LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS

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LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS
HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL – RENASCIMENTO
Título: O Renascimento inglês: o teatro elisabetano
Autor: Alexandre Mate
Revisão: Diego Cardoso
Arquivo: 03.HTM.0006
Laboratório-Portal Teatro Sem Cortinas
O Renascimento inglês: o teatro elisabetano
03.HTM.0006
1
O Renascimento inglês: o teatro elisabetano
A bandeira içada anuncia que a hora se aproxima. Nas
aberturas das torres soam trombetas. O programa é
fixado à porta para a comodidade dos que sabem ler (...)
Nas galerias, senhoras elegantes e ricos burgueses (...)
a multidão da platéia onde formigam os mal cheirosos.
Os vendedores apregoam vinho e cerveja que os
bêbados irão vomitar junto à porta, e as maçãs e as
nozes servirão depois de projéteis. Nos cantos escuros
as raparigas entregam-se e sob as escadas levantam
as saias sem o menor pudor. (...) Uma vez a peça
terminada (...) os palcos pertencem aos palhaços e
bailarinos. A representação acabou.
Gaston BATY. Imagens de Shakespeare.
A Inglaterra ‘ingressou’ no chamado período renascentista, já durante a Idade Média,
depois de uma série tumultuosa de disputas, banhadas em muito sangue: a Guerra dos Cem Anos
(Inglaterra/França) e a das Duas Rosas York e Lancaster (meados do século XV – da qual a
nobreza sai quase que completamente destruída1). Com o término da segunda, sobe ao poder os
Tudor, do qual descende Henrique VIII, que proclama a autonomia da Igreja inglesa (da sede
localizada no Vaticano). Sucedido por Isabel (Maria Tudor), que foi sucedida por sua meio-irmã,
Elizabeth I em 1558. Elizabeth (1533-1603) sobe ao poder – enfrentando intensa disputa com os
Tudor –, as questões com a Igreja se aguçam e os antagonismos pareciam quase irreconciliáveis,
posto que a soberana, vencendo a contenda pelo restabelecimento do anglicismo, submete-a (de
acordo com um dos princípios do absolutismo) ao Estado: também, por ela unificado. Pelo fato de
a rainha, nas questões citadas, ter conseguido sair-se vitoriosa, acabou conquistando certa
popularidade, sendo que o seu governo (com todos os problemas que pudesse representar)
significava, fundamentalmente para os membros da aristocracia vitoriosa, uma proteção contra as
ameaças e perigos de um movimento revolucionário que viesse a eclodir dos segmentos
populares. Com a morte de Elizabeth I (1603): depois de quarenta e cinco anos de reinado na
Inglaterra; seu sobrinho Jaime I (da Escócia: filho de Mary Stuart) reina até 1625 e até 1649,
Carlos I.
À luz do exposto, designa-se teatro elisabetano à intensa produção teatral desenvolvida de
1558 a 1642, data de fechamento dos teatros por ordem do Parlamento inglês e cujo fenômeno é
essencialmente londrino. Apesar das inúmeras oposições – sobretudo – dos Puritanos à essa
1
Apesar dessa situação a gentry [composto pelos senhores rurais e a classe média urbana] desejava, acima
de tudo a paz. Para eles era indiferente qualquer governo desde que tivesse força bastante para evitar o
retorno à anarquia, provocado por qualquer batalha.
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produção, trata-se de um período de criação e de florescimento do teatro, no concernente à
dramaturgia e à construção de casas de espetáculos. Em números aproximados,2 a produção
dramatúrgica do período, segundo alguns historiadores, compreende mais de seiscentas peças
conhecidas (com muitas obras-primas) que vêm sendo montadas até os dias atuais; outras
seiscentas obras são também conhecidas e mencionadas pelos mais diversos motivos e fontes.
Do período são conhecidos mais de cinquenta (destacados) autores, com montagens de suas
obras (de um total aproximado de duzentos e cinquenta outros).
Segundo algumas interpretações historiográficas, o Renascimento inglês3 representa uma
das maiores e mais significativas contribuições para a evolução da linguagem teatral de todos os
tempos. O florescimento e motivo pelo qual o teatro chama-se elisabetano, deve-se à produção
desenvolvida no período de (1558-1603) Elizabeth I (1533-1603), filha de Henrique VIII e Ana
Bolena. Trata-se de uma produção desenvolvida em meio à transição do Feudalismo para o
Absolutismo, e o intenso processo de luta desenvolvido para consolidação da monarquia nacional.
