional, particularmente na dita Escola do Porto, com destaque para obra de Fernando Távora, e posteriormente de Siza Vieira e Souto Moura, entre outros arquitetos das gerações subsequentes. Seria, portanto, a partir do Inquérito à arquitetura popular que se estabeleceria o vínculo da arquitetura moderna e contemporânea portuguesa ao lugar, tendo como seu maior difusor, a Escola do Porto. “Moderno e Regional são portanto dois parâmetros que andam lado a lado ao longo do percurso arquitetónico português e estão simultaneamente aliados a uma forte relação com o lugar.” (Rodrigues, 2009, p. 6) Humberto José Barros da Silva 60 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Região do Minho, Douro Litoral e Beiral Litoral Zona tão tentadora como difícil, densamente povoada e abrangendo terras que vão do litoral ao acidentado interior, e do Minho ao Mondego; Zona rica em história, onde a dimensão tempo significa e explica muita coisa, agitada ao longo dos séculos por choques de homens e culturas, povoada aqui por uma pequena aldeia de montanha, ali pela grande cidade, variada na sua economia, que oscila entre a agricultura de exploração quase primitiva à mais moderna indústria. Porque muito densamente povoada e porque povoada desde sempre – Zona rica em construções, que vão desde o espigueiro simples de Lindoso ao solar senhorial da Ribeira Lima, como da nora de Válega à casa urbana do Porto.” (Távora, Pimentel e Menéres, 1988, p. 11) Ilustração 47 – Situação da Zona 1 no País. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 11) Ilustração 48 – Povoamento em Ponte de Lima, panorâmica sobre a Sobrada. (Arq. Pop. Portuguesa,1988, p. 32). Esta região, classificada no Inquérito como “Zona 1”, destaca-se pela quantidade de rios que fragmentam o solo, diferenciando-se, a sul, pelo afastamento do Vouga e Mondego; no centro, o Douro, pelo seu traçado, perfil e importância; e nos limites orientais, o rio Tâmega, com o seu grande afluente. Para além dos rios, esta zona é repleta de nascentes naturais, devido à permeabilidade do solo granítico (material predominante na região), ao denso revestimento vegetal e às grandes precipitações atmosféricas, que produzem uma enorme retenção de água no subsolo. O relevo apresenta-se numa sequência de três faixas longas e paralelas ao Oceano. A primeira faixa, junto à costa e com uma altitude compreendida entre os 0 e 400 Humberto José Barros da Silva 61 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa metros, é recortada pela foz dos rios; a segunda faixa, com uma altitude de 400 a 800 metros, é formada por uma intrincada sucessão de vales, colinas e montes, que fazem a transição para a terceira faixa, que compreende alturas superiores a 800 metros, constituída por formações rochosas das montanhas situadas no interior. Esta diferenciação de altitudes gerou tipos de ocupação e povoamentos distintos. Ilustração 49 - Relevo e hidrografia (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 14) Esta formação ascendente do relevo gera um autêntico anfiteatro natural sobre o oceano, ladeado pelos sistemas graníticos das serras de Peneda, Soajo, Gerês, Cabreira e Marão. Já os terrenos mais planos, de formação sedimentar, começam a surgir mais junto à costa, a partir de Espinho. Quanto ao clima, a ação do oceano atlântico nesta zona é determinante no que diz respeito às vicissitudes dos seus ocupantes, definindo, ao longo do tempo, ações e Humberto José Barros da Silva 62 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa formas de expressão do quotidiano das populações. Funciona como elemento moderador das variações climáticas, gerando um clima húmido e regular, com índices de pluviosidade que variam consoante a altitude. Este tipo de clima, pela humidade elevada e variação amena da temperatura, proporciona condições favoráveis para as atividades agrícolas e de pastoreio. A constituição geológica desta zona é predominantemente granítica e xistosa, o que leva a que as edificações sejam maioritariamente construídas com estes materiais. Apenas uma pequena porção do solo é constituído por argilas e rochas sedimentares. Ilustração. 50 – Geologia (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 15) […] o cunho primitivo de hábitos de vida ensimesmada ressalta da construção espessa onde só surgem à luz do dia os materiais líticos, únicos capazes de durar e envelhecer lentamente. E assim permanecem séculos na sua forma quase inalterável, assentes na fraga que lhes serve de fundação, construídas de granito ou de xisto, cobertas de lousa ou colmo, ou então, sinal dos tempos florescentes de telha de canudo, pouco se diferenciando duma região para outra […] (Távora, Pimentel e Menéres, 1988, p. 39). Humberto José Barros da Silva 63 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 51 – Casas em Castro Laboreiro, construção em granito (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 38) Ilustração 52 - Casa do povoado, construção em granito, Manhouse, S. Pedro do Sul. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 83) Humberto José Barros da Silva 64 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Região de Trás-os-Montes e Alto Douro A vida repete-se em cada ano e os anos contam-se de inverno a inverno. Porque com a caída das primeiras neves, a vida vai-se recolhendo às casas. Depois, longos dias, as casas e os caminhos ficam, como a serra, rendidos à neve. E até ao degelo, quando a vida recomeça inteira, é a submissão do homem. (Felgueiras, Araújo e Dias, 1988, p.129) Ilustração 53 – Situação da zona 2 no País. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 123) Ilustração 54 – Serra do Marão. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 128) Esta região, classificada no Inquérito como “Zona 2”, é essencialmente constituída por serras. A poente, nos limites do noroeste português, é marcada pelas serras do Barroso e do Marão; no interior, pelas serras de Padrela, da Nogueira e de Bornes; e ainda pelos vales do Tâmega, do Douro e do Tua. O clima, ainda que influenciada pelo atlântico, através da serra da Padrela, é essencialmente continental, com grandes amplitudes térmicas, devido às elevadas altitudes das serras e as baixas altitudes dos vales dominantes, definindo, deste modo, a zona em duas grandes subdivisões regionais: a terra fria e a terra quente. A primeira resulta das elevadas altitudes planálticas do norte e nordeste e a segunda tem origem nas correntes térmicas do interior, oriundas do Douro. A região é geologicamente dominada pelo xisto, contendo pequenas porções de solo granítico, que vai-se tornando a dominante geológica à medida que se aproxima da Humberto José Barros da Silva 65 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa região do Minho, como se poderá constatar no mapa geológico. Consequentemente, estas matérias geológicas tornam-se matéria-prima das construções, que são, na sua maioria, feitas de xisto. Muros, socalcos ou paredes de casas aparecem-nos sempre com um amontoado de calhaus que as arestas cortantes do xisto pontilham de reverberações, de tonalidades muito variadas. Acompanhando as curvas dos caminhos, ou cortando abruptamente quebras e esquinas, esses panos pintalgados, por vezes de altura um pouco desconforme, são furados por um ou outro buraco, porta baixa, postigo receoso, mais reduzidos ainda pelos fortes enquadramentos que os defendem. (Felgueiras, Araújo e Dias, 1988, p. 136) Ilustração 55 – Mapa geológico com a separação da Terra fria e Terra quente (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 124) Além do xisto, a lousa é outro material que caracteriza as construções desta zona. A expressão que imprime nas coberturas das casas resulta do seu aspeto natural e da maneira como é aplicada: “como uma cascata de pedaços irregulares, simplesmente justapostos, ou numa progressiva ordenação de tamanhos e formas, realçadas pelas linhas brancas das juntas tomadas a cal.” (Felgueiras, Araújo e Dias, 1988, p. 139) Humberto José Barros da Silva 66 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 56 – Pormenor de um telhado de lousa rematado nas juntas com argamassa, Boavista, Marão (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 139) Ilustração 57 – Revestimento de parede em lousa, Cotorinho, Marão. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 138) Humberto José Barros da Silva Ilustração 58 – Construção em xisto numa curva de caminho, Montes (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 136) 67 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Regiões da Beira Alta e Beira Baixa Prolifera nesta região do país uma gente rija e aguerrida, cuja a epopeia tem sido a luta milenária para arrancar ao solo pouco generoso um sustento escasso. Homens em quem tal luta gerou hábitos de trabalho sem tréguas nem desfalecimento, de sobriedade, de economia e um estranhado amor ao terrunho que lhes resiste, mas que os alimenta e lhes revela a medida das suas forças criadoras. Em contrapartida, mantém-nos num primitivismo de vida, de interesses e de aspirações que impressiona e, frequentemente, confrange. (Amaral, Lobo e Malato,1988, p. 8) Ilustração 59 – Situação da zona 3 no país. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 3) Ilustração 60 – Os vales de Cotarredor (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 7) Estas regiões foram classificadas de “Zona 3”, sendo que Beira Alta estende-se para o norte da Serra da Estrela, em terrenos acidentados e rochosos, e onde o granito configura maior predominância por entre os numerosos cursos de água que fragmentam o solo. A Beira Baixa distingue-se pelo clima continental e pela constituição geológica, em que predominam terrenos xistosos muito antigos, tendo ainda a particularidade de assemelhar ao tipo geográfico alentejano, onde não existe serra, pedominando campos arborizados, com montado ou olival, a que Leite de Vasconcelos10 designou de “Beira alentejana”. O clima, embora não se manifeste com o rigor das zonas 1 e 2, apresenta-se com fortes amplitudes térmicas, variando entre o inverno chuvoso e gélido, e o verão seco e quente, onde a temperatura chega a atingir os 37ºC. 10 José Leite de Vasconcelos (1858-1941) foi um arqueólogo e etnógrafo português. Tem como sua obra literária de destaque “O Dialeto Mirandez” (1882), “Religiões da Lusitana (1897), “Etnologia Portuguesa” (1933), “Antroponímia Portuguesa” (1928) e “Lições de Philologia Portuguesa” (1911). Humberto José Barros da Silva 68 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 61 – A semelhança dos arredores de Pinhel, Guarda, com as planícies alentejanas (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 6) No que respeita à constituição geológica, os terrenos desta zona são maioritariamente constituídos por solo granítico a norte e xistoso a sul. “Predominam ali os terrenos de rochas graníticas, propícios ao cultivo de cerais, especialmente o centeio; a leste de Pinhel, estende-se uma zona de terrenos xistosos, onde crescem a vinha, a oliveira e a amendoeira.” (Amaral, Lobo e Malato, 1988, p. 5) Ilustração 62 – Mapa geológico (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 13) Humberto José Barros da Silva 69 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Das reservas geológicas representadas no mapa, o granito, sendo a composição mais abundante do território, é, logicamente, o mais aplicado nas construções. A generalidade do seu emprego e a variedade das suas aplicações decorre da sua abundância. De um modo geral os construtores extraiam o granito das pedreiras do seguinte modo: Abrem-se furos profundos, percutindo e esmilhando a pedra com um ponteiro de ferro e um maço. A explosão da pólvora ou da dinamite, com que se enchem depois esses furos, fratura a pedra em blocos maiores ou menores, que os pedreiros trabalham em seguida. E bastam pequenos jeitos dados aos ponteiros durante a furação, por homens experientes, para que a pedra quebre, sensivelmente, nas dimensões desejadas. Com pequenos guilhos, percutidos ao longo de linhas traçadas, obtém-se um rigor ainda maior de fratura, quando se pretende extrair pedras para a cantaria, que os pedreiros «lavram» depois a cinzel, para lhes alisarem os parâmetros. Nas pedras correntes, destinadas às alvenarias, o pico é, porém, a ferramenta usual de trabalho com que se afeiçoam. E falta apenas, para fazer as paredes, elevá-las com o auxílio de um guincho de madeira ou de ferro, que enrola o cabo suspenso de uma roldana presa numa armação de três varas de pinheiro. (Amaral, Lobo e Malato, 1988, p. 63) Ilustração 63 - Mapa dos materiais correntes de construção (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 61) Contudo nas extensas áreas do sul da Beira, as construções em granito perdem protagonismo, devido à sua escassez, predominando o xisto como material de maior abundância e consequentemente mais acessível para construção local. É aplicado, praticamente na sua forma natural de extração, em paredes de alvenaria e coberturas simples, disposto em lascas sobre uma estrutura de madeira ou em pavimentos de lareiras e casas. Humberto José Barros da Silva 70 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 64 – Construção em xisto, uma casa em Outeiro da Vinha (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 64) Em termos construtivos, os povoados destas regiões estabelecem uma estreita relação com o ambiente natural, pela preponderância da atividade agrícola e pelo emprego rudimentar dos materiais locais, com tendência para o uso da pedra (granito e xisto), que vai sendo trabalhada conforme o território assim o permite, estabelecendo uma relação cromática e tectónica com a envolvente. “As casas, irregulares, são de granito, onde há granito, ou de xisto, onde o solo é xistoso, ou ainda de xisto e granito, nas zonas de transição; e, com o tempo, tomam a cor geral da região em que assentam.” (Amaral, Lobo e Malato, 1988, p. 15) Os materiais das coberturas – telha canudo, lajes de xisto e colmo – também adquirem uma patine própria do sítio, que, em concordância com a materialidade das casas e as suas adaptações topográficas, contribuem para uma perfeita integração das construções no meio. “Desta circunstância, aliada à adaptação do casario ao terreno, ressalta uma associação tão íntima entre as casas e a paisagem que, de longe, é por vezes difícil distinguir a aldeia perdida entre penedias e árvores.” (Amaral, Lobo e Malato, 1988, p. 15) Humberto José Barros da Silva 71 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 65 – Aglomerado de casas em granito com cobertura de colmo, Bigorne. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 71) Ilustração 66 - Pormenor de cobertura «colmada». (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 71) Ilustração 67 – A simbiose entre um aglomerado de casas em granito e a sua envolvente, Sortelha. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 15) Humberto José Barros da Silva 72 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Regiões da Estremadura, Ribatejo e Beira Litoral É uma zona de transição e contrastes. Sintra e Arrábida, separadas de poucos quilómetros, são expressões violentas do que à volta se mostra esbatido e pleno de cambiantes. […] O tejo aparece-nos como fronteira entre uma zona plana, onde a horizontalidade só é agitada pelas serras da Arrábida e de Palmela, e uma outra estruturada pelo maciço estremenho, cujas alturas vão morrer nos campos do Mondego ou nos areais do litoral. (Pereira, Freitas e Dias, 1988, p. 339) Ilustração 68 – Situação da zona 4 no País. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 123) Ilustração 69 – Praia em Palheiros da Tocha (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 125) Estas regiões, classificadas de “Zona 4”, distinguem-se pelos grandes contrastes climáticos, de influência oceânica e mediterrânica. Por outro lado a natureza do solo contribui também para as dicotomias que caracterizam a zona, conjungando-se, assim, uma série de fatores geográficos que contribuem para a diversidade paisagística, que se formaliza entre serras e planícies, praias e areais. As areias, que o vento sopra da costa sententrional, invadem uma área que penetra quilómetros para o interior. Onde esta invasão não se dá, a natureza do solo uniformiza-se com ela. O burgau e a terra arenosa consentem uma vegetação rasteira e odorosa de urzes, rosmaninho ou flores se S.João, entre as grandes manchas do pinhal verde-negro que impremem carácter à região.[…] “ (Pereira, Freitas e Dias, 1988, p. 125) Humberto José Barros da Silva 73 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A arquitetura de produção reflete o quotidiano dos seus habitantes, exprimindo os seus hábitos e necessidades. Os tipos de povoamento, as casas, as instalações agrícolas ou industriais refletem em si a constituição social do povo e muitos aspetos do seu modo de habitar. “A evolução dum aglomerado é um fenómeno quase biológico – na sua estrutura reflete a sua razão de ser, vida, declínio, e ainda os factores que condicionam essa sequência, como a juventude, a doença ou a velhice marcam um corpo.” (Pereira, Freitas e Dias, 1988, p. 141) A forma ou natureza do terreno (arenoso ou rochoso, planície ou serra) em que o aglomerado se expande, são igualmente fatores de transformação do seu corpo ou estrutura. Quando, por exemplo, um povoado se fixa num terreno acidentado, as ruas adaptam-se à sua morfologia, gerando percursos e acessos orgânicos, entre escadas e rampas, articulados com as casas justapostas ou amontoadas entre si. Há nas soluções um recurso constante à linha curva, pois de curvas são constituídos os terrenos, onde por vezes surge espontâneamente uma casa construída em concordância com um desnível favorável à sua implantação: As ruas enovelam-se ou quebram-se em pequenos troços, na necessidade de adaptação. O aglomerado ganha uma maleabilidade quase orgânica. A preciosidade do terreno uma dimensão justa, de acordo com as exigências da escala humana. As ruas estreitas e tortuosas foram feitas para os peões ou para os animais. Os automóveis são intrusos. (Pereira, Freitas e Dias, 1988, p. 142) Ilustração 70 - Um aglomerado concentrado em Azenhas do Mar. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 143) Humberto José Barros da Silva 74 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Sesimbra, por exemplo, entalada entre serras e mar, é um aglomerado cujo tecido urbano se adapta às acentuadas imposições topográficas da serra, articulando engenhosamente a transição das terras altas pra o mar. “Os edifícios amontoam-se sem deixar espaço entre si, senão estreitos saguões. As ruas dispõem-se paralelas ao mar, ajustando-se às lombas ao longo do percurso ribeirinho. Escadas ou calçadas empinadas quebram esse movimento e convergem para a praia.” (Pereira, Freitas e Dias, 1988, p. 143) Ilustração 71 – Esboço de um aglomerado em Sesimbra. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 143) Ilustração 72 – Sesimbra. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 142) Humberto José Barros da Silva 75 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Estas regiões têm tanto de contrastes como de materiais de construção. Os solos são ricos em calcário; areias e grés. Deste modo as populações, pela variedade das condições naturais que estas regiões apresentam, tiram proveito de quase toda a gama de materiais que a natureza fornece, entre as quais, a cal, a pedra, a terra crua (adobe e taipa), a madeira e o colmo. O calcário é a pedra dominante nas construções (pela sua abundância litológica), com exceções para o granito, na serra de Sintra; o xisto, na orla confinante com a região beirã ao longo do rio Zêzere; ou o basalto aplicado nos arredores de Lisboa, embora de forma reduzida, devido à sua escassez. Na zona arenosa do pinhal de Leiria utiliza-se a madeira abundante, e ao sul do Tejo, nas terras de cereais e palha, usa-se o colmo nas construções de menor relevância. Ilustração 73 – Mapa Geológico. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 172) Humberto José Barros da Silva Ilustração 74 – Mapa dos materiais de construção. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 172) 76 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 75 – Construção em pedra calcário, Arneiro, Santarém. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 175) Ilustração 76 – Construção em pedra calcário, Arneiro, Santarém. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 175) Ilustração 77 – Parede de taipa, Arneiro, Santarém. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 180) Ilustração 78 – Parede de adobe, Arneiro, Santarém. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 180) Ilustração 79 – Casa de madeira, praia de Mira. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 186) Ilustração 80 – Interior de uma casa de madeira, praia de Pedrógão. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 184) Humberto José Barros da Silva 77 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Região do Alentejo Pertence a Zona um gigantesco anfiteatro de face voltada para o atlântico, até onde desce em largos plainos, num jogo subtil, de vastas e suaves ondulações, que lhe dá horizontes recuados. Não lhe falta aqui e ali, a cortina brusca, mas sempre modesta, de alguma serra que acrescenta à sua beleza própria a nota de imprevisto e à sensação da planura o instrumento de contraste. (George, Gomes e Antunes, 1988, p. 3) Ilustração 81 – Situação da zona 5 no país. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p.3) Ilustração 82 – Planície alentejana. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 24) Esta região, classificada no Inquérito de “Zona 5”, ocupa uma grande parte da mais vasta província de Portugal (cerca de um terço do país), embora com uma densidade populacional diminuta (28 hab./km2). É constituída, na sua maioria, por extensas planícies, estando praticamente isento do acentuado relevo que caracteriza as regiões do norte. Para além do rio Sado, Mira e Guadiana, os cursos de água são pouco frequentes. O clima é mediterrânico-continental, manifestando-se quente e seco, o que implica a criação de mecanismos de redução do calor tórrido que se faz sentir nesta zona, nomeadamente, o emprego da cal nas paredes exteriores e ausência de grandes aberturas para o exterior das habitações. Humberto José Barros da Silva 78 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 83 – Emprego da cal nas habitações, Alegrete - Caiações sucessivas ao longo de gerações concedem aos edifícios texturas inesperadas. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 56) Os brancos muros do Alentejo, de tijolo, adobe e cal, altos e redondos, têm um contorno esbatido, que ano após ano se molda à rua. Numa estranha subtiliza, são muros onde a luz se retém e se devolve, onde a cal absorve o reflexo, onde se evita o brilho, mas onde o branco é intenso e luminoso. (Rodrigues, 2009, p. 64) No panorama geológico, esta zona denota uma certa diversidade na sua composição. O solo do Baixo Alentejo é de constituição paleozoica, com uma mancha terciária entre Alvito e Odemira; o granito, bastante disseminado, predomina em Évora; os xistos são frequentes em Portalegre, Elvas e Arronches; o calcário abrange os conselhos de Estremoz, Borba e Vila Viçosa, enquanto uma faixa diorítica atravessa o distrito de Beja, originando barros de qualidade. “O que este barro esconde e mostra é o trânsito do ser no tempo e a sua passagem pelos espaços […] Este grão que aflora à superfície é uma memória […] a marca que ficou de um corpo deitado. […] ” (Saramago, 2000, p. 84) Humberto José Barros da Silva 79 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 84 - Mapa geológico. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 10) No panorama da construção, o emprego da cal, da taipa e do tijolo sobressaem como formas dominantes de edificação. A importância da cal na construção alentejana é intensa e vasta, “quase como um elemento de símbolo” (George, Gomes e Antunes, 1988, p. 55), é utilizada para o revestimento das paredes e constituição das argamassas. O tijolo, material tradicional, assume também um papel importante no panorama da construção. A taipa (constituída por grãos de areia e brita ligados por argila) é um método bastante comum em todo o Alentejo, predominando, porém, na zona sul. A sua granulometria é determinada empiricamente, pela experiência antiga da sua aplicação, delegada de geração em geração. Humberto José Barros da Silva 80 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 85 - Construção em Taipa com cunhais de tijolo, Vidigueira. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 37) Ilustração 86 – Casas geminadas, aplicação de cal e tijolo. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 39) Embora não seja dominante o emprego da pedra como expressão arquitetónica, como é frequente nas regiões do norte, o granito, o xisto e o calcário são os que a zona mais fornece, adquirindo certa importância nalgumas regiões. O granito, bastante disseminado, domina em Évora, como já foi dito, mas também em Portalegre, Vidigueira, Gafete e Pias. Já o xisto é a pedra mais frequente no Alentejo. A sua estrutura lamelar, quando aplicado em parede de alvenaria sem reboco, oferece uma curiosa textura e uma paleta diversificada de tons, que contrasta, por vezes, com o Humberto José Barros da Silva 81 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa emoldurado de reboco caiado dos vãos (Monsaraz). Contudo, a pedra nestas regiões é mais aplicada nos pavimentos, cantarias, calçadas das ruas, fundações das paredes de taipa ou tijolo, e até como fundações naturais. Ilustração 87 – Construção em xisto, Monsaraz (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 49) Ilustração 88 – Construção em granito, Terena. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 49) Ilustração 89 – Construção em pedra calcário. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 49) Ilustração 90 – Construção em granito, Terena. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 49) Humberto José Barros da Silva 82 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Região do Algarve Sô da Serra, sô Serrenha Peso o Algarve às arrobas, Sô da Serra tenho pão E o Algarvio tem farrobas Ilustração 91 – Situação da zona 6 no país. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 123) Ilustração 92 – Localidade de Ferragudo, Portimão. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 126) Esta região, classificada de “zona 6”, apresenta uma orografia de baixo-relevo, com exceção do conjunto de serras de Monchique e Caldeirão, que formam uma imponente barreira natural que o separa das planícies alentejanas, protegendo-o simultaneamente dos ventos dominantes a norte e noroeste. Voltado completamente a sul, o Algarve encontra-se exposta às influências do mar mediterrâneo e do norte de África. Esta situação geográfica privilegiada é um fator preponderante na sua individualização e caracterização face às restantes regiões do país. Se a constituição geológica orienta e define o destino do homem no lugar, comummente o clima desse lugar determinará a sua vida, moldando a sua existência física e psíquica e definindo a sua actividade, o seu comportamento, o seu agregado familiar, a sua habitação, o povoado e a região. (Martins, Castro e Torres, 1988, p. 159) Esta província, pela sua situação geográfica, apresenta condições climáticas muito particulares. Situada entre o oceano atlântico e as serras que a protegem dos ventos do norte, goza, na sua maior extensão (desde o Cabo de S. Vicente até à Foz do Guadiana), de uma excelente exposição a sul, o que determina os fatores Humberto José Barros da Silva 83 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa caracterizadores do seu clima mediterrâneo e subtropical, dadas as influências dos ventos do continente africano. É também uma região extremamente seca, com o mais baixo índice de pluviosidade do país. Nesta zona, o clima, mais do que qualquer outro fator geográfico, assume um papel determinante no modo vida das populações, definindo o tipo de atividades humanas de subsistência, os hábitos do quotidiano e até a própria tipologia arquitetónica, através da implementação recorrente de varandas, pátios, alpendres, terraços, entre outros elementos arquitetónicos que evidenciam um clima favorável à extensão da casa para o exterior, gerando novos mecanismos de relação com a habitação, o meio, e própria socialização entre os moradores. “Também a arquitetura popular estabelece relações profundas com os sítios através do saber acumulado de gerações, consubstanciando-se na organização social do espaço e no uso dos materiais de construção.” (Marques, 2001, p. 33) O revestimento dos edifícios a cal é outro mecanismo impulsionado pelo clima seco e quente, aumentando a refração dos raios solares sobre as casas, possibilitando uma boa temperatura-ambiente no interior das mesmas. Se ao aparecimento de diferenciados materiais correspondem características especiais nas edificações, também a específicas condições climáticas, correspondem as formas construtivas mais próprias a essas condições. O homem, com o seu engenho, cria os meios de adaptação ao ambiente que o rodeia, procurando o mais produtivo aproveitamento da terra e a técnica mais adequada à construção do seu abrigo, de acordo com as condições geológicas e climáticas. (Martins, Castro e Torres, 1988, p. 162) Do ponto vista geológico, esta zona não difere muito da região alentejana, aliás é uma das características das regiões do sul do país, pródigos de solos argilosos, grés, calcários e arenosos. Semelhanças geológicas que geram edifícios e métodos de construção semelhantes. Esta zona é dominada por terrenos de transição entre a grande mancha de xistos argilosos e a mancha mais recente da orla marítima (cenozoicos e antropozoicos). No Algarve, do oriente a ocidente, predominam os afloramentos calcários, grés, argilas e areias, nas imediações serranas surgem afloramentos de rochas vulcânicas (doleritos); e em Silves, encontra-se ainda o arenito (grés de Silves), uma rocha de cor vermelho escuro, que serviu para a edificação do Castelo e da Sé desta cidade. Humberto José Barros da Silva 84 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 93 – Mapa geológico. