da epistemologia à arte de ensinar geografia

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DA EPISTEMOLOGIA À ARTE DE ENSINAR GEOGRAFIA1
Eliete Woitowicz2
Terezinha Côrrea Lindino3
RESUMO
O presente estudo procura analisar as diferentes concepções epistemológicas da ciência
geográfica com o intuito de correlacioná-las ao modo operante de se ensinar e apreender na
Geografia escolar. Busca-se quebrar paradigmas de afirmação que defendem ou criticam uma
ou outra determinada corrente teórica da Geografia, defendendo a necessidade da existência
de um equilíbrio epistemológico entre as várias teorizações, em prol de um ensino geográfico
significativo e com sentido prático na vida do discente. Defende-se a relevância do diálogo
cognitivo entre docente-conteúdo-discente, ligado intrinsicamente com a necessária harmonia
das linhas do pensamento geográfico na promoção de um processo de ensinagem reflexivo.
Estas reflexões fizeram parte da pesquisa monográfica realizada em 2013 e, simultaneamente,
dos debates ocorridos em encontros e reuniões do subprojeto do PIBID de Geografia
intitulado “O ensino da Geografia: da teoria à prática”, da UNIOESTE, campus de
Marechal Cândido Rondon-PR. Espera-se que as correlações epistemológicas e
metodológicas perseguidas aqui se tornem claras, revelando a relação existente entre teoria e
prática, que necessariamente precisa ocorrer em sala de aula. Esta é uma utopia a perseguir.
Destaca-se que as considerações expostas não tem caráter prescritivo, mas sim consultivo,
incentivando o diálogo entre os pares e respeitando as mais diversas opiniões possíveis.
1
Este artigo é um esboço da discussão feita no primeiro capítulo da pesquisa monográfica intitulada “A
interação docente-conteúdo-discente no ensino de Geografia” (WOITOWICZ, 2013).
2
Graduada em Geografia (licenciatura), pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus
de Marechal Cândido Rondon, PR. Mestranda do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Geografia, pela
UNIOESTE, campus de Francisco Beltrão, PR. Colaboradora (voluntária) do Subprojeto “O ensino da
Geografia: da teoria à prática”, do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, desde
2011. Membro do grupo e linha de pesquisa "Ensino e Práticas de Geografia - ENGEO", desde 2011, n˚ do
Grupo 34953/2011, cadastrado junto a UNIOESTE, campus de Marechal Cândido Rondon, PR. E-mail:
[email protected].
3
Graduada em Pedagogia (licenciatura) pela Universidade Federal de São Carlos (1994). Doutora em Educação
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Docente adjunta na Universidade Estadual
do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Marechal Cândido Rondon. Líder do GEPEFOP - Grupo de
Estudo e Pesquisas em Formação de Docentes. Docente permanente no Mestrado em Ensino, na UNIOESTE,
campus de Foz de Iguaçu e no Mestrado em Ciências Ambientais, na UNIOESTE, campus Toledo. E-mail:
[email protected].
1474
Palavras-chave:
Concepções
epistemológicas.
Ensino
de
Geografia.
Equilíbrio
epistemológico. Diálogo cognitivo. Interação docente-conteúdo-discente.
INTRODUÇÃO
Apesar das diferentes perspectivas epistemológicas da Geografia, a maneira de ensinála aos discentes normalmente baseia-se na exposição do assunto feita pelo docente, além do
auxílio de recurso didático. Desta forma, uma das questões mais proeminentes desde o início
da graduação, está pautada em como tornar o ensino de Geografia mais atrativo e prazeroso
no âmbito de uma sala de aula atualmente, visto que esta disciplina é considerada enfadonha e
“inútil” por muitos discentes.
Entretanto, faz-se necessário conhecer as correntes epistemológicas da Geografia de
modo que se compreenda a relação existente entre as diferentes concepções teóricas desta
ciência e o modo operante de ensiná-la.
