19 JORNAL BRASILEIRO DE NEUROCIRURGIA ARTIGO DE REVISÃO Cérebro: um imbróglio terminológico Luiz Coutinho Dias Filho* “Se quiser conversar comigo, defina seus termos.” (Voltaire) Sinopse É comum a neurologistas e neurocirurgiões considerarem erroneamente o cérebro como sendo formado pelo diencéfalo e o telencéfalo. Tal erro está consignado em vários livrostextos de Neuroanatomia utilizados nas universidades brasileiras. O correto é incluir entre os componentes do cérebro apenas as estruturas telencefálicas, como estabelecido na Terminologia Anatômica Internacional e em renomados dicionários médicos. Palavras-chave Cérebro, diencéfalo, nomenclatura anatômica, telencéfalo. Abstract Cerebrum: an “imbroglio” in terminology It is common for neurologists and neurosurgeons to erroneously consider the cerebrum as being constituted by diencephalon and telencephalon. This error is consigned in many textbooks of Neuroanatomy used in brazilian universities. The correct way is to include among the components of the cerebrum only the telencephalic structures, as established in the International Anatomical Terminology and renowned medical dictionaries. Keywords Anatomic nomenclature, cerebrum, diencephalon, telencephalon. * Neurocirurgião da Disciplina de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de Pernambuco. Professor Auxiliar da Disciplina de Anatomia da Universidade Federal de Pernambuco. DIAS FILHO LC – Cérebro: um imbróglio terminológico Introdução No caso de, como já realizado em outros idiomas15, ser feito em língua portuguesa um levantamento das palavras que são mais freqüentemente utilizadas para denominar partes do corpo, decerto o nome cérebro ocupará o topo da lista dos termos relacionados ao sistema nervoso. É desconcertante que a mais corriqueira das palavras utilizadas em um “colóquio neurológico” seja repetidamente proferida com um significado diverso daquele que a nomenclatura anatômica oficial recomenda. Esse tropeço semântico consiste em fazer uso da palavra cérebro para designar o telencéfalo junto com o diencéfalo. A etimologia nos remete ao latim cerebrum, palavra utilizada pelos antigos romanos para designar o conteúdo da cavidade craniana, o próprio crânio ou a cabeça como um todo9. Com o passar do tempo, a abrangência do termo foi se restringindo e, há décadas, a nomenclatura anatômica oficial vem apresentando como cérebro apenas a porção do sistema nervoso que provém da mais cranial das vesículas encefálicas embrionárias, o telencéfalo. Rigorosamente, a palavra telencéfalo deveria ser reservada para o embrião, contudo tornou-se usual utilizá-la com respeito ao sistema nervoso plenamente desenvolvido, circunstância em que surge como sinônimo de cérebro. Assim está na nomenclatura referendada pela Federação Internacional de Associações de Anatomistas (FIAA), vigente desde 1998; tal Terminologia Anatômica (TA) apresenta cérebro e telencéfalo como sinônimos, ambas as palavras sendo associadas a um único número de referência: A14.1.09.00113. A TA deixa claro que o diencéfalo (número de referência A14.1.08.001) não é parte do cérebro13, assim, é inconJ Bras Neurocirurg 14(1): 19-20, 2003 20 cebível o hábito, arraigado entre neurologistas e neurocirurgiões brasileiros, de considerar o cérebro como sendo formado por estruturas telencefálicas e diencefálicas. Em Anatomia, a TA tem autoridade bíblica e isso por si só se basta; contudo, não custa buscar apoio no dicionário: “Cérebro S.m. 1. Anatom.: O órgão mais largo e volumoso do encéfalo, correspondendo a sete oitavos de seu peso. Resulta do desenvolvimento do telencéfalo e compõe-se de dois hemisférios cerebrais, separados por uma fissura longitudinal e unidos pelo corpo caloso...” 