Dessa forma, o teatro inglês, bastante influenciado pelos ideais humanistas 4 – na condição
de consolidador de um dos elementos mais importantes das monarquias nascentes: definição e
imposição de uma língua nacional, como condição para unificação da administração, aos
estatutos e à cultura do país – voltou-se, de modo bastante intenso, ao processo representado por
essa transição, tematizando o poder unificador (monárquico, geográfico e da natureza): das
situações mais corriqueiras àquelas ligadas ao Estado. Segundo BERTHOLD (2001) é o momento
em que o homem inglês começou a tomar consciência de si mesmo, momento em que a Inglaterra
libertou-se da Igreja católica: cuja contenda foi iniciada e vencida por Elizabeth I (posto que o
catolicismo não reconheceu o casamento de sua mãe Ana Bolena com Henrique VIII, anulando a
união entre os dois): com a vitória sobre os calvinistas e adesão ao protestantismo; libertou-se dos
valores medievais e da França, dando início à consolidação do Estado Nacional Moderno.
Estimulados pelo Estado, por um lado, os intelectuais letrados desenvolveram um intenso
projeto para estabelecer um novo código linguístico (adotando o dialeto londrino) que pudesse
interferir na vida cotidiana, chegando a camadas mais amplas da população, com o objetivo de
conquistá-las para seus projetos e ideais de mudança;5 e, por outro, o prodigioso progresso da
2
Dados apresentados por Michel CORVIN. Dictionnaire encyclopédique du théâtre (A-K). Paris: Bordas,
1995, pp.312-3.
3
Se comparado a outros países da Europa, o Renascimento inglês é tardio, sendo que seu início acontece
com a ascensão dos Tudor, em 1485, marcando, inclusive, a etapa de formação do Estado Nacional Inglês.
Foi através das ideias calvinistas que o movimento renascentista se desenvolveu, sobretudo nas áreas da
música, da literatura e do teatro.
4
Dentre os humanistas ingleses, é preciso destacar os nomes de George Chapman (1560-1634); Sir
Thomas North (1535-1601); John Dryden (1631-1700); Sir Thomas Morus, autor de Utopia (1516) e Sir
Francis Bacon (1561-1626), filósofo importante do período, autor de títulos importantes e o primeiro a
sistematizar o método indutivo (base do conhecimento procedente da experiência e não da teoria).
5
Nessa perspectiva, dentre outras medidas, por exemplo, Henrique VII impôs a todas as escolas
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cidade mercantil-financeira de Londres fez com que tivesse havido uma rápida ascensão de
grupos populacionais, enriquecidos e ansiosos de refinamentos e distrações culturais.6 Dessa
forma, em Londres, pelos motivos apontados, foi criada uma atmosfera propícia para a criação de
companhias de teatro, que passaram a disputar o gosto do povo e, também, da aristocracia,
através da criação de diversos grupos de teatro formados durante o período em epígrafe, sempre
patrocinados por algum nobre que os protegia (mecenas).
Para se ter uma ideia quantitativa, basta que se diga que William Shakespeare, por
exemplo, participou e foi responsável, depois de 1603, pelos seguintes grupos: Lord Hudson’s
Men; Lord Chamberlain’s Men e The King’s Men.
Durante todo o período renascentista, há três formas de teatro mais ou menos
independentes nos principais países da Europa.
- reminiscências do teatro medieval que, à exceção de Espanha e Portugal, tende a acabar;
- o drama culto, que acaba
difundindo-se
por toda a Europa, sobretudo pela adesão ao
humanismo e que em alguns países acaba por se tornar popular (caso da Inglaterra);
- o teatro popular, que se desenvolve, criando um significativo número de formas diferentes,
movendo-se entre a commedia dell’arte e a produção shakespeariana, sem perder um certo
contato com o teatro medieval.
Em seus primórdios, o teatro elisabetano (e/ou isabelino), também chamado de
espetáculos de corte, adotou Sêneca7 como paradigma (dramaturgia mais sanguinolenta e, de
certa forma, necessária ao processo de consolidação do Estado Nacional). Assim, os primeiros
textos, daí derivados, costumam apresentar muitos incestos, mortes em profusão, com amores e
ódios violentos com heróis capazes de vencer tudo, através de sua astúcia, violência e terrível
crueldade.
Origem e evolução do teatro inglês
O teatro inglês, do ponto de vista literário, estabeleceu-se ainda durante o período
medieval e evoluiu através dos chamados Interlúdios ou Debates Dramáticos, que eram textos
dominicais e paróquias do país, a Bíblia traduzida para o inglês falado em sua corte.
