UFRJ Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX Erica Sousa de Almeida Rio de Janeiro Setembro de 2010 UFRJ Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX Erica Sousa de Almeida Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas, na Área de Língua Portuguesa. Orientador: Dinah Maria Isensee Callou Rio de Janeiro Setembro de 2010 Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX Erica Sousa de Almeida Orientador: Profª. Doutora Dinah Maria Isensse Callou Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte integrante dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas, na Área de Concentração Língua Portuguesa. Examinada por: _______________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou – UFRJ (Orientador) _______________________________________________________________ Professora Doutora Therezinha Maria Mello Barreto – UFBA _______________________________________________________________ Professora Doutora Maria Maura Conceição Cezário – UFRJ (Lingüística) _______________________________________________________________ Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa – UFRJ (Língua Portuguesa) _______________________________________________________________ Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues – UFRJ (Língua Portuguesa) _______________________________________________________________ Professor Doutor Mario Eduardo Toscano Martellota – UFRJ (Suplente) _______________________________________________________________ Professora Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante – UFRJ (Suplente) Rio de Janeiro Setembro de 2010 ALMEIDA, Erica Sousa de Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX. Erica Sousa de Almeida - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2010. CCXCIV, 294 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ/FL/Departamento de Letras Vernáculas – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Orientador: Profª Dr.ª Dinah Maria Isensse Callou – UFRJ/FL/Departamento de Letras Vernáculas. Bibliografia: f. 265-273. 1. Modo Verbal. 2. Cláusulas Completivas. 3. Cláusulas Concessivas. 4. Conector. I. CALLOU, Dinah. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX. “Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada… Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro…” Clarice Lispector Agradecimentos Agradeço a Deus, sem o qual não teria tido oportunidade e força para concluir este trabalho. À Dinah Callou, pela orientação competente e comprometida com o trabalho da investigação científica. Dinah é exemplo de sabedoria, seriedade e vibração (paixão) em tudo o que se habilita a realizar. Obrigada por, muitas vezes, me orientar, na minha vida acadêmica e, também, na vida pessoal, sempre torcendo para que eu tenha êxito nos meus projetos. Aos queridos professores de Pós-Graduação Aparecida Lino, Leonor Werneck, Maria Eugênia Lamoglia Duarte, Maria Lúcia Leitão, Marcia Machado e Silvia Rodrigues, pelos ensinamentos obtidos nos Cursos realizados durante o Doutorado em Língua Portuguesa. À professora Célia Lopes, que me concedeu, ainda na época de minha graduação, a oportunidade de trabalhar no Projeto NURC. Às professoras Lúcia Helena e Maria Maura, pelas contribuições no Exame de Qualificação. Ao CNPq, por financiar os meus estudos na Pós-Graduação e tornar possível minha participação em Congressos e Seminários, dentro e fora do país. Aos amigos de Projeto NURC Elaine Tomé, Luana Machado, Luciene Martins, Priscila Guimarães Batista, Kate Portela, Suelen Sales, Vitor Campos, Vivian Paixão, pelas experiências compartilhadas na sala F-312. Aos alunos, com quem troco experiências, e que contribuem para o meu amadurecimento pessoal e profissional. Aos meus queridos pais, Pedro e Edeleuza, que sempre apostam nos meus propósitos de vida e se mantiveram presentes, ainda que não fisicamente, em todas as etapas de realização desta pesquisa. Obrigada por ter me mostrado a importância do conhecimento na vida profissional. À minha irmã Priscila, dedicada sempre a me ajudar. À minha família -- avó, tios e primos -- que, embora distantes, acreditam nas minhas escolhas, torcendo pelo meu sucesso. A meu marido, Fabiano, em especial, com quem tenho construído minha vida, com muito respeito, companheirismo e, sobretudo, amor. Sempre me encoraja e acredita que posso ser mais do que realmente consigo. Funciona, desde o Mestrado, como co-participante da minha trajetória profissional, suportando, inclusive, as minhas maiores tensões. A todos que torceram para que esta Tese, enfim, terminasse. SINOPSE Variação de uso do subjuntivo/indicativo, em estruturas completivas e concessivas. Análise em tempo real de longa duração, com base em amostras de fala e escrita, à luz dos pressupostos teóricometodológicos da Sociolingüística variacionista e do Funcionalismo. RESUMO ALMEIDA, Erica Sousa de. Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX. Rio de Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Analisa-se a distribuição das ocorrências de modo subjuntivo e indicativo em construções de dois tipos, do ponto de vista da relação que se estabelece entre a cláusula subordinada e a principal: subordinadas substantivas -- encaixadas -- e adverbiais concessivas. Discute-se o fato de que o uso dos modos verbais está diretamente relacionado ao grau de certeza⁄incerteza que se queira imprimir a um dado enunciado: com o indicativo, expressamse fatos tidos verossímeis e reais; com o subjuntivo, fatos possíveis, duvidosos, incertos, irreais ou hipotéticos. O subjuntivo constitui o modo marcado, em oposição ao indicativo, o modo não-marcado, já que ocorre em contextos em que não há restrição específica a determinado modo verbal. Parte-se dos pressupostos da teoria variacionista laboviana (Labov, 1972; 1994) -- uma análise em tempo real de longa e de curta duração -- e de algumas concepções do funcionalismo lingüístico (Givón, 1995). No que diz respeito às orações completivas, destaca-se que o uso do subjuntivo está relacionado ao componente semântico-lexical do verbo da oração matriz, fato comprovado desde o português arcaico e clássico. Há verbos que selecionam apenas o subjuntivo, verbos que selecionam apenas o indicativo, e verbos que apresentam uso variável do subjuntivo, a depender de restrições que operam na proposição, tanto na escrita quanto na fala culta e nãoculta. A análise revelou ainda que o efeito de negação e as relações temporais entre a oração matriz e a oração encaixada podem também atuar na seleção do modo verbal. No que diz respeito às orações adverbiais concessivas, observa-se uma cristalização de uso do subjuntivo. Os resultados da análise diacrônica evidenciam que o uso do modo verbal varia em função de fatores de natureza sintático-semânticos e extra-linguísticos. Na fala culta, o tipo de sujeito da oração concessiva pode interferir na escolha de determinado modo verbal e, na fala não-culta, com determinados conectores, a freqüência de uso do subjuntivo é menor. A análise torna ainda evidente que o uso do subjuntivo se especifica, na medida em que há (i) completa gramaticalização de certos conectores e (ii) restrição imposta pela própria norma gramatical. Pode-se concluir que, nas duas estruturas em foco, independente de a relação entre as cláusulas ser distinta, é o elemento à esquerda do verbo que comanda a seleção do modo verbal: nas orações encaixadas, esse elemento à esquerda é, fundamentalmente, o verbo da oração matriz; nas orações concessivas, o elemento à esquerda é aquele que introduz a cláusula subordinada, isto é, o conector. ABSTRACT ALMEIDA, Erica Sousa de. Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX. Rio de Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. This paper focuses on variable use of subjunctive and indicative mood in Brazilian Portuguese, not only in embedded clauses but also in concessive structures. The usual explanation is that there is a difference in meaning between the two constructions: the indicative mood expresses factual reality and the subjunctive mood expresses eventuality and potentiality (the irrealis hypothesis) and is considered by traditional grammar the prototypical mood of subordination. Our analyses are based on two oral samples (total of 1570 tokens) of standard dialect and non-standard dialects, recorded in two different periods of time, for a short term real time study (Labov, 1994), and on written texts from the 13th to the 20th century, for a long term real time study. Our hypothesis is that the use of subjunctive in embedded clauses is related to the semantic/lexical component of the main clause (the matrix verb): the results confirm that there are verbs which permit both indicative and subjunctive forms, and verbs which always select subjunctive or indicative mood. Mood choice may be conditioned by other, sometimes competing, semantic and syntactic factors, such as the negative effect and the correlation between time and mood. In concessive structures, syntactic and semantic constraints must be considered. The analyses reveal that (i) age-group differentiation: older -- rather than younger -- speakers use the subjunctive more often; (ii) in standard dialect, the type of the subject, in concessive structures, also play a role in mood choice; in non-standard dialect, depending on the kind of connective, the use of the subjunctive is less frequent; and (iii) the use of the subjunctive becomes specialized due to the grammaticalization of some conjunctions and also by restrictions imposed by prescriptive grammar. We conclude that, no matter the difference between embedded and concessive clauses, it is the left constituent which triggers mood choice: in embedded clause, the matrix verb; in concessive clause, the kind of connective. RÉSUMÉ ALMEIDA, Erica Sousa de. Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX. Rio de Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. On focalise l’usage du mode subjonctif et indicatif dans deux types de constructions : subordonnées substantives – encadrées – et adverbiaux concessives. On parle que l’usage des modes verbaux est directement liée au niveau de certitude/incertitude que l’on veut imprimer à une certaine énontiation: l’indicatif exprime des événements considerés veritables et réels ; le subjonctif, événements possibles, douteux, incertains irréels ou hypothétiques. Le subjonctif constitue le mode marqué, en faisant opposition à l’indicatif, le mode non-marqué, puisqu’il arrive dans contextes où il n’y a pas des restrictions spécifiques à certain mode verbal. On part des hypothèses de la théorie variationiste labovienne (LABOV, 1972; 1994) – une analyse en temps réel de longue et courte durée – et de quelques conceptions du fonctionalisme linguistique (GIVÓN, 1995). En ce qui concerne les propositions complétives, on met en relief que l’usage du subjonctif est lié au composant sémantique-lexical du verbe de la proposition matrice, ce qui est confirmé depuis le portugais archaïque et classique. Il y a des verbes qui font la sélection seulement du subjonctif, des verbes qui font la sélection seulement de l’indicatif, et des verbes qui présentent l’usage variable du subjonctif, ce qui dépend des restrictions qui se produisent dans la proposition, autant à l’écrit qu’à l’oral cultivé et non-cultivé. L’analyse a encore montré que l’effet de négation et les relations temporelles entre la proposition matrice et la proposition encadrée peuvent aussi agir dans la sélection du mode verbal. En ce qui concerne les propositions adverbiaux concessives, on remarque une cristalisation de l’usage du subjonctif. Les résultats de l’analyse diachronique montrent que l’usage du mode verbal varie à cause de facteurs syntaxique-sémantiques et extralinguistiques. À l’oral cultivé, le type de sujet de la proposition concessive peut intervenir dans le choix d’un certain mode verbal et, à l’oral non-cultivé, avec certains connecteurs, la fréquence de l’usage du subjonctif est plus petite. L’analyse montre encore que l’usage du subjonctif devient précise à la mesure où il y a : (i) l’entière grammaticalisation de certains connecteurs; et (ii) la restriction imposée par la règle grammaticale elle-même. On peut conclure que, dans les deux structures analysées, même si la relation entre les clauses est différente, c’est l’élément à gauche du verbe qui commande la sélection du mode verbal: dans des propositions encadrées, cet élément à gauche est, surtout, le verbe de la proposition matrice; dans des propositions concessives, l’élément à gauche est celui qui introduit la clause subordonné, c’est-à-dire, le connecteur. LISTA DE TABELAS Tabela 1: Fatores que contribuem na escolha de uso do modo subjuntivo nas orações subordinadas regidas por outros verbos que não falloir ‘ser preciso’ (Fonte: Poplack, 1990, p. 21) ........................................................................................................................................... 62 Tabela 2: Carga semântica do verbo da matriz (Fonte: Rocha, 1997, p.127) ....................... 73 Tabela 3: Listagem, em ordem alfabética, dos verbos que apresentam uso variável do subjuntivo em orações completivas, na escrita, do século XIII ao XX (variáveis em até duas sincronias) .............................................................................................................................. 99 Tabela 4: Freqüência de uso do subjuntivo, nos verbos que apresentam variação ao longo dos séculos, dispostos em ordem alfabética ................................................................................ 114 Tabela 5: Correlação entre o tempo verbal da matriz e o tempo da encaixada com o verbo dizer nos dados da escrita ...................................................................................................... 119 Tabela 6: Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação à época analisada ...................................................................................................... 123 Tabela 7: Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação à época e ao gênero textual ...................................................................................... 124 Tabela 8: Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação ao gênero textual analisado ...................................................................................... 125 Tabela 9: Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação ao tempo verbal da matriz ........................................................................................ 126 Tabela 10: Correlação entre o tempo verbal da matriz e o tempo da encaixada nas perífrases com o verbo dizer nos dados da escrita ................................................................................. 129 Tabela 11: Presença do subjuntivo⁄ indicativo por tipo de perífrase com dizer ao longo dos séculos ................................................................................................................................... 129 Tabela 12: Relação dos conectores concessivos através dos séculos .................................. 151 Tabela 13: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que ao longo dos séculos ............................................................................................................................ 204 Tabela 14: Posição da oração subordinada concessiva com o conector ainda que ............. 204 Tabela 15: Tipo de elemento interveniente entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva ............................................................................................................................. 205 Tabela 16: Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector ainda que em relação ao gênero textual analisado em cada século ....................................................... 213 Tabela 17: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a modalidade da proposição .......................................................................................... 214 Tabela 18: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com o estatuto informacional dos segmentos concessivos ................................................... 215 Tabela 19: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a época analisada ........................................................................................................... 215 Tabela 20: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com o tempo do evento em relação ao momento da enunciação .......................................... 215 Tabela 21: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a identidade entre os sujeitos das cláusulas ................................................................. 216 Tabela 22: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector como quer que ao longo dos séculos .................................................................................................................. 216 Tabela 23: Posição da oração subordinada concessiva com o conector como quer que ................................................................................................................................................ 217 Tabela 24: Relação entre o tipo de elemento interveniente entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva ................................................................................................... 217 Tabela 25: Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector como quer que em relação ao gênero textual analisado em cada século ................................................ 221 Tabela 26: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector embora ao longo dos séculos ................................................................................................................................... 222 Tabela 27: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector pero/empero (que) ao longo dos séculos .................................................................................................................. 223 Tabela 28: Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector pero/empero (que) em relação ao gênero textual analisado em cada século ........................ 226 Tabela 29: Relação entre o tipo de elemento interveniente entre o conector posto que e o verbo da oração concessiva ................................................................................................... 228 Tabela 30: Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector posto que em relação ao gênero textual analisado em cada século ....................................................... 232 Tabela 31: Freqüência do modo verbal de acordo com o verbo de opinião nos dados do NURC..................................................................................................................................... 237 Tabela 32: Freqüência do modo de acordo com o verbo de opinião nos dados do PEUL...................................................................................................................................... 237 Tabela 33: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados de fala culta e não-culta em comparação com dados da escrita ................................................................................................................................................ 242 Tabela 34: Percentual e peso relativo da variável pessoa verbal nos dados de fala culta ................................................................................................................................................ 244 Tabela 35: Percentual e peso relativo da variável presença de elemento de negação nos dados de fala culta ........................................................................................................................... 244 Tabela 36: Percentual e peso relativo da variável tempo verbal nos dados de fala culta ................................................................................................................................................ 244 Tabela 37: Análise de percentuais e pesos relativos da variável tipo de verbo da matriz (PEUL) .................................................................................................................................. 247 Tabela 38: Análise de percentuais e pesos relativos da variável gênero (PEUL) ................ 248 Tabela 39: Análise de percentuais e pesos relativos da variável tempo verbal (PEUL) ................................................................................................................................................ 248 Tabela 40: Uso do subjuntivo de acordo com a faixa etária (apenas dos verbos que admitem variação) nas duas variedades (NURC/PEUL) ..................................................................... 248 Tabela 41: Uso de subjuntivo quanto ao tipo de conector da oração subordinada na variante padrão (NURC) e não-padrão (PEUL) .................................................................................. 253 Tabela 44: Cruzamento entre o tipo de conector e a posição da oração concessiva (NURC/PEUL) ...................................................................................................................... 257 Tabela 45: Freqüência de uso do subjuntivo em cada uma das décadas analisadas nos dados de fala padrão e não-padrão .................................................................................................. 258 Tabela 46: Distribuição de uso do subjuntivo por faixa etária (NURC/PEUL) ................... 259 Tabela 47: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XIII ............................................................................................................ 282 Tabela 48: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XIV ........................................................................................................... 283 Tabela 49: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XV ............................................................................................................. 284 Tabela 50: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XVI ........................................................................................................... 285 Tabela 51: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XVII ................................................................................................ 286 e 287 Tabela 52: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XVIII ............................................................................................... 288 e 289 Tabela 53: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XIX .......................................................................................... 290, 291 e 292 Tabela 54: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XX ................................................................................................... 293 e 294 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo acreditar/crer ao longo dos séculos ...................................................................................... 116 Figura 2: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo cuidar ao longo dos séculos ............................................................................................................. 118 Figura 3: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo dizer ao longo dos séculos ............................................................................................................. 122 Figura 4: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo duvidar ao longo dos séculos ................................................................................................ 132 Figura 5: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo esperar ao longo dos séculos ................................................................................................ 134 Figura 6: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo jurar ao longo dos séculos ............................................................................................................. 136 Figura 7: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo mandar nos séculos em que há variação ............................................................................... 137 Figura 8: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo parecer ao longo dos séculos ................................................................................................ 140 Figura 9: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo pensar ao longo dos séculos .................................................................................................. 142 Figura 10: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo querer ao longo dos séculos .................................................................................................. 144 Figura 11: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo responder ao longo dos séculos ............................................................................................ 145 Figura 12: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo saber ao longo dos séculos .................................................................................................... 147 Figura 13: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo ver ao longo dos séculos ............................................................................................................. 148 Figura 14: Distribuição de uso por cada década em cada cidade (NURC) ......................... 244 Figura 15: Distribuição de uso por cada década em cada verbo (NURC) ........................... 245 Figura 16: Distribuição de uso por cada década de acordo com a idade (NURC) .............. 246 Figuras 17: Cruzamento entre o tipo de verbo e década, na cidade do Rio de Janeiro, nos corpora de fala culta ............................................................................................................. 246 Figura 18: Cruzamento entre o tipo de verbo e década, na cidade de Salvador, nos corpora de fala culta ................................................................................................................................ 247 Figura 19: Distribuição de uso por cada década em cada verbo (PEUL) ............................ 249 Figura 20: Distribuição de uso por cada verbo nas três faixas etárias (PEUL) .................. 249 Figuras 21: Cruzamento entre faixa etária e década, com o verbo e pensar (PEUL) ................................................................................................................................................ 250 Figuras 22: Cruzamento entre faixa etária e década, com o verbo dizer (PEUL) ................................................................................................................................................ 251 Figura 23: Distribuição de uso do subjuntivo pelo tipo de conector em cada uma das variantes ................................................................................................................................ 258 Figura 24: Distribuição de uso do subjuntivo por gênero nas duas variantes (NURC/PEUL) ................................................................................................................................................ 259 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Traços semânticos da modalidade e o uso do subjuntivo (cf. Givón, 1995, p. 132) .................................................................................................................................................. 14 Quadro 2: Traços controladores do uso dos modos verbais ................................................ 100 Quadro 3: Dados demográficos das cidades do Rio de Janeiro e Salvador, nas décadas de 70 e 90 (Fonte: IBGE) ................................................................................................................ 251 Quadro 4: Dados demográficos da cidade do Rio de Janeiro, nas décadas de 80 e 2000 (Fonte: IBGE) ....................................................................................................................... 251 Quadro 5- Relação dos inquéritos extraídos do Projeto NURC .......................................... 280 Quadro 6- Relação dos inquéritos extraídos do Projeto PEUL ........................................... 281 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Cf. → Conferir ou confrontar IBGE → Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística NURC → Projeto Norma Urbana Oral Culta Oco. → Ocorrência PEUL → Programa de Estudos sobre o Uso da Língua PHPB → Projeto Para uma História do Português do Brasil RJ → Rio de Janeiro SSA → Salvador Subj. → Subjuntivo VARSUL → Projeto Variação Lingüística Urbana no Sul do País VARPORT → Projeto Análise Contrastiva de Variedades do Português VALPB → Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba Vinf → Verbo no infinitivo SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1a 4 1. APRESENTAÇÃO DO TEMA .......................................................................................... 5 1.1 MODO E MODALIDADE ....................................................................................... 9 1.2 GRAUS DE INTEGRAÇÃO ENTRE AS CLÁUSULAS SUBORDINADAS ......16 1.3 CONSTRUÇÕES DE CONTRASTE: CLÁUSULAS ADVERSATIVAS E CONCESSIVAS............................................................................................................. 21 2. O MODO VERBAL: O ESTADO DA ARTE ................................................................ 29 2. 1 A TRADIÇÃO LATINA: OS MODOS VERBAIS EM LATIM CLÁSSICO E VULGAR ....................................................................................................................... 29 2. 2 O MODO VERBAL NA TRADIÇÃO GRAMATICAL ATRAVÉS DOS SÉCULOS ...................................................................................................................... 30 2.2.1 Século XVI ............................................................................................... 32 2.2.2 Século XVII ............................................................................................. 33 2.2.3 Século XVIII ............................................................................................ 34 2.2.4 Século XIX ............................................................................................... 39 2.3 O MODO VERBAL EM GRAMÁTICAS HISTÓRICAS ..................................... 44 2. 4 O MODO VERBAL NA TRADIÇÃO GRAMATICAL DO SÉCULO XX ......... 51 2.5 O MODO VERBAL EM GRAMÁTICAS DESCRITIVAS ................................... 57 2.6 O MODO VERBAL EM OUTRAS LÍNGUAS ROMÂNICAS ............................. 60 2.6.1 Em francês ............................................................................................... 60 2.6.2 Em espanhol ............................................................................................. 63 2.6.3 Em italiano ............................................................................................... 65 2.7 ESTUDOS MAIS RECENTES SOBRE O PORTUGUÊS ..................................... 67 3. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ................................................... 80 3.1VISÃO SOCIOLINGÜÍSTICA LABOVIANA ....................................................... 81 3.2 VISÃO FUNCIONALISTA .................................................................................... 86 3.3 METODOLOGIA DE ANÁLISE ........................................................................... 91 3.3.1 Construções encaixadas .......................................................................... 92 3.3.2 Construções concessivas ......................................................................... 94 3.4 CORPORA ............................................................................................................... 97 4. ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................... 98 4.1 ANÁLISE DOS DADOS DE ESCRITA: ORAÇÕES ENCAIXADAS ................. 98 4.1.1 Variação restrita a até duas sincronias ............................................... 100 4.1.2 Variação diacrônica ............................................................................. 114 4.2 ANÁLISE DOS DADOS DE ESCRITA: ORAÇÕES CONCESSIVAS ............. 150 4.2.1 Análise diacrônica ................................................................................. 150 4.2.2 Análise variacionista ............................................................................. 203 4.3 ANÁLISE DOS DADOS DE FALA ..................................................................... 235 4.3.1 Orações encaixadas ............................................................................... 235 4.2.1.1 Análise variacionista: dados de fala culta (NURC) ............... 243 4.2.1.2 Análise variacionista: dados de fala não-culta (PEUL) ......... 247 4.3.2 Orações concessivas: análise qualitativa e quantitativa .................... 253 5. CONCLUSÕES ............................................................................................................... 261 6. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 265 7. ANEXOS .......................................................................................................................... 274 7.1 PARTE 1 ................................................................................................................ 274 7.1.1 Dados de escrita ..................................................................................... 274 7.1.2 Dados de fala .......................................................................................... 280 7.2 PARTE 2 ................................................................................................................ 282 INTRODUÇÃO A alternância subjuntivo⁄indicativo tem sido objeto de estudo de diversas pesquisas em várias línguas românicas, como o português, francês, espanhol. O interesse pelo estudo deste tema surgiu do fato de não haver ainda uma pesquisa sistemática sobre a variação de uso do modo verbal, ao longo do tempo. De início, analisaram-se dados de fala Culta, com base nas amostras do Projeto NURC1, referentes a dois centros urbanos brasileiros: Rio de Janeiro e Salvador2. A estratégia de extensão à escrita e na linha do tempo partiu da necessidade de observar a distribuição de uso dos modos verbais, mais detidamente, a fim de responder às seguintes indagações: (a) em que contextos sintáticos o uso do subjuntivo ocorre? (b) em que contextos o subjuntivo pode ser substituído por formas do indicativo (ou o contrário)? (c) a alternância de modo constitui um fenômeno lingüístico de variação estável na língua ou de mudança em curso? (d) quando há possibilidade de comutação pelo indicativo, mantém-se o mesmo valor referencial? Para isso, neste trabalho, aborda-se a questão do uso dos modos verbais em orações subordinadas3 substantivas (orações completivas ou encaixadas) e em orações subordinadas adverbiais concessivas, com o intuito de verificar se a seleção do modo verbal em cada uma dessas estruturas -- não obstante a conexão distinta entre as cláusulas matriz e subordinada -- 1 Projeto NURC (Norma Urbana culta), disponível na Internet www.letras.ufrj.br/nurc-rj. Os resultados foram obtidos no trabalho piloto desta tese (Exame de Qualificação, 2008). 2 As cidades do Rio de Janeiro (RJ) e de Salvador (SSA) já foram objeto de análise de outros estudos, realizados por CALLOU & ALMEIDA (2008; 2009), em que se verificaram diferenças entre os comportamentos lingüísticos nas duas comunidades, de uma década para outra (70⁄90). 3 No presente trabalho, o termo “oração” será usado como equivalente à “cláusula”, “proposição”; a “oração principal”, por sua vez, como “oração/cláusula matriz”, “nuclear”. As orações tradicionalmente consideradas como “subordinadas substantivas”, serão identificadas como “completivas”, “encaixadas”, “estruturas de complementação”. 