5; “Cérebro – (NA, BNA) – A porção maior do encéfalo, que ocupa toda a parte superior do crânio, consistindo dos hemisférios direito e esquerdo; telencéfalo”6; “Cerebrum: 1. [NA] A porção principal do encéfalo, que ocupa a parte superior da cavidade craniana; seus dois hemisférios (ver cerebral hemisphere, em hemisphere), unidos pelo corpus callosum, formam a maior parte do sistema nervoso central no homem. Ele é derivado (desenvolvido) do telencéfalo do embrião”7; “Cerebrum, pl. ce.re.bra, cer.e.brums [TA]. Cérebro; originalmente se referia à maior parte do encéfalo, incluindo praticamente todas as partes dentro do crânio, exceto o bulbo (medula oblonga), a ponte e o cerebelo; agora, geralmente refere apenas as partes derivadas do telencéfalo e inclui principalmente os hemisférios cerebrais”12. A raiz do erro está na sala de aula. Qualquer um que tenha o destemor de afirmar que uma lesão talâmica não está no cérebro corre o risco de ser torpedeado pelos livrostextos de Neuroanatomia adotados em muitas das universidades brasileiras. Abaixo foram relacionados trechos de alguns desses livros: “O diencéfalo e o telencéfalo formam o cérebro, que corresponde, pois, ao prosencéfalo”10; “O termo cérebro designa o par de hemisférios cerebrais e o diencéfalo”11; “Das três divisões básicas do encéfalo, o prosencéfalo, ou cérebro anterior, é de longe o maior. Também é chamado de cérebro”3; “O termo diencéfalo refere-se à parte do sistema nervoso central que, em conjunto com o telencéfalo, constitui o cérebro”2; “O diencéfalo, junto com o telencéfalo, forma o cérebro”8; “Quando se considera o cérebro (diencéfalo + telencéfalo) e se examina a base da peça, observa-se a presença de formações macroscópicas, como o quiasma óptico...”14; “O cérebro (cérebro anterior ou prosencéfalo) consiste em telencéfalo e diencéfalo”4. DIAS FILHO LC – Cérebro: um imbróglio terminológico Época houve em que cerca de 5 mil estruturas anatômicas eram conhecidas e, para denominá-las, havia mais de 50 mil termos1. O esforço para dirimir essa confusão “babelesca” resultou na TA, uma nomenclatura que prima pela simplificação e deve ser adotada em todo o mundo. Quanto às partes do encéfalo, deve-se considerar o cérebro como sendo formado apenas por estruturas telencefálicas e ponto final. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. BECKER I: Nomenclatura Anatômica da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 1977. CARDOSO F: Diencéfalo – Epitálamo e Subtálamo. In: MENESES MS: Neuroanatomia Aplicada. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 1999. Cap. 13, p 195. CROSSMAN AR, NEARY D: Neuroanatomia. 2a edição, Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S. A., 2002. Cap.1, p 7. 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A lesão foi completamente ressecada utilizando-se um procedimento guiado por imagem, sem que houvesse alguma deterioração neurológica. A literatura mostra uma morbi-mortalidade de cerca de 20% para tais lesões. A utilização da nova tecnologia de assimilação de imagem neurodiagnóstica no procedimento cirúrgico é documentada. Palavras-chave Angioma cavernoso, neuronavegação, cirurgia guiada por imagem. Abstract Caudate nucleus cavernous angioma. Image-guided microsurgical resection. Report of a case A case of a deep-seated caudate nucleus cavernous hemangioma completely removed through an image-guided procedure is reported. No postoperative neurological deficit was observed, although literature reports show a morbimortality rate of 20% for such location. The incorporation of this new technology of neurodiagnostic imaging assimilation into neurosurgical practice is documented. * Professor Adjunto de Neurocirurgia da PUC-PR, Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Universitário Cajuru (HUC) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). ** Preceptor da Residência Médica em Neurocirurgia – HUC – PUC-PR. *** Neurocirurgiões do Serviço de Neurocirurgia do HUC – PUC-PR. Keywords Cavernous angioma, neuronavigation, image-guided operation. Introdução Angioma ou hemangioma cavernoso ou cavernoma são hamartomas vasculares que se caracterizam por serem lesões circunscritas, localizadas dentro do parênquima nervoso. São lesões descritas como benignas, mas podem ocorrer sangramentos, localizando-se algumas vezes em situações anatômicas desfavoráveis a uma abordagem cirúrgica. Apresentamos um caso de cavernoma localizado em estrutura cerebral profunda (núcleo caudado) que foi