O que é Certeza Carlos Aurélio Mota de Souza SUMÁRIO: 1. A

Propaganda
O que é Certeza
Carlos Aurélio Mota de Souza
SUMÁRIO:
1. A evidência objetiva.
2. Significado do
termo Certeza. 3. Classificação dos tipos de Certeza. a. Certeza necessária.
b. Certeza livre. c. Certeza natural. d. Certeza científica.
e. Certeza
metafísica. f. Certeza física. g. Certeza moral. h. Certeza jurídica. 4.
Conclusões.
Certeza é um tema filosófico e especificamente de gnoseologia, ou seja,
pertinente à Teoria do Conhecimento, como o homem conhece as coisas da natureza e as
próprias idéias.
A certeza é um conhecimento objetivo, mas apresenta gradações e espécies.
Neste estudo queremos associá-lo ao conhecimento jurídico, especialmente ao do Juiz.
Quando se fala do livre conven-cimento do Juiz, a convicção é um conhecimento e uma
certeza; o Juiz conhece os fatos, as provas, interroga as partes, as testemunhas, ouve peritos e
este conjunto de informações é que sustentam sua convicção, e plasmam seu conhecimento;
se ele não se apropriar intelectivamente do universo do thema decidendum, ele não terá
certeza e, portanto, a sentença não trará segurança.
Por isso, este tema, embora filosófico, está intimamente ligado ao problema da
Segurança Jurídica; porque a sentença, uma vez transitada em julgado, nada mais é do que
uma certeza, ao menos sob aquele aspecto particular do Direito, que envolve duas ou mais
pessoas na relação jurídico-litigiosa. Portanto, embora seja um tema teórico, está diretamente
implantada na realidade que é a questão do convencimento do Juiz.
Então, podemos dizer que todo julgador, assim como qualquer homem
medianamente instruído, tem uma forte tendência dogmática a superar um estado de dúvida e
buscar a tranqüilidade da certeza, que é um estado perfeito da mente em relação à verdade;
mas tem, ademais, forte tendência crítica a possuir ou alcançar a verdade e a certeza, porém
com motivo válido, ou seja, com fundamentação.
Sabemos quanto é importante o Juiz fundamentar sua convicção, pois se este não
explicar por que condenou uma pessoa e absolveu outra, acusadas do mesmo fato, essa
sentença pode ser nula, pois a motivação convincente é a base da decisão, embora os motivos
não façam coisa julgada, o que será objeto de apreciação, mais adiante.
O que é Certeza
2
1. A evidência objetiva
O Juiz não trabalha com a existência da certeza, mas busca o motivo primordial
da certeza, qual o fator essencial, necessário, imprescindível, último e universal que a
determina. Esta causa última é a evidência objetiva. Evidência deriva de ex-videre (ver para
fora), aquilo que vemos através dos sentidos. O mundo, as coisas que nos rodeiam entram
para o nosso conhecimento através dos sentidos. Daí todo um processo de classificação, de
apuração, mas esse é o processo de apreensão das coisas. Então, evidência objetiva é aquilo
que se vê fora, objetivamente.
A Filosofia que está sendo apresentada é aristotélico-tomista, refutada por
muitos. Mas, hoje, prestigiosos juristas e filósofos voltam-se a ela para mostrar que não se
pode fugir da natureza das coisas e da natureza do homem. Este é mais um convite à
meditação, voltarmos a repensar os nossos conceitos e buscar na natureza humana, não nas
idéias puras, as razões últimas do Direito e mesmo do Estado.
O fundamento do Direito não está no Estado e sim na natureza, nem tampouco
em algum gênio que por aqui passou. Hitler teve idéias. E as nazistas ... deram no que deram.
A sabedoria aconselha retornar ao realismo aristotélico e ao idealismo platônico,
pois não se contradizem. O caminho que vai é o mesmo que volta. Alguém, por exemplo,
possui um terreno, muito bonito, à margem de uma rodovia, acidentado, cheio de pedras, com
uma belíssima queda dágua. Sonha erguer ali uma casa, aproveitando as pedras e a cascata,
sem alterar a natureza. Chama um famoso arquiteto e ordena: "Desejo construir uma casa
neste sítio, sem retirar uma única pedra, aproveitando integralmente a paisagem".