1 obedece a restrições de caráter morfossintático, semântico e⁄ou discursivo-pragmático. Partese da discussão de que a modalidade da incerteza não se restringe ao uso do modo subjuntivo, havendo outros elementos na proposição capazes de marcar essa nuance, ainda que o verbo não esteja no subjuntivo. Entende-se que o estudo do subjuntivo⁄indicativo nas cláusulas subordinadas deve considerar alguns aspectos: (i) a natureza semântica dos verbos é um aspecto importante na seleção do modo verbal na oração encaixada; (ii) há certos contextos em que não há a marca formal do subjuntivo, mas a idéia de incerteza permanece; (iii) a língua dispõe de outros mecanismos capazes de representar a modalidade da incerteza; (iv) as categorias de futuridade, identidade entre os sujeitos das cláusulas matriz⁄subordinada e negação influenciam o uso dos modos verbais; e (v) as gramáticas normativas prescrevem que as orações concessivas, em geral, sejam combinadas com o subjuntivo, sem considerar, por exemplo, que uma determinada concessão pode ser real ou suposta (Santos, 2003). A análise é realizada na interface da sociolingüística variacionista (Labov, 1972; 1994; 2008) e de pressupostos funcionalistas (Givón, 1995; Hopper & Traugott, 1993). A partir dessa perspectiva, a distribuição de modos verbais pode ser vista a partir da vinculação entre os elementos que compõem as cláusulas na estrutura lingüística, em uma dimensão escalar. Os objetivos principais que norteiam este estudo do subjuntivo⁄indicativo em orações subordinadas substantivas e adverbiais concessivas são: (i) tecer uma abordagem crítica, a partir de um estudo de tempo real de longa e de curta duração (Labov, 1972; 1994; 2008), sobre o uso do subjuntivo⁄indicativo nas sentenças analisadas, em uma perspectiva sintática e semântica; 2 (ii) apresentar, de modo coerente, uma descrição dos diferentes contextos em que o modo subjuntivo tem sido usado ao longo dos séculos nas sentenças analisadas, ou seja, procurar verificar se, ao longo dos séculos analisados, houve restrição nos contextos de uso dos modos verbais; (iii) buscar verificar se, nos contextos analisados, haveria unidade de aspectos sintáticos e⁄ou semânticos que possam explicar o uso de um ou de outro modo verbal nas orações substantivas e adverbiais concessivas; (iv) descrever as diferentes restrições que atuam no processo de mudança e⁄ou variação, no sentido da manutenção ou adaptação das estruturas gramaticais (modos verbais); contribuir para o estudo dos modos indicativo e subjuntivo nas sentenças (v) analisadas, no que se refere aos fatores que determinam a seleção do modo verbal na(s) oração(ões) subordinada(s). Esta tese compõe-se de sete capítulos. O capítulo 1 é dedicado à apresentação do tema abordado, bem como aos aspectos relativos à distinção entre as categorias de modo verbal e modalidade, à vinculação entre as cláusulas subordinadas e à diferenciação entre as construções de contraste concessivo e adversativo. No capítulo 2, faz-se uma revisão bibliográfica dos modos verbais na tradição gramatical antiga e moderna do português. Revisita-se o tratamento do tema na tradição latina, em gramáticas históricas e descritivas, e em estudos específicos sobre o português e outras línguas. O capítulo 3 destina-se à descrição dos pressupostos teóricos que norteiam a pesquisa: sociolingüística (Labov, 1972; 1994; 2008) e a teoria funcionalista americana (Givón, 1995; Hopper & Traugott, 1993). Neste capítulo, apresentam-se, também, a 3 metodologia de análise, com as categorias controladas nas duas construções em foco -orações completivas e orações subordinadas concessivas --, e os corpora utilizados. O capítulo 4, por sua vez, traz a análise dos corpora à luz dos pressupostos já mencionados. Em um primeiro momento, analisam-se, qualitativa e quantitativamente, os dados de escrita das duas construções estudadas e, em seguida, os dados obtidos nas amostras de fala Culta e não-Culta. Busca-se, com isso, evidenciar quais seriam os fatores lingüísticos e extralingüísticos responsáveis pela variação de uso dos modos verbais na sincronia e na diacronia. O capítulo 5 dedica-se às conclusões gerais sobre a pesquisa realizada; e, no capítulo 6, apresenta-se a bibliografia que embasa o trabalho apresentado. Por fim, encontram-se os Anexos 1 e 2, relativos à descrição dos corpora utilizados e aos índices dos itens verbais, registrados na análise diacrônica. Em termos gerais, a pesquisa contribui para o aprofundamento de questões referentes ao nível morfossintático e semântico da língua portuguesa; em termos específicos, evidencia que a variação de modo, observada na língua desde a época mais remota, está diretamente relacionada a uma dependência de caráter semântico-sintático, sobretudo no que concerne à categoria modalidade-tempo que se queira imprimir a um determinado enunciado. No que se refere às restrições de cunho sintático, observa-se que o modo subjuntivo é dependente do elemento à esquerda, seja o verbo da oração matriz, no caso das completivas, seja o conector, no caso das adverbiais concessivas. 4 1. APRESENTAÇÃO DO TEMA Diversas gramáticas tradicionais (Brandão, 1963; Cunha & Cintra, 1985; Almeida, 1998; Bechara, 1999) atribuem à morfologia flexional de modo verbal impressão de atitudes do falante frente ao que enuncia. O modo na conjugação de um verbo vem a ser a maneira por que se realiza a ação expressa por esse verbo. (Almeida, 1998, p. 225) O modo assinala a posição do falante com respeito à relação entre a ação verbal e seu agente ou fim, isto é, é o que o falante pensa dessa relação. O falante pode considerar a ação como algo feito, como verossímil, como um fato incerto, como condicionada, como desejada pelo agente, como um ato que se exige do agente, etc. (Bechara, 1999, p. 213) Entende-se por modo a propriedade que tem o verbo de indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando, etc.) da pessoa que fala em relação ao fato que enuncia. (Cunha & Cintra, 1985) A partir dessas considerações, costuma-se distinguir, tradicionalmente, três modos verbais, cada um com funções distintas. O modo indicativo traduz uma ação que é expressa pelo verbo de maneira real e certa; o subjuntivo ou conjuntivo, por sua vez, expressa um desejo, sendo descrito como o modo responsável por fazer referência a fatos incertos, duvidosos ou indeterminados; e o imperativo indica um ato exigido do agente, definido como uma ação de império -- uma ordem, uma exortação, um pedido ou um conselho. Na concepção normativista, o subjuntivo tem a função de marcar a possibilidade de um evento, revelando uma ação não realizada e que é, fundamentalmente, dependente de outra ação -- expressa ou subentendida --, o que justifica o seu emprego em orações subordinadas. A oração subordinada, na subordinação completiva, funciona como argumento de um dos núcleos lexicais da frase superior, que pode ser um verbo (1), um nome (2) ou uma expressão (3). A seleção de um determinado modo verbal nessa oração depende, geralmente, da nuance semântica expressa pelo verbo da matriz. 5 (1)[Espero 4] [que estude o suficiente para ser aprovado no concurso]. (2) [É ideal] [que o projeto seja enviado até a próxima semana]. (3)[Tomara] [que eu consiga ganhar na Mega Sena]. Na subordinação concessiva, o uso do subjuntivo depende de fatores de natureza morfossintática, já que é determinado pela presença de certas conjunções concessivas (embora, ainda que, conquanto, posto que, se bem que, mesmo que, sem que, por mais que). (4) O povo não gosta de assassinos, embora inveje os valentes.5 Na análise dos modos verbais, verifica-se a “perda” de certos valores semânticos do modo subjuntivo (incerteza, possibilidade), que passam a serem expressos por outros mecanismos lingüísticos presentes na própria proposição. No caso das estruturas de complementação, esses elementos lingüísticos podem ser a modalidade da proposição (exemplos 5 a 7), a presença de elementos de negação (exemplo 8), etc. (5) não tinha assim mais negócio... era preciso que houvesse muito... né... de outra religião. (NURC) (6) é possível que você também use. (NURC) (7) disse que ele voltasse e estacionasse o carro mais próximo do meu fio. (NURC) (8) eu NÃO6 acho que tivesse essas grandes aptidões. (NURC) Estudos recentes sobre a variação dos modos verbais na língua falada (Pimpão, 1999; Fagundes, 2007; Oliveira, 2007; Callou e Almeida, 2008; dentre outros) têm revelado o fenômeno da variação entre as formas do subjuntivo⁄indicativo em diversas construções 4 Nas orações completivas, serão marcados, em negrito, os verbos da oração matriz e da subordinada. Nas orações concessivas, serão marcados, em negrito, o conector concessivo e o verbo da oração concessiva. 6 As palavras negativas serão escritas em letras maiúsculas e em negrito. 5 6 sintáticas, indo de encontro, até mesmo, ao que prescreve a tradição gramatical (exemplos 9 a 12). (9) ele não queria que a namorada dele ficava com esse cara, que esse cara foi safado com eles (PEUL) ⁄ O professor quer que as crianças produzam. (NURC) (10) usa-se muito... ah... dizer vou matine, e é a tarde, né; é, à noite, soiree, embora não usamos muito essa palavra (NURC) ⁄ e durante à noite eu faço também outra refeição... embora com menos coisas que engordem. (NURC) (11) Ela guarda mágoa, a outra num guarda não, mesmo que a gente briga cum ela... é só naquele momento (PEUL) ⁄ queimou-se toda, porque o figo, assim, logo tirado, mesmo que ele esteja mais ou menos maduro, mais ele tem uma viscosidade na casca. (NURC) (12) talvez eu não... não... não percebo bem a... a... a origem dessa... eh... designação (NURC) ⁄ talvez eu não vá influir muito bem na classificação do cinema. (NURC) A variação de uso dos modos verbais, nessas estruturas, evidencia que os diversos valores nocionais, impostos e defendidos pela norma gramatical, não caracterizam, satisfatoriamente, os modos verbais, sobretudo quando se analisam dados de fala, em que se percebe a interferência do indicativo, nas mesmas condições arroladas pela tradição normativa como obrigatórias para o uso do modo subjuntivo. A análise de textos antigos deixa claro, também, que, na história da língua portuguesa, as construções concessivas, podem ser marcadas, ora com verbos no subjuntivo, ora com verbos no indicativo, a partir de certas restrições impostas na proposição, o que parece revelar que essa variação modal não era aleatória (exemplos 13 a 20), mas sim motivada por determinados elementos. (13) antes 'q estes Mouros daqui vaõ , e vòs sede certos, que hos que eu leyxey no Castello saõ taes , que se defenderaõ bem, ainda que creo , que hos Mouros de hos ter em pouquo , nom cessaraõ do combate atée que ha noyte hos des-parta , e esso he o que eu mais desejo. (século XV) (14) Ora pon/ ho eu as minhas palauras na/ tua boca / salte e preega / e daquel / dya adeante ajnda queme queira / calar defalar dedeus nom posso. (século XIV) 7 (15) Responderião: q ue q uanto a desp achos q ue elle andava aservir os S enhor es de Pa la vra q eu ahi he q ue deveria pe- dir o desp acho ou a Proposta pa ra elle, e queixarse muito embora se lha não davão: mas q ue podia contar ainda com alguns a migos aqui; e q ue com hum q ue deixa Reconhecer como tal, Joze Egydio, tinha eu faltado aseu Resp eito não muito tempo antes. (século XIX) (16) Não ha muito, fazia eu estas reflexões, conduzindo | minha familia a ver a procissão de Corpus Christi, na | qual exhibem o espectaculo burlesco de São Jorge a ca- | vallo. || É uma grande estatua de páu, que embora fosse bem | esculpida nem como estatua teria merito, porque as | formas desapparecem debaixo de capas bordadas e das | lantejoulas. (século XIX) (17) Entõ offerece[mos nós a Deus] dous pássaros quando lhi damos [e consagramos] os nossos corpos e [as nossas almas. Aque-] lo que diz q[ue huu passaro]................. XXVIII e torcian-lhi a cabeça cõtra as pernas e vertiam o sanguy, pero que a cabeça nõ era partida do pescoço, demonstra-nos que assi devemos nós britar carne nossa per peendença e per astee- ça, que todavia no lhi tolhamos a vida. (século XIV) (18) E, peró que estes e outros louvores [h]ája déla, pera que em ti sela louváda, [h]ás-de consirár o módo e limitaçám que lhe sam Gregório nestas palávras dá <Greg.super Ezechielem ca.x>: No mál, a vergonha é louváda e no bem reprensível; no mál, é sapiênçia, no bem sandice. (século XVI) (19) E couzas mui bonitinhas Sete sacos bem cheos De mui bellas camarinhas; Tambem hia’ono prezente Humas mui ricas Peruas, que por mais que me cancei, nam pude achar mais que duas. (século XVIII) (20) Mas a Verdade, por mais que se encubra, sempre transpira. Três Embaixadores atenieses que, cinco ou seis anos depois do tal decreto, vieram a Roma, namoraram todos com os seus discursos; e, não obstante a repugnância de Catão e de alguns outros, os estudos das Belas-Letras se introduziram em Roma, e cada dia mais se aumentaram. (século XVIII) O estudo dessas construções possibilita observar que, em um determinado momento da língua (século XX), as gramáticas passaram a eleger as formas do subjuntivo como representantes específicas das estruturas concessivas, sem considerar que essas cláusulas podem veicular circunstâncias contrárias, sem que sejam impeditivas ao que se afirma na cláusula subordinante. Dessa forma, parece evidente que a classificação dessas categorias não pode se fixar em aspectos estritamente normativos, que deixam uma lacuna, não explicando certos comportamentos, observados tanto no português atual quanto na história da língua portuguesa. 8 A seguir, apresenta-se a distinção entre as categorias de modo e da modalidade, a relação entre o grau de integração entre as cláusulas subordinadas e a diferença entre as cláusulas concessivas e adversativas, elementos necessários à elucidação de algumas questões. 1.1 MODO E MODALIDADE Mesmo que a distinção entre o modo verbal e a modalidade não seja observada em todas as línguas, existe, pelo menos, em português, uma associação entre essas duas categorias, visto que a modalidade pode ser expressa pelo uso do modo verbal, ou seja, pela sua própria morfologia flexional. Mateus et alii (2004) ressaltam que essa relação ocorre de diferentes maneiras, já que entre modo e modalidade ocorre uma série de nexos. Quando se busca descrever a categoria de modo em português, é importante assinalar o que se entende por modo verbal e modalidade, já que há alguns critérios de conceituação que igualam essas duas noções. Segundo Brandão (1963, p. 382), Os modos são as formas assumidas pelo verbo para indicar certos estados de espírito em relação ao fato ou estados expressos por ele. [...] As denominações tradicionais dos modos amiúde carecem de propriedade, porquanto pode o mesmo modo mostrar o enunciado verbal sob prismas diversos. [grifos nossos] A citação de Brandão (op. cit) não menciona o termo modalidade, mas identifica que os modos verbais podem assinalar diversos valores nocionais. Ao analisar a finalidade expressa pela categoria de modo verbal, levanta-se a seguinte questão: o modo verbal teria a propriedade específica de assinalar modalidade ou haveria, na proposição, outros componentes capazes de fornecer tal informação? A respeito dos traços do subjuntivo A. Narbona Jimenez (1984, p. 94) tece a seguinte consideração: 9 Não é fácil – talvez nem seja possível -- chegar à marca semântica decisiva que explique seu emprego, por mais esforços que se tenha feito em tal sentido; dizer que o Subjuntivo é o modo da dúvida, do desejo, do hipotético, etc., em suma, da subjetividade, não é falso, mas tampouco é explicativo.7 Semanticamente, há distinção significativa entre o indicativo e o subjuntivo, tanto em orações principais como em orações subordinadas em contextos finitos. No que diz respeito ao caráter morfossintático, a ocorrência de um ou de outro modo verbal está condicionada a uma exigência da estrutura em que o verbo se encontra. Em outras palavras, há restrições para o uso de um ou de outro modo verbal a depender do tipo de proposição em que esteja inserido, como é o caso, por exemplo, do uso do subjuntivo em orações subordinadas substantivas, dependente do item lexical da matriz, ou seja, do verbo da oração matriz ou principal. Segundo Raible (1983, p. 277), a questão dos modos verbais constitui um sistema de oposições, em que se concebe o modo indicativo como não-marcado -- caráter que explica seu múltiplo uso. Em alguns casos, contudo, há a possibilidade de alternância de flexões morfológicas modo-temporais, uma vez que se pode escolher pelo uso de uma ou outra forma verbal, como é o caso de certos predicados de opinião, em orações completivas, a saber, crer, pensar e achar. Câmara Jr. (1985) afirma que o modo indicativo tem, cada vez mais, invadido a área dos outros dois modos (subjuntivo e imperativo), restando para outros elementos da sentença, como advérbios, o papel de traduzir as noções de incerteza e de dúvida. Câmara Jr. (1985), assim como Raible (1983), demonstra que o indicativo é o modo mais geral, não-marcado, e se opõe ao subjuntivo, o modo marcado. O subjuntivo assinala 7 No original: No es fácil – quizá no sea posible – dar con la nota semantica decisiva que explique el empleo del mismo, por más esfuerzos que se hayan hecho en tal sentido; decir que el Subjuntivo es el modo de la duda, del deseo, de lo hipotético, etc., en suma, de la subjectividad, no es falso, pero tampoco es explicativo. 10 uma tomada de posição subjetiva do falante frente ao processo verbal. Para os autores, há entre o modo subjuntivo e a palavra à que está ligada (advérbio talvez, conjunções, verbo da oração matriz) uma relação de dependência sintática e semântica. O modo, em nível morfológico, constitui uma mera flexão do verbo, condicionado, sintaticamente, pelo verbo da oração a qual se subordina, no caso das orações completivas. O uso do modo subjuntivo assume um efeito redundante, já que outros elementos podem marcar a modalidade. Dessa forma, ainda que o modo indicativo seja responsável por determinar certeza ao enunciado, este pode assumir a interpretação de incerteza se ocorrer, na sentença, uma palavra que traduza essa noção semântica. Quando se analisam dados reais da língua, verifica-se que há, como já se disse no item 1, alguns contextos em que a idéia de incerteza vem marcada por outros elementos lingüísticos e não pela morfologia flexional de modo: (21) geografia acho que NEM tive, NEM me lembro mais. (NURC) (22) porque eu acho que NÃO há necessidade disso. (NURC) As proposições (21) e (22) permitem indagar a respeito da inerência do traço pragmático de incerteza ao modo subjuntivo. Nessas orações, há certo grau de incerteza, mesmo que não haja o uso do subjuntivo. A análise dos modos torna-se complexa, na medida em que se sabe que, em alguns contextos, como os descritos em (21) e (22), há traços de incerteza, mas não se usa o subjuntivo. Percebe-se, com isso, que os matizes de nãofactualidade podem ser expressos por outros elementos da proposição. Nesses termos, pode-se entender a modalidade como “Uma categoria gramatical e/ou discursiva que nos permite verificar o posicionamento do locutor a partir da elaboração do seu enunciado, ou seja, 11 verifica-se a atitude do sujeito enunciador face àquilo que enuncia ao co-enunciador” (Dota, 1994, p.174). A modalidade, dentre outros aspectos, pode ser vista como uma categoria gramatical que incide, semanticamente, não apenas sobre o verbo, mas sobre toda a proposição. Lingüisticamente, a modalidade estabelece-se entre o enunciador, o enunciado e a realidade. Nesse sentido, a noção introduzida pela modalidade é mais ampla, já que se encontra relacionada a uma dimensão pragmática e revela a atitude do falante, o seu julgamento acerca da informação proposicional da oração – quer seja de verdade, de probabilidade, de certeza, de crença, de evidência, de desejo, de preferência, de obrigação, de permissão, de necessidade, etc. O modo, por sua vez, corresponde a uma das maneiras de expressar modalidade, já que existem outras formas responsáveis por sua indicação, seja o léxico (com verbos modais e advérbios modalizadores), seja a sintaxe ou a entoação. Em uma discussão sobre os modos verbais, Palmer (1986, p. 9-10) ressalta a afirmação de Jespersen (1924) referente aos modos indicativo, subjuntivo e imperativo: [...] expressa certas atitudes da mente do falante concernente ao conteúdo da sentença, embora em alguns casos a escolha do modo seja determinada não pela atitude do falante real, mas pelo caráter em si da cláusula e de sua relação com o nexo principal do qual é dependente. Além disso, é muito importante que se fale de ‘modo’ apenas se a atitude mental é mostrada na forma do verbo: o modo assim é uma categoria sintática, não uma categoria nocional.8 [grifos nossos] Além disso, é importante assinalar, segundo Mateus et alii (2004), os seguintes aspectos: 8 No original: express certain attitudes of mind of the speaker towards the contents of the sentence, though in some cases the choice of mood is determined not by the attitude of the actual speaker, but the character of the clause itself and its relation to the main nexus on which it is dependent. Further, it is very important that we speak of 'mood' only if the attitude of mind is shown in the form of the verb: mood thus is a syntactic, not a notional category. 12 (i) cada modo pode se associar a mais de uma modalidade; (ii) não há relação direta entre os modos verbais e os diferentes tipos de modalidade, já que o modo subjuntivo pode ocorrer em contextos em que se espera o indicativo e vice-versa. As autoras, assim como Câmara Jr. (1981), ainda discutem o fato de haver dúvida quanto às propriedades semânticas introduzidas pelas formas do subjuntivo, uma vez que há, na maioria dos casos, uma forte exigência do contexto sintático no qual o verbo se encontra inserido. É claro, entretanto, que não se pode deixar de considerar que há contextos em que a alternância de modo verbal acarreta distinções semânticas. Isso nos permite afirmar que há um conteúdo nocional no uso dos modos verbais. Observem-se os exemplos das autoras, em que se transmite uma informação (23) e em que se dá uma ordem (24): (23) O Manuel disse que partem agora. (24) O Manuel disse que partam agora. Nos exemplos (23) e (24), o modo subjuntivo corresponde também a uma categoria discursiva. Para Pimpão (1999), assim como Mateus et alii (2004), os elementos pertencentes à modalidade da incerteza podem estar tanto acompanhados do uso do subjuntivo quanto do indicativo, a depender do contexto de ocorrência. Segundo Givón (1995), o emprego do modo subjuntivo tende a ocorrer como um dos recursos da modalidade irrealis, em que a atitude expressa pela proposição pode ser deôntica ou epistêmica. No eixo da modalidade irrealis, o falante tem uma posição avaliativa em relação ao conteúdo veiculado: as atitudes epistêmicas encerram verdade, crença, probabilidade, certeza e evidência, ao passo que as atitudes deônticas, também chamadas de 13 avaliativas, se referem ao desejo, preferência, intenção, habilidade, obrigação e manipulação. Givón (1995) destaca que o uso do modo subjuntivo se projeta em distribuição escalar, ou seja, o falante se posiciona, argumentativamente, a partir de avaliações baseadas nos graus de crença e de obrigação. Dessa forma, atribui-se à modalidade a função de marcar a atitude do falante em relação à informação proposicional. Observe-se o quadro abaixo, proposto por Givón (1995, p. 132). MODALIDADE ESCALA SEMÂNTICA ESCALA SINTÁTICA Deôntica forte Forte manipulação Infinitivo Deôntica fraca Fraca manipulação Subjuntivo Deôntica fraca Preferência Subjuntivo Epistêmica baixa Baixa certeza Subjuntivo Epistêmica alta Alta certeza Indicativo Quadro 1. Traços semânticos da modalidade e o uso do subjuntivo (cf. Givón, 1995, p. 132) É importante salientar, ainda, que a modalidade pode manifestar diferentes noções, tais como atitudes e opiniões, atos de fala, subjetividade, factividade, assertividade, possibilidade e necessidade. Ressalta-se, com isso, que a flexão do verbo no tratamento dos modos verbais é um dos recursos de expressar a modalidade. No presente trabalho – o uso do subjuntivo em orações subordinadas completivas e concessivas –, o sufixo de modo verbal não é a única marca de atitude do falante ao que se enuncia, visto que pode haver, na proposição, outros elementos sinalizadores da modalidade, como o verbo da oração matriz, o escopo de negação, o uso de advérbios, o uso de conjunções, etc. Enquanto a modalidade é uma categoria nocional, o modo verbal corresponde a uma categoria gramatical, sendo uma das maneiras de expressar modalidade. O ato comunicativo, assim, pode ser descrito como um processo bi-direcional que perpassa o seguinte eixo: 14 FALANTE (intenção comunicativa) ↓ ESTRATÉGIAS LINGÜÍSTICAS do falante (interação comunicativa) ↓ OUVINTE (intenção comunicativa) Ao modalizar o discurso, o enunciador instaura o que se convenciona chamar de espaço de virtualidade, a fim de expressar diferentes atitudes, a saber: certeza, dúvida, probabilidade, obrigação, necessidade, etc. Justifica-se, por conseguinte, no estabelecimento da comunicação, a presença de uma série de recursos lingüísticos responsáveis por precisar os sentidos do que se quer dizer. É importante considerar, sobretudo, as variadas estratégias lingüísticas usadas com o objetivo de atingir determinados propósitos comunicativos. A escolha de uso de um determinado modo verbal, como já se disse, tende a não ser aleatória, mas motivada por efeitos de sentido que se pretenda atingir. Patrick Charaudeau (2007, p. 39), em seu livro Discurso das mídias, reflete sobre o assunto das estratégias comunicativas: Comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos se sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolha de estratégias discursivas. Levando em conta essa concepção, as categorias gramaticais não teriam fronteiras gramaticalmente rígidas, já que estão sujeitas a pressões discursivas. 15 1.2 GRAUS DE INTEGRAÇÃO ENTRE AS CLÁUSULAS SUBORDINADAS Todas as línguas apresentam padrões distintos para conectar cláusulas. Nos períodos complexos, em português, há um elemento com função nuclear e outro elemento adjacente, que são estruturados a partir de diferentes graus de dependência e podem compor três processos sintáticos9, a saber, parataxe, hipotaxe e subordinação (Hopper & Traugott, 1993, p. 170): I Parataxe II > III Hipotaxe > Subordinação -dependente + dependente + dependente - encaixada -encaixada + encaixada Segundo esse quadro, proposto por Hopper & Traugott (op. cit), em Grammaticalization across clauses, teríamos o seguinte comportamento: em (I), relativa independência; em (II), interdependência, em que as cláusulas são dependentes, mas não se encontram encaixadas; em (III), encaixamento, em que se observa uma relação de dependência entre a cláusula nuclear e a marginal (subordinada). Dessa forma, os períodos complexos, em português, podem constituir, na subordinação, as cláusulas completivas (substantivas) e as cláusulas adjetivas restritivas. Na hipotaxe, encontram-se, por sua vez, as cláusulas adverbiais (concessivas, causais, temporais, etc.) e adjetivas explicativas. No período composto por subordinação, unem-se duas orações, que são, funcionalmente, distintas e estão em níveis hierárquicos diferentes, uma vez que uma das orações figura como a base -- oração principal -- e a outra oração, de complemento ou termo adjacente -- oração subordinada. 9 Em uma relação de conjuntos, a unidade subordinada O processo sintático apresentado por Hopper & Traugott (1993) é histórico. 16 (conjunto A) pode ser representada, metaforicamente, por uma unidade, gramaticalmente, inferior à oração principal (conjunto B). Azeredo (2008) destaca que o principal efeito da subordinação é o fato de a unidade subordinada assumir uma função sintática. Observem-se os exemplos (25) e (26). (25) mamãe dizia que tinha uma cristaleira daquelas velhas cristaleiras todas de vidro não sei quê. (NURC) (26) queimou-se toda, porque o figo, assim, logo tirado, mesmo que ele esteja mais ou menos maduro, mais ele tem uma viscosidade na casca. (NURC) Como se verifica nos exemplos (25) e (26), na relação de subordinação, agregam-se elementos morfossintáticos e semânticos de duas cláusulas: em (25), a unidade subordinada é introduzida pelo complementizador que; em (26), a unidade subordinada é introduzida pelo conector mesmo que. As orações completivas apresentam diferentes graus de integração na estrutura VERBO+COMPLEMENTO, que podem ser explicadas, sobretudo, pela noção semântica do verbo da oração matriz. Cezario (2001), em sua Tese de Doutoramento intitulada Graus de integração de cláusulas com verbos cognitivos e volitivos, destaca que a integração entre cláusulas com verbos cognitivos (achar, ver e saber) -- que imprimem as noções de certeza, incerteza, crença, percepção, conhecimento ou constatação -- é diferente daquela observada 17 nos itens verbais de caráter volitivo (mandar, querer e deixar) -- com sentido, de caráter, manipulativo. O processo de gramaticalização entre duas cláusulas pode ser tão forte que passem a integrar apenas uma única cláusula. Hopper & Traugott (1993), ao citar Thompson e Mulac, demonstram o caso dos parentéticos epistêmicos, think e guess, no inglês, que se esvaziam semanticamente, passando a expressar certa crença do falante ou do ouvinte, ou seja, verbos usados para qualificar uma determinada asserção. Nesse caso, o falante não assume uma posição epistemológica e a expressão I think assume função de advérbio, podendo perder, inclusive, a restrição quanto à sua posição na frase. Nos exemplos (27a) e (27b), o conectivo10 that não é utilizado para integrar as cláusulas, que são reanalisadas, passando a compor apenas um núcleo. (27) a. I think Commander Dalgleish writes Eu acho Commander Dalgleish (27) b. Commander Dalgleish Commander Dalgleish escreve poetry. poesia. writes poetry, I think. escreve poesia, acho. Eu Em um estudo sobre o uso do modo subjuntivo em cláusulas completivas, Callou e Almeida (2008) observaram que esse fenômeno também se verifica em português, com o verbo achar. A expressão ‘(eu) acho que’ pode perder a estrutura típica de complementação, passando a corresponder ao modalizador talvez, ocupando o final da sentença, deslocando-se de sua posição básica. No exemplo (30), o verbo achar, em duas de suas ocorrências, ocorre desacompanhado do conectivo que, comportamento também observado na língua inglesa com o verbo think. 10 Os conectivos integram dois ou mais itens sintáticos para formar um item composto de nível sintático mais alto. No presente trabalho, o termo “conectivo” será usado como equivalente a “item conjuncional”, “conector”, “conjunção”. 18 (28) Eu acho que se a gente procurar em antiquários aí a gente talvez ainda encontre máquinas. (Nurc) (29) Eu acho que aqui no Rio não há assim uma... Acho que é... (NURC) (30) mas eu não acho que seja eu acho, eu não achava até, né? (NURC) Segundo Givón (1995), a conexão entre o verbo e a cláusula subordinada encontra-se disposta em uma dimensão escalar (cf. item 1.1). O autor demonstra que, quanto maior a integração entre os eventos (semântica), maior será a integração morfossintática. O uso do verbo na oração subordinada no modo subjuntivo, por exemplo, indica que a integração entre as cláusulas está mais forte. (31) O professor quer que as crianças produzam. (NURC) (32) gostaria que você fosse bem sucedida no seu trabalho. (NURC) (33) Eu NÃO acredito que tenha alguém contra esse homem. (NURC) Um dos princípios que podem explicar a integração entre as cláusulas é o da iconicidade, segundo o qual dois eventos distintos passam a codificar uma única unidade semântica. Essa integração entre as cláusulas reduz, dentre outros aspectos, a possibilidade de o sujeito da oração subordinada poder receber marcação de agente. No paradigma sintático, há, inclusive, uma hierarquia na forma de codificar o referente na oração subordinada: em (34), há cláusulas menos integradas, já que a oração subordinada apresenta um sujeito agente, ao passo que em (35) o sujeito da oração subordinada é codificado com papel temático de tema. (34) alguém já disse que a Bahia exporta produtos de sobremesa. (NURC) (35) a gente não acreditava que isso pudesse acontecer. (NURC) 19 Martellota (1998), em Gramaticalização e graus de vinculação sintática em cláusulas concessivas e adversativas, discute o fato de que as orações subordinadas concessivas apresentam graus de vinculação maiores que as coordenadas adversativas. Em (36a), o grau de vinculação entre as cláusulas se limita à presença do anafórico isso que faz alusão à cláusula anterior, ao passo que, em (36b), a cláusula subordinada assume lugar de elemento anafórico, penetrando na cláusula principal. O autor ainda demonstra que as cláusulas adverbiais, além de apresentarem mobilidade, apresentam uma tendência maior de apresentar formas reduzidas, como se observa em (37), o que confere maior vinculação por parte das estruturas adverbiais. (36) a. Ele correu muito, ainda assim não se cansou. b. Ainda que ele tenha corrido muito, não se cansou. (37) Alguma coisa tem que ser feita, e sem dúvida tem que começar por nós, mesmo sabendo que o resultado não virá tão cedo. Para Martellota (1998), as orações subordinadas concessivas contêm um elo gramatical mais rígido (elemento de dependência - conector) do que às coordenadas adversativas, que, em geral, ordenam os fatos na disposição natural dos argumentos lógicos (a restrição ocorre, em geral, depois de sua base). Essa maior vinculação das orações adverbiais concessivas pode não chegar, contudo, ao encaixamento típico das orações subordinadas -seja pelo caráter da mobilidade concessiva (exemplo 38), seja pelo fato de que as cláusulas adverbiais poderem se referir não apenas a uma única cláusula, mas a todo um segmento textual (exemplo 39). (38) mesmo se eu não tivesse sumido pra sempre, é, a gente, dentro, da nossa cabeça, acho que a gente, arrumaria uma desculpa. (NURC) (39) é um sistema muito de quem indica... às vezes você sabe... você é uma universitária... você sabe... às vezes a gente se mata... né? estuda... não é? quantas vezes você concorreu ou ainda vai concorrer com pessoas assim::... que sabem menos que você... entendeu? apesar de eu achar que todo bem profissional tem um... tem 20 um lugar no mercado... entendeu? se ele for realmente um bom profissional... pô... vai ter o lugar dele... (D&G) Como se vê, há uma diferenciação quanto às restrições de caráter textual das subordinadas substantivas e das subordinadas adverbiais concessivas, já que as primeiras se relacionam, sintaticamente, com uma única cláusula matriz, ao passo que as segundas podem se relacionar a um conjunto de informações anteriores, sobretudo quando são introduzidas pelo conector apesar de (que). Nas duas estruturas subordinadas aqui tratadas -- independente de a relação entre as cláusulas ser distinta --, é o elemento à esquerda do verbo que comanda a seleção do modo verbal: nas orações encaixadas, esse elemento à esquerda é, fundamentalmente, o verbo da oração matriz (exemplos 40 a 43); nas orações concessivas, o elemento à esquerda é o conector que introduz a cláusula subordinada (exemplos 44 e 45). (40) O professor quer que as crianças produzam. (NURC) (41) me sento e espero que a sessão comece. (NURC) (42) eu acredito que a tendência é piorar. (NURC) (43) eu NÃO acho que tivesse essas grandes aptidões. (NURC) (44) eu estou diminuindo embora... ah/éh:: faça uso... feijão a gente consome mais o feijão. (NURC) (45) Apesar de que hoje é a mesma coisa, nível secundário, você só encontra o que é o Colégio Pedro II, que é o mesmo da época, né? (NURC) 1.3 CONSTRUÇÕES CONCESSIVAS DE CONTRASTE: CLÁUSULAS ADVERSATIVAS E As construções de contraste, em sentido lato, opõem dois fatos ou idéias, de valor negativo, já que, indicam, em geral, eventos excepcionais e situações inesperadas. Essas 21 construções, sintaticamente, podem ocorrer no período composto por coordenação (orações adversativas) ou por subordinação (orações concessivas). No entanto, Lobo (2003, p. 18) ressalta que “a aproximação lógica de coordenadas e de adverbiais reflete-se por vezes em comportamentos sintáticos semelhantes, levando a que nem sempre seja fácil estabelecer uma linha demarcadora entre coordenação e subordinação.” Cunha e Cintra (1985) atribuem às construções adversativas os valores semânticos de contraste, em que o conteúdo de uma oração se opõe à outra; já, nas construções concessivas, podem-se depreender os valores semânticos de contrariedade à expectativa, ou seja, a oração concessiva apresenta um fato contrário à ação expressa na oração principal, mas que não pode impedir a sua realização. No português contemporâneo, as construções adversativas (Azeredo, 2008), denominadas tradicionalmente de orações coordenadas adversativas, são introduzidas pelos conectores mas, porém, contudo, entretanto, no entanto, todavia. (46) A secretária dele é antipática, mas competente. (47) Eles estão velhos, contudo ainda com fôlego de jovem. (48) Comprei os ingressos para o cinema, entretanto deixei-os no bolso do paletó. Essas orações podem encerrar tanto uma oposição entre dois conteúdos (exemplo 49a) quanto à quebra de expectativa criada pela primeira proposição (exemplo 49b). A oração que introduz o contraste adversativo adquire realce, funcionando de argumento ao efeito de sentido que se pretende produzir. A comparação entre os exemplos (49a) e (49b) deixa nítida a diferença da força argumentativa dessas construções: em (49a), a idéia central do período está na oração de contraste; enquanto em (49b), a idéia central não está na oração de contraste e sim na oração principal. Gouvêa (2002), ao analisar o fenômeno da orientação argumentativa com os conectores mas e embora, destaca que o critério da progressão do texto 22 pode se dar (i) pelo enunciado introduzido pelo conector, como ocorre em (49a), ou (ii) pelo enunciado não introduzido por ele, como se observa em (49b). (49) a) O lutador era magrinho (base), mas derrubava todos os seus adversários (restrição). b) Embora fosse magrinho (base), o lutador derrubava todos os adversários (restrição). Nas construções de contraste concessivo, encerra-se um fato ou uma idéia ‘secundária’ para o conteúdo do restante do enunciado. Na sentença (49b), por exemplo, a compleição física idealizada do lutador – forte – que seria determinante para o seu desempenho, contraria a expectativa e deixa de ser fundamental. Com isso, pode-se dizer que a oração concessiva esvazia a força argumentativa do fato que enuncia. Dessa forma, considerando-se as proposições p e q, propõem-se os seguintes modelos (cf. Gouvêa, 2002, p. 39-40), a partir dos possíveis desenvolvimentos do discurso operados pelos morfemas mas e embora: a) p mas q: p sugere uma conclusão ‘r’ -- em (49a), logo não suporta uma luta -- que não é confirmada por q, o que significa que p e q apresentam orientações argumentativas opostas em relação à ‘r’. Assim, a força de q, contrária a ‘r’, é maior do que a força de p a favor de ‘r’, o que faz com que a estrutura p mas q opere no sentido de invalidar o ‘r’ (logo suporta uma luta). b) p embora q: p e q continuam a ter orientações argumentativas contrárias em relação à ‘r’. Nesse paradigma, a força de q, contrária a ‘r’, é menor do que a força de p a favor de ‘r’, o que resulta na orientação no sentido de ‘r’ (logo suporta uma luta). 