satisfatoriamente abordado com uma pequena craniotomia, com ressecção completa da lesão, por meio de procedimento microneurocirúrgico guiado por imagem. As imagens do planejamento cirúrgico e transoperatórias ilustram a presente descrição de caso. Caso clínico Z.L.D., sexo feminino, 47 anos de idade, casada, destra, apresentou em outubro de 2002 um quadro de “derrame” cerebral. Houve perda súbita da consciência e hemiplegia esquerda. Na ocasião foi realizado estudo com tomografia computadorizada cerebral (TC), que evidenciou um AGUIAR LR, MAEDA AK, FRANCISCO AN, MATTOZO CA, MARQUES R – Angioma cavernoso: ressecção microcirúrgica guiada por imagem – Relato de caso J Bras Neurocirurg 14(1): 21-24, 2003 22 A hematoma intraparenquimatoso localizado em região de núcleos da base, acometendo a cabeça do núcleo caudado, com extensão intraventricular (Figura 1). Na época foi diagnosticada hipertensão arterial sistêmica moderada, e a hemorragia foi interpretada como intracerebral espontânea. Outros exames de investigação não foram realizados, tendo sido submetida a tratamento conservador com controle da pressão arterial sistêmica. Houve adequada melhora clínica, retornando às suas atividades prévias, sem seqüelas neurológicas graves. Cerca de 4 meses após, apresentou novo ictus, com novo quadro de hemorragia, na mesma localização e acentuação do déficit neurológico. Apresentou-se para tratamento com um déficit neurológico motor de predomínio no MIE, sem distúrbio de fala. Nessa situação um estudo com ressonância magnética do encéfalo (RM) foi indicado, e revelou a presença de uma lesão intraaxial, heterogênea, contendo focos de hipersinal em T1 e T2, halo de acentuado hipossinal em todas as seqüências, que sofre impregnação intensa heterogênea com contraste paramagnético, medindo aproximadamente 2 x 2 x 2 cm, localizada na substância branca do lobo frontal, joelho do corpo caloso e cabeça do núcleo caudado à direita. Essa lesão promove compressão e desvio do corno anterior do ventrículo lateral adjacente. A primeira possibilidade diagnóstica considerada foi de angioma cavernoso (Figura 2). Pela existência de hemorragias de repetição foi indicado tratamento cirúrgico para ressecção completa da lesão. A cirurgia foi realizada no dia 31.01.2003, com a paciente em decúbito dorsal, com a cabeça em posição neutra, elevada 30 graus, fixada no suporte de Mayfield. Foi realizada uma incisão bicoronariana e uma craniotomia com 3 cm de diâmetro, na região frontal direita. Utilizou-se o sistema de neuronavegação VectorVision (BrainLab, Munique) acoplado ao microscópio cirúrgico Zeiss NC4 Multivision, permitindo FIGURA 1 Tomografia axial computadorizada pré-operatória. Lesão com altos valores de atenuação na substância branca da região paraventricular direita, correspondendo à topografia de núcleo caudado. B C FIGURA 2 RMN do encéfalo: A: Axial T1; B: Coronal T1; C: Sagital T2. Evidencia-se lesão intra-axial heterogênea, com focos de hipersinal em T1 e T2, halo de hipossinal, que sofre impregnação intensa, heterogênea de contraste paramagnético, localizada na substância branca do lobo frontal, joelho do corpo caloso e cabeça do núcleo caudado à direita, caracterizando angioma cavernoso do tipo II. a injeção das imagens de navegação na binocular do cirurgião e a precisa localização das estruturas a serem abordadas. A lesão foi ressecada mediante um acesso transsulcal, utilizando-se o sulco frontal superior, na sua porção média, e uma corticotomia entre o giro frontal superior e o médio, com aproximadamente 1,5 cm de diâmetro, e dissecção através da substância branca até a lesão, que se encontrava na cabeça do núcleo caudado, envolvendo a parede ânterolateral do corno frontal do ventrículo lateral direito. A localização precisa do ponto de entrada foi estabelecida no planejamento pré-operatório, realizado através da workstation do VectorVision (BrainLAB, Munique), bem como o alvo (target point), definido como o ponto mais distal da lesão, na sua porção inferior. A lesão media x cm no sentido AP, y cm no sentido lateral e z cm no sentido súpero-inferior. A