REPRESENTAÇÕES DOS ÍNDIOS GOITACÁ NA PAISAGEM

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
REPRESENTAÇÕES DOS ÍNDIOS GOITACÁ NA PAISAGEM
CONTEMPORÂNEA DE CAMPOS DOS GOYTACAZES
PRISCILA VIANA ALVES1
JOILSON BESSA DA SILVA 2
Resumo: Este artigo debate as representações espaciais dos índios Goitacá existentes na
paisagem contemporânea de Campos dos Goytacazes - Rio de Janeiro. Este município abrange
parte do território ocupado pela nação indígena Goitacá até o século XVII. A paisagem na concepção
da Geografia Humanista não é composta apenas pelas suas formas, mas também por seus repletos
significados que necessitam ser interpretados. A construção da identidade é resultado de um
processo de relações de poder, que visa afirmar ou negar determinados traços culturais de um grupo.
Esta afirmação ou negação é perceptível tanto na toponímia quanto nos elementos que compõem a
paisagem.
Palavras-chave: Paisagem; Representação; Goitacá
Abstract: This paper debates Goitacá Indian‟s spatial representation on the contemporary
landscape of Campos dos Goytacazes – Rio de Janeiro.This town covers part of Goitacá‟s occupied
territory until the seventeenth century. The landscape in Humanist Geography conception is not
composed only by its forms, but also for its many meanings that need to be interpret. The identity‟s
contruction results from a process of power relationships that aim to affirm or negate specific cultural
aspects of a group. This affirmation or negation is sensitive both in toponym and in elements that
compose the landscape.
Key-words: Landscape, Representation, Goitacá
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa discutir as representações espaciais dos índios
Goitacá impressas na paisagem contemporânea de Campos dos Goytacazes,
município localizado no Norte do estado do Rio de Janeiro, na região Sudeste do
Brasil. Os limites territoriais dessa planície abrangem parte do território ocupado pela
nação indígena Goitacá até o século XVII. Em virtude dessa interseção encontramse referências étnico-culturais dos primeiros habitantes de Campos na formação
socioespacial da planície Goitacá. Esses, como diversas outras nações indígenas
brasileiras, foram exterminadas pelos colonizadores portugueses a partir do século
XVI. Em consequência disto muitos aspectos relacionados à cultura desse povo se
1
Graduada em Geografia no Instituto Federal Fluminense (IFF/Campos). Bolsista do Programa
Observatório da Educação do Brasil – OBEDUC/CAPES (Polo Campos). Discente do Programa de
Pós-Graduação em Geografia – PPG/UFF/Campos. E-mail de contato: [email protected]
2
Historiador. Professor da Escola Municipal José do Patrocínio – Campos dos Goytacazes. Bolsista
do Programa Observatório da Educação do Brasil – OBEDUC/CAPES (Polo Campos). Discente do
Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPG/UFF/Campos. E-mail de contato:
[email protected]
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perderam ao longo do tempo, sobretudo as Remanescente materiais dessa
existência. Contudo, escassos vestígios da presença desses grupos ameríndios
estão presentes em materiais arqueológicos descobertos, bem como nos relatos de
viajantes naturalistas e cartógrafos dos séculos XVIII e XIX. A produção
historiográfica atual sobre os índios Goitacá é bem limitada. Dentre ao fatores
responsáveis por esta limitação, identificam-se o etnocídio e a escassez de
trabalhos acadêmicos voltados para esta questão. Porém há dois trabalhos
fundamentais para a compreensão de determinados aspectos da organização social
desse grupo indígena: o trabalho realizado por Manoel Martins do Couto Reis e a
obra de Alberto Ribeiro Lamego, escritas, respectivamente, nos séculos XVIII e XX.
