1 Harry Edmar Schulz Professor Titular UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO HUMANIZAÇÃO COMO FERRAMENTA DE AUMENTO DE INTERESSE NAS EXATAS _______________________________________ Texto resumido e comentado visando entender como a Filosofia se autoapresenta, como se auto-define para aqueles que pretendem seguir estudos filosóficos, com base no texto original do autor Antonio Trajano Menezes Arruda. Elaborador: Harry Edmar Schulz1 Professor na área de Mecânico dos Fluidos, Fenômenos de Transporte Universidade de São Paulo Término do texto: 02 de Maio de 2010 _______________________________________ Título: A FILOSOFIA: SUA NATUREZA, SEUS PROBLEMAS, SEU MÉTODO Autor: Antonio Trajano Menezes Arruda Veículo: Texto escrito para o “Caderno de Formação em Filosofia da Educação” do Curso de Pedagogia do Projeto Pedagogia Cidadão. Páginas: 21 a 38. 1 – INTRODUÇÃO: A AUTO-APRESENTAÇÃO DA FILOSOFIA A intenção de verificar as estratégias seguidas por diferentes autores para apresentar suas idéias e convencer as pessoas das eventuais “verdades” com as quais se deparam, com o intuito final de aplicar essas estratégias (se eficientes) para transmitir idéias filosóficas para alunos da área de exatas, levou naturalmente à leitura crítica de diferentes textos de Filosofia. Entendo que toda leitura é um exercício de comunicação com o autor, exercício este que se sujeita ao estado momentâneo de nossos conhecimentos, convicções, emoções, enfim, ao conjunto de componentes que nos faz ser como somos neste presente. Assim, toda leitura envolve uma componente tendenciosa, que é a interpretação momentânea do leitor. Portanto, uma leitura continuada, sistematicamente repetida ao longo de nosso tempo (vida), pode contribuir positivamente para avaliarmos diferentes pontos de vista do objeto (texto) que lemos. Resta, entretanto, a necessidade de objetividade quando pretendemos aplicar os conceitos derivados de exercícios filosóficos. Como é preciso que nos rendamos a esta objetividade, a busca de textos de apresentação da própria Filosofia, verificando como os autores a entendem em primeiro lugar, pode auxiliar no entendimento das estratégias de “convencimento” que esta área emprega. No presente texto comentado eu me coloquei como um iniciante em Filosofia, que busca entender a área na qual está se aventurando. Evidentemente não é possível abandonar o objetivo primeiro de assimilar as estratégias de apresentação de idéias, o que sempre implica em um desenvolvimento anterior que me coloca nessa posição de assimilador. Mas creio ter conseguido destacar seqüências de idéias no texto original que podem gerar dúvidas ao iniciante em Filosofia, e que tentarei evitar ao colocar a Filosofia para os meus alunos. 2 2 – ESTUDO PROPRIAMENTE DITO O autor inicia o texto com o item intitulado: “O que a Filosofia é”. Partindo do que denomina “problema ou questão da Filosofia”, o autor menciona que há vários problemas nas diferentes disciplinas da Filosofia. Uma primeira definição de Filosofia é apresentada, assumindo, de antemão, que a noção de “problemas filosóficos” esteja já definida. A definição proposta é: caracteriza-se “a Filosofia como sendo a atividade de busca de respostas para esses problemas”, sendo essa busca ”racional, intersubjetivamente partilhável e desinteressada”. A racionalidade proposta é a que não envolve a fé, enquanto que a segunda característica envolve a comunicação e reprodutibilidade por terceiros. O desinteresse é deixado para ser comentado em outra parte do texto. Comentário HES: O autor é feliz em assumir a Filosofia como uma atividade. Porém não tem a mesma felicidade ao definir a Filosofia de forma recorrente, admitindo que os problemas filosóficos são definidos de antemão. O iniciante, que visa entender a Filosofia enquanto atividade, tem que partir de um pressuposto que ele não pode avaliar a priori, uma vez que não conhece a extensão dos estudos em Filosofia. Por outro lado, essa definição recorrente pode ser aplicada para qualquer atividade humana. Por exemplo, considerando as Engenharias, pode-se caracterizar a Engenharia como sendo a atividade de busca de respostas para problemas de Engenharia, sendo essa busca :racional, intersubjetivamente partilhável e desinteressada. Essa forma de definição cai na obviedade. No segundo parágrafo desta primeira página (p.21) o autor apresenta uma definição “passageira” de Filosofia, na qual diz que “a Filosofia é apenas uma entre muitas outras modalidades da busca de conhecimento caracterizada pelos três elementos acima”, enfatizando o conhecimento teórico, a episteme. Daí o autor discorre sobre a estrutura dada a seu texto. Comentário HES: O autor agora foi feliz em apresentar a Filosofia associada a outras modalidades de busca de conhecimento. Essa é uma definição simpática, que não coloca a Filosofia acima de outras atividades humanas e permite ao leitor construir uma primeira idéia acerca do que consiste esta atividade. O adjetivo “passageira” foi usado porque o autor não se ateve a uma explicação desta definição, como no primeiro parágrafo. O segundo item do texto tem o título: O espanto/perplexidade como origem da episteme. O autor inicia dizendo que “a grande tese” a ser compreendida é de que o espanto ou perplexidade “sempre foi e continua sendo a origem da episteme (em particular da Filosofia)”. Daí o autor emprega figuras de repetição para enfatizar o espanto e usa exemplos de ótica e resistência dos materiais. Na seqüência, ele comenta que há fatores que bloqueiam essa perplexidade, como “o hábito, o costume, os preconceitos, os estereótipos, o apego às idéias recebidas e o receio de questionar coisas aceitas”. Em adição, o autor sugere que há condições favoráveis à perplexidade, passando a descrevê-las. Comentário HES: O autor se apóia em uma tese comumente aceita. Todavia, particularmente considero que o conhecimento pode ter várias origens ou causas motivadoras. Defendo que sua origem pode repousar tanto na curiosidade (ou 3 perplexidade) como na necessidade (sobrevivência), ou na competição (posicionamento relativo em um setor social ou em toda a sociedade). Essa é uma conclusão pessoal, ainda particular, mas tanto a necessidade de sobrevivência como a competição geram conhecimento. Embora eu não creia que a existência de outras causas motivadoras do conhecimento venha a invalidar os argumentos em torno da geração de conhecimento, entendo que essa geração perde um pouco de sua áura de pureza, se assim podemos empregar esse termo. A competição e a sobrevivência, em diferentes áreas do conhecimento, podem envolver atitudes não-contemplativas, e eventualmente