projeção tridimensional da lesão, bem como o volume e os contornos dos ventrículos cerebrais, AGUIAR LR, MAEDA AK, FRANCISCO AN, MATTOZO CA, MARQUES R – Angioma cavernoso: ressecção microcirúrgica guiada por imagem – Relato de caso J Bras Neurocirurg 14(1): 21-24, 2003 23 e os pontos referenciais evidenciando a distância ao target point, visíveis na binocular do cirurgião, possibilitaram que a lesão fosse facilmente abordada e completamente ressecada. O tempo total de cirurgia foi de 2,5 horas, incluindo o período de indução anestésica e o setup do sistema de neuronavegação (Figuras 3, 4, e 5). A paciente apresentou recuperação muito satisfatória, sem déficit neurológico adicional, recebendo alta hospitalar 48 horas após o procedimento cirúrgico, para controle ambulatorial (Figura 6). FIGURA 6 Tomografia pós-operatória evidenciando a lesão completamente ressecada. A parede ântero-lateral do corno frontal do ventrículo lateral direito foi aberta, pois a lesão projetava-se para essa localização. A B B A Discussão FIGURA 3 Imagens do planejamento pré-operatório realizado com o sistema VectorVision (BrainLAB, Munique), em que estão representados o sistema ventricular, em A, e o angioma cavernoso, em B. Observa-se que, nas imagens utilizadas para a navegação, o lado direito fica à direita do paciente, ao contrário das imagens pré-operatórias. FIGURA 4 Imagem da tela do VectorVision, com o ponto de entrada, alvo e trajeto delimitados. Foi realizado um acesso transcortical, utilizando-se o sulco frontal superior. FIGURA 5 Imagem digital do VectorVision (BrainLAB) representando a lesão e o sistema ventricular projetados por superposição na imagem captada do vídeo do microscópio cirúrgico Zeiss NC4. Angiomas cavernosos representam 5% a 13% das malformações vasculares do sistema nervoso central (SNC). Grandes séries de autópsias revelam a presença de lesões em 0,02% a 0,13% da população1. A maioria das lesões localiza-se no espaço supratentorial, mas lesões na fossa posterior podem ser observadas, correspondendo de 10% a 20% dos casos, existindo uma predileção pela ponte2. Do ponto de vista da origem embriológica existem dois tipos: esporádico ou hereditário. No caso de manifestação esporádica, como era o caso dessa paciente, não se detecta acometimento familiar semelhante. A forma hereditária obedece a um padrão de transmissão mendeliano autossômico dominante com variável expressividade3. Podem se manifestar clinicamente com crises epilépticas (60%), déficit neurológico progressivo (50%), hemorragia (20%), hidrocefalia ou achado incidental em exame neurorradiológico4. O exame neurorradiológico mais sensível para o diagnóstico de angiomas cavernosos é a RM, e os critérios para diagnóstico estão bem estabelecidos5. A classificação que utilizamos foi proposta por Zabranski6, em 1994, e inclui quatro tipos. As lesões do tipo I são caracterizadas por hemorragia subaguda e exibem uma porção central hiperintensa em T1 (meta-hemoglobina), enquanto em T2 o sinal, inicialmente hiperintenso, torna-se hipointenso, ou algumas vezes com um anel fraco de hipointensidade. As lesões do tipo II apresentam áreas loculadas de hemorragias de idades variadas e trombos, circundados por gliose e hemossiderina. Em T1 e T2 um centro reticulado com sinais de hiper e hipointensidades são circundados por um anel de hipointensidade. Clinicamente essas lesões são ativas e significam que hemorragias estão ocorrendo num processo repetitivo. As lesões de tipo III representam predominantemente lesões crônicas, a maioria delas inativa, com hemossiderina residual dentro e fora da lesão, determinando hipointensidade tanto em T1 quanto em T2. Lesões do tipo AGUIAR LR, MAEDA AK, FRANCISCO AN, MATTOZO CA, MARQUES R – Angioma cavernoso: ressecção microcirúrgica guiada por imagem – Relato de caso J Bras Neurocirurg 14(1): 21-24, 2003 24 IV são mais bem visualizadas com seqüências de gradienteecho como focos múltiplos de hipointensidade de sinal, sendo pouco visualizadas em T1 e T2. A RM é o método de escolha para acompanhamento de pacientes com cavernomas e para avaliação