O arquiteto vai ao local, fotografa, estuda, vê, sobe e desce, retorna para seu
estúdio e principia a meditar. A idéia tarda, sai de férias para se inspirar. De repente, o insight:
senta e desenha, com base nas fotos, um projeto todo original, não tocando nas pedras e
aproveitando a cachoeira. Apresenta-o ao proprietário e este o aprova; chama um engenheiro,
que vai ao local e constrói a casa conforme o projeto.
O que aconteceu? Dois caminhos foram percorridos: o da realidade da natureza
para as idéias, das fotografias ao projeto; e o do projeto para a realidade da obra construída.
Assim é a experiência jurídica, como na vida humana. Nada fazemos sem idéias,
como também não as deixamos no espaço, mas as concretizamos com nossas ações. Então, as
duas atitudes humanas, meditação e ação, se interligam reciprocamente: uma exige a outra e
ambas se complementam. Portanto, tudo na vida é planejado e executado segundo a realidade.
Quem sai construindo casas na areia vê-las-á ruir água abaixo...
Então, esta evidência objetiva é muito importante ao conhecimento porque a
evidência já é conhecer.
Por exemplo, quando se olha para fora e se vê que está claro, o sol brilhando,
não temos dúvida em dizer que agora é dia. E à noite, quando está tudo escuro, não
O que é Certeza
3
duvidamos que não é dia, mas sim noite. É uma evidência objetiva, pois a natureza se conhece
através da evidência. O ex-videre, portanto, é um dos fundamentos básicos da certeza.
2. Significado do termo Certeza
O termo certeza deriva do verbo latino cernere, que significa "ver claro",
"discernir", com o sentido real de “firme assenso da mente à verdade conhecida, sem medo de
errar". 1 É um firme assentimento ou concordância da mente com a verdade.
Esse sentido real, de um ponto de vista positivo, encontra no Sujeito a firmeza e
a determinação da mente em se opor à dúvida; e da parte do Objeto, a evidência objetiva do
enunciável.
A certeza afasta a dúvida, e da parte do Objeto, daquela coisa que está sendo
vista, desvelada: a evidência objetiva do enunciável. Se vemos que é dia, por exemplo,
podemos fazer um enunciado. Então, da parte do Objeto, a evidência é objetiva daquilo que
vou falar: "agora é dia". O Objeto me dá certeza pela evidência objetiva, pela firmeza da
minha afirmação.
Pode-se, pois, definir a certeza como a adesão firme da mente a um enunciável
evidente; tudo aquilo que pode ser enunciado, definido, apontado. 2
De um ponto de vista negativo, a certeza exclui o medo de errar. E do ponto de
vista positivo, vimos, ela exclui a dúvida; ela afirma com evidência. Ora, o medo é uma
faculdade sensitiva, intelectual; a inteligência não teme, apenas pensa na possibilidade do
erro, e causa medo na parte apetitiva, ou seja, na vontade. A inteligência quer acertar; então, a
possibilidade de não acertar causa medo na parte da volitiva; o homem não sabe decidir se faz
ou não faz, se quer ou não quer.
Mas esta questão não é da razão, é da vontade. Portanto, a evidência objetiva é,
para a certeza, uma causa eficiente, noética (Nous = ser), ou seja, primordial, necessária,
imprescindível (motivo essencial) é aquilo que dá essência às coisas; pode haver outros
motivos, mas não serão essenciais.
A evidência objetiva é o motivo essencial da certeza, porque a perfeita atuação
da mente, como faculdade visiva e necessária, não pode resultar senão pela evidência
objetiva.
1. Stanislaus LADUSÃNS, S.J. Gnosiologia Pluridimensional. Um Tratado Filosófico sobre
os Fundamentos Fenomenológico-críticos da Ciência Consciente (1980), p. 74; cf.
também, do mesmo autor, Humanismo Pluridimensional (1974).
2. Neste ponto é bom lembrarmos quão importante é distinguir verdade e certeza, pois não
se confundem; enquanto a verdade é a conformidade da inteligência, que julga, com a
coisa, a certeza traduz a firmeza da mente, que resulta daquela conformidade ou
julgamento evidente. Descartes foi o primeiro filósofo que identificou certeza com
verdade, posteriormente a Aristóteles e a Santo Tomás, que a distinguem.
O que é Certeza
4
A certeza é a perfeita atuação da inteligência, porque não a possuindo, a
inteligência, insatisfeita, a procura; e possuindo-a, permanece satisfeita e tranqüila (Eu existo;
2+2=4; Franca fica ao norte de São Paulo...). A inteligência quer certeza no conhecimento das
coisas.