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 174) Ilustração 94 – Mapa dos materiais. (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 174) Quanto aos materiais, a existência de bons terrenos calcários e argilosos, facilita a obtenção de cal e materiais cerâmicos, que, juntamente com a taipa, são largamente aplicados na construção. O calcário emprega-se mais vulgarmente como alvenaria autoportante e em cantarias de portas e janelas. Humberto José Barros da Silva 85 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa O emprego de elementos cerâmicos no Algarve está generalizado nos mais diversos âmbitos de aplicação, desde os pavimentos interiores e exteriores às paredes e coberturas, quer sejam estas em telhado ou abóbadas. O seu fabrico encontra-se disseminado por toda a faixa litoral, com alguns afloramentos ao longo dos vales. Ilustração 95 - Corte esquemático de uma cobertura em abóbada de tijolo maciço (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 184) Ilustração 96 - Cobertura em abóbada, Faro (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 184) Já o emprego do adobe como alvenaria tem pouca expressão, aparecendo restritamente em pequenas áreas da Zona. Encontra-se essencialmente em terrenos arenosos, onde o acesso a outros materiais é mais difícil. Para elevação de paredes, a taipa é o material mais utilizado nesta zona, abrangendo todo o litoral algarvio até ao vale do Sado. Esta predominância deve-se à abundância de terrenos argilosos e à própria economia de meios para sua execução. As paredes de taipa, quando bem executadas, são muito duradouras e a sua espessura oferece boas condições de isolamento térmico. Contudo necessita de algumas precauções na sua execução, tais como, evitar o contacto com a humidade do solo, através da construção de uma fundação em alvenaria de pedra, elevada acima do solo. Humberto José Barros da Silva 86 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 97 – Construção em taipa assente sobre fundação de alvenaria de pedra, Odemira (Arq. Pop. Portuguesa, 1988, p. 176) Na área que abrange Silves, encontra-se o arenito, denominado «grés de Silves», que é uma rocha formada por grânulos de quartzo aglutinados por um cimento que lhe confere uma cor avermelhada escura. É uma rocha que aplica-se em alvenarias irregulares, em muros de vedações ou mesmo em soleiras. A sua aplicação na construção do Castelo e da Sé de Silves conferiu a estes monumentos uma cor, textura e estereotomia singulares. Ilustração 98 – Castelo de Silves. (Urry, 2015) Humberto José Barros da Silva 87 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 2.2. A “ESCOLA DE VENEZA”: ENTRE O TERRITÓRIO E A ARQUITETURA ANALÓGICA O pensamento “lógico” é o que se exprime em palavras dirigidas ao mundo exterior na forma de discurso. O pensamento “analógico” é percebido, ainda que irreal, imaginado mesmo que silencioso; não é um discurso, mas uma meditação sobre temas do passado, um monólogo interior. (Jung, Nesbitt, 2008, p. 377) Na década de 1970, a arquitetura italiana exerceu uma posição significativa no panorama internacional, muito por conta dos seus membros neorracionalistas mais proeminentes, os arquitetos Aldo Rossi11 e Vittorio Gregotti12, que dedicados ao estudo das tipologias da cidade tradicional, reinventaram os seus conteúdos identitários, refundando, na arquitetura e urbanismo, o conhecimento da composição arquitetónica na história e na dinâmica dos processos urbanos. Com uma postura crítica do movimento moderno, pela rutura total com a “tradição” e “história”, estes arquitetos reintroduzem esses termos nos seus trabalhos. Conhecidos coletivamente como La Tendenza13, estes neorracionalistas italianos procuraram “restabelecer as fundações teóricas do projeto arquitetónico” (SoláMorales, 1984, p. 15). Um movimento que refundamentou os conhecimentos de teoria da cidade, constituindo, a partir da análise urbana e da individualidade dos seus factos, uma relação indissociável entre a forma urbana e a tipologia arquitetónica. Ou seja, uma conceção do projeto de arquitetura como expressão da cidade. 11 Aldo Rossi (1931-1997) foi um arquiteto e teórico italiano, formado pela Politécnica de Milão. Lecionou no Instituto Universitario de Archittetura di Venezia e nas Universidades de Harvard, Rice e Yale. Foi editor de Casabella e autor de “A arquitetura da cidade” (1966) e de “A Scientific Autobiography” (1981). Foi distinguido, em 1990, com o Prémio de carreira Pritzker e, em 1992, com a medalha Thomas Jefferson de Arquitetura. É famoso pelos seus desenhos e projetos de inspiração clássica, com recurso a formas geométricas simples. Entre as suas obras construídas, destaca-se o premiado Hotel II Pallazo, em Fukuoka, no Japão; o Cemitério de San Cataldo, em Modena, na Itália (1972); o Teatro del Mundo, para Bienal de Veneza (1979); o Centro Fontivegge, em Perugia, na Itália (1988) ou o Monumento a Sandro Pertini, em Milão, Itália (1990). 12 Vittorio Gregotti (1927) é um arquiteto e professor italiano, formado pela Politécnica de Milão. Leciona arquitetura no Instituto Universitario di Archittetura di Venezia. É sócio e diretor do escritório Gregotti Associati, com sedes em Veneza e Milão. Foi também editor-chefe da revista Casabella, escrevendo na altura diversos artigos de grande repercussão na arquitetura. É autor de vários livros, entre os quais Il Territorio dell’a Archittetura (1966). Gregotti dirigiu ainda as secções de Arte e Arquitetura da Bienal de Veneza de 1974 a 1976. Autor de projetos de grande escala, tem como projetos mais proeminentes, o Estádio Olímpico de Barcelona; o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, o Teatro Arcimboldi de Milão e Universidade da Calábria (concurso público ganho). 13 La Tendenza foi um grupo constituído por arquitetos neorracionalista italianos da década de 1960, destacando-se Aldo Rossi, Vittorio Gregotti, Manfredo Tafuri, Giorgio Grassi, entre outros. Críticos do movimento moderno, reintroduziram na arquitetura conceitos como “tradição”, “história” e “monumento”. Humberto José Barros da Silva 88 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Sobre esta analogia entre o edifício e o seu contexto, Rossi refere que “apenas dentro da sucessão lógica dos factos urbanos se poderá avaliar com maior precisão o carácter formalista de certas propostas […] ” (Rossi, 2001, p. 16), referindo ainda que: Resulta aqui cada vez mais precisa a relação entre particular e geral: é possível estabelecer as características do lote gótico que se ligam estreitamente à tipologia da casa gótica, a chamada casa do mercador. Encontramos uma tipologia deste género em muitas situações diferentes: em Veneza, na Alemanha, em Budapeste e por toda a parte da Europa. Cada situação é caracterizada por um seu próprio e particular aspeto, por ser aquela precisa arquitetura; mas por outro lado, é reportável a um desenho geral. Este desenho geral podemo-lo definir como forma tipológica. (Rossi, 2001, p. 16) Neste sentido, a forma tipológica de uma determinada proposta arquitetónica, que se quer enquadrada no seu contexto físico, e como tal numa lógica urbana, tornar-se-á tangível através de um processo de leitura e classificação de outras formas preexistentes que, em conjunto, poderão enquadrar-se na lógica urbana, através da identificação do elemento comum que as possa unificar: Uma forma que, após se ter precisado mediante a relação com diferentes realidades, se torna um modo para afrontar a realidade; um modo, porém, com se divide o terreno e se fixam os caracteres da casa, num certo quadro histórico. (Rossi, 2001, p. 16) Contudo, o presente estudo, ao fazer referência à “Escola de Veneza”, e mais concretamente a estes dois arquitetos, não pretende traçar um quadro de referência para o estudo de uma teoria de cidade, mas sim referir a maneira análoga como ambos adicionam os conceitos de lugar e genius loci ao programa neorracionalista para a cidade e a para as tipologias de construção da forma. Conceitos que são elucidativos para a temática em questão, pois reforçam a condição argumentativa do presente estudo. Pois é na sua forma e conteúdo é que reside a fundamentação e validação da arquitetura. Portanto a arquitetura analógica é um importante exercício de reinvenção do modo de pensar e fazer arquitetura, a partir de um processo de associações de pensamento e formas primitivas de edificar, e o modo como estas aludem ao território. Este método associativo de projeto fundamenta-se de maneiras diferentes nos dois arquitetos, como refere Colquhoun14: 14 Alan Colquhoun (1921-2012) foi um arquiteto, historiador, crítico e professor britânico. Formou-se pelo Edinburgh College of Art e pela Archictetural Association of London, onde veio a lecionar mais tarde. Foi também professor convidado, em 1966, pela Universidade de Princeton. Colquhoun foi autor de inúmeros artigos e ensaios, e realizou inúmeras palestras e conferências. Entre as suas principais obras destaca-se o seu ensaio “Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre arquitectura 1980-87”, que versa a presença fundadora da tradição clássica na modernidade arquitetónica. Humberto José Barros da Silva 89 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Mantendo-se aberto à contingência, Gregotti parecem mostrar o “tipo” no processo de sua erosão ou transformação. Rossi mostra-o em tal nível de generalidade que, não sendo mais vulnerável à interferência da tecnologia ou da sociedade, [o tipo] permanece congelado numa eternidade surreal. (Colquhoun, Nesbitt, 2008, p. 377) Segundo Gregotti, a origem da arquitetura deriva, sobretudo, do simples gesto de assentar uma pedra no chão, o que representa um ato de reconhecimento de um lugar. Esta consciência revela que “Fenomenólogos como Gregotti também aludem à necessidade de que o local da construção intensifique, condense e indique com exatidão a estrutura da natureza e como o homem a percebe”. (Nesbitt, 2008, p. 443) Gregotti refere ainda que a tarefa do arquiteto define-se na criação de uma “arquitetura do contexto”, revelando a natureza por meio da medição, da transformação e da utilização da paisagem. Pois segundo Heidegger15 “a medição é o poético de habitar” (Heidegger, 1971, p. 221), o que assemelha-se à importância que o arquiteto italiano atribui à medida e estudo da natureza como condição de uma perfeita integração da arquitetura no seu espaço envolvente. As intervenções formais revelam a verdade poética do local da construção (“a essência do contexto ambiental”), que se torna indispensável porque a paisagem e a natureza são vistas em geral como “a soma total de todas as coisas” geográficas e históricas. São exemplos dessa modificação: ordenar geometricamente a natureza, idealizá-la e evocá-la como um espelho da verdade. (Gregotti, 1993, p. 400) Sobre esta revelação poética do local de construção a partir da formulação de uma ideia de intervenção que coadune com a “essência do seu contexto ambiental”, Carol Burns,16 refere que “a estratégia do local de Gregotti é sugestiva do «local construído», ou o que se poderia chamar de abordagem tectónica para a criação de uma paisagem”. (Burns, 1991, p. 146). O que é coerente com o seu modo de pensar a arquitetura, senão veja-se o seu projeto para a Universidade da Calábria, que deixa evidente a importância que o território tem no seu trabalho, cuja análise se fará mais adiante. Sobre o «local construído» Burns refere ainda que: “[…] the site is initially construed and finally achieved in the architectural work. The problems attendants to siting have a pervasive and profound impact on buildings. […] “ (Burns, 1991, p. 1) 15 Martin Heidegger (1889-1976) foi um filósofo alemão. Seguramente um dos pensadores fundamentais do século XX, quer pela recolocação do problema do Ser e pela refundação da Ontologia, quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e cultural. 16 Carol J. Burns é uma arquiteta e teórica norte-americana, formada na Universidade de Yale, onde é professora e investigadora, bem como nas universidades de Harvard e MIT. É autora do ensaio “On site: Arquitetural preoccupations” e presidente da Comissão de Arte de Boston. Humberto José Barros da Silva 90 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Embora o seu ensaio “O território da arquitectura” trate, sobretudo, de questões de teoria e história, não deixa de ser uma ferramenta teórica útil para o exercício da arquitetura, como o próprio afirma, ao revelar que as contingências do projeto para universidade da Calábria fizeram-lhe lembrar algumas reflexões sobre o ensaio, o que revela a influência que a essência física da história exerce no seu trabalho. Nas palavras do próprio: É o ambiente físico que nos cerca, como se transforma em coisas visíveis, como reúne significados profundos que se diferenciam não só pelo que o ambiente aparenta ser, mas também pelo que ele é estruturalmente. O ambiente compõe-se dos vestígios da sua própria história. Por isso, se é na geografia que os sinais da história se consolidam e sobrepõem numa forma, o projeto arquitetónico tem a missão de chamar a atenção para a essência do contexto ambiental por meio da transformação da forma. (Gregotti, Nesbitt, 2008, p. 373) O contexto ambiental torna-se, assim, a soma de todas as coisas, um reportório de presenças materiais, cujas relações cabe à arquitetura desvelar. Portanto, o ambiente enquanto matéria operativa de projeto, não pode ser destituído da sua totalidade geográfica, nem da sua organização histórica, permitindo que as ideias de projeto se adaptem às características específicas do território. “O projeto deve condizer com a tradição reguladora do estilo e do métier. Mas o que confere veracidade e concretude a essa tradição é sua compatibilidade com o sítio, pois somente percebendo o local como um ambiente específico podem aflorar as exceções que geram a arquitectura. (Gregotti, Nesbitt, 2008, p. 375) Exceções que transformam o lugar em arquitetura, revelando um ato simbólico e natural do Ser na sua relação inevitável com os lugares, com o ambiente físico, com a ideia da natureza enquanto totalidade de todas as criações. Segundo Burns, “In architectural design, the demands of relating a building to physical location are necessary and inevitable” (Burns, 1991, p. 1). Esta inevitabilidade atribui à arquitetura, antes da sua condição primordial de abrigo, a capacidade de reconhecimento de um lugar, e somente depois a sua função primária de abrigo, porque segundo Gregotti, a origem da arquitetura não é a cabana primitiva, “pois antes o homem pôs uma pedra no chão para reconhecer um lugar no meio do universo desconhecido e, assim, mediu e modificou esse espaço.” (Gregotti, Nesbitt, 2008, p. 374). O arquiteto refere ainda que: Existem fundamentalmente dois modos de uma pessoa se localizar em relação ao contexto. Os instrumentos do primeiro modo são imitação mimética, a assimilação Humberto José Barros da Silva 91 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa orgânica e a complexidade visível. O segundo emprega medidas: distância, definição, rotação, dentro da complexidade. No primeiro caso o problema é espelhar a realidade; no segundo caso, determinar o duplo. Este último baseia-se numa laboriosa divisão: levantar uma parede, construir uma cobertura, definir regiões, produzir um espaço interior densamente articulado que corresponda à fragmentação e às diferenças de comportamento. Dessa maneira, um exterior simples aparecerá como uma medida da complexidade do ambiente maior. (Gregotti, Nesbitt, 2008, p. 374) A citação do arquiteto torna-se elucidativa na análise da obra do museu do Côa enquanto "território construído”, que alude às características do sítio. A sua materialidade que, não sendo uma coisa da natureza, assemelha-se ao seu suporte geológico, agregando-lhe a sua natureza artificial, que se quer tão expressiva e autêntica como o seu suporte natural. Segundo Gregotti, o seu “trabalho atual explora as implicações do desenvolvimento de uma arquitetura do contexto. “Isso levou-me a enfrentar o problema da execução de obras de grande escala […] “ (Gregotti, Nesbitt, 2008, p. 375). Veja-se o seu projeto para a Universidade da Calábria17 – a ideia central da proposta baseou-se num princípio de assentamento –, uma analogia ao contexto rural do sítio e o modo histórico da sua ocupação através de assentamentos. Gregotti apropria-se deste princípio e cria um eixo estruturante no território que, na extensão do seu alinhamento, vai adaptando-se ao terreno sinuoso e articulando o programa de forma linear ao longo do eixo. Ilustração 99 – Universidade da Calábria, Cozenza, Itália, 1972 – Vista aérea do conjunto, a relação entre o alinhamento do Eixo proposto e o existente. (Universidade da Calábria, 2015) 17 O projeto para a Universidade da Calábria foi concretizado no âmbito de um concurso realizado em 1974 e vencido por um grupo formado pelos arquitetos E. Battisti, V. Gregotti, H. Matsui, P. Nicolin, F. Purini, C. Rusconi Clerici. O planeamento urbano coube a Laris. Colaboraram no projeto: P. Cerri, V. Gregotti, H. Matsui (Gregotti Associati); G. Grandori, G. Ballio, A. Castiglioni, G. Colombo (engenheiros de estrutura); Tenke VRC (engenheiros). Humberto José Barros da Silva 92 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 100 – Planta de situação do complexo da Universidade da Calábria, Vittorio Gregotti (Nesbitt, 2008, p. 373) Esta estratégia de intervenção “funciona como um modo de bitolar a paisagem”, refere o arquiteto, além de evidenciar o caráter de um projeto de grande escala. Interessado na refundamentação da história e princípios da cidade tradicional, Gregotti concebeu o complexo da Universidade, segundo um princípio de assentamento, porque estes eram os métodos tradicionais e característicos de ocupação territorial da Calábria. O projeto estabelece uma interação entre sistemas morfológicos da paisagem e sistemas funcionais do programa. O primeiro consiste, como já foi dito, numa sucessão linear de departamentos da universidade ao longo do sistema de colinas até à planície do rio Crati. Os edifícios que alojam as atividades dos departamentos acomodam os vários níveis do terreno e se dispõem ao longo de um plano quadrado, no eixo de uma ponte. O segundo sistema já leva em conta a morfologia das colinas, a sua sucessão de declives (pelos quais passa o sistema rodoviário local) e a sua relação com a estrutura de casas térreas, destinadas aos alojamentos da universidade, que se distribuem ao longo da vertente norte. Já a vertente sul, como se encontra ocupada com o cultivo de oliveiras, optou-se por uma estratégia de alternância de unidades residenciais e espaços naturais. Os serviços da universidade, abertos para o exterior, situam-se no plano de convergência entre o sistema da ponte e as rodovias que percorrem o alto das colinas. Humberto José Barros da Silva 93 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 101 – Vista do eixo estruturante da Universidade da Calábria (Skyscrapercity, 2015) A “Escola de Veneza” ao reintroduzir na arquitetura moderna e contemporânea termos como “tradição” e “história”, dos processos tradicionais de edificação adaptados tipologicamente ao seu contexto (que eram antigamente, segundo Rossi e Gregotti, métodos de grande coerência entre o edificado e a cidade na sua totalidade) contribuíram, ativamente, para reflexões profundas sobre a influência do sítio e da sua história na produção arquitetónica. Renunciando, deste modo, o ideal do Estilo Internacional – de um terreno plano e desobstruído –, bem como de alguns arquitetos contemporâneos, como Peter Eisenman18, Rem Koolhaas19, Frank Gehry20 (percursores do desconstrutivismo e de uma arquitetura tecnológica), entre outros 18 Peter Eisenman (1932) é um arquiteto e teórico norte-americano, e um dos fervorosos representantes do desconstrutivismo em arquitetura. Professor de arquitetura da cátedra Irwin S. Chanin, na Cooper Union, fundou e dirigiu o Instituto de Arquitetura e Estudos Urbanos e foi editor da revista Oppositions e da coleção Oppositions Books. Recebeu o título de mestre em Arquitetura pela Universidade de Columbia. Escreveu “Houses of Cards” (1987) e “Fin d’Ou T Hou S. (1985), e além de inúmeras obras teóricas, Eisenman é responsável por várias obras construídas, como o premiado Wexner Center for the Visual Arts, da Universidade de Ohio; a sede da Koizumi Sangyo Corporation, em Tóquio; o Memorial do Holocausto, em Berlim; ou a Igreja do Jubileu, em Roma. 19 Rem Koolhass (1944) é um arquiteto e teórico holandês e sócio fundador do Office for Metropolitan Architecture (OMA) de Roterdão. Exerce atualmente o cargo de professor da arquitetura na Universidade de Harvard, além disso lecionou nas universidades de Rice e Cornell e na Architetural Association School, onde se formou em arquitetura em 1972. Trabalhou inicialmente como jornalista no Haagse Port e como cenógrafo de filmes. A partir de 1968 instalou-se em Londres para frequentar o curso de arquitetura na Architetural Association School, onde elaborou alguns projetos e âmbito teórico, como “The Berlin Wall as architecture e “Exodus, or the Voluntary Prisioners of Architecture”. Foi ainda distinguido com o Rotterdam-Maaskant Prize (1991); o Japanese Award for the Best Building (1991), o Gaudi Award (1992) e o Prémio Pritzker. Da vasta obra construída encontra-se a Casa da Música, no Porto; a Torre CCTV, em Pequim, na China, ou Biblioteca Central de Seattle. 20 Frank Gehry (1929) é um arquiteto norte-americano, nascido em Toronto, no Canadá. Formado pelas Universidades de Southern California e Harvard, iniciou atividade como arquiteto em Los Angeles em 1963. Entendendo a arquitetura como a arte de produzir esculturas habitáveis, afirma que as obras de escultura, como as de Brancusi, exercem mais influência no seu trabalho do que os grandes mestres da arquitetura. Em 1989 foi distinguido com Prémio de carreira Pritzker. Da sua vasta obra, destacam-se o Museu de Arte da Universidade de Minnesota (1990); a Sala de Concertos Walt Disney (1989), Los Angeles, na Califórnia; e o Museu Guggenheim (1993-1997), em Bilbau, Espanha. Humberto José Barros da Silva 94 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa arquitetos neoliberais, que desconsideram o lugar como elemento preponderante na produção arquitetónica. Rem Koolhaas […] comporta bem a atitude neoliberal muito em voga neste final do séc. XX, que enfatiza uma nítida atomização de individualidades e que tenta legitimar qualquer intervenção, por mais discutível que ela seja do ponto de vista ético, desde que seja justificável pelo estatuto “artístico” do arquiteto. […] (Neves, 2001, p. 9) Estes arquitetos, neoliberais, consideram os valores tradicionais de lugar obsoletos, face aos avanços das sociedades contemporâneas, que se querem globalizadas e tecnológicas, e que a evolução predominantemente urbana acaba por uniformizar os lugares e como tal tornar obsoletas as intervenções que se formalizaram a partir do lugar. Atitude contrariada pelo “regionalismo crítico” de Frampton, que apela à resistência perante à homogeneização do ambiente construído, fenómeno que já se torna notório devido à modernização das técnicas construtivas e à industrialização dos materiais de construção. […] O fenómeno da universalização, apesar de ser um avanço para a humanidade, institui uma espécie de subtil destruição não só das culturas tradicionais […] mas também do que denominarei provisoriamente de núcleos criadores das grandes culturas, esse núcleo a partir do qual interpretamos a vida, e que chamarei de antemão de núcleo ético e mítico da humanidade. […] Frampton, Nesbitt, 2008, p. 504) Por outro lado temos aqueles que corroboram com Gregotti, e “que continuam a entender o lugar como uma entidade fenomenológica que encerra significados e formas específicas” (Neves, 2001, p. 7). O arquiteto japonês Tadao Ando21 reconhece que a obra arquitetónica gera uma nova paisagem (o tal lugar construído, sugerido por Gregotti) e por isso tem a responsabilidade de enaltecer as características particulares 21 Tadao Ando (1941) é um arquiteto japonês e membro honorário do Instituto Americano de Arquitetos (AIA). Fundou e dirige o escritório Tadao Ando Architects & Associates, em Osaka, Japão. Seus projetos foram objeto de exposição na Europa, Ásia e Estados Unidos, e de numerosas monografias, entre as quais Tadao Ando: Buildings, Projects, Writings (1984) e Tadao Ando: Details (1991). Autodidata, Ando foi professor convidado nas Universidades de Yale, Columbia e Harvard. Foi distinguido com os prémios Pritzker (1995); Mainichi Art Prize, pelo projeto da Capela do Monte Rokko; Japanese Cultural Design Prize, pelo conjunto habitacional em Rokko, e ainda com a Medalha Alvar Aalto; Medalha de Ouro de Arquitetura, pela Academia Francesa de Arquitetura (1989); Prémio de Arquitetura Carlsberg, Dinamarca (1992), Prémio da Academia de Arte do Japão (1993); AIA Gold Medal, do Instituto Americano de Arquitetos, o Prémio Kyoto (2002), entre outros. Tem ainda entre as suas obras de maior destaque o Museu das Crianças, Himeji, Hyogo (1987-89); a Row House, em Osaka, Japão (1976); a Igreja da Luz, em Ibaraki, Osaka, Japão (1989); o Museu de Arte Moderna de Fort Worth, Texas, Estados Unidos (2002); Pulitzer Arts Foundation, Missouri, Estados Unidos (2001), entre outros. As suas origens culturais aguçaram a sua sensibilidade em relação à natureza e ao próprio lugar na relação com a arquitetura. Pois a tradição japonesa denota uma ligação muito intensa com a natureza, diferente porém da ocidental. Uma sensibilidade que, segundo o arquiteto, “engendrou uma cultura que diminui a ênfase na fronteira física entre a residência e a natureza circundante e que, ao contrário, instala um limiar espiritual. Ao mesmo tempo em que protege a habitação humana da natureza, procura trazê-la para dentro da casa. Não há uma demarcação clara entre interior e exterior, mas uma permeabilidade recíproca. […] “ (Ando, Nesbitt, 2008, p.497). Humberto José Barros da Silva 95 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa de um determinado lugar. Pois “A finalidade da arquitetura é basicamente a construção do lugar” (Ando, 1984, p. 134). 2.3. O LEGADO DA ESCOLA DO PORTO: ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA E A RELAÇÃO COM O LUGAR. “Sem a representação de lugares, a arquitetura teria sido impossível em qualquer cultura” (Muntañola, 2002, p. 66) Etimologicamente, a palavra ‘Lugar’ deriva do latim ‘Locãle’, que significa «do lugar». Embora encerre vários significados, dependendo do objeto de estudo, a definição que mais se enquadra no âmbito da arquitetura talvez seja a de um “espaço ocupado pelo um corpo”. (Dicionário da língua portuguesa, Porto Editora, 2013) Norberg-Schulz22 refere, desta forma natural, fragmentos do nosso espaço existencial23: O nosso mundo-da-vida quotidiana consiste em fenómenos concretos. Compõe-se de pessoas, animais, flores, árvores e florestas, pedra, terra, madeira e água, cidades, ruas e casas, portas, janelas e mobílias. E consiste no sol, na lua e nas estradas, na passagem das nuvens, na noite e no dia, e na mudança das estações. Mas também compreende fenómenos menos tangíveis, como os sentimentos. Isto é, o que nos é “dado” é o “conteúdo” da nossa existência. […] (Norberg-Schulz, Nesbitt, 2008, p. 444) No quotidiano, lidamos com coisas concretas, que constituem o nosso mundo e que se relacionam de modo complexo entre si, em que alguns fenómenos podem compreender outros, ou formam um ambiente para outros. Na linguagem comum dizse que os atos e acontecimentos têm lugar, ou que as pessoas é que dão sentido ao lugar, ou até mesmo na gíria popular do «põe-te no lugar dele ou dela», entre outras termos comuns do quotidiano. A verdade é que o desenrolar de um acontecimento é indissociável a uma localização, porque ela é parte da nossa existência. Mas deverá o “lugar” ser entendido apenas como uma localização abstrata? Ou podemos encará-la também com uma entidade espiritual, algo sensorial, que possui substância material, forma, cor, textura, odor, e que juntas determinam uma qualidade ambiental, que nos 22 Christian Norberg-Schulz (1926-2000) foi teórico norueguês e professor na Escola de Arquitetura de Oslo. Tem entre as obras fundamentais “Intentions in Architecture” (1963); “Existence, Space & Architecture” (1971); “Architecture: Meaning and place” (1988). As suas obras estão ligadas à interpretação textual das ideias de Martin Heidegger, sobretudo no ensaio do filósofo alemão “Construir, habitar, pensar”. 