os_desafios_da_sociologia

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OS DESAFIOS DA SOCIOLOGIA
Arnaldo Lemos Filho
A sociologia tem, desde suas origens, contribuído para a
ampliação do conhecimento dos homens sobre sua própria
condição de vida e, fundamentalmente, para a análise das
sociedades. Ela não se reduz à contestação e à denúncia e, por ser
um conhecimento metódico, pode trazer benefícios à sociedade, na
medida em que compõe um saber especializado, com suas teorias
e pesquisas. É verdade que, muitas vezes, ela tem sido usada para
produzir conhecimentos de interesse das classes dominantes,
tornando-se um instrumento de controle, o que tem acarretado a
burocratização e a domesticação de suas pesquisas. Outras vezes,
porém, mantém uma postura crítica diante da ideologia dominante,
trazendo, como conseqüência, mal-entendidos e perseguições.
Uma das características da sociologia, segundo Ianni, é a sua
capacidade de sempre questionar, discutindo o seu objeto e método
(Ianni, 1997). Isso se explica pelo fato de que a realidade social é
viva, complexa, intrincada e contraditória. Nesse início do século 21
o processo não tem sido diferente do final do século 20, nem
mesmo do século 19: o seu objeto está sempre revelando
transformações em todas as direções.
As transformações sociais que vinham se elaborando ao
longo do século 20 tornaram-se, agora, cada vez mais explícitas.
De um lado, parece haver a continuidade da vida e de trabalho,
modo de ser, pensar e agir. De outro, rupturas, descontinuidade,
imprevistos simbolizados nos contrapontos: modernidade e pósmodernidade, realidade e virtualidade, globalização e diversidade.
Ora, se olharmos as origens da sociologia, veremos que ela
sempre foi assim, sendo denominada inclusive “a ciência da crise”.
Não sendo obra de um único pensador, mas o resultado de
circunstâncias históricas e contribuições intelectuais, ela surge, no
contexto do conhecimento científico, com um corpo de idéias que se
preocupou, e ainda se preocupa, como processo de constituição e
desenvolvimento do sistema capitalista. Sua origem mescla-se com
os processos sociais e econômicos que há muito vinham se
constituindo na Europa, no campo da ciência e da tecnologia, da
organização política, dos meios e processos de trabalho, das
formas de propriedade da terra e dos instrumentos de produção, da
distribuição do poder e da riqueza entre as classes, das tendências
à secularização e racionalização que se mostravam em todas as
áreas das atividades humanas.
As transformações ocorridas, principalmente no século 18, na
estrutura econômica com a Revolução Industrial e na estrutura
política com a Revolução Francesa, trouxeram crises e desordens
na organização da sociedade, o que levou alguns pensadores a
concentrar
suas
reflexões
sobre
as
suas
conseqüências.
Preocupado em encontrar remédios para as crises sociais, os
positivistas como Saint-Simon (1760-1825) no início do século 19,
chegaram à conclusão de que os fenômenos sociais, como os
físicos, estavam sujeitos a leis rigorosas. Principalmente para
Comte, a desordem e a anarquia imperavam em razão da
dominação de princípios (teológicos e metafísicos) que não podiam
mais se adequar à sociedade industrial em expansão. Era, portanto,
necessário superar esse estado de coisas, usando a razão como
fundamento de uma reforma intelectual plena do homem. Cria então
a “física social” que depois denominou sociologia.
É dentro desse contexto histórico que devemos compreender
as contribuições dos clássicos do pensamento sociológico: Marx,
Durkheim e Weber.
As mudanças ocorridas como conseqüência da Revolução
Industrial fizeram emergir também a organização dos trabalhadores
em associações e sindicatos bem como o socialismo que visava a
uma alternativa para o capitalismo. Essas mudanças tiveram como
resultado o desenvolvimento de um pensamento explicativo da
realidade para se definirem as possibilidades de intervenção. Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) procuram estudar
a sociedade capitalista a partir de seus princípios constitutivos e seu
desenvolvimento. Sua preocupação fundamental é analisar, o mais
profundamente possível, as contradições da sociedade capitalista,
com o objetivo de colocar à disposição dos trabalhadores uma arma
eficaz para as suas lutas contra o capital. Com base neles, muitos
pensadores desenvolveram trabalhos em vários campos do
conhecimento, tais como Lenin (1870-1924), Trotsky (1879-1940),
Rosa de Luxemburgo (1871-1919) e Gramsci (1891-1937).
Mais tarde, na esteira do positivismo de Comte, surge Èmile
Durkheim (1858-1917), que procurou insistentemente definir o
caráter científico da sociologia. Sua preocupação com a ordem
social leva-o a afirmar que o elemento fundamental da sociedade é
a integração social que aparece, em sua obra, por meio do conceito
de solidariedade que permite a articulação funcional de todos os
elementos da realidade social. Sua obra influenciou outros
pensadores relacionados com a sociologia e a História. Assim,
Marcel Mauss (1872-1950), Maurice Halbwachs (1877-1945), Marc
Bloch (1866-1944), Talcott Parsons (1902-1979), Roberty Merton
(1910-?), trilharão os caminhos sugeridos por Durkheim.
No mesmo período de Durkheim, Max Weber (1864-1920), na
Alemanha, em outro contexto cultural e histórico, buscava sua
explicação para a sociedade. A unificação alemã e o processo de
industrialização tardio vão afetar, de modo significativo, o seu
pensamento. Suas idéias percorrem os caminhos variados da
história econômica, passando por questões religiosas, pelos
processos burocráticos e pela discussão metodológica das ciências
sociais. Seu ponto de partida é a compreensão da ação dos
indivíduos,
atuando
e
vivenciando
situações
sociais
com
determinadas motivações e intenções.