O conhecimento desta intrínseca relação entre teoria e metodologia de ensino motiva
este trabalho ao proporcionar uma análise bibliográfica das diferentes correntes teóricometodológicas da ciência geográfica, levando em consideração a arte de ensinar Geografia.
Entende-se que o docente precisa conhecer, fundamentalmente, o conteúdo que ensina,
ou seja, ter o domínio teórico e conceitual do campo específico do conhecimento, considerado
indispensável ao exercício docente. Todavia, é necessário saber ensiná-lo.
A compreensão exata do que seja ensinar é um elemento crucial para a concretização
do processo de ensinagem4. (ANASTASIOU, 2003). A autora nos adverte que o verbo ensinar
significa marcar com um sinal, em outras palavras, o despertar do conhecimento.
Ensinar é um ato que se fundamenta tanto na intenção de ensinar quanto na efetivação
da meta pretendida. Sendo assim, à prática social efetivada em sala de aula sugere-se englobar
tanto a ação de ensinar quanto a de apreender, fazendo com que a construção do
4
A expressão ensinagem é explicitada no texto de ANASTASIOU, L. G. C., resultado de sua pesquisa de
doutorado: Metodologia do Ensino Superior: da prática docente a uma possível teoria pedagógica. Curitiba:
IBPEX, 1998: 193-201. Este termo adotado designa uma situação de ensino da qual necessariamente decorra a
aprendizagem, sendo a parceria entre docente e discente, condição fundamental para o enfrentamento do
conhecimento.
1475
conhecimento escolar seja resultante de ações palpáveis e criativas.
Daí o porquê da
utilização do termo processo de ensinagem e não processo de ensino-aprendizagem.
Para o desenvolvimento deste trabalho optou-se pela pesquisa qualitativa com o uso da
técnica de estudo bibliográfico, visando conhecer as diferentes contribuições epistemológicas
da Geografia de tal maneira que se estabeleça uma relação entre o modo operante de ensinála. Além disso, pretende-se colaborar com a discussão sobre como preparar aulas atrativas e
prazerosas.
Nota-se que o discurso ideológico crítico atual propõe que as aulas carecem ser
dialogadas e dinâmicas e, consequentemente, ser condizente com a realidade vivenciada pelo
discente. Assim, Vesentini (1996) afirma que o ensino de Geografia, necessariamente há de
fazer o discente conhecer o mundo em que vive de modo consciente, não apenas
memorizando informações, mas compreendendo como os processos e as dinâmicas ocorrem
no espaço, desde a escala local até a mundial, tornando-se agente de transformação da
sociedade a partir deste entendimento da realidade.
Defende-se que para este entendimento acontecer, o docente necessariamente precisa
conhecer as correntes teóricas que compõem a disciplina geográfica, de modo a estabelecer
um equilíbrio epistemológico entre elas no momento de ensinar e fazer suas aulas.
Durante a participação no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID)5 notou-se que os discentes do Ensino Fundamental, principalmente nos anos finais,
procuram ao mesmo tempo adquirir conhecimento e desenvolver suas próprias opiniões. Este
fato indica a necessidade e o cuidado no processo de ensinagem adotado pelo docente, o que,
por sua vez, evidencia a seriedade deste estudo com intuito de minimizar as vicissitudes do
ensino da Geografia escolar.
As diferentes concepções epistemológicas atreladas a como ensinar Geografia serão
denominadas como abordagem mnemônica e abordagem cognitiva, sendo que ambas
desenvolvem diferentes análises sobre o espaço geográfico. Optou-se em analisar tais
concepções para que seja possível compreender a trajetória que perpassou a Geografia, e,
como se caracteriza o processo de ensinagem geográfico atualmente.
5
O PIBID é um programa do Governo Federal, financiado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior), cujo objetivo principal é incentivar a formação de docentes para atuar no Ensino
Básico, elevando a qualidade das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de docentes nos cursos de
licenciatura das instituições de educação superior. Inserindo os licenciandos no cotidiano de escolas da rede
pública de educação, o PIBID promove a integração entre educação superior e educação básica, visando integrar
novas práticas de ensino em Geografia.