destrutivas (pensemos nos exemplos das guerras e suas ferramentas, desenvolvidas em condições de intensa competição e luta pela sobrevivência). Continuando com o texto, no parágrafo indicado com a letra (A), página 22, o autor menciona uma condição favorável à perplexidade como: “Não se deixar dominar pela inércia do hábito”. O autor comenta que o hábito “tem o inconveniente de gerar uma falsa impressão de conhecimento”, exemplificando com um caso físico (tentar “acender” uma luz queimada) o que ocorre também intelectualmente. Assim, o autor nos incita a vencermos a inércia do hábito para vermos um objeto como se fosse pela primeira vez e fazermos as perguntas filosóficas a respeito dele. No parágrafo indicado com a letra (B), página 22, o autor coloca mais uma condição favorável à perplexidade: “Predisposição e coragem intelectual de admitir que podemos estar enganados”. A argumentação do autor caminha pelos fatos de que nossas opiniões, ainda que arraigadas, podem não ter o fundamento que se supunha tivessem. O autor comenta que somos o resultado de muitas influências, que nos dão nossa identidade e nossas crenças, e que é difícil abandonar ou modificar ambas. Porém, apesar dessa dificuldade, o autor recorre ao nome de “coragem intelectual” para defender a adequação dessa atitude, de admitir erros, eventualmente sobre todo um conjunto de nossas crenças, mesmo frente a um público. Comentário HES: Os comentários do autor são pertinentes, no tocante a manter-se alerta para enxergar um problema e no tocante a admitir que uma idéia seguida não era correta. Não há, no momento, comentários adicionais. O parágrafo seguinte, indicado pela letra (C), página 23, coloca como condição favorável à perplexidade, a “predisposição para se livrar de preconceitos e estereótipos”. Nesse caso, o autor afirma que todos nós temos preconceitos, que temos “uma visão unilateral de nós mesmos e dos grupos a que pertencemos”. O autor menciona que os preconceitos são prejudiciais à episteme e que, para livrar-se deles é preciso identificá-los. Uma sugestão apresentada é a de interagir socialmente com diferentes grupos ou pessoas. A partir de um exemplo da guerra contra o Talebã, o autor afirma que “temos preconceito contra os diferentes”, que “o diferente tende a ter um efeito de agressão em nós”. Na seqüência, o autor utiliza o exemplo da opção sexual. Os comentários são concluídos com uma abordagem acerca de estereótipos. O autor comenta que o “estereótipo é também uma idéia pré-formada” e “um retrato distorcido e exagerado” do estereotipado. Finalmente, afirma que preconceitos e estereótipos são uma rede cultural à qual estamos atados e que nos dificultam experimentar a perplexidade e chegar à episteme. Comentário HES: A descrição do autor relativa aos preconceitos e estereótipos é adequada. Sendo uma exortação ao abandono de posturas culturais 4 que de alguma forma carregam em si essas características, apenas posso aprovar essa descrição/exortação. Não há, no momento, comentários adicionais. Na página 25 o autor apresenta o item: “Os problemas filosóficos”, lembrando, no parágrafo anterior a este item, que tudo o que foi até agora dito é válido para todas as formas de episteme. O autor diz que, para iniciar, a melhor forma de caracterizar as questões filosóficas é enumerá-las. Daí passa a enumerar exemplos de questões conceituais, seguidas de questões comparativas, questões de linguagem humana e de filosofia da moral. O autor não se atém a detalhar qualquer questão, por mais interessante que seja, mas arrola justamente questões que despertam o interesse do leitor. Na página 26, no terceiro parágrafo, essa série de exemplos é interrompida com uma afirmação e uma pergunta acerca de critérios. O autor comenta que todos acham que o certo e o errado existem, mas indaga qual é o critério que usamos para criticar ou louvar um ato. Em seguida o autor pergunta ao leitor como ele (o leitor) sabe que um ato é eticamente louvável? Daí é usado o exemplo de maltratar uma velhinha indefesa em um terreno baldio, um ato eticamente condenável, mas sob qual critério? O autor sugere a resposta: eu sei com base na minha formação. Mas então é colocado o fato de que pessoas igualmente honestas e inteligentes podem diferir grandemente em suas opiniões. Mais um exemplo é aventado, o do incesto, usualmente condenado nas sociedades ocidentais, mas, segundo o autor, aceitável em outras sociedades. À pergunta: “quem tem razão quanto ao certo e errado?” é dada uma resposta cristã, que remete àquilo que está nas escrituras. Mas aos não-cristãos isso nada significa. O autor então comenta que essa situação de perplexidade e espanto nos motiva a tentar solucionar o problema. Comentário HES: O autor inicia com questões conceituais, que exigem certa erudição para serem abordadas pelo leitor, para depois apresentar questões comparativas, que, por envolver temas polêmicos ou conceitos não absolutos, são de tratamento difícil (a importância relativa entre a liberdade individual e a segurança coletiva, as vantagens do belo sobre o feio, etc.). A seqüência de questões continua com esse enfoque, embora em áreas distintas. Avalio essa abordagem como positiva, porque coloca o leitor em frente a uma “vitrine” de questões filosóficas, dando-lhe uma noção do universo de questões particulares com as quais a Filosofia pode se ocupar. Isso pode situar mais adequadamente o iniciante. Ao falar daquilo que pode ser eticamente louvável ou condenável, o autor nos coloca a questão dos critérios que usamos. Ao evidenciar que os critérios são relativos, menciona que nos encontramos em uma situação de espanto e perplexidade e que nos colocamos a filosofar. Se filosofar for questionar critérios, então o exemplo é aplicável. Talvez seja mais conveniente dizer que filosofar é também questionar critérios. A pagina 27 do texto original é dedicada aos problemas da Filosofia. O autor os coloca como personagens centrais em um palco ao longo da história da Filosofia e, a partir dessa colocação, tenta relacionar a perplexidade ou espanto com o problema filosófico, afirmando que a perplexidade, se existente, é para com a resposta ao problema. A questão entre determinismo e liberdade humana é colocada como exemplo (gerador de perplexidade). Em um passo seguinte, o autor apresenta a relação mencionada na forma: “um problema, e só um problema, é o que gera espanto ou perplexidade”. Daí conclui: ”nada é capaz de provocar espanto/perplexidade a não ser um problema, uma questão”. No terceiro parágrafo dessa página (27) o autor 5 procura elucidar o que é um problema, respondendo que ele é formulável em uma sentença