23 O espaço existencial é um “sistema relativamente estável de esquemas percetivos ou imagens de um ambiente circundante. Sendo uma generalização abstraída das semelhanças de muitos fenómenos, esse espaço existencial tem um «caráter objetivo».” (Norberg-Schulz, 1975, p.19) Humberto José Barros da Silva 96 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa transmite uma certa atmosfera – uma sensação tangível apenas pelo espírito, pelas emoções que sentimos perante determinado ambiente, construído ou construído. Segundo Zumthor24 essa “atmosfera comunica com a nossa perceção emocional […] ” (Zumthor, 2009, p. 13). Pois “tudo nos toca […] Tudo, as coisas, as pessoas, o ar, ruídos, sons, cores, presenças materiais, texturas e também formas (Zumthor, 2009, p. 17). Portanto “um lugar é um fenómeno qualitativo ‘total’, que não se pode reduzir a nenhuma das suas propriedades, como as relações espaciais, sem que se perca de vista a sua natureza concreta.” (Norberg-Schulz, Nesbitt, 2008, p. 445) Portanto se a atmosfera é percebida através da relação corpo/espaço, então podemos concluir que a relação do nosso corpo com o corpo da arquitetura (mediada pelos fenómenos de um dado ambiente) poderá refletir-se na materialização do edifício. Isto pela forma como se apreende a qualidade ambiental do seu contexto. Deste modo, o edifício será o resultado final desse entendimento, dessa dialética entre o arquiteto (enquanto utente e projetista) e o lugar. Pois, segundo Zumthor, “existe um efeito recíproco entre as pessoas e as coisas” (Zumthor, 2009, p. 17). Dito isto, pode-se entender o lugar com uma entidade constituída por uma dimensão física e espiritual, que juntas determinam a estrutura do lugar. Enquanto a dimensão física adestra-nos da sua qualidade de espaço ou paisagem, de uma organização tridimensional dos elementos que o compõe; a dimensão espiritual revela-nos a sua atmosfera, a sua essência, que é o resultado das relações espaciais de todos elementos que lhe dão forma e sentido, incluindo o homem. 24 Peter Zumthor é um arquiteto suíço, nascido em 1943 em Basileia. Tem formação de marceneiro, mestre-de-obras e arquiteto na Kunstgewerbeschule Basel e no Pratt Institute, em Nova Iorque na década de 1960. É professor na Accademia di architettura, Università della Svizzera Italiana, em Mendrisio. Vencedor do Prémio Pritzker em 2009, tem entre as suas obras mais importantes, as “Termas de Vals (Vals, Suíça, 1996); o “museu Kunsthaus Bregenz (Bregenz, Áustria, 1997); pavilhão da Suíça para Expo 2000 (Hanôver, Alemanha, 2000) e o ”Museu Kolumba (Colónia, Alemanha, 2007). Humberto José Barros da Silva 97 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 102 - Esquema da noção de lugar em Hegel (Muntañola, 1996, p. 27) Na estrutura do lugar, a sua dimensão física (o espaço) pode conter inúmeros significados, seja na teoria da arquitetura, seja na filosofia, na literatura ou noutras disciplinas que trazem à luz este conceito. Segundo Arnheim25 na perspetiva de Platão, o espaço é “a mãe e o recetáculo de todas as coisas criadas e visíveis e por uma qualquer forma sensível […] a natureza universal que recebe todos os corpos” (Arnheim, 1997, p. 17). Aristóteles desenvolveu uma teoria do lugar (Topos), em que o espaço é a soma de todos os lugares, um campo dinâmico de relações e propriedades qualitativas. E Kant26 na sua conceção metafisica deste conceito refere o espaço com uma categoria “a priori” do pensamento humano, diferente e independente deste: O espaço é uma representação, a priori, que fundamenta todas as intuições internas. Não se pode nunca ter uma representação de que não haja espaço […] consideramos, por conseguinte, o espaço a condição de possibilidade dos fenómenos […] e uma representação a priori, que fundamenta necessariamente todos os fenómenos externos […] o espaço é representado como uma grandeza infinita dada. […] É essencialmente uno […] o fundamento de todos os seus conceitos é uma intuição a priori (que não é empírica).” (Kant, 1985, p. 64/65) 25 Rudolf Arnheim (1904-2007) foi um psicólogo alemão e um dos principais estudiosos da teoria da Gestalt (Psicologia da forma) na arte. 26 Immanuel Kant (1724-1804) foi um visionário filósofo alemão, nascido em Königsberg, onde foi professor universitário. Partindo do racionalismo do filósofo Christian Wolff e do empirismo de David Hume, é levado a superar as atitudes dogmáticas e céticas, manifestando as suas ideias numa pequena dissertação “De mundi sensibilis atque intelligibilis forma et principis” (1770), que após dez anos de reflexão, levou-o à sua obra fundamental, Crítica da Razão Pura (1781). Humberto José Barros da Silva 98 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Segundo Norberg-Schulz, na perspetiva de Piaget27, “ a ideia de um mundo estruturado desenrola-se gradualmente durante a infância (talvez a base das poucas intuições a priori) e compreende uma série de acontecimentos necessariamente de noções espaciais” (Norberg-Schulz, 1975, p. 19). O teórico refere ainda que o espaço arquitetónico pode definir-se como uma concretização do espaço existencial, uma vez que: O espaço existencial é um conceito psicológico que denota os esquemas que o Homem desenvolve em interação com a envolvente, para progredir satisfatoriamente […] a relação do Homem com o espaço arquitetónico consiste, numa parte, em tentar integrar a sua estrutura nos seus esquemas pessoais e, por outra, em transpor os seus esquemas em estruturas arquitetónicas concretas, com o objetivo de alcançar o primeiro e que o segundo possa vir a ser uma contribuição ao desenvolvimento dos espaços existenciais de outros. (Norberg-Schulz, 1975, p. 46/47) Na mesma linha de pensamento Heidegger entende que o homem e o espaço são indissociáveis, uma vez que a existência em si é espacial. Do mesmo modo MerleauPonty28 refere o seguinte: “temos dito que o “espaço é existência, da mesma maneira, poderíamos ter dito que a existência é espacial” (Merleau-Ponty, 1996, p. 334). E Norberg-Schulz refere que “o interesse do Homem pelo espaço tem raízes existenciais”, pois: deriva de uma necessidade de adquirir relações vitais no ambiente que o rodeia, para dar sentido e ordem a um mundo de acontecimentos e acções […] a sua orientação para diferentes objetos pode ser cognitiva ou afectiva, pelo que em qualquer dos casos, deve estabelecer um equilíbrio dinâmico entre ele e o ambiente que o rodeia […] (Norberg-Schulz, 1975, p. 9) O teórico refere ainda que “para conquistar uma base de apoio existencial, o homem deve ser capaz de orientar-se, mas ele também tem de identificar-se com o ambiente, isto é, tem de ser como está em determinado lugar” (Norberg-Schulz, Nesbitt 2008, 455). Esta ideia é compatível com a de Lynch,29 que entende a legibilidade dos elementos que formalizam o espaço como fundamental para a orientação e interação 27 Jean Piaget (1896-1980) foi um epistemólogo e psicólogo suíço, considerado com um dos mais importantes pensadores do séc. XX. Tem entre a sua vasta obra literária “A Construção do Real na Criança (1970) ”, “A Epistemologia Genética e a Pesquisa Psicológica” (1974), “A Psicologia da Inteligência” (1958), “A Noção de Tempo na Criança”, “A Formação do Símbolo na Criança - Imitação, jogo e sonho, imagem e representação” (1971). 28 Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) foi um filósofo e fenomenólogo francês, discípulo de Edmund Husserl, com a sua obra mais importante “Fenomenologia da Perceção”, procurou dar seguimento aos pensamentos do seu mestre e precursor. 29 Kevin Lynch (1918-1984) foi um urbanista e escritor norte-americano. Tendo como obra fundamental “A Imagem da Cidade” (1960), o seu grande contributo para o urbanismo deu-se através da análise e estudo empírico das atitudes comportamentais dos indivíduos no espaço urbano, o modo como estes processam as informações do ambiente que os rodeiam, à medida que progridem no espaço Humberto José Barros da Silva 99 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa do Homem no ambiente que o rodeia, porque é através da clarividência das imagens projetadas na sua mente, sejam elas uma recordação ou uma sensação imediata, que o Homem processa a informação, para depois determinar a sua progressão no espaço. No processo de orientação, o elo estratégico é a imagem do meio ambiente, a imagem mental generalizada do mundo exterior que o indivíduo retém. Esta imagem é o produto da perceção imediata e da memória da experiência passada e ela está habituada a interpretar informações e a comandar acções. A necessidade de conhecer e estruturar o nosso meio é tão importante e tão enraizado no passado que esta imagem tem uma grande relevância prática e emocional no indivíduo.” (Lynch, 1999, p. 14) Rudolf Arnheim entende que o espaço é experimentado como um recetáculo que precede os objetos que abarca, um cenário no qual todas as coisas tomam lugar e sentido. “Se não tomássemos em consideração esta maneira espontânea e universal de olhar o mundo, não poderíamos acalentar a esperança de compreender a natureza da arquitetura como uma organização de edifícios colocados num dado espaço contínuo.” (Arnheim, 1997, p. 17). Esta precedência do espaço sobre todas as coisas é compatível com a conceção de Kant, com já se constatou, que classifica o espaço como uma categoria “apriorística” da existência humana, uma representação, “a priori”, que fundamenta todos os fenómenos externos que nos rodeiam. Talvez o grande exemplo, para “ilustrar” a importância existencial de todas estas propriedades espaciais mencionadas, de natureza essencialmente topológica, sejam as pesquisas de Piaget, sobre a conceção de espaço das crianças – de que a ideia de um mundo estruturado desenrola-se gradualmente durante a infância, e que compreende uma série de acontecimentos de noção, essencialmente, espacial. E “os modos geométricos de organização somente se desenvolvem mais tarde na vida, para atender a necessidades especiais e geralmente são vistos como uma definição mais «exata» de estruturas topológicas básicas. […] ” (Norberg-Schulz, Nesbitt, 2008, p. 450). Essa noção gradual do espaço desenvolve-se à medida que o homem interage com os objetos, adquirindo, ao longo do tempo, uma consciência sobre o significado que encerram, e consequentemente estabelece-se uma ligação de afeto com o(s) lugar(es), de que esses objetos fazem parte. Portanto, torna-se necessário entender o lugar não apenas como uma localização abstrata, mas como uma entidade constituída de coisas concretas, que possuem Humberto José Barros da Silva 100 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa substância material, uma qualidade ambiental, uma atmosfera que nos adestra da sua essência, do seu espírito. O que nos conduz, inevitavelmente, à antiga noção romana do “genius loci”, ou seja, a ideia do espírito de um determinado lugar, que estabelece um elo com o sagrado, e que cria um outro lugar ou um oposto com o qual a humanidade deve defrontar, a fim de habitá-lo. “Os antigos reconheciam a suma importância de entrar em acordo com o genius da localidade onde viviam. Em tempos passados, a sobrevivência dependia de uma boa relação com o lugar […] “ (NorbergSchulz, Nesbitt, 2008, 454). Este termo foi introduzido por Norberg-Schulz, talvez a figura mais proeminente na teoria da arquitetura, no que concerne ao fenómeno do lugar. A sua obra teórica está intimamente ligada à adoção de uma fenomenologia da arquitetura. Sendo a fenomenologia definida inicialmente por Edmund Husserl30 "como uma investigação sistemática da consciência e os seus objetos.” (A Dictionary of Philosophy, 1984, p.157). Norberg-Schulz identifica o potencial fenomenológico na arquitetura como a capacidade de dar significado ao ambiente mediante a criação de lugares específicos. […] Ele interpreta o conceito de habitar como estar em paz num lugar protegido. Assim, o cercamento, o ato de demarcar ou diferenciar um lugar no espaço se converte no ato arquetípico da construção e a verdadeira origem da arquitetura. […] (Nesbitt, 2008, p. 443) O teórico – que entende a fenomenologia como um método que exige um retorno às coisas em oposição às abstrações e construções mentais – realça ainda que certos elementos arquitetónicos como parede, chão ou teto, devem ser entendidos como horizontes, fronteiras ou enquadramentos da natureza. A relação interior-exterior, que é um aspeto principal do espaço concreto, sugere que os espaços possuem graus variados de extensão e cercamento. […] De modo geral, tudo o que fica encerrado se manifesta como «figura» contra o vasto fundo da paisagem. […] (Norberg-Schulz, Nesbitt, 2008, p. 443) Além do foco no lugar, para o teórico a fenomenologia abrange a tectónica, porque através do detalhe, esta poderá manifestar ou conferir forma a uma qualidade ambiental peculiar de um determinado ambiente. O que nos remete para questão fulcral do presente estudo: a consonância entre a materialidade da arquitetura e o seu contexto. 30 Edmund Husserl (1859-1938) foi um matemático e filósofo alemão, fundador da escola da Fenomenologia. Influenciado por filósofos como Descartes e Immanuel Kant, e crente do empirismo, Husserl acreditava que a experiência é a fonte de todo o conhecimento, o que o direcionou para uma investigação de redução fenomenológica segundo o qual um determinado assunto poderá vir a conhecer diretamente uma essência, mediante o seu estudo, pois só assim se poderá determinar a sua essência. Humberto José Barros da Silva 101 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Esta evocação do lugar e da tectónica tornou a fenomenologia numa influente escola de pensamento entre alguns arquitetos contemporâneos. Ela despertou um novo interesse nas qualidades sensoriais dos materiais, da luz, da cor, da textura, bem como a ressonância dos sentimentos mais profundos do arquiteto, que o projeto possa transmitir, enaltecendo o potencial poético e metafórico da tectónica na relação com o lugar e com o próprio habitar. Segundo Zumthor, “o processo de projetar baseia-se numa cooperação contínua entre o sentimento e o intelecto.” (Zumthor, 2009, p. 21). “Não creio que se possa falar de projeto sem falar de desejo. O projeto é o modo através do qual intentamos transformar em ato a satisfação de um desejo nosso”. (Gregotti, 2004, p. 11). Este ato, como metáfora da expressão arquitetónica do imaginário do arquiteto, pode ser entendido a partir da conceção de Bachelard31 sobre o poder criador da ‘metáfora’ e da ‘imagem’, referindo que: A metáfora vem dar corpo concreto a uma impressão difícil de exprimir. […] A imagem, obra de imaginação absoluta, extrai todo o ser da imaginação […] a uma imagem podemos dar o nosso ser de leitor, ela é doadora do ser. […] obra pura da imaginação absoluta, é fenómeno do ser, um dos fenómenos específicos do ser falante. (Bachelard, 1989, p. 87/88) Esta relação [tectónica] entre a arquitetura e o lugar é recorrente na arquitetura contemporânea portuguesa, como analisaremos de seguida algumas obras que evidenciam esta comunhão entre a arquitetura e o lugar no panorama arquitetónico português, com enfoque inicial na Escola do Porto, como referência nacional desta militância entre os arquitetos portugueses na forma como exploram o sentido existencial do lugar nos seus projetos. Depois de um breve enquadramento sobre a Escola e as suas figuras mais proeminentes (Távora, Siza Vieira e Souto de Moura), faremos referência a três projetos que demonstram inequivocamente a influência que a “doutrina” da Escola Porto exerce sobre a arquitetura contemporânea portuguesa. Hoje, na arquitetura portuguesa contemporânea são visíveis os laços que a ligam à natureza, aos sítios e aos lugares. Tome-se como exemplo as piscinas de Leça em Matosinhos, de Siza Vieira, onde o betão se alia harmoniosamente com os rochedos, ou Pousada de Santa Marinha em Guimarães onde Fernando Távora projetou um edifício que se submete deliberadamente à envolvente e se funde com o terreno. […] (Neves, 1993, p. 16) 31 Gaston Bachelard (1884-1962) foi um filósofo e poeta francês, o referido excerto pertence à sua obra “A Poética do Espaço”. Humberto José Barros da Silva 102 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A Escola do Porto A Escola do Porto foi, sobretudo, plataforma coletiva nunca perfeita nem pacífica, não com o objetivo de academizar um património comum, estabilizando uma soma de códigos formais, mas com o desejo de transformar uma suposta inteligência comum do fenómeno da arquitectura em projeto pedagógico institucionalizado. O atelier privado e a escola foram plataformas complementares de aprofundamento e garantia de vínculos culturais e disciplinares duráveis e transmissíveis. (Figueira, 2002, p. 13) A “Escola do Porto” enquanto referência nacional de um modo de fazer e pensar a arquitetura tornou-se uma referência da cultura arquitetónica portuguesa. É entendida como uma entidade onde os melhores arquitetos da cidade davam aulas e de onde partem, e regressam, as experiências arquitetónicas mais consistentes e reveladoras a nível nacional. No entanto a história da Escola é feita essencialmente por algumas das suas figuras mais proeminentes. “São todavia personagens cujo gesto poético atravessa e argumenta inelutavelmente a cultura arquitetónica portuguesa” (Figueira, 2002, p. 19) Foi sede de cumplicidades entre personagens tão ricas como os arquitetos Carlos Ramos, Arnaldo de Araújo, Fernando Távora, Álvaro Siza, Souto Moura e tantos outros. Carlos Ramos como professor (desde 1940), e depois como Diretor (a partir de 1952), expandiu culturalmente a Escola. Ramos32, como o seu comportamento flexível e inteligente, iria deslumbrar gerações de estudantes e arquitetos, criando um novo ritmo de funcionamento e urbanidade no seio da Escola. Com a liderança de Ramos, a instituição é alavancada pedagogicamente, desenvolvendo uma maior tensão criativa e valores que fazem mover o Moderno. Com a proliferação do Modernismo na Europa, o ensino da arquitetura em Portugal continuava sem integrar conscientemente as aspirações modernistas. E com uma 32 Carlos Ramos (1892-1969) foi um arquiteto português, nascido no Porto e formado pela Escola de Belas-Artes de Lisboa (1915-1921). Foi colaborador do arquiteto Ventura Terra (1919-21) e do arquiteto Raul Lino (1921). Numa fase inicial, a sua obra foi influenciada pela Art Déco, evoluindo posteriormente, entre a década de 1920 e 1930, para uma tendência racionalista, de aproximação às obras do arquiteto alemão Walter Gropius e a Bauhaus. Devido à aposentação do Arquiteto Marques da Silva, é convidado a integrar o corpo docente da EBAP – Escola de Belas-Artes do Porto –, onde tornou diretor da instituição em 1952. Ao integrar a ESBAP, Ramos depara-se com um ensino tradicional, mas retrógrado face à realidade vigente, o que o levou a implementar uma profunda restruturação pedagógica, atualizando os métodos de trabalho e liberalizando as regras de concursos, organizando seminários de teoria de Arquitetura, estimulando a introdução da cadeira de Urbanismo, entre outras medidas que alavancaram o ensino da instituição. Fundada sobre o legado da Aula de Desenho e Debuxo (1780) e da Academia portuense de Belas Artes (1836), e ascendente direta das atuais faculdades de Arquitetura e de Belas Artes da Universidade do Porto, a ESBAP constituiu, no século XX, uma das experiências pedagógicas e artísticas mais bem-sucedidas em Portugal. Após a desvinculação do curso de Arquitetura em 1979, que daria origem à atual Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto [FAUP], a ESBAP permaneceu em funcionamento até 1992, ano em que é criada a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Humberto José Barros da Silva 103 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa instituição que necessitava de uma validação que acabasse com a demanda oitocentista dos mestres (Marques da Silva, Rogério de Azevedo ou Manuel Marques), urgia uma rápida integração de um novo núcleo de ideias. E Ramos, numa atitude visionária, em 1950, resolve chamar para cargos de assistentes de ensino alguns dos jovens estudantes mais prodigiosos da Escola, entre os quais Mário Bonito, Agostinho Ricca, José Carlos Loureiro, João Andresen, Octávio Lixa Filgueiras, Arnaldo Araújo e Fernando Távora, que na altura manifestou um certo desagrado pelo modelo de ensino praticado, considerando-o uma “desorientação terrível”, e sobre o qual manifesta-se neste tom: “não era um ensino moderno, mas sim um ensino onde na conceção de certos edifícios se podia utilizar aquilo que então se chamava o estilo moderno […] caminhávamos entre modelos de templos romanos […] “ (Távora, Figueira, 2002, p. 28) Carlos Ramos created an atmosphere of opennness within and allowed the young teachers academic freedom. He himself is said to have built none of his own projects, out of the conviction that this would enable him to preserve maximum teaching freedom at a time when all that was ‘modern’ was regarded as an enemy of the regime. (Fleck, 1995, p. 103) O arquiteto Carlos Ramos confia, assim, aos novos assistentes a gestão do ensino da arquitetura, gerindo sempre, com habilidade e consenso, as ideias expostas pelos jovens assistentes. Com uma nova gestão da cultura de ensino, a Instituição – designada na altura de Escola de Belas Artes do Porto – ganha uma nova expressão, com atividades académicas e recreativas, promovidas e apoiadas pelo Diretor Ramos, que fariam da Escola do Porto uma Instituição autossuficiente, distante de quaisquer contingências do opressivo quotidiano salazarista. Ilustração 103 – Palácio dos Braguinhas – Edifício da antiga Escola Superior de Belas Artes do Porto [ESBAP] e atual instalação da Faculdade de Belas da Universidade do Porto [FBAUP]. (Universidade do Porto, 2015) Humberto José Barros da Silva 104 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Entretanto, em 1948, realiza-se o 1º Congresso Nacional de Arquitetura, que viria a ser revelador, gerando uma profunda reflexão sobre as fragilidades que abrangem a profissão e o ensino. Enquadrado num contexto tradicional, o congresso opôs resistência à arquitetura do regime, consubstanciando-se na afirmação do Moderno, nomeadamente, na cultura da Carta de Atenas e na resolução do problema habitacional, aspeto último que veio a dar o mote para a reflexão sobre “O Problema da Casa Portuguesa”, manifestada por Távora, em 1947. Aberto o confronto e havendo uma opinião generalizada sobre a reforma do ensino ministrado nas Escolas de Belas Artes Portuguesas, o congresso viria a incutir nos arquitetos portugueses maior consciência ideológica, marcando, assim, o fim de uma época de convenções, embora tardia, dos ditames da arquitetura moderna, entretanto generalizada por toda a Europa. Com esta nova consciência que o congresso despertou no arquitetos, atitude progressista do modernismo viria a ser a posta em causa, e contrabalançada com a consolidação da visão tradicionalista da arquitetura portuguesa, uma vez que a matriz modernista não resolvia por si só o problema identitário da “Casa Portuguesa”. Esta reflexão sobre a efetivação de uma identidade arquitetónica nacional viria a originar o “Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal”. E assim o “regionalismo” da arquitetura popular viria a ser determinante na efetivação de uma arquitetura portuguesa que se pretendia moderna, mas consentânea com o seu território de produção, instaurandose assim uma comunhão entre o moderno e a tradição. Uma comunhão que Távora sempre considerou vital para um progresso sustentado da arquitetura portuguesa, que não deve negligenciar a evolução histórica do panorama arquitetónico, mas também não pode, no processo, desvalorizar os valores do seu espaço cultural. A partir desta reflexão, os princípios modernistas de contexto nacional já não podem representar somente o lado incontornável do progresso, mas terão que se adaptar à cultura portuguesa, à uma arquitetura moderna e contemporânea que ressalve os valores e o legado da arquitetura regional, pois essa é certamente, segundo Távora, a que melhor define o espaço cultural de um povo. Portugal é dotado de belíssimos sítios naturais e os nossos passados deixaram-nos excelentes lições quanto ao equilíbrio sítio-edifício, mas em face dos crimes que vemos cometerem-se aqui e ali contra a nossa paisagem, não será difícil concluir que tal sentimento de equilíbrio abandonou os nossos contemporâneos pois que, de um modo quase geral, quando um edifício de hoje se instala num sítio, perdem-se um e outro por Humberto José Barros da Silva 105 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa ausência de relações corretas entre ambos. E se um mau edifício pode ainda ser suportável numa rua ou numa praça, na medida em que estas dominem sobre ele, um edifício mal relacionado com um sítio significa todo um extenso trecho de paisagem destruído, toda uma oportunidade perdida. E também assim se vai delapidando o nosso espaço. (Távora, 1996, p. 59) A Escola do Porto restabelecerá o seu campo de ação a partir dessa consciência, de uma produção arquitetónica vinculada ao seu contexto. Fundamentada inicialmente com as obras de Távora, a partir das décadas de 50 e 60, e mais tarde com as de Siza e Souto de Moura, que elevaram para outra dimensão o legado arquitetónico que regeu as obras de Távora. O lugar como conceito físico, fenomenológico e ontológico é, sem dúvida, um pilar fundamental de quase toda a arquitetura portuguesa depois da revolução de 1974. Aquilo que se denomina vulgarmente como a «Escola do Porto», e que teve uma influência quase unânime nos arquitetos portugueses depois dessa data, sublinhava consecutivamente a importância dos lugares na formulação das ideias e das intervenções do arquiteto Siza Vieira e, nesse aspeto, uma referência fundamental. (Neves, 2001, p. 8) A partir das obras destes três arquitetos, fixa-se o expoente máximo do legado da Escola do Porto, o que lhe atribui projeção e consolidação internacional. Projeção que terá tido início com o lançamento, em 1986, da primeira monografia internacional sobre Álvaro Siza: “Professione poética”, tendo como ilustração da capa o emblemático edifício de Siza Vieira “Bonjour Tristesse”, em Berlim. A potência retroativa da publicação terá dado o mote para a difusão internacional da arquitectura contemporânea portuguesa e consequentemente da Escola do Porto. A Escola, enquanto instituição, e as pessoas envolvidas continuam, ressalva, mas como um lastro: qualquer coisa que fica quando um objeto se move com muita velocidade e deixa sempre qualquer coisa para trás, acho que é essencialmente isso que se vive nos últimos 20 anos no Porto. (Figueira, 2011) Ilustração 104 – Edifício “Bonjour Tristesse”, Berlim, Álvaro Siza Vieira. (Testa, 1996, p. 75) Humberto José Barros da Silva 106 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Importa ainda ressaltar um aspeto determinante na caracterização do legado da Escola do Porto, quer como processo criativo, quer como processo de leitura e compreensão do lugar, que compreende “a passagem pelo desenho, como uma espécie de instrumento primário de entendimento do mundo, essa aprendizagem básica e arcaica, é talvez o legado mais bonito e estruturante da Escola do Porto”. (Figueira, 2011) A mão […] é um vínculo mítico entre a imaginação do arquiteto e a sua obra. […] em movimento desponta como uma promessa: não de um edifício, mas de algo edificado no uso, de uma ligação sinóptica entre sujeito e objeto. Mesmo essa arquitetura não é mais do que um gélido fac-símile da mão. Na mão está o derradeiro sonho de uma arquitetura vivant – de uma arquitetura viva. (Kahn, 2002, p. 73) Ilustração 105 – Siza Sketch perspective for the expansion of the city of Macau in collaboration with Fernando Távora. (Fleck, 1995, p.104) Este método primitivo de utensílio técnico-operativo em arquitetura condensa nestes arquitetos um olhar, uma subtileza e sensibilidade profundas na leitura do lugar. Pois segundo Kahn33 “o desenho conduz a forma à presença” (Kahn, 2002, p. 39). Veja-se 33 Louis Kahn (1901-1974) foi um arquiteto americano, nascido na Estónia. A sua obra caracteriza-se pelas combinações de formas puras, inspiradas por vezes na arquitetura clássica ou medieval, e pela manipulação expressiva dos materiais no seu estado aparente, desprovidos de qualquer outro revestimento. O seu projeto para a extensão da Galeria de Arte da Universidade de Yale (1951-1953) marcou a chegada da monumentalidade à arquitetura moderna americana, embora a sua obra se situe Humberto José Barros da Silva 107 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa o exemplo dos esquissos preliminares para o projeto das Piscinas de Leça, em que Siza desenhou as rochas para que estas se articulassem com a geometria dos tanques, resultando, visualmente, uma piscina essencialmente natural, “calcetada” pelas próprias rochas. Para Siza, “ «Os esquissos de viagem», não são desenhos isoláveis dos esquissos operatórios. São a presença do desenho plástico na actividade de investigação e projectação construtiva. […] esses esquissos povoam os desenhos arquitectónicos de Siza." (Rodrigues, 1992, p. 18). Esquissos que condensam no olhar o sentido existencial do lugar, bem como as suas qualidades menos tangíveis ao observador comum, que traduzem-se em diálogos poéticos nos seus projetos. “Álvaro Siza observa, retém e vivifica a memória com os traços de uma paixão imaginativa. Pensamento, sentimento e vontade; num mesmo movimento de vida, de perplexidade diante das aparências da realidade e duma outra realidade que nem todos veem.” (Rodrigues, 1992, p. 19) Esta visão romântica da arquitetura, proliferada pela Escola do Porto nas últimas décadas, despertou uma certa militância e convergência de pensamentos entre os arquitetos portugueses. Um corporativismo ideológico que irá definir, de um modo geral, a arquitetura contemporânea portuguesa como uma arquitetura de produção vinculada ao lugar, ao seu contexto físico e cultural, mantendo assim vivo um legado fundado por Távora e prosseguido por Siza Vieira, seu discípulo, e posteriormente por Souto Moura, discípulo de Siza. E assim se implementou, na Escola do Porto, um enredo entre mestres e discípulos que manteve inabalável este sentido existencial do lugar na arquitetura contemporânea portuguesa, senão veja-se as três obras, que analisaremos de seguida, destes arquitetos, que evidenciam esta narrativa existencial (e inevitável, como refere Carol Burns) entre a arquitetura e o lugar: “A casa-dos-24”, de Fernando Távora; “As Piscinas de Leça”, de Siza Vieira e a “Casa de Moledo”, de Souto de Moura. “A Casa dos 24”, Porto, Fernando Távora. Sem programa concreto, destinado a ser, apenas, um memorial e centro de informações turísticas, contendo dados históricos e referências sobre a cidade do Porto, a “Casa dos 24”,34 da autoria de Fernando Távora,35 insere-se na antiga malha nos limites do Estilo Internacional, não estando totalmente envolvido nele. A título de curiosidade, Kahn conseguia desenhar com ambas as mãos simultaneamente. 