1476
Por conseguinte, defende-se que as concepções teórico-metodológicas da Geografia
escolar relacionadas à abordagem cognitiva são importantes para o ensino geográfico
atualmente. No entanto, este estudo não intenta afirmar que a abordagem mnemônica deve ser
excluída do ambiente escolar, acredita-se que é necessário haver um equilíbrio epistemológico
entre as duas abordagens em prol de um ensino geográfico satisfatório, visto que, dificilmente
o docente consegue adotar apenas uma linha teórica no que se refere ao ensinar e apreender
Geografia.
Destaca-se que no ensino da Geografia escolar, tanto a descrição da natureza quanto o
conhecimento dos dados estatísticos se fazem necessários, desde que estejam correlacionados
à dinâmica social existente, refletindo a respeito da interação homem e natureza. Deste modo,
a abordagem mnemônica torna-se importante para o ensino da Geografia quando se encontra
em equilíbrio com a abordagem cognitiva.
BREVE HISTÓRICO DA GEOGRAFIA ESCOLAR NO BRASIL: CONCEPÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS E METOLOGIA DE ENSINO
Com o transcorrer do tempo a ciência geográfica vem sofrendo transformações,
especialmente em relação aos seus conceitos e na maneira de ser ensinada nas escolas, em
outras palavras, em sua abordagem teórico-metodológica.
Mesmo antes de sua institucionalização como ciência, ainda na Antiguidade, seu
conhecimento já estava sendo difundido no ensino, pois “[...] a noção de espaço já era uma
preocupação dominante” (CASTROGIOVANNI, 2007, p. 35). Apesar de se fazer Geografia
desde a Antiguidade – com os filósofos gregos –, o desenvolvimento das ciências em geral, e
especificamente da Geografia, acelerou a partir dos séculos XVIII e XIX, dando início à
dualidade entre Geografia Geral e Geografia Regional (PEREIRA, 1999).
Durante esse período, a ciência geográfica, assim como outras, sofreu influência da
expansão do capitalismo, desenvolvendo um ensino de Geografia carregado de função
patriótica. Torna-se pertinente ressaltar que “[...] tanto a Geografia moderna como o sistema
público de ensino são frutos do século XIX. Até essa época, as escolas, além de passarem um
saber extremamente elitista, estavam praticamente atreladas às instituições religiosas”
1477
(PEREIRA, p. 21). Assim, entende-se que o conhecimento geográfico começou a ser ensinado
na escola às classes dominantes porque era útil naquele dado momento histórico.
Segundo Melo, Vlach e Sampaio (2006, p. 2684),
A partir de sua inserção na escola, ela passa a ter uma função: mostrar por meio de
descrições, mapas com contornos do país e da observação direta do meio
circundante o próprio Estado-Nação, valorizando-o e criando laços de respeito e
dedicação à imagem da pátria, para que, se fosse preciso, se lutasse/guerreasse por
ela. Assim, a Geografia oficializou-se nas escolas com o objetivo de formar o futuro
patriota/soldado.
No Brasil, observa-se que o ensino de Geografia inicialmente encontrava-se centrado
na exaltação do patriotismo, em outras palavras, teve por objetivo “Definir e produzir uma
‘ideologia patriótica e nacionalista’ (...) na escola” (OLIVEIRA, 1998, p. 135).
Rocha (1998, p. 1) afirma que “A presença da disciplina Geografia no currículo
escolar brasileiro já é bastante antiga”. Segundo o autor, o aparecimento da Geografia como
disciplina autônoma no currículo escolar brasileiro pode ser identificada a partir de 1837, com
a criação do Imperial Colégio de Pedro II, localizado no Rio de Janeiro. Esta instituição
serviria como padrão de ensino para o restante do país, além de atender apenas as elites
brasileiras da época.
