OS CAMINHOS DA INTERSUBJETIVIDADE: A POESIA DO COTIDIANO DA MORAL ILUSTRADA EM NÓS CARLOS AUGUSTO PEREIRA GONÇALVES Nem sempre temos a capacidade de prever com perfeição os resultados de uma ação, os seres humanos não são como um procedimento científico experimental, de onde os cientistas podem prever em teoria as ações da natureza, e mesmo assim é complicado confiarmos de forma íntegra em uma teoria. Os seres humanos são complexos demais, e muitas vezes suas angústias podem ultrapassar os níveis da consciência moral, ou seja, suas decisões podem influenciar na sua personalidade, assim trazendo para si desejos e emoções fortes, transformando suas ambições em uma parte de sua identidade, como por exemplo, em assuntos da política, quando assumimos lados como ser liberais, comunistas ou social-democratas muitas vezes nos encontramos em extremos completamente inflexíveis ao discurso intersubjetivo, assim aconteceu com a Alemanha nazista e a Itália fascista que se perderam em chauvinismo, estabelecendo um sentimento patriota muito forte cheio de preconceitos que feriam a diversidade cultural, por isso muitas mortes foram o símbolo inesquecível deste passado. Assim sendo, nossas ações morais e a nossa própria concepção do que é moral se reduz a um viés cultural que seria vínculo entre todos nós, um só paradigma que representa nossos interesses: estamos no jogo, e para irmos à final é necessário poder. E com a identidade reduzida somente ao individual ou aquilo que se nos enquadra mesmos pensamentos, não há possibilidade maior de haver diálogo, sempre retornaremos de certa forma a uma violência. O que não é obviamente explícito, estas relações de poder são por muitas vezes ocultas, obscuras, difíceis de serem percebidas. Todas as nossas confianças em instituições, grupos sociais e no Estado, foram reduzidas a um sistema ideológico de produção de crédito. A produção de crédito hoje dentro da sociedade é movida por ideologias, ou seja, existe uma falsa crença sempre comum, que tornam alguns costumes e certos princípios de valores naturais e desejáveis dentro do sistema social. Por exemplo, como muitos teóricos críticos afirmam, todo o sistema educacional está refletindo de forma tácita ou não a cultura capitalista com seus meios de produção e troca de produção, mecanismos escolares como a reprovação, podem ser reflexo do que é a busca por ser o melhor nos conteúdos, o que promove o gosto pela competição a qualquer custo. E quem não consegue vencer se torna um renomado e conhecido estereótipo do que é ser uma pedra imóvel; um “João Ninguém”. E esta idéia de ser João Ninguém morre na perspectiva da falta de capacidade intelectual do mesmo, como se fosse natural ser excluído, como se o erro fosse só o da pessoa e não envolvesse todo o sistema. Temos então uma única forma de inteligência a ser privilegiada, sua prática se reduz na idéia de ser, o melhor, nos conteúdos escolares, estes que muitas vezes se quer fazem parte do lado existencial á quem é conduzido. Por isso esses conteúdos e a nossa educação são exemplos das várias formas de ideologia que existem. Com esta idéia quero introduzir o conceito de alteridade, que se move dentro da ética, ou seja, dentro da forma estabelecer um consenso entre quem somos nós e quem é a outra pessoa que vive ao nosso lado. Por esta falta de consciência nosso mundo é sempre movido por devaneios, nos quais, nossas personalidades mudam a todo instante de acordo com nossos desejos e nossas amizades são movidas por interesses, tudo isso em um mundo sustentado pelas ideologias de produção de crédito. O que precisamos de fato é um contato histórico com a outra pessoa, ou seja, enriquecido de conhecimento e de troca de saberes, onde há claro, interesses reais não movidos por falsa crença. Assim sendo nosso texto converge para o estudo de autores que privilegiam em seu pensamento a alteridade, ou seja, a existência da diversidade e busca pela outra pessoa. Como vivemos no nosso mundo? Fiz esta pergunta, porque todos os dias desde manhã em nossas casas quando acordamos e saímos nos deparamos com uma série de pessoas. Podemos notar olhares e caminhos diferentes que todos temos ao longo do dia. Em um mundo onde cada um procurando fazer sua tarefa diária, cada um procurando viver seu dia e retornar a sua casa. E todos com uma história diferente para contar quando chegam a suas casas. Desde então, podemos perceber o quanto é infinito as respostas para a pergunta; como vivemos no nosso mundo? De fato precisamos notar que constantemente estamos nos relacionando com outras pessoas. Assim contamos uma história sempre