Ambas estão contempladas na bibliografia deste artigo. Baseado na metodologia
proposta pela Geografia Humanista, fundamentada principalmente no método
fenomenológico da leitura das representações impressas na paisagem, será
possível identificar os diferentes tratamentos dados à imagem do índio Goitacá no
município de Campos dos Goytacazes na contemporaneidade. O trabalho em
questão encontra-se estruturado em dois eixos temáticos: a) a historiografia dos
índios Goitacá; b) a análise das representações indígenas evidenciadas na
paisagem de Campos dos Goytacazes. Este artigo consiste numa contribuição
interdisciplinar, em especial àquelas advindas da Geografia e da História, cujo
propósito visa o enriquecimento bibliográfico sobre os índios Goitacá. Sua relevância
diz respeito também ao reconhecimento e identificação de elementos da cultura dos
índios Goitacá no patrimônio material e imaterial que compõem a paisagem urbana e
rural campistas. Nesse sentido, a leitura da paisagem visa perceber como a
sociedade campista se identifica ou nega a cultura indígena goitacá.
ESCOPO TEÓRICO-METODOLÓGICO
Segundo Eric Dardel “a ciência geográfica pressupõe que o mundo seja
conhecido geograficamente, que o homem se sinta e se saiba ligado à Terra como
ser chamado a se realizar em sua condição terrestre” (DARDEL, 2015, p. 33). Logo,
a Geografia é uma experiência essencialmente humana.
A relação entre a
Humanidade e a Terra é afetiva, prática, simbólica e ao mesmo tempo teórica. Estas
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dimensões são inerentes à condição terrestre. Dito de outra maneira, os laços
afetivos e práticos que ligam o ser humano à Terra bem como seus conhecimentos
teóricos e simbólicos são fundamentais para a interpretação do mundo.
A realidade geográfica humana é o lugar onde se está, onde a presença
humana se encontra. Este princípio preconiza que a Geografia deve ser entendida
como meio pelo qual a humanidade realiza a sua existência, como “base a partir da
qual a consciência se desenvolve [...]” (DARDEL, 2015, p. 48). A realização da
existência humana na Terra e o conhecimento do mundo dependem da valorização
de todos os saberes produzidos ao longo da história humanidade, desde as épocas
mais remotas. Isto implica na constatação de que o conhecimento científico
antecede a revolução epistemológica iluminista. Ou seja, a ciência não começou
com a emergência da modernidade.
A título de exemplo, o conhecimento grego e medieval do mundo tem origem
na tradição metafísica. Predominou em tais sociedades a consciência de que a
verdade suprema estava contida na essência das coisas. Contrapartida, a partir do
século XVIII, a ciência moderna criou a teoria do conhecimento baseada na razão. A
criação, nesse momento, de um método mais rígido, geral e objetivo aumentou a
confiabilidade na apreensão do conhecimento real. Contudo, a ciência racionalista
típica da modernidade negou a importância dos sentidos e da percepção como
método de conhecimento do mundo, baseada na necessidade de distanciamento
entre “o sujeito conhecedor e o objeto deste conhecimento” (GOMES, 1996, p. 68).
De acordo com este autor
A razão, graças ao método, era considerada como o único instrumento
capaz de isolar estes dois termos. Entre o mundo sensível e o mundo
inteligível, o único ponto capaz de separar a percepção personalizada e
imediata do conhecimento geral, universal e objetivo é o método científico.
(GOMES, 1996, p. 68.)
Opondo-se à ciência racionalista, emergiram correntes filosóficas que
retornaram ao conhecimento produzido pelos pré-socráticos. Dentre elas destaca-se
a fenomenologia, que possibilitou o rompimento tanto com a tradição metafísica
quanto com o racionalismo. O método fenomenológico mostrará que o conhecimento
do mundo não depende exclusivamente da razão. Depende também dos sentidos e
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da percepção. Sendo assim, o espaço pode ser interpretado por meio de símbolos.
Traduzindo, pode ser compreendido e experimentado, além de explicado.
Relph foi o primeiro geógrafo a escrever sobre a possível contribuição da
fenomenologia como suporte filosófico para a Geografia, principalmente em relação
aos estudos subjetivos de caráter humanista. Tecendo comentários sobre esse autor
e suas ideias, Holzer afirma que
O método fenomenológico seria utilizado para fazer uma descrição rigorosa
do mundo vivido da experiência humana e, com isso, por meio da
intencionalidade, reconhecer as “essências” da estrutura perceptiva [...]
Relph previa pelo menos duas consequências imediatas do uso da
fenomenologia na geografia: uma visão holística e unificadora da relação
homem-natureza e uma crítica ao cientificismo e ao positivismo (HOLZER,
2012, p. 169).