Ressalta-se que o modelo de organização escolar brasileiro, bem como a delimitação
dos conteúdos tomados pelas disciplinas, foi transplantado da França. “A Geografia escolar
que passou a ser ensinada no Brasil (mas não só ela) reproduziu quase que na íntegra o que
estava sendo estudado nos liceus franceses” (ROCHA, 1996, p. 2).
De acordo com Melo, Vlach e Sampaio (2006), o conhecimento geográfico, até então,
não era produzido e reproduzido por geógrafos nas universidades, visto que a produção desta
ciência estava se iniciando. O ensino de Geografia apresentava-se, quase que exclusivamente,
voltado para as descrições das paisagens naturais pertencentes ao território nacional,
valorizando os aspectos do nacionalismo para engrandecer as bases do Estado-Nação. Desse
modo, eram os próprios docentes das escolas que realizavam o ensino geográfico.
O ensino da Geografia escolar estava sendo desenvolvido por meio da abordagem
mnemônica, também chamada de Geografia Tradicional, utilizando-se de técnicas de
memorização de inúmeras informações distantes da realidade do discente. “Este modelo de
ensino permaneceu quase inalterado até a década de 1930” (MELO; VLACH; SAMPAIO,
2006, p. 2686-2687). Nesse sentido, a ciência geográfica encontra-se amparada por
paradigmas que dão suporte em suas formulações e concepções geográficas.
1478
O determinismo e o possibilismo são as linhas teóricas que alicerçam esta abordagem
teórico-metodológica, as quais estruturam as fundamentações do pensamento geográfico.
Observa-se que a abordagem mnemônica herda das linhas supracitadas o pensamento que
constitui a ciência geográfica, visto que, tanto o determinismo quanto o possibilismo não
consideravam o homem como um ser social, que mantinha relações sociais construídas
historicamente (COSTA; ROCHA, 2010).
Diante disso, Leal (2009) afirma que a Geografia não era uma disciplina escolar de
grande relevância, tida como secundária. Somente após a década de 1930, quando teve início
a organização de cursos universitários nas principais cidades do país, a Geografia passou a ser
“[...] obrigatória em todas as séries para disseminar o patriotismo” (LEAL, 2009, p. 3).
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica – DCE (2008), os
assuntos que mais tarde constituiriam parte do conhecimento disciplinar da Geografia –
comércio, formas de poder, organização do Estado, produtividade do solo, recursos minerais,
crescimento demográfico, representação dos territórios e suas extensões, etc. –, tornaram-se
preocupação dos Estados, das sociedades e de pensadores, interessados por diversas razões no
conhecimento do espaço geográfico.
Dantas e Medeiros (2008) frisam que a institucionalização da Geografia científica no
Brasil e a sua produção pelos institutos oficiais e pelas universidades apenas ocorreu na
década de 1930. Antes desta data, não é possível pensar em uma Geografia científica no
Brasil.
Neste período, a institucionalização acadêmica da Geografia no Brasil possibilitou
maior abrangência teórico-metodológica dessa disciplina, pois o ensino geográfico passou a
ser realizado em nível superior desdobrando-se para a formação de pesquisadores. A
oficialização da Geografia no país permitiu que essa disciplina fosse ensinada por docentes
licenciados, alegam Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009).
No entanto, mesmo o ensino de Geografia ganhando destaque por meio da
institucionalização desta ciência nas universidades e também pela criação de instituições
como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e a Associação dos Geógrafos
Brasileiros – AGB (ambas criadas em 1934), ela “[...] continuava a ser uma ciência de
enumeração e nomenclatura”, argumenta Leal (2009, p. 3). Esta institucionalização foi
baseada nos pressupostos da escola francesa, a qual exerceu fortes influências nas abordagens
teórico-metodológicas da Geografia e, consequentemente, em seu processo de ensinagem.