Em síntese, podemos dizer que essas três vertentes, a
marxista ou histórico-cultural, a durkheimiana ou funcionalista e a
weberiana ou compreensiva, vão inspirar outros pensadores que,
refletindo sobre a realidade em que vivem, mesclando ou não
contribuições de diferentes linhas teóricas, demonstraram a
possibilidade de responder aos desafios do mundo contemporâneo.
Como afirma Quintanero, foi a partir da obra realizada pelos
clássicos que a sociologia moderna se configurou como um campo
de conhecimento com métodos e objetos próprios. Com o tempo,
nenhum tema escaparia ao seu conhecimento: o Estado, as
religiões, os povos “não-civilizados”, a família, a sexualidade, o
mercado, a moral, a divisão do trabalho, os modos de agir, a
estrutura da sociedade, e seus modos de transformação, a justiça, a
bruxaria, a violência (Quintanero).
Ora, neste início do século 21, os desafios continuam,
permanecendo a sociologia a “ciência das crises”. Para Ianni,
quando a globalização se constitui como novo emblema da
sociologia, as teorias sociológicas que ainda predominam, em suas
implicações
metodológicas
e
epistemológicas,
são ainda
o
marxismo, o funcionalismo e a teoria weberiana (Ianni, 1997). É
evidente que em algumas interpretações da globalização e de
problemas do mundo moderno aparecem a fenomenologia e outros
pontos de vista, como evolucionismo, as teorias da ação social, da
ação comunicativa, do interacionismo simbólico. Mas o marxismo, o
funcionalismo e a teoria weberiana “são as três poderosas matrizes
do pensamento científico que nunca deixaram de contemplar o
indivíduo, a ação social, o cotidiano e outras manifestações das
diversidades da vida social”. (Ianni, 1997). Durkheim está presente
no estruturalismo e na teoria sistêmica, pois autores modernos
redescobrem o princípio da causação funcional com o qual
nasceram e se desenvolveram o funcionalismo e os neofuncionalismos. Marx serve de inspiração a muitos autores
dedicados a interpretar as configurações e os movimentos da
sociedade global, interpretações inspiradas, em última instância, no
princípio da contradição. E na medida em que se multiplicam os
estudos sobre a mundialização e a racionalização do mundo, a
ocidentalização
de
outras
sociedades,
tribos,
nações
e
nacionalidade, Weber torna-se presente. Ou seja, essas teorias,
ainda hoje, no início do século 21, “fertilizam a maior parte de tudo o
que se produz e se discute sobre as configurações e movimentos
da sociedade global” (Ianni, 1997). Temas como identidade
nacional, teorias do desenvolvimento e globalização, trabalho,
qualidade de vida e ambiente, transformação da sociedade
industrial e da pós-industrial, as novas representações de
temporalidade e espaço social, relações entre saber e poder, poder
e corpo, indivíduo e subjetividade, pluralidade de sujeitos, de lutas
sociais e de situações de dominação devem ser tratados a partir de
um olhar que busque, ao mesmo tempo, resgatar o pensamento
dos clássicos, por meio de autores contemporâneos (PUC, 2001).
Domingues lembra que teorias que enfatizam o plano micro da vida
social, o interacionismo simbólico e a fenomenologia, abordagens
que sublinham o caráter organizado da vida social, tais como as
intepretações funcionalistas de Merton, Parsons e Luhmann, o
estruturalismo de Bourdieu e a teoria de estruturação de Giddens, a
Escola de Frankfurt, representada por Adorno, Horkheimer e
Marcuse, com sua mescla de marxismo, freudismo e weberianismo,
devem ser levadas em conta quando se fala em teorias sociológicas
do século 20 (Dominguez, 2001).
Creio que Dowbor sintetizou bem os principais eixos da
sociedade global, eixos que têm em cada um deles, embutida, uma
contradição: a tecnologia, a globalização, a polarização econômica,
a urbanização e a transformação do trabalho. Enquanto as
tecnologias avançam rapidamente, as instituições correspondentes
avançam lentamente e esta mistura é explosiva. A economia
globaliza-se, mas os sistemas de governo permanecem no âmbito
nacional, gerando uma perda geral de governabilidade. A distância
entre pobres e ricos aumenta dramaticamente, enquanto o planeta
encolhe, a urbanização junta os pólos extremos da sociedade,
levando a convívios contraditórios cada vez menos sustentáveis,
deslocando o espaço da gestão do nosso cotidiano para a esfera
local, enquanto os sistemas de governo continuam na lógica
centralizada da primeira metade do século 20 e o mesmo sistema
que promove a modernidade técnica gera a exclusão social,
transformando o mundo numa imensa maioria de espectadores
passivos que deveriam estar se maravilhando com as novas
tecnologias surgidas (Dowbor, 1997). São esses os grandes
desafios da Sociologia no início do século 21.
Referências Bibliográficas
Dominguez, José Maurício. Teorias sociológicas no século 20. Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 8.
Dowbor, Ladislau. Globalização e tendências institucionais. In Ianni,
Octavio (org.), Desafios da Globalização. Petrópolis, Vozes, 1997,
p.15.
Ianni, Octavio. A sociologia numa era de globalismo. In Ferreira,
Leila da Costa (org.), A sociologia no horizonte do século 21. São
Paulo, Bom Tempo, 1997, p.13.
Ianni, Octavio, obra citada, p.23.
Ianni, Octavio, obra citada, p. 24.
Ianni, Octavio, obra citada, p. 24.
Puccamp, ICH – Projeto Pedagógico do Curso de Ciências Sociais
– 2001.
Quintanero, Tânia. Um toque de clássicos. Belo Horizonte, UFMG,
p.16.
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