23 Ducrot (1981), ao tratar da conjunção mas, reconhece que a propriedade de ‘ser magro’, explicitada em (49a), pode conduzir o destinatário a conclusões “não é forte” ou “não suporta uma luta”, mas a segunda proposição fornece uma razão para recusar essa conclusão. O autor trata a concessão como um processo que pode ser registrado em estruturas com mas e com embora, já que concerne a uma estratégia discursiva em que o locutor reconhece a razão a outrem, assinalando objeções à sua própria tese. A concessão, nesses termos, constitui um movimento argumentativo persuasivo importante, de aceitação do argumento contrário, a um ato de conciliação. Koch (2001), em Argumentação e Linguagem, confirma essa idéia, ao afirmar que toda concessão tem um valor justificativo, já que, ao incorporar as objeções do adversário real, se confere à própria tese uma importante força ideológica. Azeredo (2008, p. 306-307) aponta, sintaticamente, o conector mas como a adversativa típica e acrescenta que os demais conectores -- porém, contudo, todavia, entretanto, não obstante -- têm força adversativa, embora apresentem características mais de advérbio que de conjunção coordenativa. Observem-se os exemplos (50) a (52) em que essas unidades ocorrem no interior da oração: (50) Vivemos num mundo curioso. Tudo o que nele ocorre é global, universal e uniforme e, no entanto, os eventos que mais chamam atenção são os que têm um feitio único, singular, especial. (51) Sabíamos que ele voltaria à cidade e que, todavia, jamais procuraria os velhos amigos. (52) Manuela era uma dessas mulheres desiludidas do amor, e que, entretanto, se guardam toda a vida para um homem desconhecido. Hopper & Traugott (1994) propõem que essas orações de contraste – adversativo ou concessivo - apresentem, sintaticamente, diferentes graus de vinculação sintática, como já foi 24 visto anteriormente. Os autores destacam que a vinculação sintática entre as orações deve ser visto em um continuum, que parte da parataxe (maior independência sintática), tem como ponto intermediário a hipotaxe, até chegar à subordinação (maior dependência sintática). Segundo Martellota (1998), um dos importantes aspectos diferenciadores das construções de contraste é a mobilidade da oração adverbial concessiva, em oposição à rigidez posicional das orações coordenadas adversativas. No caso da coordenação, não é possível mover os elementos, sem alterar o sentido ou até mesmo criando frases agramaticais, como se observa em (53) e (54): (53) Há lugar para muitas coisas, mas não para detritos nucleares. (54) * Mas não para detritos nucleares, há lugar para muitas coisas. Se confrontarmos essas cláusulas com as orações subordinadas adverbiais concessivas, constatamos que, na subordinação concessiva, há mobilidade, uma vez que essas orações podem ocorrer em posição intercalada, anteposta, ou posposta à oração principal (exemplos 55 a 57). As orações coordenadas adversativas possuem uma posição fixa na estrutura frasal, com o conector coordenativo ocupando a posição inicial da oração que introduzem (exemplo 58). (55) E sôb este pensamento que – embora seja decor- | ridos alguns dias, e no brathro dos grandes aconte- | cimentos tenha amortecido já o arruido que produzio | um facto – tanto elle nos merece importancia que | por modo algum o deixaremos passar desapercebido. (século XIX) (56) Ainda que o vejam defendido por Guizot, nã[o] | podem julgal-o necessario á salvação das almas. (século XIX) (57) meu | amigo, as minhas licenças eu as dou a um | guarda da camara para as tirar, | porque só assim fico descançado de multas e outros| incommodos, embora pague por cada uma | 3 ou 4 $ RS. (século XIX) (58) Isto são cautelas dehu’ escrupulozo, mas não são sem grande fundamentos. (século XIX) 25 De acordo com Neves (2000), nas orações adversativas, admite-se uma proposição; já, nas orações concessivas, refuta-se uma proposição. (59) Tenho vontade de passear, mas tenho dor nos pés. (60) Embora eu tenha vontade de passear, tenho dor nos pés. É importante ressaltar, ainda, o caráter assimétrico dessas construções, já que a alteração na ordem de seus constituintes acarreta mudança na orientação pragmática. Decat (1993) também afirma que a anteposição do segmento concessivo, tal como se observa no exemplo (62), funciona como um guia, já que orienta para o conteúdo expresso pela oração nuclear. (61) Gosto de doces, mas não como. ⁄ Não como doces, mas gosto. (62) Embora tenha me preparado, não consegui passar no concurso. ⁄ Embora não consiga passar no concurso, tenho me preparado. Quanto ao estatuto informacional dos segmentos concessivos, Martellota (1998) destaca que as orações adversativas e concessivas antepostas tendem a veicular informação nova (exemplos 63 e 64), ao passo que as concessivas pospostas tendem a trazer informação dada (exemplo 65). (63) Per omde ysto se não pode chamar carta de Represareas, mas guerra manyfesta que se faz a meus vasallos. (século XVI) (64) E tamb~e , quãdo se ouvese de falar do direito, poderia ouvir Gaspar Vãz cõ os letrados do seu conselho; por que, ainda que ele nõ seja letrado, a sua Rezam he milhor que a dos letrados, e veera muy craramente quaes d'eles sam os que diz~e beem, sem lhe dizerdes nenh~u~ua cousa de vosa partida. (século XVI) (65) Em hu~ua Reposta minha pera elRey de França, que lhe aguora envia Onorato de Cays, seu embaixador, comvem que vaa declarada a demarcaçam do mar que he feita antre estes Reinos e os de Castela; e asy a que aguora fiz com o emperador, meu muyto amado e preçado irmão, no de Malaqua;e asy mesmo a costa de Guinee e Brasil, ou aquela parte d'elas que nas ditas minhas demarcações nom entrar e que eu aguora pesuyo, pelas ter descobertas, ainda que pertençam ao emperador. (século XVI) 26 Nem sempre é simples definir o caráter sintático dessas construções, já que há conectores que apresentam um caráter híbrido, ora adversativo, ora concessivo. A gramaticalização do conector pero (e suas variantes) evidenciou que esse conector, por exemplo, foi assumindo, ao longo do tempo, um caráter adversativo, embora tenha sido também registrado em proposições concessivas (exemplos 66 a 68). (66) Se padre ou madre teuere~ fillo ou fillos en seu poder e elles fezere~ faz(er) preyto alguu de diuida ou de conhocença ou doutra cousa qual quer tal preyto non ualha, pero os fillos seya~ de ydade (con)prida. (século XIII) (67) empero que algu~a molh(er) faça algu~a cousa destas que so~ suso ditas, no~ p(er)ça seu dereyto do h(er)dame~to q(ue) lhy uij~a da out(ra) parte quer de se(us) yrmaos quer doutros parentes ou de stranhos. (século XIII) (68) Toda molh(er) uyuuoa, pero q(ue) aya padre ou madre, possasse casar sen mandado delhes se quis(er) e non aya nenhu~a pe~a poren de a desherdarem. (século XIII) Na história da língua, as orações, com esse conector, podiam ocorrer pospostas, antepostas ou intercaladas à oração principal, o que atesta a sua mobilidade e, por conseguinte, o seu caráter de estrutura adverbial concessiva, em geral, acompanhado do item conjuncional que. Além do caráter concessivo, esse conector também ocorria em proposições com maior rigidez posicional de coordenação adversativa. Em (69), a oração com contraste adversativo, com esse conector, adquire realce, trazendo a informação mais relevante do período e a oração anterior -- introduzida pelo conector concessivo como quer que -- encerra um fato ‘secundário’ para o conteúdo do enunciado. A oração adversativa apresenta menor dependência sintática, podendo ocorrer isolada no período e, até mesmo, após um sinal de pontuação, o que seria indício de marcação de sua maior independência. (69) E porende como quer/ que prometese aabraham queo seu/ linhagem auja desser acrecen/ tado como as estre las do ceeo. per/ seu filho Jsaac. pero quis dar aseu / filho molher manjnha. (século XIV) 27 A natureza híbrida das orações com o conector pero, no século XIV, pode ser observada no exemplo (70), em que esse conector é antecedido pelo conector mas (mais), reforçando que a idéia de que, nessa época, o seu processo de fixação como conjunção coordenativa ainda não estava concluído. (70) Eassy me prazem mujto todallas pala/uras que me tu diseste. mais pero como/conheço aujda daalma ~e quamto he / eno corpo pollo mouer e pollo sentir do/ corpo. (século XIV) Assim, pode-se distinguir a coordenação adversativa e a subordinação concessiva pelos seguintes critérios sintáticos (cf. Mateus et alii, 2003): A oração introduzida pela oração coordenativa ocupa posição final do período; Há impossibilidade de movimento da oração coordenada; As conjunções coordenativas não são antecedidas por outra conjunção; As conjunções coordenativas podem ligar constituintes não-frásicos, conforme se observa no exemplo (71), ao passo que o mesmo não ocorre com a maioria dos conectores concessivos (exemplo 72); (71) Há, porém, nisto tudo algo de paradoxal. (72) * Há embora nisto tudo algo de paradoxal. Pode-se dizer, em linhas gerais, sobre os processos de coordenação e subordinação que 1. a coordenação opera sobre todos os tipos de categorias sintáticas, ao passo que a subordinação opera sobre unidades oracionais frásicas; 2. na subordinação, a oração desempenha sempre na subordinante uma função sintática e uma função semântica, mas isto não acontece na coordenação. 3. os constituintes das coordenadas nem sempre podem ter mobilidade. 28 2. O MODO VERBAL: O ESTADO DA ARTE As considerações a respeito do uso do indicativo e do subjuntivo (ou conjuntivo), nas várias gramáticas consultadas, são muito semelhantes. Costuma-se relacionar, nos compêndios gramaticais, o uso dos modos verbais ao grau de certeza⁄incerteza que se queira expressar em um enunciado. Defende-se, tradicionalmente, que, com o indicativo, expressamse fatos tidos verossímeis e reais; já, com o subjuntivo, fatos possíveis, duvidosos, incertos, irreais ou hipotéticos. As gramáticas normativas ressaltam que a distinção entre os modos verbais pode ser feita a partir de determinadas restrições, explicitadas na própria sentença. 2. 1 A TRADIÇÃO LATINA: OS MODOS VERBAIS EM LATIM CLÁSSICO E VULGAR Em Précis de Syntaxe Latine, Blatt (1952) reconhece que, já na época clássica, as nuances semânticas de deliberação e de dúvida podem ser expressas tanto pelo indicativo quanto pelo subjuntivo, além do fato de os eventos irreais poderem ser marcados pelo modo indicativo. O autor aponta a estreita relação entre as categorias do modo e do tempo verbal, já que o presente do subjuntivo e o futuro do indicativo podem expressar a nuance de desejo. Em The Latin Language, Palmer (1954) apresenta como contextos de substituição do subjuntivo pelo indicativo: perguntas indiretas, algumas orações causais e após expressões de dúvida. O subjuntivo é utilizado no lugar do indicativo em vários tipos de orações subordinadas, contexto em que esse modo verbal tende a se tornar mera marca de subordinação. Assume-se, na análise, que a distinção entre o indicativo e subjuntivo não seja nítida na língua latina. Faria (1958), na Gramática Superior da Língua Latina, ao tratar dos processos de subordinação, assinala que, no latim clássico, o subjuntivo já vigorava como índice de subordinação. Ao analisar a oposição entre o indicativo (modo da realidade) e o subjuntivo 29 (modo da vontade, do desejo), destaca-se que a seleção de modo verbal pode ser determinada pela natureza da oração e seu respectivo conectivo. Maurer Jr (1959) comprova que a língua vulgar apresenta um emprego mais reduzido do modo subjuntivo, substituído ora pelo indicativo, ora por perífrases com verbo auxiliar seguida de infinitivo. O uso do indicativo no lugar do subjuntivo é freqüente tanto na língua arcaica quanto nas línguas românicas. 2. 2 O MODO VERBAL NA TRADIÇÃO GRAMATICAL ATRAVÉS DOS SÉCULOS A fim de observar se houve mudança na análise dos modos verbais -- em séculos anteriores --, analisaram-se gramáticas do século XVI ao XIX. Apesar de já haver o reconhecimento lingüístico das línguas vernáculas, a reflexão sobre o pensamento lingüístico, no século XVI, realiza-se com base no modelo latino. Neste período, começa ocorrer uma revisão no próprio conceito de gramática, já que é o momento em que a língua vulgar, herdada da tradição oral e popular, principia a ganhar status de língua cultivada (Eleutério, 2003, p. 75). As gramáticas analisadas no primeiro século de reflexão sobre a língua portuguesa foram a Gramática da linguagem portuguesa, de Fernão de Oliveira (1536), a Gramática da língua portuguesa, de João de Barros (1540), as Regras que ensinam a maneira de escrever e a ortografia da língua portuguesa, de Pero Magalhães de Gândavo (1574), a Ortografia da língua portuguesa (1576) e a Origem da Língua Portuguesa, de Nunes de Leão (1606). A gramática de Fernão de Oliveira, de caráter reflexivo-descritivo, não pode ser considerada prescritiva, já que não tinha como objetivo “ditar” as normas a serem seguidas. Quatro anos depois, surge a gramática de João de Barros, em que se verifica uma tendência 30 noutra direção: ainda que contenha descrições de usos e utilize, em muitos casos, as mesmas categorias de Oliveira, o que prevalece é o caráter prescritivo. Em outras gramáticas do século XVI, tais como a Ortografia da língua portuguesa (1576), de Gândavo, e a Origem da Língua Portuguesa (1606), de Nunes de Leão, também prevalece o caráter prescrivista, encontrado em Barros. No século XVII, as gramáticas mantiveram a tradição de utilizar o método comparativo-analógico entre o português e o latim, com base no modelo prescritivista de análise, em que se estabelecem definições e normas a serem obedecidas. Analisa-se o modo verbal no Método Gramatical para todas as línguas, de Amaro de Roboredo (1619) e nas gramáticas Sintaxinha, Margens de sintaxe, e Anotações gêneros e pretéritos da arte nova, do Padre João Nunes Freire. Criadas as “Aulas Régias”, em 1759, são ministradas aulas de português, mas sempre de referência às regras da morfossintaxe latino-portuguesa. Buscam-se analisar os modos verbais na gramática Contador de Argote, de 1725; Orthographia ou Arte de escrever e Pronunciar com acerto a Língua Portuguesa, de Feijó, em 1729; e Arte da Grammatica da Lingua Portugueza, de Lobato, em 1770. Os estudos de lingüística histórico-comparativa, no século XIX, permitiram que se trabalhasse com o conceito de mudança lingüística, embora as diferenças ainda fossem concebidas como “erro” e “corrupção” da linguagem, tendo como justificativa o desleixo, ou mesmo, a falta de instrução por parte do produtor. Assim, era possível perceber, na leitura dos compêndios gramaticais, enorme resistência a toda e qualquer alteração, talvez pelo conservadorismo prescritivista, ancorado na análise exclusiva da língua padrão (literária). Sobre essa concepção, Soares Barbosa (1820, p. VIII), no prefácio de sua obra, reconhece que “Toda Grammatica he hum systema methodico de Regras, que resultão das observações 31 feitas sobre os usos e factos das Linguas” (s. n. IX). Neste século, analisam-se as obras Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, de Barbosa (1820); e Reflexões sobre a Língua Portuguesa, de Freire (1842). 2.2.1 Século XVI Na Gramática da linguagem portuguesa, Fernão de Oliveira (1536) classifica o modo verbal como sendo um gênero do verbo. Faz uma pequena análise de itens verbais, tomando como base o indicativo e o infinitivo. Não menciona a presença de outros modos verbais. A Gramática da Língua Portuguesa, de João de Barros (1540, p.17), é de caráter predominantemente pedagógico. Os modos verbais são concebidos como uma denotação da vontade em falando. Orientado pela tradição latina, destaca que há cinco modos verbais, a saber, indicativo, imperativo, outativo, subjuntivo e infinitivo -- caracterizados pelo critério referencial. O indicativo é concebido como o demostrador, porque, com esse modo, “demostramos a óbra que fazemos”, como no exemplo (73). Seguindo esse molde de classificação, o imperativo significa mandador (exemplo 74). O modo outativo tipifica o desejo (exemplo 75). O quarto modo, o subjuntivo, significa ajuntador, já que não pode vigorar sozinho no discurso (exemplo 76). O infinitivo quer dizer inacabado, porque necessita de números e pessoas. (73) Eu Leo. (74) António, lê. (75) Prouvésse a Deos que lesses. (76) Eu leria bem se ô continuasse. 32 (77) Nam posso conçerder-vos isto que pedis. Dos tempos do “modo d’ajuntar” (subjuntivo ou conjuntivo), listam-se os itens verbais do presente, do passado (acabado e inacabado) e do tempo vindouro (relativo ao futuro). Nas Regras que ensinam a maneira de escrever e a ortografia da língua portuguesa, de Pero Magalhães de Gândavo (1574) e na Ortografia da língua portuguesa (1576), de Nunes de Leão, discutiam-se noções ortográficas da língua portuguesa, não se encontrando, nessas obras, referências à questão do modo verbal. Na Origem da Língua Portuguesa, de Nunes de Leão, em oposição à postura normativista assumida na Ortografia da Língua Portuguesa, já considera a mudança das línguas um fato consumado “Si como em todas cousas humanas ha continua mudança & alteraçaõ, assi he tambem nas lingoages” (1606, p.5), mas não se registrou nenhuma referência ao tema da pesquisa em questão, já que a sua obra tinha como finalidade apresentar aspectos relacionados ao campo do léxico e dos empréstimos lingüísticos. 2.2.2 Século XVII Amaro de Roboredo (1619), em Método Gramatical para todas as línguas, no capítulo que trata das conjugações e das vozes verbais, não aborda especificamente os aspectos concernentes ao modo verbal, no entanto, utiliza, ao tratar dos tempos do particípio, a nomenclatura conjuntivo. Esses tempos, segundo o autor, podem ocorrer no presente, no passado ou no futuro, advertindo-se, que, quando perfeitos, significam determinadamente; quando imperfeitos, “se suspendem a orelha atee se juntar outro Verbo; com que se faça sentido, principalmente os segundos tempos [os imperfeitos] que por isso se dizem Conjuntivos” [grifos nossos] (1619, p.34). 33 Padre João Nunes Freire, nas gramáticas Sintaxinha, Margens de sintaxe, e Anotações gêneros e pretéritos da arte nova traz edições bilíngües latim-português, mas não se encontraram referências à explicitação do uso dos modos verbais. Nos materiais, não há alusão específica à língua portuguesa, já que se busca elaborar uma gramática de usos da língua latina. Tanto em Sintaxinha quanto em Margens de Sintaxe, elaboram-se explicações sobre a composição da frase latina, contendo anotações sobrescritas em português acerca da questão da estruturação sintática apresentada em latim. Em Anotações gêneros e pretéritos da arte nova, divide-se a obra em três partes: na primeira, elaboram-se considerações a respeito dos nomes latinos; na segunda, fala-se das formas verbais no pretérito e no supino; e na terceira, constrói-se um glossário dos nomes e verbos latino-português. 2.2.3 Século XVIII A gramática intitulada Contador de Argote (1725) é dedicada ao príncipe de Portugal, futuro Rei Dom José I. Escrita sobre a forma de diálogos entre o mestre e o seu discípulo, tinha como objetivo caracterizar as regras da língua portuguesa para o ensino da gramática latina, mas apresenta extensa descrição de usos sintáticos do português de prestígio. Divide-se a obra na análise da morfologia, sintaxe e ortografia. O próprio autor sinaliza que o objetivo da obra é o ensino da língua latina e não da portuguesa: “[...] a analogia, que se encontra entre a língua Portugueza, e a latina, e hum methodo facil, e claro pelas regras da primeyra conhecer, e praticar os preceytos da segunda. (Prólogo, s⁄n.)” No que diz respeito à análise dos modos verbais, no capítulo Dos Verbos, e das suas pessoas, modos e tempos, o autor afirma que os modos verbais correspondem à “Maneira de 34 significar do Verbo”. Perguntado, sobre quantas maneiras os verbos têm de significar, responde (1725, p. 53-55): As que basta explicar, e declarar, são quatro. (...) a maneyra de Significar, afirmando e mostrando⁄ (...) Amo, Amaras e Amey (...) ⁄ Modo indicativo (...) a maneyra de significar mandando ⁄ (...) Ama tu (...) ⁄ Modo imperativo (...) a maneyra de significar debayxo de alguma condiçaõ (...) ⁄ Ainda que eu ame, Se eu amasse (...) ⁄ Modo subjunctivo (...) a maneyra de significar sem afirmar nada (...) ⁄ Amar, Amando (...) ⁄ Modo infinito [grifos nossos] Ao explicar a diferença entre os modos verbais, Argote (1725) tenta defini-los, assim como fizera Barros (1540, p.17), com base no caráter referencial do próprio item. Afirma que indicativo é o modo usado para mostrar, porque a própria palavra significa mostrador; já o imperativo traduz mandante. Percebe-se, claramente, que há uma tentativa de atrelar a noção dos modos verbais, não apenas ao caráter referencial do sujeito da enunciação, mas também à tipificação das formas verbais. Atribui-se ao modo subjuntivo a nuance de condição, maneyra de significar debayxo de alguma condição (Argote, 1725, p.55). Na seção Das Conjugações dos verbos regulares, assinala-se o caráter sintáticosemântico do modo subjuntivo, já que este modo verbal, além de significar uma propriedade futura, é dependente de outra palavra e, para fazer sentido, é regido por algum outro verbo. O autor mostra como propriedade do subjuntivo a noção de dependência, como ocorre no exemplo (78), em que a seqüência eu ame não pode vigorar sozinha no discurso. (78) Permitta Deos que eu ame. 35 Na distribuição dos tempos do subjuntivo, listam-se o presente, o passado (um perfeito e dois imperfeitos) e os futuros perfeito e imperfeito. Segundo Argote, esses tempos verbais não são “firmes”, já que uma mesma palavra pode indicar presente ou futuro. Essa significação está associada à presença de outros elementos, tais como partículas, conjunções e verbos pelos quais o subjuntivo pode ser regido. Em (79), trabalhe indica presente; em (80), futuro, ambos os casos dependentes do contexto em que se inserem. (79) Posto que eu trabalhe, não estou cansado. (80) Posto que eu trabalhe, não hey de cansar. Argote (1725, p. 95) sinaliza a força das conjunções nas orações adverbiais, tanto que só fornece exemplos do subjuntivo nesse tipo de oração subordinada. Mestre. E porque em huns tempos puzestes a conjunçaõ posto que, em outros a conjunçaõ como. Discipulo. Porque nem todos os tempos do Subjunctivo se podem accomodar com qualquer conjunçaõ. Ao tratar das conjunções, considera a própria partícula como elemento que serve para unir o sentido de palavras da oração. Baseando-se no critério sintático-semântico, classifica as conjunções em (i) copulativas, que têm a função de atar as palavras com o sentido da oração; (ii) disjunctivas, com função de atar e unir as palavras, mas definem o sentido; (iii) condicionais, que fazem o sentido da oração condicional; e (iv) causais, que mostram e significam a causa de alguma coisa. É interessante observar que o autor caracteriza como elementos condicionais, não só o “se”, mas também os conectores, hoje considerados concessivos, “ainda que” e “posto que”. Seguindo a tradição de comparar o português com o latim, assim como ocorreu na gramática de Argote (1725), Feijó (1729), na obra intitulada Orthographia ou Arte de 36 escrever e Pronunciar com acerto a Língua Portuguesa, busca ensinar o português para facilitar o aprendizado com a língua latina. No capitulo Advertência necessária para a conjugação dos verbos, Feijó (1729) apresenta uma seção específica para os modos verbais. Nela, afirma que um verbo pode conter cinco modos e os define, assim como Argote (1725), recorrendo à etimologia contida no próprio item lexical. Assim, com o indicativo, o verbo mostra o que se faz ou se fazia, o que se fez ou se fará. Com o imperativo, o verbo significa mandando; já, com o optativo, o verbo significa desejando. No conjuntivo (ou subjuntivo), o verbo significa junto com outra coisa e, por fim, com o infinito, o verbo significa sem determinar a sua significação para pessoa alguma. Quando recorre à caracterização dos tempos, assinala que os tempos do conjuntivo são os mesmos do indicativo, a saber: presente, pretérito imperfeito, perfeito e mais que perfeito, futuros perfeito e imperfeito. No entanto, consideram-se as seqüências “Como eu amo⁄ como eu amava⁄ como eu amei⁄ como eu tinha amado⁄ como eu amar” como subjuntivas, pelo fato de estarem juntos ao que se denomina de “advérbio” como. O autor ainda registra que essas orações, introduzidas pelo item conjuncional como, somente farão sentido caso estejam juntas de outra oração, conforme ocorre em (81). Não se menciona, em nenhum momento, na nomenclatura -- oração subordinada versus dependente -- mas o exemplo evidencia esse caráter de dependência. (81) Como eu amo a Deos, não temo a culpa. Ainda sobre o subjuntivo, relata que, neste modo, também se ajuntam linguaguens, ou modos de falar, sem sequer explicá-los, apenas trazendo os exemplos transcritos a seguir (1729, p. 81): 37 (82) Posto que eu ame (...) (83) Ainda que eu ame (...) (84) Doulhe que ame (...) A forma do subjuntivo também ocorre na seção reservada ao modo optativo. (85) Oxalá amasse eu! (86) Queira Deos, que tenha eu amado! (87) Praza a Deos, que ame eu! O autor somente menciona o caráter semântico das formas amasse (tempo pretérito imperfeito), tenha amado (tempo do pretérito perfeito), que ame eu (tempo futuro). A Arte da Grammatica da Lingua Portugueza, de Lobato (1770), apresentou quarenta edições em menos de um século, o que mostra que se identifica com a intenção de D. José I e do Marquês de Pombal, que incentivam o ensino da gramática materna nos primeiros anos de escola. Na obra, o autor aponta algumas razões para uma gramática da língua materna, dentre as quais destaca a primeira razão que é falar sem erros. Também é apontado como relevância ao ensino de gramática o fato de se saberem os fundamentos da língua, que se fala usualmente. Lobato (1770, p.63) entende os modos verbais como as diversas inflexões, que o verbo tem, para exprimir as differentes maneiras de significar em varias diferenças de tempo. Lista quatro modos verbais, a saber, indicativo, imperativo, conjuntivo, infinito e repete a tradição de classificação dos modos verbais, expressa em Feijó (1729) e Argote (1725), já analisados anteriormente. No caso do subjuntivo, enumeram-se partículas com as quais esse modo verbal ocorre, como se, que, posto que, ainda que, como, mas não fornece exemplos elucidativos 38 acerca do tema. Por outro lado, na introdução da gramática, o próprio autor utiliza em seu texto, em contexto concessivo, um caso de indicativo. He tão manifesta a utilidade deste sábio arbítrio, que não precisa de demonstração. Ainda que tem grande dificuldade para se poder executar; porquanto os Mestres das escolas de ler de ordinário não tem a instrucção necessaria para ensinarem a falar, e escrever a lingua Portugueza por princípios (Introdução, XIV) 2.2.4 Século XIX Barbosa (1820, p.200), na Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, não se limita apenas a descrever alguns dos contextos em que o subjuntivo ocorre, mas fornece explicações para o seu emprego em português. No capítulo que trata Dos modos do verbo, define o modo verbal como “as differentes maneiras de enunciar a coexistencia do atributo no sujeito da proposição”. O autor ressalta que não há um consenso entre os gramáticos quanto ao tipo e número desses modos verbais, podendo ser considerados não só o Indicativo, Subjunctivo, e Infinitivo, mas também o Suppositivo, Imperativo, e Optativo. Para Barbosa (1820), a tipologia adequada deve ser mais simples, adotando-se apenas os três modos verbais, a saber, infinito ou indeterminado; indicativo, em que se enquadra o suppositivo ou condicional; e subjuntivo. Segundo o autor, deve-se partir da classificação das orações em principais, subordinadas (“nas quaes vão incluidas ja as incidentes, pois fazem sempre parte ou do sujeito, ou do attributo de humas e outras”) e regidas (“servem de complemento aos verbos, e ás proposições”). O modo infinito ou indeterminado é, assim, classificado por ser a forma primitiva de qualquer verbo (ser, haver, estar e ter e suas formas derivadas sendo⁄ sido, havendo⁄ havido, estando⁄ estado e tendo⁄ tido), empregados no discurso para completar outros itens verbais ou proposições. O indicativo, por sua vez, é descrito como 39 o principal e dominante no discurso a que todos demais verbos no período se referem, e que he a Linguagem directa, affirmativa, e determinante das mais Linguagens indirectas e subjunctivas do período, as quaes Ella determina, e que por isso lhe ficão subordinadas. O seu caracter proprio, unico, e incommunicavel he o ser absoluto e independente, e assim pode estar so, e figurar no discurso sem ajuda de outro modo (Barbosa, 1820, p. 202) [grifos nossos] O autor destaca que o subjuntivo é o modo dependente, subordinado, uma vez que a oração não faz sentido se isolada, independente de outra que determine a sua referência. Inclui, também, o modo optativo na linguagem subjuntiva. O terceiro modo é o subjunctivo, assim chamado porque suas linguagens vem sempre em consequencia de outras, pelas quaes são determinadas. Ellas enunciam a coexistencia do attributo no sujeito da proposição de um modo affirmativo, mas sempre precario, e dependente da affirmação de outro verbo, em cuja significação vá preparada a indecisão e incerteza propria da linguagem subjunctiva. O seu caracter próprio é não poder figurar só no discurso sem dependencia de outra oração clara ou occulta, a que fique subordinada sempre, e ligada ordinariamente pelo conjunctivo que. (Barbosa, 1820, p. 202) [grifos nossos] Como se pode verificar, especifica-se, nessa seção, a presença do subjuntivo apenas nas orações subordinadas introduzidas pela conjunção que, não se relatando a possibilidade desse modo verbal em outras orações, como é o caso das adverbiais ou orações independentes. Na descrição Dos Tempos do Modo Subjunctivo, destaca-se que o subjuntivo possui seis tempos: presente, pretérito e futuro, ambos sendo perfeitos (ou “acabados”) e imperfeitos (ou “inacabados”). Nessa seção, exemplifica-se com o caso de uma oração adverbial condicional, em que a forma subjuntiva ocorre em uma oração dubitativa, com o advérbio talvez: (88) Se partires no outro dia, talvez te possa acompanhar. 40 Com o tempo presente imperfeito, a ação é continuada, sem que se determine uma fronteira temporal final, delimitando ações que podem ser futuras, incertas e contingentes. As formas verbais -- a saber, seja, haja de ser e esteja sendo -- são dadas como exemplos desse tempo, que apresenta semelhanças com o futuro. O presente perfeito, por sua vez, trata de um tempo presente já acabado em relação ao momento presente, como em (89), ao qual não pode ser atribuída uma ação passada ou futura. (89) Estimo que tenhas vindo. Com relação ao pretérito imperfeito -- relativo a uma ação não acabada e em fluxo --, pode-se indicar uma ação no passado, no presente e no futuro, a depender do tipo de verbo que determine o sentido da oração em que o subjuntivo ocorre. Aqui, o autor já assinala a impossibilidade ou agramaticalidade da oração (91) determinada pela natureza do verbo da matriz. (90) a. Eu desejava que elle chegasse hontem. ⁄ que elle chegasse hoje.⁄ que elle chegasse á manhã. (91) *Duvidava que elle chegasse á manhã. O pretérito perfeito encontra-se sempre atrelado a uma ação no passado e conclusa, que não pode mais ser recuperada. (92) Se eu tivesse sido sciente disto, ou tivesse sabido isto ha dous dias, teria tomado outra resolução. O futuro imperfeito pode ser usado para descrever situações ocorridas no tempo presente em que falte algo, já que não é acabado. (93) Se eu for hoje ao campo, passarei por tua casa. 41 O futuro perfeito, por outro lado, é usado em ações já conclusas, uma vez que marca “uma ação futura, porêm já finda e acabada a respeito de outra também futura” (Barbosa, 1820, p.227). (94) Se á manhã a esta hora tiver chegado a Lisboa, ainda te poderei vêr antes de partires. No capítulo Da Conjuncção, considera-se como parâmetro para classificar um item lexical como conjunção a sua extensão, que deve ser “curta e não polysyllabas, primitivas e não dirivadas, simples e não compostas” (Barbosa, 1820, p.347). Barbosa (1820) elenca os elementos que devem ser excluídos das conjunções propriamente ditas, dentre as quais, podem-se citar os itens ainda que, posto que, bem que. Segundo ele, essas locuções só apresentam de conjuntivo o elemento que. Adiante, reanalisa a questão, tipificando essas locuções como frases ou formulas conjunctivas, uma vez que contêm mais de um sintagma e terminam com o elemento que. Nessa nova lista, encontram-se vários conectores concessivos, a saber: se bem que, como quer que, posto que, ainda que. Na seção em que aborda o caso das conjunções subjuntivas, somente apresenta o elemento que. As orações integrantes, segundo Barbosa (1820), “tem a função de completar a significação relativa do attributo da mesma, a qual sem isto ficaria incompleta e suspensa” e podem vir expressas pela linguagem indicativa, com asseveração e certeza, ou pela subjuntiva, quando o verbo afirma com receio e incerteza. O autor complementa a análise, afirmando que as orações subordinadas têm como característica peculiar serem enunciadas pela linguagem subjuntiva, ainda que possam pela indicativa. (95) Creio que me amas. (96) Quero que me ames. 42 Sobre as orações do subjuntivo, destaca que são sempre subordinadas; e as do indicativo são absolutas e independentes, excetuando quando ocorrem subordinadas pelas conjunções. Freire (1842), nas Reflexões sobre a Língua Portuguesa, divide a obra em três partes: na primeira, trata das questões sobre o valor das palavras; na segunda, aborda as noções de pronúncia; na terceira, trata da linguagem antiga, que representa a “mais copiosa doutrina”. Freire (1842, p.07) reconhece, em sua obra, muitas vezes, o prestígio de outros autores, como Barros: Se por aquelles tempos não apparecêra o isigne João de Barros, não teriamos obra, que pela linguagem merecesse ser lida com approveitamento, e gosto. Empenhouse este illustre homem em dar regras seguras á Língua, e em pratica-las em suas obras, escrevendo-as com termos tão próprios, e puros, que mereceu ser chamado o fundador da pureza, e elegância da sua língua, com tanta justiça, quantos foram os merecimentos para também o appellidarem na Historia o Livio Portuguez. O autor não trata, especificamente, dos aspectos relativos à própria estruturação da língua em sua forma mais elementar (caráter morfológico, sintático e⁄ ou semântico), antes faz um estudo sobre o léxico, não só do português como o de outras línguas, tendo por objetivo elaborar uma espécie de “glossário”, para louvar o estudo do português mais “primitivo”. No capítulo referente aos verbos, tece considerações apenas com o intuito de dirimir quaisquer desvios ortográficos. Valer. – Claro está que os exemplos são para se pronunciar val; mas não é exacto que vale se confunda com o substantivo seu homonymo valle que se escreve com dois ll. Não fazemos caso, por desusada, da voz do imperativo, que se usavam os latinos como forma de despedida, e que de raro se tomava por substantivo, v. g. como em Virgilio, vale aternum, adeos eterno: a mais ordinária significação de vale corresponde ao nosso trivial cumprimento passe bem; tenha saúde; e dahi nasceu que ainda não ha muitos anos era appendiculo obrigado em todos os prólogos, que não findavam sem esta costumada salvação ao Leitor, que era tambem por força ou pio, ou benevolo. (Freire, 1842, p. 168) 43 2.3 O MODO VERBAL EM GRAMÁTICAS HISTÓRICAS As gramáticas históricas constituem documentos importantes para o “conhecimento” da tradição lingüística de uma determinada época. Ao recorrer aos estágios anteriores da língua, fornecem informações, por exemplo, para o entendimento do tratamento dos modos verbais na história da língua portuguesa. Pereira (1929) afirma que há cinco modos verbais -- a saber, indicativo, condicional, subjuntivo, imperativo, subjetivo e infinitivo -- e mantém a concepção tradicional de conceber, semanticamente, o indicativo como sendo o modo da realidade, em oposição ao modo subjuntivo, da possibilidade. Argumenta que o subjuntivo em orações subordinadas é usado, normalmente, para expressar dúvida e incerteza. No entanto, introduz, na análise, a noção da importância da natureza do verbo da oração matriz (exemplos 97 e 98). (97) Duvido que venhas. (98) Sei que vens. Apesar de ser utilizado, fundamentalmente, em orações subordinadas, o autor aponta que o subjuntivo pode ocorrer nas orações independentes com valor de imperativo e de desejo, de concessão e de dúvida. No que diz respeito aos modos verbais, Dias (1959, p. 183), em Syntaxe Histórica Portuguesa, destaca que o indicativo constitui o modo “genérico”, visto que é empregado em todas as orações para as quais não há regra que exija outro modo. Ressalta a importância de distinguir orações principais e subordinadas no emprego do subjuntivo ⁄ indicativo. 