Quando tomamos contato, à primeira vez, com alguma coisa estranha, temos
curiosidade de saber. Por que as crianças tanto perguntam? porque têm apetite de conhecer e
aprender. É a inteligência que as leva a fazer perguntas; é a perfeita atuação da inteligência.
Possuindo esta certeza, a mente se sente satisfeita e tranqüila.
Por exemplo, a dúvida existencial: “eu existo?”
Se conseguirmos responder, ficamos tranqüilos, pois temos a certeza de que
existimos. Há coisas que são evidentes por si mesmas. Esta evidência objetiva é que dá a
certeza para que a inteligência fique tranqüila e não se questione.
Quando o Juiz não se dá por satisfeito, pergunta, repergunta, manda fazer
diligências, abre instruções, enfim, utiliza-se de todos os poderes que tem para alcançar a
verdade.
Quantos juízes não passam por este dilema: "Bem, alguma coisa está
acontecendo, não estou convicto, vou fazer diligências, determinar nova perícia...". Isto
porque não há uma evidência objetiva. No crime, a incerteza é causa de absolvição, devido à
ausência de evidência objetiva.
A inteligência é uma faculdade visiva porque não afirma nem nega sem ver
antes. Por exemplo, qual o número de estrelas no céu? é par ou é ímpar? não afirmo nem
nego, porque intelectualmente não consigo contar. É uma evidência.
Dizemos: "O homem é um animal racional". Afirmamos que é assim porque
vemos que os outros animais não são racionais; podem até ter um certo grau de percepção,
que não poderíamos chamar de inteligência, são espertos, instintivos, mas não inteligentes.
Se dizemos "o homem macaco existe", podemos negar isto porque vemos que o
homem não é assim.
Inteligência, que deriva de intus-legere, significa "ver dentro". Quando a
evidência nos dá os elementos, a inteligência elabora aquela visão interior.
A inteligência é também uma faculdade necessária porque, ao descobrir um
ente, não pode deixar de julgar, pois não é livre como a vontade. Na vontade podemos optar:
quero ou não quero; mas a inteligência não é livre neste aspecto.
A inteligência, quando vê algo, tem de julgá-lo, conhecê-lo, compreendê-lo; isto
é o apetite intelectual. O homem é um animal feito para conhecer as coisas. Portanto, a
inteligência não pode não julgar; ela tem de ir a fundo, e lá, tem de dar uma resposta.
Para concluir, a evidência objetiva é o motivo último da certeza; a verdade,
evidentemente conhecida, faz que julguemos as coisas com certeza; o erro não o pode fazer,
pois é uma certeza falsa, muitas vezes subjetivista, que não tranqüiliza a mente.
O que é Certeza
5
Às vezes aprendemos coisas, mas ainda ficamos em dúvida e dizemos: "vou
pesquisar melhor, investigar, aprofundar"; parece uma certeza, não é muito evidente, objetiva.
Então, o erro não pode dar certeza. Sobre o erro não se pode construir uma sentença, por
exemplo, pois como tal será anulada, reformada, e se transitada em julgado, será sempre
considerada injusta.
Portanto, uma Certeza genuína, autêntica ou formal existe e o motivo é a
evidência objetiva. Essa é a conclusão a que podemos chegar: motivo da causa.
Sempre se procura explicar as coisas pelas causas. Então, motivo ou motivação
são as causas de algo ser desta ou daquela forma. O motivo último é a evidência objetiva.
3. Classificação dos tipos de Certeza
Agora vamos entrar no estudo de uma classificação da certeza, as espécies de
certeza que podemos alinhar, dentro da Teoria do Conhecimento.
a. Certeza necessária
Certeza necessária é aquela que não sofre o influxo da vontade. A inteligência
examina os motivos, julga e dá assentimento ao enunciável; como faculdade necessária, a
certeza não pode negar-se a julgar, ou seja, é necessário julgar.
É o que ocorre permanentemente com o Juiz. O Juiz não pode deixar de julgar,
pois se não encontrar solução na lei, vai preencher a lacuna, ou por analogia, princípios gerais,
costumes ou até mesmo por eqüidade. Mas tem de decidir, porque a sentença é necessária, a
função do Juiz é necessária, essencial à Justiça.
"O homem é imortal" é um enunciado e a inteligência não pode deixar de julgar:
é imortal ou não é? "O mundo existe" é uma afirmação, julgamos isto: existe ou não existe?