6
Segundo HAUSER (1972, pp 538-9): “Talvez nenhuma literatura pudesse ser mais determinada pelo
espírito de classe na sua origem e orientação, do que a isabelina, cujo principal objetivo consiste no treino
de nobres verdadeiros e que apelam, acima de tudo, para os círculos diretamente interessados na
realização deste propósito (...) A cultura literária é, na época de Isabel, uma das mais importantes
aquisições exigidas a homens de bom nascimento. A literatura é agora a grande voga, e é de bom tom falar
de poesia e discutir problemas literários. O estilo afetado da poesia elegante alarga-se até a conversa
vulgar. (...) A literatura torna-se um divertimento de sociedade”.
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A obra de Sêneca foi toda traduzida para o inglês de 1559 a 1566.
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para serem lidos e recitados, sendo que nesse gênero a encenação não era cogitada. Opondo-se
a este gênero (ou modalidade literária), aparece e se desenvolve o teatro popular, apresentado
por companhias mambembes nos tradicionais carroções = Pageants8. Nesse tipo de espetáculo,
tendo em vista os objetivos e lastros com o teatro popular, os textos seriam secundarizados em
relação à encenação: principalmente pelo forte e acentuado teor de improvisação, a partir dos
quais eram apresentados. Apesar de serem inúmeros os relatos da existência dessas companhias
não existem textos na íntegra criados por seus autores-atores.
A origem evolutiva do teatro renascentista iniciou-se sob a influência do teatro italiano,
sendo que muitas foram as peças montadas na Inglaterra, faladas em italiano e, posteriormente,
traduzidas e remontadas, em inglês. O autor escolhido como paradigma dramatúrgico, desta
primeira fase foi Sêneca. Na sequência, foram desenvolvidas tentativas de – a partir do modelo de
Sêneca – trabalhar (e por vezes imitar) a estrutura tomada como paradigmática, com assuntos
históricos da Inglaterra, apresentando e/ou mesclando a esses textos, ainda, aspectos da cultura
popular.
Com a inserção de temática histórica, Thomas Huque escreve Os infortúnios de Arthur.
Este autor, segundo a crítica, abre caminho para o horror desesperado que viria caracterizar o
teatro do período. Fazem parte, ainda, desta primeira fase os dramas pastoris: A woman killed
with kindness (Uma mulher assassinada com delicadeza), de Thomas Heywood e The honest
whore (A prostituta respeitosa), de Thomas Dekker (1572-1632), duas obras assinaladas, segundo
alguns pontos de vista apresentados por historiadores do teatro, como obras precursoras do
melodrama burguês.
Segundo as informações à disposição, imediatamente após
o desenvolvimento da
dramaturgia com assuntos históricos e cotidianos, apareceram textos classificados da seguinte
forma:
-
tragédias de sangue – fundamentadas em forte intriga com esquema de amor romântico,
veneno, a bela infeliz, injustiças, sofrimentos e assassinatos; pelo conjunto indicado, a forma
aproxima-se das características do melodrama ou nas tragédias (dramas) posteriores;
-
tragédias domésticas – obras dramatizando crimes da época; de caráter menos
melodramático, tais tragédias devem, pela natureza dos assuntos e tendo em vista a transição
política, ter evoluído para os dramas renascentistas;
-
peças carpideiras – obras fundamentadas em lágrimas fáceis;
8
‘Espaço de representação’ tipicamente inglês, os pageants eram carroções de seis rodas, com dois
andares, sendo o inferior uma espécie de bastidor; e, o de cima, para representação. Essas carroças eram
construídas por diversas corporações e evoluíram muito ao longo da Baixa Idade Média, com o objetivo de
levar o teatro ao público (e não o contrário como acontecia em outros espaços tradicionais). Esse
deslocamento levou muitos desses carroções para dentro de pátios de estalagens; dando início, assim, ao
espaço teatral arquetípico, chamado de teatro elisabetano, desenvolvido e edificado a partir do século XVI.
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- peças históricas – obras, em princípio, épicas e depois transformadas em dramas; parece que o
gênero, misturando-se aos demais, apresentou o processo de luta para consolidação da
unificação da Monarquia Nacional;
-
comédias românticas
-
pastoral - imitação do gênero italiano;
-
mascaradas (masks) – espetáculos apreciados (e de larga existência) pela nobreza cortesã.9
Pela utilização do processo de ‘fantasiamento’ (e os expedientes históricos demandados pelo
gênero misto), talvez se trate de espetáculos de entretenimento, ligado aos bailados italianos
(que foram constantes nas cortes) e cujos libretos (muitos deles) foram escritos por Lyly e Peele.