44 Nas orações principais, o subjuntivo é usado nas estruturas que denotam, sobretudo, proibição, probabilidade, desejo, ou ainda, com sentido concessivo. No século XX, como se vê, já se atrela obrigatoriedade de uso do subjuntivo às orações adverbiais concessivas, idéia vagamente exposta até o século XIX. Nas orações subordinadas, o subjuntivo, ao qual não é atribuído nenhum valor específico, é usado (i) nas orações introduzidas pelo elemento conjuntivo que; (ii) depois de verbos substantivos e adjetivos que exprimem a idéia de fazer ou impedir que algo aconteça; (iii) em expressões que denotem receio de que um fato se realize; e (iv) em expressões que signifiquem admiração, desejo ou dúvida. Concebe-se o modo subjuntivo apenas como o que Câmara Jr. (1981) denomina de “servidão gramatical”, sem valor semântico específico. O subjuntivo em orações subordinadas é empregado depois de alguns verbos, como é o caso do verbo duvidar (exemplo 99) ou quando a oração subordinada é negativa (exemplo 100). (99) Duvido que ele saiba. (100) NÃO digo que ele não saiba. Além disso, o modo subjuntivo também é utilizado em orações circunstanciais. Nessas estruturas, há o emprego de determinadas conjunções, como é o caso das conjunções concessivas ao expressar uma concepção e não uma realidade, contradizendo a própria idéia apresentada. A respeito das estruturas concessivas, Dias (1959) afirma, no entanto, que, com os conectores embora e conquanto, a oração pode exprimir uma realidade, mesmo que o uso do subjuntivo seja obrigatório. Além das orações concessivas, o subjuntivo pode ocorrer em 45 orações que envolvam o uso de conjunções finais e consecutivas, em expressões não porque, não que, contanto que, a não ser que, dado que. As orações condicionais introduzidas pela partícula condicional se, as orações temporais introduzidas pelos conectores até que, depois que, antes que e após o elemento comparativo como também podem ocorrer combinadas com o modo subjuntivo. Nas orações relativas, o subjuntivo assimila um sentido consecutivo, exprimindo uma concepção e não uma realidade, assim como as orações concessivas. Nas orações relativas, o subjuntivo ocorre para ilustrar uma realidade que restringe a generalidade indefinida de uma ideia pertencente a um predicado negativo ou a uma interrogação de sentido negativo. (101) Quem há que tenha sido feliz. Na 5ª edição, em 1970, o autor menciona que, em orações, com conjuntivo potencial introduzidas por talvez ou quiçá, pode ocorrer tanto o indicativo quanto o conjuntivo, caso em que considera possível o uso variável dos modos verbais. (102) ...talvez não se ache um paiz onde... se encontrem taam villans, tam riduculas, e absurdas construcções públicas como essas todas que ha um século se fazem em Portugal (Garret, Viag., 180). (103) Talvez foi elle ⁄ O primeiro cantor que... ⁄ Soube entoar melodioso um hymno (Herc. Pões. P. 23) Na Sintaxe Clássica Portuguesa, Brandão (1963) conceitua, semanticamente, o modo verbal: “as formas assumidas pelo verbo para indicar certos estados de espírito em relação ao fato ou estado expresso por ele”, que pode ser real, esperado, desejado, querido, ordenado, indeterminado. Brandão destaca, assim como Dias (1959), que, no português 46 clássico, se usava o indicativo pelo subjuntivo em orações concessivas, quando se queria expressar a realidade do fato, suposto ou admitido. (104) ...Ainda que a feiticeira e o demônio não podiam ressuscitar a Samuel..., não obsta que... obrasse Deus por si mesmo O autor relaciona o uso do subjuntivo com o indicativo, sobretudo quando a proposição vem marcada no tempo futuro. (105) Pode ser que eu houvesse alguns pensamentos de incredulidade. (106) Pode ser que descarregarei eu nesse marinelo o apetite da fúria com que ando. O uso do indicativo em contextos prescritos para o subjuntivo é registrado tanto nos casos em que as formas usadas apresentam valor de subjuntivo como de imperativo. Brandão (1963) exemplifica que o indicativo em frases imperativas serve para atenuar a ordem ou pedido, além de poder persuadir o cumprimento de um conselho, levando-se em consideração, nesse caso, o caráter entoacional. (107) Escreve a carta. (108) Faz favor. (109) Você agora vai tocar aquela música. A explicitação do presente indicativo como uma forma verbal que ameniza o tom exclamatório também é mencionada em Said Ali (1964). Sobre a correlação semântica do subjuntivo com o imperativo, o autor chega a propor uma categoria específica a que denomina “subjuntivo imperativo”. (110) Não te demoras. (111) O senhor me traz o dinheiro amanhã. 47 Na Gramática histórica da língua portuguesa, na seção que trata do emprego do indicativo e do subjuntivo, Said Ali (1964) elabora uma análise diferenciada a respeito do emprego dos modos verbais, argumentando que essa terminologia não corresponde ao seu efetivo uso, segundo a qual o modo subjuntivo, em vários idiomas, pode ocorrer não só em orações subordinadas, mas também em orações principais, da mesma forma que o indicativo: “Nem a linguagem creou um modo especial para o verbo da oração dependente, nem esta função é privativa do conjuntivo. Há muitos casos de oração subordinada em que, pelo contrário, o uso do indicativo é obrigatório.” (Said Ali, 1964, p.234) A partir das observações feitas, percebe-se, claramente, que o critério sintático não é suficiente para explicar a escolha de uso dos modos verbais. Ao aprofundar a análise, explicita-se que a concepção semântica -- baseada na dicotomia de que, com o indicativo, se enuncia certeza ou realidade de um fato, e, com o subjuntivo, a irrealidade ou incerteza -também não dá conta do tema em questão, reconhecendo-se que se trata de um problema complexo que o português herdou das formas do latim. Said Ali (1964) defende que não se pode categorizar o subjuntivo como volitivo, potencial, optativo, deliberativo, concessivo, prospectivo, hortativo, etc., dada a inexatidão quando se tenta especificar cada um desses limites. O autor sinaliza que se tente enquadrar todas essas categorias em apenas duas ou três classes gerais, entretanto a única classe proposta é a do subjuntivo, em que se exprime desejo, aspiração -- como é o caso das orações optativas -- noção que também ocorre em orações no imperativo negativo e em certos dizeres que denotam vontade, ordem ou convite. (112) Prouvesse a Deus! 48 Mais adiante, tenta explicar a variação do indicativo e subjuntivo nos diversos contextos subordinados. As explicações explicitam, muitas vezes, soluções que se aplicam a cada caso isolado e levam em consideração o fato de o subjuntivo ser o modo utilizado para expressar a irrealidade, quer seja por meio da dúvida, ignorância (de quando não se sabe algo), ausência, quer seja pela inexistência, futuridade, possibilidade; o indicativo, por sua vez, constitui o modo usado para expressar a realidade. Os exemplos analisados pelo autor evidenciam que sempre houve variação no uso do indicativo e subjuntivo, sem fornecer explicações elucidativas, já que se baseia na dicotomia real (indicativo) versus irreal (subjuntivo). (113) Espero que não hey de enfastiar. (Vieira. Serm. 8, 159) (114) Do religioso pode-se esperar que faça bom hum homem. (Vieira. Serm. 8, 492) Na Gramática do Português antigo, Huber (1986) afirma que o conjuntivo só se encontra presente nas orações subordinadas. Nessas orações, o subjuntivo pode indicar tanto possibilidade quanto desejo de algo futuro (expressões volitivas). Na análise, ressalta-se que, no português antigo, alguns dos verbos da matriz, quando usados na forma negativa, podem ocorrer combinados tanto no indicativo quanto no subjuntivo: (115) NON sei que de mi seja. (116) NOM sey que lhe aconteceo. Nas orações substantivas, o conjuntivo é próprio das orações que exprimem vontade (117). Huber (1986) considera que o subjuntivo também ocorre nas orações que expressam uma ordem, um comando, como as orações substantivas, em que se subentende a oração 49 principal (desejo, quero, rogo), tendo em vista a redundância e a evidência. Nesses casos, até a conjunção que pode ser omitida (exemplo 118). (117) E manda te dizer o abade que vaas allá. (118) Filho, bem sejas viindo. São concebidas como expressões volitivas, prototípicas do modo subjuntivo, as expressões impessoais (é de força, é mester, compre, conven, mais val) e as expressões afetivas, quer positivas -- alegrar-se, folgar, ser folgado, prazer, temer --, quer negativas -- temer, recear, teer (aver) medo, queixar-se, maravilhar-se. (119) Conven que o faça. (120) Mais val que me mate ca viver em esta coita. (121) Praza-vos que vos bautizees e vos convertaes aa fee catholica. (122) Me temo que me mande matar. Nas orações relativas, o subjuntivo é usado, segundo Huber (1986), quando o verbo da oração subordinante exprime possibilidade ou vontade. (123) Era tam fremoso e de tam bõa graça que nom á homem que o conocesse, que se nom maravilhasse. (124) Paununcio andava catando alguu home santo que lhe gaanhasse aquella graça. Nas orações adverbiais, o subjuntivo pode ocorrer nas orações: locativas, temporais, comparativas, modais, consecutivas, causais, finais, condicionais e concessivas. As orações adverbiais concessivas são introduzidas pelos conectores ainda que, bem que, como quer que, por mais que, embora, maçar, nom embargando que, apesar de que, pero, pero que, posto que, (en) que sempre, por mais que. O modo dessas orações é similar ao latim: quando se trata 50 de uma idéia genérica, de uma hipótese, usa-se o conjuntivo (exemplo 125); quando se afirma um fato real, utiliza-se o indicativo (exemplo 126). (125) Ainda que hy nõ ouvesse outro viço, aquell avondarya muy bem. → Subjuntivo (126) E pero que lhe quero tan gran bem, ainda lh’eu mui melhor querria. → Indicativo 2. 4 O MODO VERBAL NA TRADIÇÃO GRAMATICAL DO SÉCULO XX Segundo Cunha e Cintra (1985), na Nova Gramática do Português contemporâneo, o subjuntivo - além de expressar as nuances semânticas de incerteza, dúvida, eventualidade, ou irrealidade - apresenta como característica fundamental ser considerado o modo prototípico da subordinação, uma vez que é dependente de algum verbo da proposição “principal” para expressar sentido. Os autores destacam que o modo subjuntivo ocorre, sobretudo, nas orações substantivas (exemplo 127), adjetivas (exemplo 128) e adverbiais (exemplo 129). (127) Não quero que ele me julgue sem pudor, uma mulher de prendas desoladas, nada tenho a defender. (128) Humana, a mulher, a companheira tentava chamá-lo a uma realidade que reanimasse fogueiras mortas, sonhos desfeitos. (129) Por mais sagaz que seja o nosso amor próprio, a lisonja quase sempre o engana. Em orações independentes, que traduzam desejo (exemplo 130), dúvida (exemplo 131), hipótese⁄ concessão (exemplo 132), ordem⁄ proibição (exemplo 133) e indignação (exemplo 134), o subjuntivo também pode ser registrado: (130) Chovam hinos de glória na tua alma! (131) Paula talvez lhe telefonasse à noite. (132) Que a tua música seja o ritmo de uma conquista! 51 (133) Que não se apague este lume! (134) Diabos te levem! Sobre a expressão da nuance de dúvida, os autores sinalizam que o subjuntivo ocorre nos casos em que o verbo é precedido pelo modalizador talvez. No entanto, Almeida (1963) ressalta que, se o advérbio estiver posposto ao verbo, este ocorre no indicativo, como em (135). (135) Há talvez conveniência. Há, ainda, ocorrências em que o modo subjuntivo é empregado em frases cristalizadas (ou lexicalizadas), ilustrando que o seu uso já ocorre em seqüências fixas da língua. Nesses contextos, a “frase feita” figura como uma unidade lingüística não fragmentável, não podendo ser alterada, já que o todo compõe o significado e não cada elemento isolado. (136) Haja paciência! Nesses casos de expressão fixa e/ou lexicalizada, o uso do subjuntivo não corresponde a uma hipótese ou a uma situação duvidosa, já que seu aparecimento é obrigatório e não cabe a substituição pelo modo indicativo. A esse respeito, os gramáticos afirmam que há contextos em que a dependência ao modo subjuntivo se dá de forma subentendida. As orações substantivas são descritas, como proposições dependentes do que vem expresso pelo verbo da oração principal. O uso do modo subjuntivo, geralmente, é motivado quando o verbo da frase principal ou matriz exprime certos traços, como sentimento (exemplo 137), ou uma dúvida (exemplo 138). 52 (137) Pior será que os enxotem daqui... (138) NÃO acredito que ela chore aqui. Dessa forma, o subjuntivo é selecionado em proposições subordinadas substantivas com verbos e⁄ou expressões que exprimam (i) volição, ordem e desejo (querer, ordenar, proibir, esperar e desejar); (ii) dúvida ou hipótese (duvidar, ser possível); (iii) sentimentos (gostar); (iv) súplica ou pedido (suplicar, implorar, rogar e pedir). O indicativo é utilizado quando a ação expressa pelo verbo é feita de modo certa, real, categórica -- independente do tempo em que a asserção ocorra (presente, passado ou futuro). Relativamente ao emprego do modo subjuntivo nas orações subordinadas adjetivas, os autores destacam que o subjuntivo ocorre nos contextos semânticos em que os sujeitos são indeterminados e o modo verbal expressa contextos desejáveis: (139) Gerson saiu rapidamente, e durante bastante tempo não houve quem o convencesse a voltar lá. (140) Então não havia um direito que lhe garantisse a sua casa? (141) Portanto, quero coisa de igreja, coisa pia, que dê gosto a um bom sacerdote como é padre Estevão. No que se refere às orações subordinadas adverbiais, o uso do subjuntivo é motivado por fatores morfossintáticos, ou seja, a sua escolha é regulada pela presença de conjunções. As estruturas adverbiais não teriam valor próprio, já que servem apenas como instrumento sintático, regulado pelo uso de determinados conectores: a) conjunções causais, que negam a idéia de causa (não porque, não que). (142) Não que não quisesse amar, mas amar menos, sem tanto sofrimento. 53 b) conjunções concessivas, que expressam uma noção que contrasta com o conteúdo que se expressa na oração (ou proposição) principal (embora, ainda que, conquanto, posto que, mesmo que, se bem que, etc). (143) O povo não gosta de assassinos, embora inveje os valentes. c) conjunções finais, que indicam uma dada finalidade (para que, afim de que, porque). (144) Rubião não entendeu; mas o sócio explicou-lhe que era útil desligarem a sociedade, afim de que ele sozinho liquidasse a casa. d) conjunções temporais, marcando a anterioridade (antes que, até que). (145) Deu para freqüentar, pela manhã, a rua Êre e fica a conversar com Emília até que eu me levante. e) modais, iniciadas pela conjunção hipotética como se. (146) As pernas tremiam-me como se todos os nervos me estivessem golpeados. f) condicionais, em que a condição é irrealizável e hipotética. (147) Se viesse o sol, tudo mudava. g) consecutivas, não exprimindo uma realidade, mas sim um fim que se pretende atingir. (148) – Que quer vosmecê? – perguntou rudemente, de longe, interrompendo a marcha de modo que ela pudesse chegar até junto dele. O valor semântico assume relevância no uso do subjuntivo, já que, mesmo quando se consideram fatores de natureza sintática, se apontam fatores semânticos, como é o caso das orações adverbiais. Segundo os autores, há, inclusive, nas orações adverbiais condicionais, a 54 possibilidade de ocorrer ambos os modos verbais, uma vez que podem tratar de fatos presentes, passados, futuros ou improváveis. Ao tratar dos tempos do modo subjuntivo, adverte-se que as noções temporais do subjuntivo não são tão precisas, se comparadas às do modo indicativo. Com o presente do subjuntivo, pode-se denotar uma ação no presente ou no futuro. O imperfeito do subjuntivo, por sua vez, pode ter tanto o valor de passado, futuro como o de presente. Já o futuro do subjuntivo denota a eventualidade do fato expresso no futuro. Além disso, Cunha & Cintra (1985) destacam que existem outros elementos na língua que podem atuar como substitutos do modo subjuntivo, sobretudo quando seu uso se torna “pesado” ou “malsonante”. Assim, o modo subjuntivo pode ser substituído pelo infinitivo (exemplo 149), gerúndio (exemplo 150), substantivo abstrato (exemplo 151) e construção elíptica (152): (149) O professor mandou que o aluno lesse o romance. → O professor mandou o aluno ler o romance. (150) Se seguisses o caminho normal, chegarias primeiro. → Seguindo o caminho normal, chegarias primeiro. (151) Se tivesses voltado, serias bem recebido. → Tua volta seria bem recebida. (152) Se fosse de ferro, a ponte suportaria o peso. → De ferro, a ponte suportaria o peso. Bechara (1968), ao analisar o emprego dos modos verbais na Moderna Gramática Portuguesa, também o caracteriza por critérios semânticos. Na análise, considera as formas do imperativo como sendo do subjuntivo e não como formas derivadas. Elabora-se um estudo detalhado de construções em que o subjuntivo ocorre, sempre ressaltando o caráter semântico das construções. 55 O modo subjuntivo ocorre normalmente nas orações independentes optativas, nas imperativas negativas e afirmativas – nestas últimas com exceção da 2ª pessoa do singular e plural -, nas dubitativas com o advérbio talvez e nas subordinadas em que o fato é considerado como incerto, duvidoso, ou impossível de se realizar. (Bechara, 1968, p. 339) No capítulo Para falar e escrever melhor o português, Kury (1989), como os outros autores já mencionados, se baseia na classificação dos modos verbais a partir de critérios semânticos, apresentando o subjuntivo como o modo da incerteza, sendo usado para expressar um fato de realização incerta, apenas possível, eventual. Considera o subjuntivo como o modo prototípico da subordinação, embora afirme que esse modo também possa ocorrer em orações independentes, denotadoras de dúvida, descrença, possibilidade, desejo, esperança, súplica, receio, conselho, e vários outros sentimentos análogos. O autor também associa o caráter de dependência ao subjuntivo, motivo pelo qual ocorre em orações subordinadas. Como justificativa, destacam-se as orações em que a marca de subordinação, a conjunção “que”, permanece como resquício de oração dependente, mesmo em contextos “aparentemente” independentes. (153) Que os jovens namorem, que curtam a vida material; mas não esqueçam a vida intelectual. Na Moderna Gramática Brasileira, Luft (1987) recorre à etimologia dos próprios nomes para designar os modos verbais: o indicativo teria a função de indicar, já o subjuntivo indicaria o que se encontra junto, subordinado. Estabelece-se relação entre os três modos com o que chama de “três faculdades da alma”: o indicativo, a inteligência; o imperativo, a vontade; e o subjuntivo, a sensibilidade. A abordagem das gramáticas tradicionais, em geral, aponta para certas restrições sobre os quais determinados padrões -- quer sejam certos itens verbais, quer sejam expressões 56 de dúvida, quer sejam certas conjunções subordinativas -- figuram como exemplos de condições de uso para o modo subjuntivo. Na contramão da prescrição gramatical, dados reais de fala e de escrita explicitam a interferência do modo indicativo nos contextos apontados como obrigatórios pela normatividade, o que nos permite pressupor que os valores atitudinais de incerteza, dúvida e de suposição podem ocorrer a partir de outros componentes lexicais, mesmo sem o emprego do modo subjuntivo. 2.5 O MODO VERBAL EM GRAMÁTICAS DESCRITIVAS Segundo Camara (1985, p.133), em português, o subjuntivo corresponde, especificamente, ao modo da subordinação, uma vez que a expressão de dúvida, desejo ou hipótese ocorre “no âmbito de uma comunicação dependente de outra”. O autor reconhece que o uso do subjuntivo nas orações independentes ocorre em contextos específicos, como é o caso das orações introduzidas pelo advérbio talvez. Nessas orações, a nuance de dúvida é marcada, sobretudo, pelo uso do advérbio e não propriamente pelo uso do subjuntivo, concebendo o subjuntivo como uma marca formal. Em relação às orações subordinadas, o subjuntivo ocorre nas proposições em que há a modalidade de incerteza, dúvida ou desejo. Nas orações dependentes, o subjuntivo encontrase atrelado à presença de determinados elementos, por isso defende-se a noção de que o modo subjuntivo constituiria uma “pura servidão gramatical”, sem a vinculação de valores semânticos. (154) Suponho que seja verdade. (155) Suponho que é verdade. 57 Em A gramática descritiva do português, Perini (1995) trata das condições formais e semânticas dos modos verbais em português. Ressalta alguns fatores para o uso do modo subjuntivo, tais como o verbo da oração principal, a preposição para, advérbios, a presença de negação e o tempo verbal. (156) Lelé duvidou que pudesse fazer o serviço (157) Trouxemos esse frango para que você o mate. (158) Eu talvez o procure no escritório. (159) O advogado NÃO afirmou que você seja⁄ é inocente. (160) a) Ele pensou que estivesse⁄ estava protegido. b) Ele pensa que *esteja⁄ está protegido. Quando for possível a utilização dos dois modos, há uma diferença de significado em cada uma das proposições, devido à própria natureza semântica da forma subjuntiva. De referência ao português europeu, Mateus et alii (2004) consideram também o subjuntivo como modo prototípico das seqüências subordinadas, ocorrendo nos contextos em que há um estado de coisas reconhecido pelo locutor como possível ou contingente. Semanticamente, o indicativo ocorre relacionado a um estado de coisas reconhecido como necessário ou com alto teor de probabilidade e ocorrência, além de ser [-marcado] em relação à atitude do falante. Assim como os gramáticos do Português do Brasil, as autoras adotam, prioritariamente, o critério semântico para a explicitação do uso modo verbal. Destacam que o subjuntivo (ou conjuntivo) ocorre em orações completivas cujo predicador da oração principal apresenta a nuance de dúvida, volição, necessidade subjetiva, ordem, obrigação, permissão e proibição. O subjuntivo torna-se obrigatório, ainda, com verbos causativos, como é o caso de 58 mandar, fazer e deixar; com alguns verbos factivos, como apreciar, criticar, detestar e lamentar; com certos adjetivos modais, como desejável e possível; com certos nomes, como dúvida, idéia e medo. Apresentam-se, a seguir, alguns desses exemplos: (161) As crianças querem que o pai conte uma história. → Volição (162) A Maria permitiu que os miúdos saíssem. → Permissão (163) O Rui deixou que os miúdos vissem televisão. → Verbo causativo (164) A Maria apreciou que lhes tivesses telefonado. → Verbo factivo (165) É desejável que a Maria esteja em casa. → Adjetivo modal (166) O medo de que ela faça uma asneira está sempre presente. → Nome “medo” Para Mateus et alii, não há característica semântica comum entre os verbos que selecionam o modo subjuntivo na oração completiva, por isso acredita-se que o subjuntivo seja dependente de outros fatores de modalidade. A negação na oração principal, por exemplo, é um dos elementos definidores da seleção do modo na encaixada. Em (167), a seleção do modo está atrelada à própria escolha do falante. Não se pode deixar de considerar o fato de que alguns verbos, sob o escopo da negação, podem passar a selecionar apenas o subjuntivo, como ocorre em (168), ou, ainda, casos em que selecionam o subjuntivo em frases afirmativas e, em virtude da negação, passam a admitir o indicativo, como em (169). (167) O Rui NÃO acredita que a Ana tenha partido ⁄ partiu ⁄ parta ⁄ vai partir. (168) Ele NÃO garante que a Maria tenha chegado a horas ⁄ chegue em breve. (169) Ele NÃO duvida que a Maria chegou a horas ⁄ chega em breve. No que se refere às orações relativas, o subjuntivo ocorre, fundamentalmente, nas orações restritivas (exemplo 170); nas explicativas (exemplo 171), cujo antecedente é um nome próprio, seleciona-se o indicativo. Em certas construções de contexto opaco, pode 59 ocorrer a oscilação entre os modos (exemplo 172). Nesse último caso, o indicativo, é utilizado para revelar especificidade; o subjuntivo, generalidade. (170) O Jorge, que chega sempre a horas, traz a encomenda. (171) A criança que bebe ⁄ beba leite é mais saudável. (172) A Rita procura um livro que tem ⁄ tenha gravuras do Porto. Nas orações adverbiais, o subjuntivo ocorre nas orações finais (exemplo 173), concessivas (exemplo 174), maior parte das condicionais (exemplo 175), algumas temporais (exemplo 176), comparativas (exemplo 177) e causais (exemplo 178). (173) Ele volta ⁄ voltou para que todos fiquem ⁄ ficassem contentes. (174) Embora seja tarde, vou sair. (175) Se a Maria estivesse em casa, íamos visitá-la. (176) Vou para casa antes que ⁄ logo que chova. (177) Comporta-se como se fosse o rei. (178) É provável que tenha assistido à conferência porque lhe interessava⁄ interessasse o tema. Gramáticas mais recentes, como a de Neves (2000), Azeredo (2008) e Castilho (2010) apresentam novas propostas, com enfoques teóricos diferenciados, mas não acrescentam informações ao que já vem sendo apontado. 2.6 O MODO VERBAL EM OUTRAS LÍNGUAS ROMÂNICAS 2.6.1 Em francês O estudo variacionista de Poplack (1992), sobre o francês canadense, parte de entrevistas com 120 falantes nativos do francês que residiam em Ottawa-Hull, região bilíngüe 60 do Canadá. Restringe-se o estudo dos modos verbais às orações completivas, questionando-se a posição de que a escolha do subjuntivo/ indicativo seja automática, como descreve a gramática francesa. A proposta normativa francesa torna os modos verbais uma marcação redundante, já que é resultado apenas da natureza do verbo da matriz. Poplack (1992, p. 259)11concebe o uso do subjuntivo variável e assinala: “Existem boas razões para acreditar que essa variação tem sido estável por séculos”. Segundo a autora, há três classes de matrizes verbais: (i) uma em que o subjuntivo sempre ocorre – dire (verbo dizer), demander (pedir), concevoir (conceber), desirér (desejar); (ii) uma em que o subjuntivo é aceito – prier (pedir), se plaindre (lamentar-se), être supris, avoir l’espoir (esperar); e (iii) uma em que há a oscilação entre as formas do indicativo e do subjuntivo – vouloir (querer), avoir peur (temer), penser (pensar), empêcher (impedir). Assume-se a proposta de que o indicativo e o subjuntivo constituam formas variantes e que apresentem relação com o comprometimento do locutor frente ao que enuncia, isto é, se expressa realidade, probabilidade, etc. Reconhecendo a variação de uso no francês canadense, explicita que há fatores estruturais determinantes na escolha de um determinado modo verbal, a saber, (i) grau de asserção, (ii) presença de indicadores lexicais da expressão de modalidade, (iii) tempo verbal, (iv) relação entre o tempo verbal dos verbos da matriz e da encaixada, (v) presença (ou não) do complementizador que, (vi) presença de elemento interveniente entre o complementizador e o verbo da encaixada. Poplack ressalta que a noção semântica introduzida pelo verbo da matriz é determinante. Verbos classificados como emotivos e volitivos necessitam de subjuntivo 11 there is good reason to believe that this variation has been stable for centuries (Poplack, 61 1992, p.259). categoricamente, “subjuntivo primário”. Outros predicadores, como é o caso dos que exprimem opinião, só exigem o subjuntivo ao serem negados na matriz, ao que chama de “subjuntivo secundário”. Na análise dos dados, verificaram-se os seguintes resultados, no estudo de tempo real: Tipo de verbo Volitivo Emotivo Opinião Tempo do verbo da matriz Presença de que .77 .66 .09 Estrutura morfológica ⁄ Freqüência do verbo da encaixada Irregular⁄ freqüente .56 Regular⁄ rara .36 Imperfeito .65 Presente .52 Presente .51 Ausente .39 Passado composto .42 Futuro perifrástico .38 Condicional .25 Tabela 1. Fatores que contribuem na escolha de uso do modo subjuntivo nas orações subordinadas regidas por outros verbos que não falloir ‘ser preciso’ (Fonte: Poplack, 1990, p. 21) A Tabela 1 evidencia que os verbos volitivos constituem contextos favorecedores ao uso do modo subjuntivo. Os emotivos, embora condicionando o uso do subjuntivo, apresentam redução de uso, segundo a análise. Os grupos de fatores tempo da oração principal e estrutura morfológica do verbo da oração subordinada também desempenham papel importante na escolha do subjuntivo, assim como a presença do complementizador que. A respeito do complementizador, Poplack (1992) destaca que há uma associação estreita entre o subjuntivo e a subordinação, já que, quando este elemento está presente, o subjuntivo é favorecido. Por fim, defende-se a hipótese de que a variação entre os modos verbais constitua um fenômeno variável historicamente. A partir da análise dos dados, a autora cita o fato de que classificar os verbos em determinadas classes semânticas é inoperante, visto que pode haver muitas palavras sinônimas que são enquadradas dentro de uma determinada classe, mas que se comportam de modo diferente no que se refere à escolha do modo subjuntivo na oração subordinada. Por exemplo, os verbos préférer (preferir) e aimer mieux (gostar mais de), considerados sinônimos, 62 apresentam comportamento diferenciado na escolha dos modos verbais: com préférer, o subjuntivo é categórico; já com aimer mieux, há somente 2% de ocorrência do subjuntivo. 2.6.2 Em Espanhol Assim como ocorre em português, as gramáticas em espanhol (Bosque e Demonte, 1999), apresentam prescrições acerca dos contextos em que o subjuntivo deve ocorrer. Nas orações completivas do espanhol, o subjuntivo é obrigatório (i) quando o verbo da oração matriz imprime desejo, necessidade, permissão, proibição, etc (querer, mandar, ordenar, etc); (ii) com verbos de sentimento (gostar, preferir, lamentar); (iii) com expressões que atestam juízos de valor (é lógico, é uma pena, etc); e (iv) com expressões impessoais (é possível, é provável). Podolsky (1983), no trabalho Las Completivas Objeto em Español, parte da separação da noção entre modo e modalidade. O modo é concebido categoria morfológica e a modalidade como uma categoria nocional. O subjuntivo é semanticamente significativo, uma vez que expressa a modalidade da dúvida e da incerteza, até nos contextos em que não se opõe ao indicativo. Considera-se agramatical a presença do indicativo em certos contextos, por não ser compatível com a modalidade a ser veiculada (exemplo 179). (179) Desejo que você vem. Silva-Corvalán (1994) analisa os modos verbais no espanhol de Los Angeles. A amostra é constituída por três grupos de 17 falantes mexicanos bilíngües, que residem nos Estados Unidos. O trabalho tem como objetivo comparar a mudança no espanhol em contato com o inglês, já que, segundo a autora, as tendências rumo à redução do uso do subjuntivo são muito evidentes. Os falantes foram divididos em três grupos: (i) grupo 1 - quatro falantes que 63 nasceram no México e migraram para os EUA com 11 anos de idade; (ii) grupo 2 - falantes, nascidos em Los Angeles e que têm pais que nasceram no México; (iii) grupo 3 - falantes nascidos em Los Angeles e que têm um dos pais nascido em Los Angeles. Embora a distinção modal entre o indicativo e o subjuntivo seja significativa no espanhol, houve alterações nos padrões de uso: o indicativo tem sido utilizado cada vez mais no lugar em que o subjuntivo tende a ocorrer. A fim de estudar os fatores que favorecem a perda ou a retenção do modo subjuntivo, analisaram-se as seguintes variáveis: grau de liberdade de escolha e adequação da forma escolhida ao contexto discursivo - se adequada ou não. Na análise, encontram-se 88% de uso do subjuntivo em orações volitivas, 76% em orações finais e 73% em orações concessivas. Pelo perfil dos falantes analisados, os resultados apontam que há um processo gradual de perda da distinção modal no espanhol de Los Angeles, já que o grupo de menor exposição ao espanhol (grupo 3) apresenta menor uso do subjuntivo; por outro lado, com o grupo em que houve maior contato com o espanhol (grupo 1), apresenta uso do subjuntivo mais recorrente -- seja nos contextos em que se exige o uso do subjuntivo, seja nos contextos em que o uso não é obrigatório. A mudança, segundo Silva-Corvalán (1994), tem início nos casos em que a alternância entre as formas do indicativo e do subjuntivo é permitida. A perda gradual da distinção dos modos verbais pode, inclusive, ser concebida como uma tendência das línguas românicas em geral de incluírem o indicativo em contextos reservados ao subjuntivo Assim, esse comportamento é motivado por pressões internas à língua, mas que, com o contato lingüístico, se acelera, já que não há oposição de modos verbais em inglês. Rivero (1971), em Mood and pressupposition in Spanish, atesta que há verbos em espanhol que admitem tanto o indicativo quanto o subjuntivo na oração subordinada, como 64 parecer e crer; no último caso, o verbo deve estar antecedido de partícula negativa. O indicativo corresponde ao modo em que o falante pressupõe a verdade sobre um fato e o subjuntivo, ao modo verbal em que não se verifica essa pressuposição. Embora o uso do subjuntivo, em orações completivas, esteja relacionado ao aspecto sintático-semântico da matriz, devem-se considerar as diferenças dialetais na escolha dos modos verbais na oração encaixada. Analisa-se que, ao longo do tempo, a possibilidade de variação na escolha dos modos verbais tem se restringindo, o que, possivelmente, acarretará a diminuição do paradigma verbal. Confirma-se o resultado de que o tempo⁄modo do verbo da oração matriz atua na seleção do tempo⁄modo da oração encaixada. 2.6.3 Em italiano Comparando o português com o italiano, a partir de estruturas frasais recolhidas das obras Codice’80 e Anarquistas, Graças a Deus, Barra Rocha (1992), assim como as outras análises já vistas, reconhece a substituição do indicativo pelo subjuntivo, até nos contextos em que a tradição não recomenda, não só na língua portuguesa como também na italiana. O traço mais marcante para o subjuntivo é o de ser subordinado a fatores “condicionadores”, que podem ser de natureza lingüística ou extralingüística. Barra Rocha (1992) demonstra que verbos indicadores de vontade e desejo podem selecionar verbos no indicativo ou no subjuntivo nas orações subordinadas, assim como ocorre em dados de fala não-culta em português: (180) a) Max vuole che tu te ne vai. Max quer que você vai embora. b) Max vuole che tu te Max quer que você ne vada. vá embora. . 