34 A “Casa dos 24” constituía um órgão deliberativo da administração municipal de Lisboa, e mais tarde expandiu-se a outras cidades do Reino de Portugal. Foi criada em 16 de Dezembro de 1383, por D. João I Humberto José Barros da Silva 108 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa da cidade, incorporando o seu léxico medieval espontâneo e sóbrio, numa coerência de forma e matéria. O edifício implanta-se sobre as ruínas de um antigo torreão que albergava os antigos Paços do Conselho da cidade do Porto, denominada “Casa da Câmara”, onde funcionou, em tempos, a vereação municipal da cidade do Porto. A sua construção remonta ao séc. XV, tendo sido erguida junto à muralha românica “Sueva”. Considerada a primeira sede do poder municipal, destinava-se à representação da assembleia da Câmara, e a sua designação popular “Casa dos 24” deve-se ao facto de aí se terem reunido os 24 representantes das corporações de ofícios, que regulamentavam o processo produtivo artesanal, para o controle da técnica de produção das mercadorias. Como forma de manter viva essa memória, o novo edifício também é denominado pela mesma expressão popular. A antiga Casa dos 24 encontrava-se implantada na base da muralha românica, num patamar intermédio entre a Rua de S. Sebastião e o Terreiro da Sé, e apresentava uma forma de torreão, com paredes maciças em granito, que atingiam uma altura de 22m, guarnecidos no topo com ameias (elemento arquitetónico característico da arquitetura medieval) Serviu de instalação aos antigos Paços do Conselho da cidade do Porto, desde o período medieval até finais do séc. XVIII. Mas em 1875, já em estado de abandono, foi completamente destruído por um incêndio, restando apenas uma parte da fachada, orientada para rua S. Sebastião. (Mestre de Avis), com o objetivo de permitir que os mesteirais participassem na governação da cidade. Era composta por dois representantes de cada uma das doze corporações de ofícios da cidade, conhecidas por “bandeiras”, os quais eram coletivamente conhecidos pelos “Vinte e Quatro”. Na sequência da implantação do liberalismo em Portugal, as casas dos vinte e quatro foram extintas. 35 Fernando Luís Cardoso de Meneses e Távora (1923-2005) formou em arquitetura em 1946 na Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP) – atual Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), tornando-se assistente na mesma em 1951, a convite do Arquiteto Carlos Ramos (docente da Escola), e mais tarde professor. Foi um dos impulsionadores do Departamento de Arquitetura da Universidade Coimbra – em colaboração com os arquitetos Alexandre Alves Costa, Domingos Tavares e Raul Hestnes Ferreira –, onde foi posteriormente homenageado com a atribuição do Doutoramento Honoris Causa em 1993. Como personalidade distinguiu-se no panorama da arquitetura nacional devido ao seu aguçado sentido crítico em defesa dos valores identitários nacionais, nunca desvalorizando os ditames de uma arquitetura moderna, mas sim adaptá-la à cultura arquitetónica portuguesa, que encontra o seu ponto nevrálgico na arquitetura vernacular portuguesa. Assumiu-se, deste modo, como um arquiteto nacionalista, cuja tradição e o passado constituem um legado de deveras importância para a identidade e cultura de um povo [português]. Tem entre as suas obras literárias mais importantes “O Problema da Casa Portuguesa” (1945), a participação no “Inquérito à arquitetura Popular” (1955/60) e o ensaio “Da Organização do Espaço” (1962). Participou no primeiro Congresso de Arquitetura Nacional, em 1948, e no VIII, IX e X Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM), em 1951, 1953 e 1956 respetivamente. Humberto José Barros da Silva 109 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 106 - A ruína da antiga Casa dos 24 (Gomes, 2008) Mas antes de aprofundarmos o estudo da obra, importa referir o contexto histórico e urbanístico em que esta se enquadra, evidenciando, também, a forma notável como Távora evoca a memória do lugar, através da recriação da antiga Casa dos 24, tendo sido esta uma referência da urbe portuense. O tecido urbano medieval em que se insere o atual o edifício e o conjunto da Sé do Porto era constituída por um aglomerado de habitações assentes em ruelas sinuosas, que cercavam a Sé, que, por sua vez, também eram cercadas pela antiga muralha sueva. A Sé, situada numa sobranceira da cidade, enquadrava-se num tecido urbano densamente construído (como a maioria das cidades medievais, articuladas por espaços intersticiais, densamente construídos) e, como tal, desprovida de uma área ampla que pudesse destacar a sua monumentalidade. Confrontava-se com uma envolvente exígua, necessitando de uma certa expansão da sua área de influência, algo que coadunasse com a sua imponência. Esta reorganização (legítima ou não) viria a acontecer na década de 1930, na sequência de uma reestruturação urbana, ordenada pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que, seguindo um conceito higienista, no âmbito da política de intervenção nos monumentos do Estado Novo, procedeu à limpeza da área, demolindo uma série de edifícios que punham em causa a conservação física e social daquela zona da cidade. Vários edifícios ali localizados desapareceram, juntamente com a torre designada popularmente como a Casa dos 24. Humberto José Barros da Silva 110 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 107 – Processo de demolições do arranjo urbanístico,1939. (Gomes, 2008) Ilustração 108 – Vista do Terreiro da Sé, com o antigo torreão da “Casa do 24” à esquerda. (Gomes, 2008) Esta reestruturação, para além de resolver o problema da degradação física daquela zona, pretendia expandir o Terreiro da Sé, atribuindo-lhe uma perspetiva mais nobre sobre a cidade, garantindo simultaneamente uma área desimpedida e visitável para as “Comemorações do Duplo Centenário”, referente à Fundação da Nacionalidade (1140) e à Restauração da Independência (1640). E assim foi criada uma praça monumental, debruçada sobre a paisagem urbana da cidade do Porto. Ilustração 109 – Configuração da praça após reestruturação. (Gomes, 2008) Ilustração 110 – Comemorações do Duplo Centenário, 1940. (Gomes, 2008) A intervenção urbanística trouxe uma nova monumentalidade para a Sé e o Palácio Episcopal, em detrimento da extinção de uma parte histórica da cidade e, com ela, o desaparecimento parcial da sua memória. No entanto, não deixa de ser questionável, Humberto José Barros da Silva 111 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa ou pelo menos discutível a validade desta ação infligida a um tecido urbano histórico, uma das zonas mais antigas da cidade. É neste princípio, de reflexão e ressalva da memória coletiva da cidade, que assenta o projeto de Távora – a ideia de referenciar um facto histórico, amenizando a sua trágica demolição. Assim nasce a proposta de recriação da antiga torre da Casa dos 24, outrora uma referência da cidade do Porto, restituindo-se a memória de uma das mais importantes funções da organização civil e política da história da cidade. A evocação de uma referência histórica outrora construída no mesmo local foi a estratégia preconizada para referenciar historicamente o sítio. E para tal foi escolhida a ruína da antiga torre devastada pelas demolições, onde veio implantar-se o novo edifício, com uma aparência pétrea, evocando o corpo granítico do antigo torreão, e estabelecendo, simultaneamente, a mesma relação corpórea com a Catedral, com a muralha sueva, com a escadaria e com todo o léxico tectónico característico do medievalismo. Esta obra enquadra-se no âmbito de uma encomenda feita pela Câmara Municipal do Porto, na segunda metade da década de 1990, para a realização de três projetos públicos para zona histórica, atribuídos aos arquitetos Fernando Távora, Alcino Soutinho e Álvaro Siza. A Távora coube a tarefa de projetar a Casa dos 24, um projeto, à partida, sem programa concreto, o que concedeu ao arquiteto um certo grau de liberdade na preconização da proposta, permitindo-lhe focar-se na relação da arquitetura com o lugar, e no confronto com as “feridas” que permaneceram no tecido urbano, após o arranjo urbanístico que decorreu na áreas envolventes da Sé, no âmbito das Comemorações do Duplo Centenário. O edifício proposto por Távora assenta em dois princípios: a evocação histórica do lugar, através da recriação da antiga torre, e o assentamento literal do novo corpo sobre as ruínas deste. A forma como o edifício se “cose” à ruína remanescente do antigo torreão e o modo como se agrega à escadaria da muralha, fá-lo enquadrar-se perfeitamente no tecido urbano. A proposta assume duas escalas distintas na adaptação à topografia do sítio. Para quem observa o edifício num plano inferior à plataforma da Catedral (Rua de S. Sebastião), este assume a escala das torres da Igreja, mas para quem se confronta como o mesmo à cota de chegada da plataforma (Terreiro da Sé), assume, Humberto José Barros da Silva 112 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa intencionalmente, uma presença mais modesta, perante a imponência da Sé, não querendo confrontar-se com esta, mas coexistindo com ela. A sua suposta camuflagem (aclamada pela materialidade e patine do tempo sobre a obra), a sua imposição formal (que evoca a antiga torre) e a articulação com a preexistência (colagem sobre a ruína), traduzem uma convergência de tempos, assumindo-se, invariavelmente, como um edifício projetado à imagem do lugar e da sua história. Um exemplo paradigmático da relação [tectónica] entre a arquitetura e o lugar. O edifício, contemplado do Terreiro da Sé, assume-se com um autêntico monólito “diluído” na imponente massa pétrea da Catedral, como se fosse um corpo complementar desta, dada a sua proximidade e materialidade. Mas visto da fachada poente, assume maior leveza, potenciada pelo enorme envidraçado que encerra a volumetria. Ilustração 111 – Vista da fachada sul – a relação tectónica e cromática com a envolvente. (Dias, 2015) Ilustração 112 – Vista da fachada poente e a ruína da antiga torre. (Dias, 2015) O desenho do edifício parte de uma planta de base quadrada. É constituído por uma estrutura de paredes de betão em forma de um “U”, assentes na ruína da antiga torre. O edifício é limitado por três faces opacas, abrindo-se, a poente, a quarta face, num enorme envidraçado que permite a contemplação da esmagadora vista sobre a cidade e o Douro. Humberto José Barros da Silva 113 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 113 – Plantas e cortes do projeto de execução (Gomes, 2008) Ilustração 114 – Esquisso do enquadramento urbano do edifício e alçados do anteprojeto, 1996 (Gomes, 2008) Volumetricamente, o edifício enquadra-se no conjunto urbano através de uma associação metafórica do antigo corpo do torreão, na sua proporção e matéria. Assim, o seu corpo de betão, que compõe as três faces opacas, é revestido com placas de granito serrado, simulando o corpo maciço, de granítico, da antiga torre. Esta presença pétrea do edifício pretende dar continuidade à cor, estereotomia e textura da ruína remanescente sob o novo corpo, como se de uma “colagem” se tratasse. A sobreposição intencional entre novo e antigo, imposta por Távora, é bem evidente na fachada norte, adossada à escadaria que liga o Terreiro da Sé à rua de S. Sebastião. No entanto, a solidez exterior do edifício esbate-se na transparência interna do mesmo, ou seja, o imponente envidraçado, que encerra a sua quarta face, devolve ao interior a transparência e leveza que o exterior, intencionalmente, recusa. Humberto José Barros da Silva 114 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 115 – Vista da fachada norte, adossada à escadaria de acesso à Rua de S. Sebastião. (Urry, 2015) Esta intervenção é mais um testemunho da reconhecida dedicação do arquiteto Fernando Távora na salvaguarda do património histórico e na preservação da cultura arquitetónica portuguesa. Mais do que afirmar a obra em si, Távora procurou implementar instrumentos de sensibilização para futuras intervenções de restauração urbana. Portanto, será legítimo encarar esta obra como um ato coercivo, de resposta à demolição parcial de um tecido urbano histórico, lançando, assim, mais uma importante reflexão sobre a importância da preservação da memória coletiva do património histórico [português]. A leitura de Távora fixa-se na delapidação e na descontinuidade do espaço como fim trágico da cidade que o homem está a construir. […] coloca a intervenção arquitetónica a ler e a resolver as desavenças do território, numa leitura de um futuro todo imaculado, carregado de nostalgia. (Figueira, 2002, p. 36) Ilustração 116 - Vista panorâmica da “Casa dos 24” integrada na malha urbana (Urry, 2015) Humberto José Barros da Silva 115 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Piscina das Marés, Leça da Palmeira, Álvaro Siza Vieira. A Piscinas de Leça, dissimulada entre a estrada e o mar, torna-se ela própria parte integrante da paisagem, fundindo com esta, estabelecendo uma relação forte com a natureza. “O sítio constitui um dos fundamentos do desenho arquitetónico, sendo indutor de referências para a lógica da conceção. (Duarte, 2002, p. 66) Próximas da Casa de Chá, da autoria de Siza Vieira36, as Piscinas estão implantadas ao longo da avenida marginal de Matosinhos – um passeio ribeirinho que se estende ao longo de um quilómetro, delineado por um paredão que inflete junto ao promontório da Boa Nova. A construção, imersa e adossada à muralha costeira, numa cota inferior à da avenida, torna-se impercetível, deixando imperturbada a linha do horizonte. O projeto só se formalizou, após a Câmara Municipal de Matosinhos ter aprovado a implantação dos tanques nas rochas. Em termos programáticos, esta obra consta de duas piscinas; uma para adultos e outra para crianças, e um edifício de apoio. O edifício, para além da relação tectónica que estabelece com as rochas, adapta os seus aspetos programáticos à morfologia do terreno. Nesta simbiose entre natural e artificial, um plano intangível na sua projeção direciona o nosso olhar para a linha do horizonte, elevando o caráter místico do edifício. Siza refere que o ângulo de 45º que descreve o plano evoca Taliesen West, do arquiteto 36 Álvaro Joaquim de Melo Siza Vieira (1933) é um arquiteto português, nascido em Matosinhos e formado na antiga Escola Superior de Belas-Artes do Porto [ESBAP] entre 1949-1955. Considerado a figura mais proeminente da arquitetura contemporânea portuguesa, iniciou a vida profissional muito cedo (1955), mas no entanto o seu talento foi reconhecido mais rapidamente no estrangeiro do que em Portugal, principalmente através das obras de recuperação do bairro judeu de Veneza e do bairro Kreuzberg, em Berlim. Construiu a sua primeira obra em 1954, dando assim início à sua prematura carreira na sua cidade natal. Discípulo de Távora, a edificação do seu projeto “4 Casas em Matosinhos”, quando era ainda estudante, deu polémica, devido à sua audácia e inovação para a época. É em Matosinhos que se encontram alguns dos seus trabalhos mais emblemáticos, entre os quais a Piscina da Quinta da Conceição (1958-1965), a Piscina das Marés (1961-1966), a Casa de Chá da Boa Nova (19581965), e mais recentemente a marginal de Leça da Palmeira (2006). Entre essas obras destacam-se ainda o Centro Galego de Arte Contemporânea e a Faculdade de Jornalismo, ambos em Santiago de Compostela, Agência bancária Pinto & Sotto Mayor (1971-74); o edifício de habitação “Bonjour Tristesse”, em Berlim (1980-84), Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (1986-99); Escola Superior de Educação, em Setúbal (1986-94), Plano do Chiado (1988), Igreja de Santa Maria e Centro Paroquial de Marco de Canavezes (1990-96); Museu de Arte Contemporânea, Fundação Serralves (1991-99), Pavilhão de Portugal da Expo ’98 (1995-98); o Centro Cultural Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, Brasil, Pavilhão de Portugal da Expo de Hannover, em colaboração com Souto de Moura (1999-2003), a Casa de Chá da Boa Nova (1963), entre outros projetos da sua vasta obra. Entre as inúmeras publicações da sua vasta obra encontra-se o seu ensaio de reflexão “Imaginar a Evidência”, sobre algumas obras suas. Foi ainda distinguido com inúmeros prémios, entre os quais a Medalha Alvar Aalto [1988), o Prémio de carreira Pritzker (1992), o Prémio Europeu de Arquitetura Mies Van der Rohe (1988), Prémio Nacional de Arquitetura (1993), o Prémio Secil de Arquitetura (1996 e 2000), entre outros da sua extensa lista. É ainda doutor “Honoris Causa” pelas mais diversas universidades, entre as quais a Universidade Politécnica de Valência, de Lausanne, a Universidade de Palermo, Lusíada, Coimbra, entre outros. Humberto José Barros da Silva 116 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa americano Frank Lloyd Wright (1937), que na altura fosse uma revelação para o arquiteto: Recordo que quando começava o projeto, comprei um livro sobre a obra de Frank Lloyd Wright, e certos aspetos, certas partes da sua obra, como a casa do deserto, tiveram uma influência positiva sobre o meu trabalho. Na piscina está presente o poder da sua essencialidade geométrica, concretizando-se, mesmo, a sua presença nos 45º de implantação utilizados por Wright no seu projeto. Lembro-me que, então Wright foi para mim uma via de libertação. (Siza Vieira,1995, p. 32) Ilustração 117 – Planta Piscina das Marés. (Siza, 1999, p. 58) Ilustração 118 – Planimetria do complexo Taliesin West. (Wright, 2007, p. 129) Ilustração 119 – Perspetiva do plano a 45º. (Siza, 1999, p. 82) Humberto José Barros da Silva 117 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A hierarquia topográfica e morfológica sobre a qual o programa se desenvolve evoca conotações espaciais, históricas e sociais associadas ao ritual do banho, pela forma como desempenhamos espacial e socialmente as tarefas que, de forma sequencial, nos levam ao banho. Como refere Frampton: “ […] as piscinas de Leça – da terra até ao mar – dividem-se em cinco elementos sequenciais. São estes, a avenida marginal, o edifício dos balneários, a formação rochosa, as piscinas encastradas na rocha, e finalmente o próprio mar” (Frampton, 1989, p. 177). O lugar questiona a importância do tempo na condição contemporânea, na sua progressão e heterogeneidade, nas suas fragmentações e descontinuidades. Contudo, os valores da memória, das referências que constituem e definem os seus atributos, criam um sentido de libertação da mente, pois o simples facto de ir à piscina não se destina somente a nadar, mas também a articular significados próprios ao sentido mais profundo do lazer, definindo o lugar sociocultural e psicológico dos acontecimentos. (Duarte, 2002, p. 66) Nesta intervenção, as duas linguagens tectónicas que formalizam a cobertura e as paredes do edifício integram uma dicotomia entre o telúrico e o efémero. No primeiro caso a força telúrica do natural sugere uma articulação profunda e indissociável com a terra/terreno, como se dela fizesse parte. No segundo caso a efemeridade e leveza da cobertura, em ripados de madeira, folheado a cobre, sugere uma estrutura transitória assente numa perene e intemporal. Ilustração 120 – Pormenor da cobertura em estrutura de madeira assente nas paredes de betão, (Siza, 1999, p. 59) Mas é na construção das piscinas que a articulação topográfica revela, verdadeiramente, o conceito arquitetónico de integração com o lugar: Enquanto a piscina para adultos formaliza geometricamente uma assumida ortogonalidade; a das Humberto José Barros da Silva 118 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa crianças descreve uma curva elegante, condizente com a organicidade das rochas. Siza nas suas palavras refere que: Pretendia otimizar as condições criadas pela natureza, que já ali tinha iniciado o desenho de uma piscina. Era necessário tirar partido dos mesmos rochedos, complementando a contenção da água somente com as paredes estritamente necessárias. (Siza vieira, 2009, p. 47) Ilustração 121 – Articulação das piscinas com as rochas. (Ganshrit, 2004, p. 75-94) A integração da formação rochosa no projeto elevou a complexidade de implantação das fundações das paredes estruturais de betão, que exigiu uma delicada execução de forma a preservar as rochas, que se fundem magistralmente com as plataformas de veraneio, que se apresentam camufladas, pela relação tectónica e cromática que estabelecem com as rochas e o areal da praia. “A Piscina de Leça encontra uma forma plástica que dialoga as formas lineares do betão com a presença rugosa dos rochedos. Resposta expressiva e funcional à aptência dum lugar junto do mar.” (Rodrigues, 1992, p. 77) Ilustração 122 - A simbiose entre o betão, as rochas e o areal. (Siza, 1999, p. 60) Humberto José Barros da Silva 119 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Do ponto de vista dicotómico matéria/materialidade, o complexo das piscinas possui uma homogeneidade notável. Cor, tom, sombras e patine variam hierarquicamente dentro de uma escala de contantes permutações de aparência, sazonalmente e ao longo do dia. A relação tectónica estabelecida pela cuidadosa articulação entre as rochas e o edifício em seus múltiplos percursos, parede, plataforma, escada e acessos, remetenos a cada instante, para o confronto com o poder telúrico da natureza. Esta obra é um exemplo paradigmático do “território enquanto matéria de construção” de uma ideia de projeto vinculada à matéria tectónica do terreno, perspetivando a própria matéria do tempo sobre a obra. Ilustração 123 – A patine do tempo sobre o betão e as rochas, resultando na fusão entre o natural e o construído. (Olhares, 2015) Humberto José Barros da Silva 120 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Casa de Moledo, Caminha, Eduardo Souto Moura Na programática das residências, a temática da ruína é recorrente nos projetos de Souto de Moura37, pela exaltação do objeto arquitetónico à condição de ruína, uma relação sítio/arquitetura que à partida já se encontra consolidada pela matéria do tempo sobre a ruína. Morfologicamente, a presença do novo corpo é “diluída” na preexistência, passando a coexistir com ela, e estabelecendo estrategicamente uma relação de fusão com o seu contexto, uma vez que a presença entrópica da ruína já consolidou essa relação ao longo tempo. Ilustração 124 – Vista Poente da ruína adossada à casa. (Gili, 1997, p. 45) Com um orçamento limitado, o programa base do projeto desta casa é tão simples quanto a sua execução: recuperar uma ruína, consolidando-a como jardim, e construir a casa ao lado. 37 Eduardo Elísio Machado Souto de Moura (1952) é um arquiteto português nascido e formado no Porto, pela Escola de Belas Artes do Porto e pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, onde leciona atualmente. Enquanto estudante, colaborou no ateliê de Siza Vieira entre 1974 e 1979. Em 1980 conclui a licenciatura e inicia atividade liberal, recebendo na altura o seu primeiro prémio, atribuído pela Fundação Engenheiro António de Almeida. As grandes referências culturais na sua formação são: Siza Vieira, seu Mentor; os arquitetos Mies Van der Rohe (1886-1969) e Aldo Rossi (1931-1997), as grandes experiências californianas dos anos 50 e 60 sobre as “Case study houses”, a arte minimalista de Donald Judd e Sol Lewitt; Bernardo Soares, um dos heterónimos de Fernando Pessoa (1888-1935), Ronald Barthes (1915-1980), pensador e escritor francês, pelo pintor catalão Antoni Tapiès e pelo artista plástico alemão Joseph Beuys (1921-1986). Foi professor convidado nas mais diversas faculdades de Arquitetura europeias, entre as quais a Faculdade de Arquitetura de Paris-Belleville (1988), Faculdade de Arquitetura de Harvard e Dublin (1989), ETH de Zurich (1990/91) e Faculdade de Arquitetura de Lausanne (1994). A sua obra é objeto de inúmeras publicações, tendo como principais projetos, o Mercado e o Estádio Municipal de Braga, a Casa das Artes, a Casa do Cinema de Manoel de Oliveira, o edifício Burgo no Porto, a Reconversão do Convento de Santa Maria do Bouro, o Metro do Porto, entre outros projetos. Foi distinguido com o prémio de carreira Pritzker em 2011. A título de curiosidade, pela proximidade cultivada por estes arquitetos, Souto Moura vive no Porto, numa moradia com 3 habitações por ele projetado, e onde é vizinho de Siza Vieira. Para além de trabalhar num edifício que partilha com o seu mestre Siza Vieira. Humberto José Barros da Silva 121 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Para construi-la foi necessário a desmontagem do muro de contenção do talude adossado à ruína, para se proceder à escavação da terra. Construída a casa – em negativo –, recriou-se o muro de contenção, e a casa, escavada e dissimulada, tornase, assim, parte integral do terreno e da paisagem, dando continuidade ao conjunto de taludes, como se fosse mais um socalco que humaniza as vertentes do terreno. A casa propriamente dita é uma “caixa” de vidro, que relaciona-se, visualmente, com o rochedo (a nascente), descoberto entretanto durante a construção, e que resultou na criação de uma segunda fachada de vidro. A poente a casa abre-se às paisagens do Douro. Adossada à ruína e encravada por entre os muros rústicos de contenção, que se prolongam para o seu interior, ela remete-nos para a rusticidade das construções tradicionais características do Norte, mas com uma linguagem moderna, minimalista, “miesiano”38, se assim for elucidativo designar. Ilustração 125 - Planta do piso – O rochedo torna-se parte integrante da estrutura espacial da casa. (Gili, 1997, p. 46) 38 Termo referente ao Arquiteto Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), pelo minimalismo dos seus projetos, à semelhança da Casa de Moledo, que é influenciada certamente pelas suas obras, como por exemplo o “Pavilhão Alemão” na exposição mundial de 1929, em Barcelona; e mais concretamente a “Casa Farnsworth”, no Illinois, Estados Unidos. Humberto José Barros da Silva 122 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 126 – Vista da cobertura assente sobre o terreno, referenciando uma nova topografia humanizada. (Toy, 1999, p. 86) Ilustração 127 – Vista Poente – A casa estabelece uma relação de continuidade com os muros de contenção dos socalcos. (Gili, 1997, p. 45) No entanto, uma vez que a casa encontra-se dissimulada na paisagem, o arquiteto estabelece um contraponto interessante, ao assumir a laje de cobertura como um corpo novo e autónomo na paisagem, que assenta simplesmente no terreno, simbolizando a intervenção humana na natureza e marcando a presença da casa vista de cima. “From the outset, the roof of the House at Moledo was exposed in order to declare itself a new object. It is visible as if it has fallen from the sky.” (Toy, 1999, p. 85). Se vista de baixo, a casa se quer integrada na paisagem e na lógica exuberante dos socalcos que estratificam o terreno; vista de cima, a sua presença é aclamada pelo corpo autónomo da cobertura, que afirma-se com uma nova topografia do lugar. “Em Moledo o tema é aquele da cobertura, da casa como uma ‘mesa’ […] como um objeto ‘colocado’ sobre o terreno […] “ (Baglione, 1999, p. 89) Ilustração 128 - Vista nascente da relação que o rochedo estabelece com o interior e exterior da casa. (Toy, 1999, p. 87) Humberto José Barros da Silva 123 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 129 - Pormenor construtivo das fachadas Nascente/Poente. (Futagawa, 1999, p. 85) Humberto José Barros da Silva 124 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Centro das Artes – Casa das Mudas, Paulo David. “Toca-nos a especificidade do lugar” (David, 2007, p. 24) Ilustração 130- Centro das Artes- Planta de Localização (David, 2007, p. 34) O Centro das Artes, da autoria do arquiteto Paulo David39, implanta-se na linha de festo de uma colina no conselho da Calheta, na zona poente da ilha da Madeira, próxima da cidade do Funchal, estando delimitado, a nascente, pelo concelho da Ponta do Sol e, a norte, pelo conselho de Porto Moniz. O centro resulta de uma ampliação da já existente “Casa da Cultura da Calheta”, e conta com uma área coberta de 12.000 m2. Com um núcleo programático completamente novo e autónomo, 39 O arquiteto Paulo David (1959) é natural do