do modo como vivemos estas relações com pessoas e coisas ao longo do nosso dia. O eu, quando me refiro a mim, na história que conto do meu dia quando estou em casa ou em algum outro lugar, está sempre relacionado com outras pessoas e outros objetos. Vivemos neste mundo através de relações, por exemplo: jogo bola, como não tem como jogar só por muito tempo, é muito melhor estar acompanhado de outras pessoas. Quando ando de ônibus preciso do cobrador, preciso do motorista, e eles precisam da gente para que possam trabalhar. Deste modo vivemos sempre acompanhados, sempre precisando de algo ou alguém. Desta forma vivemos sempre entre o eu e um outro, por isso o mundo é sempre duplo para nós. Vivemos sempre entre o dilema do fazer “isto ou aquilo”, no meu limite e no limite da outra pessoa. Precisamos de outras pessoas para tudo o que formos fazer. Por isso um filósofo chamado Martin Buber1, notando este nosso contexto de relações, buscou estudar como se dão tais vínculos. E ele começa a nos revelar que existem, dentro deste contexto de relações, 1 Nasceu em 1878 em Viena e morreu em 1965 em Jerusalém. A obra da qual estamos discutindo se chama “Eu e o Tu” ( http://www.editoraperspectiva.com.br/livro.php?cod=402). que é o que vivemos, sempre as palavras-princípio “Eu-tu” e “Euisso”. Palavras estas que respondem a pergunta “como vivemos nosso mundo?” O “Eu” é a palavra sempre constante em tudo o que fazemos, em todas as nossas relações, ou seja, qualquer coisa que me refiro, o “Eu” está envolvido. Se cada pessoa tem uma história de vida ela tem um Eu para contar. Por exemplo, eu tomo sorvete, eu jogo bola, e se falarem de modo diferente como, ele toma café, ele joga bola. Mesmo assim o “ele” da frase, é o Eu de outra pessoa. Deste modo o Eu é sempre constante, e cada um que vive possui um Eu. Por isso a resposta de Martin Buber, para a nossa pergunta como vivemos nosso mundo? Foi o “Eu-tu e o Eu-isso”. Mas o que significa o “Eu-isso”? É a referência das coisas que experimentamos no mundo. Afirma-se que o homem experiência o mundo. O que isso significa? O homem explora a superfície das coisas e as experiencia. Ele adquire delas um saber sobre sua natureza e sua constituição, isto é, uma experiência. Ele experiencia o que é próprio às coisas. (BUBER, 1979. p. 5) O “Eu-isso” é simplesmente experimentar o mundo. O que equivale a dizer todas as nossas experiências que temos durante o dia, como sentir calor, frio, conhecermos determinados objetos, conhecermos a composição química da água, conhecer o porquê que o planeta Terra se movimenta e etc. Seria a relação que temos com o mundo quando procuramos conhecê-lo. A palavra-chave “Eu-tu” é referida a todas as nossas relações. E o mundo destas relações se dá em três fases para Martin Buber: a primeira é a vida com a natureza, quando busco não somente conhecer a natureza, mas respeitá-la, ou seja, saber que para existir um Eu é necessário que haja uma natureza, um ambiente. A segunda fase de relações é a vida com os homens, nesta relação que somos o “EU e o TU” ao mesmo tempo, sempre me relaciono com você e você comigo, seria uma relação de amizade, por exemplo. E por último, a terceira fase é a vida com os seres espirituais, que é a relação com a fé, com a religião. Enfim, devemos notar que o Eu e o Tu é sempre vida, ou seja, nas três relações que citamos há a palavra vida. O “Eu-Tu” é sempre relação de respeito com a outra vida. É uma forma de que não haja violência, porque para haver relação entre o Eu e o Tu é preciso que haja vida. Vida que é vivida sempre através de diálogos, de relações do nosso dia-a-dia. O “Eu-Tu” representa uma relação de respeito que está na nossa própria capacidade, na forma como vivemos e fazemos as coisas. Continuando na linha da pergunta “como vivemos no nosso mundo?” me recorro a estas duas outras palavras citadas pelo filósofo Gabriel Marcel2, “problema e mistério”. Vivemos entre problemas e mistérios. Os “problemas” se dão no nosso contato com o mundo. Então a simples palavras, os problemas começam logo que acordamos. O problema é sempre dado a nós neste mundo, pois, estamos sempre nos relacionando com outros modos de vida e pensamentos diferentes. Por exemplo, precisamos sempre estar informados, pois o mundo gira rápido, e se você não está informado, fica para trás na hora que for procurar emprego. Este exemplo, que procuramos mostrar é um exemplo de um problema que precisamos resolver na vida, caso contrário não sobreviveremos, não venceremos na vida, não é o que sempre estamos ouvindo? O “problema” é o reflexo de nosso dia-a-dia, sempre ocupados, precisando