À guisa de curiosidade, dentre as muitas traduções de Hamlet, em algumas delas
aparecem os gêneros do período e aos quais os atores – “os melhores do mundo”, no caso da
peça – se dedicam: tragédias, comédias, dramas históricos, pastoral, pastoral-cômico, históricopastoral, trágico-histórico, tragicômico-histórico-pastoral.
O surgimento do drama e da comédia refinada
O drama da época moderna surgiu no Renascimento. Ele
representou a audácia espiritual do homem que voltava a si depois da
ruína da visão de mundo medieval, a audácia de construir, partindo
unicamente da reprodução das relações intersubjetivas, a realidade
da obra na qual quis se determinar e espelhar. O homem entrava no
drama, por assim dizer, apenas como membro de uma comunidade.
A efera do ‘inter’ lhe parecia o essencial de sua existência; liberdade
e formação, vontade e decisão, o mais importante de suas
determinações. O ‘lugar’ onde ele alcançava sua realização dramática
era o ato de decisão. Decidindo-se pelo mundo da comunidade, seu
interior se manifestava e tornava-se presença dramática. Mas o
mundo da comunidade entrava em relação com ele por sua decisão
de agir e alcançava a realização dramática principalmente por isso.
Tudo o que estava aquém ou além desse ato tinha de permanecer
estranho ao drama: o inexprimível e o já expresso, a alma fechada e
a idéia já separada do sujeito.
Peter SZONDI. Teoria do drama moderno
.
Fosse o que fosse que Shakespeare pensasse acerca da Monarquia,
da classe média e do povo comum, o simples fato de ele exprimir um
ponto de vista trágico, do mais profundo trágico, do maisprofundo
9
Esta indicação – acerca da evolução do gênero dramático ou dos protogêneros teatrais – é
apresentado por MOUSSINAC, sem explicações mais detalhadas. À exceção dos espetáculos
do gênero masks, não foram encontradas referências mais detalhadas na bibliografia
consultada. Assim, as observações aqui apresentadas, comentando os gêneros caracterizamse em um exercício ou tentativa de inferência, fundamentado no pouco que conseguiu ser
apurado.
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pessimismo, numa época de ascensão nacional e prosperidade
econômica, de que ele próprio tanto aproveitou, é indício do seu
sentido de responsabilidade social e da sua convicção de que nem
tudo neste meio paraíso seguia pelo melhor.
A. HAUSER. História social da literatura e da arte.
Os diversos gêneros (e/ou sub-gêneros) apresentados acima evoluíram e acabaram por
criar uma produção extremamente significativa e modelar para toda a dramaturgia que se seguiu.
Dessa forma, dentre os maiores autores: dramaturgos e comediógrafos, inseridos na chamada
produção erudita, podem ser citados: George Peele (1557-1597), Thomas Kid (1558-1594) e
Christopher Marlowe (1564-1593), que se dedicaram à produção de dramas, incorporaram ao seu
processo de criação a observação em presídios, tavernas e lugares considerados ‘extremados’,
no sentido de imprimir verdade às suas personagens. Assim, apesar de os dois primeiros terem
tido importância dentro da dramaturgia elisabetana, foi Christopher Marlowe (1564-93), entretanto,
considerado o primeiro grande poeta do período e – de certa forma, segundo inúmeros pontos de
vista apresentados por muitos historiadores –
teria sido também o grande influenciador de
Shakespeare. Ainda os mesmos pontos de vista, as personagens de Marlowe faziam uma
constante apologia à revolta individual, sendo que seus heróis eram imbuídos de um acentuado
nacionalismo humanista: bastante característico, pelas circunstâncias apontadas, do período.
Consta, também, que o autor, ao ser acusado de ateu e inquirido a esse respeito, teria se
defendido dizendo acreditar em Maquiavel, cuja obra O príncipe fora traduzida para o inglês, em
1553.