A Geografia Humanista considera a compreensão da Terra como vocação
geográfica e não como análise pontual dos fenômenos naturais. Desta maneira deve
contribuir para o desvelamento da Terra tanto objetiva como subjetivamente.
Na tentativa de desvelar algumas representações dos índios Goitacá
presentes na paisagem campista contemporânea, este artigo abordará certos
aspectos simbólicos contidos na toponímia regional e em sete registros imagéticos
de Campos dos Goytacazes, sendo dois produzidos e utilizados oficialmente pelo
poder público municipal e o restante extraído de acervos particulares ou
disponibilizado pelas mídias eletrônicas.
HISTORIOGRAFIA DOS ÍNDIOS GOITACÁ EM CAMPOS
Como foi mencionado na introdução deste artigo, a historiografia indígena em
Campos dos Goytacazes é limitada. Contudo há duas obras reveladoras de alguns
aspectos da organização sociocultural dos índios Goitacá nessa região: A Descrição
geográfica, política e cronográfica do distrito dos Campos dos Goytacazes, de
Manoel Martins do Couto Reis e O Homem e o Brejo, de Alberto Ribeiro Lamego.
Os manuscritos originais de Couto Reis se encontram no Arquivo Público
Municipal de Campos dos Goytacazes. Em seus relatos o autor narra a história da
disputa colonial nessa região, os enfrentamentos indígenas, além de apresentar o
resultado cartográfico de seu trabalho. Sobre a localização geográfica dos índios
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Goitacá, Couto Reis escreve que
[...] segundo as tradições mais justificadas consta que habitaram as
Campinas deste Distrito compreendidas entre a lagoa Feia, de Carapebus e
Ponta de São Tomé, os Índios Goytacazes, possuindo também toda a Costa
do mar correspondente, até a vizinhança de Macaé. (REIS, 2011, p.
145.).
No século XVI, a região denominada Capitania de São Tomé foi doada a Pero
de Góis da Silveira. A invasão por parte dos europeus não se deu sem a resistência
dos ameríndios, os quais foram contra a colonização portuguesa, dificultando a
ocupação da planície nesse momento.
Para Alberto Lamego o que garantia toda essa intrepidez natural do ameríndio
era a própria condição geográfica, considerando que “a lagoa ou o brejo, que se
completam e se entretocam em toda esta faixa litorânea, é que lhes fortifica o valor
guerreiro por vantagens estratégicas originais” (LAMEGO, 1940, p. 87). Segundo
este autor, viajantes e cronistas como Simão de Vasconcelos, Couto Reis e Augusto
de Saint-Hilaire afirmaram em seus relatos que os índios da nação Goitacá,
respectivamente, “eram os mais terríveis índios dos Brasis”, “audazes, destemidos,
vigilantes” e “sabiam manejar o arco com destreza” (LAMEGO, 1940).
Acerca de certos rituais dos índios Goitacá, o padre Aires de Casal afirma em
seu livro Corografia Brasílica do Reino do Brasil que eles tinham o costume de
enterrar seus mortos assentados, como corrobora esta assertiva: “Antigamente
sepultavam os caciques encolhidos dentro de grandes vasos de barro cilíndricos,
denominados camucis, dos quais se têm desenterrados alguns ainda com ossos”
(CASAL, 1976, p. 207).
Registros de rituais de passagem semelhantes estão presentes nos
manuscritos de Couto Reis. Neles está escrito que “em vários lugares dos Campos,
casualmente cavando-se, se tem achado deste gênero de sepulcro [...]” (REIS,
2011, p. 157). Neste momento o autor se refere as cerâmicas encontradas nessa
região, que eram utilizadas como urnas funerárias.
O desaparecimento da herança indígena em Campos foi resultado tanto do
massacre e extermínio físico dos povos indígenas quanto de uma opção política de
ocultamento desta herança. Este fato não foi diferente no restante do Estado do Rio
de Janeiro, tendo em vista que “todos os grupos indígenas que viviam no Rio de
Janeiro foram extintos, antes mesmo que tivéssemos um conhecimento mais
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profundo de como viviam [...]” (FREIRE, 2010, s/p). Já Alberto Lamego relaciona o
desaparecimento dos índios da nação Goitacá ao avanço e predomínio da cultura
Guarani do Brasil. Neste sentido ele escreve que
[...] a não ser pelo nome da planície nada mais o lembra. Sumiu-se tudo.