de trabalho, sempre usando algum instrumento para saciar algum tipo de necessidade, e muitos sempre sem tempo, pois, estão cheios de “problemas”. E muitas vezes vemos outras pessoas tratando outros seres humanos como se eles fossem uns problemas. O que 2 Nasceu em 1889 em Paris na França e morreu em 1973. A obra que escreveu sobre o tema que estamos abordando se chama “Ser e Ter” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Gabriel_Marcel#VIDA). não deveria acontecer. Porque o outro ser humano, não é um problema, e sim um mistério. Já a palavra “mistério” é própria da gente. Como por exemplo, a vida. A vida é um mistério para todos nós, porque muitas pessoas não sabem de onde viemos, para aonde vamos, porque existimos. Outro exemplo é a morte, a pergunta, quando vamos morrer? Por que morremos? O que é a morte? Tanto a vida como a morte são mistérios para nós, e mesmo nós não sabendo as respostas para a maioria destas perguntas, sempre viveremos com este dilema. O futuro é incerto, por isso aproveitamos o presente como se fosse o último momento. Esta frase é comum a todos nós, é uma forma de resolver um mistério. Mas mesmo assim esta frase só faz com que esqueçamos que a vida passa, e com ela claro, todos nós. Por isso cuidado ao viver o presente intensamente, talvez esta resolução, seja somente um problema a mais, para enfrentarmos mais tarde. Ex: “beberei hoje, porque não sei se poderei beber amanhã”, cuidado se beber demais como se fosse a ultima vez, em vez de estar resolvendo um dos mistérios, esteja apenas arranjando um enorme problema. Podemos notar que o mistério é algo que nos chama não para resolver, mas sim para conhecer. O outro ser humano esta ai, para nós conhecermos ele, e não resolver. Por isso o outro ser humano é mistério para nós, precisamos conhecê-lo. Temos já, a consciência que estamos vivendo sempre em relações, o “eu-tu”, o “eu-isso” de Martim Buber que já discutimos. Também vimos os conceitos de “problema e mistério” de Gabriel Marcel. Agora vamos ver a importância que é viver em harmonia com a outra pessoa dentro do nosso contexto de relações diárias. O filósofo que procura uma resposta para vivermos em harmonia se chama Emmanuel Lévinas 3, que 3 Nasceu em 1906 e morreu em 1995. Foi um dos maiores filósofos do pensamento da “alteridade”. A obra em que podemos pesquisar sobre o “Outro” é “Totalidade e Infinito” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Emmanuel_L%C3%A9vinas). tem como princípio a palavra “o OUTRO” para responder a pergunta “como vivemos nosso mundo?”. Para entendermos o que Lévinas quer dizer, vamos entender o que é ética. A ética tem como princípio sempre a ação certa a se fazer, sempre procurar a melhor resposta para um problema. E a ética não existe sem uma moral, mas o que é moral? A moral é o conjunto de nossos costumes e nossas relações, em outras palavras, a moral é sempre a forma como agimos. Por exemplo, obedecer à lei é moral. Sendo a ética uma procura pela resposta certa e a coisa certa a se fazer, a ética sempre irá responder a um problema moral, como, a questão do aborto, das drogas, da eutanásia, da prostituição infantil, da corrupção, etc. Por isso a ética busca sempre o bem, porque ela procura o acordo de quem é contra e de quem é a favor de certos dilemas morais. A ética sempre procura a verdade porque se ela é o bem, vai contra os atos imorais, como a corrupção, mentira, a violência, etc. O fim último da ética é preservar a vida humana e a paz entre todos. A abertura ética é o que Lévinas propõe na consideração pelo “outro”. Ou seja, o amor, a paz, o agir bem para o outro. Se todos forem assim, um em vista do outro, não haveria violências, porque cada um de nós respeitaria uns aos outros. A amizade, por exemplo, seria uma forma de eu tratar bem o outro, e outro me tratar bem. Esta seria a nossa abertura ética, que é querer o bem para o outro, e assim o outro querendo o bem para nós, estabelecendo um certo grau de coexistência. Por isso pomos em discussão a abertura ética e o desejo metafísico. Já vimos como se daria a abertura ética, agora veremos como se dá o desejo metafísico. A metafísica está voltada para o “o outro lado”, para o “doutro modo”, para o “outro”. Ela supõe um movimento que parte de um mundo que nos é familiar – sejam quais forem as terras ainda desconhecidas que o marginem ou que ele esconda – de uma “nossa casa” que habitamos, para um “fora-de-si” estranho, para um “além” (SILVA, 1994. p. 145). Assim sendo a nossa abertura ética seria o mesmo que desejar o bem ao outro, seria aceitar com amor as outras pessoas que sejam