Seguindo a tradição iniciada por estes autores, William Shakespeare (1564-1616) chegou
a Londres, em 1590, em plena efervescência do teatro elisabetano. Em 1598, parece ter
colaborado na escritura do texto Every man in his humour, de Ben Jonson (segundo Nicolas
Rowe). Em 1600, o teatro “Globe” apresentou Hamlet (cujo Fantasma teria sido feito pelo próprio
autor), transformando-se no herói mais representado do teatro mundial. É deste texto, também,
que uma das maiores pérolas da dramaturgia universal, no concernente à interpretação, foi
escrita. Trata-se da fala de Hamlet apresentada na segunda cena do Terceiro Ato:
Rogo-vos que digais o trecho como vos mostrei, com língua fácil;
mas se encherdes com ele a boca, à maneira dos atores que
sabeis, tanto se me dará que o pregoeiro público brade as minhas
linhas. Nem gesticuleis assim, serrotando o ar com a mão, mas sede
moderado: pois na própria corrente, tempestade e – é lícito que o
diga – torvelinho de paixão, deveis conquistar e adquirir um
autocontrole que lhe imponha medida. (...) Não sejais tampouco
incaracterístico, mas deixai que o discernimento seja o vosso
preceptor; ajustai o gesto à palavra, a palavra ao gesto, com cuidado
específico de não ultrapassardes a natural moderação: pois o
exagero foge ao propósito do teatro: o objetivo deste, a princípio e
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agora, foi e é oferecer um como espelho à natureza, mostrar à
virtude os seus próprios traços, à derrisão a sua exata efígie, à
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idade e corpo da vida social a sua verdadeira forma e imagem.
A grande produção dramatúrgica de Shakespeare (produzida de 1590-1611), esteve, até
1603 (morte de Elizabeth I), mais ligada à de Sêneca. Com a subida ao poder de Jaime I – e o
consequente ardor pelo terrível – liga-se às influências de Maquiavel, sem, entretanto, abrir mão
das “lições” do primeiro mestre. Apesar dessas fases, pode-se dizer que a dramaturgia
shakespeariana apresenta os conflitos estabelecidos pelo exercício da vontade humana: homem
lutando contra homem (e, muitas vezes, contra si mesmo) – que é a própria afirmação do
individualismo. Com o sucesso e o prestígio de suas peças, diferentes ódios foram provocados em
seus contemporâneos. Das disputas mais acirradas do autor, podem ser destacadas aquelas com
os The university wits [espíritos universitários cultos – formados, basicamente, em Oxford e
Cambridge11] que acusaram o autor de diversas coisas, achando, por exemplo, inconcebível
misturar nobres com coveiros: para eles uma “incortesia imperdoável”. Na perspectiva de seus
detratores, tratava-se de uma atitude popular e, de certa forma, concessiva aos pobres e
humildes. Na ótica dos ‘cultos e sábios senhores’, tal impropério constituía-se em um princípio
‘perigoso à ordem social’, que não deveria ser seguido! Motivo pelo qual Shakespeare e todos que
viessem a seguir seu exemplo precisariam ser combatidos de maneira forte e decidida.
A trajetória e a importância de Shakespeare não podem ser resumidas a algumas linhas;
sorte haver sobre o autor uma série de materiais e estudos à disposição para conhecimento dele,
obras e, fundamentalmente, a sua importância para o teatro universal. Dessa forma (e é inevitável
não haver atitudes excessivas), assim comenta J. GASSNER (1974, p. 247):
Shakespeare em sua imensa faculdade de assimilar fermento
intelectual de seu tempo, de associá-lo convincente e
apropriadamente a personagens vivos, e de fixá-lo no molde de suas
situações dramáticas com um considerável efeito de justeza e de
inevitabilidade dramática. E porque esses pensamentos são captados
10
Trecho da obra integral, traduzida por Péricles Eugênio da Silva RAMOS. São Paulo: Abril
Cultural, 1976, pp.115-6.
11
Outro nome pelo qual são conhecidos é o de “Poetas da Universidade”, sendo alguns dos membros
dessa ‘confraria’: Robert Greene, Thomas Kid, Christopher Marlowe e John Lyly. Ainda a respeito de tais
senhores, presentes em todos os períodos históricos, e inimigos das produções populares e/ou de
expedientes do gênero nas obras eruditas, afirma Dario FO. Op.cit., p. 324: “o conflito entre pessoas de
teatro e literatos é interminável. Já vimos como Diderot nutria grande ressentimento e desprezo pelo
cômicos dell’arte. Se querem diversão, aconselho a leitura dos artigos em que Gozzi e Ferrari (dois exímios
escritores de Veneza) linchavam o homem de teatro Goldoni. Podemos colecionar espessos volumes de
libelos, compostos de fel e extrato de veneno, que acadêmicos lançam a todo contra aquele que escreviam
para o palco. O próprio Shakespeare recebeu uma infinidade de insultos dos eruditos de anel no dedo
mínimo e o desejo de louros nas nádegas. Eles o chamavam de ‘tagarela insensato’, ‘balança cenários’,
‘anelador de vidros coloridos’... O mesmo aconteceu com Molière. Eurípedes foi também vítima dos insultos
espantosos do reacionário, mesmo que muito talentoso, Aristófanes”.