Lembramos aqui os primeiros princípios da lógica. O primeiro enunciado: o ser
existe ou não existe, o ser é ou não é, uma coisa é ou não é. Uma caneta é ou não é uma
caneta. Se escrevo e verifico pelas circunstâncias que o objeto responde ao conceito de caneta,
afirmamos que é uma caneta, que ela existe; logo, a não-caneta não existe.
Poderíamos exemplificar com o problema do mal. O que existe é o bem. O mal,
como ser, não existe. O mal é o não-bem, aquilo que se deixou de fazer ou que se fez com
erro.
O problema do nada: se os seres existem, o nada não existe. Uma Filosofia
como a de Sartre, que se baseia sobre o nada é vazia, é uma literatura, uma novela. O nada não
existe. Se desligarmos o interruptor da luz, ficaremos no escuro como se fosse noite. Não quer
dizer que as trevas existem; o que existe é a ausência de luz. Na verdade, o que existe é o
positivo. E se fizermos bem esta distinção, muitos problemas de ordem prática e da vida
pessoal humana se resolveriam.
O que é Certeza
6
b. Certeza livre
Corresponde ao influxo da vontade em auxílio da inteligência. Pode exercer
influência direta e próxima, como em muitos cientistas que descobrem uma vacina mas têm
dúvidas: "Será que funciona?".
A inteligência teme, não tem certeza absoluta, mas a vontade a incita a ir
adiante.
Então, esse influxo ou influência da vontade sobre a inteligência é legítimo:
primeiro, para que a inteligência aceite aquilo que é evidente e não fique em dúvida; e
segundo, porque o homem é pessoa concreta, é um eu total que julga, não apenas com a
inteligência, mas com todas as suas aptidões, como a vontade e a liberdade.
Não é só a inteligência que age, que atua, mas também a vontade. O Juiz,
quando decide condenar, quando toma a decisão que foi iniciada pela inteligência, pelo estudo
das provas, ele tem dúvidas, mas como tem de decidir, ele diz: "Eu quero condenar", ele
afirma sua decisão, isto é influxo da vontade. Essa decisão é a última palavra da vontade;
pode haver o auxílio da intuição, mas como ele é independente, livre, pode absolver ou
condenar, segundo sua alta prudência.
Portanto, não é somente a inteligência que julga, mas todo o ser humano com
todas as suas virtudes intelectuais e espirituais.
c. Certeza natural
Um terceiro tipo é a certeza natural, também chamada vulgar ou direta: ela
existe quando se conhecem os motivos, que excluem o medo de errar: está no plano da
espontaneidade intelectual; promana espontaneamente da natureza da inteligência, que é
conhecer conforme o real; a realidade é, talvez, o mais simples dos tipos de certeza, é uma
certeza direta, também objetiva.
d. Certeza científica
Um quarto tipo de certeza é a científica: é o conhecimento explícito e distinto
dos motivos, e também pode responder diretamente às dificuldades contrárias à certeza. De
um lado é o conhecimento que a inteligência elaborou, conhecendo as causas, os motivos; e
de outro, é esse poder, faculdade de responder às dúvidas contrárias à certeza.
É o método demonstrativo: primeiro se afirma e depois se nega aquilo que é
contrário; método dialético do afirmo, nego, concluo.
A diferença entre a certeza natural e a científica está no modo de conhecimento.
A certeza científica é mais perfeita e a natural, menos perfeita; mas ambas são autênticas e
genuínas. A certeza científica acrescenta à certeza natural a passagem do "claro-confuso" para
o "claro-distinto". Ou seja, a certeza científica traz clareza ao conhecimento.
O que é Certeza
7
Outro aspecto a valorizar em relação a estas duas certezas é o senso comum,
expressão corrente, mas esquecida e não usada por falta de aprendizagem. O "senso do gênero
humano" promana da mesma natureza da inteligência. Poderíamos chamá-la de intuição,
talvez, mas intuição coletiva. E o bom senso é fundamental para operar com o Direito.
Neste campo da certeza natural e científica entra o senso comum. O cientista,
quando observa seres microscópicos, seu senso comum mostra que é um micróbio, uma
célula, ou uma célula envolvendo um micróbio. É o senso comum da observação, um óbvio
que vem de dentro de nós, (não o que vem de fora, da natureza), está muito próximo da
intuição. A intuição é uma luz fugidia, mas o bom senso é de todo momento.