Funchal. Licenciou-se em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa [F.A/U.T.L] em 1989. Foi colaborador do arquiteto Gonçalo Byrne entre 1988 e 1989e do arquiteto Carrilho da Graça no mesmo ano de 1989, tendo iniciado atividade liberal em 1996. Foi assessor do Departamento de Planeamento Estratégico da Câmara do Funchal entre 1995 e 2003, e professor assistente convidado na Universidade da Madeira entre 2001 e 2004. Integrou as exposições “Itinerários e arquitetura” (1989), “Cumplicidades” (1999), “Geração 90” e “Habitar Portugal (2003), promovidas pela Ordem dos Arquitetos, nos projetos selecionados da Região Autónoma da Madeira. Integrou também, em 2004, a “Exposição Arquitetura e Design de Portugal” (1990/2004). Foi nomeado para o Prémio Europeu de Arquitetura Contemporânea Mies Van Der Rohe em 2005, com o Centro das Artes – Casa das Mudas e distinguido com o Prémio de Arquitetura da Cidade do Funchal (1996, 1ª edição); Prémio “ A Pedra na Arquitetura”, 7ª edição, com o projeto Centro das Artes – Casa das Mudas (2005); Prémio Enor, 1ª edição, também com o Centro das Artes – Casa das Mudas (2005); o Prémio “Fad” – Arquitetura Ibérica, com a obra Complexo das Salinas – Câmara dos Lobos (2007); Prémio Internacional da Pedra na Arquitetura, “Marmomacc”, 42ª edição em Padova, com o Complexo das Salinas (2007); Prémio Internacional de Arquitetura em Pedra, Verona, também com a obra do Complexo das Salinas (2007); Prémio Carreira da Secção portuguesa da Associação Internacional dos Críticos de Arte – Ministério da Cultura (2007), e em 2012 foi distinguido com Medalha Alvar Aalto (2012), tendo sido o 10º arquiteto, a nível internacional, a receber tal honra, desde a instituição do prémio em 1967, tendo sido o seu primeiro vencedor o arquiteto finlandês Alvar Aalto, como a própria denominação do prémio assim o indica. Com este prémio, o arquiteto Paulo David junta-se, assim, ao arquiteto Álvaro Siza Vieira, que também foi distinguido com o mesmo prémio em 1988. Humberto José Barros da Silva 125 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa o Centro inclui um auditório, biblioteca, loja, cafetaria, restaurante, área para exposições e uma extensa zona de ateliers e oficinas artísticas. Esta entidade cultural tem como objetivo sensibilizar o público para as artes em geral e para a importância da cultura na sociedade madeirense. E para isso aposta na descentralização da oferta cultural, desenvolvendo uma política inclusiva, que permita a diferentes grupos sociais e etários o acesso à cultura, ao lazer e à produção artística e cultural. A ideia motriz do projeto tem por base a recriação do monte, “esculpindo” o corpo do edifício na sua matéria pétrea. Conceptualmente, este processo de subtração de matéria resulta num conjunto de peças esculpidas na superfície montanhosa, gerando, numa subversão, espaços negativos, relativamente aos acessos pela cobertura, o que resultou na criação de uma nova topografia, atribuindo ao edifício um carácter dual – qualidade de natureza, enquanto “formação rochosa habitada”; e qualidade de artifício, enquanto intervenção humana na paisagem. Com esta estratégia de implantação, em que a cobertura surge em primeiro plano na confrontação com o edifício, os volumes escavados propõem uma experiência subterrânea do corpo no espaço, deixando imperturbada a contemplação da esmagadora vista sobre o mar. Ilustração 131 – Cortes – O edifício atuando como topografia humanizada, gerando espaços, por subtração, na massa rochosa da colina (David, 2007, 38) Humberto José Barros da Silva 126 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa O edifício procura adaptar-se às condições topográficas, levando ao limite a sua projeção sobre a encosta, e estabelecendo uma relação vertiginosa com a falésia e o mar. Para além da sua implantação, a estreita relação com o lugar é veiculada pelo seu corpo revestido de pedra basáltica – uma rocha vulcânica, com tonalidades que esbatem-se do cinzento-escuro ao preto e com uma textura fina e vítrea –, que ambiciona fundir-se com a paisagem, ajustando-se às suas constantes permutações de aparência. Ilustração132 – A mutação cromática do edifício ao longo dia (David, 2007, p. 35) A forma como o edifício gera uma topografia humanizada na colina, quer pela evocação da sua matéria geológica, quer pela lapidação da sua massa pétrea, confere-lhe à colina qualidade de matéria habitável, gerada por rasgos, percursos e espaços expectantes que induzem o visitante a explorar os seus limites. Este processo de subtração de massa, que gera vazios no edifício, atribui-lhe um aspeto de afloramento fragmentado, no seu núcleo, pelos movimentos tectónicos e processos de erosão do solo, remetendo-nos para as transformações geomorfológicas, de origem vulcânica, que o território da Madeira esteve sujeito durante os processos de solidificação das suas paisagens, ocorridos com o Humberto José Barros da Silva 127 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa arrefecimento rápido da lava em contacto com a frente de mar, gerando um equilíbrio raro entre Forma e Lugar. Muntañola40, no seu ensaio «arquitetura como lugar», refere que “o lugar e a arquitetura são objetos privilegiados para estudar a dialética entre a lógica do lugar e experiência que temos dele”. (Muntañola, 1996, p. 18). Estas narrativas [tectónicas] entre o lugar e a arquitetura, entre o natural e o artificial, são uma constante nas obras do arquiteto Paulo David, mais concretamente uma metodologia de projeto, que evoca o lugar através da materialidade. A forte fisionomia visual das paisagens vulcânicas da ilha da madeira potencia este sentido refinado do arquiteto na exaltação do lugar. “Este território insular de orografia forte, de configuração piramidal […] tornam as intervenções do arquiteto fortes e precisas […] “ (David, 2007, p. 25). Os seus edifícios vivem de uma certa abstração entre o natural e o artificial, celebrado pela força telúrica do território, como o conjunto do Complexo das Salinas, Câmara dos Lobos, onde o paredão e as plataformas se fundem com os rochedos; ou o Pavilhão do vulcanismo, onde o corpo pétreo do pavilhão estabelece uma relação tectónica muito intensa com a falésia em que se encastra, como se brotasse dela. Na Madeira, a paisagem assume uma preponderância extrema e é, ela própria, representativa de economia e turismo. A questão da paisagem pelas memórias anteriormente referidas reflete-se num respeito e numa consciência de não “gritar” mais alto que a dimensão telúrica da morfologia territorial.” (David, 2007, p. 27) 40 Josep Muntanõla (1940) é um arquiteto e teórico espanhol, professor catedrático da Universidade Politécnica da Catalunha e teórico de arquitetura. Tem entre a sua vasta obra teórica “La arquitectura como Lugar” (1974), “Topogénesis dos” (1978), “Topogénesis uno” (1979), “Topogénesis três” (1980), “Topos y logos” (1978), “Poética y arquitectura” (1981), “Comprender la arquitectura” (1985), “Retórica y arquitetctura” (1985), “El niño y la arquitectura” (1984), “El niño y el medio ambiente: orientaciones para los niños de 7 a 10 años de edad” (1984). A sua contribuição para a teoria da arquitetura incluem a teoria da génese do lugar (topogénesis), bem como as investigações sobre o desenvolvimento das capacidades cognitivas e arquitetónicas das crianças. Humberto José Barros da Silva 128 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 133 – Complexo das Salinas, Câmara dos Lobos, Ilha da madeira - A relação tectónica entre o paredão e as plataformas com os rochedos, recriando e humanizando uma nova topografia que ambiciona fundir-se com as rochas. Ilustração 134 – Pavilhão do vulcanismo, Ilha da Madeira – A relação que o corpo pétreo do pavilhão estabelece com a falésia, como se brotasse dela. (Barbosa, 2015 Este diálogo constante que os seus projetos estabelecem com a paisagem deriva da condição periférica da sua função enquanto arquiteto no arquipélago da Madeira, o que lhe permite exercer a profissão com um certo desprendimento, alheio a quaisquer virtuosismos arquitetónicos que negligenciem a ligação intrínseca da arquitetura com o seu contexto geográfico, cultural e social, que deixando de ser consentâneos perdem a autenticidade e visibilidade nos seus aspetos mais intrínsecos. “Lidar com o mar, numa ilha, sem o imediatismo óbvio, é o desafio que assinala as suas melhores obras.” (Milheiro, 2007, p. 12). O arquiteto refere ainda que “este estado de insularidade, embora reconhecendo a sua situação ultraperiférica, estimula o propósito de exercer a profissão com serenidade, distante de outras contaminações […] ” (David, 2007, p. 25). Pois “a ideia da volumetria e do objeto arquitetónico ser preponderante em relação à paisagem é algo com que não me entusiasmo. (David, 2007, p. 25). Humberto José Barros da Silva 129 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A arquitetura de Paulo David está indelevelmente marcada pelo contexto geográfico em que optou trabalhar, a Madeira. O arquiteto tem a seu favor um conhecimento profundo da realidade física e social onde se insere, facto esse a que não será estranha a concepção arquitectónica que fundamenta as suas principais propostas.” (Baptista, 2007, p. 12) Numa sociedade que celebra a globalização (apesar das vicissitudes que isso possa implicar), a condição periférica do seu trabalho liberta-o de quaisquer dogmas arquitetónicos que ponham em causa a identidade do território, atribuindo-lhe uma consciência do tempo sobre as coisas, a forma como poderão gerar uma identidade consentânea com o seu contexto físico e cultural, ou deixar em aberto, como dimensão oculta, a possibilidade de o território, com as suas valências, conferir-lhes essa identidade. “Para o arquiteto madeirense, a paisagem não é uma realidade cenográfica unitária, previamente dada e inteiramente disponível, mas uma construção humana assente numa experiência temporal de descoberta […] ” (Baptista, 2007, p. 12) A arquitetura de Paulo David fundamenta-se, portanto, na ideia de indissociabilidade entre a realidade natural e a humanizada, mediadas por ações e intervenções transformadoras que lhes confere sentido. Na Casa das Mudas, o arquiteto procura fundir a topografia natural com a humanizada, atribuindo ao edifício um caráter de ambivalência, entre natureza e artifício. Bem como no Complexo das Salinas, onde evoca tectónica e topograficamente o afloramento do terreno (formado pela estratificação vulcânica e o consequente arrefecimento da lava em contacto com o mar), recriando uma nova dimensão espacial, uma qualidade ambiental híbrida, que harmoniza a paisagem natural com a artificial, que funde-se com as rochas num anseio dual de integração/dissimulação e simultaneamente de destaque/revelação. Centro de Educação e Interpretação Ambiental da Paisagem Protegida do Corno de Bico. O território A Paisagem Protegida do Corno de Bico está inserida no conselho de Paredes de Coura, no Distrito de Viana do Castelo. Situa-se no sudeste do conselho, onde os seus limites a Nascente e Sul coincidem, respetivamente, com os conselhos de Arcos de Valdevez e Ponte de Lima. A Norte está limitada entre Cenoi e Lamas. Humberto José Barros da Silva 130 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 135 - Mapa de localização da Paisagem Protegida do Corno de Bico (Paredes de Coura, 2015) Sendo uma paisagem protegida, compreende uma área de paisagens naturais, seminaturais e humanizadas, cujas características e valores naturais ou culturais conferem-lhe um especial interesse a nível regional e nacional. Deste modo, a Paisagem Protegida do Corno de Bico constitui um valioso Património Natural de vida animal e vegetal. O clima de extremos, onde o inverno é muito frio e o verão muito quente e seco, fomenta a sua biodiversidade, que conta com 430 espécies vegetais e 188 espécies de animais vertebrados. A sua estrutura montanhosa por natureza, de encostas, rios, manchas preciosas de carvalhal e blocos de granito, bem como as suas diferentes unidades de paisagem – florestas, bosques, campos de cultivo, cursos de água – oferecem um enorme leque de recursos de alimentação, reprodução e habitats naturais às mais diversas espécies de animais. Com uma área de cerca de 2175 hectares, e abrangendo 5 freguesia do conselho de Paredes de Coura – Bico, Castanheira, Cristelo, Parada e Vascões – a Paisagem Protegida do Corno de Bico compreende uma região essencialmente montanhosa, sendo o Corno de Bico a elevação de maior altitude, com 883 metros de altura. No topo das encostas verdejantes predominam um aglomerado caótico de blocos de granito (rocha dominante da região) que conferem a paisagem um aspeto aparentemente caótico, em que a sequência de muretes e socalcos, que permitem a prática da agricultura, conferem a paisagem e própria região um aspeto característico. Humberto José Barros da Silva 131 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa O caráter rural desta região é patente nos povoados fortificados, monumentos fúnebres do Neolítico que ainda subsistem como testemunhos dos primórdios da civilização, bem como os espigueiros, moinhos, socalcos e campos agrícolas que encerram a paisagem, traduzindo o esforço da população que tem vindo a ocupar a região. Ilustração 136 - paisagem do Corno do Bico (Câmara municipal de Paredes de Coura, 2015) Para além de usufruir do estatuto de Paisagem Protegida, esta região, por ser uma zona de elevada importância na conservação de uma variedade de habitats e espécies ameaçados a nível europeu, consta ainda na Lista nacional de Sítios de Importância Comunitária – Rede Natura 2000 – ao abrigo da Diretiva Habitats. A obra Localizado na Colónia Agrícola da Boalhosa41 (construída em 1940), em Chã de Lamas, o Centro de Educação e interpretação Ambiental do Corno de Bico [CEIA], da autoria do Atelier da Bouça42, integra um conjunto de três edifícios, dois dos quais 41 A Colónia Agrícola da Boalhosa, construída em 1940, enquadra-se no âmbito de um planeamento paisagístico, para o meio rural e zonas de habitação social, desenvolvido pela junta de Colonização Interna. Do projeto inicial da Colónia foram construídas as casas dos colonos, o Forno Comunitário, a Escola e a Casa do Professor, tendo ficado a Igreja por construir, destinada ao terreno onde se implanta o edifício sede. 42 O Atelier da Bouça estabeleceu actividade liberal em 2008, no Porto, e integra a dupla de arquitetos portugueses Filipa de Castro Guerreiro e Tiago Macedo Correia, licenciados pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto em 2000, período a partir do qual começaram a desenvolver vários projetos em parceria, dos quais se destacam a ampliação da Escola Profissional do Alto Minho Interior [EPRAMI] Paredes de Coura (Prémio Categoria Jovem Arquiteto, Arquitetura em Tijolo de Face à Vista CVG 2004/05) e o Centro de Interpretação Ambiental da Paisagem Protegida do Corno de Bico (finalista dos Prémios FAD 2008 e nomeado para o Prémio Europeu de Arquitetura Mies Van Der Rohe, em 2009). Em 2001 fundaram, em parceria com o arquiteto Bruno Figueiredo, um espaço de experimentação profissional, que denominaram Laboratório de Arquitetura, na sequência dos 1ºs Prémios nos concursos para o Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental (CMIA) de Matosinhos e para a Escola Básica Humberto José Barros da Silva 132 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa preexistentes, reabilitados e reconvertidos em cantina e pousada, e o terceiro é o CEIA (edifício sede), um edifício novo, que implanta-se num terreno cujo plano previa uma igreja. Os três edifícios integram uma área de intervenção de 8.000 m 2, tendo apenas 1.075 m2 de área edificada. O projeto do CEIA enquadra-se no âmbito de uma estratégia local de recuperação do conjunto da Colónia, através da análise do seu projeto inicial. Sendo uma área protegida, a proposta de intervenção assenta num princípio de preservação da imagem global da colónia, e neste sentido era necessário uma solução que não desvirtuasse essa imagem. Deste modo a monumentalidade da igreja projetada inicialmente foi substituída pela inclusão do maciço arbóreo existente no projeto, que revelou-se o elemento motriz da intervenção – como se o edifício tivesse sido gerado por osmose, por entre os troncos e copas das árvores. “A sua monumentalidade foi substituída pela consideração do maciço de árvores, entretanto presente, como o princípio fundador do projeto” (Guerreiro e Correia, 2009, p. 48). Ilustração 137 – Plantas de implantação do piso 0 e piso 1 do conjunto – Note-se na planta do piso 0 como os pilares do edifício do CEIA se confundem com os troncos das árvores. (Guerreiro e Correia, 2007, p. 102) de Paredes de Coura, obras selecionadas para as exposições ‘Habitar Portugal’ (2000-2002 e 20032005). Estes arquitetos manifestam nos seus trabalhos uma cuidada relação com o lugar e com a construção da paisagem, bem como a preservação da identidade social e cultural do contexto de intervenção. Focados em projetos de restauração e reabilitação urbana, esta dupla constitui mais um leque de discípulos que proliferam a “doutrina” da Escola de Porto, tendo inclusive Filipa Guerreiro colaborado com Álvaro Siza Vieira entre 1999 e 2000. Humberto José Barros da Silva 133 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 138 - Corte longitudinal do conjunto (Guerreiro e Correia, 2007, p. 101) A opção de suspender o edifício sobre uma série aparentemente desordenada de pilares que se assemelham e misturam-se com os troncos do maciço arbóreo minimiza o impacto da intervenção e permite libertar o terreno, preservando a fruição e continuidade da estrutura arbórea. Em termos percetivos, os troncos das árvores extravasam o corpo do edifício, ao brotar do terreno e elevam-no do solo, estabelecendo-se assim uma geometria equilibrada entre natural e artificial. Esta estratégia cria simultaneamente uma espécie de átrio exterior, um momento de pausa à chegada do local, e até de abrigo sob o edifício e as copas das árvores, permitindo uma confrontação mais reveladora do conjunto (estrutura arbórea e edifício). Ilustração 139 - Vista do alçado poente – A alavancagem do edifício sugere o desabrochar dos troncos do solo, que elevam-no do terreno, mantendo a fruição do mesmo e respeitando a sua condição de paisagem protegida, incrementada também pela “camuflagem” do corpo entre o maciço arbóreo, com o intuito de amenizar o impacto visual do edifício na envolvente. Integração e preservação são assim as palavras de ordem desta intervenção sensível ao território e, por isso, consentânea com a sua finalidade. (Guerreiro e Correia, 2009, p. 51) Os pilares, para além da sua função estrutural, desempenham um papel fulcral na fundamentação da ideia de projeto, na medida em que a sua superfície polida e cilíndrica assemelha-se a dos troncos das árvores, da qual foi subtraída a sua camada externa (córtex) para o revestimento do edifício, num processo de transferência de Humberto José Barros da Silva 134 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa matéria, em que a “pele” do edifício é gerada, por osmose, pela camada epidérmica dos troncos. Este princípio conceptual de apropriação da matéria do maciço arbóreo para a materialização do edifício remete-nos para as construções vernaculares, em que a matéria do território materializa os edifícios, que passam a estar ancorados ao sítio, de forma inalienável. Ilustração 140 – Vista do alçado sul – Note-se, numa transferência de matéria, a relação conceptual entre os troncos naturais com os artificias e o revestimento do edifício: como se tivessem transferido a camada epidérmica que reveste os troncos para o corpo do edifício. (Nautilus, 2015) Ilustração 141 - Pormenor construtivo do edifício em estrutura de betão com revestimento exterior de madeira. (Guerreiro e Correia, 2007, p. 103) Humberto José Barros da Silva 135 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa O desenho da longa rampa de acesso deriva, para além da estratégia de cumprir a inclinação regulamentar, da organicidade do lugar e da disposição aleatória das árvores, gerando um percurso sinuoso e cinematográfico entre os troncos, alargando deste modo a extensão e o domínio do edifício, onde o visitante é induzido a deambular entre o maciço arbóreo até à entrada principal, confrontando-se com o edifício sempre em perspetivas progressivamente variáveis. Ilustração 142 – Vista norte – rampa de acesso ao edifício (Guerreiro e Correia, 2009, p. 52) A madeira, enquanto revestimento exterior, também estabelece um diálogo com o conjunto preexistente das décadas 1940/50, evocando o caráter intemporal do mesmo, pela imagem de modernidade que o conjunto, de forma visionária, representa até hoje, partilhando o protagonismo com os novos equipamentos contemporâneos. A conservação da estrutura e composição dos edifícios existentes sustentou uma estratégia de recuperação e reconversão dos mesmos. A antiga escola passou a cantina, com acréscimo do volume da cozinha; e a casa do professor converteu-se em pousada (centro de acolhimento), mantendo as funções dos espaços existentes, mas agregando um novo volume de camaratas que redesenha a frente da praça. Humberto José Barros da Silva 136 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 143 – Planta de implantação – reconversão dos edifícios existentes (Guerreiro e Correia, 2007, p. 102) Ilustração 144 – Vista nascente da ampliação proposta – a relação de continuidade do novo corpo da pousada com o preexistente (a antiga casa do professor, no fundo da imagem). (Guerreiro e Correia, 2007, p. 101/102) Humberto José Barros da Silva 137 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa O Museu da Luz Um museu é um contentor do tempo. A significação cultural da paisagem é um processo de duração, através do qual a experiência de habitar o tempo, contínuo ou fragmentado, inscreve no espaço da realidade vestígios e símbolos referenciadores de memória coletiva ou individual. (Taborda, 2007, p. 78) O Museu da Luz surge de um desejo de evocar memórias da antiga Aldeia da Luz, situada no concelho de Mourão, distrito de Évora, entretanto submersa pelas águas da barragem do Alqueva. Os primeiros estudos para a construção de uma barragem na zona mais seca do país realizaram-se na década de 1950, em pleno Estado Novo. Com esta gigantesca estrutura pretendia-se essencialmente garantir uma reserva de água vital na luta contra a seca, o abastecimento regular de água às populações; a disponibilização de água para agricultura no sul do país, cobrindo uma área de rega de 110 mil hectares e a produção de energia hidroelétrica. Para os habitantes da Aldeia da Luz, a sua extinção, caso a construção da barragem avançasse, era algo pouco provável. Entretanto, ao longo dos anos esta improbabilidade de submersão da aldeia virou um mito, que veio a tornar-se realidade com a retoma dos trabalhos em 1993, altura em que se iniciou os primeiros inquéritos à população sobre o destino da nova aldeia, que viria ser concluída após as obras do paredão da barragem, em 2002. Com o avançar das obras e a nova aldeia a ganhar forma, a iminência do abandono forçado das casas, a transformação da paisagem, a perda de terrenos, hortas e campos de cultivo e toda história de uma vida originaram uma onda de angústia e revolta dos habitantes – uma reação que, segundo os relatos da comunidade local, foi deliberadamente controlada por parte do poder central através da aparente indecisão sobre os avanços e recuos que ditaram o desfecho inevitável da construção da barragem. “Esta suspeição faz parte de um contexto real em que todo o processo de Alqueva tem decorrido, num clima permanente de conflito de ideias, de fazer e desfazer, de tentativa e erro, muito sentido pela população […] “ (Saraiva, 2003, p. 109). Uma estratégia dissimulada que visava o controlo emocional e reacionário dos habitantes, para que estes não se insurgissem política e socialmente contra o projeto. Tal terá sido conseguido através da sonegação generalizada de informação sobre o processo, bem como uma série de dados contraditórios que deixavam um rasto de incertezas sobre o desfecho da obra, mantendo assim adormecida a revolta da população, que, num clima permanente de incertezas e sonegação, tomaram por mito Humberto José Barros da Silva 138 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa o então inevitável desfecho da construção da barragem e a consequente submersão da Aldeia. E quando as obras da barragem avançaram e a nova aldeia começou a ser construída, a angústia apoderou-se dos habitantes ao confrontarem-se com um mito que tornou-se realidade. Ilustração 145 – Barragem do Alqueva (Comissão Nacional Portuguesa de Grandes Barragens, 2015) Ilustração 146 - Vista aérea da antiga Aldeia da Luz (Pinto, 2011) Humberto José Barros da Silva 139 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 147 - Localização da antiga Aldeia da Luz (Pinto, 2011) Todo o processo de conceção e concretização da nova aldeia foi, forçosamente, prolongado e difícil, formando-se, após longos anos e vários concursos públicos, equipas multidisciplinares de técnicos para projetar o novo núcleo da Luz, com os vários equipamentos públicos, inclusive os que vieram a ser os marcos do novo núcleo – a igreja matriz, o cemitério e o Museu. Deste processo de submissão e abandono de toda memória coletiva local, a transladação do cemitério constitui o expoente máximo da violação de privacidade dos habitantes, desbravando memórias que intensificaram o âmago de uma comunidade que já se sentia vitimada pela decisão superior de submergir a aldeia. Este espaço viria a constituir conjuntamente com a igreja e o museu o conjunto mais simbólico da nova Aldeia da Luz. O simbolismo e o sentimento de pertença à velha aldeia prendem-se, também, com a importância da igreja matriz, que, segundo a lenda, foi erigida no mesmo local do aparecimento da Virgem e da origem do povoado da Luz. “O Museu da Luz instalou-se num espaço de paisagem novo. É neste contexto que codifica a memória simultaneamente como tempo passado do lugar desaparecido e como identidade do lugar novo no tempo presente. (Taborda, 2007, p. 78). Esta intensa carga simbólica do antigo núcleo para o novo é descrita pelos autores da seguinte forma: A deslocação da Aldeia da Luz é um ato de substituição, uma dupla e simultânea ação de fundação e destruição. Neste duplo processo de transformação da paisagem, a Humberto José Barros da Silva 140 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa antiga aldeia permanece como embrião conceptual – uma primeira natureza elaborada durante séculos de apropriação do território e uma segunda pensada e construída como uma nova identidade. A fundação do lugar constituído pela Igreja da Nª Sª da Luz, o cemitério transladado e um museu dedicado aos territórios da luz é um dos principais cenários dessa substituição. A Igreja da Nª Sª da Luz é uma referência de fixação que dá identidade e nome à aldeia. O cemitério permanece como figura regular branca que acompanha o declive do terreno. A edificação do conjunto museu, igreja e cemitério procura absorver, numa nova situação topográfica e geográfica, as analogias ao lugar da antiga Igreja da Nª Sª da Luz. A igreja e o cemitério como fortes elementos identitários, preexistências únicas e museu como elemento estruturante do novo lugar, dotado de carga representativa da substituição. (Pacheco e Clément, 2004, p. 55) Ilust. 