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com a intensidade de algo recém-descoberto, porque tudo é sentido
por ele com êxtase, paixão e singularidade (...) Ele assimila a
Renascença elisabetana como que por osmose. Isso não o torna um
pensador social e filósofo, mas faz dele um dramaturgo de escopo
quase infinito.
Além de Shakespeare que, também, escreveu algumas comédias, é preciso destacar o
nome de Ben Johnson (1573-1637) – considerado o maior autor de sátiras do seu tempo.
Segundo a crítica era possuidor de uma irreverência desmedida, expondo todo tipo de situação
que lhe parecesse ridícula – e as pessoas nela envolvidas – à cena. Além da sátira, o autor
utilizou-se muito do grotesco (no duplo sentido da palavra) e dentre suas peças, Volpone é
considerada sua obra-prima. Outros autores do período foram, John Ford (1586-1639): Pena que
ela seja uma puta, Francis Beaumont (1548-1616) e John Fletcher (1579-1625).
Espaço característico do teatro elisabetano
Além do já citado Pageant, o espaço teatral desenvolvido nesse período leva o nome de
palco elisabetano. Trata-se de um espaço especial, inserido dentro de uma construção octogonal,
com galerias, de dois andares (nas paredes da construção) e com um palco erguido no fundo da
edificação, no nível do chão.
Ilustração do palco elisabetano e da construção octogonal do espaço
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O palco tem um proscênio projetado para o interior do auditório, sendo, portanto, cercado
pelos três lados pelo público (front stage) – espaço no qual aconteciam, normalmente, os
monólogos e os entreatos; um palco, coberto por uma tenda, sustentada por pilares e destinado a
cenas em espaços interiores (middle stage); uma balaustrada ou sacada superior para aparição
de certas personagens ou para indicar espaços altos (upper stage); espaço no nível do palco, e
abaixo da sacada, para cemitérios, túmulos etc (rear ou inner stage). A partir destas indicações
pode se depreender o quanto os espetáculos eram convencionados e precisos.
Divisão do placo do teatro elisabetano
Obs.: Com relação aos elementos cenográficos, além dos teatralistas telões, os
‘encenadores’ do período resolveram uma série infinda de problemas através da utilização de
placas indicativas, nas quais apareciam escritas as referências geográficas demandadas pela
encenação.
Uma outra curiosidade liga-se ao fato de todas as personagens femininas do teatro
elisabetano terem sido feitas por homens (normalmente jovens imberbes), tendo em vista todo tipo
de restrição feita à subida das mulheres em cena. Muitos foram os ataques e vigilância dos
‘puritanos’ no sentido da observância da lei. Em 1663, um dos Puritanos mais ferrenhos: Willian
Prynne, escreve um panfleto no qual chamava de “prostitutas públicas” as atrizes francesas.
Categoricamente as mulheres, sobretudo no chamado teatro erudito não tinham vez. Pode-se
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entender melhor a misogenia dos representantes da Igreja durante toda a Idade Média; entendese que a proibição às mulheres no teatro da Antiguidade clássica grega era por questões postas
pela democracia grega, entretanto, e por isso, no caso da Inglaterra, fica mais difícil entender a
proibição em um contexto de redescobertas e cuja soberana foi uma mulher forte.
Encerrando em 1642 (tendo em vista a guerra civil – Cromwell), toda a atividade teatral em
Londres, o Parlamento inglês fecha os teatros, por decreto. O reinicio das atividades voltariam
dezoito anos depois. Paradoxalmente – e com Carlos II – esse reinicio deu-se como imitação ao
modelo neoclássico, que vinha sendo desenvolvido na França.
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Referências bibliográficas
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.
CORVIN, Michel. Dictionnaire encyclopédique du théâtre (A-K). Paris: Bordas, 1995.
GASSNER, John. Mestres do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1974.
HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1972.
SHAKESPEARE, William. Hamlet. Péricles Eugênio da Silva RAMOS. São Paulo: Abril
Cultural, 1976, pp.115-6.
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