1479
Assim, ao longo de sua afirmação como disciplina escolar, a Geografia e seu ensino
eram estudados por meio da abordagem mnemônica, onde se desenvolvia uma instrução
geográfica descritiva, enciclopédica, fragmentada, com listas de informações que deveriam
ser memorizadas. Portanto, se caracterizava por um ensino distante da realidade do discente.
Moura e Alves (2002, p. 312) acrescentam que,
Esta Geografia que vai ocorrer no país até a década de 1960 teve uma forma de
trabalhar essencialmente descritiva, com o intuito de conhecer as características e
problemas do território nacional, o que acabou se estruturando nas universidades na
mesma linha metodológica.
Os livros didáticos constituíam os principais documentos que sustentavam e
discerniam o ensino de Geografia, exercendo a função pedagógica e metodológica do ensino
da época. Os documentos deste período confirmam a forma que se atribuía ao ensinar e
aprender Geografia.
Sobre este assunto, Melo, Vlach e Sampaio (2006, p. 2686) escrevem que,
[...] do livro de Aires de Casal, “Corografia Brasílica” (1817), “a memorização de
fatos e fenômenos desprovidos de significados” foi copiado por vários autores de
livros didáticos durante o século XIX. No século XX, manteve-se, de maneira geral,
a mesma concepção quanto ao método de ensinar Geografia. Como exemplo, temos
o livro de Cláudio Thomas “Geografia: curso elementar”, editado em 1947,
composto por 390 questões de perguntas e respostas com “conteúdo essencialmente
decorativo”.
A Abordagem Mnemônica no ensino de Geografia centra-se na mera exposição de um
conjunto de conteúdos (físicos, humanos e econômicos) de forma desarticulada,
desconsiderando a relação existente entre si. Nessa linha de trabalho, o docente descreve e
explana os fenômenos (sociais, políticos, econômicos, culturais ou naturais) sem uma devida
contextualização que analise esses aspectos em relação ao espaço em que o discente está
inserido.
Com o decorrer do tempo, essas formulações já não eram mais suficientes para
explicar as constantes transformações ocorridas no mundo, especialmente no final da década
de 1950 e início de 1970. Diante disto, uma tentativa de rompimento da abordagem
mnemônica ocorreu. Moura e Alves (2002, p. 312), escrevem que esta tentativa culminou
“[...] principalmente pela necessidade de estudos para embasar o planejamento e a realização
de grandes empreendimentos da época”. Segundo esses autores, esta tendência inovadora na
forma como era realizada e ensinada a Geografia teve uma duração efêmera, porém, com
adeptos até os dias de hoje. Tal concepção, conhecida como Nova Geografia ou Geografia
Teorética-Quantitativa, exerceu grande influência no processo de ensinagem em Geografia.
1480
A respeito da chamada revolução Teorética-Quantitativa na Geografia Cassab (2009,
p. 45), lembra que esta linha ideológica baseava-se no positivismo-lógico e no raciocínio
hipotético-dedutivo, sendo que “[...] essa nova Geografia emergia da crítica à Geografia
clássica, considerada pelos geógrafos teoréticos-quantitativos um conhecimento meramente
descritivo e incapaz de oferecer leis universais que explicassem os fenômenos”.
Assim, a Nova Geografia impôs formas diferenciadas de pensar o espaço, modificando
a forma de ensinar Geografia nas escolas, utilizadas até os dias atuais.
De acordo com as DCE (2008), essa corrente de pensamento geográfico desenvolveuse em meados do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, em função das mudanças do
sistema produtivo capitalista que alteraram a ordem mundial dos pontos de vista político,
econômico, social e cultural.
Conforme Cavalcanti (1998), após esse período, aconteceram algumas reformulações
na ciência geográfica que levaram a significativas mudanças no campo do ensino de
Geografia, e assim, como acontecia na ciência, o ensino calcado na Geografia Tradicional
também denunciava sua fragilidade. Nesse sentido, alguns pesquisadores propuseram o ensino
de uma Geografia com fundamentos críticos.