Toda toponímia de sua áspera linguagem desapareceu. Terá sido influência
guaranizante, possivelmente jesuítica, riscando e substituindo toda a
nomenclatura de rios, lagoas e montanhas [...] (LAMEGO, 1940, p. 86).
Mesmo diante da escassez historiográfica sobre os índios Goitacá em
Campos dos Goytacazes, a contribuição dos autores citados anteriormente vai ser
extremamente importante para a compreensão das representações indígenas nesse
município, próximo assunto a ser tratado.
REPRESENTAÇÕES INDÍGENAS NA PAISAGEM CAMPISTA
A paisagem é uma criação humana relacionada à percepção e apropriação
do mundo. Todas as paisagens são simbólicas. Nelas estão impressas os valores
culturais dos grupos que compõem uma determinada sociedade. Para realizar a
leitura dessas impressões, é necessário conhecer sua história, seus costumes,
seus símbolos e significados.
O
atual
município
de
Campos
dos
Goytacazes
recebeu
diversas
denominações entre os séculos XVI e a contemporaneidade. Esses nomes revelam
parte da sua história, traduzem certas características físicas predominantes no
espaço, bem como revelam determinados aspectos socioculturais de seus
habitantes.
Registros datados do século XVI referem-se aos limites atuais desse
município como pertencente à Capitania de São Tomé. Esta expressão apresenta
duplo significado histórico: primeiro, aponta para o tipo de organização
administrativa implantada na colônia; segundo, evidencia um aspecto importante
desse processo colonizador - o poderio da Igreja Católica.
Ainda no século XVI as terras que deram origem ao município passaram a
ser conhecidas como Capitania do Paraíba do Sul, referência direta a um acidente
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geográfico presente nessa região, fundamental para a existência de quaisquer
povoado, vila, cidade ou município: o rio.
Mais tarde, no final do século XVII, é fundada nessas terras a Vila de São
Salvador dos Campos. Estes três termos denotam, respectivamente, a forma de
organização administrativa, a presença do catolicismo e o tipo de relevo
predominante nessa região.
Percebe-se a partir dessas variadas denominações atribuídas ao lugar,
desses variados topônimos, como “a dinâmica das visões de mundo, das religiões,
das culturas e das ideologias políticas inevitavelmente imprime suas marcas no
espaço” (MATA, 2005, p.133).
A partir de 1835 o termo “Goytacazes” vai dar nome ao município,
aparecendo mais tarde nos seus principais símbolos (Figuras 01 e 02). A ideia de
pertencimento contida na expressão “Campos dos Goytacazes” aparece também
em “O viridente plaino Goitacá”, segundo verso do hino municipal. Nestas
representações os índios Goitacá aparecem como legítimos donos dessa terra,
embora os mesmos tenham sido expulsos ou exterminados.
Figura 01 – Brasão Municipal de Campos
dos Goytacazes. Fonte: site da P.M.C.G.
– Acessado em maio de 2015.
Figura 02 – Bandeira Municipal de
Campos dos Goytacazes. Fonte: site da
P.M.C.G. – Acessado em maio de 2015.
A bandeira e o brasão podem ser percebidos em inúmeros elementos
constitutivos da paisagem campista. São visíveis principalmente nas repartições
públicas e no patrimônio material de Campos. Contudo aparecem de maneira
significativa em vários estabelecimentos comerciais e nos meios de transporte que
circulam dentro da cidade ou interligam seus distritos.
As imagens e inscrições presentes no brasão evidenciam determinados
aspectos naturais, econômicos, políticos e socioculturais de Campos dos
Goytacazes, município predominantemente agrícola até a segunda metade do
século XX, quando teve início a exploração de petróleo na bacia de Campos.
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O ramo de café e as hastes de cana-de-açúcar, por exemplo, referem-se a
agroexportação destes produtos. Este aspecto da economia resultou na
consolidação de latifúndios e no empoderamento da elite local, fato que pode ser
percebido na paisagem através de casarões e solares, obras arquitetônicas
características do período colonial brasileiro. Já o nome do município, composto
por dois substantivos impressos no alto da flâmula amarela que envolve todo o
conjunto, revela nossas raízes históricas e a importância dos índios da nação
Goitacá para a formação da sociedade campista. Consiste também num exemplo
de “topofilia”, de amor à terra natal, de valorização da história desse lugar.