65 Apontam-se, como condicionadores lingüísticos ao uso do subjuntivo, certas conjunções, advérbios, pronomes e expressões verbais. No que diz respeito aos condicionadores morfossintáticos, mais especificamente nas orações concessivas, destaca-se que, em português, o subjuntivo é obrigatório. (181) a) Ainda que o tivesse visto, não o teria cumprimentado. b) Ainda que o tinha visto, não o teria cumprimentado. Em italiano, nas orações concessivas, o uso do subjuntivo é praticamente categórico, com exceção das formas “anche se” e “anche quando” (equivalentes, no português, aos conectores mesmo que, ainda que e embora). Barra Rocha (1992) não descarta o caráter semântico das formas subjuntivas, principalmente nas orações independentes. (182) Passem bem, eu volto logo. (183) Talvez chova hoje à tarde. Reconhece-se como fator extralingüístico, sobretudo, a intenção comunicativa do falante ao se pretende expressar. Baseando-se no caráter subjetivo das “intenções”, o falante opta por um modo ou outro nas orações relativas. No caso das expressões pessoais, o uso do subjuntivo ocorre atrelado ao critério subjetivo. (184) Quero achar um gato que não mie⁄ mia à noite. (185) Você atira o sabão para cima, não faz mal que não caia no telhado; a santa entende. 66 2.7 ESTUDOS MAIS RECENTES SOBRE O PORTUGUÊS Botelho Pereira (1974) propõe que a distinção entre o indicativo e o subjuntivo seja estabelecida por intermédio das funções semântica, gramatical e semântico-gramatical. Na função semântica, o falante pode fazer a escolha por um outro modo verbal, e, nesse caso, a alteração de modo verbal acarreta significados diferentes. A função gramatical restringe-se ao modo subjuntivo. A modalidade é marcada na oração matriz, sendo redundante que a noção semântica do modo verbal na subordinada, já que funciona como indicador gramatical de subordinação. (186) Esperei que ele viesse⁄ *vinha. A proposta da autora não leva em consideração o fato de poder haver variação nesses contextos. Julga-se como agramatical ou pouco aceitável as frases do português contendo formas do indicativo por formas do subjuntivo. Na função semântico-gramatical, há identidade entre as modalidades, expressas pelas orações matriz e encaixada, hipótese sobre a qual o modo verbal da oração encaixada é determinado na própria oração matriz. O subjuntivo, em (187), é excluído, por expressar incerteza, contexto incompatível com o próprio conteúdo semântico do verbo saber. Como o indicativo é a única forma possível, seu aparecimento adquire valor gramatical, além de denotar sentido de factividade (certeza), ao contrário do que ocorre em (188), com significado não-factivo. (187) Sei que chove ⁄ *chova. → Indicativo (188) Estou ansioso de que Pedro se recupere⁄ *recupera. → Subjuntivo Dessa forma, o subjuntivo é categórico quando o verbo da oração matriz é nãofactivo (querer, esperar), bicondicional (possibilitar, ser possível), ou factivo emotivo 67 (lamentar, gostar, sentir, detestar, aborrecer-se); o indicativo é esperado nos contextos em que o verbo da matriz é factivo não-emotivo e não-avaliativo (esquecer, saber, descobrir, ignorar, levar em conta). Nos predicados indiferentes de opinião, verifica-se a alternância dos modos, relacionado à formalidade: quanto maior o grau de formalidade, o subjuntivo é o modo escolhido; quanto menor, o indicativo. Azevedo (1976) -- em um trabalho intitulado O subjuntivo em português: um estudo transformacional -- busca analisar apenas as ocorrências de modo verbal em orações declarativas ou afirmativas, tendo como objetivo caracterizar formalmente as condições em que ocorrem as variações morfológicas com o subjuntivo/ indicativo. A variação de modo verbal é concebida como “morfologicamente automática, semanticamente vazia” (Azevedo, 1976). Essa variação só ocorre em certos tipos de orações subordinadas, quando, nas palavras de Azevedo (1976, p. 07), “se preenchem determinadas condições independentes”. Parte-se da hipótese de que o uso do subjuntivo em português possa ser explicado apenas a partir do critério sintático, sem que seja necessário recorrer ao caráter semântico das formas verbais. O subjuntivo é usado automaticamente, uma vez que há, na proposição, elementos sintáticos que restringem o emprego desse modo verbal. A proposta de Azevedo (1976) parte da noção de traços semânticos, a saber, [+⁄volição], [+⁄-sentimento], [+⁄-dúvida]. Alguns verbos podem oscilar, ou seja, ora podem adquirir determinados traços, ora não. O verbo sentir, por exemplo, pode apresentar o traço de [+sentimento], como ocorre em (189), ou de [-sentimento], como em (190). (189) Sinto que ela vá embora amanhã. (190) Sinto que ela vai embora amanhã. 68 A presença do indicativo, com certos verbos, como querer, se restringe ou a certos dialetos da língua não-padrão, ou a certas variedades coloquiais⁄familiares da língua padrão (exemplos 191 e 192). (191) Quero que você fale com ele. → Subjuntivo (192) *Quero que você fala com ele → Indicativo O autor não descarta a necessidade de considerar, na análise dos modos verbais, aspectos extralingüísticos, tais como a classe social, o grau de instrução dos falantes, o grau de formalidade da situação em que se desenrola o ato comunicativo, dentre outros aspectos. Wherritt (1977) desenvolveu um estudo sobre o uso dos modos verbais a partir da conversação livre, em orações substantivas, adjetivas e adverbiais, nas orações independentes e em expressões a que denomina de estereotipadas, com base em uma amostra de 56 informantes, de diferentes idades e classes econômicas, da cidade de São Paulo, em 1974. Na pesquisa, verifica-se que as formas do passado do subjuntivo são mais produtivas que as do tempo presente, contexto em que ocorre maior variação. A autora aponta os seguintes fatores para a ocorrência do indicativo no lugar do subjuntivo: (i) erros de uso; (ii) situação envolvendo atos de fala (grau de formalidade e intimidade entre os participantes), (iii) dialeto social do falante, (iv) idiossincrasias de uma dada competência individual. Atrelam-se a esses fatores, as variáveis sociais idade, nível econômico e grau de escolaridade. Wherritt (1977) comprovou que alguns dos usos do subjuntivo só ocorrem em falantes mais velhos e com maior nível de escolaridade. A criança só é capaz de usar o subjuntivo no momento em que atinge determinado desenvolvimento cognitivo e essa aquisição ocorre em diferentes espaços, seja em contato com a comunidade, seja pela exposição à educação formal. 69 Os resultados evidenciam que a maior freqüência de uso do subjuntivo ocorre nas orações subordinadas adverbiais condicionais, cujo percentual de subjuntivo, no tempo passado ou futuro, chega a 46%. As orações com menor freqüência de uso do subjuntivo são as adjetivas (12%), seguidas de orações adverbiais (20%) e das substantivas (22%). Nas orações substantivas, o subjuntivo é produtivo, sobretudo, quando, na oração principal, ocorrem verbos volitivos, emotivos, de opinião, de dúvida e de possibilidade. Na oração regida por querer, que é um tipo de verbo volitivo, nota-se comportamento diferenciado, se este se encontra no tempo presente ou no passado: nas construções com verbos volitivos no tempo presente, há um “imperativo encaixado” e, como o imperativo é necessariamente presente, justifica-se que se encontre o uso do indicativo. Com relação aos verbos de crença, tais como crer, acreditar e achar, o modo subjuntivo é freqüente, se há um elemento de negação na oração matriz. Fávero (1982), também considera, assim como Botelho Pereira (1974), agramaticais as orações em que o indicativo ocorre no lugar do subjuntivo. (193) Rogo que estude⁄*estuda português. Há seqüências em que, a depender do tipo de verbo da oração matriz (em geral, nas orações em que as atitudes proposicionais expressam julgamento), pode haver alternância entre as formas do indicativo e subjuntivo (exemplo 194). (194) Suponho que Luis Paulo estude⁄ estuda português. As atitudes proposicionais do sujeito são encontradas no conteúdo semântico do verbo da matriz e determinam, na estrutura superficial, as formas verbais do indicativo ou do subjuntivo. No português, o modo verbal encontra-se atrelado à atitude proposicional -- se 70 interpretativa, ou não, -- do sujeito da oração matriz. Quando a oração principal da estrutura completiva expressa atitude proposicional não-interpretativa, usa-se o indicativo (exemplo 195); quando o verbo da matriz expressa atitude proposicional interpretativa, o subjuntivo é a forma selecionada (exemplo 196). (195) Sei que Mariana estuda⁄ *estude português. (196) Suplico que você estude português. Favero (1974, p. 73) ressalta que determinados verbos de atitude interpretativa, ao sofrerem influência da negação na oração matriz, transformam-se em verbos de dúvida, e a atitude proposicional da oração passa a ser de julgamento. Dessa forma, selecionam o indicativo caso haja factividade e selecionam o subjuntivo, caso esse traço não ocorra. (197) NÃO sei se Paulo estude⁄ estuda português. É importante ressaltar que a atitude do sujeito pode ser marcada por certos advérbios (possivelmente, necessariamente, talvez) e até por elementos supra-segmentais, tais como o acento, a entonação e a duração. Os traços de [-factividade] e de [+volição] favorecem o uso do modo subjuntivo. A partir de dados do português contemporâneo e do latim vulgar, Bianchet (1996) defende a idéia de que a entrada do indicativo em contextos reservados ao subjuntivo corresponde a uma etapa de mudança no sistema de complementação. Nesse processo, há o seguinte quadro: a) casos de oscilação entre o indicativo e o subjuntivo; b) perda do espaço do subjuntivo em favor do indicativo; e c) completa substituição do subjuntivo pelo indicativo. Tendo em vista a modalidade expressa pelo verbo da matriz, obtém-se o seguinte quadro: 71 i) modalidade do tipo I (factividade): uso categórico do indicativo; ii) modalidade do tipo II (não-factividade I – dúvida, hipótese): ampla oscilação entre o indicativo e o subjuntivo, com predomínio do indicativo; iii) modalidade do tipo III (não-factividade II – volição, comando): oscilação mais restrita entre o indicativo e o subjuntivo, com o uso do indicativo em expansão. Reconhece-se que há muitos usos dos modos verbais que não estão prescritos pela gramática tradicional. Quanto à análise dos tempos verbais, verificou-se que o subjuntivo é favorecido, nos casos em que o verbo da oração completiva se encontra no pretérito imperfeito e desfavorecido nos casos em que se encontra no presente, resultado já verificado no estudo de Wherritt (1977). A análise do fator grau de escolaridade evidenciou que quanto menor o nível de escolaridade, mais reduzido é o uso do subjuntivo: os falantes de nível de escolaridade I (analfabeto a 1º grau) apresentaram peso relativo de .30; enquanto os falantes de nível de escolaridade II (2º grau a nível superior) apresentaram peso relativo .66. Esses resultados apontam para uma variação estável, já que a seleção do modo subjuntivo está associada à noção de prestígio. Rocha (1997), em um estudo variacionista, acerca do uso do modo verbal em dados de fala do Rio de Janeiro e Brasília, afirma que está ocorrendo, em português, uma perda de campo de uso do modo subjuntivo. A amostra do Rio de Janeiro foi composta por dados extraídos de entrevistas do Projeto PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua); na amostra de Brasília, utilizou-se um corpus cedido por Malvar (1992) e, ainda, situações conversacionais diversas (conversas, transmissão de rádio ou televisão ou mídia escrita). O estudo restringe-se às orações substantivas, que se encontram no presente ou no pretérito 72 imperfeito. No que concerne à classificação dos verbos da oração matriz, Rocha (1997) se baseia no estudo de Botelho Pereira (1974), já mencionado anteriormente. A autora registra a entrada de formas do indicativo no contexto dos verbos não-factivos, indo de encontro ao que atestou Botelho Pereira em seus resultados, em que o uso do subjuntivo era categórico. (198) Você quer qu’eu ligo para você quando eu chegar? (199) Espero que algum dia o governo federal olha de uma maneira mais positiva. A relação factividade versus não-factividade não é suficiente para explicar a variação dos modos verbais, sendo necessário recorrer à distinção entre os verbos volitivos (querer, esperar e preferir), emotivos (gostar e concordar) e de opinião, tal como foi verificado em Poplack (1992). Carga semântica do verbo da matriz Oco de subjuntivo 65 11 44 Total de dados 88 23 107 Percentual Peso relativo Volitivo 74% Emotivo 48% Opinião 1 (considerar, imaginar, supor, 41% pensar, acreditar, etc Opinião 2 - parecer 1 17 6% Opinião 3- achar 9 248 4% Tabela 2. Carga semântica do verbo da matriz (Fonte: Rocha, 1997, p. 127) .96 .67 .76 .36 .16 Em Rocha (1997), assim como em Poplack (1992), os verbos emotivos e volitivos selecionam o subjuntivo. Os predicados de opinião do tipo 1 também favorecem a presença do subjuntivo, enquanto os verbos indiferentes de opinião e de suposição o desfavorecem. No estudo de Rocha (1997), o grau de assertividade da oração matriz atua como elemento favorecedor do uso do subjuntivo. O verbo achar que ocorre, na Tabela 2, como desfavorecedor ao uso do subjuntivo, tende a favorecê-lo, quando antecedido por um elemento de negação na matriz, atingindo percentual de uso de 60% (exemplo 200). (200) Eu NÃO acho que seja mais fácil, não. 73 Pimpão (1999) analisa a variação no presente do modo indicativo e no presente do modo subjuntivo, com base em entrevistas feitas em Florianópolis (SC), extraídas do banco de dados do Projeto VARSUL. Na análise, destaca-se como principal elemento condicionante ao uso do modo verbal o continuum tempo-modalidade. O subjuntivo é favorecido pelos traços de futuridade e incerteza, identificados no nível sintático-semântico. Por outro lado, os traços de atemporalidade, incerteza e pressuposição inibiriam o uso do subjuntivo, favorecendo o indicativo. O traço de incerteza, na sua abordagem, apresenta-se dissociado do de futuridade, já que é “possível que haja eventos ou estados incertos, sem que haja o traço de futuridade” (Pimpão, 1999, p. 71). Sobre a noção de futuridade, a autora afirma que está intrínseca aos verbos volitivos⁄ deônticos, nas cláusulas adverbiais finais e também nas cláusulas concessivas. Nos dados do VARSUL, o modo subjuntivo, apresenta peso relativo de (.76) quando há o traço de futuridade, no entanto, quando há a ausência desse traço, a relevância é de (.31), contexto inibidor do uso do subjuntivo. A análise das cláusulas dubitativas com o advérbio talvez confirma que o traço de futuridade é elemento favorecedor, já que atinge um percentual de 80% de uso do subjuntivo. Em O uso de formas do indicativo por formas do subjuntivo no português brasileiro, Neta (2000) parte da hipótese de que a entrada do indicativo em contextos previstos para o subjuntivo ocorre não só em orações subordinadas, mas absolutas, principais e coordenadas. Analisam-se dados de fala dos moradores de Januária (MG), divididos em gerações: Ifalantes de 15 a 24 anos, II- falantes de 35 a 45 anos, III- falantes de mais de 45 anos, com níveis de escolarização distintos (fundamental ao superior). Verificou-se que, embora os falantes tenham preferência pelo subjuntivo, o indicativo também ocorre nos contextos em que há a modalidade interpretativa-volição. As 74 orações concessivas iniciadas pelo conector embora ou mesmo que apresentam 50% de uso de subjuntivo, apresentando peso relativo de .63. Com as conjunções desde que, para que, por mais que, desfavorece-se o uso do subjuntivo, com percentual de 20% e peso relativo de .21. Mais uma vez, o nível de escolaridade do falante é relevante: quanto menor é o nível de escolaridade, menor é o uso do subjuntivo, evidenciando-se que o uso de formas do indicativo em contextos previstos para o subjuntivo é estigmatizado pela escola. A análise da faixa etária confirmou que a hipótese de mudança em progresso deve ser refutada, já que os mais jovens não favorecem o uso do indicativo em estruturas nas quais se prescreve o uso do subjuntivo. Meira (2006) focaliza o uso do modo verbal em orações subordinadas relativas e em orações completivas de quatro comunidades rurais afro-descendentes do interior do Estado da Bahia, a saber: Helvécia, Cinzento, Rio de Contas e Sapé. O corpus é formado por dados extraídos do Projeto Vertentes do Português Rural do Estado da Bahia, à luz da perspectiva variacionista. A autora parte da hipótese de que o uso variável do subjuntivo nessas comunidades resulta do processo de Transmissão Lingüística Irregular (TLI) -- decorrentes dos períodos colonial e imperial -- em que há intenso contato entre o português e as línguas africanas. Nessas comunidades, o subjuntivo vem ganhando espaço que era ocupado só pelo indicativo, provocada pela difusão dos meios de comunicação e pela infra-estrutura, resultante da urbanização do país. Para analisar os resultados do português rural afro-descendente, compara-os aos resultados obtidos por Pimpão (1999), Rocha (1997), que focalizam o português urbano. Na análise, verificou-se que o uso do subjuntivo no tempo presente, nessas comunidades rurais, chega a 24%, enquanto esse percentual era de 84% no estudo de Pimpão (1999). Ao contrário 75 do que os estudos urbanos têm revelado -- em que o subjuntivo tem sido freqüentemente apagado --, verificou-se uma perda de ambiente do indicativo para o subjuntivo nas comunidades afro-descendentes. A presença de elemento de negação na oração matriz da estrutura completiva também constitui, no estudo de Meira (2006), elemento favorecedor à seleção de uso do subjuntivo. No que se refere à análise da variável tempo do verbo da oração matriz, registrou-se que tanto os tempos do presente quanto os do pretérito apresentam variação de uso, ao contrário dos estudos de fala culta, cujo percentual de subjuntivo no passado era praticamente categórico. A aquisição da forma subjuntiva ocorre em contextos lingüísticos mais salientes, no caso os verbos irregulares (31%), que apresentam alto nível de saliência quando se opõe indicativo e subjuntivo. Com os verbos regulares, a forma subjuntiva chega a 27%. Parece haver uma bipolarização no Português do Brasil, já que apresenta tendências diferentes de mudança entre o português urbano e o português rural afro-descendente. Oliveira (2007), em um estudo sobre as estruturas de complementação nos dados de fala de João Pessoa, mostra que o critério semântico não é suficiente para explicar a variação de uso dos modos verbais. Na análise dos modos verbais, deve-se levar em conta aspectos sintático-semânticos e morfossintáticos, tais como a presença de negação na matriz, o tempo verbal e a pessoa do predicado da oração matriz. Os dados de Oliveira (2007) foram extraídos de entrevistas organizadas por Hora & Pedrosa (2001) do Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba (VALPB), sendo distribuídos por anos de escolarização, extendendo desde falantes sem escolaridade até falantes com mais de 11 anos de escolarização. A autora destaca, dentre outros aspectos, que o uso do subjuntivo está associado ao processo de escolarização, no sentido de pressupor que 76 tais formas são depreendidas no ambiente escolar, através da educação formal. Alguns verbos, tais como querer, desejar, permitir, deixar, ter medo, gostar, importar, selecionam, nos dados do nordeste, categoricamente o subjuntivo, enquanto, no sudeste (Rocha, 1997), registrou-se variação nesses contextos. No caso dos predicadores -- saber, dizer, parecer e achar --, a presença do indicativo é praticamente categórica, assim como ocorre nos dados do sudeste. Diferentemente dos resultados obtidos por Rocha (1997) -- em que não há o favorecimento das pessoas verbais no modo verbal da oração encaixada -- e por Pimpão (1999) -- em que o uso do subjuntivo é retido na 3ª pessoa (0.56) --, a 1ª pessoa figura como favorecedora (0.52) nos dados do nordeste. O uso do subjuntivo -- com o verbo da matriz em 1ª pessoa -- atenua, segundo a autora, o comprometimento do falante com o valor de verdade da proposição. Se o falante de 1ª pessoa não tem certeza do fato e não quer se comprometer, usa o subjuntivo, já que este modo tem a função de expressar maior distância do locutor em relação à verdade da proposição completiva, como recurso atenuador. Fagundes (2007), em um estudo sobre as ocorrências do modo subjuntivo em variação com o modo indicativo nas entrevistas do VARSUL no estado do Paraná, especificamente em Curitiba, Londrina, Pato Branco e Irati, anotou que a substituição do indicativo pelo subjuntivo ocorre, sobretudo, quando o verbo se encontra na forma verbal do presente, com freqüência de 81% de indicativo. No imperfeito, houve 12% das ocorrências de subjuntivo; e, no futuro, 7%. Nas orações independentes, o percentual de uso do subjuntivo atinge 95% (.68) dos dados. As orações substantivas apresentam maior percentual de uso do subjuntivo, com 95% (.66), seguido das orações adjetivas 90% (.51) e das adverbiais 86% (.46). O autor não faz uma classificação semântica dos verbos, mas supõe que o subjuntivo esteja presente em orações com verbos volitivos e o subjuntivo em orações com verbos de opinião, tais como 77 crer, acreditar e achar. Com relação às orações adverbiais, na análise, optou-se por separar cada tipo de oração adverbial: o uso do subjuntivo é categórico nas orações finais, comparativas e causais, já as orações temporais, concessivas, condicionais e conformativas apresentam alternância na seleção dos modos verbais. Evidenciou-se que o uso do subjuntivo é mais freqüente na faixa etária B (acima de 50 anos) do que na faixa A (25 a 49 anos). Tanto as mulheres quanto os homens apresentam 90% de uso de subjuntivo e 10% de uso de indicativo. Os índices de escolaridade apresentam relação direta à presença do subjuntivo, com percentuais de 88% do subjuntivo, no primário; 89% no ginásio; e 92% no colegial. O autor faz uma análise das conjunções encontradas no corpus, mas só especificaremos aqui as concessivas. Foram registradas as conjunções mesmo que⁄ (se), por mais que, embora⁄ (que), nem que, por melhor que, por (mais) incrível que, apesar (de que). O indicativo foi encontrado nas proposições com os conectores mesmo se, por mais que e embora. No que se refere às orações completivas, os resultados, das variadas análises do português e também de outras línguas, evidenciam que se deve levar em conta, especificamente nessas construções, o item verbal da oração matriz. Outros fatores lingüísticos, como a presença do elemento de negação, a pessoa e o tempo verbal, também podem ser responsáveis pela seleção do modo subjuntivo na oração encaixada. A análise do nível de escolaridade do falante revela, ainda, o papel da escola na difusão de formas do subjuntivo. No presente estudo, mais uma vez, esses fatores lingüísticos revelaram-se como fundamentais na seleção do modo verbal na oração encaixada, ou seja, as mesmas restrições, que operavam no passado, se mantêm até hoje. 78 Quanto às orações concessivas, verifica-se que o tipo de conector é o elemento responsável pela seleção do modo verbal na oração subordinada. Os estudos, em geral, não tratam, especificamente, dessas construções, mas, das análises já realizadas, evidencia-se que algumas orações concessivas apresentam seleção variável de uso do subjuntivo, indo de encontro ao que prescreve à tradição gramatical. 79 3. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Desenvolve-se o estudo da alternância de uso do subjuntivo/indicativo em estruturas subordinadas conjugando a perspectiva da sociolingüística variacionista laboviana (Labov, 1972; 1994; 2001) a alguns pressupostos funcionalistas (Givón, 1995; Hopper, 1991; Hopper & Traugott, 1993). Nesses termos, pode-se dizer que o estudo reúne visões de um e de outro quadro teórico-metodológico, concebendo-se a variação lingüística do ponto de vista “funcional/discursivo” (Neves, 1997). Tanto os modelos funcionalistas quanto o variacionista laboviano concebem a linguagem como um fenômeno social, buscando descrever, a partir dos usos, os fatos lingüísticos. Nesse paradigma, a linguagem é concebida como um mecanismo fundamental para a interação social, já que se busca, fundamentalmente, perceber de que forma os usuários da língua estabelecem a comunicação. A opção por essa combinação de enfoques já vem sendo testada em outros estudos de fenômenos lingüísticos (Gorsky, 1988; Paredes, 1998; Lopes, 1993; Camacho, 2001; Cesario, 2001; Martins & Callou, 2002; Tavares, 2003; dentre outros), embora haja quem defenda a incomensurabilidade entre duas ou mais teorias (Borges Neto, 2004). Parte-se da concepção de que o “casamento teórico” entre a sociolingüística variacionista e uma visão funcionalista seria coerente, no sentido de haver convergência entre os dois campos de estudo, principalmente quando se trabalha com a noção de ‘comparabilidade funcional’ entre as variantes (Lavandera, 1978) e não de variação stricto sensu, de variantes “com o mesmo valor de verdade”. Rejeita-se, implicitamente, a idéia de que cada área investigativa apresente limites rígidos. 80 3.1 VISÃO SOCIOLINGUÍSTICA LABOVIANA É fato notório que há, no estabelecimento da comunicação, uma forte relação entre língua e sociedade. O sistema lingüístico, por ser de caráter eminentemente social, segue as evoluções presentes em uma determinada comunidade, por isso não pode ser concebido como um sistema homogêneo, rígido de possibilidades (língua como domínio da invariância). [...] não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança lingüística sem levar em conta a social da comunidade em que ela ocorre. Ou, dizendo de outro modo, as pressões sociais estão operando continuamente sobre a língua, não de algum ponto remoto no passado, mas como uma força social imanente agindo no presente vivo. (Labov, 2008, p. 21) A natureza heterogênea das línguas permite entender o fenômeno da variação lingüística como um processo contínuo e inerente aos sistemas lingüísticos. A sociolingüística variacionista laboviana, que tem origem na chamada Teoria da Variação e Mudança (Weinreich, Herzog, Labov, 1968), constitui, nesses termos, um dos ramos da Lingüística que tem como objetivo buscar explicações a respeito da heterogeneidade da língua. Assim, concebe-se que a heterogeneidade lingüística é intrínseca à língua, não-aleatória, mas sim sistemática e ordenada, e obedece a condicionamentos internos e externos. O pressuposto de que nem toda variação e heterogeneidade envolvem mudança, mas toda mudança envolve variação e heterogeneidade (Weinreich, Labov, Herzog, 2006) é fundamental para o entendimento da questão. Em um estudo variacionista, busca-se entender como algumas formas lingüísticas são produzidas, quais os fatores que condicionam a escolha de uma determinada variante e não de outra. O conjunto dessas variantes -- lexicais, fonológicas, morfossintáticas --, por sua vez, constitui uma variável lingüística. Nessa perspectiva, cada uma das formas coexistentes constitui uma variante, que pode ou não ser selecionada, em um determinado contexto. 81 Ao analisar um fenômeno lingüístico variável, não se pode deixar de considerar que a variação pode ser condicionada tanto por fatores lingüísticos ou estruturais, quanto por fatores extralingüísticos ou sociais, como a faixa etária do informante, o nível de escolaridade, gênero, nível social, dentre outros. Para se definir uma variável lingüística, é necessário, dentre outros aspectos, que se defina o número de variantes, se descreva os contextos em que essas variantes ocorrem e se elabore um método capaz de medir os valores das variáveis. Labov (1972) considera a variação como sendo resultante da aplicação de uma regra lingüística variável, que, em determinados contextos, favorece ou inibe sua aplicação. Na coleta e análise de dados reais de uma comunidade de fala, busca-se minimizar os efeitos de uma fala ‘programada’ e/ou formal e a tarefa do lingüista constitui, portanto, a de explicar a motivação de um determinado uso, em circunstâncias específicas. Ainda segundo o lingüista, um fenômeno variável é concebido quando duas formas variantes apresentam o “mesmo valor de verdade”, conceito aplicado, fundamentalmente, a variáveis fonológicas. Lavandera (1978), ao discutir o tema, concebe que a variação, para além dos limites da morfo-fonologia, deve ser observada em termos da ‘comparabilidade funcional’ das variantes, já que não há, stricto sensu, a manutenção de um mesmo sentido referencial. Cabe ao pesquisador, portanto, trabalhar com os contextos em que as variantes sejam funcionalmente equivalentes. Todo sistema lingüístico está sujeito a pressões internas e externas que justificam o fato de as línguas mudarem ao longo do tempo, apresentando conservações e inovações, dentro de princípios básicos, sintetizados a seguir: (i) o da restrição, isto é, das condições que restringem uma determinada mudança lingüística; 82 (ii) o da transição, que trata do percurso entre dois estágios de uma língua; (iii) o do encaixamento, que concebe que as mudanças lingüísticas devem ser observadas dentro do sistema lingüístico e social; (iv) o da implementação, que concerne ao entendimento de como a implementação da mudança ocorre em determinada língua, em determinado tempo e lugar, e não em outro; (v) o da avaliação, que corresponde à apreciação que o falante faz acerca de uma determinada variante. Ao analisar um determinado fenômeno, é possível levantar a hipótese de se estar diante de uma mudança em progresso ou de uma variação estável. No processo de mudança, há modificação de uma forma, observável a partir da distribuição por faixas etárias (tempo aparente) ou por período temporal (tempo real, de curta ou de longa duração); na variação estável, o mesmo padrão de distribuição se mantém, visto no tempo (tempo aparente) ou através do tempo (tempo real). Labov (1994) defende a realização de estudos lingüísticos que conjuguem os resultados das análises em tempo aparente com as evidências dos estudos em tempo real. A análise dos fenômenos lingüísticos em tempo real de curta duração pode ser realizada a partir do estudo de tendência (trendy study) ou de painel (panel study). No primeiro estudo, comparam-se amostras lingüísticas de diferentes informantes, em dois momentos discretos de tempo, pertencentes a uma mesma comunidade lingüística; no segundo, estabelece-se comparação entre amostras lingüísticas dos mesmos informantes em dois momentos distintos, dentro de um período que Labov recomenda ser de, no mínimo, meia geração (12 anos) e, no máximo, duas gerações (cerca de 50 anos). O estudo de 83 tendência possibilita ao pesquisador identificar o comportamento da comunidade lingüística, nos momentos observados, mas não fornece informações acerca do comportamento lingüístico do indivíduo, nos momentos específicos, o que só será possível através de um estudo de painel. No artigo intitulado Age: Apparent time and real time, Gillian Sankoff (2006) sugere uma reanálise dos padrões de gradação etária e mudança geracional (tempo aparente). A adaptação feita por Sankoff (2006) leva em conta que aumentos progressivos nas faixas etárias constituem um importante fator para a depreensão da mudança em progresso nas línguas, já que distribuições etárias gradientes podem ser interpretadas como um processo de gradação etária e não como deflagrador de mudança lingüística: (i) à medida que envelhecem, os falantes mais velhos tendem a mudar seu comportamento lingüístico em direção à implementação da mudança; (ii) os adultos já inseridos no mercado de trabalho podem mostrar maior produtividade da variante padrão que os informantes idosos e jovens. Admite-se, dessa forma, que aumentos progressivos na freqüência de uso de uma dada variável lingüística sejam essenciais para a implementação da mudança lingüística. Assim sendo, Sankoff (2006) prevê, para os resultados dos estudos em tempo real, que: 1ª) A gradação etária pode explicar a repetição de um padrão lingüístico em uma determinada faixa etária; 2ª) O processo de gradação etária pode ser entendido como mudança lingüística em tempo real; 3ª) Na fase final da implementação da mudança lingüística em progresso, todos os grupos etários apresentam elevado grau de instabilidade; 84 4ª) A mudança lingüística pode ser influenciada por pressões sociais que tendem a estigmatizar os usos produzidos pelas camadas mais baixas. O estudo variacionista parte, em princípio, da seleção de uma variável dependente, seu objeto de estudo, -- composta de formas alternantes (variantes) -- e de variáveis independentes, lingüísticas e sociais, que, em princípio, estão correlacionadas à atuação de cada variante. A partir de uma primeira análise qualitativa dos dados, postulam-se hipóteses, formais ou funcionais, que corresponderiam a possíveis condicionamentos de ocorrência de determinada variante. Os resultados quantitativos -- a partir do pacote de programas VARBRUL (Pintzuk, 1988) -- permitem ao pesquisador uma análise mais refinada dos dados, confirmando ou infirmando as suas hipóteses iniciais. As variantes lingüísticas podem apresentar uma marca social passível de mudança, através do tempo. É claro que, no convívio social, há variantes mais prestigiadas que outras, já que o falante de uma determinada língua é capaz de “eleger” e⁄ou “estigmatizar” uma forma lingüística em detrimento de outra. Como forma de comportamento social, a língua naturalmente é de interesse para o sociólogo. Mas a língua pode ter uma utilidade especial para o sociólogo como um indicador sensível de muitos outros processos sociais. A variação no comportamento lingüístico não exerce, em si mesma, uma influência poderosa sobre o desenvolvimento social, nem afeta drasticamente as perspectivas da vida do indivíduo; pelo contrário, a forma do comportamento lingüístico muda rapidamente à medida que muda a posição social do falante. Essa maleabilidade da língua sustenta sua grande utilidade como indicador de mudança social. [grifos nossos] (Labov, 2008, p. 140) A análise de textos antigos constitui tarefa difícil para o pesquisador, pois terá de lidar com os chamados maus dados (Labov 1994, p. 11), já que as informações serão sempre 85 indiretas e incompletas, tendo em vista (i) a imprevisibilidade de localização dos documentos; (ii) o baixo grau de expressividade do vernáculo dos redatores dos textos; e (iii) a difícil caracterização do perfil social dos autores dos documentos. Labov (1994) trata do ‘paradoxo diacrônico’, concebendo o presente como uma realidade lingüística a partir da qual se pode entender o passado das línguas. Acredita-se, nesse caso, que os elementos que impulsionaram a mudança lingüística no passado podem atuar no presente, como princípio elementar de mudança nas línguas como um todo. O trabalho com corpus histórico permite observar sincronias passadas e compará-las ao presente. 