148 - A nova Aldeia da Luz com o conjunto da Igreja, cemitério e Museu em primeiro plano (Pinto, 2011) Ilustração 149 Humberto José Barros da Silva - Localização da nova Aldeia da Luz (Pinto, 2011) 141 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 150 - Vista poente do conjunto: Museu, cemitério e Igreja (Pacheco e Clément, 2004, p. 49) Situado nos limítrofes da nova Aldeia da Luz e da barragem do Alqueva, o Museu da Luz, da autoria dos arquitetos Pedro Pacheco43 e Marie Clément desenvolve-se parcialmente no subsolo, libertando a cobertura para a fruição e apropriação do espaço público, e deixando imperturbável a imensa planura da paisagem alentejana. “De tal modo o museu absorve a horizontalidade e o silêncio do território alentejano que, hoje, dir-se-ia o elemento fundador da nova Aldeia da luz.” (Roseta, 2004, p. 48). Enquanto na “Casa das Mudas” a paisagem vulcânica do território madeirense, com a sua acentuada topografia, ditou o corpo basáltico do edifício; e no “Centro de Educação e Interpretação Ambiental do Corno de Bico” o maciço arbóreo do terreno fundamentou o seu corpo de madeira suspenso sobre os troncos/pilares; no Museu da Luz a aridez e horizontalidade da paisagem alentejana ditaram a presença silenciosa do seu corpo de xisto meio “submerso” no solo, evocando, em parte, a antiga aldeia submersa pelas águas do Alqueva. “A Sala da Luz, a figura principal do museu, constitui em conjunto com as chaminés de luz a única marca visível da presença do edifício na paisagem. […] “ (Pacheco e Clément, 2004, p. 55) 43 Pedro Pacheco é mais um discípulo da “Escola do Porto”, licencia-se em arquitetura, em 1991, na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto [FAUP]. Estagiou em Barcelona com Josep Llinàs, em 1990, tendo como orientador o arquiteto Eduardo Souto Moura. Colaborou no Porto com Fernando Távora entre 1992 e 1996, altura em que forma atelier, em Lisboa, com José Adrião entre 1996 e 2004, retomando colaboração conjunta em 2013. Trabalhou em coautoria com Marie Clément nos projetos para as aldeias da Luz e Estrela entre 1998 e 2007, e é professor convidado na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa desde 2004 e no Departamento de Arquitetura da Universidade de Évora desde 2012. A sua prática profissional enquanto arquiteto abrange um amplo e diversificado campo de ação, da arquitetura ao urbanismo e reabilitação, bem como design de interiores e de mobiliário. Dos projetos realizados destacam-se as obras do Museu da Luz, os cemitérios da Luz e da Estrela, a reconstrução da Igreja da Luz e a reabilitação do seu atelier. Foi ainda distinguido com diversos prémios pelo conjunto do museu, cemitério e igreja da Luz, entre os quais o Prémio Internacional de Arquitetura de Pedra, Verona, Itália (2005), Prémio do Património Cultural da União Europeia (2005), Prémio Europeu de Arquitetura “Luigi Cosenza”, Nápoles, Itália (2004), Prémio Menhir 2004 e uma Menção Honrosa na categoria de Melhor Museu Português 2003-2005, atribuída pela Associação Portuguesa de Museologia. Humberto José Barros da Silva 142 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 151 - Corte e alçado Norte do Museu (Pacheco e Clément, 2004 p. 52) Ilustração 152 – Vista norte – Os planos que denunciam a presença do edifício na paisagem. (Museudaluz, 2015) O processo de desmontagem da Aldeia da Luz traz à superfície informações várias, tanto de caráter arqueológico como antropológico, histórico e arquitetónico, que abrangem além da própria aldeia todo um território. O museu é o espaço contentor que permite armazenar e classificar essa informação, resultado de todo o processo de substituição, que, além de registo físico, estabelece uma intencional cumplicidade ente a situação das duas aldeias. (Pacheco e Clément, 2004, p. 55) Para além da condição de recetáculo dos seus artefactos e da sua própria história, o desejo de evocar as memórias de uma aldeia desaparecida subentende-se no modo como o conjunto (museu, cemitério e igreja) se posiciona no terreno, evocando relações consolidadas com a antiga aldeia. No seu interior um vão direciona o olhar para o lugar onde jaz a aldeia submersa. Até a decisão de reconstruir a nova igreja da Luz à imagem da antiga, utilizando técnicas tradicionais, denota um desejo de reminiscência do que foi outrora a aldeia. “A necessidade de deslocalizar rápida, geográfica e socialmente a povoação da Luz redefiniu culturalmente a sua importância de localidade e impôs a [re]construção de marcas topo-menmónicas capazes de continuar uma lembrança-memória no espaço novo da Luz relocalizada.” (Taborda, 2007, p. 78) Humberto José Barros da Silva 143 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Assim o Museu da Luz, de Pedro Pacheco e Marie Clément, parte de uma ideia fundadora de um tempo e de um lugar que permanece na memória coletiva e que agora se consubstancia na nova relação telúrica com a paisagem, com a qual se articula deixando registos racionais da passagem do Homem. A luz e a escala constituem os factores sobre os quais se exerceu o domínio simbólico de apropriação de um tempo fundador: (Quintas, 2004, p. 47) Ilustração 153 – Vista para antiga localização da Aldeia. (Museudaluz, 2015) Ilustração 154 - Planta de implantação do conjunto – Igreja, cemitério e Museu. (Pacheco e Clément, 2004, p. 49) Implantado estrategicamente no limite do eixo Nascente-Poente da aldeia, o edifício redesenha a topografia do sítio numa relação mais telúrica com a paisagem, Humberto José Barros da Silva 144 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa condensada pelo seu “encaixe” no terreno e pelo seu corpo de xisto, que assume a sua horizontalidade e espectro cromático. “Construir o museu em xisto aproxima-o, inevitavelmente, mais à terra, solo xistoso e a uma ideia de fundação.” (Pacheco e Clément, 2004, p. 55) Ilustração 155 - Vista poente do conjunto – A integração do museu na paisagem – a relação cromática e topográfica com o território. Desta perspetiva o edifício assume uma espécie de embasamento da nova Aldeia da Luz. (Pacheco e Clément, 2004, p. 49) Em termos construtivos, as paredes do edifício são constituídos por dois panos de xisto, em tons terra, que revestem a estrutura de betão. O xisto intensifica a implantação estratégica do museu, potenciando a sua integração na paisagem, bem como a sua horizontalidade, que é mediada pela estereotomia da pedra – tiras de pedra paralelepipédicas com dimensões de 60x5x7 cm, aplicadas horizontalmente sobre a superfície de betão, incrementando em termos percetivos a horizontalidade do edifício, que flui na imensa planura da paisagem. […] das paredes do Museu da Luz ecoa uma força original. […] O caráter fundador da pedra, reforçado pela decisão de enterrar o edifício e pela sua vocação memorial, pertence a um tempo distante da atualidade efémera. Pertence ao tempo da criação que permite a Miguel Ângelo discutir com Corbusier as proporções ideias da obra helenística. (Roseta, 2004, p. 50) A singularidade da aplicação da pedra remete-nos para a magistralidade do arquiteto suíço Peter Zumthor no domínio dos materiais, que conjuga a essência de cada material ao contexto geográfico e programático do projeto. “Nas «grutas» termais utiliza a matéria da montanha; numa pequena capela, o acolhimento da madeira; num museu de arte contemporânea, o insólito casamento entre o vidro e o betão. Deste modo de pensar nunca resultará uma griffe reconhecida globalmente. (Roseta, 2004, p.50). “Pois cada projeto é uma história” (Pacheco, 2004, p.50), como é subentendido na obra de Zumthor, que refere o seguinte: Humberto José Barros da Silva 145 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa […] O sentido nasce quando se consegue criar no objeto arquitetónico significados específicos de certos materiais que só neste singular objeto de podem sentir desta maneira. Quando trabalhamos com este objetivo, temos sempre que voltar a perguntar, o que um determinado material pode significar num determinado contexto arquitetónico? Boas respostas a estas perguntas podem tornar claro, sob uma nova luz, o modo com esses materiais costumam ser utilizados e as suas próprias características sensoriais e significativas. Se conseguirmos, os materiais na arquitetura podem transmitir som e brilho. (Zumthor, 2009, p. 10) Ilustração 156 – Estereotomia da pedra. (Pacheco e Clément, 2004, p. 50) Ilustração 157 – Pormenor do revestimento das tiras de pedra (xisto) sobre a estrutura de betão (Basulto e Assael, 2015) Humberto José Barros da Silva 146 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 3. O MUSEU DE ARTE E ARQUEOLOGIA DO VALE DO CÔA 3.1. OS AUTORES Esta dupla de arquitetos, Tiago Pimentel [1973] e Camilo Rebelo [1972], formados na Escola do Porto – Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto [FAUP] – integram o vasto grupo de arquitetos contemporâneos que denotam, na sua prática profissional, uma certa militância e predileção pela dialética arquitetura/lugar proliferada pela Escola do Porto. Tiago Pimentel licenciou-se em Arquitetura em 1998, tendo frequentado a “Technische Universiteit Delft” [TUDelft], na Holanda, como bolseiro do programa Erasmus. Foi colaborador do arquiteto João Álvaro Rocha, entre 1999-2002. Exercendo atividade liberal desde 2001, é autor premiado com o 1º prémio no concurso internacional para a conceção do Museu do Côa, em coautoria com Camilo Rebelo, que licenciou-se em Arquitetura em 1996 e é professor na FAUP desde 1999, tendo sido colaborador de Eduardo Souto de Moura, entre 1994-1998, e do Herzog & de Meuron, entre 1998/99. Foi também professor convidado na “École Polytechnique Féderale de Lausanne” [EPFL] entre 2008-2011, na “Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Navarra” e na “Accademia di Architettura di Mendrisio” entre 2011/12. Exercendo atividade liberal desde 2000, é autor premiado com o 1º prémio no concurso internacional para a conceção do Museu do Côa em 2004, em coautoria com Tiago Pimentel, tendo sido também distinguido com o prémio Bauwelt, em 2013, pelo mesmo projeto. Recebeu ainda uma menção honrosa no concurso internacional para a conceção do Museu de Arte Modena de Varsóvia, em 2007, em coautoria com a arquiteta Suzana Martins e o 3º prémio no concurso para o Museu do Carro Elétrico do Porto, em 2010. Aquando do concurso para o Museu do Côa, os jovens arquitetos já contavam com alguma experiência profissional na vertente museológica, com a participação conjunta no projeto da “Nacional Contemporary Art Centre for Carlow”, em Irlanda. E no caso particular de Tiago Pimentel, para além deste projeto, colaborou com o arquiteto João Álvaro Rocha no projeto do Museu dos S.Firmines, em Pamplona. O arquiteto confessa ainda que o que mais o motivou a participar no concurso para o Museu do Côa é o facto de um museu “ser sempre um programa de exceção. Penso mesmo que nos últimos 50 anos é um dos temas mais apetecidos por todos os arquitetos.” (Pimentel, 2004, p. 36). Humberto José Barros da Silva 147 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa ‘Oporto’ is not Porto Fino, Porto Novo, or Porto Santo, but simply o Porto, ‘the Harbour’. […] Oporto is peculiar city, comparable in many respects with Lisbon and yet entirely different: its image is heavier, denser, darker, rife with contradictions; Nordic and rigorous, in many ways still marked by the influence of England, its old trading partner, and by a climate of rain and fog. Oporto is also southern and chaotic, fantastically colourful in sunshine, particularly so after rainfall. Although, the opalescent anthracite of granite is dominant, it serves to underline the intense colours of the green landscape, the brick-red roofs, the blue sky and the myriad touches of other hues. The evening sun adds a dazzing gold reflected by the many small window panes. Then the granite gleams like black gold. The most special thing about Oporto is its particular topography, which has necessarily led to many unusual architectural solutions with stairways, ramps and arcade passages. […] it is Oporto as a whole, not any individual aspects of its beauty, that make the town worth seeing. (Fleck, 1995, p. 7) Porto é uma cidade cosmopolita, e já começara a sê-lo no final do século XIX, com um núcleo urbano de consolidada produção industrial, que veio a definir um momento de afirmação regional, evidenciada nos edifícios que se erguem entre a nova e aclamada solicitude do ferro e a tradição telúrica dos materiais tradicionais. O surgimento das pontes sobre o Douro; a Academia da Marinha e do Comércio (1807); o Palácio da Bolsa (1880); a Escola de Belas Artes; bem como a importância do caminho-de-ferro, com a Estação de S. Bento (1901), entre outros marcos históricos e culturais da urbe, que selaram o compromisso da cidade com o progresso. Porto começa então a aclamar-se como uma cidade gradualmente evoluída, atingindo atualmente um estatuto de uma metrópole cosmopolita – turística, artística e culturalmente. Ou simplesmente próspera, daí resultando um certo furor progressista que aclimata o gosto pelas novas tecnologias e pelas artes associadas às novas técnicas. […] Elevado a uma condição, o espaço geo-cultural do Porto define uma sensibilidade que na consciência do seu estado periférico encontra o consolo da criação descomprometida. (Figueira, 2002, p. 24). Esta riqueza (i)material, cultural e intelectual que prolifera na cidade Invicta, torna os arquitetos do Porto, enquanto utentes e projetistas, mais ávidos e sensíveis aos fenómenos que os rodeiam, e como tal mais capacitados para os desafios da profissão, o que irá, consequentemente, aprimorar a sensibilidade e o próprio instinto, que, aliado a uma sólida formação, irão determinar o modo de criar e produzir arquitetura. Pois segundo Muntañola “um corpo presentativo, tanto emotivo, sensitivo e motor, está na origem das habilidades do corpo como arquiteto, tanto enquanto intenção como enquanto estímulo. […] “ (Muntañola, 1979, p. 21) Instalados pessoal e profissionalmente no seio cultural da cidade Invicta, esta dupla de arquitetos provêm de um legado pedagógico intimista, de uma cultura de ensino Humberto José Barros da Silva 148 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa escola-atelier/mestre-discípulo, que tem a sua “génese na tradição das Beaux-Arts, a partir da qual, gradualmente, a matriz racionalista, via Bauhaus, imporá lógicas de aprendizagem Modernas. (Figueira, 2002, p. 37) Todavia, não é este legado racionalista que impera na práxis profissional dos arquitetos contemporâneos formados na Escola (bem como na arquitetura contemporânea portuguesa), mas sim um legado que promove “uma arquitetura do contexto”, que Távora impulsionou (ainda sob as diretrizes do modernismo, tendo a produção arquitetónica tradicional como referência) e Siza vieira e Souto deram continuidade, estabelecendo a ponte para o que se reconhece hoje como uma arquitetura contemporânea portuguesa vinculada ao lugar. Um vínculo que se estabelece a partir do “Problema da Casa Portuguesa”, que viria a determinar a realização do Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal, cuja adaptação à uma realidade vigente foi veiculada, inicialmente, por Távora, como resposta à crise de identidade que assolava a cultura arquitetónica portuguesa em pleno fulgor modernista. E que Távora, de forma visionária, considerou oportuno reavaliar, para depois se ajustar às premissas de uma arquitetura portuguesa que se quer moderna (e contemporânea) mas identitária. “Este tipo de preocupações são redimensionados por Távora, ao longo dos anos 50, num plano que se divide entre a apologia do Moderno e um processo de encontrar o lugar [...] “ (Figueira, 2002, p. 44). É a dialética arquitetura/lugar o legado da Escola do Porto patente nos projetos apresentados na presente investigação, bem como na arquitetura contemporânea portuguesa, de um modo geral. Para lá de todas as conclusões que se poderão tirar do Inquérito será nesta espantosa e procurada coincidência que a Escola do Porto vai encontrar o seu húmus: a racionalidade espontânea da arquitetura popular em consonância com a erudição do programa racionalista. (Figueira, 2002, p. 49) Esta dialética entre a arquitetura, o homem e o seu espaço físico e cultural, é bem evidente na práxis desta dupla de arquitetos, que demonstraram todo o seu fulgor no projeto do Museu. E note-se a tenra idade (31 e 32 anos) que tinham aquando do concurso, ou seja, a formação académica estava atuar no seu estado embrionário mas simultaneamente com uma carga de influência da “Escola” muito recente, e como tal muito intensa, o que proporcionou aquela leitura peculiar do território, originando um objeto arquitetónico à imagem do seu contexto histórico-geográfico. Humberto José Barros da Silva 149 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa […] qualquer abordagem ao meio ambiente construído pelo homem, seja através do edifício isolado, seja através de um conjunto de edifícios que dão consistência a um determinado espaço, seja Bairro ou cidade, deve também considerar as inserções culturais do indivíduo, isto é, é essencial avaliar a dimensão cultural e antropológica de toda esta problemática. Este facto torna-se importante, porque a perceção que o homem tem do mundo à sua volta, depende em grande parte da cultura a que pertence, e de tudo o que lhe está intrinsecamente associado, e isso vai posteriormente traduzir-se nos seus modos de sentir, de atuar e, consequentemente, de criar. (Mariz, 2010, p. 21) Esta abordagem conceptual ao projeto do Museu revela, além do talento dos autores, a carga pedagógica desta visão romântica da arquitetura proclamada pelos mestres, que é transmitida aos arquitetos formados na Escola do Porto, e assimilada por esta dupla de arquitetos, que se apropriaram dela como ferramenta projetual para descodificar e elaborar uma proposta surpreendente para a conceção do museu, que denota uma carga simbólica transversal a todos aspetos a que reporta enquanto estrutura museológica, quer pela analogia ao território, quer pela referência históricogeográfica que alberga enquanto suporte expositivo. A Escola do Porto é vista como uma instituição onde os melhores arquitetos davam aulas e de onde partem, e regressam, as mais consistentes experiências arquitetónicas. A relação atelier-escola/mestre-discípulo incute, assim, aos alunos uma maior consciência da prática e contingências da profissão, e essa aproximação acaba por estabelecer reflexões comuns (entre mestre-discípulo) de abordagem aos projetos, cuja solução arquitetónica encontra-se nas contingências do lugar. Camilo Rebelo, por exemplo, colaborou Souto Moura (1997/98) e posteriormente com Herzog & de Meuron44 (1998/99). E estes dois arquitetos estabelecem, nos seus projetos, uma relação forte com o território, notabilizado pelo uso expressivo dos 44 Herzog & de Meuron é uma dupla de arquitetos suíços, nascido da cidade de Basel, em 1950. Licenciaram-se em arquitetura em 1975 na “Swiss Federal Institute of Technology” [ETH Zürich], orientados pelos professores Aldo Rossi e o suíço Dolf Schnebli, tendo sido convidados, em 1977, a trabalhar como assistentes do professor suíço. Decididos a estabelecerem-se na sua cidade de origem, iniciam atividade liberal em 1978, fundando o seu próprio atelier nas margens do rio Rhein. Em 1994 são convidados a lecionar na Universidade de Harvard e a partir de 1999 lecionam na ETH Zürich e na ETH Studio Basel (Instituto de Pesquisa e Transformação Urbana, integrado no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique e liderado pela dupla helvética). Em 2001 viriam a ser distinguidos com prémio de arquitetura Pritzker. Da vasta obra da dupla helvética destacam-se dois projetos que evidenciam esta relação [matérica] entre a arquitetura e o lugar: A torre de controlo ferroviário “Signal Box Auf dem Wolf”, em Basel, Suíça, realizado entre 1991-94, que incorpora na sua pele de cobre distorcida a aparência (em termos de cromáticos e tectónicos) dos carris ferroviários, fundando-se deste modo o edifício no seu contexto; e a adega “Dominus Winery”, em Yountville, na California, EUA, realizado entre 1996-98. Situada num vasto contexto paisagístico de propriedades vinícolas de Napa Valley, o edifício, com o seu corpo de gabião, estabelece uma integração paisagística particular com estrutura geométrica as vinhas. Humberto José Barros da Silva 150 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa materiais, na procura incessante de expressões construtivas que coadunem com as contingências do território e com os próprios requisitos programáticos. A abordagem ao território como ponto de partida do projeto é uma estratégia bem evidente na obra de Camilo Rebelo, se observarmos os projetos da Ktima house e Tree house, na Grécia, em que as casas se encontram encastradas no terreno, adaptando-se à sua morfologia, e redesenhando os seus limites no aclamado contraste entre a cambiância dos tons áridos e verdejantes do território e as superfícies reluzentes (do branco caiado, típico das construções gregas) da nova silhueta (habitável) imposta ao terreno. Ou ainda o projeto para o Museu de Arte Moderna de Varsóvia, em que o edifício estabelece uma relação de continuidade com o maciço arbóreo do quarteirão adjacente. Ilustração 158 - Museu de Arte Moderna de Varsóvia, Polónia – A relação com o maciço arbóreo. (Rebelo, 2015) Ilustração 159 - Ktima House, Grécia – Fachada e planta de implantação. (Rebelo, 2015) Humberto José Barros da Silva 151 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 160 –Tree House, Pigadakia, Grécia (Rebelo, 2015) “Os arquitetos transformam os sítios que lhe são dados noutros sítios que se expressam por novos modos de habitar aqueles sítios. Transformam poeticamente os sítios em outros que se lhe assemelham.” (Hipólito, 2011, p. 39). É este princípio que orienta o trabalho deste arquiteto, que deixa sempre uma marca e um gesto indelével no território, gerindo de forma equilibrada o protagonismo da arquitetura no seu contexto, porque académica e culturalmente é este diálogo poético que sempre estabeleceu com os sítios que lhe advém do espírito e do seu espaço de formação (Escola e cidade do Porto) enquanto utente e projetista. Neste sentido, “ […] uma parte da existência do homem é alimentada por pulsões que lhe chegam do mais profundo do seu ser, desta zona que se chamou o inconsciente.” (Hall, A Dimensão Oculta, Lisboa, 1986, p. 12). Um inconsciente que lhe induz modos próprios e intuitivos de ação, mas que ao mesmo tempo encontra-se intimamente ligado aos seus padrões culturais e percetivos, como reforça Zumthor, quando refere que: As raízes do nosso entendimento arquitetónico encontram-se nas nossas primeiras vivências: o nosso quarto, a nossa casa, a nossa rua, a nossa aldeia, a nossa cidade, a nossa paisagem – cedo as experimentamos de forma inconsciente, e mais tarde as comparamos com as paisagens, cidades e casas que se vieram juntar. As raízes do nosso entendimento arquitetónico encontram-se na nossa infância, na nossa juventude: encontram-se na nossa biografia. (Zumthor, 2009, p. 65) Assim verificar-se-á na práxis destes arquitetos ações resultantes de experiências e atitudes culturais, sentimentos e pensamentos que irão traduzir-se num modo de intervir direcionado para o lugar, porque é a partir do território que as soluções arquitetónicas encontram (ou devem encontrar) as suas formas. Porque a formação académica e cultural assim os induziram e seduziram. Esta identificação ou Humberto José Barros da Silva 152 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa autorreconhecimento de um de lugar em outro que nos é íntimo durante o processo criativo é explicado por Schulz da seguinte forma: Identificação significa, para os fins desta análise, ter uma relação amistosa com determinado ambiente. […] O que queremos dizer é que o ambiente é vivido como portador de um significado. Em que os objetos de identificação são propriedades concretas do ambiente e que as pessoas geralmente desenvolvem relações com elas durante a infância. [...] Os sistemas percetuais compõem-se de estruturas universais, inter-humanas, e também de estruturas condicionadas pela cultura e determinadas pelo lugar. […] Nós entendemos que a identidade das pessoas é, em boa medida, uma função dos lugares e das coisas. […] A identidade humana pressupõe a identidade do lugar. (Schulz, Nesbitt, 2008, p. 456/457) É portanto a exaltação e preservação da identidade do lugar (físico e cultural) o legado da Escola do Porto, transmitida a esta dupla de arquitetos, que revelam no seu trabalho uma certa militância desta crença no lugar. Uma crença partilhada entretanto pelos restantes elementos da classe formados na Escola, bem como pela arquitetura contemporânea portuguesa, de um modo geral, como se evidenciou nos diversos projetos aqui apresentados. A necessidade de uma produção arquitetónica vinculada ao seu contexto é de extrema importância para instaurar uma certa ordem espacial ao território, de forma a dar continuidade ou mesmo preservar situações territoriais previamente consolidadas. Pois segundo Távora, é a partir das circunstâncias préexistentes que se afirma a obra. O arquiteto, “pela sua profissão, é por excelência um criador de formas, um organizador do espaço; mas as formas que cria, os espaços que organiza, mantendo relações com a circunstância, criam circunstância […] E da circunstância deverá ele contrair os aspetos negativos e valorizar os aspetos positivos, o que significa, afinal, educar e colaborar. E colaborará e educará também com a sua obra realizada. A sua posição será, portanto, de permanente aluno e de permanente educador […] “ (Távora, 1996, p. 73/74) Humberto José Barros da Silva 153 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 3.2. O TERRITÓRIO – Ilustração 161 Enquadramento geográfico da região que integra o Plano Estratégico de Promoção Turística do Vale do Côa e Alto Douro. (Arte-coa, 2015) Ilustração 162 – Vale do Côa. (Ilustração nossa, 2015) O vale do Côa enquadra-se numa região compreendida entre o Alto Douro e a Beira Alta, e é constituída por 10 conselhos que integram o Plano Estratégico de Promoção Turística do Vale do Côa e Alto Douro. Situa-se num conjunto de montanhas a nordeste de Portugal, nas imediações da Vila Nova de Foz Côa, no distrito da Guarda. É uma região de extensos olivais sobre solos predominantemente xistosos, banhado pelo rio Douro e Côa. Este último encerra, ao longo do vale, um expressivo ciclo artístico, de cronologia pré-histórica, moderna e até contemporânea, predominando, nos últimos dezassete quilómetros do seu leito, centenas de gravuras do Paleolítico Superior. Ao longo de milénios, os rochedos de xisto, que delimitam o seu leito, foram-se convertendo em painéis de expressão artística, com milhares de gravuras legadas pelo impulso criador dos nossos antepassados, que por aqui passaram durante as suas longas cruzadas de vida itinerante (nómada). Remontando ao seu período artístico mais remoto, estas gravuras ao ar livre e os habitats identificados são na sua maioria datadas do período do Paleolítico Superior, embora alguns achados arqueológicos denotem vestígios do período neolítico, Calcolítico, Idade do Ferro, Gravetto-Solutrense, Magdalenense, Tardiglaciar e ainda vestígios de representações Humberto José Barros da Silva 154 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa religiosas da Época Moderna e contemporânea, altura em que os últimos gravadores do Côa abandonaram o fundo do vale. Ilustração 163 – Arte do séc. XVI-XX (Ilustração nossa, 2015) Ilustração 164 – Arte da Idade do Ferro – 1º milénio AC (Ilustração nossa, 2015) Ilustração 165 – Arte Magdalenense e Tradiglaciar 15.0009.000 AC. (Ilustração nossa, 2015) Ilustração 166 – Arte do Período Gravetto-Solutrense 30.00015.000 AC (Ilustração nossa, 2015) O Vale do Côa, com a descoberta das gravuras, tornou-se uma autêntico “recetáculo de arte” ao livre, como elucida o arquiteto Camilo Rebelo (coautor do projeto do Museu do Côa), na sua abordagem conceptual ao projeto, designando as gravuras rupestres como sendo a primeira forma de Land art (arte da terra) da história da Humanidade – uma perspetiva que o levou a conceber o Museu enquanto “instalação na paisagem”, evocando as pedreiras locais de xisto, suporte artístico das gravuras rupestres. Com as sucessivas descobertas arqueológicas de novos núcleos e gravuras, foi necessário delimitar uma área territorial (e administrativa, gerida pela Fundação Côa Parque) que circunscrevesse todo o conjunto artístico, que designou-se Parque Arqueológico do Humberto José Barros da Silva 155 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Vale do Côa (PAVC). Mas atualmente os limites geográficos dos achados arqueológicos circunscritos ao Parque expandiram-se para fora da área delimitada pelo mesmo, isto devido ao aprofundamento das investigações arqueológicas na região, desde a criação do PAVC, em 1996, que fez expandir o espaço geográfico que abrange os ciclos rupestres existentes no Vale do Côa. A ênfase na preservação não apenas das gravuras paleolíticas recentemente descobertas mas de toda a paisagem do Côa pode ser assim compreendida como uma estratégia que visa o controlo do território onde se inserem os achados arqueológicos. A simples conservação dos núcleos de gravuras rupestres não conferiria àqueles que se envolvessem nesse processo o direito de definirem as regras de apropriação e organização do território onde tais núcleos se inserem. Só a preservação da paisagem no seu conjunto, enquadrada pela figura legislativa de um parque arqueológico, poderia conferir esse direito.” (Xavier, 2000, p. 115 e116) Ilustração 167 - Mapa do Parque Arqueológico do Vale do Côa (Ilustração nossa, 2015) Humberto José Barros da Silva 156 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa O PAVC foi implementado após a Resolução do Conselho de Ministros nº 42/96 de 22 de Março, tornando-se um organismo público e serviço dependente do Instituto Português de Arqueologia (IPA), sob a tutela do Ministério da Cultura. Tem como objetivo gerar investimento e riqueza, assim como a função de gerir e preservar todo o conjunto paisagístico do Côa, bem como organizar visitas públicas aos achados arqueológicos daquela que é considerada atualmente a maior reserva de arte rupestre a céu aberto até hoje conhecida. Aqui foram identificados 28 núcleos de arte rupestre, ao longo dos últimos dezassete quilómetros do rio Côa, até à sua confluência com o Douro. Estes núcleos contêm gravuras datadas, na sua maioria, do Paleolítico superior, testemunhando a mais antiga expressão de arte do mundo, com cerca de 30.000 anos de existência. Para além das gravuras paleolíticas, estes núcleos também apresentam, como já foi dito, vestígios de pinturas e gravuras do período Neolítico e Calcolítico, e ainda gravuras da Idade do Ferro e até mais recentes, do séc. XVII ao séc. XX. A Canada do Inferno foi o primeiro sítio a ser identificado com arte paleolítica no Vale do Côa, contendo 46 rochas distribuídas pelas vertentes dos vales, na margem esquerda do rio Côa. Para além do paleolítico superior, este sítio possui, ainda que em menor número, gravuras de cronologia moderna e contemporânea. Estas últimas encontram-se, na sua maioria, submersas nas águas da albufeira da Barragem do Pocinho. Ilustração 168 - Vista nascente da Canada do Inferno: gravuras rupestres junto ao leito do rio Côa (Ilustração nossa, 2015) Humberto José Barros da Silva 157 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 169 - Canada do