“No Brasil, o movimento de renovação do ensino de Geografia faz parte de um
conjunto de reflexões mais gerais sobre os fundamentos epistemológicos, ideológicos e
políticos da ciência geográfica, iniciada no final da década de 70” (CAVALCANTI, 1998, p.
18-19). Embasada nestes pressupostos, surge a Geografia Crítica (na qual Milton Santos é
figura fundamental6) - que propõe romper com a ideia da pseudoneutralidade científica -,
articulando e discutindo sobre os graves problemas da sociedade de forma que se analise e
compreenda a verdadeira causa das injustiças sociais ocorridas no mundo.
Este movimento renovador no âmbito da ciência geográfica surgiu a partir do ensejo
de amenizar as problemáticas que o ensino de Geografia vinha sofrendo, de modo a avançar
numa crítica contundente à forma como a Geografia estava sendo trabalhada e discutida nas
escolas.
Também teve como objetivo, desenvolver o comprometimento do ensino de Geografia
com as questões que se desenrolam no espaço e na sociedade de maneira inter-relacionada e
dialética. Na essência destas modificações teórico-metodológicas na Geografia, verifica-se a
6
O autor desenvolveu críticas à Geografia Tradicional e Teorética-Quantitativa.
1481
produção de livros didáticos de maior qualidade, aumento das publicações acadêmicas sobre o
ensino e, simultaneamente, da formação docente.
Cabe ressaltar que, conjuntamente à Geografia Crítica há necessariamente de ocorrer à
adoção da abordagem cognitiva, visto que esta abordagem procura se afastar das acepções
tradicionais atribuídas ao ensino de Geografia. Mizukami (1986, p. 59) destaca que “Uma
abordagem cognitivista implica, dentre outros aspectos, se estudar cientificamente a
aprendizagem como sendo mais que um produto do ambiente, das pessoas ou de fatores que
são externos ao aluno”.
De acordo com a autora, esta abordagem é predominantemente interacionista; em
outras palavras, há a interação entre os sujeitos da sala de aula (docente-discente), considerada
fundamental para que haja efetivamente o processo de ensinagem. Nesse sentido, o discente é
visto como ativo no processo, não podendo ocorrer efetiva aprendizagem sem haver a
interação entre docente-conteúdo-discente.
Ao contrário da abordagem mnemônica, em que o discente é visto como uma tabula
rasa, sem conhecimento algum, na abordagem cognitiva o discente é considerado como um
sistema aberto, com conhecimentos pré-concebidos e com capacidades distintas de aprender
(MIZUKAMI, 1986). Nesse sentido, a Geografia Crítica trouxe diferentes maneiras de se
estudar e ensinar Geografia no Brasil.
Entretanto, estas mudanças teórico-metodológicas não ocorreram de forma rápida. A
ruptura brusca de como estava se ensinando a Geografia e a entrada imediata dessa nova
reformulação do pensamento geográfico no processo de ensino foi gradativa ao longo dos
anos.
Kaercher constata em seu livro “Se a Geografia escolar é um pastel de vento o gato
come a Geografia Crítica”, que a Geografia Crítica, infelizmente, era e é “um sonho a
perseguir” (2014, p. 23-24). Mediante as observações em sala de aula da prática de 10 (dez)
professores da Rede Pública de Ensino de Porto Alegre (RS), o autor conclui que, “Fica
patente a relativa ausência das categorias e das reflexões espaciais nas aulas observadas. A
Geografia parece um pastel de vento: boa aparência, mas conteúdo e abordagem parcos”
(KAERCHER, 2014, p. 108-109).
Segundo o autor, nas aulas de Geografia o ensino se dilui em infinitos temas
interessantes, porém, não há diálogo cognitivo entre professor e aluno, um ignora o outro num
jogo de tarefas mecânicas, sem reflexão entre os temas em relação ao espaço vivido do aluno
1482
e as categorias geográficas. Poucas aulas são expositivas e as informações são dadas soltas e
isoladas (KAERCHER, 2014).