interrogativa, caso contrário não é problema. Mas mais coisas são necessárias para se ter um problema, e o autor as arrola em seguida. O autor coloca essas “coisas” como vinculadas ao estudioso. A primeira é o interesse pelo problema filosófico. Esse existe como função da personalidade do estudioso. A segunda coisa é que o estudioso deve vivenciar a situação como problema. Deve ser uma necessidade emocional do estudioso que o faça buscar uma solução. Daí o autor cita Karl Popper, que considera que o problema “perturba ou desequilibra o psiquismo do sujeito”, e Gilbert Ryle, que considera o problema “um distúrbio do sistema” da pessoa, a ser eliminado com a proposição de uma resposta. Finalmente, na página 28, no último parágrafo deste item, o autor volta à sua comparação com uma peça de teatro, colocando agora os problemas e o método usado no seu tratamento como personagens principais dessa peça. Todo o restante, os filósofos e suas escolas, são elementos passageiros. Comentário HES: Colocar os problemas, e, posteriormente, os métodos para tratá-los no centro de um palco histórico, é uma boa forma de mostrar em torno do que se movimenta a Filosofia. O autor, uma vez que considera a perplexidade, ou o espanto, como a única causa motivadora de perguntas que geram a “episteme” em Filosofia, relaciona então a perplexidade com o problema. Sua afirmação inicial de que só um problema gera perplexidade parece indicar que essa perplexidade implicará em ação posterior para tentar resolver o problema. De fato, isso não é assim, porque se pode imaginar que, em um dia de calma contemplação, uma pessoa queira observar o seu entorno apenas para se sentir bem. Belas evoluções de pássaros e borboletas (uma visão ideal, evidentemente) podem gerar perplexidade, mas ainda assim simplesmente serão observadas pela sua beleza, sem questionamentos. Para suplantar esse vácuo entre a perplexidade e a ação (vamos pensar, camarada: isso é um problema!), o autor coloca condicionantes no observador: ele deve ser interessado e deve viver o problema. Em outras palavras, não há problema impessoal. Ele existe se alguém se interessa por ele. Por exemplo, se ninguém se interessar pela extinção da humanidade devido ao mau-uso da natureza, isso não é um problema. Como já comentei, opino que a necessidade pode, por exemplo, também levar à busca de respostas. A possibilidade de auto-extinção pode eventualmente representar um incentivo a se buscar soluções que nos permitam avançar para tempos ainda não vividos (sobrevivência). De forma prática, para a Filosofia, ainda que hajam temas para os quais eventualmente a contemplação viesse a gerar uma perplexidade, a inexistência de seres humanos (todos extintos) talvez viesse a representar um empecilho para o levantamento de uma questão filosófica (ou seja, o imperativo criador passa a ser a sobrevivência e não a perplexidade) Na página 28 o autor introduz o item: “Sobre o método em filosofia”, acerca do qual discorre ao longo de dez páginas, comentando, entre outros temas, os componentes subjetivos e objetivos do método. Inicialmente é mencionado Karl Marx, na forma: o homem só põe problemas que pode ou resolver ou mostrar que não são problemas. Por conseguinte, devem haver procedimentos repetíveis que corresponderiam ao método de resolução em Filosofia. O autor menciona que os problemas-objeto são filosóficos, e, como tal, não há um conjunto respeitável de problemas já resolvidos (talvez nenhum) que nos permita vislumbrar o método trilhado. O autor ainda menciona que as epistemes “mais sólidas”, como as científicas, 6 dispõem de métodos. Em seguida, o autor informa que, apesar de não haver método, há verdades universalmente aceitas (com a ressalva de esse universal permitir exclusões), mencionando seu uso na metafilosofia (reflexão sobre a Filosofia), e as enumera. a) Origem da Filosofia na perplexidade, no espanto. b) As questões são tão ou mais importantes que as respostas conferidas. c) Superação da ignorância ignara, para substituí-la pela ignorância douta, necessária para encontrar soluções para os problemas filosóficos. d) A Filosofia fundamenta-se em sua história escrita. e) Não se pode ensinar Filosofia, porque não existe um corpo de doutrinas subscritas pelos filósofos. Só se pode ensinar a filosofar. f) Deve-se cultivar o enfoque racional e desinteressado na formulação de teses e princípios a serem demonstrados e defendidos. Comentário HES: A observação de Marx é usada para sustentar a possibilidade de existência de um método de estudo em Filosofia, uma vez que o homem só propõe a si mesmo problemas que têm condições de serem resolvidos. Mas, em seguida, o autor menciona que é possível que nenhum problema-objeto da Filosofia tenha sido resolvido e que, portanto, não há qualquer método aparente. Ora, a leitura de um texto didático que induz a um pensamento, para em seguida refutá-lo, parece antes um jogo de palavras em que o interlocutor é posto ante a questão: Você aceita minha asserção? Sim ou não? Se não, você não precisa seguir lendo. Se sim, você lê e cai na minha armadilha! Mas o leitor principiante não tem opção de não ler e, portanto, passa a ser vítima desse jogo de palavras, que antes causa a impressão de distorcer do que de esclarecer características da Filosofia. Eu questiono, portanto, se essa é uma forma didática de apresentação. Vale aqui abrir um aposto, porque a minha posição pessoal é de querer uma imagem positiva para a Filosofia, no sentido de que ela seja atraente para iniciantes (tenho o objetivo de transmitir idéias com cunho filosófico). Assim, meus comentários naturalmente pretendem valorizar esse aspecto, embora possam eventualmente não atingir o objetivo dessa valorização. A questão do método é importante porque a Filosofia, em princípio, busca o conhecimento, o que entende-se ser uma coisa importante para o ser humano. Mas “Porque é importante gerar conhecimento?”