de membros de famílias com suspeita de cavernoma familiar. No entanto o exame não parece ser de muita utilidade para previsão de futuros sangramentos7. As opções terapêuticas variam desde um acompanhamento expectante até cirurgias para ressecção radical das lesões. Pacientes assintomáticos com lesões únicas ou múltiplas, na ausência de déficit neurológico, apresentam um risco baixo de ocorrência de uma primeira hemorragia debilitante. Não existem evidências suficientes que suportem um tratamento agressivo neste grupo, quer seja em caso de lesão esporádica ou familiar. Em algumas situações especiais, por exemplo, em pacientes muito jovens, com lesões facilmente acessíveis, existe a opção do tratamento cirúrgico primariamente, uma vez que o risco cumulativo é grande8. O tratamento cirúrgico deve ser considerado para todas as lesões com déficit focal ou hemorragias. Mesmo algumas lesões de difícil acesso, mas com deterioração neurológica progressiva ou hemorragias de repetição, devem ser operadas, mesmo que localizadas em situações anatômicas desfavoráveis, como os núcleos da base ou tronco cerebral. O prognóstico geral dos cavernomas não é conhecido, mas o risco de hemorragia com significativa repercussão clínica é menor que o de malformações arteriovenosas. A ressecção completa de lesões únicas representa na maioria das vezes a cura completa. O risco de morbi-mortalidade com a cirurgia é claramente determinado pela acessibilidade cirúrgica da lesão9. A mortalidade é maior nos casos de lesões acometendo o tronco cerebral, variando de 0% nas lesões mais superficiais a 20% em lesões localizadas profundamente no SNC. Alguma deterioração neurológica pós-operatória ocorre em 20% a 40%, sendo na maioria das vezes transitória. A morbidade total final gira em torno de 20%10. A utilização da tecnologia de cirurgia guiada por imagem e a possibilidade de realização da neuronavegação com injeção de imagem na binocular do microscópio cirúrgico representam os mais modernos recursos disponíveis para a realização de tais procedimentos, e podem ser considerados o state of the art na neurocirurgia neste início do século XXI. A assimilação de dados dos exames neurorradiológicos e sua utilização na prática neurocirúrgica permitem não só uma maior precisão na localização de lesões intraparenquimatosas, como também a realização de acessos cirúrgicos menores, perfeita escolha do ponto de entrada e trajeto, com isso reduzindo o tempo total de realização do procedimento. Esse novo paradigma neurocirúrgico, que faz parte do conjunto denominado cirurgia minimamente invasiva, representa expansão dos objetivos e capacidades da neuro- cirurgia de incorporar avanços tecnológicos, minimizando com isso riscos e morbidade de cirurgias11. Conclusões Angiomas cavernosos são lesões benignas, mas com risco de produzirem seqüelas neurológicas por hemorragia intraparenquimatosa. A excisão cirúrgica completa de lesões que evoluem com déficit neurológico ou hemorragias de repetição é recomendada, mesmo em localizações anatômicas pouco favoráveis. A utilização de recursos de neuronavegação facilita o tratamento dessas lesões, especialmente nas localizações mais profundas. Referências bibliográficas 1. SIMARD JM, GARCIA-BENGOCHEA F, BALLINGER Jr. WE; MICKLE JP; QUISLING RG: Cavernous Angioma: a review of 126 collected and 12 new clinical cases. Neurosurgery 18:162-72, 1986. 2. KASHIWAGI S, VAN LOVEREN HR, TEW JM, WIOT JG, WEIL SM, LUKIN RA: Diagnosis and treatment of vascular Brain Stem malformations. J Neurosurg 72: 27-34, 1990. 3. HAYMAN LA, EVANS RA, FERRELL RE, FAHR LM, OSTROW P, RICCARDI VM: Familial cavenous angiomas: natural history and genetic study over a 5 year period. Am J Med Genet 11: 147-60, 1982. 4. GREENBERG M. Cavernous Angiomas. In: ___. Handbook of Neurosurgery, 3rd ed. Greenberg Graphics, Lakeland, 1994, p.757-758 5. RAPACKI TF, BRANTLEY MJ, FURLOW TW, GEYER CA, TORO VE, GEORGE E: Heterogeneity of cerebral cavernous hemangiomas diagnosed by MR imaging. J Comput Assist Tomogr 14(1): 18-25, 1990. 6. 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