Segundo Yi-Fu Tuan
[...] A consciência do passado é um elemento importante no amor pelo
lugar. A retórica patriótica sempre tem dado ênfase as raízes de um povo.
Para intensificar a lealdade se torna a história visível com monumentos na
paisagem e as batalhas passadas são lembradas, na crença de que o
sangue dos heróis santificou o solo (TUAN, 1980, p.144).
No início da década de 1990 foi inaugurada na entrada da cidade a estátua
de um índio empunhando arco e flecha (Figura 03). Como foi dito anteriormente,
os Goitacá manejavam com destreza estes artefatos. Logo, a presença desse
índio na paisagem simbolizava os primeiros habitantes de Campos, tendo em vista
que “Um símbolo é uma parte que tem o poder de sugerir um todo [...]” (TUAN,
1980, p.43).
Porém
essa
estátua
indígena
de
tamanho
desproporcional,
feita
principalmente de isopor e espuma, materiais utilizados nos adereços e alegorias
das agremiações carnavalescas campistas dessa época, consistia numa
representação que compunha tanto a paisagem quanto o cenário local. Conforme
a análise destes termos estudados pelo Geógrafo Yi-Fu Tuan
Cenário e paisagem agora são quase sinônimos. A pequena diferença
existente entre eles reflete suas origens diferentes. Tradicionalmente, a
palavra cenário tem sido associada com o mundo de ilusão, que é o teatro.
A expressão „atrás dos bastidores‟ revela a irrealidade das cenas. Nós não
podemos proferir „atrás da paisagem‟, apesar de que um jardim paisagístico
pode ser tão planejado quanto um cenário de teatro e ter tão pouco a ver
com a vida de seu proprietário como a parafernália do palco com a vida do
ator (TUAN, 1980, p.188).
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Figura 03 – Estátua do índio Goitacá.
Fonte: http://camposfotos.blogspot.com
– Acessado em maio de 2015.
Figura 04 – Cavalo mecânico. Fonte:
Acervo pessoal de Joilson Bessa (2015).
A ilusão provocada pelo monumento erguido em homenagem à nação
indígena Goitacá não durou muito tempo nesse local onde a poucos metros
funciona a principal rodoviária do município. Em 2006 essa representação do índio
Goitacá foi definitivamente retirada do Trevo do Contorno e, posteriormente,
substituída por uma bomba de extração de petróleo, denominada cavalo mecânico
ou “cavalo-de-pau”, mais um elemento figurativo da paisagem local (Figura 4).
O petróleo é a principal fonte de recursos do município de Campos dos
Goytacazes atualmente. Entretanto, o tipo de bomba colocada na entrada da
cidade é utilizada para a extração desse minério em terra firme. Não é isto que
acontece em Campos. Os poços de petróleo dessa região estão localizados em
alto mar. Ou seja, no lugar da antiga estátua encontra-se hoje em dia outro
monumento, cujas características também não correspondem
à realidade dessa
região, configurando assim mais um elemento cenográfico na paisagem campista.
O tratamento dispensado à estátua do índio pelo poder público municipal,
abandonada em Tocos desde 2006 (Figuras 5), representa uma negação do
nosso passado histórico, uma tentativa de negar nossa identidade cultural. Mais
do que isso, mostra a hegemonia da economia relacionada à extração de petróleo
e aos royalties advindos deste recurso natural em detrimento das lembranças
histórico-culturais que a estátua do índio Goitacá poderia suscitar na população
campista.
Mesmo em desacordo com o biótipo dos índios Goitacá, segundo dados
empíricos encontrados no sítio arqueológico do Caju, localizado no município de
Campos, interior do Estado do Rio de Janeiro, o último Goitacá, como último
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guerreiro, luta contra o tempo dentro de uma estrutura enferrujada, preenchida
com gesso e outros materiais em decomposição.
Figura 05 – Estátua do índio, em
Tocos. Fonte: Acervo pessoal de
Elis Miranda (2015).