é uma pergunta vinculada aos próprios objetivos do ser humano, cuja discussão nos remete novamente às motivações humanas como necessidades, curiosidades e competição. Voltando ao texto: propor, com base em uma afirmação filosófica, que pode haver um método, para depois dizer que os filósofos não conseguiram produzir provavelmente nenhuma resposta aos problemas relevantes e que se desconhece, portanto, qualquer método, pode causar antes a impressão de que os filósofos são incapazes de estabelecer métodos que os habilitem a responder suas questões. Caso o leitor assuma essa postura, pode também assumir a postura conseqüente: “eu não vou continuar a gastar meu tempo com pessoas que não sabem o que fazem”, que, pessoalmente, considero que deveríamos nos esforçar para que não se estabeleça. Nesse contexto, isto é, nessa seqüência de raciocínio, pode soar estranho que se aceite haver “verdades universalmente aceitas”, uma vez que, segundo as afirmações anteriores, nenhuma pergunta relevante foi de fato resolvida (devo enfatizar, entretanto, que esta não é a minha visão). Nessa seqüência de verdades também podem ser tecidos comentários: 7 Verdade a) Comentei anteriormente que discordo de a perplexidade ser a única causa do conhecimento. Eventualmente a Filosofia apenas considere o tipo de conhecimento gerado através da perplexidade, uma vez que o autor destaca a origem da Filosofia está no espanto (posição existente na literatura de forma geral). Ou seja, o que foi gerado com outra motivação não é Filosofia. Se este for o caso, então é preciso, ao longo de um texto didático, esclarecer este ponto ao leitor iniciante. Por exemplo, se um conjunto de profissionais da saúde obtém a cura de uma doença que aflige o ser humano, trazendo implicações de bem-estar e longevidade e conclusões acerca do funcionamento de nosso organismo, as quais têm reflexos no pensamento humano, deve-se frisar que essas conseqüências no pensamento não são Filosofia, porque trata-se de conhecimento gerado de uma necessidade humana e não do espanto. Por outro lado, se o conjunto de pensamentos e discussões que se gera a partir de uma informação científica puder ser considerado parte da Filosofia, então a origem da Filosofia não está apenas no espanto. Verdade b) Sei que o autor acrescentou “...que foram e têm sido dadas a elas” junto ao substantivo “respostas”. Portanto, o autor considera a temporalidade da pergunta. Ela (a pergunta) pode deixar de ser importante ao se encontrar a resposta ou quando o conhecimento científico eventualmente mostrar que se trata de uma pergunta mal colocada. Em contato pessoal mantido com o autor do texto perguntei sobre a sua posição frente à perenidade das questões da Filosofia e ele enfatizou que não considera esta perenidade e que admite que as resposta venham a ser atingidas. Caso contrário, nas palavras do autor, “ficaríamos deprimidos” com a certeza da busca infrutífera. Considerando essa posição, creio que é preciso ser menos genérico ao apresentar esta segunda “verdade” ao iniciante, para evitar que se afirme simplesmente que “as perguntas são mais importantes que as respostas”, porque uma postura decorrente desta asserção pode ser: “Então não estudarei para solucionar problemas. As soluções são supérfluas, uma vez que as perguntas são o objeto mais importante. Assim, afirmo que serei apenas um questionador ou inquisidor. Posso vir a ser um brilhante questionador, mas serei inútil.” Devemos ser absolutamente claros junto aos estudantes, porque há ainda uma segunda conotação perniciosa nessa “verdade”, se ela for inconvenientemente apresentada: a de que o filósofo resolve coisa nenhuma. Ele se ocupa com a teoria da geração do conhecimento, mas de fato nada precisa gerar. Sem procurar levantar polêmicas, mas problematizando o uso indevido das “verdades”, pergunto a mim mesmo se uma Universidade pode admitir que se transmita a idéia de que essas instituições formarão apenas inquisidores (questionadores), e não pessoas habilitadas a empregar suas faculdades intelectuais para resolver as questões colocadas. Em um contexto de uma sociedade que caminha tentando resolver seus problemas, suas limitações, seus absurdos e combater sua ignorância, pode o filósofo caminhar pela vida utilizando as soluções “mundanas” do dia-a-dia formuladas pelos seus semelhantes, mas em nada contribuindo? Assim, parece-me que devemos cuidar para que essa segunda verdade não seja um convite à inação, ou um “refúgio”, que permita ao filósofo se acomodar sem produzir respostas. Sendo eu uma pessoa que adentra na Filosofia com um objetivo didático, gostaria de ter uma imagem mais simpática da Filosofia (talvez frente à sociedade), tanto para divulgá-la como para conviver com ela enquanto caminhando por seus meandros. Creio que a apresentação dessa segunda “verdade” deve reforçar o contexto temporal de forma menos ambígüa, como: “...as respostas apresentadas até a presente data”. A expressão “tem sido” acrescenta uma idéia de 8 continuidade que considero indesejável. Sem a contextualização mais clara, essa “verdade” não me parece algo positivo. Mais uma vez comento que em contato pessoal com o autor ficou evidente de que ele defende esta ênfase na temporalidade. Menciono que, ao longo de minha existência já ouvi várias vezes afirmações como a de “ser necessário saber perguntar”, ou de que “uma boa pergunta é essencial”, mas as situações eram retóricas, sem conseqüências. Entretanto, quando alguém apresenta a resposta a uma questão crucial, como o tratamento de uma doença, ou um procedimento legal adequado, ou um material novo a ser empregado em nossas atividades, sem dúvida não se trata de retórica, mas de ações que beneficiam toda a sociedade, inclusive os filósofos (a menos que estes não fiquem doentes, estejam acima da lei e não usem os benefícios da tecnologia, como os computadores e seus derivados, por exemplo – postura que, evidentemente, nenhum filósofo jamais assumirá). Assim, se as respostas às questões filosóficas forem sendo apresentadas ao longo dos anos e transmitidas à sociedade na forma de conhecimento gerado, serão essas respostas a contribuição real. Como ilustração final, talvez valha a pena ainda comentar que pode haver quem argumente que as questões filosóficas são aquelas que não foram resolvidas nos cerca de 2.300 anos de existência da Filosofia ocidental. Também pode ser argumentado que aquelas que tiveram respostas mostraram não ser questões desse campo do conhecimento. Não me parece um absurdo admitirmos que algumas questões hoje existentes terão resposta no futuro. Talvez venham a formar uma nova área da ciência e saiam do contexto da Filosofia. Mas isso não significa que não estamos fazendo Filosofia agora, ao abordarmos essas questões. Além do mais, é preciso lembrar que são justamente essa possibilidade de respostas e de evolução para novas áreas da ciência que justificam a própria existência da Filosofia. Caso contrário, se de antemão estabelecemos que não teremos respostas a qualquer das perguntas feitas, então não vale a pena continuar investindo recursos e esforços de mentes brilhantes nesse campo então assumidamente estéril para a humanidade. A garantia de sobrevivência da espécie humana e de seus coabitantes nessa esfera, a evolução futura, o estabelecimento das metas mais distantes, o crescimento enquanto civilização, o