3.2 VISÃO FUNCIONALISTA O estudo de um fenômeno lingüístico, com enfoque funcional, tem o objetivo de descrever a função de um determinado uso lingüístico. Assim, para além da análise da estrutura gramatical, deve-se examinar a situação comunicativa; em outras palavras, no paradigma funcional, a função que a forma lingüística desempenha, tomando como base a situação real de comunicação. Nesse sentido, não pode haver dois elementos em uso com o mesmo valor, a mesma função, já que as opções de que o falante dispõe apresentam finalidades diferentes. O que leva, portanto, à escolha de uma forma “X” ou “Y” para o modelo funcionalista é determinada propriedade funcional do contexto comunicativo. Diferentemente, a Teoria da Mudança concebe a língua como um sistema regido por elementos estruturais, que fazem parte da competência lingüística dos falantes. De fato, ao discutir as idéias de Lavandera, Labov (1987, p. 313-314) chega a negar o papel significativo da função na constituição da estrutura “Nos últimos cinco anos, tornei-me cada vez mais desconfiado de argumentos funcionais (...). Argumentos funcionais consistem, geralmente, de 86 afirmações vagas”. O autor ainda destaca que a estrutura é, predominantemente, mecânica e não existe para ser reconhecida ou ajustada pelos seus usuários. O funcionalismo givoniano (Givón,1995), mesmo reconhecendo o estatuto formal da sintaxe, não a vê como uma categoria autônoma, mas concebe-a em relação à função que desempenha no contexto social. Dessa forma, nota-se que as proposições carregam informações do léxico, mas as funções discursivas somente podem ser entendidas quando se encontram encaixadas no discurso. A gramática de uma língua, na perspectiva funcional, não é independente, já que se estrutura a partir de pressões de caráter cognitivo e decorrente do uso, da constante mudança e da criatividade de que o falante dispõe. Com isso, verifica-se que o valor atribuído à função e à estrutura em cada um dos modelos teóricos é diferente. Neste trabalho, a tentativa de associação das duas visões teve por objetivo complementar a análise da alternância de modo verbal, no domínio proposicional. Na troca de um modo por outro, altera-se o plano funcional. (201) Creio que é com macarrão. (Faixa 3-SSA/70) probabilidade (202) Creio que seja igual aqui da Bahia. (Faixa 2- SSA/70) possibilidade Foi necessário, no levantamento de hipóteses, na codificação de diversos grupos de fatores e na interpretação dos dados, amalgamar conceitos funcionais e sociolingüísticos, com o objetivo de interpretar as tendências de uso do indicativo/subjuntivo no domínio morfossintático, semântico e funcional, focalizando diferentes funções. Parte-se da concepção de que há uma diferenciação entre os modos verbais e a modalidade, no sentido de que o primeiro apresenta um caráter morfossintático; já a modalidade é uma categoria mais ampla, podendo ser vista não apenas pelo uso de um modo verbal, mas, sobretudo, pela função que outros elementos lingüísticos da uma proposição 87 podem trazer (cf. item 1.1). Assim, torna-se possível descrever os dados e analisar não somente os elementos que se situam na estrutura da forma verbal. Na análise sócio-funcional, a distribuição de modos verbais pode ser vista de maneira escalar, uma vez que, quando analisamos a modalidade da proposição, percebemos diferentes graus de integração na estrutura lingüística, o que desmistifica a concepção de que o indicativo e o subjuntivo são dois modos que ocupam pólos opostos (cf. item 1.2). O caráter inovador deste trabalho está no estudo dos modos verbais em períodos temporais, nos moldes labovianos, partindo de um estudo em tempo real de longa duração -do século XIII ao XX -- comparado ao estudo de dados reais de língua falada do século XX, de falantes cultos e não-cultos. Busca-se explicitar (i) se uso dos modos verbais constitui um caso de constante e recorrente variação estável, que se restringe a determinadas estruturas, explicável pelo elemento mais à esquerda, seja o tipo de verbo, seja o tipo de complementizador e⁄ou conector; e (ii) se esta variação está encaixada no sistema lingüístico, como conseqüência da redução do paradigma verbal, sendo o uso do subjuntivo suplantado por outras formas modais (indicativo, outros elementos modalizadores), independente da proposição em que ocorra . Segundo o princípio da iconicidade, as escolhas lingüísticas são feitas no momento do discurso. Assim, elementos conceitualmente mais integrados apresentam maior vinculação morfossintática (subprincípio da proximidade ou adjacência). Esse subprincípio tem um papel fundamental no presente trabalho, por dar conta de aspectos que dizem respeito à integração entre as cláusulas, noção discutida no item 1.2. Givón (1995), pelo Princípio Universal da Marcação, estabelece distinção entre formas marcadas e não-marcadas, segundo as quais se devem observar alguns elementos: (i) a forma marcada tende a ser mais complexa do que a respectiva não-marcada; (ii) a forma 88 marcada tende a ser menos freqüente e, cognitivamente, mais saliente e complexa, já que requer maior esforço mental. O uso do subjuntivo nas cláusulas subordinadas substantivas, por exemplo, corresponde à forma marcada, mais saliente e, por isso, menos freqüente. Meillet (1912), em “L’evolution des formes grammaticales”, argumenta que a gramaticalização produz transformação no sistema lingüístico, uma vez que introduz novas categorias não existentes anteriormente. A partir do estabelecimento de um contínuo do concreto para o abstrato, Givón (1995) propõe que a gramaticalicalização incide em diferentes níveis: DISCURSO > SINTAXE > MORFOLOGIA > MORFOFÊMICA > ZERO > DISCURSO A gramaticalização constitui um modelo que tenta explicar o processo de mudança de determinados itens lexicais, que passam a exercer funções gramaticais; ou ainda, de elementos gramaticais que passam a assumir funções ainda mais gramaticais (Hopper & Traugott, 1993). Um elemento lexical, como um advérbio, pode passar a assumir a função de uma conjunção (Ex.: ‘em boa hora’ > embora → conjunção concessiva), tornando-se mais gramatical. Esse processo resulta dos variados sentidos que determinados itens lexicais ou gramaticais podem desempenhar. O que ocorre, muitas vezes, é que há convivência entre as duas formas (a antiga e a nova), cada qual em um contexto especializado. É importante salientar que o modelo da gramaticalização se aplica a mudanças já concluídas e em curso em uma sincronia. Defende-se, nesse processo, a concepção de que os estágios observáveis no presente são constantes na língua. Segundo Heine (1991), o fator primordial da gramaticalização decorre da natureza cognitiva, já que o mecanismo é ativado quando não se encontram formas para chegar a uma 89 determinada função. A reanálise é concebida como a reinterpretação dos elementos lingüísticos no eixo sintagmático. O verbo achar, em estruturas de complementação, por exemplo, está sendo reinterpretado como modalizador epistêmico (“eu acho que” = talvez). Outro exemplo de reanálise pode ser visto na passagem do verbo pleno ir a auxiliar em perífrases verbais (‘IR+Vinf’), indicando futuro, por um processo de transferência metafórica do domínio do espaço para o domínio do tempo, em “Eu vou trazer na segunda-feira” (Oliveira, 2006). De acordo com Hopper (1991), a gramaticalização pressupõe alguns princípios, que podem explicar a coexistência de diversos estágios para um mesmo item lexical: estratificação, em que há coexistência de formas com funções similares; divergência, que corresponde à manutenção da forma original de um item lexical, independente se há formas derivadas; especialização, que consiste na restrição das possibilidades; persistência, em que a forma derivada mantém vestígios de seu significado original; decategorização, perda do status categorial de uma forma. Bybee (1984) destaca a importância da freqüência de uso no processo de gramaticalização, que leva à automatização das formas, enfraquecendo a força semântica de uma construção. Nas orações completivas, há itens verbais mais⁄menos integrados que outros: a construção “eu acho que” é menos integrada à oração subordinada do que a construção com o verbo querer, com traço de [+controle]. Quanto maior é a freqüência, o item lexical torna-se previsível, automático e pode, inclusive, ter sua forma fonológica reduzida, no processo de erosão. 90 3.3 METODOLOGIA DE ANÁLISE Na análise das construções completivas e concessivas, foram formuladas algumas hipóteses, que permitissem estabelecer os padrões de uso do modo subjuntivo, tanto no presente quanto no passado da nossa língua. Embora o interesse pelo tema tenha surgido, inicialmente, na análise de dados orais, nesta tese, optou-se por partir de uma análise em tempo real de longa duração, com dados de escrita (século XIII ao XX), até retomar dados de fala. Em termos labovianos, nossa variável dependente está constituída por duas variantes: subjuntivo e indicativo, a serem observadas segundo variáveis independentes, que serão discriminadas nos itens 3.3.1 e 3.3.2. Em relação aos dois tipos de construções analisadas, foram controladas, além de variáveis estruturais, as seguintes variáveis extralingüísticas: 1) Periodização. Controla a temporalidade histórica dos documentos analisados em uma análise de tempo real de longa duração: desde o século XIII até o XX. A partir do século XIX, começa haver maior prescrição da norma gramatical. 2) Gêneros textuais. Analisa-se o comportamento dos modos em variados gêneros textuais: técnico-descritivos, foros, cartas pessoais e oficiais, editoriais, anúncios, notícias, peças populares, crônicas históricas, documentos oficiais, etc (Lista completa indicada no Anexo 1). Não se dispõe dos mesmos gêneros textuais em todos os séculos analisados, o que pode inviabilizar o estabelecimento de algumas generalizações na análise dos dados (item 4). 3) No caso dos corpora orais, foram analisadas as variáveis extralingüísticas -- década, faixa etária, região e gênero (homem/ mulher) --, a fim de verificar se houve mudança em tempo 91 real de curta duração, em tempo aparente, e se a comunidade e o gênero do informante -tradicionalmente considerados em estudos variacionistas -- estão relacionados ao uso do modo verbal. 3.3.1 Construções encaixadas Tomando como base os estudos já realizados sobre o tema (cf. item 2.6 e 2.7), propuseram-se, na análise dos dados, as seguintes variáveis lingüísticas. 1) Item verbal da oração matriz. Parte-se do pressuposto de que o item verbal da oração matriz pode influenciar a seleção de um determinado modo verbal na oração encaixada. Muitas gramáticas, como já foi observado (cf. item 2.4), definem que é o verbo da oração matriz o responsável pela “escolha” do modo verbal da oração encaixada. Acredita-se que os predicadores selecionam o subjuntivo, ao adquirirem o traço [+futuridade/ obrigatoriedade], [+controle], [+avaliação], ao passo que a ausência dessas nuances inibe a seleção de uso do subjuntivo. Na pesquisa, optou-se por observar cada item verbal isoladamente, já que verbos que podem ser enquadrados sob o mesmo ‘rótulo’ comportam-se de forma diversa em relação ao uso dos modos verbais. 2) Tempo do evento – real ou referido em relação -- ao momento da enunciação. As proposições foram analisadas tendo em vista os tempos do presente, passado, futuro. Observou-se o tempo⁄ modo do verbo da matriz assim como o tempo⁄ modo do verbo da encaixada (indicativo - presente, pretérito perfeito, pretérito imperfeito, pretérito mais que perfeito, futuro do presente, futuro do pretérito; subjuntivo - presente, imperfeito, futuro; e formas nominais - infinitivo, gerúndio e particípio). A hipótese utilizada, neste trabalho, é a 92 de que a categoria tempo futuro favorece a seleção do subjuntivo na oração encaixada (Pimpão, 1999). Ressalta-se que não se levou em consideração apenas o aspecto formal do item verbal, mas sim o traço formal/ semântico, já que um verbo no presente pode indicar um evento que se situa no presente, no passado ou no futuro. 3) Grau de assertividade. Nessa variável, pretende-se verificar em que tipo de proposição ocorre maior variação dos modos verbais: se nas afirmativas, se nas negativas. Investiga-se a estrutura de assertividade da oração, com a intenção de confirmar se a presença do elemento de negação favorece, ou não, o uso do subjuntivo. Acredita-se que o escopo da negação pode modificar tanto o domínio lexical quanto o pragmático, no sentido de operar na alteração do domínio semântico: um modalizador epistêmico como achar, com nuance de baixa certeza epistêmica, ao sofrer influência do elemento de negação, pode sofrer alteração semântica, adquirindo traço [+avaliativo]. Supõe-se, dessa forma, que a presença do elemento de negação na oração matriz tende a modificar a noção do predicador. 4) Pessoa verbal na matriz. Controla-se a pessoa do verbo da matriz com o objetivo de verificar se o uso das diferentes pessoas verbais pode interferir na escolha do modo verbal da oração encaixada. Em outras palavras, será que o uso de uma determinada pessoa verbal pode transmitir factualidade (ou não) ao discurso, de forma a promover a utilização por um determinado modo verbal? Como se verificou no item 2.7, não há um comportamento homogêneo em relação à variável pessoa verbal nos estudos realizados. De início, esse grupo de fatores foi utilizado na codificação dos dados de escrita, mas foi descartado pelo fato de, na maior parte dos contextos, fazer referência à terceira pessoa, impossibilitando a análise desse item. Na análise dos dados de fala, essa variável foi controlada. A hipótese aventada é a de 93 que o subjuntivo seria mais freqüente nos enunciados de primeira pessoa, que expressam maior subjetividade do que os enunciados de terceira pessoa. 3.3.2 Construções concessivas O fato de, no português antigo, a alternância de uso do indicativo/subjuntivo não parecer aleatória (Said Ali, 1964; Mattos e Silva, 1989; Menon, 2007) pode fazer supor que as duas formas verbais não constituíam variantes no sentido estrito, por possuírem valores referenciais distintos. Embora, no português atual, haja preferência pelo uso do modo subjuntivo, com a maioria dos conectores concessivos -- exceto apesar de e se bem que --, o uso do indicativo em contextos semelhantes aos de outrora permite afirmar que certas marcas estruturais e⁄ou semântico-discursivas operam na seleção das formas verbais, tanto no passado, como no presente. As hipóteses aventadas nas variáveis independentes das orações concessivas são as seguintes: 1) Modo de Organização do discurso. A hipótese aventada é a de que o subjuntivo seja mais produtivo nas seqüências argumentativas, já que é o modo utilizado para indicar modalização discursiva. As seqüências narrativas e descritivas são, por sua vez, marcadas no indicativo, já que explicitam um fato já conhecido pelo enunciador. 2) Posição da Oração subordinada adverbial concessiva. As orações adverbiais apresentam propriedades equivalentes às de um advérbio, o que explica o seu caráter circunstancial e, assim, a sua mobilidade na sentença. Dessa forma, a oração subordinada concessiva pode aparecer anteposta, intercalada ou posposta à oração matriz e, segundo Rocha Lima (2003, p. 277), quando anteposta, “parece que dá maior relevo, permitindo o contraste de idéias”. 94 Postula-se que o subjuntivo ocorre mais freqüentemente em orações subordinadas antepostas, por conter caráter de antecipação da inferência. 3) Tipo de conector introdutor da oração subordinada adverbial concessiva. Analisa-se a relação entre o tipo de conector e o modo verbal utilizado. Postula-se que há relação entre a concepção introduzida pelo conector e a presença de um determinado modo verbal. Mais uma vez, é o elemento à esquerda que controla o modo verbal. Os conectores concessivos, como se sabe, apresentam propriedades semânticas diferenciadas, estando diretamente relacionados à própria noção semântica contida no processo de gramaticalização de cada uma das formas (Barreto, 1999). Na amostra, registraram-se os seguintes conectores concessivos: ainda que, posto que, como quer que, por mais que, sem que, mesmo que, pero/empero (que), embora, apesar de(que), por, se bem que, alguns não mais utilizados no português contemporâneo. 4) Presença (e Tipo) de elemento interveniente entre o conector e o verbo. A finalidade é verificar se a intercalação de elementos entre o conector e o verbo da oração subordinada pode interferir na seleção do modo verbal. Ressalta-se a importância não só de verificar se há (ou não) a presença de elemento interveniente, mas, sobretudo, a propriedade desse elemento, ou seja, as características específicas contidas no próprio item: se um sujeito de 1ª (primeira) ou 3ª (terceira) pessoa, um sintagma nominal, um sintagma adverbial, um sintagma oracional, um conjunto de elementos, um marcador discursivo, um elemento de negação, etc. Acreditase que quanto maior distância entre o conector e o verbo da oração subordinada, menor o domínio do último sobre o primeiro. 5) Identidade entre os sujeitos da cláusula contrastiva (adverbial concessiva) e matriz. Pretende-se observar aqui se há alguma influência entre a equivalência (ou não) dos sujeitos 95 da cláusula principal e da subordinada e o modo verbal selecionado. Postula-se que o indicativo ocorre, fundamentalmente, em períodos em que não há identidade entre os sujeitos das cláusulas, uma vez que essas cláusulas se encontram menos integradas (cf. item 1.3). 6) Forma verbal da oração subordinada. Analisam-se tempo e modo nas seqüências contrastivas analisadas, presente, passado e futuro, no indicativo e no subjuntivo. Foram retirados da análise quantitativa dos dados os casos em que a forma verbal está implícita. A hipótese é a de que o subjuntivo ocorre no tempo presente, ao veicular um evento vindouro, à semelhança do comportamento observado nas orações completivas. 7) Modalidade. Acredita-se que o indicativo tende a ocorrer nas proposições em que há a noção de hipótese (Pimpão, 1999). Givón (1995) destaca que o modo subjuntivo situa-se nos contextos gramaticais da modalidade irrealis. Analisam-se as proposições com base nos seguintes conteúdos semânticos: (i) incerteza, (ii) pressuposição (conhecimento compartilhado entre o falante e o ouvinte), (iii) hipótese e (iv) condição. 8) Natureza Semântica da oração concessiva. A hipótese é a de que o indicativo tende a ocorrer nas proposições que encerram contraste e restrição e o subjuntivo nas proposições em que há negação de inferência. Neves (2000) apresenta uma análise mais acurada dos diferentes valores semânticos -- cerca de vinte -- das construções adversativas e concessivas, que compartilham os valores de contraste, restrição e negação de inferência. Na noção de contraste, observa-se, por exemplo, contraposição em direção oposta, ou seja, há uma polarização que se explicita no próprio item lexical, expresso nas proposições que se contrapõem. Com relação ao valor de restrição, o que se verifica é uma espécie de exclusão “parcial”, com função de restringir, por acréscimo de informação, o que se encontra expresso 96 no segmento que se contrapõe. Na negação de inferência, por sua vez, tem-se, inicialmente, a aceitação de um fato, que é, posteriormente, negado, expressando, nesse caso, a não-aceitação da inferência12. 9) Estatuto informacional dos segmentos concessivos. Nessa variável, pretende-se analisar se as orações concessivas instauram uma informação nova ou velha (dada) ao período. A hipótese aventada é a de que se a informação é nova, o enunciador tende a modalizar o seu discurso, utilizando, para isso, o subjuntivo. Já se a proposição encerra um evento já conhecido, ou previamente mencionado, tende a ocorrer o indicativo. 10) Conteúdo da construção concessiva. Busca-se observar se a construção concessiva traz informação adicional (pós-reflexões), mudando, ainda que momentaneamente, o assunto (construção de adendo); ou se traduz informação específica ao período, não podendo ser dispensada da seqüência em que se encontra (construção prototípica). Nas orações concessivas em construção de adendo, parece haver maior avaliação, levando o verbo para o subjuntivo. 3.4 CORPORA Utilizaram-se textos escritos diferenciados, dos séculos XIII ao XX, e amostras de fala culta (NURC- RJ/SSA) e não-culta (PEUL), em duas décadas distintas (70/90 e 80/2000, respectivamente) do século XX (Cf. Anexo 1). 12 Oliveira (1996) propõe também que toda construção contrastiva envolva uma asserção de base e uma negação ou restrição – que corresponde ao argumento que tende a prevalecer na construção. Segundo essa proposta, o conectivo ocorre na asserção de base, quando houver concessão; já, quando ocorrer adversidade, o conectivo ocorre na restrição. 97 4. ANÁLISE DOS DADOS 4. 1 ANÁLISE DOS DADOS DE ESCRITA: ORAÇÕES ENCAIXADAS Com base na análise qualitativa dos dados, foram estabelecidas as hipóteses para a análise quantitativa laboviana, que possibilitou identificar padrões gerais de uso do subjuntivo. Em primeiro lugar, os verbos foram reunidos em dois grupos: os que apresentavam variação em um ou dois séculos – por exemplo, achar, falar, sentir -- e os que apresentavam variação em mais de três séculos, ao longo do tempo -- por exemplo, crer, dizer, mandar, dentre outros. A Tabela 3 registra apenas os itens que se encaixam no primeiro grupo e, a Tabela 4, adiante, os do segundo grupo. A relação de todos os verbos registrados nas amostras, com uso categórico do subjuntivo ou do indicativo, constituem o Anexo 2 (cf. item 7.2). 98 Verbo da matriz Século % de uso de subjuntivo Total de Ocorrências Acaecer XIII 13% 3 Achar XV XX 33% 6% 12 16 Acordar/ concordar XV 65% 20 Aconselhar XVIII 67% 3 Advertir XIX 33% 3 Afirmar XV 17% 6 Avisar XIX 25% 4 Aprazer XV 50% 4 Bradar XV 72% 7 Confessar XIX 8% 13 Convir a saber XIII 33% 3 Contar XV XIX 22% 11% 9 9 Constar XIX 12% 17 Defender/ ter defeso XVI 50% 2 Desejar XIX 95% 19 Demandar XIII XIV 33% 67% 3 3 Entender XIV 10% 39 Escrever/ achar escrito XV XVI 63% 47% 8 58 Falar XV 75% 4 Importar XVII 92% 12 Instar XVIII 10% 51 Julgar XVIII 6% 17 Lembrar XIV XVI 20% 43% 5 7 Mostrar XV XX 13% 50% 8 2 Negar XVII 17% 6 Ordenar XIV 75% 4 Outorgar XIV XV 87% 72% 15 7 Pedir XIX 95% 19 Persuadir XVII 60% 5 Prazer XVI 67% 6 Prevenir XIX 50% 4 Recear XV 80% 5 Recomendar XIX 80% 5 Replicar XVIII 17% 6 Requerer XV 80% 15 Resolver XVII 50% 4 Rezar XIX 50% 2 Rogar XV 90% 10 Semelhar XIV 17% 6 Sentir XIX 67% 3 Ser (por)certo/ haver certo⁄ XV XVIII 8% 2% 12 42 ficar certo Ser possível / poder ser XVII XVIII 80% 33% 5 6 Ser por bem XVI 92% 48 Ser bem XVI 89% 9 Supor XVIII XIX 7% 58% 13 12 Temer XVII 75% 4 Tabela 3. Listagem, em ordem alfabética, dos verbos que apresentam uso variável do subjuntivo em orações completivas, na escrita, do século XIII ao XX (variáveis em até duas sincronias) 99 4.1.1 Variação restrita a até duas sincronias Apesar de não variarem em mais que dois séculos, observou-se uma sistemática de uso, com elementos controladores da opção pelo subjuntivo ou indicativo, expostos em forma de quadro, a seguir. Contexto da proposição (matriz) I. Noção de obrigatoriedade e⁄ou futuridade [+/-futuridade] [+/-obrigatoriedade] II. Noção de ordem, comando e pedido [+/-controle] Subjuntivo (encaixada) Indicativo (encaixada) Essa noção pode ser expressa Essa noção está expressa por pelo verbo no tempo presente. uma construção modal (haver a⁄de + verbo principal) e por formas do futuro simples no indicativo. Proposição traduz ordem, Proposição tem natureza apenas comando, pedido, com alguns informativa ou de modalização demandar, discursiva. verbos, como ordenar, persuadir e outorgar, que já trazem, intrinsecamente, essa carga semântica; outros predicadores, como falar, aconselhar, escrever, adquirem essa nuance, a depender do contexto em que ocorrem. III. Efeito da negação A presença do elemento de negação na matriz funciona na matriz como um elemento, de [+/-certeza] natureza morfossintática e [+/-avaliação] semântica, desencadeador do subjuntivo. Ausência do elemento de negação mantém a natureza semântica do verbo da matriz, selecionando o indicativo. IV. Tempo do verbo Há correlação entre o tempo da matriz e o modo da encaixada da matriz [Sempre associado à (elemento estrutural). outra categoria, nunca por si só] Verbo da matriz no presente, no futuro e, até mesmo, no passado, quando ocorre em seqüência estritamente narrativa. Quadro 2. Traços controladores do uso dos modos verbais 100 Contexto I- Noção de obrigatoriedade e⁄ou futuridade A perífrase convir a saber, no século XIII, seleciona o subjuntivo na encaixada quando está explícita a noção de futuridade e⁄ou obrigatoriedade. (203) Comue~ a ssaber que o alquayde. Roy ffernãdijz. ssenor Da azãbuya te~nha / todo este erdamento e~ ssa uyda sso tal. Comdyçom que el a mande lauorar e pauygar e tapar assy. (século XIII) No século XVI, os verbos prazer e defender selecionam o subjuntivo na encaixada, em 67% e 50% dos casos, respectivamente, quando está explícito o traço de futuridade. No século XVII, o verbo temer, na matriz, também leva o verbo da encaixada para o subjuntivo quando essa nuance se aplica (75%). (204) Porem, por sua garda e minha lembrãça , lhe mandey dar este alvara por m~y asynado; o qual quero, e me praz, que valha e tenha força e vigor, como se fosse carta por mym asynada e ascelada do meu sello , e pasada por minha chancelaria, sem embargo de minha ordenaçam em contrario e de todas as clausulas d'ella ; que quero e me praz que nesto nam ajã lugar, posto que d'ellas se ouvesse de fazer expresa mençam. (século XVI) (205) defendo que nenhu~ua pesoa, de qualquer calidade que seja, posa levar ne Registrar na dita fortaleza nenhu~u dinheiro ouro, prata nem joyas, na maneira que veres pelo dito meu alvara. (século XVI) (206) temo que esta nova do Brasil meta em esperanças os que já desconfiavam, e que se atrase o negócio que o senhor Embaixador trabalha como sempre. (século XVII) A expressão ‘ser possível’ seleciona, preferencialmente, no século XVII, o subjuntivo na encaixada (80%), em proposições hipotéticas em que, mais uma vez, o traço de projeção futura se verifica. No século XVIII, a presença do subjuntivo nessas proposições se reduz a 33% e, geralmente, a idéia de futuridade é substituída por expressão modal (exemplo 208). 101 (207) seja possivel que em toda esta estrada não se encontre passageiro algum. (século XVIII) (208) he possivel que aquella porta sempre ha de estar aberta para entrar quem quizer? (século XVIII) Em algumas lexias verbais e⁄ou verbos - tais como ser⁄ ficar (por) certo, lembrar e contar - o uso do subjuntivo só é registrado na oração encaixada quando se observa, na proposição, a presença do traço de futuridade e⁄ou obrigatoriedade. Essas lexias verbais apresentam distribuição de uso inversa no eixo temporal: enquanto a expressão ser⁄ficar (por) certo e o verbo contar reduzem a freqüência de uso do subjuntivo na encaixada de um século para outro (ser⁄ ficar certo: 8%, no XV > 2%, no XVIII; contar: 22%, no XV > 11%, no XIX), o verbo lembrar passa de 20%, no século XIV, para 43% no XVI. (209) Melhor he por certo que vos vejaõ os inimigos, e creaõ em vòs, que eu, que desde a fonte do Baptis mo vos conheci por Deos verdadeiro, Filho da Virgem, e do Padre Eterno, e assim vos co-nheço agora. (século XV) (210) Madama fique certe que nô falte. (século XVIII) (211) Lembrar-te-ás que, rindo pera teu irmám, busques testemunhas. (século XVI) (212) conto que escrevas mais. (século XIX) O verbo recear seleciona, no século XV, o subjuntivo na encaixada (80%) em contextos que, no momento da enunciação, parece haver a probabilidade de um fato indesejado ocorrer. (213) Tornaraõ se entonce pera hu vierão, & ca-da hum trabalhou de se poer em saluo receandose que todos os ~q erão da parte da Rainha, & do Conde fossem mortos aquella hora. (século XV) Mais uma vez, a noção de futuridade e⁄ou obrigatoriedade pode ser marcada por expressões modais (haver de⁄a + verbo principal), com o verbo da encaixada no modo 102 indicativo. Verbos e⁄ou expressões que selecionam, preferencialmente, o subjuntivo na encaixada – outorgar, rogar, ser possível, temer, acordar, aconselhar –, todos com freqüência superior a 65%, apresentam o uso do indicativo nesse contexto de construção modal. No exemplo (216), em que há a coordenação de orações subordinadas substantivas, o uso do indicativo só é verificado na construção modal ‘há de estar’, já que as outras orações apresentam verbo no subjuntivo ‘tenha’ e ‘queira dar’. (214) E conhosco e outorgo que uós ey a dar cõ esta herdade tãta oútra hérdade; quanta a uos mi~guar desta que uos eu dey de rrenda de / Çinque moyos de Pam meyado. (século XIV) (215) Oh amiguos roguo a Deos se este anno, eu hey de viver sem vòs tais Cavalleyros tomardes esta Villa de Santarem, ha elle praza que antes eu desta vez em ella morra. (século XV) (216) O que me espanta é que soffressem os homens a Elias. É possivel que se ha-de estar abrazando o mundo, e que tenha Elias em sua mão o remedio, e que o não queira dar? (século XVII) (217) temendo que o havia de exceder no talento. (século XVII) (218) Acabados hos convites ElRey, e ha Rainha Daragam se volvera ha Tarraona, e ElRey D. Diniz, e ha Rainha sua molher, e ho Ifan- te D. Joha aho outro dia se fora aa mesma Cidade onde era con-cordado, que pera determinaa de seus debates todos avia de seer juntos, salvo ElRey de Castella, que nom avia de seer prezente. (século XV) (219) Em m’ ouir aconselhar que [...]Tudo se hade perdoar. (século XVIII) Com o verbo importar, em que o uso do subjuntivo é quase categórico (95%), até mesmo no contexto de construção modal referido, o indicativo é bloqueado (exemplo 220). (220) importa porém que a paz haja de ser paz, e a segurança segurança, e ambas estas cousas são também duvidosas, e tão incertas como o tempo e os mesmos movimentos de França nos vão mostrando. (século XVII) (221) fazendo um protesto por parte do direito do Padroado, de que são e hão-de ser juizes os mesmos a quem importa que nós o não tenhamos. (século XVII) 103 As formas de futuro simples também são usadas para substituir o subjuntivo na oração encaixada, quando os predicadores da matriz são prazer e prevenir, no século XVI e XIX, respectivamente. (222) E sendo caso que o dito capitã mor nõ toque Moçanbique, o que prazera a Deus que nõ sera, e que levarã todos muito bõa viage~ , e iram todos juntos, mandares a quallquer dos outros capitães que cada hu~u o faça asy da sua nao, e lhe dee o mãtime~to que poder escusar. (século XVI) (223) Moreira, Carvalho & Companhia, proprietarios da manucfatura nacional de moveis a vapor “Moreira Santos, previnem aos seus freguezes e ao respeitável publico que sua exposição de moveis, no imperial teatro São Pedro de alcantara, estará á sua disposição todos os dias úteis. (século XIX) Como se verifica, o modo subjuntivo se mantém quando ocorre sob o escopo do traço de futuridade, uma vez que, nesse contexto, projeta a realização de eventos vindouros. O traço de futuridade é mais forte, inclusive, em proposições que denotam também o traço de obrigatoriedade: quando o indicativo é usado (em expressões modais ou em formas do futuro do presente), esse último traço se enfraquece (exemplo 215). Além disso, observou-se que à medida que o enunciador admite (“é possível”) a incerteza/hipótese de um determinado evento, perdendo o traço de futuridade, as proposições não requerem, necessariamente, o uso do subjuntivo (exemplos 209 e 217). Essa conclusão vai de encontro ao que prescreve à tradição gramatical (cf. item 2.4), ao distinguir o paradigma dos modos verbais pela noção de certeza/incerteza e não pelo traço de futuridade/obrigatoriedade. 104 Contexto II- Noção de ordem, comando, pedido O percentual de uso do subjuntivo com o predicador demandar, no século XIV, atinge 67% em seqüências que denotam comando (exemplos 224), o dobro da freqüência do século XIII (Tabela 3). (224) E qu(er)emos e dema~damos que todo crischa~o|s | tenha esta fe e a guarde e q(ue~) quer q(ue) (contra) ella ueer enalgu~a cousa es erege e receba a pe~a que e´ posta (contra) os h(er)eges. (século XIII) (225) Eem/tom h~u~u creligo d'epistolla que/ auja nome agapito demâdoulhe [f40r-c1] muyto aficadam~ete quelhe dese/ h~u~u pouco d'azeite pollo amor de/ deus. (século XIV) O verbo ordenar seleciona, em 75% dos casos, o subjuntivo na encaixada. O indicativo ocorre em apenas um único dado, com o sentido de “mostrar”, “fazer ver” (exemplo 227). (226) Epello rogo do santo/ hom~e anastacio. foy despois hor/dinhado que morrese. que podemos/ por esto al entender. (século XIV) (227) ordenou que as almas [fl 01r-c1] demujtos despois que saa~e dos corpos⁄ tornã logo asynha a elles. (século XIV) O predicador outorgar que indica a concessão de direitos a outrem (Houaiss, 2004) leva, em geral, o verbo da encaixada para o subjuntivo (87%, no século XIV e 72%, no século XV). (228) Epor~e naatã propheta/ preguntado do rrey dauid se faria/ otemplo anosso senhor. primeira/ m~ete lho outorgou queo fezesse. (século XIV) Com percentual de uso do subjuntivo na encaixada de 60%, o verbo persuadir, na matriz, indica a tentativa de convencer, manipular alguém. 105 (229) além de reduzir aquela casa e Religião à sua antiga observância, persuadiu a el-Rei Dom João III, que impetrasse a desmembração das rendas de Santa Cruz pera fundação da insigne Universidade de Coimbra. (século XVII) (230) Não pretendo com isto persuadir que nos não seja conveniente a liga de França, mas só, como dizia, que não é racionável, nem possível, que nós por ela lhe dêmos socorros. (século XVII) (231) Concluamos logo que se o nosso Poeta não cedeu no engenho a Virgílio e Homero, tão pouco lhe cedeu nas maravilhas do nascimento; e com mais razão nos podemos persuadir que as houvesse em um Poeta católico, que nos gentios. (século XVII) O verbo bradar leva, preferencialmente, o verbo da encaixada para o subjuntivo, já que repassa um comando ao receptor. Nos contextos em que esse verbo equivale ao verbo dizer, apenas se explicita um fato, e o verbo da encaixada vai para o indicativo (exemplos 233 e 234). (232) E che- garaõ àporta do Castello,bradando aos desima, que sahissem fora, & o desemparassem logo,se nam que as molheres, & os filhos lhe queimariaõ todos em vista, & presença delles. (século XV) (233) E mandou logo Fernam Daluerez, & Lou- renço Martins, que fossem cer- rar as portas, que não entrasse ninguem, & dissesem ao seu pa gem que fosse à pressa pella Villa bradando: que matauaõ o Mestre, & elles fizeramno assi. (século XV) (234) De cima naõ faltaua quem bradar que o Mestre era viuo; & o Conde Io- haõ Fernandez morto, mas esto naõ queria nenhum crer, dizen- do. Pois se viuo he mostraynolo. (século XV) No século XV, os verbos falar, escrever, requerer e acordar (=concordar) -- com percentual acima de 65% -- selecionam o modo subjuntivo na encaixada quando há, no contexto, a expressão de manipulação. Como o corpus analisado é composto por crônicas, cujo objetivo era o de relatar os fatos de uma dada época, os verbos da matriz e da encaixada se encontraram, com esses verbos, no tempo passado. (235) Outorgado por o Conde que esto era bem feito, falou com Affosoeanes Nogueila,que alá estaua,que era hu del les que se viesse á Cidade, & falas se com aquelles,que seus eraõ, ~q o fizessem assi. (século XV) 106 (236) cuidou ~q era bem desaber por algua guisa suas võtades delles ante ao lu-gar chegasse escreueo a Gonçalo Vasquez de Azeuedo que estaua em Santar~e por Alcaydo, q~ falasse cõ esses bõs do lugar na milhor maneira, ~q entendese. (século XV) (237) a nte algus dias, ~q ElRey chegasse a Sã tarem, mandou diã te Pero Carrilho seu Apozentador mòr, pera requerer à Rainha, que lhe mandasse dar pousa das em bairo pera os seus. (século XV) (238) E foy acor- dado por a Rainha, & por todo- los, que hi eraõ, que o Reyno se defendesse, quersdo elRey de Ca- stella vir a elle, & não lhe obede ces em em outra cousa, saluo na- quellas, que nos trautos era con- teudo. (século XV) O verbo escrever pode selecionar, mesmo em proposição que denota comando, o indicativo, se a oração encaixada for introduzida pelo complementizador se. (239) pelo que vos emcomendo muyto que vejaes como isso estaa, e o pratiqueis cõ quem vos bem pare çer, e me escrevais se se deve dar allgu~a ajuda ou favor aos ditos mercadores. (século XV) O verbo replicar, indicador do contraponto, é usado para relatar, para direcionar a resposta daquele que contra-argumenta. Nesse caso, o subjuntivo é o modo selecionado na oração encaixada (17%). (240) "Estes ainda algum dia hão de vir a ser donos da terra"; ao que ela, testemunha, lhe replicara que visse que castelos mais altos ainda caíam e muitas pessoas ricas tinham vindo a cair em pobreza. (século XVIII) No exemplo (241), extraído dos Autos da Devassa, texto de caráter jurídico, o relato do réu é usado como estratégia para eximir qualquer culpa de quem está sendo julgado. (241) E, além disso, ter ele, acareado, aconselhado a Manoel Inácio que deixasse amizade do acareante. (século XVII) 107 O verbo instar -- com sentido de pedir, solicitar com insistência, exigir -- foi registrado em contextos muito semelhantes, ora no indicativo, ora no subjuntivo. (242) foi instado que ele faltava à verdade no que havia dito. (século XVIII) (243) foi instado que dissesse a verdade sobre o que lhe tinha sido perguntado. (século XVIII) (244) E sendo instado que dissesse a verdade a que faltava em dizer, que não sabia quais eram os fins a que o dito médico se propunha a respeito dos referidos seus filhos. (século XVIII) A nuance de ordem também pode ser repassada pelos verbos recomendar, prevenir, rezar, advertir e avisar, com uso variável do subjuntivo. (245) Se acaso a encontrar, recommendo que lhe dê um beijo. (século XIX) (246) previno ás leitoras que não se | assustem com a medonha catadura do ti- | tulo d’este folhetim. |(século XIX) (247) Para fiscalisação por parte | do Governo resa o contrato que | a Companhia concirra(?) (século XIX) (248) adverte-se ás pessoas, que as mandarem alugar, que ensinem os seus domésticos. (século XIX) (249) e por isso avi- | sa que ningem faça contra[c]tos com o dito | seu marido sobre compra e venda dos mes- | mos escravos. (século XIX) O verbo avisar (exemplos 250 e 251), quando utilizado na passiva sintética, seleciona o indicativo na encaixada, com caráter informativo, de anúncio. (250) aviza-se o Publico, que a Gazeta do Rio de Janeiro sahirá todas as quartas, e Sabbados. (século XIX) (251) aviza-se ao publico de que sexta feira proxima haverá huma Gazeta Extraordinária Número 7. (século XIX) 108 O verbo pedir, com presença quase categórica de uso do subjuntivo na encaixada (95%), traduz um desejo vindouro do enunciador ou de outrem. (252) pesso bem de coraçaõ | a Deus que os proteja, e guie. (século XIX) (253) pedimos ao governo que attenda para esta | necessidade, que tire a religão do estado de | abando no e desleixo em que anda. (século XIX) (254) pediu-me hoje que a levasse... a jantar. (século XIX) O verbo desejar, que denota a vontade do enunciador, seleciona, preferencialmente, o subjuntivo na encaixada (95%). (255) dezejo aVossa Senhoria muita saude efelicidades eque disponha daminha vontade como for doseo agrado. (século XIX) Givón (1995) destaca que as propriedades semânticas veiculadas pelo verbo da matriz operam no controle sintático de integração entre as cláusulas matriz e subordinada, ou seja, a combinação entre essas cláusulas depende da nuance semântica do verbo da matriz, que identifica o grau de integração dos eventos presentes na estrutura de complementação (cf. quadro 1, item 1.1). Nesse sentido, pode-se dizer que as dimensões sintático-semânticas são inter-complementares e estão amalgamadas: “Quanto mais forte for o encaixe semântico entre os dois eventos, mais estreita será a integração sintática de duas proposições em uma única cláusula.”13 O subjuntivo é usado nas proposições de comando, uma vez que há manipulação, impressa pelo item verbal da matriz, que constitui elemento de controle dos eventos descritos 13 No original: The stronger the semantic bond is between the two events, the more intimately is the syntactic integration of the two propositions into a single clause (Givón, 1990, p.516). 