Inferno: réplica da rocha 11 (Ilustração nossa, 2015) As investigações arqueológicas realizadas nos últimos anos no Vale do Côa demonstram que existiu em tempos, no Paleolítico Superior, grupos humanos instalados em acampamentos no fundo do vale ou nas zonas planálticas (onde se instalavam durante o período de caça). Estes caçadores paleolíticos acabariam por perceber que os planaltos eram os sítios mais adequados para a caça de animais de grande porte, uma vez que estes teriam que vir em busca da água resultante do degelo primaveril das camadas de neve que acumulavam nestas paisagens durante o inverno. Daí que os vestígios arqueológicos encontrados apontem para a existência de antigos acampamentos nas áreas elevadas dos planaltos, revelando um tipo de ocupação orientado para a caça. Para além destes acampamentos que evidenciam uma passagem célere pelas zonas planálticas, as escavações arqueológicas viriam a revelar uma dualidade (de permanência e transição) na ocupação do território do Côa, ao descobrir vestígios de estadias mais prolongadas no fundo do vale, do que nos planaltos. Estes assentamentos tinham um caráter mais permanente, revelado pelos vestígios do quotidiano do caçador paleolítico, durante a sua passagem pelo Vale do Côa. Humberto José Barros da Silva 158 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 170 - Réplica do quotidiano de um caçador paleolítico no seu acampamento no Vale do Côa. (Ilustração nossa, 2015) É no longo período do Paleolítico que o Homem começa a relacionar-se com o ambiente de forna estratégica, caso contrário perecia na incapacidade da sua adaptação ao mesmo. A capacidade de interagir com o meio e de modificá-lo veio a depender das suas transformações anatómicas e fisiológicas ao longo do tempo, que lhe foram sendo úteis para se adaptar às vicissitudes do ambiente em constante transformação. Esta capacidade de adaptação torna-se o fator dominante da condição humana, possibilitando a adaptação e evolução civilizacional no tempo e no espaço. Sendo a arquitetura um produto de intenções materializadas sobre o ambiente físico, pode-se remeter a origem do seu processo operativo e as contingências da sua relação com o território à condição existencial do Homem no seu estado primitivo, que, enquanto nómada (coletor e caçador), projeta mental e graficamente as suas ações e investidas no território, convicto de que elas poderão ser concretizadas conforme planeado previamente. Esta associação compreende pressupostos como a capacidade mental que o Homem desenvolveu, a partir do Paleolítico, ao colocar a si próprio e aos elementos exteriores num espaço unitário, revelando uma consciência de si e da sua condição existencial perante situações reais do ambiente circundante. Consequentemente, o Homem passa a adquirir capacidades que o permitem projetar mentalmente situações passíveis de exequibilidade no território, articulando a ação imaginada com a realidade existente. Deste processo há que salientar ainda a capacidade de comunicação por símbolos, legando-nos graficamente (gravuras) a sua condição existencial à data. Humberto José Barros da Silva 159 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Historicamente, as representações simbólicas desempenharam sempre um papel fundamental na arquitetura, que utiliza a linguagem e o desenho como veículos de expressão do pensamento e comunicação das intenções de projeto, o que define a arquitetura como um gesto simbólico sobre o território – uma ideia construída, materializada e simbolizada por um corpo. […] a obra realizada é sobretudo legitimada a falar também da sua carga teórica, precisamente porque vem expressa como história do próprio tempo e não apenas como meditação prolongada do arquiteto. A obra de arquitetura torna-se uma imagem, um signo, que é expressão dos limites, das tensões, das esperanças da coletividade. (Botta, 1998, p. 26) Segundo Arnheim, Hegel45 define como «simbólica» a primeira de três fases da arquitetura, sendo a clássica e romântica as outras duas fases, sobre as quais refere o seguinte: As ideias expressas na arquitetura primitiva não são mais que «representações gerais, sem forma, abstrações elementares da natureza, misturadas e separadas de maneiras diversas, combinadas com pensamentos da realidade espiritual». […] Nas suas torres, obeliscos e labirintos, a arquitetura primitiva, e fundamentalmente a oriental, exprime diversas ideias sociais e religiosas. Na segunda fase, a clássica, a arquitetura grega incorpora a função ou utilidade do edifício convertendo-se numa envoltura, um ambiente para homens e deuses. […] na terceira fase, ou fase romântica, representada pelo gótico cristão, a expressão combina-se com a utilidade; […] Na catedral gótica, a utilidade, embora presente fisicamente, não está à vista, o que confere ao edifício em conjunto um aspeto de existência independente. A utilidade prática transformou-se naquilo que serve a devoção subjetiva da mente. (Arnheim, 1997, p. 201) Outras das capacidades do homem do Paleolítico é a de reproduzir imagens que evocam elementos de um dado ambiente, com o intuito de concretizar no terreno as intenções projetadas mentalmente (gravuras rupestres). Assim como a arquitetura, na sua ligação inevitável ao sítio, ambiciona incorporar em si os fenómenos mais característicos que definem a qualidade ambiental da envolvente. E como estes elementos se apresentam de forma abstrata no território, a arquitetura atribui-lhes um corpo, uma forma concreta, que agregados ao objeto arquitetónico passam a adquirir qualidade de imagem – a metáfora do corpo texturado do Museu do Côa enquanto representação simbólica do xisto, suporte das gravuras rupestres. 45 Georg Friedrich Hegel (1770-1831) foi um filósofo alemão e um dos criadores do idealismo alemão, uma corrente filosófica da década de 1780, iniciada pelo filósofo alemão Immanuel Kant, seguida por Fichte e Schelling e consumada em Hegel, que desenvolveu uma estrutura filosófica abrangente do Idealismo, aferindo, de um modo integrado, a relação entre mente e natureza, sujeito e objeto. Hegel tem entre as suas principais obras a “Fenomenologia do Espírito” (1807), a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas” (1817) e “Princípios da Filosofia do Direito” (1820). Humberto José Barros da Silva 160 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 171- Fachada Norte do Museu e uma réplica de um painel de xisto do Vale de José Esteves 16: A semelhança entre a cor, textura, fragmentações e assimetrias da fachada com as da réplica. (Ilustração nossa, 2015) Relativamente à representação imagética do real, a explicação mais aceite atualmente sobre as pinturas e gravuras rupestres, é que essa arte era realizada por caçadores, como processo de premonição da captura dos animais. Ou seja, o caçador (e artista) paleolítico acreditava na consumação da caça desde que possuísse a priori a imagem do animal ferido mortalmente, convicto que tal aconteceria na realidade se assim o representasse graficamente. Portanto o Homem desde esse período já denotava a capacidade de projetar mentalmente as suas ações no território, mediante um processo de planeamento e registo antecipado dessas ações, o que se compadece com o processo criativo em arquitetura, como refere Botta46: A obra de arquitetura concretiza a síntese entre o pensamento do arquiteto (ainda que abstrato ideológico) e a realidade. Uma realidade que é antes de mais a condição geográfica: a arquitetura transforma uma condição de natureza numa condição de cultura. Esta transformação modifica um equilíbrio espacial existente num novo equilíbrio. O encontro entre o mundo ideológico do pensamento, o mundo abstrato do desenho e o mundo da realidade é também encontro com uma situação histórica, com uma entidade cultural, com uma memória da qual o território está impregnado e que, julgo, a arquitetura deve reler e repropor através de novas interpretações, como testemunho das aspirações, das tensões, das vontades de mudança do nosso tempo. (Botta, 1998, p. 25) 46 Mário Botta (1943) é um arquiteto e designer suíço nascido em Mendrisio (Cantão Italiano) e formado em Milão pelo Instituto Universitário di Architecttura de Veneza. Foi colaborador dos arquitetos Le Corbusier e Louis Kahn, tendo iniciado atividade liberal em 1970, em Lugano, Suíça. De tendência modernista, foi claramente influenciado por Kahn e Carlo Scarpa (que foi seu professor). A sua obra caracteriza-se pelo rigor geométrico das suas formas e pela conjugação dos valores da arquitetura tradicional com as diretrizes do movimento moderno, o que se irá traduzir-se numa arquitetura que privilegia o tijolo aparente e a pedra, conjugados como formas geométricas que se assemelham a grandes monumentos na paisagem. O excerto acima refere-se ao seu ensaio “Ética de Construir” (1998). Humberto José Barros da Silva 161 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 3.3. O MUSEU Do contexto histórico do projeto A intenção de construir um museu dedicado à arte rupestre do Vale do Côa formalizou-se após a criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC), inaugurado a 10 de Agosto de 1996, seguida, em 1997, pela candidatura da arte rupestre do Vale do Côa a Património da Humanidade, classificação atribuída pela Unesco em 1998. Este marco histórico na cultura portuguesa despertou o Ministério da Cultura para a necessidade de salvaguarda e valorização deste legado históricoartístico, bem como a sua difusão cultural, que decidiu então avançar com a ideia da construção de um museu que preservasse esta memória artística. O processo para a construção do Museu foi iniciado em 1998, tendo sido realizado o primeiro contrato em 29 de Dezembro de 1999, durante o mandato do ex-Ministro Dr. Manuel Maria Carrilho. Nesta primeira fase, ainda sob a acesa polémica do Côa47 – gravuras versus barragem –, elaborou-se um projeto de proporções gigantescas, cuja implantação seria na encosta norte da abandonada barragem do Côa, nas imediações dos achados arqueológicos da Canada do Inferno e do Rego da Vide. A sua versão consolidada contava com uma área coberta de 14.000 m2, dos quais cerca de 1.900 seriam dedicadas às salas de exposição permanente. Era um projeto integrado, que pretendia englobar a Canada do Inferno na sua estrutura, tornando acessível a visita, in loco, de todas as gravuras. A evolução desta primeira fase decorreu ao longo do mandato de três Ministros da Cultura, mas entretanto este ambicioso projeto viria a ser abandonado em 2002, devido às alterações governamentais, que levaram a sucessivas reavaliações do seu programa e dimensão, numa altura em que o projeto de arquitetura já se encontrava na fase de aprovação do Estudo Prévio. 47 Entre 1994 e 1995, desenvolveu-se uma campanha para a preservação do património arqueológico do Vale do Côa, em detrimento da suspensão das obras de construção da barragem do Foz Côa, pela EDPPorto, que, de modo a salvaguardar o que já havia investido na construção da barragem, sugeriu (na “Audiência Pública”, realizada em Vila Nova de Foz Côa, no dia 11 de Novembro de 1991) que se retirassem os achados arqueológicos da zona de conflito, para que não fossem inundados, admitindo, ainda que de forma dúbia, “ser a sua obrigação preservar a memória […] dos vestígios arqueológicos situados na área a submergir, o que se fará mediante o seu levantamento documental ou transladação dos elementos mais importantes […] ”. Mas para os arqueólogos não se tratava apenas de salvaguardar as gravuras rupestres, e sim todo o conjunto paisagístico onde se inserem, como refere o arqueólogo Vítor Oliveira Jorge: “ […] o monumento a preservar era o vale […] e não cada conjunto de gravações per si. Painéis com gravuras e sem gravuras, acidentes de terreno, cursos de água, toda a geomorfologia do vale são, em suma, neste caso, a verdadeira valência cultural […] ” (Jorge, 1995, p. 365) Humberto José Barros da Silva 162 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Na segunda fase do empreendimento, após a visita ao Parque Arqueológico, no final de 2002, o então Ministro da Cultura, Dr. Pedro Roseta e o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, Dr. Isaltino de Morais, rescindiram o anterior contrato, optando por um novo local para a construção do Museu, que só poderia ser definido mediante parecer do IPA e do IPM. E após a apresentação do relatório do Instituto Português de Arqueologia [IPA] e do Instituto Português de Museus [IPM], o sítio escolhido recaiu numa encosta junto à margem esquerda do Rio Douro, ao cimo da foz do Rio Côa, na zona norte do Parque Arqueológico – um local com um amplo horizonte visual sobre a paisagem do Douro, aspeto que viria a ser preponderante na implantação do Museu, que na sua condição de “instalação na paisagem”, assume-se com um autêntico miradouro suspenso sobre os vales do Douro. Ilustração 172 – Museu do Côa – A cobertura enquanto miradouro, imagem 3D do concurso. (Seabra, 2004, p. 30) Após a definição do sítio de intervenção, o IPA foi encarregue de promover as ações necessárias para o concurso e para as expropriações dos terrenos, desenvolvendo todo o processo em colaboração com o IPM, a Ordem dos Arquitetos [AO] e Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa [CMVNFC]. De seguida procedeu à revisão do programa museológico, cadernos de encargos, minuta do contrato de projeto, imagens e levantamento topográfico. Esta revisão teve a colaboração do IPM, do Museu Nacional de Arqueologia (MNA), do Centro Nacional de Arte Rupestre [CNART] e do Parque Arqueológico do Vale do Côa [PAVC]. Este projeto foi concebido no âmbito de um concurso público lançado, em Novembro de 2003, pelo Ministério da Cultura em colaboração com a Ordem dos Arquitetos, Humberto José Barros da Silva 163 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa tendo sido reconhecido com o 1º prémio, de entre as 37 propostas, por ser “uma peça de arquitetura de cariz escultórico e emblemático, assumidamente contemporâneo e acrescentando mais-valias à paisagem” (relatório final do júri do concurso, Seabra, 2004, p. 30). Para uma paisagem com valor cultural de exceção, onde a coexistência de dois “Patrimónios da Humanidade” – O Douro Vinhateiro e a Arte Rupestre do Vale do Côa – é uma realidade, era imperativo a conceção de um edifício de qualidade, que fosse ao encontro de tal excecionalidade. O projeto apresenta uma organização muito compacta, uma figura forte […] extraordinária e carismática. Uma inventiva e adequada resposta à integração na envolvente. O acesso revela-se bem pensado, introduzindo um compasso de espera entre a chegada, com uma noção clara da paisagem e da envolvente, e a descida ao espaço do museu. Os conceitos utilizados na memória descritiva são notáveis e reveladores da consciência da proposta. Os espaços expositivos estão bem organizados e o acesso aos serviços bem resolvido. A estrutura funcional apresenta-se adequada às exigências expressas no programa de intervenção, tendo contudo alguns aspetos que requerem maior reflexão. A solução demonstra flexibilidade evolutiva. Boa exequibilidade da solução, à luz dos atuais modos de construção. (Seabra, 2004, p. 30/31) Ilustração 173 – Fachada sul – Imagem 3D do concurso, perspetivando-se uma forte fisionomia visual do corpo projetado sobre a encosta, (Seabra, 2004, p. 33) Humberto José Barros da Silva 164 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Segundo o júri, a qualidade da solução arquitetónica preconizada compreendia as seguintes componentes: “Adequabilidade ao programa de intervenção, integração na envolvente, estrutura funcional, flexibilidade intrínseca da solução e exequibilidade da solução”. Estas componentes deram resposta e fundamento aos temas mais relevantes que marcaram o debate em torno de todas a soluções apresentadas no concurso, entre as quais: “A relação do construído com a paisagem e com o território, com destaque para as questões da escala e perceção; a relação dos acessos e estacionamento com o edifício, o território e a paisagem; o equilíbrio e flexibilidade das áreas expositivas, abordagem do programa funcional, a otimização de funcionamento e manutenção, e a facilidade de execução técnica e financeira”. Da obra: A metáfora como motor de criação A relação entre racionalidade e sensibilidade, aplicadas à concretização da ideia de um autor, tem um sistema operativo sobejamente testado no campo criativo ao longo do séc. XX, a partir do momento em que a produção artística deixa de representar figurativamente a realidade, para passar a integrar o modo particular como o artista vê essa realidade. O resultado final acrescenta ao mundo a realidade transformada pela sensibilidade do autor. […] A dificuldade acrescida na descodificação do processo passa a depender da metáfora, como motor de criação. (Hipólito, 2011, p. 7) O museu arqueológico do Foz Côa, na sua condição de “instalação na paisagem”, assume-se como um paradigma do território enquanto matéria construtiva, na medida em que incorpora, em si, a matéria tectónica e histórico-geográfica da paisagem em que se insere. Deste modo, o edifício pretende manter uma continuidade cromática e tectónica com o território, ajustando-se às suas constantes permutações de aparência. A ideia prevalece, assim, sob a forma de uma massa híbrida, produto de uma fusão entre a textura e pigmento do xisto (matéria geológica do território e suporte artístico da gravuras rupestres), que significa contexto e organicidade; e as características plásticas e tectónicas do betão, pela sua capacidade de integração na paisagem, bem como pela sua abundância e retórica construtiva nas paisagens do Douro. Procurando a continuidade cromática da paisagem, optámos por uma expressão produzida por betão com adição de pigmento, semelhante à cor do xisto (matéria abundante no local), resultando numa massa híbrida com textura (obtida por moldes feitos sobre as rochas locais). (Rebelo e Pimentel, 2010) Humberto José Barros da Silva 165 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 174 – A massa híbrida de betão com textura e pigmento do xisto. (Ilustração nossa, 2015) Na sua dimensão tipológica, enquanto metáfora corpórea de uma matéria geológica autêntica (xisto), as qualidades tectónicas do betão tornaram-no o material mais lógico para expressão conceptual da obra, resultando um museu construído pelo (e para) território, numa coerência de escala, forma e matéria, que procura estabelecer um diálogo entre natural/artificial que não desvirtue, mas complemente e enalteça a condição preexistente. Quanto à composição do betão (na sua aparência pigmentada lisa ou com relevo), as especificações técnicas do projeto de estruturas referem que os pigmentos a utilizar deverão ser inorgânicos resistentes aos raios ultravioletas, para que se conserve no tempo as cores do xisto impressas no betão, nos tons castanho, amarelo e verde. Para se atingir os tons necessários, a quantidade de pigmento teve que variar entre 0,2% e 5% do peso do cimento, tendo a mistura dos inertes condicionado a sua dosagem, pelo que foi necessário um processo de experimentação até se atingir a coloração pretendida. Em termos percetivos, esta coloração tripartida dos tons do xisto atribuiu ao betão uma capacidade notável de transmutação das suas superfícies em função das variações cromáticas do ambiente ao longo do dia e sazonalmente, e ainda consoante o ângulo e distância do observador. “A sua perceção é uma realidade mutável, consequência da sua materialidade. A sua observação é possível de vários ângulos, mas também de distâncias variáveis, surgindo como um monólito de xisto de diferentes expressões […] ” (Rebelo e Pimentel, 2010) Humberto José Barros da Silva 166 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 175 – A constante permutação das superfícies cambiantes de betão ao longo do dia. (Ilustração nossa, 2015) Ilustração 176 – Enquadramento do edifício na paisagem – Vista da fachada sul. Note-se a presença enigmática do corpo monolítico sobre a encosta. (Cortesia de Rebelo e Pimentel, 2015) Por una parte, la arquitetctura transforma (imita) la natureza gracias a su capacidad constructiva, por outra parte, transforma (imita) el «habitat» social, gracias a su capacidad de «habitabilidade». Finalmente, y aquí radica la doble mimesis, el objeto arquitectónico «imita la doble imitación» a través de una transformación exteriorizada de segundo grado y «mimetiza» lo construído en lo habitado, y lo habitado en lo construído. (Muntañola, 1981, p. 57) Distante, o edifício funde-se com a paisagem, assemelhando-se a uma formação rochosa – lapidada na encosta pelos processos naturais de erosão do solo –, que revela o caráter habitável do seu corpo pelas frestas de diferentes calibres que dinamizam as fachadas e acentuam o caráter enigmático da sua presença isolada na Humberto José Barros da Silva 167 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa imensidão da paisagem. Mas à medida que o olhar se aproxima do corpo estranho, mas não menos interessante, este começa a revelar-se tangível na sua forma compacta – um edifício cuja função é albergar um espaço museológico, não necessitando por isso de grandes aberturas nas fachadas, de modo a não retirar protagonismo aos artefactos expostos. Neste sentido, […] “a forma é a configuração que torna visível um conteúdo, e talvez aconteça mesmo que esse conteúdo em si não seja visível em absoluto.” (Arnheim, 1997, p. 350) Relativamente ao processo construtivo, o edifício é constituído por uma estrutura de betão maciço (liso no interior e com relevo no contorno exterior), com algumas lajes mistas. As fachadas apresentam-se em betão aparente pigmentado, com relevo, e as zonas não transitáveis da cobertura são capeadas com placas de betão prefabricadas com a mesma superfície, pigmentada com relevo. Ilustração 177 – O capeamento da cobertura com as placas prefabricadas. (GOP, 2015) Ilustração 178 – Aspeto final das placas montadas e a diferença entre as superfícies texturadas dos contornos exteriores e as lisas do interior (rampa de acesso ao interior do museu), demarcando claramente o limite entre um ambiente mais agreste e natural e outro mais sensível e humanizado. (Ilustração nossa, 2015) Para obtenção de relevo semelhante à textura do xisto, os painéis de cofragem foram revestidos com moldes em polímero (silicone), por ser um material mais sensível e por isso mais eficaz na obtenção de um relevo mais verosímil, que se estende verticalmente pelas superfícies das fachadas. Como a execução destes moldes tinha custos elevados, por uma economia de meios, encomendou-se um número restrito de moldes (devido a elevada capacidade de reutilização dos mesmos) e definiu-se uma área de aproximadamente 120 m2 de montagem alternada dos mesmos, que divididos em painéis de 60, 90 e 120 cm, foram sendo repetidamente (des)montados durante toda a obra. Esta alternância intencional da ordem e posicionamento dos painéis, Humberto José Barros da Silva 168 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa definidos no projeto de arquitetura, originou uma estereotomia assimétrica, que conferiu dinâmica e um certo cunho regional às fachadas, que parecem ter sido montadas com placas de xisto extraídas do próprio terreno, à semelhança das construções tradicionais. O museu, na sua condição de instalação na paisagem, procura ainda estabelecer um diálogo com a encosta onde se insere, conferindo-lhe uma nova topografia e silhueta, cuja forma triangular resulta da confluência dos vales (do Forno e de José Esteves). Da fisionomia visual desta dialética resulta um corpo monolítico lapidado na própria encosta, ajustando-se à sua forma triangular, como a pedra ajusta-se às mãos de um escultor. Segundo Muntañola, “el poder de una imagen cualquiera y su capacidad «analógica», o de semblanza, se apoya en su grado y en cualidad «de isotopia». […] Muntañola, 1981, p.65). Neste sentido, a forte imagem é, também, potenciada pela sua condição de promontório sobre a paisagem, cuja materialidade procura harmonizar o gesto com a própria paisagem, que dela não se poderá desvincular. Num museu situado numa encosta da Foz do Côa parece ser importante o sentido afirmativo do seu corpo, quer na leitura da sua relação com a paisagem, quer quanto à sua natureza tipológica, que deve ser formalizada enquanto massa física, não deixando quaisquer ambiguidades e equívocos quanto à sua localização. (Rebelo e Pimentel, memória descritiva, 2010). Ilustração 179 – Localização do Museu na confluência dos vales. (Cortesia dos arquitetos Camilo Rebelo e Tiago Pimentel, 2015) Ainda quanto à sua natureza tipológica, enquanto monólito habitável, o museu manifesta-se como sendo mais uma expressão artística da paisagem do Côa, à semelhança do vasto conjunto artístico do Vale, agregando, deste modo, a sua história Humberto José Barros da Silva 169 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa à do lugar. Uma história e um lugar que, segundo os arquitetos, fundamentam o conceito de todo o projeto, ao referirem-se à arte rupestre, que qualifica de forma única as margens do rio Côa, como sendo, provavelmente, “a primeira forma de Land art da história da Humanidade” – esta condição revelou-se desde logo o motor conceptual do projeto. A land art caracteriza-se genericamente de duas formas distintas. Na primeira, a condição de intervenção na paisagem é executada com elementos naturais, promovendo continuidade, onde a geometria de caráter abstrato se impõe, destacando a intervenção. Na segunda, a estratégia é a de trabalhar um corpo, desenhado especificamente para um lugar, promovendo um diálogo íntimo entre artificial/natural e aumentando deste modo a complexidade temática da composição do mesmo. O território sugere neste caso uma dupla leitura, pois é o suporte natural da paisagem, com que se pretende intervir e dialogar, mas também é consequência da intervenção do homem numa natureza modelada, enfatizando a condição artificial.” (Amaral, 2004, p. 37) Neste movimento artístico, surgido nos Estados unidos no final dos anos 60, que propôs elaborar obras de arte a partir da natureza e do território, as intervenções relacionam-se em regra com as características dos locais onde a obra é construída, tais como a ocupação do solo, materiais geológicos ou características climáticas, em que a matéria-base é próprio território, onde a paisagem surge como meio operativo. Os primeiros materiais a serem trabalhados pelo Homem foram a pedra e a terra, e são os mais usados nas intervenções da land art. As culturas pré-históricas já os utilizavam, atribuindo-lhe conotações simbólicas de imortalidade, estabilidade e confiança. A pedra, sendo um material de escultura por excelência, assume uma condição de elemento primordial na história da paisagem. A sua localização, forma e características geológicas, permitem estabelecer uma relação mais próxima e íntima entre o objeto e o seu contexto. Quanto apresentado no seu estado puro, a pedra ganha uma carga simbólica mais adequada às intenções de fundação de uma obra no seu contexto. Deste modo a evocação do xisto, no seu estado puro, atribui-lhe conotações simbólicas sobre um tempo, um lugar e uma [pré]história. Esta matéria geológica, convertida em matéria construtiva e compositiva, torna-se veículo de expressão conceptual para um diálogo poético entre a arquitetura e o lugar. Pois a “arquitetura, mais que intrometer-se numa paisagem, serve para explicá-la. (Hipólito, 2011, p. 37) Humberto José Barros da Silva 170 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa A dimensão poética da arquitetura é importante, essencialmente, porque o sítio não deverá ser utilizado como uma citação das suas evidências, mas antes como um complexo sistema de relações que funcionam tanto conceptualmente como figurativamente (embora na maior parte das vezes a figura esteja disfarçada de conceito). […] A metáfora é o motor deste processo inventivo, desde a ideia difusa à forma configurada. (Hipólito, 2011, p. 39) Em termos programáticos, o território volta a assumir um papel determinante na conceção do museu, pois os valores plásticos e culturais da paisagem sugeriam uma abordagem subtil, quase de fusão com a envolvente, onde o corpo do museu assume uma presença dual: Se por um lado, à chegada, ele é visualmente inexistente, assumindo uma condição de plataforma de fruição (estacionamento, espaço de miradouro e entrada do museu), não pretendendo interferir mas sim potenciar a contemplação da esmagadora paisagem do Douro; por outro, assume no extremo do seu percurso uma escala vasta, consentânea com a monumentalidade da paisagem em que se insere, vertendo naturalmente ao longo da encosta, para revelar a sua presença na totalidade. Ilustração 180 - A presença (dis)simulada do museu denunciada apenas pelos muros que delimitam o perímetro de implantação (Ilustração nossa, 2015) Ilustração 181 – Vista da fachada sul e nascente – A mudança de escala do edifício, que evolui de uma presença abstrata para um corpo concreto. (Cortesia de Rebelo e Pimentel, 2015) Humberto José Barros da Silva 171 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 182 - Alçado Sul - A preservação da topografia permite libertar o edifício no extremo da encosta, resolvendo simultaneamente os acessos de serviços e proporcionando um confronto mais intenso com o vale. (Rebelo e Pimentel, 2015) A preservação da condição natural da topografia permitiu libertar o terreno no seu extremo, suspendendo o edifício sobre a encosta, de modo a resolver eficazmente uma