conhecimento de si mesma, não me parece que possam ser deixadas nas mãos de uma classe de pensadores que assumidamente se limitará à perplexidade e à teorização epistêmica, sem a componente da ação em prol de respostas viáveis. Se abolirmos o objetivo de obter respostas, então estaremos apregoando a inutilidade e a inconveniência da Filosofia. Finalzando: Enfatizo que a minha preocupação é o cuidado que deve ser tomado para evitar uma imagem da Filosofia como aquela descrita. Verdade c) É interessante observar essa terceira verdade, que aqui foi apresentada após ter sido afirmado que provavelmente nenhum problema relevante foi resolvido ao longo da história da Filosofia. Isto porque ela estabelece um ritual de dois passos para fazer algo que ninguém fez. Novamente (na presente tentativa de entendimento) argumento com base na leitura do iniciante, para o qual as verdades aceitas pelos eruditos são ainda objetos de profunda meditação. Na seqüência apresentada no texto, a terceira verdade causa a impressão de ser algo como um ritual de iniciação: resolverás os problemas se e quando abandonares o estado de ignorância ignara para acenderes ao estágio de ignorância douta. Creio que o posicionamento dessa verdade no texto tirou-lhe o potencial de eventual relevância que poderia imprimir no leitor. É preciso enfatizar, entretanto, que entendo que se pretende honestamente mostrar condições a serem satisfeitas pelo estudioso em Filosofia. Entendo também 9 que se pretende formalizar um senso comum com esta verdade. Nesse sentido, se a ignorância ignara representa o estágio de desconhecimento do problema como um todo e a ignorância douta representa o estágio de conhecimento do problema e de seus condicionantes, porém evidentemente sem conhecer sua solução, então trata-se de uma verdade válida para qualquer área na qual se pretenda resolver um problema (seja este um problema prático, do dia-a-dia, ou não). Possivelmente poderei resolver um problema com maior segurança se conhecê-lo com maior detalhe, isto é, conhecendo os seus condicionantes (seja para instalar uma torneira no banheiro de casa, ou para explicar o sentido da frase literária e contraditória de Marx, que disse que “tudo o que é sólido desmancha no ar” - Manifesto Comunista). Assim, o que me causa desconforto não é a formalização do senso comum para localizar melhor o estudante, mas a menção dessa “verdade” em um contexto que, no meu entender, minimiza a eficácia da sua mensagem. Verdade d) Concordo com a apresentação do autor, no sentido de que entendo que o conhecimento da história da Filosofia, com o encadeamento de seus modelos, seus autores, as tentativas de resolução dos problemas, é importante tanto para tomar conhecimento daquilo que foi importante nos diferentes períodos da história humana, como para verificar quais questões permanecem em aberto. Adicionalmente, uma vez que questões permanecem em aberto, vale a pena observar quais argumentos foram utilizados nas tentativas de resposta anteriores, de forma a “continuar a construção de uma resposta”, sem reiniciar o estudo de um estágio muito primitivo. Frisa-se que não se defende reduzir a Filosofia à sua história, o que faria com que nosso avanço para o futuro seria “de ré”, “condenando-nos” a apenas comentar textos escritos por sábios do passado e a parafrasear suas idéias. A Filosofia, no meu entender, é criativa e ativa, e não meramente repetitiva. (Para mim, pretendo que seja viva e aplicada). Verdade e) Essa observação parece que, a primeira vista, não acrescenta conhecimento ao principiante. Ela introduz, pomposamente (ou seguindo uma formalização mais erudita), uma pretensa impossibilidade, mas que é transformada em uma questão de interpretação sobre o que se pode fazer. Assim, temo que essa verdade universal seja confundida com um jogo de palavras. Note-se que o autor já definiu a Filosofia como uma atividade. Assim, ensinar uma atividade subentende que há alguma ação implícita naquilo que se transmite. Ou seja, enfatiza-se o verbo e não o substantivo. Portanto, ensinar Filosofia implica de fato ensinar a Filosofar. Não me parece haver sentido em enfatizar a impossibilidade, uma vez que a ação está implícita na definição de Filosofia. Pareceu-me, em alguns momentos da leitura, que há uma certa segmentação ao apresentar a Filosofia ao iniciante (alguma descontinuidade, como no caso de se dizer que a Filosofia é atividade e depois, esquecido disso, dizer que se ensina a Filosofar, sem fazer a conexão natural entre essas idéias) Quer me parecer que isso decorre do grande volume de “impossibilidades” já assumidas pelos profissionais experientes (inclusive no tocante à própria definição da Filosofia, acerca da qual, torna-se a frisar aqui, o texto em análise foi muito feliz). Acerca de filosofar, espero, inclusive, que tenhamos condições de ensinar a filosofar criativamente, excitando as capacidades intelectuais de nossos jovens a propor respostas às questões com as quais estabelecerão contato. Concluindo: exprimir uma verdade universal apresentando inicialmente a negação de “um corpo de doutrinas subscritas pela comunidade” parece-me contraproducente para a apresentação de uma visão do que seja Filosofia. 10 Verdade f) A posição de racionalidade e desinteresse é sempre desejável. Nada há a acrescentar quanto a esta forma de busca das respostas. Enfatizo, apenas, que após o leitor ter sido informado de que historicamente não se conseguiu atingir respostas definitivas, que não se vislumbrou um método de abordagem (uma situação que a leitura do texto permite inferir que poderá se manter), ele pode se perguntar se vale a pena empregar seus melhores esforços para obter resultados provavelmente pífios. Vale a pena gastar uma vida nisso? Note que o iniciante estará empenhando a sua própria vida ao abraçar a atividade da Filosofia. Portanto, esse é um problema crucial para ele. Creio que esse problema, por conseguinte, passa a ser crucial para os profissionais atuais em Filosofia, a menos que se assuma que essa vida não represente um bem de valor relevante para a continuidade dos estudos na área. No segundo parágrafo da página 29 o autor apresenta uma segunda dificuldade para a formulação de um método em Filosofia, que é a ligação entre o método e a doutrina substantiva do filósofo. O autor menciona William James, filósofo pragmático, que afirmou que a história da Filosofia é em grande medida a história de um conflito de temperamentos. Uma vez que o temperamento é pessoal, torna-se difícil sustentar conclusões que pedem razão e impessoalidade. O autor menciona que “a Filosofia deve ser fruto de um intelecto