Durante as observações da prática docente de uma professora do Ensino Fundamental
e Médio (EFM) do município de Marechal Cândido Rondon (PR), ao longo de
aproximadamente 01 (um) bimestre, em duas turmas de 9° anos, notou-se que a metodologia
de ensino esteve pautada na aula expositiva (teórica-dialogada) por meio do uso maciço do
Livro Didático. Apesar de ocorrer diálogo entre docente e discente na sala de aula, este era
pouco reflexivo cognitivamente, ou seja, fazia-se uma Geografia denominada por Kaercher de
pastel de vento.
Diante destes fatos, Kaercher (2014, p. 88-89) alega que,
Parece claro, que na tentativa de superação da Geografia Tradicional em direção a
uma Geografia diferenciada (a GC) perderam-se alguns recursos e habilidades
didáticos básicos: o mapa, o quadro, o hábito de os alunos escreverem no caderno, a
observação e a descrição das paisagens. Confundiu-se, erroneamente, tais tarefas
como sendo necessariamente “negativas” porque identificadas à GT. Em nosso
entendimento não se trata de eliminar esta ou aquela técnica ou recurso, mas sim
usá-lo de forma que explorem melhor as potencialidades de cada material e,
sobretudo, dialoguem de forma criativa e estimulante com os alunos.
Analisando as Geografias existentes e correlacionando-as ao ensino escolar, nota-se
que, em defesa de uma Geografia Crítica, muitos aspectos positivos se perderam no meio do
caminho do que é chamado de Geografia Tradicional. Assim, defende-se a necessidade de um
equilíbrio epistemológico no ensino da Geografia escolar na tentativa de buscar a melhoria da
aprendizagem do discente e a construção de um diálogo efetivamente cognitivo entre docenteconteúdo-discente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O debate teórico-metodológico em torno da Geografia ensinada foi se ampliando e se
alterando com o decorrer do tempo, expandindo a discussão acerca do ensino desta ciência.
Surge daí a preocupação em explicar as origens de cada corrente teórica e sua influência na
prática docente desta matéria e, consequentemente, no conteúdo escolar.
Em virtude dos argumentos mencionados, fica evidente a necessidade do
conhecimento das diferentes correntes epistemológicas da Geografia para a realização de um
ensino geográfico escolar significativo e condizente com a realidade vivida, onde exista
1483
efetivamente o diálogo cognitivo e epistemológico entre docente e discente, fornecendo
sentido prático na vida do educando.
A abordagem cognitiva, aqui entendida como Geografia Crítica, trouxe diversos
slogans, palavras de ordem e ótimos propósitos, porém, lamentavelmente, sua
operacionalização no âmbito da sala de aula fragilizou-se, tornando-a confusa, retirando o
papel protagonista do docente, fazendo com que ele deixe de professar em nome da
democracia (aqui entendida como ausência de regras claras) no ambiente de ensino.
Isto é consequência de uma má interpretação? Talvez, sim. Sabemos que uma teoria
sozinha não é a “solução” dos problemas educacionais. Assim, considera-se ingênua aquela
desnecessária discussão onde se afirma ser ou não sectário dessa ou daquela corrente teórica,
ao invés de se arriscar harmonizar os aspectos positivos de cada uma delas.
Defende-se a necessidade de um equilíbrio epistemológico entre as abordagens
mnemônica e cognitiva, evitando cair na ilusão da “perfeição ideológica”, defendendo “com
unhas e dentes” que a linha teórica x ou y é a correta ou proporciona melhores métodos de
ensinamentos. Isto não é ciência. É dogmatismo. Por este motivo este estudo visa ser
consultivo, e não prescritivo. Portanto, está aberto para discussões, fato que enriquece a
prática docente e multiplica o conhecimento.
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