O senso comum é esta cultura informe que existe em todas as pessoas
medianamente educadas e que sabem como os fenômenos se verificam. No Direito pode ser
aplicado ao aforisma quod plerumque accidit...
e. Certeza metafísica
A certeza metafísica tem por motivo a necessidade absoluta, transcendental,
superior a tudo, com exclusão de qualquer contraditório; porque, se existe algo de absoluto e
opusermos um contrário a ele, deixa de ser absoluto e seria impossível; se é absoluto, se existe
algo absoluto, é absoluto em si e, portanto, não existe outro; logo, é uma necessidade absoluta
com exclusão do contraditório.
Necessidade absoluta é o que é assim, desta forma, e não pode ser nunca de
outra maneira diferente; promana das relações primeiras das coisas com base na essência
destas.
Absolutamente impossível é a contradição ou a repugnância interna tal que, em
nenhuma hipótese, pode se realizar. A certeza metafísica, é, portanto, plena e perfeita.
Por exemplo, se afirmamos que todo o contingente contém a sua causa, ou que
Deus existe, é uma certeza absoluta; se afirmamos que o homem é um animal racional,
diferente dos demais, é uma certeza absoluta, que não admite contrário.
Esta certeza é metafísica porque transcende; além de tudo é uma idéia perfeita de
que o homem, sendo racional, é diferente dos outros. Pode ser que haja pontos comuns, mas
serão pontos comuns apenas naturalmente (das leis físicas).
Então, a certeza metafísica, por não admitir o contraditório, é absoluta e
necessária.
A palavra necessidade tem na Filosofia conotação muito específica: necessário é
aquilo que é e não pode deixar de ser. É indispensável. Necessidade é termo de aplicação
filosófica precisa.
f. Certeza física
O que é Certeza
8
Tem por motivo a necessidade física, que é a determinação a algum modo de
agir; promana da natureza física das coisas, segundo as leis físicas.
Natureza física é a natureza em ordem às operações das coisas entre si. A certeza
física é suficiente e autêntica, mas hipotética. Por exemplo, se lançarmos um livro ao fogo, ele
se queima; um objeto lançado no espaço cairá; Pedro, tentando caminhar sobre as águas,
afundará...
A certeza física é suficiente, autêntica; pois pode não se realizar; se eu não jogar
o livro ao fogo, ele não queimará etc.
g. Certeza moral
Seu motivo é a necessidade moral, que tem por fundamento o modo humano de
agir. A certeza moral é suficiente e autêntica; mas também hipotética: tem, como condição,
que a vontade livre não viole a lei moral.
Não matar, não mentir, não roubar, são leis morais. Então, a necessidade moral
está fundada nas inclinações primeiras da natureza racional e promana das leis morais, como
conjunto das inclinações naturais. Que inclinação é esta? Fazer o bem e evitar o mal.
Podemos fazer o mal, mas ele é um desvio na prática do bem. No Direito entra o
problema da intenção, se foi culpa ou dolo. De qualquer maneira, a tendência natural no
homem é fazer o bem.
Ela é hipotética também porque, se não fizermos o mal, se não transgredirmos a
lei moral, não há transgressão. Se fizermos, estamos transgredindo. Mentir, passar cheque sem
fundo, fazer contrato fraudulento, são expressões da vontade humana contra as leis morais.
A distinção entre Moral e Direito é difícil porque são extraordinariamente
semelhantes, implicando-se mutuamente: não é possível ser Homem moral sem ser justo; não
se pode ser Homem justo sem o sentido moral.
Embora distintos, Moral e Direito se assemelham, por causa de sua origem
comum: Luis Vela Sanchez 3 opta por uma terminologia especial, chamando Ética à Filosofia
prática, às ações especificamente humanas, e ético o homem responsável pelos seus atos, e
cujos efeitos lhe são imputáveis.
A Ética não é senão Moral + Direito. Da Ética constam sempre dois elementos:
um, pessoal, subjetivo, o sujeito que as realiza; e outro objetivo, a ação mesma, que é uma
objetivação ou concreção da vontade. Toda ação é sempre espiritual-corporal; mesmo um
puro desejo se realiza com o instrumento do nosso corpo; uma coisa é o desejo, outra o objeto
desejado. A Ética trata, portanto, das ações humanas em dois campos, subjetivo e objetivo:
assim, Moral é a Ética vista sob o aspecto subjetivo-objetivo (ESO); e Direito é a Ética vista
sob o aspecto objetivo-subjetivo (EOS).
3. Anotações de aulas de Filosofia do Direito na Facultad de Derecho de la Universidad
Pontificia Comillas de Madrid (1989-1991).