comprometido com procedimentos que não dependem da subjetividade de cada um”. Posteriormente o autor cita um texto de Bertrand Russel, em que se critica o uso das opiniões dos filósofos para provar suas crenças, seguido de uma citação de Friedrich Nietzsche, que sugere que se busque os objetivos seguidos pelo filósofos (“qual moralidade ou edificação é visada”) e que acredita que um “impulso” pode empregar um falso conhecimento como instrumento. O autor menciona que o impulso é a vaidade e aproveita o “momento literário” para confrontar as posições que defendem que a Filosofia é uma episteme respeitável, no mesmo nível de muitas outras, e que a Filosofia envolve o subjetivismo temperalista. O autor menciona que as duas posições caracterizam duas doutrinas substantivas antagônicas, que usam métodos diferentes, o que dificulta responder a questão acerca do método em Filosofia. Em seguida, o autor considera que deve dizer algo positivo sobre o método em Filosofia, optando enumerar componentes subjetivos e objetivos desse método. Comentário HES: O autor é bastante articulado e erudito, fornecendo argumentos que justificam a asserção de que é difícil apresentar um método para a Filosofia. Considero que sua argumentação está bem colocada no contexto restrito do método. Porém podem surgir dúvidas a respeito de sua adequabilidade no contexto do texto como um todo. Interessantemente o autor escolhe como exemplo uma questão que contrapõe visões pessoais e impessoais na Filosofia. A discussão parece que pretendia conduzir a uma posição sem definição (e o faz efetivamente no contexto do método), mas isto é um tanto prejudicado pela postura anterior do autor no texto, quando, para vencer o vácuo entre a perplexidade e a ação do filósofo, colocou condicionantes no observador, a saber, que ele deve ser interessado e deve viver o problema. Com esses condicionantes pode-se argumentar que não há problema impessoal. Assim, não há indefinição no texto como um todo (se a indefinição era o objetivo, os condicionantes postos no observador impedem atingilo). 11 Na página 30 o autor apresenta o item “Componentes Subjetivos”, relativos ao método em Filosofia, classificando-os em éticos e temperamentais. Inicialmente Claude Bernard é citado, com sua afirmação de que o cientista deve desprender-se de seus preconceitos e idéias recebidas antes de entrar em seu laboratório, postura esta definida como ética. O autor então enfatiza que, em Filosofia, o amor à verdade deve suplantar todos os outros amores, ainda que legítimos, que com ele conflitem. O autor sugere um juramento profissional, nos termos “Prometo, na medida de minha capacidade, por o interesse pela descoberta da verdade e pela sua justificação, acima de qualquer outro interesse meu que possa conflitar com ele”. Este é o componente ético do método, que o autor relaciona com a característica desinteressada da episteme. O componente de temperamento é apontado como a identificação emocional com o jogo de buscar a verdade, no qual metaforicamente marca-se gol a favor quando a verdade é encontrada ou aproximada e marca-se gol contra quando “se defende o erro porque deseja que ele fosse verdade”. Assim como num jogo de futebol não tem graça marcar um gol “ilegal” (fora das regras), também não tem graça defender uma tese escondendo dados e fabricando evidências. Se a verdade é o objetivo de disputar o jogo, não tem sentido desrespeitar as regras. Comentário HES: O autor discorre talvez apaixonadamente acerca da verdade, ilustrando bem os componentes éticos e temperamentais. O primeiro pode ser resumido como o “compromisso com a verdade” e o segundo como o “envolvimento emocional com a busca da verdade”. Considero a sua proposta de juramento profissional muito interessante. Não há, no momento, comentários adicionais. No último parágrafo da página 31 o autor discorre sobre a importância de enfatizar os elementos éticos e temperamentais, porque há forças internas poderosas que agem contra eles. Daí são mencionados os moralistas franceses, arrolando autores dos séculos XVI, XVII, XVIII e mencionando continuadores nos séculos XIX e XX. Segundo o autor, os moralistas pensaram acerca dos fatores internos que atuam como obstáculos ao amor à verdade e às regras de sua busca. Entre esses fatores estão o amor-próprio e a vaidade. Sobre o amor próprio, o autor cita Blaise Pascal (século XVII), com um texto em que as contradições pessoais são evidenciadas e se conclui que o ser humano toma cuidado em cobrir seus defeitos aos olhos dos outros e aos seus próprios olhos. Adicionalmente, o texto citado menciona que todos os seres humanos possuem esse amor próprio, em maior ou menor grau, inclusive Pascal, ao qual o autor, em um comentário, também se alinha. Um texto de Arthur Shopenhauer (século XIX) é citado, evidenciando que a filosofia universitária é tortuosa, cheia de rodeios, e comprometida com interesses eclesiásticos, de ministério, de editores, de estudantes e de amigos. O autor volta a frisar a necessidade de colocar o amor à verdade e as regras do jogo acima de tudo, educando o espírito e a sensibilidade, podendo isto ser muito difícil. Comentário HES: O autor faz questão de trazer ao leitor a informação considerada mais adequada para pensar acerca da verdade e da obediência às regras. A leitura é bastante agradável, mesmo no tocante aos textos citados. O iniciante consegue vislumbrar a importância do tema “verdade” e trava contato com a linha de pensamento de alguns nomes relevantes da Filosofia. Não há, no momento, comentários adicionais. 12 Na página 33, terceiro parágrafo, o autor abre um parênteses na sua apresentação, no qual cita Pascal (século XVII), Schopenhauer e Nietzsche (século XIX). O autor frisa a atualidade desses autores, mas faz uma apologia a Pascal, uma vez que seu período de vida está distante temporalmente e culturalmente do nosso, tendo sido contemporâneo de Descartes. O autor elogia Pascal como filósofo moral e da mente e como pensador do conhecimento humano. Comentário HES: Nesse caso, o autor demonstra a sua admiração pessoal pelos pensadores citados. O parágrafo é apresentado como parênteses e de fato é isto. A sua presença no texto não é necessária para a compreensão geral. Não há, no momento, comentários adicionais. Na continuação do texto, após o parágrafo anterior, página 33, o autor menciona que os componentes éticos e temperamentais não possuem uma distinção completa, havendo certa superposição. A coragem intelectual anteriormente apresentada é novamente mencionada, situando-a entre os dois componentes, por exigir um temperamento condizente e um apropriado senso de dever, e