série de requisitos programáticos, entre os quais o acesso de serviço, que é efetuado discretamente pela fachada sul, sob o corpo suspenso; o restaurante panorâmico, que estabelece uma relação intensa com a paisagem, porque a preservação da condição topográfica do terreno assim o permite; as áreas expositivas e administrativas, que se encontram na parte do corpo libertado pelo terreno; e a entrada do museu, que, aproveitando habilmente o declive natural do terreno, os arquitetos optaram por efetuá-la no sentido descendente do terreno, através de uma rampa/fenda que estrava o corpo em toda a sua extensão, projetando o visitante para o interior cavernoso, onde subjaz o espaço expositivo, que se conserva silencioso, na penumbra do tempo primitivo, cuja história pretende dar a conhecer, remetendo o homem para o seu velho mundo há muito desaparecido. Progressivamente envolto por planos que vão ganhando escala com o verter do terreno, o visitante, à medida que desce a rampa, vai perdendo a paisagem de vista, para depois contemplá-la num impulso de êxtase pela sua avassaladora presença, que a pausa sobre o seu olhar amplificou, após o confronto com interior envolto em escuridão. Um percurso dotado de uma presença cinematográfica notável, pela forma como estabelece a transição entre o exterior e o interior, entre o visitante, a história e o lugar. Há um elemento que estrutura o corpo – a rampa que rompe a massa de forma contínua, percorrendo todo o programa, desde a plataforma de chegada até às salas de exposição. Esta fenda descendente conduz o utente para dentro da densa massa, transportando-o, de modo gradual, da paisagem intensa, luminosa e infinita até à realidade interior e escura da sala gruta, que nos remete para um tempo primitivo. (Rebelo e Pimentel, 2010) Humberto José Barros da Silva 172 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 183 – A penumbra da rampa de acesso ao interior do museu remete o visitante para um tempo primitivo, onde subjazem as salas “grutas”. (Ilustração nossa, 2015) Esta analogia à um tempo primitivo denota o cunho autóctone que o edifício estabelece com o seu contexto histórico-geográfico, ao estabelecer um paralelo entre as grutas (o habitat do homem primitivo e suporte da arte rupestre) e a escuridão das salas expositivas, que nos remetem para ambientes cavernosos, palcos da arte primitiva. Pois “Se uma peça de arquitetura apenas conta o mundano e o visionário, sem fazer oscilar com ele o seu lugar concreto, sinto falta da ancoragem sensorial da obra no seu lugar, do peso específico do local.” (Zumthor, 2009, p. 42) A estratégia museológica assenta essencialmente no princípio de distinguir em organização, materialidade e luminosidade o espaço de exposição permanente e temporário. Deste modo a luz é utilizada como elemento de caracterização espacial, que permite criar uma atmosfera museológica de caráter cenográfico, em que as salas de exposição temporária representam uma atmosfera mais iluminada, erudita e efémera, em constante mudança dos trabalhos expostos; e as salas de exposição permanente remetem-nos para uma atmosfera mais densa e cavernosa, projetando o visitante um tempo primitivo, que o espaço expositivo pretende dar a conhecer. Humberto José Barros da Silva 173 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 184 – Espaço de exposição permanente – Sala expositiva "A" dedicada ao Vale do Côa como património mundial da humanidade e o corredor de acesso às salas de exposição permanente. (Ilustração nossa, 2015) Ilustração 185 - Sala de exposição temporária (Ilustração nossa, 2015) O edifício é constituído por quatro pisos, a cobertura/estacionamento/miradouro, correspondente ao piso 2; o piso 1, correspondente às áreas administrativas; o piso 0, à área expositiva; e o piso -1 corresponde às áreas de serviço, restaurante/bar e estacionamento privado. Espacialmente o programa encontra-se bem resolvido, a presença das áreas administrativas não entram em conflito com a área pública de exposição, mantendo separado os acessos às zonas de serviço e administração, esta última denunciada apenas por frestas de diferentes calibres que seccionam a fachada norte. A rampa é um elemento estruturante do programa, uma vez que trespassa o edifício em toda a sua extensão, separando a zona administrativa da expositiva, articulando, a partir desta diferenciação, todo o espaço museológico, desde a plataforma de chegada ao espaço do lobby, encerrando o percurso nas salas de exposição. Humberto José Barros da Silva 174 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 186 - Planta Piso 0 - área expositiva: 01- Acesso público – átrio exterior, 02 - Serviço educativo, 03- Acesso público – entrada norte, 04- Investigação – sala de arquivos, 05- Entrada do auditório, 06- auditório, 07- Museu – átrio interior, 08- Loja, 09- Átrio público – acesso aos elevadores, 10- Sanitários, 11- Armazém, 12- Cacifos, 13- Armazém, 14- Salas de exposição temporária, 15- Corredor das salas de exposição, 16- Salas de exposição permanente, 17- Depósito, 18- Sala de museografia, 19- Oficinas, 20- Laboratório de fotografia. (Cortesia de Rebelo e Pimentel, 2015) Ilustração 187 - Planta piso -1: 01- Escada – Entrada, átrio do restaurante, 02- Acesso público – restaurante, 03- Átrio público – restaurante, 04- Auditório, 05- Sanitários, 06- Cafetaria, 07- Bar/Restaurante, 08- Restaurante, 09- Cozinha, 10- Dispensa – armazém, 11- Sanitários, 12- Acesso de serviço, 13- Área de serviço, 14-Estacionamento, 15-Área técnica. (Rebelo e Pimentel, 2015) Humberto José Barros da Silva 175 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Humberto José Barros da Silva 176 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O MUSEU 4.1. O MUSEU ENQUANTO TERRITÓRIO CONSTRUÍDO Trabalhar com o terreno significa hoje, como sempre, colaborar com a sua morfologia, mas significa sobretudo utilizá-lo como matéria de composição. Matéria de composição em que este é algo mais do que um suporte. Mais do que ser a fundação, o terreno pode hoje ser parte do próprio edifício. E o edifício, mais do que um objeto pousado ou encaixado no local, com mais ou menos preocupações contextualistas, é parte desse terreno, desse local e desse contexto. (Rodrigues, 2009, p. 52) O Museu enquanto território construído apresenta-se aqui sob uma analogia à arquitetura vernacular portuguesa, pelo modo como o edifício incorpora em si as qualidades tectónicas e sensoriais do xisto (suporte geológico do território e das gravuras), atribuindo-lhe uma forma concreta – um atributo recorrente na arquitetura tradicional, onde a pedra é extraída do próprio terreno, para a construção das casas. Se a priori a pedra, no seu estado natural, possui mera condição de matéria geológica, com a sua aplicação na construção, passa a adquirir qualidade de imagem, na medida em que o objeto arquitetónico confere-lhe forma e simbolismo, pois o xisto, incorporado metaforicamente no corpo do Museu, passa a representar simbolicamente o território construído, fundando-se um nexo [arqui]tectónico entre o edifício e o sítio – uma lógica construtiva (de matéria/materialidade) que pauta os trabalhos de Zumthor, que refere o seguinte, a propósito do seu projeto para as Termas de Vals: Sem recorrer primeiro a imagens predefinidas, adaptando-as posteriormente ao programa, procurámos antes responder a questões fundamentais relacionadas com o lugar, com a tarefa arquitetónica e com os materiais – montanha, pedra, água – que, à partida não tinham qualidade de imagens. Só após termos conseguido responder, passo a passo, às perguntas relativas ao lugar, ao material e à tarefa, se desenvolveram gradualmente estruturas e espaços que nos surpreenderam e dos quais acredito que contêm o potencial de uma força originária que vai para além do arranjo de formas estilisticamente preconcebidas. […] as leis próprias das coisas concretas como montanha, pedra, água na perspetiva de uma tarefa arquitetónica, engloba a possibilidade de captar algo da natureza originária e “civilizacionalmente ingénua” desses elementos, de o exprimir e desenvolver uma arquitetura que parte das coisas e volta para as coisas. […] (Zumthor, 2009, p. 31) Esta condição “civilizacionalmente ingénua” da matéria do território que permite a arquitetura conferir-lhe uma forma, um significado, uma imagem, remete-nos para a espontaneidade das construções vernaculares, que na falta de recursos e meios industrializados sobeja a capacidade de improviso e habilidades artesanais do povo, que, com os materiais locais, moldam o território, conferindo-lhe forma e função, onde Humberto José Barros da Silva 177 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa a condição telúrica do lugar manifesta-se de forma natural e espontânea, pois o território se autoconstrui com os seus próprios elementos. Ilustração 188 - Fachada norte – A relação entre a superfície da fachada e o bloco de xisto que brota do solo. Esta imagem sugere o território construído na forma do edifício a partir dos afloramentos de xisto. (Ilustração nossa, 2015) Na arquitetura contemporânea, esta condição é manipulada mediante um discurso poético e metafórico, em que o artificial incorpora as qualidades tectónicas e sensoriais do natural, e no fim do processo o que os separa é a natureza atómica que os define, porque quanto a aparência, essa torna-se semelhante, criando, em alguns casos, a perceção de um território esculpido de modo a albergar um ambiente habitável, como o Museu assim o sugere – lapidado na paisagem, como se de uma formação rochosa de xisto se tratasse. Conceptualmente, a arquitetura atribui ao território uma imagem e uma forma concreta, pois agrega ao seu corpo os elementos que o tornam legível enquanto suporte de acontecimentos e fenómenos. No caso do Museu, o edifício reconstrói, física e historicamente, o território em dois aspetos fundamentais: através da sua forma triangular, lapidada pela confluência dos vales, redefinindo a topografia da encosta; e a evocação do xisto enquanto matéria geológica do território e suporte das gravuras rupestres. Deste modo o Museu torna-se a imagem representativa do território construído, o seu nexo [arqui]tectónico, pois agrega ao seu corpo a matéria tectónica do terreno em que se implanta, num processo de lapidação da encosta, Humberto José Barros da Silva 178 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa gerando, conceptualmente, um afloramento de xisto habitável – o edifício torna-se o próprio território construído. Ilustração 189 - Planta de implantação – A forma triangular do museu gerada pela confluência dos vales do Forno e de José Esteves. (Rebelo e Pimentel, 2015) Ilustração 190 – O aspeto de afloramento de xisto e a relação cromática que o edifício estabelece com o território, gerando uma perceção de corpo esculpido na encosta, mediante lapidação da mesma – a encosta deixou de ser apenas terreno e passou a ser construção. (Vimeo.com, 20-4-2015) A forma do corpo é triangular e resulta dum processo de lapidação ditado pela geometrização abstrata da topografia, uma vez que o ponto mais alto do terreno (implantação) está entalado entre dois vales (Vale de José Esteves e Vale do Forno) e abre uma terceira frente ao encontro dos Rios Douro e Côa. (Rebelo e Pimentel, 2010) Humberto José Barros da Silva 179 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa O Museu, com a sua aparência de afloramento de xisto, assemelha-se às construções tradicionais da região nortenha, onde o granito e o xisto dividem a hegemonia construtiva e compositiva das edificações, que de um modo peculiar distinguem a região norte do país – uma região de solos predominantemente graníticos e xistosos, que ditam uma arquitetura de produção cujos edifícios apresentam-se bastante enraizados no território, pelo brutalismo das suas formas e superfícies pétreas. São erguidos com blocos de pedra retirados do solo ou das pedreiras, através de um processo de explosão das mesmas em pequenos fragmentos que permitem o seu emparelhamento na construção. Neste sentido, o Museu reforça a sua condição de território construído, sugerindo um corpo semelhante às construções tradicionais, quer pela forma espontânea de ocupação do terreno, preservando a sua topografia, quer pelo brutalismo e estereotomia das fachadas assimétricas, que conjugados num só corpo, conferem ao Museu uma conotação vernacular, como se tivesse sido construído com placas de xisto, de diferentes calibres, justapostos entre si de forma irregular, com fretas de escalas distintas, que denunciam o caráter habitável e rudimentar do corpo. O Museu conjuga, assim, erudição com espontaneidade e contemporaneidade com tradição, assumindo-se como objeto intemporal e paradigmático da assunção de valores que fundamentam a arquitetura tradicional e contemporânea portuguesa na relação com o lugar. Valores que Távora considerou imprescindíveis para a fundação do espaço arquitetónico português: Em verdade há que defender, teimosamente, a todo o custo, os valores do passado mas há que defendê-los com uma atitude construtiva, quer reconhecendo a necessidade que deles temos e aceitando a sua atualização, quer fazendo-os acompanhar de obras contemporâneas. (Távora, 1996, p. 58) Esta coexistência de valores entre a arquitetura contemporânea e a vernacular é sugerida no “Regionalismo Crítico” de Frampton, que propõe, como alternativa aos estereótipos da homogeneização do ambiente construído, uma arquitetura autêntica, em harmonia com seu espaço físico e cultural, baseada em dois aspetos essências: a consciência do lugar e a tectónica. O regionalismo crítico […] é uma expressão dialética. Busca intencionalmente desconstruir o modernismo universal a partir de imagens e valores localmente cultivados e, ao mesmo tempo deturpar esses elementos autóctones com o uso de paradigmas originários de fontes alienígenas. (Frampton, Nesbitt, 2008, p.506) Humberto José Barros da Silva 180 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa No caso do museu, a autenticidade do edifício deriva da sua peculiar integração na paisagem, numa exaltação dos valores da arquitetura vernacular (pela relação corpórea que estabelece com o sítio), enquadrados no âmbito de um panorama arquitetónico contemporâneo que se quer progressista mas sempre identitário com o seu contexto físico e cultural. “Assim, uma obra exemplar de arquitetura evoca a essência onírica do lugar com inescapável materialidade da construção” (Nesbitt, 2008, p. 503) Segundo Tadao Ando48 “a presença da arquitetura – a despeito do seu caráter autossuficiente – cria inevitavelmente uma nova paisagem. Isso implica a necessidade de descobrir a arquitetura que o próprio sítio está pedindo.” (Ando, Nesbitt, 2008, p.497). No caso do Museu, o que o sítio sugere antes de mais é uma arquitetura que não desvirtue mas complemente, enaltecendo o potencial da sua condição sobranceira e privilegiada sobre a paisagem. Desta condição resultou uma fusão do edifício com o terreno, de modo a preservar a magnífica vista sobre a paisagem, não a perturbando, mas sim proporcionando uma condição mais humanizada para a sua contemplação e fruição, como de apresentará de seguida. 4.2. O MUSEU ENQUANTO LUGAR Um lugar reconhece-se porque é construído […] existe porque uma construção qualquer o identifica. Essa construção é uma marca, um sinal, um registo de uma vontade em assinalar um fragmento no território […] com o projeto ou o desenho que configura o pensamento do arquiteto se definem estratégias que revelam qualidades que antes não eram visíveis. Determina-se aqui, neste preciso momento, a inauguração de lugar. Sendo assim o lugar o fim e não o princípio do projeto. A consciência deste ato transforma a atitude e o ato de projetar. Principalmente, introduz a reflexão de que a intervenção arquitetónica é […] manipuladora das possibilidades que existem apenas como potencial, e que foram, num dado processo, detetados e tratados como uma evidência […] a atribuição de uma materialidade a um lugar deve assim ser um ato consciente, já que permanente na função do arquiteto. (Milheiro, 2004, p. 79) Na sua condição de instalação na paisagem, o Museu aponta para o desenho de uma nova topografia, assumindo-se como nova paisagem construída, com poder criador 48 Tadao Ando é um arquiteto japonês, membro do Instituto Americano de Arquitetos (FAIA). Fundou e dirige o escritório Tadao Ando Architetcs & Associates, e, Osaka, Japão. Seus projetos foram objeto de exposição na Europa, Ásia e na América do Norte – Estados Unidos –, e de inúmeras monografias, entre as quais Tadao Ando: Buildings, Projects, Writings (1984) e Tadao Ando: Details (1991). Autodidata, este arquiteto foi professor convidado nas universidades Yale, Columbia e Harvard. Foi também distinguido com os Prémios Pritzker (1995); o Mainichi Art Prize, pela obra da Capela do Monte Rokko; e com o Japanese Cultural Design Prize, pelo projeto do conjunto habitacional em Rokko. Humberto José Barros da Silva 181 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa capaz de transformar o sítio em lugar, perante a sua condição de miradouro – uma plataforma de lazer, um espaço prazeroso, de fruição, pausa e contemplação da magnífica paisagem do Douro. Uma condição que enaltece o potencial do próprio local para o efeito, devido à sua localização sobranceira e privilegiada sobre a paisagem. À chegada ao local, o edifício sugere, antes de qualquer condição museológica que lhe seja imposta, um espaço de miradouro, uma plataforma de contemplação da paisagem, sugerida pela condição sobranceira do sítio. Uma condição que existia apenas como possibilidade, pelo seu enquadramento geográfico privilegiado na paisagem, potenciada, no entanto, pela implantação estratégica do Museu, que se apresenta parcialmente enterrado, deixando em primeiro plano o cenário dos montes e vales, que passam a ter como plateia a cobertura do edifício, que é simultaneamente estacionamento, espaço de lazer e miradouro. Com esta simbiose entre paisagem natural e construída, o sítio converte-se em lugar – um espaço prazeroso, afeto ao olhar contemplativo, que deixa de ser um mero ato de observar, para passar a pressupor atos de meditação, de admiração e retiro da alma, pelo devaneio que a imensidão da paisagem incita. “O miradouro é então um dos lugares onde se conhece e reconhece a paisagem e, ainda que por vezes sem nada construir, é um dos locais onde se processa o nosso encontro (talvez contemplativo) com o mundo.” (Rodrigues, 2009, p. 124). Ilustração 191 – Acesso ao Miradouro Sul (Ilustração nossa, 2015) Humberto José Barros da Silva Ilustração 192 – Acesso ao Miradouro Norte (Ilustração nossa, 2015) 182 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Ilustração 193 - Planta de cobertura (piso 2): 01- Estacionamento, 02- Acesso ao miradouro sul, 03- Miradouro norte, 04- Entrada, rampa de acesso ao museu. (Cortesia de Rebelo e Pimentel, 2015) Este gesto transformador do sítio em lugar, pela conceção do museu enquanto miradouro e plataforma de múltiplos acontecimentos, é compatível com a de Schulz, que refere a condição existencial da construção em arquitetura como “a arte que faz um sítio tornar-se um lugar, isto é, revelar os significados presentes de modo latente no ambiente dado.” (Schulz, Nesbitt, 2008, p. 454). O Museu explora assim as potencialidades do sítio, enaltecendo a sua condição prévia, de um ambiente com um genius loci latente, capaz de elevar o sítio à condição de lugar, e como tal a uma dimensão espiritual prazível. Infelizmente, hoje a natureza perdeu muito da sua antiga abundância e a nossa capacidade de percebê-la também se enfraqueceu. Por isso, a arquitetura contemporânea tem um papel a cumprir no sentido de proporcionar às pessoas lugares arquitetónicos que as façam sentir a presença da natureza. Quando isso acontece, a arquitetura transforma a natureza por meio da abstração e modifica o seu significado. Quando a água, o vento, a luz, a chuva e outros elementos naturais são abstraídos da arquitetura, esta se transforma num lugar no qual as pessoas e a natureza se defrontam em permanente estado de tensão. Creio ser esse sentimento de tensão que poderá despertar as sensibilidades espirituais latentes no homem contemporâneo. (Ando, Nesbitt, 2008, p. 497) Assim, o museu enquanto miradouro suspenso sobre a vasta paisagem transmite uma imagem tão intensa que deixa um lastro de emotividade, compreensível para lá de quaisquer significados arquitetónicos que o edifício possa encerrar, pois são emoções tangíveis apenas pelo espírito. Isto é, a arquitetura apenas proporciona condições para que tais impressões ocorram, seduzindo, induzindo e condicionando, de forma intencional, o modo como o utente confronta-se com objeto arquitetónico, para que a leitura do objeto seja o mais consentâneo com as intenções projetuais do arquiteto, que “possui a missão atuante de responsável credível e materializador do lugar, Humberto José Barros da Silva 183 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa tornando-o revelado aos sentidos e razão da sociedade, e, tendo esse lugar uma preexistência em potência, do sítio do destino […] “ (Chaves, 2001, p. 51). Ilustração 194 – O Museu enquanto miradouro. (Ilustração nossa, 2015) Humberto José Barros da Silva 184 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa 5. CONCLUSÃO Do presente estudo, conclui-se que a relação que a arquitetura estabelece com o lugar revela (ou pode revelar) identidades únicas em cada intervenção, atribuindo a cada obra um cariz singular, que desde a pré-história define os lugares. Diferenças e singularidades que o Homem sempre explorou, desde a sua fase nómada até à atualidade, seja por razões de sobrevivência, artísticas ou de estratégias de ordenamento do território. A verdade é que, sendo “filhos do átomo”, a nossa condição existencial é consumada inevitavelmente sobre uma superfície, é epidermicamente que nos relacionamos com o mundo exterior, e a epiderme envolve sempre um corpo, e um corpo compreende sempre um espaço interno e outro externo. E, portanto, essa condição existencial, que é-nos inata, respalda inevitavelmente sobre uma superfície e um ambiente concreto, sobre um território que aparta e define fronteiras físicas e culturais, que, por sua vez, determinam a forma como cada cultura interage com o seu espaço geográfico. Uma lógica geográfica e antropológica que define modos de convivência e noções de território e das suas valências para a fundação e apropriação do lugar, enquanto entidade fenomenológica que define o homem na relação com o seu meio. É sob esta noção existencial do lugar que a arquitetura deve operar, enquanto disciplina primordial na estruturação do mundo habitável, estabelecendo mecanismos que adestrem o homem no encontro com as suas raízes, opondo resistência ao seu desenraizamento dos lugares e da cultura a que pertence, e contrariando simultaneamente o argumento sobre a transformação sucessiva dos lugares, que fundamenta a produção arquitetónica contemporânea neoliberal, que desvaloriza o sítio enquanto matéria operativa de projeto, justificado pela sua constante alteração ao longo do tempo. Oposta à legitimação neoliberal da afirmação do objeto arquitetónico enquanto ideia, desvalorizando a relação que este possa estabelecer com a sua envolvente, a arquitetura contemporânea portuguesa procura nos valores tectónicos da paisagem o fundamento para uma produção arquitetónica que enalteça ou reforce a qualidade e potencialidade das paisagens portuguesas, fortalecendo a identidade das regiões e fomentando a militância dos arquitetos na reafirmação e consolidação de uma cultura arquitetónica cuja contemporaneidade passa pela reinterpretação de valores Humberto José Barros da Silva 185 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa tradicionais, instituindo-se o novo a partir de linguagens reconhecíveis da arquitetura regional. Esta práxis que prolifera na arquitetura contemporânea portuguesa ganha destaque, sobretudo, numa época marcadamente globalizada, que promove a “homogeneização do ambiente” construído, como referiu Frampton, no seu “regionalismo crítico”. Uma época parcialmente descomprometida com a fundação do lugar pela obra construída, que promove uma produção de arquitetura-objeto – consumada pelo seu virtuosismo e monumentalidade –, em detrimento de uma arquitetura de contexto, que promova uma certa ordem e harmonia com a envolvente em que se circunscreve, estabelecendo uma relação de familiaridade com os espaços que propõe. Uma época que privilegia a massificação da produção arquitetónica (bem como a sua especulação), em detrimento do contributo da arquitetura para a regeneração das paisagens (humanizadas ou não), comprometendo, assim, a longo prazo, os valores culturais e históricos que ligam o homem ao seu contexto físico e cultural. Neste sentido, o território enquanto matéria construtiva e operativa de projeto, quer seja na verdadeira assunção do termo, quer seja numa conceção metafórica, deve gerar mecanismos de sensibilização que ofereçam resistência a essa cobiça que desvirtua os sítios, apontando novas direções no reencontro da arquitetura com o homem e as suas raízes ancestrais, em prol de uma linguagem capaz de comunicar e integrar as intervenções arquitetónicas no universo cultural a que pertencem; à semelhança, por exemplo, da arquitetura vernacular, que serviu (e serve) atualmente de referência para estudos de sustentabilidade dos novos edifícios, apontando caminhos para novas investigações sobre a otimização, desempenho e conforto térmico dos mesmos, e amenizando o flagelo do impacto climático que assola atualmente o mundo industrializado. Assim como as investigações na área da sustentabilidade dos novos edifícios têm como referência certas características das construções vernaculares, é de igual importância que esses mesmos edifícios contribuam para a preservação ou regeneração (se for o caso) da identidade do conjunto em que se inserem, conservando, assim, a sua memória coletiva; como as construções vernaculares, que, na inesperada virtude da sua espontaneidade, continuam atualmente a servir de diretriz aos arquitetos contemporâneos, com enfoque para os portugueses, que reconhecem nelas signos inteligíveis de uma intemporalidade e autenticidade capaz Humberto José Barros da Silva 186 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa de resistir a quaisquer dogmas arquitetónicos que negligenciam os valores culturais do universo a que pertencem. O presente estudo pretende, portanto, reforçar a importância de uma produção arquitetónica de contexto, para a perpetuação da singularidade histórica e cultural dos sítios, que é o que distingue e define o quotidiano dos povos no encontro com o seu contexto histórico-geográfico. Mas o estudo pretende ainda, sobretudo, sensibilizar os jovens arquitetos para o escrutínio do olhar atento sobre os sítios, não apenas como recurso projetual, mas como forma de estar no quotidiano – um método de treino mental e espiritual que aguçarão os nossos sentidos enquanto projetistas. Porque as respostas para um bom projeto de arquitetura residem, para além da experiência do arquiteto no domínio da sua profissão, na consciência social sobre as coisas e vicissitudes do quotidiano, que se traduzirão, sobretudo, na sensibilidade do olhar atento (quase obsessivo) sobre o território, daí o termo escolhido para a fundamentação do tema, porque o território tudo abarca – as pessoas, os edifícios, a atmosfera, a história, as culturas, as paisagens, os sítios, os lugares. E se apreendermos estes fenómenos com assertividade, boas respostas e soluções surgirão certamente no ato de projeto. A presente investigação ambiciona, assim, contribuir para o “agitar” de consciências, fomentando a militância entre os jovens arquitetos no vislumbre de uma produção arquitetónica que privilegie, como ferramenta projetual, os valores do espaço cultural a que pertence, não desvirtuando mas antes complementando ou potenciando as condições existentes, sugerindo caminhos que se traduzam em obras que contribuam progressivamente para uma estável convergência de tempos do património arquitetónico português, entre edifícios novos e preexistentes, entre paisagens naturais e humanizadas. Assim como o Inquérito à arquitetura popular portuguesa, a “doutrina” da Escola do Porto, o Museu do Côa e os projetos Casa das Mudas, Centro de Interpretação Ambiental de Corno do Bico e o Museu da Luz contribuem para a consolidação do estatuto da arquitetura contemporânea portuguesa como sendo, culturalmente, uma arquitetura vinculada ao lugar. Se a arquitetura vernacular conferiu ao panorama arquitetónico português mecanismos para a fundação de uma cultura arquitetónica do lugar, a Escola do Porto consubstanciou-a, proliferando e influenciando ideologicamente, a partir das suas figuras mais proeminentes (Távora, Siza Vieira e Souto Moura), inúmeras gerações de arquitetos do Pós 25 de Abril. É esta militância ideológica que o presente estudo ambiciona registar. Humberto José Barros da Silva 187 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa Humberto José Barros da Silva 188 Um paradigma do território enquanto matéria construtiva: O museu arqueológico do Foz Côa REFERÊNCIAS AMARAL, Francisco Keil (1988) – Arquitectura popular em Portugal. 3.ª ed. Lisboa : Associação dos Arquitetos Portugueses. AMARAL, Rosa (2004) – O museu do Côa: um museu carismático. Revista Espaços. 38 (Set.-Out. 2004) 36-42. 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