O que é Certeza
9
O que ocorre, então, é que a Moral acentua o aspecto Subjetivo e o Direito, o
Objetivo; a acentuação da Moral é o Subjetivo Unilateral, e a acentuação do Direito é a Intersubjetividade, a Bilateralidade Recíproca. A Moral termina no Sujeito que a executa, sem
exigir a presença do outro: p.ex., pagar espontaneamente dívida natural, sem que o credor o
exija. Já o ato jurídico é intersubjetivo, bilateral, entre dois ou mais sujeitos e sem eles não há
ação jurídica: pagar dívida é um dever jurídico.
Estas três últimas espécies, metafísica, física e moral, refletem três graus de
certeza. Enquanto a certeza metafísica é perfeita, as certezas física e moral são imperfeitas,
sem deixarem de ser autênticas e verdadeiras.
Quanto às certezas física e moral, trata-se de casos concretos de aplicação das
leis físicas e morais. Podemos estar certos de que esses fatos concretos nos oferecem
verdadeiras certezas? A resposta é sim, porque:
1º) na certeza física vigora a necessidade entre as causas naturais e seus efeitos;
não são meras probabilidades, mas certezas autênticas; a lei da gravidade nos dá uma certeza
autêntica. Devemos descer as escadas ao invés de pularmos pela janela. A lei da gravidade nos
adverte desta certeza.
2º) na certeza moral, igualmente, vigora a necessidade entre as causas livres e
seus efeitos, não como probabilidades, mas como certezas autênticas; se mentimos, v.g., na
emissão de cheque sem fundo, poderemos ser presos ou condenados a pagar.
Não sendo, pois, probabilidades, são certezas autênticas, sobre um fato já
realizado e presente, certezas sobre a própria existência das leis físicas e morais.
h. Certeza Jurídica
Interessa estudar a certeza jurídica, que tem por motivo a necessidade jurídica; a
necessidade que os homens têm de leis para se governarem, para se organizarem.
Está fundada nas inclinações primárias da natureza social do homem, modo de
agir humano em sociedade, que determinam o ordenamento jurídico; promana da natureza das
coisas e da natureza do homem; é a juridicidade dos atos humanos.
A certeza jurídica envolve os aspectos não normatizados na lei positiva; a
verdade jurídica e sua correspondente certeza jurídica, extrapolam da lei escrita; por isso, é
um conceito metajurídico 4, como justiça ideal, direito natural ou princípios gerais do direito.
A certeza jurídica se constitui em certeza autêntica porque não se confunde com
a existência das leis naturais e positivas, mas ilumina e orienta a formulação e aplicação das
leis. É uma necessidade que vigora entre as causas jurídicas e seus efeitos. Não é uma mera
probabilidade, mas uma certeza autêntica (direito à vida, à liberdade, à segurança, a própria
justiça): é um dever-ser, enquanto Lei Jurídica, como a Lei Moral, ambas subordinadas à
ética, que é o gênero dos atos humanos.
4. Segundo Luis Alberto WARAT, sistema metajurídico é um direito superior ideal. Abuso
del Derecho y lagunas de la Ley (1969), p. 99; particularmente o identificamos com o
Direito natural.
O que é Certeza
10
Lei e Moral são espécies do mesmo gênero. Por isso o Direito está permeado
pela Moral, e num sentido lato, elas se identificam. Direito à vida, à propriedade, à liberdade,
certezas jurídicas de Direito natural. Mas, estrito senso se distinguem. Matar alguém: reclusão
de 6 a 20 anos, é uma certeza legal de Direito escrito e hipotético, condicionado a que a
vontade livre não viole a Lei escrita; verificada a causa (caso típico: matar), dá-se o efeito
(condenação); se A é, é B.
Modernamente procura-se relacionar certeza legal com linguagem jurídica,
estudados no campo da metodologia e da Lógica Jurídica; cogita-se mesmo uma lingüística
jurídica: neste aspecto a certeza legal se reduz a uma certeza lingüística: certo é o que a
Linguagem diz que é.
Ora, isto nos parece artificial, desligado do conjunto total do conhecimento e da
natureza das coisas e do homem, pois certeza é muito mais que a Linguagem, é um conceito
metafísico e lógico, de que decorrem a certeza moral e a jurídica.
Na verdade, a certeza legal é fundada em valores lógicos e éticos, portanto,
morais e jurídicos, inerentes ao Direito, conforme a teoria tridimensionalista do professor
Miguel Reale: Fato, Valor e Norma.