possuir uma dimensão ética indispensável. É mencionado que o traço temperamental é necessário, mas não é suficiente. Posteriormente o autor comenta que os componentes temperamental e ético são tanto mais importantes quanto menos controle científico se tem na formulação e na defesa de hipóteses, afirmando que os filósofos dependem dessas duas condições em grau maior do que as epistemes que possuem outros recursos científicos. O autor conclui esse item dizendo que “o praticante da episteme filosófica precisa ser mais virtuoso, no que diz respeito àquelas duas qualidades, do que os praticantes das demais modalidades da episteme”. Comentário HES: De forma geral, o autor apresenta opiniões próprias acerca da interação entre componentes éticos e temperamentais e da sua maior necessidade em áreas com menor controle científico. Nesse particular, creio que o autor parte de um ponto de vista típico do praticante da Filosofia, uma vez que pressupõe que há menor controle científico nesta área do conhecimento, sendo necessário, portanto, ser mais “virtuoso”. Creio ser difícil afirmar isto sem ter transitado pelas outras áreas do conhecimento com alguma profundidade, para entender o que é considerado uma hipótese nessas áreas, bem como para entender o que é o método e as exigências da verdade nelas. Ao iniciante em Filosofia pode ser interessante considerar-se “mais virtuoso”, ou “mais amigo da verdade”, ou ainda “mais solicitado pela verdade”, uma vez que isso naturalmente tende a situar a pessoa em um “nível moral superior” com relação àquelas que se ocupam com o “conhecimento mais mundano”. Mas, sem poder evitar a repetição, momentaneamente não vejo isso como uma verdade, justamente por ter atuado em outras áreas, e com alguma profundidade. Temo que tal afirmação possa produzir uma postura algo “pedante” do estudante de Filosofia (portanto antipática). O presente comentário decorre de uma reflexão menos reticente, ou seja, mais expedita acerca do texto. O comentarista se dá o direito de evoluir em suas afirmações e convicções, à medida que organizar a sua própria ignorância e conseguir localizá-la nos diferentes nichos da Filosofia. Na página 34 o autor apresenta o último item do seu texto, intitulado “Componentes Objetivos”. O autor retorna à tese de que os problemas da Filosofia 13 são mais importantes que as respostas a eles, utilizando como apoio afirmações de Bertrand Russel, que basicamente repete a tese e valoriza a Escola de Mileto, e de Karl Jaspers, que completa seu pensamento dizendo que toda resposta se converte em uma nova questão. O autor então afirma que as questões filosóficas são interessantes em si mesmas e que aqueles que as acham interessantes simplesmente querem respondê-las, e que um problema não é independente de um sujeito particular. O filósofo Julián Marías é mencionado, retornando ao assunto de que um problema tem que ter uma relação visceral com o estudioso, o que é denominado de problematicidade. Daí é mencionado que as questões da Filosofia estão entre as que despertam mais fortemente o interesse dos seres humanos e que são questões que se colocam repetidamente. Comentário HES: Aqui o autor usa a expressão “...os problemas da Filosofia são mais importantes que as respostas a eles.” Daí exemplifica e discorre considerando esta asserção. Como já comentei, creio ser necessário o abrandamento dado pela temporalidade, ou seja, considerar as respostas “até o momento apresentadas”. No segundo parágrafo da página 35 o autor comenta que a Filosofia se apresenta como levantadora, clarificadora, modificadora e crítica de questões, e como investigadora da relação entre as questões no momento sociocultural no qual surgem. Colocando, então a Filosofia como um conjunto de questões, é colocada a pergunta sobre o método de trabalhá-las. É mencionado o filósofo Isaías Berlin, que diz que não se sabe bem como buscar uma resposta às questões filosóficas, por não se tratar, entre outras coisas, de questões científicas, fazendo-se, então, o que se pode paciente e esforçadamente. Novamente é enfatizado que a Filosofia, portanto, é uma atividade, e não um corpo de proposições afirmadas como verdadeiras. Ludwig Wittgenstein é mencionado, para o qual a Filosofia é uma atividade “terapêutica intelectual” que visa livrar-nos de males doutrinais. Também Julían Marías e Ortega y Gasset são mencionados, para os quais a Filosofia é um “quehacer” (a fazer). Comentário HES: Apesar da valorização das questões, colocando a Filosofia como um conjunto de questões (se for só isso, quanto mais questões tivermos arroladas, mais forte será a nossa Filosofia - e talvez uma decorrência seja: quanto mais questões um filósofo fizer, melhor filósofo e mais reconhecido será), mencionase o exemplo de Berlin, de buscar respostas. Esta busca de respostas é que, no meu entender, deve ser valorizada. Como aposto, comento que não saber como buscar respostas a um problema e tentar pacientemente e esforçadamente obtê-las não é uma prerrogativa da Filosofia. Talvez nem seja da Filosofia em maior grau (no sentido de o filósofo ter que ser mais “virtuoso”, como antes aventado). Senão, o que dizer, por exemplo, da busca da cura da gripe? (inexiste até o momento, sendo que mesmo a vacina é obtida a partir de um conjunto de cepas que provavelmente envolverá aquelas que dominarão o período), ou o estudo de fontes não poluentes de energia? (Qual será essa fonte? Como será utilizada? Se o método científico é tão evidente, como é geralmente considerado pelos autores de textos filosóficos, porque a resposta ainda não está disponível?). Exemplos de problemas matemáticos podem também ser aventados, como o caso do último teorema de Fermat. Se o “método científico” é tão evidente, porque o problema não foi imediatamente resolvido, tendo consumido séculos de estudos? Agora que está resolvido, qual é mais importante? A pergunta ou a resposta?, ou o conjunto das 14 respostas decorrentes das perguntas intermediárias? Também podemos mencionar os problemas do milênio: por exemplo, porque as equações de Navier-Stokes representam um problema tão formidável? Nos exemplos mencionados também havia e há a paciência e o esforço, também havia e há o “quehacer”. E se alguém em Filosofia acreditar que a afirmação de Wittgenstein, de que a Filosofia é uma atividade terapêutica intelectual, só se aplica de fato à Filosofia, então estará errando em maior grau. O envolvimento com o problema, a busca pela solução, o desconforto pela existência das questões não respondidas, o prazer intelectual pelo ato de pensar objetivamente, encontram-se, na minha opinião, em todas as atividades humanas