Um vírus que ataca a mente e não o cérebro

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Um vírus que ataca a mente e não o cérebro
Em 1865, quando Julio Verne descreve a primeira viajem do homem à Lua, o pai da ficção
científica estava colocando no papel o resultado um experimento mental. Do mesmo modo,
quando Einstein se perguntou o que seria observado por uma pessoa sentada em um trem que se
desloca com a velocidade da luz, o pai da relatividade estava utilizando um experimento mental
para compreender a relação entre espaço e tempo. Isto talvez explique a fascinação que aproxima
cientistas e autores de ficção científica.
Na semana passada me deparei com um experimento mental extremamente interessante descrito
em um conto de Christopher Cherniack. Nele cientistas descrevem a epidemia causada pelo
primeiro vírus capaz de infectar a mente de seres humanos.
Todos já nos confrontamos com um computador “travado” por um software malicioso, um
“vírus”, que nos força a desligar a máquina na esperança de resolver o problema. A maioria de
nós também já conviveu durante horas ou dias com uma “idéia fixa”, um pensamento, um medo,
uma preocupação ou uma música que insiste em voltar insistentemente à nossa consciência sem
que consigamos nos livrar de sua presença. O conto de Cherniack é um experimento mental que
explora esta similaridade.
O que ocorreria se um dia um ser humano se deparasse com uma frase, um raciocínio ou um
pensamento capaz de simplesmente “travar” nossa mente, do mesmo modo como um “vírus”
trava um computador? No conto o primeiro ser humano a se deparar com este hipotético “vírus
da mente” é encontrado na frente de uma tela de computador totalmente paralisado, vivo, mas
incapaz de qualquer contato com o exterior. Levado ao hospital acaba morrendo. Ao tentar
examinar o que o colega estava lendo no computador, uma segunda pessoa é infectada e também
“trava”. Aos poucos a epidemia se espalha pelo planeta.
O conto fica interessante quando os cientistas se confrontam com a impossibilidade de “isolar” e
destruir a informação que desencadeia o travamento das mentes e causa milhares de mortes por
dia. Como descobrir, isolar e destruir exatamente o que provoca o fenômeno, se a simples
observação de um texto ou uma imagem que contém esta informação paralisa a mente de
qualquer ser humano?
Será que um dia surgirá um “vírus” capaz de se espalhar e obliterar a mente de parte da
humanidade? Por um lado conhecemos doenças mentais em que pessoas ficam incapacitadas por
manias e idéias fixas, mas nestes casos as patologias não são transmissíveis e não se espalham na
população. Por outro lado existem produtos da mente humana que se espalham de maneira
epidêmica atingindo milhões de pessoas em poucas semanas, mas aparentemente não causam
efeitos devastadores. Um bom exemplo são as músicas de grande sucesso. Em outros casos certas
idéias contaminam um grupo de limitado de pessoas com efeitos trágicos, como é o caso de
suicídios em massa de seguidores de algumas seitas.
Aparentemente nossa mente parece ser razoavelmente resistente à contaminação destes “vírus”
hipotéticos, mas com o crescimento exponencial da produção cultural da humanidade e de nossa
capacidade de estocar e disseminar novos pensamentos temos que admitir que existe, pelo menos
teoricamente, a possibilidade de algum dia surgir um “vírus” semelhante ao imaginado por
Cherniack. Afinal, Julio Verne não imaginou que chegaríamos à Lua?
Mais informações em: “The riddle of the universe and its solution” de C. Cherniak publicado no
livro “The Mind’s I” editado por D. R. Hofstadter e D. C. Dennett, Basic Books, New York,
2000
Fernando Reinach ([email protected])
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