1 Transição Urbana e Transições Demográficas José Eustáquio

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Transição Urbana e Transições Demográficas
José Eustáquio Diniz Alves1
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A história do surgimento das cidades não chega a 6 mil anos e só foi possível após a revolução
agrária – ocorrida entre 10 e 12 mil anos atrás, quando ocorreu a domesticação dos animais e o
domínio da agricultura – que possibilitou a geração de um excedente de produção capaz de
sustentar uma população que passou a viver no meio urbano e se beneficiou da disponibilidade de
recursos de subsistência advindos do meio rural. Foi com a agricultura e a pecuária que os povos
caçadores-coletores (nômades) deram o passo decisivo para o domínio da natureza e para o
processo de fixação (sedentarização) urbana. Não resta dúvida de que as cidades são fruto dos
avanços da produtividade rural, pois não conseguriam viver de outra maneira.
Mas as cidades se mantiveram limitadas dentro de um território definido não pela cidade em si, mas
pela disponibilidade de produtos agro-pecuários que ela era capaz de absorver em sua área de
influência e domínio. A área de influência das cidades sempre foi limitada pela própria
produtividade urbana e do grau de sua força militar e política. Assim, o crescimento das cidades
dependia de uma dupla determinação: as cidades cresciam em função da produtividade rural e sua
área de influência dependia da capacidade da cidade de manter um determinado território sob
controle (militar, político e/ou econômico).
Até o final do século XVIII mais de 95% da população mundial estava no meio rural e as taxas de
mortalidade e natalidade eram extremamente altas. Tudo isto começou a mudar com a Revolução
Industrial que possibilitou a criação exponencial de máquinas e equipamentos e o uso de energia não humana ou animal - no processo produtivo em massa. O desenvolvimento científico e
tecnológico da sociedade urbana industrial – mesmo não sendo aquele de caráter humanista
defendido pelos pensadores Iluministas - propiciou um grande desenvolvimento econômico e
social.
Esta Revolução Industrial, Científica e Tecnológica se concentrou no meio urbano e possibilitou o
crescimento e o desenvolvimento das cidades. Mas os ganhos não vieram de forma linear. Ao
contrário, as condições de saúde e a esperança de vida piroram nas cidades no começo da Transição
Urbana. Só com os avanços da produtividade industrial, com a melhoria das técnicas agricolas, com
a melhoria dos transportes e com o avanço da medicina e do saneamento básico foi que as taxas de
mortalidade começaram a baixar e houve um progressivo aumento da esperança de vida. Assim, a
partir de uma determinada etapa, a Transição Urbana propiciou o início da Transição Demográfica.
A Transição Urbana sem dúvida influenciou muito a Transição Demográfica. As primeiras
abordagens teóricas da Transição Demográfica tiveram origem na Teoria da Modernização. De
forma bastante resumida a Teoria da Modernização diz que os ganhos de produtividade da
economia possibilitaram o aumento da oferta de bens e serviços, criando as condições para a queda
das taxas de mortalidade. A fecundidade permaneceu alta em decorrência das doutrinas religiosas,
dos códigos morais e dos costumes comunitáros e familiares da sociedade tradicional. Com o
advendo da sociedade moderna mudam-se os costumes e os velhos tabus e preconceitos são
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Professor titular da ENCE e coordenador da Pós-graduação do IBGE
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superados e passa a haver um controle generalizado da fecundidade. No primeiro momento existe
uma aceleração do crescimento vegetativo da população, mas com a continuidade de queda das
taxas de natalidade o crescimento natural diminui, podendo até se tornar negativo.
As abordagens mais simplistas identificam a Transição Urbana como a passagem de uma sociedade
tradicional (ou feudal) para a sociedade moderna (ou urbana e industrial). De maneira ainda mais
simples, se diz que a Transição Urbana foi a causa principal da Transição Demográfica. Na verdade
as duas Transicões se auto-influenciam e se reforçam, convivendo no mesmo espaço e tempo e só
em pequena parte podem ser entendidas como fazendo parte dos desdobramentos daquilo que o
Marquês de Condorcet chamava de “perfectibilidade humana”. Além disto, é preciso distinguir o
processo de Modernização dos processos de Ocidentalização e de Secularização e entender o
processo que Weber chamava de “desencantamento do mundo”.
A transição demográfica pode acontecer em sociedades predominantemente rurais. A Tailandia é
um caso típico. Mas o exemplo mais significativo é o da China que assistiu a Transição
Demografica antes da Transição Urbana. Segundo dados da ONU a área rural da China absorvia
mais de 2/3 da população chinesa quando se deu a grande queda da fecundidade nos anos 1970,
antes da dacroniana política de filho único, de 1979. Não foi a urbanização que derrubou as taxas de
fecundidade na China. Ao contrário, foi a Transição Demográfica – juntamente com as reformas
econômicas - que possibilitou a Transição Urbana e a diminuição das barreiras à migração ruralurbana (flexibilização do sistema de registro de residência conhecido como “hukou”).
Como mostrou Caldwell, a Transição Demográfica depende da reversão do fluxo intergeracional de
riquezas entre as gerações. Esta reversão é ajudada pela Modernização (urbanização e
industrialização), pela Ocidentalização e pela Secularização. Mas principalmente está relacionada
com as mudanças na estrutura familiar e nas relações entre os gêneros e as gerações. A Transição
Demográfica não é uma consequência deterministica da Transição Urbana.
Também a continuidade da Transição Demográfica não depende do grau de urbanização do pais. A
Segunda Transição Demográfica acontece em diversos ambientes urbanos e é explicada pela
diversificação dos arranjos familiares. A Terceira Transição Demográfica tem a ver com o processo
de retirada da procriação e o crescimento do percentual de pessoas e casais sem filhos. Embora as
características da Segunda e da Terceira Transição Demográfica sejam comumente mais
encontradas nas áreas urbanas, elas estão presentes também no meio rural. Além disto o rural do
século XXI não é o mesmo dos séculos anteriores. O chamado “novo rural” pode ser um espaço –
que mesmo fora das cidades – é caracterizado por uma sociabilidade que nada difere da
sociabilidade urbana.
Não é impossível se pensar em uma situação em que os países com fecundidade muito abaixo do
nível de reposição e com declínio populacional assistam a uma redução de suas populações e áreas
urbanas (que concentram as menores famílias) e um aumento percentual relativo de suas populações
rurais. Nesta hipótese, teremos as Transições Demográficas influenciando e determinando uma
certa reversão da Transição Urbana.
A transição urbana e as transições demográficas são dois fenômenos espaciais e sociais da maior
importância. São como dois filhos gêmeos da modernidade e que, ao crescerem, ajudaram a
reconfigurar o mundo moderno e, hoje, preparam as bases para a pós-modernidade.
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