que exigem o pensamento criativo e objetivo. O prazer na atividade intelectual se dá com a própria atividade intelectual, independente da área específica na qual está sendo aplicada. No segmento do texto que está sendo comentado há, portanto, o aspecto positivo de, ao apresentar a Filosofia como um conjunto de questões, colocar também a busca de respostas a essas questões. No tocante às afirmações dos filósofos mencionados, não me parece que sejam afirmações exclusivas para a Filosofia. Porém, considerando o contexto didático, creio que, sendo uma valorização da atividade intelectual realizada em Filosofia e apresentada por profissionais de renome da área, atrairá o iniciante. Há que se cuidar, todavia, com a possibilidade de gerar uma atitude pedante. No segundo parágrafo da página 26, com base nas afirmações anteriores, o autor pergunta: Qual seria o método? E responde o que ele teria que ser: - um método para a atividade de estudar e trabalhar as questões. - um método para detectar questões que vale a pena levantar (devem ter repercussão). - um método para avançar a compreensão dos temas e questões, seu surgimento, ressurgimento, transformações, relacionamento com a história e outros elementos não filosóficos. - um método que mostre como devemos nos abrir para modificações de nossa visão da problemática, de sua atualidade ou não. Na resposta a sua pergunta, o autor diz que há uma disciplina que se destaca na teoria do método filosófico, que é a Filosofia da Linguagem, por ser “prudente metodologicamente, apoiar-se no mais próximo para conhecer o mais distante, no mais concreto para conhecer o mais abstrato, no mais familiar e observável para conhecer o menos familiar e não observável”. Daí o autor sugere ser uma boa idéia estudar a linguagem, o instrumento do filósofo (que não possui outro produto de avanços tecnológicos). Analisar os comportamentos e ações da linguagem para direcioná-los de forma a melhor pensar as questões filosóficas é a sugestão do autor. O autor então exemplifica a reflexão feita sobre o erro categorial, que consiste em colocar em uma categoria um objeto que não pertence a ela. Os exemplos são as entidades “mente” e “consciência”. Nós usamos esses termos como usamos o termo “mesa”. Por este último ter associação com um objeto de existência comprovável, também assumimos que mente e consciência existam como objetos de existência comprovável. Comentário HES: Aqui o autor conta com sua erudição para apresentar suas asserções e explicações. Embora eu não tenha compreendido porque o método tem que ter as características mencionadas, voltado exclusivamente para as questões, também não posso oferecer argumentos que apóiem ou não as proposições do autor. 15 Apenas considero que um método deveria estar buscando formas de obter respostas. A Filosofia da Linguagem, utilizada como exemplo, é desconhecida no presente momento para mim e qualquer opinião que a considere exigirá de mim leitura específica e detalhada. Aqui o conteúdo do texto, portanto, ainda encontra as barreiras decorrentes do desconhecimento pessoal e que prejudicam o meu entendimento do tema. Entretanto, como estou na posição de um iniciante, o mesmo texto talvez encontre barreiras similares em outros iniciantes, o que pode indicar que deixou de ser tão didático quanto desejado. Na página 37 o autor comenta que filósofos como Gottlob Frege e Wittgenstein defendiam idéias como “romper com o domínio da palavra sobre o espírito” e “libertar-se do feitiço, do enfeitiçamento, da linguagem”, permitindo sugerir que a “Filosofia da Linguagem é uma disciplina metodológica primeira”. O autor comenta que na Filosofia da Linguagem busca-se clarificar conceitos, levando a uma compreensão analítica elaborada. Daí uma série de exemplos de questões é arrolada, mostrando que o seu exame pode ser auxiliado pela Filosofia da Linguagem. Na seqüência o autor afirma que a linguagem é orientadora e desorientadora do intelecto, um instrumento do acerto quando se acerta e um instrumento do erro quando se erra. Conhecer a linguagem, portanto, permite promover o acerto e prevenir o erro. Comentário HES: Apenas conto com o senso comum acerca da linguagem. Para mim está claro que o desconhecimento de seus detalhes ou o seu mau uso impedem uma comunicação adequada. De resto, valem as observações do comentário anterior. O autor finaliza resumindo suas reflexões sobre o método em Filosofia. Nas condições subjetivas, cita novamente a filosofia européia continental, com os moralistas franceses e seus continuadores. Para os componentes subjetivos, comenta que considerou a Filosofia Analítica. O autor termina dizendo que ambas tradições usadas confluem, porque pensam as questões da Filosofia Faule, questões de método quanto questões substantivas. Comentário HES: Não encontrei o termo Filosofia Faule.Não sei a que se refere. Ao observar que o autor apresentou como componente objetivo do método a reafirmação da tese “as perguntas são mais importantes que as respostas”, não consegui ver como isso poderia ser entendido como “objetivo”. O autor valoriza as questões, sendo que as características que evidencia para um método são todas voltadas para as questões. A Filosofia da Linguagem é colocada como exemplo, mas o iniciante não a conhece. Adicionalmente, parece-me que ela é colocada no sentido de aclarar conceitos usados nas questões, salvo melhor juízo. Dessa forma, o item “Componentes Objetivos” não produziu, em mim, uma impressão de entendimento, ou mesmo de que há componentes objetivos no método científico apresentado para a Filosofia. 16 Comentário Final: O texto procura clarificar alguns conceitos da área de Filosofia. De forma geral, é um texto que conta com a experiência do autor e sua erudição para apresentar as idéias relativas à FILOSOFIA: SUA NATUREZA, SEUS PROBLEMAS, SEU MÉTODO. Como pessoa interessada nas estratégias de apresentação e “convencimento” de idéias, opino que o texto evidencia algumas incertezas existentes em Filosofia, algumas ênfases colocadas propositalmente e outras acidentalmente. A leitura do texto e dos comentários evidencia onde o texto me satisfez e onde eu entendo que a estratégia de apresentação não me pareceu convincente. Contudo, este é um texto necessário ao iniciante, porque trás termos, conceitos, idéias, com as quais o estudante se deparará no avançar de seus estudos. Assim, o esforço do autor deve ser louvado, uma vez que fornece uma primeira visão do universo da Filosofia. Harry Edmar Schulz Professor Titular UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Estudo: HUMANIZAÇÃO COMO FERRAMENTA DE AUMENTO DE INTERESSE NAS EXATAS