Ora, a Sociedade necessita de julgamentos autênticos e verdadeiros para
discernir o justo do injusto, para procurar agir certo, segundo o Direito, e para evitar agir
errado, contrário ao Direito.
Sociedade, aqui, tratada como conjunto de todos os cidadãos, com significação
especial no mundo jurídico: a certeza jurídica ou certeza do Direito se destina especialmente
aos operadores da Justiça em especial (advogados, funcionários de justiça, promotores e
procuradores de justiça, juízes e tribunais de justiça), mas não exclui nenhuma pessoa, pois a
certeza jurídica, como garantia do Direito que é, deve ser válida e legítima para toda a nação e
qualquer classe de cidadãos.
Nesse sentido, a certeza legal é o reconhecimento de condutas humanas,
mediante investigação do caso concreto, particular, como conclusão de um processo lógico,
deôntico, normativo, teleológico e axiológico de aplicação das leis sobre os fatos.
É um processo de conhecimento pelo qual se dá a formação do convencimento
do Juiz para determinar o certo segundo a Lei; corresponde à verdade processual ou legal
(que pode ser formal ou real, segundo os direitos subjetivos possam ser disponíveis ou
indisponíveis). 5
4. Conclusões
5. Quando no uso ordinário se fala de “verdadeiro”, em relação a fatos humanos ou dados
da Ciência, estamos nos referindo à “veracidade”, que no fundo é um imperativo da
Verdade: consiste em não mentir, não dizer algo contra a própria consciência; mas é
possível que, sem contrariar a consciência, os homens incorram em declarações
contraditórias. Cf. Álvaro D’ORS, Derecho y sentido común. Siete lecciones de derecho
natural como límite del derecho positivo (1995), p 48. Cf. nosso Poderes Éticos do Juiz,
pp. 47ss; e Elício DE CRESCI SOBRº., Dever de veracidade das partes no novo código
de processo civil (1975),p.98.
O que é Certeza
11
Como conclusão sobre o conhecimento do Direito e para alcançar a certeza da
verdade, verifica-se que a segurança da Lei só existe enquanto esta se aplica. Sendo hipotética
a norma, a segurança só emerge se a hipótese se realiza; é a normalidade do Direito (como no
contrato eficaz, quando cumpre ou alcança os objetivos jurídicos para o qual foi avençado). Se
a Lei não funciona no suposto previsto, tem-se a patologia do Direito; a dúvida fundada,
sobre o pacto ou sobre a própria regra jurídica, gera incerteza.
A segurança, portanto, como a lei, é um prognóstico. 6
Tomemos, ao acaso, o art. 159 do Código Civil: aquele que violar
direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano; esta regra
protetora, ampara, assegura, garante que o devedor pagará uma indenização; esta
segurança, objetivada na Lei, gera, no credor, a certeza do seu direito; mas a
dúvida, desde que instaurada sobre esse direito certo a uma indenização, produz
um estado subjetivo de incerteza.
Logo, enquanto norma geral e abstrata, a Lei traz implícita uma Segurança ou
garantia de realização do comando que ela contém; porém, nos casos particulares (como nas
relações litigiosas, nos pactos negociais ou nos atos ilícitos), enquanto a norma não se
concretiza, a Segurança não é tão certa, nem a garantia tão plena, pois as relações jurídicas
não escapam a um percentual de incerteza, natural no ser humano.
Daí exigirem-se normas anteriores e superiores às regras jurídicas, como os
princípios éticos de boa fé ou fidúcia, honestidade, lealdade, respeito à palavra empenhada,
aos pacta servanda, até mesmo regras morais ou de Direito material.
A aplicação da Lei, por isso, seja nas relações negociais (entre particulares), seja
nas relações administrativas ou judiciais, exige o conhecimento da realidade jurídica em
todos seus aspectos (econômicos, sociais, morais etc), visando às conseqüências jurídicas
pretendidas (o resultado de um negócio ou de uma ação).
E o conhecimento valorativo das leis, dos fatos e das circunstâncias, quanto mais
esclarecedor e abrangente, mais certeza gera nos destinatários do Direito.
Por isso, "conhecer" a Lei (segurança objetiva) e o seu próprio direito (certeza
subjetiva) são faces da mesma moeda ou mãos da mesma via: o caminho que vai da segurança
(geral, abstrata) à certeza (particular, concreta) é o mesmo que vem da certeza à segurança;
não há como falar em certeza do direito para o caso concreto se esta não se traduz em
segurança do caso particular; garantido este direito certo a segurança emerge e se reafirma
como resultante final da dinâmica jurídica.