Contudo, nem todas as representações espaciais dos índios Goitacá
presentes na paisagem do município negam nossa identidade, como sugerem as
duas fotografias acima. Um exemplo significativo de valorização do nosso
passado, das nossas memórias, consequentemente da nossa identidade históricocultural está associada a história do time de futebol mais popular e querido dessa
região: Goytacaz Futebol Clube (Figura 06).
Essa agremiação esportiva foi fundada em 1912 por um grupo de
remadores oriundos do clube Natação de Regatas Campista. A relação pregressa
desse time de futebol com o esporte aquático lembra a ligação dos índios Goitacá
com os brejos, lagoas e rios, já que o termo indica um atributo desses guerreiros,
considerados exímios nadadores.
O nome do time foi escolhido para homenagear os índios da nação Goitacá.
Coincidentemente seus jogadores são considerados verdadeiros guerreiros em
campo e a torcida alvi-anil a quinta maior nação do Estado do Rio de Janeiro
(Figura 07).
Figura 06 – Estádio do Goytacaz
Futebol Clube. Fonte: Acervo pessoal
de Joilson Bessa (2015).
Figura 07 – Jogo do Goytacaz. Fonte:
http://www.goytacaz.com.br – Acessado
em maio de 2015.
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Goytacaz, guerreiro e nação são substantivos utilizados pelos torcedores
desse clube futebolístico, que fortalecem os laços identitários existentes entre os
campistas e seus ancestrais, os destemidos indígenas da nação Goitacá. Estas
palavras apresentam múltiplos significados. Conforme Cosgrove,
As paisagens tomadas como verdadeiras de nossa vida cotidiana estão
cheias de significados. Grande parte da geografia mais interessante está
em decodificá-las. É tarefa que pode ser realizada por qualquer pessoa no
nível de sofisticação apropriado para elas. Porque a geografia está em toda
a parte, reproduzida diariamente por cada um de nós. A recuperação do
significado em nossas paisagens comuns nos diz muito sobre nós mesmos
[...] (COSGROVE, 1998, p. 121).
Por fim, as verdades contidas nas paisagens cotidianas analisadas neste
artigo consistem em representações de mundo latentes em cada imagem ou registro
fotográfico, cuja decifração, decodificação e desvelamento dos seus significados não
são tarefas exclusivas do geógrafo.
CONCLUSÕES
A construção da identidade é resultado de um processo de relações de poder,
que visa valorizar ou negar determinados traços culturais de um grupo. Esta
afirmação ou negação é perceptível tanto na toponímia quanto nos elementos que
compõem a paisagem.
Os termos “goitacazes”, “goitacaz” e “goitacá” aparecem em diversos
elementos da paisagem campista. Ora eles denominam certos lugares pertencentes
ao município, ora nomeiam determinados produtos e serviços prestados nessa
região.
Além do nome do município, existem outros locais que fazem referência direta
aos primeiros habitantes dessa terra, tanto na área rural como na área urbana.
Neste sentido há, respectivamente, Goitacazes, segundo distrito de Campos,
localizado na Baixada Campista e a Rua dos Goitacazes, importante via de acesso à
ponte, que interliga as duas margens do rio Paraíba do Sul.
A apropriação de expressões relacionadas aos indígenas que viveram nessa
região está associada a diversos serviços prestados em Campos dos Goytacazes,
sobretudo na área de esporte e cultura, como exemplificam o extinto Cine Goitacá, a
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Locadora Goytacaz e uma academia com o mesmo nome.
Existe em Campos uma empresa especializada na fabricação e/ou
empacotamento de alguns condimentos que utiliza tanto o termo Goytacaz quanto a
imagem de um índio, em suas embalagens. Esses produtos podem ser encontrados
na maioria dos estabelecimentos comerciais da região, consumidos principalmente
pela população campista.
Esses exemplos todos retirados da toponímia mais a existência de um time de
futebol, cujo nome consiste numa homenagem aos índios Goitacá, reforçam a
identidade histórico-cultural dos campistas. Contudo, esta mesma identidade é
negada pela atuação do poder público municipal, como evidencia a retirada da
imagem do índio que compunha o cenário da entrada da cidade, substituída por um
monumento de extração petrolífera.
REFERÊNCIAS
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Jornalista Oswaldo Lima; Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011.
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