109 na cláusula encaixada. Pode-se dizer que esses itens verbais de maior controle operam no sentido da execução do evento pretendido. Sob o escopo da modalidade deôntica (fraca manipulação), o subjuntivo no tempo presente pode ser usado, também, na realização de um evento futuro, vindouro (exemplos 245 e 253). No entanto, se os verbos das cláusulas matriz e encaixada se encontram na forma do passado, esse controle não corresponde à execução do evento, já que há uma barreira instaurada pela categoria tempo, pela ausência do traço de futuridade (exemplos 238 e 244). No passado, o subjuntivo denota incerteza, por não se poder atestar se o evento se cumpriu. Observou-se que há verbos de [+/-controle], uma vez que alguns itens verbais podem adquirir essa nuance no contexto discursivo (falar, escrever). Por exemplo, o predicador avisar (exemplos 250 e 251) exerce fraco controle acerca do evento da oração encaixada, o que pode justificar a presença do indicativo nessa proposição. Contexto III - Efeito da negação na matriz De início, podem ser estabelecidas as seguintes restrições: • Em relação a alguns verbos, a negação na matriz constitui conditio sine qua non à presença do subjuntivo na encaixada, ou seja, o uso do subjuntivo só ocorre quando há um elemento de negação na matriz; • Em relação a outros verbos, a presença da negação na matriz não determina necessariamente o uso do subjuntivo, pois pode ocorrer o indicativo na encaixada, apesar de haver uma partícula negativa. 110 No século XIV, por exemplo, verbos, como lembrar e semelhar, só selecionam o subjuntivo na encaixada quando há uma partícula negativa na matriz. Com o predicador entender (em formas simples ou em lexias verbais), por outro lado, não há uma relação biunívoca entre subjuntivo e elemento de negação, pois das três ocorrências do subjuntivo, apenas duas apresentam elemento de negação na oração matriz. (256) Euio h~ua alfa/ça mujfremossa. e cobycoua/ NÕ/ se n~ebrando quefezesse osynal da/cruz sobre ella. (século XIV) (257) Easy/ NÕ semelha que poremde ofogo/ deua arretéér aalma depois que/ se parte do corpo como quer que ella/ jaça e seia rreteuda pollo corpo ~e/ quamto queo hom~e ujue. (século XIV) (258) Ca entendiam queo sanc/to padre uèèse e lhes disese os lugares/ ~e que entendia defazer as casas/ que pêra aquel moesteiro compriam. (século XIV) (259) NÕ entendemos porem queo/ çeeo e aterra e as outras criaturas [f44r-c2] fosem porem de meores que eram /ou mjnguass~e desua cantidade. (século XIV) (260) Efaz a Escritura demanda [NÕ] pera dar a ent~eder que o galo aja ent~edimento, mais porque as obras que faz n~uca as erra e tã certas sõ come se as fezesse alg~ua creatura que ent~edimento ouvesse. (século XIV) No século XVIII, o verbo supor seleciona o subjuntivo na encaixada em um único caso (7%), caso esse em que há a presença de negação. No século XIX, esse mesmo verbo não sofre influência direta da negação, já que pode ocorrer o indicativo mesmo na presença da negação. A nuance hipotética se mantém através do uso do futuro do pretérito (exemplo 264). (261) NEM supunha que este fosse capaz de consentir que nele se falasse em sua casa. (século XVIII) (262) NÃO | supponho que o nosso governo deixe passar | mais esta violencia, fazendose desentendido. (século XIX) (263) até porque NÃO quero suppôr que o | Sr. Chagas seja dos maniacos que gostão | de passar por adoptivos. (século XIX) (264) aonde o bom Doutor muitas vezes NÃO | suppuzera que os houveria. (século XIX) 111 Ainda no século XIX, com os verbos confessar e constar mais uma vez se confirma o condicionamento morfossintático. (265) nós JAMAIS poderemos | confessar, que hum homem de costumes austeros ate moral, e que odeie o despotismo, pratique actos. | (século XIX) (266) NÃO consta que o Sr. Hollan- | da se tenha em occasião alguma deixado | governar por outrem emqualquer dos Empregos. (século XIX) Em todos os séculos analisados, o verbo achar só seleciona o subjuntivo na encaixada quando há um elemento de negação na oração matriz. Registrou-se esse verbo a partir do século XIV, mas seu uso variável foi atestado, pela primeira vez, no século XV (33% de subjuntivo), em seqüências que apresentam elemento de negação na matriz e o verbo se refere à 3ª pessoa. (267) NUNQUA del-le se achou que dicese mentira, nem quebra de sua verdade, e defendeo, e favoreceo muito hos la- vradores. (século XV) (268) e NUNQUA se acha que contra elles fi-zese paz, nem lhe dese treguoas, e has mais cousas que em sua vida fez por acrescentarm e por enobrecer seu Reyno. (século XV) (269) ElRey D.Diniz foy muy anojado, porque de sua natural, e Real condiam NUNQUA se achou, que dicese mentira, asi sentio, e lhe doeo muito que-braremlhe tam honestamente ha prometida verdade. (século XV) (270) na pesoa do Mestre, que avia nome Vasquo Fernandes, e nos Cavalleyros, e Freyres da dicta Ordem NOM se a-cha que ElRey, nem outrem fizes-sem alguu~a exequam de mortes, prizoens, nem outra pena alguu~a. (século XV) O verbo negar apresenta comportamento diferenciado quanto à seleção dos modos verbais na encaixada: o elemento de negação não é o único fator condicionador do uso do subjuntivo, pois é necessário que o sujeito de 1ª pessoa do singular (exemplo 271) esteja preenchido e no tempo presente. Nos demais casos (negar antecedido por elemento de negação, com sujeito não-preenchido; negar em lexias verbais, antecedida ou não por elemento de negação), o indicativo é o modo selecionado na oração encaixada. 112 (271) Eu NÃO nego que esta regra possa ter suas excepções. (século XVII) (272) NÃO nego que a nobreza, quando está junta com talento, deve sempre preceder a tudo. (século XVII) (273) para que ninguem se atreva a negar, que tudo quanto houve, passou, e tudo quanto é, passa. (século XVII) (274) quem poderá negar que é mais terrivel? (século XVII) (275) eu NÃO poderei negar que devo muito ao jubileu de Paris, pois nos dias dêle me vejo confirmado na graça de V. Ex.a , em que não falo mais palavra, pois V. Ex.a me manda, nem quero ser chocalheiro. (século XVII) O efeito da negação na expressão ‘ser possível’ opera no mesmo sentido. (276) NÃO he possivel que esta Senhora na unidade admitta regra de três. (século XVIII) (277) o que o Ceo ordena NÃO he possivel que as humanas creaturas o encontrem. (século XVIII) A negação opera no sentido de cancelar pressupostos, por rejeitar inferência derivada pragmaticamente (Pimpão, 1999). Defende-se a hipótese de que o efeito de negação parece atuar no controle do traço de [+/-certeza], [+/-avaliação]. Verbos epistêmicos, tais como ser possível, supor, achar, poder+verbo, ao sofrerem influência do escopo da negação metalingüística, perdem o seu caráter de modalização discursiva (baixa certeza), passando a indicar maior avaliação, traço prototípico da modalidade deôntica (cf. quadro 1, item 1.1). Com isso, pode-se dizer que, quando as proposições “perdem” o traço de incerteza, passam a situar-se no contínuo da [+/-futuridade/obrigatoriedade], [+/-controle], [+/-certeza], [+/avaliação], típicos do uso variável do subjuntivo. Ao contrário, outros verbos que se situam, fundamentalmente, na escala de modalidade de alta certeza epistêmica -- lembrar, entender --, ao serem negados na matriz, podem enfraquecer esse traço, selecionando o indicativo na oração encaixada. 113 Contexto IV- Tempo do verbo da matriz Há correlação entre o tempo da matriz e o modo da encaixada, pois o subjuntivo só é selecionado na encaixada, quando, na matriz, os verbos afirmar (15%) e resolver (50%), se encontram no passado (cf. Quadro 2, item 4) (278) mas pois se elles tanto asicauão, & afirmauaõ que todauia não partisse, & ficasse na Cidade, que elle por seruiço & honra do Reyno determinaua em sua vontade deficar,com tanto que elle estiuesse em maneira de o seruir. (século XV) (279) e se resolveu que os padres se deixassem estar na serra até novas ordens dos Superiores maiores, e que aos mesmos Superiores se representem as razões que há para se continuar aquela missão, as quais por maior são as seguintes. (século XVII) 4.1.2 Variação diacrônica Os verbos que apresentaram variação em três ou mais séculos (Tabela 4) permitiram uma análise diacrônica de cada item verbal, com comportamentos e percentuais de uso diferenciados. Apenas com o verbo dizer, foi possível realizar a análise até a última etapa do pacote de programas VARBRUL (Pintzuk, 1988), em virtude de haver um número significativo de ocorrências. Tipo de verbo da oração matriz Crer Cuidar Dizer Perífrases com dizer Duvidar Esperar Fazer Jurar Mandar Parecer Pensar Prometer Querer Responder Saber Ver Oco ⁄ Total 20⁄134 9⁄61 138⁄1419 22⁄94 11⁄26 67⁄91 15⁄21 8⁄32 197⁄204 34⁄379 6⁄ 31 6⁄10 80⁄87 14⁄346 17⁄361 3⁄187 % de subjuntivo 15 15 10 23 42 74 71 25 97 9 19 60 92 4 5 2 Tabela 4. Freqüência de uso do subjuntivo nos verbos que apresentam variação ao longo dos séculos, dispostos em ordem alfabética 114 Verbo crer⁄acreditar Utilizado para denotar opinião, o verbo crer foi registrado em 134 orações completivas, 15% das quais (20 ocorrências) se encontram no modo subjuntivo. Quando há um elemento de negação na posição mais alta da oração matriz, o verbo da encaixada vai para o subjuntivo em 58% dos casos, principalmente quando se refere à 1ª pessoa verbal, o que confirma o contexto III, já analisado anteriormente, em que o verbo adquire os traços [+⁄avaliação], [+⁄-certeza] (cf. quadro 2, item 4.1.1). (280) Senhor, quanto vosso estado he maior,tanto vos deueis mais de guardar de algua cousa serdes prazmado assi como nas cousas bo- as atardança he cousa fea,assi atri gança ande não cõpre he contada por torpeza, NÃO podemos crer ~q de tal entrada por esta guisa se sigua tanto proueito,~q muito mais dano não seja. (século XV) (281) Deyxo os da ilha de Rrodes, que casy sempre guerream com hos turcos, pero hu[s ne[ os outros não ouverão tam comtynuadas pellejas com hos ymfies como aquellas que os nossos naturaes com elles ouverão depois que aquela çidade foy trazida ao seu senhorio, NE[ creo que antre os cristãos se ache rregno que contynamemte tenha casy tres Mill homes na guerra dos ymfies, pellejamdo ou per maar ou per terra e as vezes jumtamemte, como o nosso rrey comtinuadamemte mamte[, nunca queremdo reçeber paz ne[ tregoa, como quer que lhe per vezes fosse cometyda. (século XVI) (282) E como de voso lhe direis, que vos todavia lhe pidys muyto por merce, que queira milhor cuydar aymda neste neguoçio, que, fazendo o elle, vos NÃO podeis deixar de crer que a Reposta não aja de ser outra, antes que vos eu mande que vos vades; e que vos asy o desejaaes muyto. (século XVI) (283) E tambem que vos NÃ credes que Fframçeses fosem àquelas partes. (século XVI) (284) é bem | possivel que tenhas aqui mtos e | mtos amigos, mtas dedicações, porém | NÃO creio que se igualem a mim, | ninguem aqui a não ser os teos. (século XIX) (285) NÃO creio | que possas vir já, estou ancioso | pelo congresso. (século XIX) (286) não fallou nem fal- | la a pessôa alguma, é deci-|didamente um homem mis-| terioso, NÃO creio que possa | levantar-se, pode tentar qual-| quer cousa, batalhar(?) mes-| mo, mais ir ao poder, isto | será impossível. (século XIX) (287) NÃO creio | que tenha morrido(?), aqui | não consta para onde | foi, nem que destino teve, | espero saber pelo Quartel(?) | Gal. (século XIX) 115 Mais uma vez, há uma correlação entre o tempo da matriz e o tempo da encaixada (cf. quadro 2, item 4.1.1). (288) creio que venha a darnos estado. (século XVIII) (289) E posto que me algu~uas vezes disesem que em sua corte se falava em carta de Represareas contra os meus vasallos, e que a pedia h~u Johão Angoo com muyta instançia, eu N~UCA cry que ho neguocio podese pasar mais adiante que ao que mereçia tam injustiça e desarezoada petiçõ e com tã falsa ~eformaça como era a de Jon Angoo, que per ysto mais mereçia castiguo que mercê. (século XVI) (290) acreditaes que tenhamos lucra/do, nós os catholicos. (século XX) A Figura 1 evidencia a freqüência de uso do modo subjuntivo com esse verbo ao longo dos séculos. Figura 1. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo acreditar/crer ao longo dos séculos Como se pode observar (Figura 1), o uso do subjuntivo se amplia até o século XVI, mas se reduz a 0% no século XVII. A partir daí, o uso do subjuntivo se torna mais freqüente 116 até atingir um percentual de 38%, no século XX, independente de haver ou não o efeito de negação. (291) creio que seja passageiro. (século XX) (292) porquanto NÃO é acredi/tavel que um individuo [...],/ vá escrever no livro exigido o seu/ verdadeiro nome. (século XX) Verbo cuidar De um total de 61 ocorrências, apenas nove (15%) se encontram no subjuntivo, em todas com o verbo nos tempos do passado. (293) E por tanto tardar, que cuidey que nã podese seer, porque vossa carta foy feita a oito dias de Junho, e oge sam sete de Julho, me pareceo que vos devia Responder a vosas cartas e nom esperar mais, ainda que me pareçe que este coreo deve topar voso Recado no caminho e muy perto d'aquy. (século XVI) (294) Tomei tão pouco papel, porque cuidei que me não desse lugar a tantas regras o senhor Embaixador, com quem imos esta tarde a cear Mr. de la Tulherie que nos convidou. (século XVII) (295) Cuidei que fosse para perguntar se o ferrolho estava corrido. (século XIX) (296) Assy que/ per medo cuidaua elle que leixasse amo/rada ~e que estaua. (século XIV) (297) Alli pensou ElRey qye se viesse pera elle o Mestre de Christus sobrinho da Rainha Do na Lianor,filho de sua irmaõ: E quando chegoua Thomar,& sou be que partira dahi,ouue desto graõ queixume, porque cuidou que ficasse por seu, como os ou- tros. (século XV) (298) E/ quamdose leuantou demanháá a/ quel hom~e mááo começou acuidar /quese fosse ao banho que seria quite/ daquelle pecado. (século XIV) A presença de negação na matriz, mais uma vez, atua como elemento favorecedor ao uso do subjuntivo na encaixada, no caso, independente do tempo verbal. (299) Eentom disse dom pedro./ NÕ cuydo eu/ que em toda terra de yta/lia. aia homéés de grandes uirtu/des. (século XIV) 117 (300) Epor esto/ pedro podes emtemder queo emijgo ã/ tigo que tam prestes esta nos feitos /corporaaes como NÕ cuidaras que/ nõ seiã mais nos fectos spirituaaes. (século XIV) Em expressões de comando com o verbo da matriz no imperativo também se registrou o uso do subjuntivo (cf. quadro 2, item 4.1.1). (301) Pedro/ E oseu creligo pedro disse cuidas/ quese possa demostrar per outorida [f103v-c2] de dasanta escretura que os pecadores / dos deleitos da carne deuam seer/ tormentados per pena defedor. (século XIV) A Figura 2 revela uma curva de variação estável e um decréscimo de uso (de 38%, no século XIII, se reduz a 17%, no XIX) do subjuntivo na oração encaixada quando na oração matriz está presente o verbo cuidar. Figura 2. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo cuidar ao longo dos séculos 118 Verbo dizer Foram registradas 1419 ocorrências do verbo dizer, sendo apenas 138 no modo subjuntivo (10%). Quando o verbo se encontra no subjuntivo, fica evidente a correlação existente entre o tempo do verbo na sentença matriz e na encaixada. A Tabela 5, a seguir, evidencia essa correlação. Tempo do verbo da matriz Presente do indicativo Imperativo Infinitivo Futuro do presente Presente do subjuntivo Pretérito perfeito Imperfeito do indicativo Gerúndio Mais que perfeito Imperativo Oco/total ⁄ % 17 ⁄ 37% 15 ⁄ 32% 8 ⁄ 17% 6 ⁄ 12% 1 ⁄ 2% 61 ⁄ 72% 12 ⁄ 14% 8 ⁄ 1% 2 ⁄ 2% 1 ⁄ 1% Tempo do verbo na oração encaixada ⁄ Oco total Presente do subjuntivo Imperfeito do subjuntivo 47 oco 84 oco Tabela 5. Correlação entre o tempo verbal da matriz e o tempo da encaixada com o verbo dizer nos dados da escrita Como se vê, o uso do presente do indicativo e do imperativo na matriz leva, preferencialmente, o verbo da encaixada para o presente do subjuntivo, enquanto o uso do pretérito perfeito ou imperfeito (tempos do passado) do indicativo na matriz leva o verbo da encaixada para o imperfeito do subjuntivo, na maior parte das vezes. (302) ouveram ambos muy dura peleyja em que ouve muitas mor-tes, e danos dambas as partes, no fim da quaal ho Mestre foy ven-cido por has menos gentes, que tinha, e muitos dos seus foram mortos, e nove centos cativos, que vendia, e resguatavam em Castel-la por muy pouquo preo, porque outro tanto se fazia de Castelhanos cativos em Portugal, porque de huu~a parte, e da outra hos que se cativavam asi se vendiam como servos, ainda que se acha que hos Castelhanos nesta qualidade de crueza uzava contra hos Portu-guezes em mais estremo, e c me-nor piedade, porque ha todos se diz que hos punham em barreyras, e nellas muy cruamente hos mata-vam aas setadas. (século XV) 119 (303) Dadelhes senhas es/ tollas bramcas e dizedelhes que/ folgem e que atemdam hu~u peque/no detempo atáá quese compra ot~epo/ do comto deseus jrmaãos que som /seruos e uasallos de ihesu christo como elles. (século XIV) (304) Ou se, pela ventura, vos parecer escusado, por ele nõ ser desempedido, ou por qualquer outra cousa, se he vindo, dirlhees de minha parte que se venha; e nõ sendo vindo, lhe leixares h~u~ua vosa carta, por que lhe digaes que ey por meu serviço que se venha, e que asy o faça. (século XVI) (305) disse que se remetesse as contas de forma que as devia apromptar o sargento. (século XIX) (306) E que, talvez que a respeito destas fosse que o mesmo médico dizia que mandasse pelo seu preto. (século XVIII) Nas cinco ocorrências em que o verbo dizer é utilizado na matriz no futuro do pretérito, a presença do indicativo é categórica na encaixada, o que parece revelar um indício de que a noção de hipótese possa ser expressa por essa forma verbal, na matriz, dispensando a marcação de qualquer outro elemento modal na proposição. Além disso, conforme já se discutiu (item 4.1.1), a noção de hipótese esvazia a força semântica que está expressa na noção de futuridade⁄obrigatoriedade. (307) diria que havia de ser trabalhoso. (século XVII) (308) NÃO diria que às vezes servem de exemplo. (século XVIII) A variável mais atuante para o uso do subjuntivo na oração encaixada, com dizer, parece ser o tempo do verbo da oração matriz. Considerando apenas os tempos do passado versus os tempos do presente, pode-se verificar que o modo subjuntivo ocorre preferencialmente quando o verbo da matriz se encontra no passado (82%) e apenas, ocasionalmente, no tempo presente (18%). Deve-se considerar que, nas cláusulas em que o verbo dizer na matriz está no passado, denota ordem, comando, o que confirma o traço de [controle] que pode ser um elemento de maior vinculação entre as cláusulas (item 3.2). 120 A preferência pelo uso do modo subjuntivo, nos tempos do passado, independe do efeito eventual de um elemento de negação, como se pode ver, no exemplo (309), que traduz o relato da fala de outrem, indicando uma ordem. (309) E ella lhe disse que / entrasse pera dentro e entrou na primeira casa e a/charom hu[u[ leyto mui boo de muitos panos / de grande vallor. (século XVI) Quando o verbo dizer na oração matriz está no discurso do narrador, no tempo presente, por outro lado, a força do elemento de negação parece atuar. Além disso, quando há o efeito da negação na matriz e na encaixada, o uso do subjuntivo é obrigatório. (310) NÃO digo que NÃO trate cada um de crescer. (século XVII) Ao que parece, até mesmo na oração encaixada, o efeito de negação atua de forma atenuada: apenas em 11% dos casos. (311) mas hos Fi- dalgos , e nobres que ahi estavaõ lhe diceraõ , que tal NOM fizesse , que nom tinha rezaõ de lhe fazer nhumma. (século XV) A Figura 3, a seguir, permite visualizar a freqüência variável de uso do subjuntivo em orações completivas com o verbo dizer na matriz, através de uma análise em tempo real de longa duração (século XIII ao XX). 121 Figura 3. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo dizer ao longo dos séculos Pode-se observar que, até o final do português arcaico (XIII ao XV), o uso do subjuntivo atinge quase 20% e, a partir do século XVI, se reduz. Nos dados de escrita, não se registrou uma única ocorrência de uso do modo subjuntivo com dizer, no século XX. A curva de uso do subjuntivo parece indicar uma variação estável, com ápices de uso nos séculos XIII, XV e XIX. Na análise do VARBRUL14, que seguiu até a última etapa, como já referido, foram selecionadas as variáveis época, tempo verbal e gênero textual como favorecedoras do uso do subjuntivo: input geral .10; log likelihood -452. 664. 14 Esse programa foi criado em 1971 e desenvolvido por Sankoff & Rousseau (Cedergren & Sankoff 1974,Rousseau & Sankoff 1978) com o intuito de realizar estatisticamente dados lingüísticos variáveis. 122 Século XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX Oco de subj./ Total 9/36 25/250 58/283 16/180 4/222 14/277 12/137 0/34 % (subj.) 25 10 20 9 2 5 9 0 Peso relativo .66 .42 .60 .72 .05 .78 .67 -- Tabela 6. Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação à época analisada As aparentes inconsistências nos percentuais e pesos relativos podem ter relação com a diversidade de gêneros textuais analisados. Por exemplo: no século XVII, as quatro ocorrências do subjuntivo foram registradas nos Sermões de Vieira (Tabela 7), texto mais argumentativo e de maior elaboração. A relação entre época e gênero textual talvez explique também o fato de aquela variável ter sido selecionada em primeiro lugar no stepup e descartada por último no stepdown. É necessário, portanto, relativizar esses resultados, em função de a distribuição dos textos por época ser diferenciada, como se pode ver na Tabela 7, o que nos levaria a crer que as duas variáveis devem ser vistas em conjunto. À primeira vista, parece que a seleção de modo verbal estaria ligada ao grau de formalidade do texto, mas talvez o modo de interação (relato, ordem, etc.) e tema do texto que estejam atuando. No gênero peça teatral, visto normalmente como próximo à fala, a freqüência de uso do subjuntivo é maior que em todos os demais gêneros do século XIX. O editorial, com maior marca de formalidade, apresenta uso categórico do indicativo, no mesmo período de tempo. 123 Século Gênero textual Oco⁄Total XIII Carta Oficial (Mosteiro de Chelas) Foros (Afonso X, Castel Rodrigo) Carta oficial (Mosteiro de Chelas) Diálogos de São Gregório (Religioso) Livro das Aves (Tratado) Carta oficial (Mosteiro de Chelas) Crônica histórica (D.Afonso Henriques, D. Dinis, D. João I) Vida de Santos (Morte de São Jerônimo, Vida de Tarsis, Vida de Santa Pelágia) Carta oficial (D. Duarte Coelho ao rei, D. João III) Diálogos (Anexos à Gramática de João de Barros) Carta pessoal (Vieira) Discurso de vários políticos Sermões de Vieira (História do Futuro, Sermões) Carta Oficial (Comércio-PHPB) Carta Pessoal Autos Jurídicos (Autos da Devassa) Peça Teatral Descrição Geográfica do Distrito de Campos – RJ (Técnico-descritivo) Carta oficial (PHPB) Carta de leitor/redator (PHPB) Carta Pessoal (PHPB) Folhetim (PHPB) Editorial (PHPB) Notícia (PHPB) Peça teatral (PHPB) Carta pessoal Editorial Notícia 1/14 8/22 2⁄38 23/179 0/33 0⁄24 53⁄236 % de uso do subjuntivo 7 36 5 13 0 0 22 5/23 22 13⁄149 9 2/30 7 0⁄65 0⁄49 4⁄108 0 0 4 5/19 0⁄ 3 1⁄171 7⁄76 1⁄ 8 26 0 1 9 13 3⁄52 0⁄25 4⁄18 1⁄20 0⁄ 2 0⁄ 6 4⁄16 0⁄16 0⁄ 4 0⁄14 6 0 22 5 0 0 25 0 0 0 XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX Tabela 7. Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação à época e ao gênero textual Considerando apenas o gênero textual, sem levar em conta a época em que foi produzido, pode-se concluir que os textos de caráter religioso, os textos notariais e as crônicas históricas são aqueles que apresentam peso relativo maior, na aplicação da regra, 124 independente do percentual de uso (Tabela 8). Não se pode esquecer também que o tempo morfológico do verbo dizer também atua nessa relação (Tabela 9). Em linhas gerais, pode-se dizer que o uso do subjuntivo parece estar diretamente associado à orientação argumentativa, ou seja, ao maior ou ao menor grau de subjetividade presentes no gênero textual em questão. Por exemplo, nos sermões (.94), texto com maior grau de subjetividade, apresenta-se peso relativo superior às peças teatrais (.38), aos folhetins (.27) e aos autos jurídicos (.02), textos com menor grau de subjetividade. Seguindo o critério da presença (ou não) da subjetividade na orientação argumentativa, verifica-se, analogamente, que as cartas pessoais apresentam peso relativo superior (.55) às cartas oficiais (.40). Dessa forma, pode-se afirmar que a presença do subjuntivo ocorre, preferencialmente, nos textos em que há maior grau de subjetividade, que tendem, inclusive, a veicular avaliação, prescrição (modalidade deôntica). Há, nesse sentido, correlação entre as categorias gênero textual, grau de subjetividade e modalidade. Gênero textual Sermões Foros (Notarial) Diálogos de São Gregório (Religioso) Crônicas históricas Vida de Santos Cartas Pessoais Peças Teatrais Cartas Oficiais Técnico-descritivo Diálogos Folhetins Autos Jurídicos Oco⁄Total 4/108 8/22 23/179 54/237 5/23 4/102 11/92 24/296 1/8 2/30 1/19 1/171 % de uso do subjuntivo 4 36 13 23 22 4 12 8 13 7 5 1 Peso relativo .94 .81 .76 .76 .76 .55 .38 .40 .40 .37 .27 .02 Tabela 8. Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação ao gênero textual analisado 125 A variável tempo/modo verbal da oração matriz mostrou-se significativa: a presença do subjuntivo ocorre quando o verbo da matriz está na forma do imperativo, do futuro do presente e do presente do subjuntivo, restrição já prevista (cf. Quadro 1, item 4.1.1). Tempo/modo verbal da matriz Imperativo Futuro do Presente Presente do subjuntivo Formas do passado do indicativo (Perfeito, Imperfeito e mais que perfeito) Futuro do subjuntivo Imperfeito do subjuntivo Infinitivo Presente do indicativo Oco de subj./ Total 17/65 6/32 1/6 77/704 % (subj.) 26 19 17 11 Peso relativo .75 .73 .70 .55 2/6 2/18 16/177 17/404 33 11 9 4 .53 .49 .47 .35 Tabela 9. Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação ao tempo verbal da matriz Dizer em perífrases Na análise dos dados, separararam-se os casos em que o verbo dizer está inserido em uma perífrase verbal. Foram registradas, em dados de língua escrita, as formas relacionadas a seguir: mandar dizer, ouvir dizer, poder dizer, dever dizer, enviar (a) dizer, haver de dizer, passar a dizer, deixar de dizer, querer dizer, tornar a dizer, continuar a dizer, pretender dizer, bastar dizer e valer dizer. Duas perífrases apresentam o uso variável do subjuntivo em mais de um século, a saber, mandar dizer, poder dizer; as demais perífrases variam em apenas um único século, nem sempre o mesmo: bastar dizer, dever dizer, enviar dizer, haver de dizer, ouvir dizer e querer dizer. Considerando todas as perífrases, em todos os séculos, o percentual de uso de subjuntivo atinge 23%: do total de 94 ocorrências, 22 encontram-se no modo subjuntivo. 126 (312) Basta somente dizer que não procurando desmerecer as qualidades, que ornão o actual | Regente [inint.], não só todas ellas possão o Sr. Antonio Francisco de Paula Hollanda | Cavalcante. (século XIX) Embora o número de ocorrências seja insignificante (3 oco), a presença do elemento de negação na matriz parece estar relacionada à presença do modo subjuntivo na oração encaixada. Quando há a presença de negação na oração matriz, o verbo da encaixada ocorre no subjuntivo em 38% dos casos, o que nos permite afirmar que a freqüência de uso aumenta quando esse contexto se verifica, já que a freqüência geral de uso do subjuntivo, nas orações encaixadas, é de 23%. (313) O presidente da República já deixou claro: sua interferência na questão dos preços NÃO quer dizer que ele seja contra a liberdade de mercado. (século XX) (314) a minha NAÕ ha de dizer que eu lhe gastase os dotes em vícios. (século XVIII) (315) NÃO posso dizer que tenha sido uma surpreza. (século XX) O uso subjuntivo em proposições afirmativas parece estar atrelado ao tipo de perífrase em que o verbo dizer ocorre. Nas perífrases mandar dizer, ouvir dizer, dever dizer, poder dizer e enviar dizer, o subjuntivo ocorre independente da presença de elemento de negação. Nos exemplos (316), (318), (319) e (320), observa-se a presença do traço de [+⁄controle]. Mais uma vez, a presença do subjuntivo parece estar atrelada ao grau de subjetividade da proposição. (316) Eellrrey totilla lhe/ mandou dizer. que ao bispo tirase h~ua/ correa des acabeça ataa os calcanha [f53v-c2] res depois quelhe cortase acabeça. (século XIV) [+controle] (317) ouvi dizer que huma quarta de farinha, leve vinte duzias de ovos. (século XVIII) [controle] (318) devo dizer aVocê [...]que ponha algumsinal mais especial nasuaRecomendação. (século XVIII) [+controle] (319) e vendo eu que me | podiao dizer tambem que me puzesse na | rua. (século XIX) [controle] 127 (320) & receando o que se depois se-guio estando estõce em Alanquer falou com o Conde Dom Iohaõ seu irmão, que era Alcayde em Lisboa,& tinha em ella muytos boõs Vassallos, que lhe enuiasse dizer, que se lançassem no Ca-stello com seus escudeiro por segurança de qualquer cousa, que auir podesse. (século XV) [+controle] Foi registrada, em geral, uma correlação entre o tempo da matriz e o tempo da encaixada nas perífrases exemplificadas de (321) a (326), o que confirma a noção apresentada no contexto IV (cf. quadro 2, item 4.1.1). (321) Eemtõ osancto bispo/ sabino dise aoseu creligo. Uay e di/ze ao rryo. obispo te manda dizer que /te rretenhas e que tornes atua /madre aaquelles lugares per que/ soyas acorrer. (século XIV) (322) vos encomendo muyto que mamdeis dar muy gramde dilligençia; e lloguo mandarey fazer os Regimentos, e vollos emviarey com as vias das cartas, pera nõ poderem fazer detença; e jaa mamdey dizer aos ditos dom João e dom Francisquo que loguo se partam. (século XVI) (323) He bem para admirar, a quem não tiver hum conhecimento pleno dos successos deste Districto, ver, ou ouvir dizer, que comprehendendo-se no seo espasso, athe agora conhecido, mais de 300 legoas quadradas, de extensão, não hajão terras para se acomodarem os lavradores com largueza, izentas, de foros, e honerozos arrendamentos, e de outras pensoens, e abuzos: são estas pois as rezoens, que impossibilitão o augmento da agricultura. (século XVIII) (324) E corregendose para ello com grã de aguça, manoulhe o Mestre dizer, que cessasse do que lhe dis- sera porque senão podia por en- tão fazer. (século XV) (325) E ella disse, que pois assi era, que lhe mandasse di-zer, que lho entregassem, que Depois ouuesse a Cidade,aueria o Castello. (século XV) (326) Aluaro Gil naõ sahio a elle, mas esteue que-do em seu Castello,sem mostrar porq~parte tinha,mas veo Vasco Martins de Mello,q~ fora cõ a Rainha, & pousa ua em Fõte Giraldo a q'ElRey mandara dizer,quãdo partio de Perocs,~q se fosse despos elle à Guarda, & Martim Affõso Rico homem seu irmaõ,q~tinha Celorico, & Linhares,foi oprimeiro,q~se veo pera ElRey deCastella & ficou por seu alli naGuarda,da qual cousa muito dsprougue a seu irmão Vasco Mart~is, porq~el le começarade se hir pera elle an tes ~q nenhu outro. (século XV) 128 Tempo do verbo da matriz Nº de 0co/ % Presente do indicativo Pretérito perfeito Futuro do subjuntivo Pretérito perfeito Imperfeito do subjuntivo Pretérito imperfeito Mais que perfeito Gerúndio Presente do indicativo 6 / 75% 1/ 12,5% 1 / 12,5% 6⁄ 47% 3⁄ 23% 1⁄7,5% 1⁄7,5% 1⁄7,5% 1⁄7,5% Tempo do verbo da oração encaixada⁄ Oco total Presente do subjuntivo 8 oco Imperfeito do subjuntivo 13 oco Tabela 10. Correlação entre o tempo verbal da matriz e o tempo da encaixada nas perífrases com o verbo dizer nos dados da escrita Tipo de Perífrase com dizer Bastar dizer Continuar a dizer Deixar de dizer Dever dizer Enviar (a) dizer Haver de dizer Mandar dizer Ouvir dizer Passar a dizer Poder dizer Pretender dizer Querer dizer Tornar a dizer Valer dizer Total⁄ % XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX Sub Ind Sub Ind Sub Ind Sub Ind Sub Ind Sub Ind Sub Ind - - - - - - - - - - 1 - - 1 - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - - - - - 2 - - - 1 - - - 1 - - 1 1 - 1 - - - - 2 1 - 1 - - - - - - - - - - - - - - - 8 1 - - - - - 4 5 5 4 1 - - 1 - 1 - 2 - 1 - 5 - - - - 2 - - 1 - 2 - 1 1 - 3 - - - - 5 - - 3 - - 1 - - 5 - 1 - - 1 - 7 1 1 - 1 - - - - - - - - - - - - 3 1 1 - - - - - - - - - - - 2 - - - - - - - - - - - - - - - 1 4 25% 16 75% 7 47% 8 53% 1 17% 5 83% 0% 15 100 % 5 55% 4 45% 2 8% 22 92% 2 29% 5 71% Tabela 11. Presença do subjuntivo⁄ indicativo por tipo de perífrase com dizer ao longo dos séculos 129 Verbo duvidar Foram registradas 26 ocorrências com o verbo duvidar (42% de uso do subjuntivo). A presença do elemento de negação, na matriz, constitui contexto favorecedor à presença do subjuntivo na encaixada, com o verbo duvidar, independente do tempo em que ocorra. Mais uma vez, se confirma a noção de que a negação na matriz opera no sentido de o verbo passar de [-certeza] a [+certeza], passando a denotar maior avaliação (cf. quadro 1, item 1.1). (327) Se animalhas que son de pequeno valor nõ v~e~e a terra que o Deus nõ sabha, vós que sodes perduravis nõ devedes temer N~E dovidar que ajades de viver sen a rovison e sen a mercee de Deus. (século XIV) (328) Mas que NÃO duvida que neste tempo pudesse entrar mais alguma pessoa, e que se demorasse. (século XVII) (329) Suposto pelo seu costume de falar com liberdade e contra os governos monárquicos, NÃO duvida que antes falasse dos reis. (século XVII) (330) Mas que, tendo comprado no espólio de Luís Antônio Tinoco alguns livros franceses, NÃO duvida que entre eles possa haver algum que trate de semelhantes matérias. (século XVII) (331) O que, sendo ouvido pela testemunha, NÃO duvidou que o livro não fosse o que o acareado dizia. (século XVII) (332) NÃO duvidamos que haja no ministerio a | melhor vontade a respeito, e conhecimento. (século XVIII) Nos contextos em que o verbo duvidar, na matriz, ocorre em uma construção modalizadora (exemplos 333 a 335), o verbo da encaixada não vai para o subjuntivo, já que a noção de hipótese impressa na proposição atua no sentido de retração de uso do subjuntivo. (333) quem poderá duvidar que seria de suma utilidade, e importancia, não só para o fim pertendido, como para esgoto da Lagoa de Sima. (século XVIII) (334) Se os homens não foram injustos, pudera-se duvidar se eram immortaes. (século XVII) 130 (335) É tão conhecido no mundo o natural amor que os Portugueses têm a seu Rei, que justamente se poderá duvidar, se os fundamentos que aqui aponto para sua Majestade assistir em Lisboa nascem mais do desejo que todos temos de o ver presente, que de verdadeiras razões que para isso haja. (século XVII) A presença do elemento de negação parece não operar quando precede uma construção com a forma do imperativo (exemplo 336) ou uma lexia verbal -- haver dúvida -exemplos (337) a (340). Nos exemplos abaixo, a noção de certeza parece ser bem nítida. (336) NAÕ duvides que he verdade. (século XVIII) (337) NÃO ha duvida que Christo era o melhor. (século XVII) (338) NAÕ ha dúvida que jantou bem. (século XVIII) (339) NÃO ha duvida, que pareceria a pergunta digna de riso. (século XVII) (340) NÃO ha duvida que tem grande analogia a nossa era com a do Messias, e que parece pódem competir os milagres (não digo os vicios) dos nossos tempos com as felicidades dos seus. (século XVII) A distribuição de uso (Figura 4), através dos séculos, no caso desse verbo, e também de outros -- aparentemente instável e inconclusiva -- talvez possa ser explicada pelo gênero textual em que se registrou cada uma das ocorrências, pelo escasso número de dados ou pelo contexto de cada uma das ocorrências (efeito de negação, construção com noção de comando, etc.). 