6. Álvaro d’ORS explica que tudo o que ocorre antes da decisão são “prognósticos de
Direito”, são objeto da Ciência da Organização, Ciência social, mas não da Ciência do
Direito ou Jurisprudência. Op. cit., p. 48, N. 6; sobre a Verdade no Direito, afirma que
fatos verdadeiros são os fatos verdadeiramente provados; são fatos jurídicos porque
entram na definição “daquilo que aprovam os juízes”, N. 8; mais adiante enfatiza que o
Direito, como ato de autoridade, é declaração de prudência e, portanto, ato intelectivo e
não volitivo. E arremata: “No es derecho lo que aprueban los jueces porque así lo
quieren, sino porque es su opinión o sentencia ... La decisión del juez es volitiva como
decisión, pero se funda en el conocimiento: el juez, primero conoce, y luego decide”, N.
16, p.53. Escritos varios sobre el Derecho en crisis (1973).
O que é Certeza
12
Bibliografia:
1. José Maria de ALEJANDRO. Gnoseologia, Madri, BAC, 1969.
2. Mozar Alves COSTA. O Conceito de “Lei” na Metafísica e na Ciência Positiva do Direito
(Santo Tomás de Aquino e Pontes de Miranda). Dissertação de Mestrado à Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, 1983.
3. Elício DE CRESCI SOBRINHO. Dever de veracidade das partes no novo código de
processo civil. S.Paulo, Livr. Jurídica Vellenich, 1975.
4. ______. Idem. ENCICL. Saraiva do Direito, vol. 47:534.
5. Álvaro D’ORS. Escritos varios sobre el Derecho en crisis. Roma-Madrid: Consejo Superior
de Investigaciones Científicas, 1973.
6. ______. Derecho y sentido común. Siete lecciones de derecho natural como límite del
derecho positivo. Madrid, Cuadernos Civitas, 1995.
7. Werner GOLDSCHMIDT. El sentimiento de evidencia. In: La ciencia de la Justicia
(Dikelogia). Madrid: Aguilar, 1958, p.39.
8. Ylves José Miranda GUIMARÃES. Direito Natural. Visão metafísica e antropológica. Rio:
Forense Universitária, 1991.
9. Hans KELSEN. La interpretación como acto de conocimiento o de voluntad. In: Teoría Pura
del Derecho. México: Porrúa, 1993, 7ª ed.,p. 353.
10. Stanislaus LADUSÃNS, S.J. Gnosiologia Pluridimensional, São Paulo, CONPEFIL, 1980,
2ª ed. mimeografada.
11. Silvio de MACEDO. Certeza, verb. ENCICL. Saraiva do Direito, v.14, p.149.
12._________ Certeza Legal, ENCICL. Saraiva Dir., v.14, p. 190.
13._________ Compêndio de Axiologia Jurídica, Rio, Forense, 1986.
14. Carlos Lopes de MATOS. Um capitulo de história do tomismo. A teoria do conhecimento de
Tomás de Aquino e sua fonte imediata. S.Paulo: Revista de História da Faculdade de Filosofia,
Ciência e Letras da USP, 1959 (separata), 105 pgs.
15. Jacy de Souza MENDONÇA. O sentido do conhecimento jurídico. In: Humanismo
Pluridimensional. (Atas da 1ª Semana Internacional de Filosofia) S. Paulo, Loyola, 1974, v. 1,
p. 398-410.
16. Pontes de MIRANDA. O Problema Fundamental do Conhecimento, Rio de Janeiro, Borsoi,
1972. Sistema Positivo de Direito
17. Miguel REALE. Teoria Tridimensional do Direito, São Paulo, Saraiva, 1986, 4ª ed.
18. Mário Ferreira dos SANTOS. Filosofia Concreta, São Paulo, Logos, 1961, 4ª ed., 3 vols.
19._________Ontologia e Cosmologia, São Paulo, Logos, 1954.
20._________Teoria do Conhecimento (Gnoseologia e Criteriologia). S. Paulo, Edit.Logos,
1954.
21. Luis Alberto WARAT. Abuso del derecho y Lagunas de la Ley. Buenos Aires, AbeledoPerrot, 1969.
O presente artigo consta do capítulo II do livro “Segurança Jurídica e
Jurisprudência”, São Paulo, LTr, 1996.
Download