diferentes de nós, ou seja, não rejeitar nenhuma pessoa. Seria precisar conviver com nossas diferenças, sempre fazendo o bem um para o outro, seria uma forma de complementarmos a nossa cultura dinamizando-a, tornando-a sempre aberta a outros anseios culturais. Assim concluo dizendo que; A ética, a metafísica, vista por este prisma, torna-se passagem para o outro, dês-coberta de sua exterioridade. É desejo de transcendência que ultrapassa a linguagem de ser para revelar eticamente o outro sendo ele mesmo: totalmente Outro (SILVA, 1994. p. 148). Se cada um de nós levarmos em consideração a vida da outra pessoa, os interesses, ser sempre o bem para esta outra pessoa, mas, a outra pessoa também sendo um bem para nós. Isto em um sistema de relações seria o mesmo que dizer trabalhar em conjunto, fazer um trabalho em conjunto para que consigamos um bem maior. Seriamos em nós o Outro dentro das relações sociais, a nossa abertura ética é complemento da outra pessoa, não há discussão ética sem pensamentos divergentes. O que nos leva a sempre pensar em certo grau de proximidade. A “proximidade” é uma palavra-chave muito usada por um filósofo Latino-americano chamado Enrique Dussel. A proximidade é uma espécie, circunstância de nossas relações. Vamos entender melhor o que Dussel quer dizer. Quando ele fala em proximidade não se refere ao aproximar-se de algo, como pegar, estar perto, usar. Ele não se refere ao estar perto de uma bola, pega-la, tocá-la. O que ele quer dizer com a palavra proximidade é: 'Aproximar-se'... É o que denominaremos como proxemia... aqui falamos de aproximar-nos na fraternidade, encurtando a distância para alguém que pode esperar-nos ou rejeitar-nos, dar-nos a mão ou ferir-nos, beijar-nos ou assassinar-nos (DUSSEL, 1977. p. 23). Quando Dussel fala em fraternidade, esta se referindo o mesmo quando a mãe faz ao teu filho quando dá a luz. O aproximar com fraternidade é aceitar o outro. Através da justiça, ou seja, com igualdade. O aproximar-se originário, o primeiro aproximar-se, começa com o da mãe e seu filho. Para Dussel o amamentar da mãe é o primeiro contato, é o primeiro aproximar-se com fraternidade. Porque é o tipo de proximidade que da vida, protege, alimenta o bebê. E é esse tipo de proximidade originária que nunca deveríamos esquecer, para usarmos de exemplo com aquele que precisa, através de nossa fraternidade. O outro tipo de proximidade é a histórica. Ou seja, mãe e filho, que dão início simbólico a uma educação, a uma cultura, a uma nova vida que fará relações e experimentará o mundo. Por isso a criança vem a ser educada. Esta proximidade histórica é sempre o facea-face, ou seja, é a significância que algumas relações apresentam como, o homem-mulher no amor, palavra-ouvido na proximidade professoraluno, na aprendizagem do viver. Este é o face-a-face da proximidade histórica. Este é um breve resumo do nosso contexto de relações que fazemos em nossas vidas, a proximidade, é o que nos faz viver em paz, aprender sobre a vida com os mais velhos, a manter relacionamentos de amor e a termos amigos. Em todos os autores que trabalhamos, procuraram dizer que todos nós vivemos em relação com o nosso próximo. E buscaram palavras-chave para que nós possamos ter consciência de que estas relações que temos, devem ser feitas com respeito e dignidade. Notamos isso na própria capacidade de nosso ser, que nunca conseguirá viver sozinho. Por isso antes de fazermos alguma coisa para nós, procuramos respeitar a existência da outras pessoas, procuramos à questão ética da decisão. E que sempre levados pelo diálogo possamos obter uma forma de paz. Por isso o eu-tu, o mistério, o outro e a proximidade possuem o mesmo objetivo, unir o ser humano, mostrar a sua capacidade de união. O “eu-tu” é sempre relação com a outra vida. Relação de respeito, ou seja, seria o mesmo que mantermos uma amizade, um respeito com o meio-ambiente e o ser humano. O “outro”, seria a nossa abertura ética, ou seja, seria querer o bem para o outro, e assim o outro querer o bem nós. O “mistério” é o que procuramos conhecer e não resolver. E o outro ser humano é sempre mistério para nós, precisamos conhecer uns aos outros. E a “proximidade”, que lembra a palavra fraternidade, que começa desde quando nascemos, e decorre durante a vida, nas nossas relações de aprendizagem. 7.9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GIORDANI, Mário Curtis. Iniciação ao existencialismo. Petrópolis: Vozes, 1990. DUSSEL, Enrique. Filosofia Da Libertação. Trad.: Luiz João Gaio. São Paulo: Edições Loyola, 1977. BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.