131 Figura 4. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo duvidar ao longo dos séculos Verbo esperar Foram registradas 91 ocorrências com o verbo esperar, a partir do século XV, dentre as quais 74% (67 ocorrências) se encontram no subjuntivo. Listam-se, a seguir, os casos em que o verbo esperar, na matriz, seleciona o modo indicativo na encaixada. (341) Espero em nosso Senhor que vos dara imteira saude, e por nam aveer neçesidade d'outra Resposta, soomente ao que tocaria ao concerto que fezestes sobre a carta de marca de Joam Amgo, em que me ey por muyto servido de vos. (século XVI) (342) Nas segundas vias dos despachos de V. M. espero que V. M. haverá mandado deferir a tudo o que representei nos navios do ano passado. (século XIX) (343) E que esperaua em Deos que elle lhe encaminharia tambem seus feitos, que seu filho sahiria delles com grande acrecentamento de sua hon- ra. (século XV) (344) Espero que V. Ex.a há-de aprovar a verdade destas razões, e aconselhar ao senhor Embaixador que em nenhum caso se despida, até resposta de S. M. , que não pode tardar muito. (século XVII) (345) e espero em Nosso Senhor que vam em tanto crecimento que elles Recebam de my~ toda homrra e merçee como he Rezam e seus serviços mereçem. (século XVI) 132 (346) porem agora, dis-me elle, es - | pera me entregar em principios | de Maio, vinte contos, por conta | do Capital e juros e vai fazer | a hypotheca, espera que sahia o | Carlito. (século XIX) O subjuntivo alterna com o futuro do presente ou do pretérito - seja em formas simples, seja em formas perifrásticas; em perífrases modais que denotem futuridade (exemplos 341 a 346). Quando há a presença do elemento de negação na matriz, a presença do subjuntivo é categórica (exemplo 347), confirmando a hipótese de que o verbo da matriz, ao adquirir caráter [+avaliativo], passa a selecionar o subjuntivo na encaixada. (347) e NÃO espero que me dêm pancadas. (século XIX) A Figura 5 revela que há, ao longo dos séculos, uma variação estável, regular, de ampliação e retração de uso, de três em três séculos, embora os aumentos progressivos possam indicar uma mudança, no caso, no sentido de uso categórico do subjuntivo (cf. Labov, 1994). 133 Figura 5. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo esperar ao longo dos séculos Verbo fazer Foram registradas 21 ocorrências com o predicador fazer, com 71% de uso do subjuntivo na encaixada, nem sempre com o mesmo sentido referencial -- fingir, tornar, resultar, etc. -- o que inviabiliza uma análise global. Nos contextos em que há uma relação de ‘resultado’ (relação de conseqüência), o subjuntivo é o modo escolhido, o mesmo quadro do português atual, na fala e na escrita. Com esse sentido, hoje, o verbo fazer está cristalizado na construção fazer com que. Nos dados analisados, de séculos passados, a preposição com nem sempre estava presente, embora a relação ‘resultativa’ fosse nítida. Nesses contextos, verificase que o uso do subjuntivo está relacionado ao traço de obrigatoriedade. (348) Foi promovendo esta serie de cri- / mes, que este Deos de Justiça, que sem- / pre obra por caminhos occultos, fez com / que fossem lançados deste paiz aquelles / mesmos que atraiçoadamente o ensanguen- / tarão. (século XIX) (349) e pois em quanto viver, me nom ey de par-tir de seu serviço a tua infinda pie-dade peço que me ajudes, e tenhas em sua santa guarda; porque ho imi-guo da linhagem 134 humanal nom seja poderoso para torvar teu santo ser-viço , nem fazer que meus feytos se-jaõ ante ty aborrecidos. (século XV) (350) a impertenencia della fará que V ossa m ercê dezeje selhe tardase por maiz tempo este meo obzequio. (século XVIII) Verbo jurar Foram registradas 32 ocorrências com o verbo jurar, a partir do século XIII, dentre as quais oito (25%) selecionam o subjuntivo na encaixada. No século XIII, o subjuntivo é selecionado, quando fica explícita uma ordem, expressa pela forma verbal do imperativo presente [+controle], ou quando está inserido em contexto condicional, [+futuridade]. (351) E quando alguu dos alcaydes leyxar outro en seu logar, que iuyge assy como ya dito e´, lexe ome boo p(er) aquello e que iure que faça dereyto a cada huu. (século XIII) (352) E se p(er)uentura a todos os alcaydes [prouar] que os ha suspeytos ante do[u]s omees boos en q(ue) se auere~ as p(ar)tes por receb(er) esta proua, [ne~]huu delles non iuyge seu p(re)yto, mays denlly outro ome boo q(ue) iuyge que no~ seya [...] so esse nenhuu q(ue) o juyge. (século XIII) (353) Se alguu~ iurar q(ue) faça algu~a cousa (contra) senhurio del rey ou de dano de ssa terra ou perijgoo d(e) sa alma, assy como matar ou forçar ou out(ra) cousa desguisada semellante a estas, tal iuramento non ualla nen (con)p(ra). (século XIII) Mais uma vez, o efeito temporal é constatado: o tempo passado, na matriz, funciona como elemento favorecedor à presença do subjuntivo na encaixada. Fica nítido, nos exemplos (354) e (355), o traço de [+controle]. (354) Epor queo sancto /hom~e jurou quelhe disese uerdade e/ uééndo quese nõ podia e cobrijr que/ lho nõ dissese per rrazõ do juram~eto/ que lhe fezera. (século XIV) (355) Então começaraõ todos de jurar que se o naõ deitassem, & hiaõ acima, que todos viessem a fundo com elle. (século XV) 135 Fica evidente que até o século XV há um uso variável de subjuntivo, que desaparece a partir do século XVI. Figura 6. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo jurar ao longo dos séculos Verbo mandar Este verbo apresenta uso quase categórico subjuntivo (99%), até o século XVI e categórico a partir do século XVII. O uso do indicativo é de apenas 1% e, nesses casos, a noção de hipótese é marcada pelas formas de futuro do pretérito. A pessoa verbal da oração matriz é sempre da terceira pessoa do singular. (356) O Priol sabendo parte desua fama, & riqueza, mandoulhe co- meter casamento pera Nuno Al- uerez seu filho, & quando Iohaõ Fernandez Commendador de Flor da rosa lhe foy cometer este casamento por parte do Priol, a dona deu em reposta, que o fizessem saber a ElRey, & do ~q a sua merce mandasse,que ella lhe naõ sahiria do mandado. (século XV) (357) A ElRey veo em outro dia algua gste daquel-la, porq'mandara,q~serião até duzentas lanças. (século XV) 136 Quando o verbo mandar aparece na primeira pessoa do singular, o uso do subjuntivo é categórico, já que, nesse contexto, impõe-se restrição ao evento veiculado na oração encaixada. (358) Porque deste cazamento, q~ Deos quis me fosse, eu sam muito honra-do, e contente folgaria que por nhuu~ cazo, salvo por morte antre noos am-bos nunqua se desfizese, ca vos rogo, encomendo, e mando, que pera mayor firmeza, e segurana delle jureis aqui ahos Sanctos Evangelhos, e faais por voos preyto, e menagem ha ElRey D. Diniz, que nunqua leyxa-rey ha Ifante Dona Costana sua fi-lha, minha molher. (século XV) (359) E disse aaserpente/ Eute mando em nome deihesu/ christo. que guardes esta entrada. /e nõ leixes aço entrar hom~e n~e/ hu~u. (século XIV) A Figura 6 mostra a estabilidade de uso do subjuntivo nos três séculos em que seu uso é variável. Figura 7. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo mandar nos séculos em que há variação 137 Verbo parecer Com o verbo parecer, foram registradas 379 ocorrências, com percentual de 9% (34 ocorrências) de uso do modo subjuntivo. A correlação entre o tempo da encaixada e da matriz se mantém. Em geral, as proposições com parecer traduzem a opinião de outrem (e não do sujeito enunciador), o que pode justificar a seleção do modo subjuntivo na encaixada, já que o evento descrito decorre da avaliação emitida por um terceiro. (360) E porem, vimdo ter a esa cidade demtro neste tempo algu~ua naao, que vos pareça que seja pêra ir em companhia da dita armada, ey por bem que se cõpre, e vaa o dito dom Pedro nela, nam podemdo ir o dito galeão. (século XVI) (361) Ao senhor Embaixador pareceu que o papel não saísse de nossas mãos. (século XVII) (362) No ano de 1552 imprimiu João de Barros a sua primeira Década da Ásia, e foi também recebida de todos geralmente, que ainda que havia Cronista no Reino, el-Rei Dom João lhe encomendou logo a Crónica de el-Rei Dom Manuel seu pai, entendendo da perfeição, e gravidade de estilo com que escrevera esta Década, que ninguém poderia compor aquela Crónica com a devida eloquência aos feitos que se nela tratavam como João de Barros, o qual aceitou a empresa, parecendo-lhe que para tal ocupação lhe dessem o repouso necessário mas como estes serviços muitas vezes pesem pouco diante dos Reis, não alcançou João de Barros a comodidade que esperava. (século XVII) (363) Seu confessor, sabe tanto de nós como êle, e ainda que falte à sua alma esta consolação eu seria de parecer que não tornasse a Portugal. (século XVII) (364) Emcomendovos muyto que ordeneis lloguo, como lhe vaa este avyso por caravelas da Mina, ou outros navios que vos pareçer que milhor e com mais certeza lho posam llevar. (século XVI) A presença do elemento de negação na oração matriz constitui, também, com relação a esse verbo, elemento favorecedor à presença do subjuntivo na encaixada: o verbo parecer, que também denota modalização do discurso, torna-se [+avaliativo] ao sofrer influência da negação metalingüística. O percentual geral de 9% se eleva para 33% quando ocorre nesse contexto. 138 (365) NÃO pareça agora, que só os homens sejão feridos destes males, e contagios: os animaes irracionaes os expirimentão por diversos modos, principalmente o gado vacum com consideraveis prejuizos dos seos possuidores. (século XVIII) (366) Neem de laa tenho sabido, nem vejo por vosa carta, que as armadas dos Framceses sejam taes, nem esteem ~e tal hordem, e tam a pique que, estamdo as minhas como estã, neeste pouco de veraão que fica, que NÕ parece que posa abastar pera soom~ete deytar as naaos ao mar, por que posam fazer dano tal que se deva tãto arrecear. (século XVI) (367) E se estaa em termos que neste concerto dava eu aveer de pagar as custas a Jõ Ango, e se posa hy fallar, NAM parecendo que ho vos de novo tornaees a espertar, folgarey que ho façaes com aquelas condições que na carta de dom Pedro lhe sprevo que ho quero, cujo trellado vos emvio; e vos ficara, pera por elle se saberem estas condições. (século XVI) (368) porque NÃO parece conveniente, nem conforme á providencia do Auctor da natureza, que fabricasse esta grande machina. (século XVII) (369) Ora na mesma Capitania, ha huma Freguezia denominada Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, o que de algua sorte confirma a segunda opinião; porque NÃO parece facil, que os Paulistas lá os levassem de parte tão remota, qual he o Districto dos Campos, a estabelleser Aldea, ainda que não era impossivel. (século XVII) (370) Digo isto somente pelo sentimento que me causa a sem razão, e NÃO por me parecer que com França se não tenha toda a boa correspondência, principalmente que, chegando a se capitular, sempre deve ser recíproca. (século XVII) A Figura 8 abaixo ilustra a presença desse verbo ao longo dos séculos. 139 Figura 8. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo parecer ao longo dos séculos Conforme se vê, há um aumento gradativo do percentual de uso do subjuntivo até o século XVIII. Nos séculos XIX e XX, não se registrou uma única ocorrência de uso do modo subjuntivo com o verbo parecer. Isso pode ser explicado pelo fato de esse verbo ter adquirido, ao longo do tempo, a função de modalizador, selecionado o indicativo. Verbo pensar Foram registradas 31 ocorrências de pensar, com 19% de uso do subjuntivo. (371) Em attenção aos seos serviços assim lhes foy comcedida em 19 de Agosto, com a condição de que havendo de se levantar Engenhos pagarião aos Donatarios aquelle foro, ou pensão que se lhes arbitrace, e dizimos ao Mestrado da Ordem de Christo. (século XVIII) (372) HVM boom fidalgo daquella Comarca por nome Gonçalo Vasquez Coutinho era Alcayde de Trã -co?o,& Lamego,& outros luga- res,eytando elle em Trancoso,quãdo ElRey chegou á Guarda, pen-sou ElRey que se viesse pera elle, como fizeraõ alus outros,& el- le demouido foy, segundo algus escreuem. (século XV) 140 (373) Não vás tu buscar lã, e saias tosquiado, pensando que vás a dar, e leves. (século XIX) O verbo pensar seleciona o subjuntivo quando na matriz há a presença de elemento de negação e se refere à primeira pessoa do singular, refletindo maior opinião do enunciador. (374) NÃO pençei que dali embarceçe para esta. (século XVIII) (375) Eu, NUNCA pensei que um dia nós pudesse-mos ser tão amigas. (século XX) A presença do advérbio modalizador talvez reforça o uso do subjuntivo na encaixada. (376) Ja pensei que se ella se-demorar talvez possaõ vir todos de Pirasicaba. (século XIX) A Figura 9 faz supor que o percentual de uso do subjuntivo seja aleatório, já que oscila de 100% no século XV para 0% no século seguinte, se amplia no XVIII e se mantém estável a partir do século XIX, ora sujeito a um condicionamento, ora a outro. Não há um número significativo de dados e, talvez, em conseqüência, um padrão uniforme de uso. 141 Figura 9. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo pensar ao longo dos séculos Verbo prometer Foram registradas apenas 10 ocorrências com o verbo prometer, a partir do século XIV, dentre as quais 60% (6 ocorrências) se encontram no subjuntivo. (377) Eem/tom prometeo omonje que n~u/ca se partise domoesteiro ~e tempo/ desua ujda. e como oprometeo/ assy ocomprio. ca pois uyo que/ pollas oraçóées do sancto ho/ m~e com os olhos do seu corpo. o emijgo queo seguja em semelhã/ça de dragom mais otermeo qu/ antes quando onom via como quer queo perseguise e oquisesse/ trager amááo estado. (século XIV) (378) E prometeulhe que nunca/ matase christãão. (século XIV) (379) Mas eu prometo a Deus que me va de manhaam a Sam Francisco, & que mande hi fa-zer huma fogueira, & hi farey taes saluas, quaes nunca molher fez por estas cousas. (século XV) (380) Prometo que brevemente fique huma profeçora chapada. (século XVIII) (381) eu lhe prometto, que ella nunca mais descubra o rosto. (século XVIII) 142 Em todos os casos em que o verbo prometer não seleciona o subjuntivo, a noção de hipótese da encaixada é expressa, e, mais uma vez, usa-se o futuro do indicativo. (382) Mais n~eh~u~u dos/ homees que no moesteiro eram/ nõ poderam tomar frade nem sag/ral. ca asyo prometera nosso senhor/ ao santo hom~e que guardaria a/ quelles quehi uiuem. (século XIV) (383) Eem outra parte prometeolhe/ escondidamente que toda aque / lla m~jgua se tornaria ~e proueito. (século XIV) (384) ElRey auendo sobre ello acordo,prougue a elle, & atodo- los do Cõcelho,~q quaesquer gen tes de armas, que por soldo,& em ajuda de Portugal lhes prouguesse vir, que liuremente o Podesse fazer, jurando El Rey , & prome-tendo que não faria menos pe-ra por em obra toda a boa ajuda, que neste feito dar podesse, do que faria por defender seu Reyno. (século XV) (385) eu te prometto, que brevemente cazarei comtigo. (século XVIII) Verbo querer Foram registradas 87 ocorrências do verbo querer, sendo quase categórica a presença do modo subjuntivo na encaixada (92%). Os verbos da matriz, que apresentam seleção variável do subjuntivo na encaixada, obedecem, em geral, a uma regra temporal: o subjuntivo é selecionado quando o verbo da matriz está no passado. Quando o verbo da matriz é querer, na 3ª pessoa verbal, essa regra não se aplica, mesmo que haja o efeito de negação (exemplo 389). (386) quis deus que acharom omenjno /esááo polla oraçõ do seruo de deus dõ/ martinho. (século XIV) (387) e quiz N. Senhor, que os Mouros foram desbaratados, e todas suas Gualés tomadas. (século XV) (388) Caa omildade guarda he do hom~e/ boo. que quer que os seus boos feitos se/ iam ascondudos. e esto deu~e aquerer. (século XIV) (389) Muito folgamos de ver as cópias do Governador do Brasil, nas quais o vejo falar como soldado da Índia, e NÃO quisera que entrara desprezando o inimigo e suas fortificações. (século XVII) 143 A distribuição de uso através dos séculos evidencia o uso quase categórico do subjuntivo nas estruturas completivas. Figura 10. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo querer ao longo dos séculos Verbo responder Foram registradas 346 orações completivas com o verbo responder, 4% das quais se encontram no modo subjuntivo. O subjuntivo é selecionado quando o verbo da matriz se encontra, preferencialmente, no passado – pretérito perfeito ou mais que perfeito – em seqüências que denotam comando. (390) E sam gregorio rrespondeo quete/ maraujlhes Pedro senõ uiste/ aalma quamdo sayo do corpo pois a/ nõ uees quamdo amda ~e elle. (século XIV) (391) Responderam todos os prophetas a uma voz: que se fizesse a guerra. (século XVII) (392) respondera q ue mandasse Req uer imento assinado. (século XIX) 144 A Figura 11 apresenta a freqüência variável de uso do subjuntivo a partir do século XIV. No século XIII, foram registradas duas ocorrências, com uso categórico do subjuntivo. Ao longo do século XIV ao XX, parece haver uma tendência de retração de uso. Figura 11. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo responder ao longo dos séculos Verbo saber Com um percentual de uso de subjuntivo de apenas 5% (17 ocorrências), o subjuntivo é selecionado pelo verbo saber nos contextos em que, na oração matriz, há um elemento de negação (59%), que atua enfraquecendo o traço de alta certeza epistêmica desse verbo. (393) Sabe que o tenhão lido, esses que o recusão jurar, | e que o entendão? | Ah, quão faceis so- |mos não dar-mos ao trabalho de medi- | tar, e de estudar! Receba-os, e creia, | que de o jurar-mos he que hade vir o |bem da liberdade justa. (século XIX) (394) Os de cima, que vonta- de tinhaõ de lhe fazer mal, nem nojo, eralhe muyto graue de fazer, a hua por ser Bispo, & mais teu Prelado, deshi, por a seguança, que lhe auião feita, NAÕ sa-bião que fizessem, a sanha triga- ua os coraçoens, & commenconaria 145 começaraõ a bradar oulhan do todos pera cima diz~edo. Que tardada he essa, que uos là fazeis, que naõ deitais eße tredor a fundo? (século XVI) (395) Assi que NÃO sabia que geito tiues-se por segurança de sua vida, & hõra, & cuidando sobre esto muy-tas, & mui desuairadas cousas, entendeo ~q a milhor, & mais segu-ra, q por presente podia fazer, era partirse daquella Cidade, & hirse pera outro lugar mais seguro. (século XV) (396) NÃO sei que se possa ocultar a razão de tanto odio. (século XVIII) Nos casos em que não há a presença de elemento de negação na oração matriz, o subjuntivo ocorre nos contextos em que saber se encontra em uma perífrase verbal, às vezes, expressando a noção de desejo. (397) Estimei muito saber que fosses approvado plenamenTe (século XIX) (398) E ora o dito Nuno Alvarez me fez saber que o mandarees prender no castelo d'esa çidade de Lixboa por hu~ masto que se diz e~prestar , sendo almoxarife da Ribeira d'ela, e d'iso fazer auto polo juiz dos feitos de Guinee e Indias, pelo qual ey por bem que façaees vyr perante vos o dito juiz com ho dito auto, e o vejaees cõ elle. (século XVI) (399) A commissão mixta brasileira e ingleza so- | bre o trafico da escravatura faz saber, que | quaesquer pessoas que tenhão direito a fazer | reclamações acerca do bergan[.]im brasilerio | ... | ; compareçao por si, ou por seus procu- | radores perante a dita commissão até o dia 27 | do corrente, citados pelo presente. (século XIX) (400) Mas desejava saber, Se homens que tem tal bó la, achem mulheres, que pensem (século XIX) A Figura 12 evidencia a baixa freqüência de uso do subjuntivo, com uma curva de variação estável, oscilando entre 0% e 7%. 146 Figura 12. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo saber ao longo dos séculos Verbo ver De um total de 187 ocorrências, apenas três (2%) foram registradas no subjuntivo, duas em que há o efeito de negação na matriz, uma em que há a projeção de futuridade/obrigatoriedade. (401) NÃO póde ver que um homem, seja qual | fór a sua posição social, não se curve aos | seus olhares, prostre-se e o adores como a | um Deus. (século XIX) (402) Neem de laa tenho sabido, NEM vejo por vosa carta, que as armadas dos Framceses sejam taes, nem esteem ~e tal hordem, e tam a pique que, estamdo as minhas como estã, neeste pouco de veraão que fica, que nõ parece que posa abastar pera soom~ete deytar as naaos ao mar, por que posam fazer dano tal que se deva tãto arrecear. (século XVI) (403) E porq~ ho cazamento de Fran- a, que ElRey D. Sancho tinha por feyto se desconcertou, e desespe- rou vendo que de necesidade lhe convinha concertarse com ElRey D. Diniz, asi no cazamento de sua filha, como em lhe fazer emenda dos males, danoss pasados, enviou ha elle por Embaxador D. Mauzi-nho Bispo de Palena. (século XV) 147 Com o verbo ver, o percentual de uso do subjuntivo é insignificante. Figura 13. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo ver ao longo dos séculos Considerações prévias • Na análise diacrônica das orações completivas, verificou-se que o comportamento dos verbos analisados não é semelhante: (i) há verbos que são variáveis em diversas sincronias; (ii) há verbos que variam em certas sincronias, fato que parece ter relação com o gênero textual, o modo de interação e o tema do texto. Com alguns verbos, tais como cuidar, dizer, esperar, jurar, saber, observa-se uma curva de variação estável de uso do subjuntivo ao longo do tempo. Verbos como mandar -- séculos XIV, XV e XVI -- e querer -- séculos XIV, XV e XVII – que permitiam uso variável, passam a apresentar uso categórico do subjuntivo, nas três últimas sincronias. • No século XX, quando na matriz estão presentes os verbos dizer, responder e parecer, registrou-se uso categórico do indicativo na encaixada. Com relação aos verbos de ‘opinião’, 148 anotou-se o seguinte comportamento nesta mesma sincronia: achar e parecer, com uso categórico do indicativo na encaixada, ao lado de crer e pensar, com uso variável. Com os verbos acreditar⁄crer, constata-se, inclusive, um percentual de uso do subjuntivo mais elevado no século XX, independente da presença de elemento de natureza morfossintática e semântica -- efeito de negação, tempo do verbo da matriz. A freqüência de uso do subjuntivo com o verbo pensar mantém-se a mesma do século XIX (13%). Esse comportamento diversificado do verbo pensar em relação aos predicadores que denotam opinião poderia ser explicado pela menor vinculação sintático-semântica das cláusulas com os verbos parecer e achar, e maior vinculação nas cláusulas com os verbos acreditar⁄crer e pensar. 149 4.2 ANÁLISE DOS DADOS DE ESCRITA: ORAÇÕES CONCESSIVAS 4.2.1 Análise diacrônica Na análise dos dados de escrita, após a análise qualitativa de todos os conectores concessivos (item 4.2.1), optou-se por fazer um estudo quantitativo variacionista apenas dos conectores mais produtivos (item 4.2.2), com o objetivo de detectar contextos de uso do subjuntivo, do século XIII ao XX. A Tabela 12 apresenta os percentuais de uso por conector. 150 Conector 1) Ainda que Século Oco de subj./ Total % (subj.) XIII 1/1 100 XIV 10/12 83 XV 14/21 67 XVI 21/26 81 XVII 87/172 51 XVIII 60/95 63 XIX 24/41 59 XX --2) Apesar de (que) XIX 0/15 0 XX --3) Como quer que XIII 02/02 100 XIV 76/80 95 XV 18/23 78 XVI 2/6 33 XIX 1/1 100 XX --4) Embora XVII 2/2 100 XVIII 5/5 100 XIX 9/10 90 XX 6⁄7 85 5) Mesmo que XVII 1/1 100 XVIII 1/1 100 XIX 4/4 100 XX 1⁄ 1 100 6) Pero/ empero (que) XIII 30/37 63 XIV 4/6 67 XV 2/3 67 XVI 9/11 82 7) Por mais que XVII 15/18 83 XVIII 4/4 100 XIX 1/1 100 XX --8) Por XVII 1/1 100 XIX 1/1 100 XX --9) Posto (que ) XV 10/10 100 XVI 29/39 74 XVII 12/36 33 XVIII 3/8 38 XIX 2/2 100 XX --10) Se bem que XVII 0/1 0 XIX 1/1 100 XX 0⁄1 0 11) Sem que XVII 14/14 100 XVIII 16/16 100 XIX 13/13 100 XX 2⁄2 100 Tabela 12. Relação dos conectores concessivos através dos séculos 151 Ainda que A conjunção ainda que, com valor semântico de concessão, decorre da junção do advérbio ainda à conjunção que. No dicionário etimológico do espanhol (Corominas, 1991), o ainda pode constituir variante de inde ou inda que, com valor adverbial de ‘todavia’, ‘também’. Nos dados analisados, a conjunção concessiva ainda que15 ocorre desde o século XIII, permanecendo até hoje. O processo de gramaticalização do vocábulo ainda ocorreu, segundo Barreto (1999, p. 310), da seguinte forma: ainda espacial > ainda temporal > ainda inclusivo > ainda exclusivo > ainda concessivo ‘daquele lugar’ > ‘até agora’ > também > ao menos > mesmo assim ‘algum dia’ ‘no momento’ Nos séculos XIII, XIV e XV Foi registrado apenas um único dado dessa conjunção no século XIII, texto de Afonso X, antecedendo a oração principal, e o verbo da oração adverbial no subjuntivo. Nesse exemplo, parece haver restrição hipotética, característica da maioria das construções adverbiais. (404) Se alguu razoar algu~a cousa en seu p(re)yto e disser que o quer prouar, se a razo~ tal for q(ue) ainda q(ue) a proue non lhe preste a el nen a seu preyto ne~ er enpeesca ao outro (contra) q(ue~) o quer aduz(er) ne~ o alcayd(e) no~ receba tal proua; se a receb(er) no~ ualla.(século XIII) 15 No corpo do texto, o conector ainda que está marcado em itálico e o ainda (e suas variações), em negrito. Esse padrão se aplica aos demais conectores aqui estudados. 152 Com a intensificação do processo de gramaticalização do ainda que, anotou-se, nos dados do século XIV, esse conector em 12 sentenças, em posição final, inicial ou interfrástica do período, em que ocorre grafado de várias maneiras: ajnda, aymda, aynda e ainda. Verificou-se, inclusive, que, em apenas dois dados, é usado o indicativo (no presente e passado): um nos Diálogos de São Gregório e outro no Livro das Aves (exemplos 414 e 415): (405) Ora pon/ ho eu as minhas palauras na/ tua boca / salte e preega / e daquel / dya adeante ajnda queme queira / calar defalar dedeus nom posso. (século XIV) (406) Etam ujl mente/ andaua uestido e tam desprizil/ era em sy meesmo . que seo algen / nom conhocese. terriasse por despre / çado eno saluar. ajnda que o el pri/ meiramete saluasse. (século XIV) (407) Eproueito grande he dos outros / queseiam sabudos ajnda que elles no / queiram. (século XIV) (408) Outrosy apromisã / quelhes faz daujda perdurauel . he / falsa e nõ lha faz senom pera fazer / rem boas obras. mais quem se / ria aquelle aymda que fosse louco / que tal cousa ousase adizer. (século XIV) (409) Ese rrogasem por aquelles que no / jmferno iaz~e aymda que fossem seus / parentes nõ queriã oque deus quer. (século XIV) (410) /E por isso lhes praz que a justiça de deus / se compra em elles .aymda que seiã / seus padres e suas madres e seus / parentes muy chegados e por esso / nõ pod~e rrogar adeus por elles. (século XIV) (411) Etal uida como esta . / nõ pode aalma perder que aymda que / seia fora do corpo sempre pode mo / uer e semtir e entender. (século XIV) (412) Sabede q(ue) ne~u´u´s moços orffaos aynda q(ue) aiha~ p(er) q(ue) no~ deue~ a te´e´r caualo ne~ armas ne~ façer ne~hu´u´ foro Ao Senn(or) da t(e)rra saluo en facere~ foro co~ se(us) ueçi~os en p(ro)l do co~çelo. (século XIV) (413) E pera sobresto fazer e dizer todalas cousas e cada hu~a delas que uerdadeiro Lijdemo procurador pode e de/ue ffazer E que elas ffariã e deriam se per suas pessoas presentes ffossem e o ffezessem ainda que taaes cousas seian que demãdem e aiam / mester mãdado especiaL E pormeterõ A auer por firme e por estauiL pera todo sempre que quer que pelo dicto seu procurador ou pelos seus Soesta/beleçudos deL for fecto e procurado nas cousas de Suso dictas e em cada hu~a delas So obrigamento de todo los be~es do dicto Monsteiro que pera esto obrigaron. (século XIV) (414) Eporemde aqueste sancto home / nõ queira que esta sua molher oseruise e / aquellas cousas aymda quelhe faziam / mester. (século XIV) 153 (415) E certa a cousa he que todo esto ha o galo de Deus per cujo entedimento am e aquelas ainda que se nõ move se nõ per sas vertudes naturaes que ham, ca todo conhecer e todo mover nõ pode seer sen Deus. (século XIV) Dos 21 casos de ainda que no século XV, 33% (8 ocorrências) ocorreram na forma indicativa, todas no presente: (416) e resguatavam em Castel-la por muy pouquo preo, porque outro tanto se fazia de Castelhanos cativos em Portugal, porque de huu~a parte, e da outra hos que se cativavam asi se vendiam como servos, ainda que se acha que hos Castelhanos nesta qualidade de crueza uzava contra hos Portu-guezes em mais estremo, e cme-nor piedade, porque ha todos se diz que hos punham em barreyras, e nellas muy cruamente hos mata-vam aas setadas. (século XV) (417) e quanta guerra, e males tem feytos à nossa Cidade de Coimbra, e ha to-do meu Reyno por muito tempo, pelo qual detreminey de ha vir com vos-quo esqualar , e tomar, como em Deos espero , e ainda que parece necessario chamar mais gente para esso , e seja certo que me viera de muy boa vo-tade , porèm nom quiz , nem escolhi mais que vòs soeis , em que sempre puz , e ponho meus concelhos , e fadi-guas. (século XV) (418) antes 'q estes Mouros daqui vaõ , e vòs sede certos, que hos que eu leyxey no Castello saõ taes , que se defenderaõ bem, ainda que creo , que hos Mouros de hos ter em pouquo , nom cessaraõ do combate atée que ha noyte hos des-parta , e esso he o que eu mais desejo. (século XV) (419) Nos sob hua breuidade do curto estylo, entendemos de se- guir seus excellentes autos, os quaes, ainda que a algus não apraza outros, com aguilho~es da prouei tosa enueja podem espertar a fa- zer semelhantes. (século XV) (420) em espe-cial esta Villa , em que ha miudo està que ha meu entender, outra mais gente da que esta dentro, se nella po-desse caber teria abastança para muitos annos de cerquo , pois estando vós tempo sobre ella , ainda que escu- ] zado tendes meu conselho , poderia trazer trovaçaõ , ha vosso estado assi dos de vosso Reyno , como dos Mou-ros que tam vizinhos, e fronteyros tendes. (século XV) A observação dos exemplos do século XV nos permite supor que o indicativo ocorre: (i) quando há, na cláusula adverbial, o uso de verbos modalizadores “achar”, “parecer” e “crer”; (ii) em cláusulas que expressam um conteúdo elaborado a partir do conhecimento de mundo do enunciador, independente da posição em que a oração ocorre. 154 Nessas proposições, o enunciador compromete-se com a veracidade da informação, não estando presente o traço de futuridade. No século XVI No séc. XVI, o uso do conector ainda que se amplia: 26 ocorrências, dentre as quais 19% se encontram no indicativo, no tempo presente ou passado. (421) Nem ao menos me tenha em tam pouco e em tam pouca estima, que aja por mall empregado em mim dar credito ao que lhe digo e escrepvo para bem de seu serviço e responder me para que eu saiba sua emtemsam e perqure das cousas irem como an dir porque ainda que este prove e gastado da fazenda nhuma inveja tenho aos mais ricos nem a suas riquesas. (século XVI) (422) E por agora ser tam cedo como he, e o tempo, Deus seja llouvado, estar tam asentado, vos e~come~do muyto que trabalheis por yrem todas quatro como estava ordenado; porque, ainda que por yso se detem-se detemsem allgu~us tres ou quatro dias mais, Receberey prazer que vam todas quatros. (século XVI) (423) e algu~us d'elles aimda Reçeberão este dano vymdo de guerra dos imfiyees, que, como lhe ja esprevy por outra carta, era causa que ainda que forão inimiguos apregoados, lhe devera muy bem de abastar por salvo conduto. (século XVI) (424) E por tanto tardar, que cuidey que nã podese seer, porque vossa carta foy feita a oito dias de Junho, e oge sam sete de Julho, me pareceo que vos devia Responder a vosas cartas e nom esperar mais, ainda que me pareçe que este coreo deve topar voso Recado no caminho e muy perto d'aquy. (século XVI) (425) Vy os apontam~etos que vos deu Allvaro Penteado, capitão, e ainda que pareçe cousa de pouca autoridade e sostançia, se, sem vos pejar tempo, poderdes saber o que diz nos apontamentos, como se fara cõ quelquer promesa de merce que vos bem pareçer, aproveytando sua emvençam, Receberey cõ iso prazer. (século XVI) Nos exemplos do século XVI, o uso do indicativo se dá (i) em contextos em que há o uso do verbo modalizador “parecer”, que denota opinião do enunciador, como nos exemplos (424) e (425); (ii) em contexto com verbo no passado, em que se descreve um fato real (exemplo 423); ou (iii) em contextos com verbo no presente em uma situação hipotética, como nos casos (421) e (422). A apresentação de uma determinada hipótese, nas cláusulas 155 adverbiais concessivas, não requer, especificamente, o uso do subjuntivo, à semelhança do comportamento observado nas cláusulas substantivas, explicitado na seção anterior (item 4.1). Nos séculos XVII e XVIII A distribuição dos modos verbais foi bastante equilibrada nas orações introduzidas pela conjunção ainda que no século XVII: do total de 172 orações, 51% (87 oco) se encontram no subjuntivo e 49% (85 oco), no indicativo, sendo, inclusive, o conector mais utilizado nesse século. No século XVIII, por sua vez, anotou-se um total de 95 ocorrências do item conjuncional ainda que, sendo mais uma vez o conectivo mais recorrente, tanto com formas do indicativo (35 oco/37%) quanto do subjuntivo (60 oco/63%). O uso do indicativo, com o conector ainda que, encontra-se, nesses dois séculos, atrelado a restrições de natureza semântica, morfossintática e estrutural: (i) Quando o conector aparece atrelado à estrutura predicativa “ser/estar certo”. (426) Comtudo, esta mesma sentença, ainda que universalmente não é certa no juiso dos homens para com os homens, por dictame natural da razão, e por providencia particular de Deus, muitas vezes se verifica n'elles : [: Nolite judicare, et non judicabimini: nolite condemnare, et non condemnabimini. (século XVII) (427) e percebeu mal a ele, testemunha, pois que ele lhe não disse que o tinha ouvido ao mesmo Capitão, ainda que também é certo que lhe não disse a quem o tinha ouvido. (século XVIII) (428) E nesta última parte discordou o careante do careado, dizendo que a dita novidade se contara com as outras que declarou em seu juramento para prova do fanatismo do príncipe nosso senhor; ainda que não está certo se os circunstantes e assistentes à dita conversação fizeram alguma reflexão sobre o referido fato,(...). (século XVIII) (429) Ao que respondeu o careado que era falso o dizer o careante que ele, careado antepunha ao governo monárquico, ainda que era certo que algumas vezes e em alguns dias santos se achara ele, careado, no cais, aonde se discorria, entre outras matérias sobre este assunto. (século XVIII) 156 Nos exemplos listados, não há a noção de hipótese, própria dos contextos em que o subjuntivo ocorre, já que a oração introduzida pelo conector ainda que -- que denota uma contra-expectativa -- descreve um evento/estado real, trazendo uma opinião do próprio enunciador. O conteúdo expresso, nessa oração, intensifica a restrição e funciona como argumento de “autoridade”, de “reforço”. (ii) Quando o conector apresenta conteúdo que atesta um fato baseado no conhecimento de mundo do enunciador e o verbo está no presente do indicativo. (430) E d'aqui infiro eu, que o mesmo succederia se não fôsse rio, senão lago ou tanque aquelle em que o homem entrasse; porque ainda que a agua do lago e do tanque não corre, nem se muda, corre porém, e sempre se está mudando o homem, que nunca permanece no mesmo estado. (século XVII) (431) Com esta vai cópia do papel que me pediu Mr. de Estrade, e lho remeto traduzido em francês, e ainda que nêle considero só os interêsses de França, os nossos são tão grandes que, ainda sem a liga, me parece nos conviria muito êste concêrto, e bastavam, quando não houvesse outros, os três seguintes. (século XVII) (432) Mas tambem posso assegurar a V. M. que ainda que estou acusado e serei condenado por mil castas de delitos, nenhum deles toca em esquecimento de minhas obrigações; antes podia ser que os maiores fôssem o ser eu muito lembrado delas. (século XVII) (433) Por ser o seo terreno mais baixo he mais sujeito a inundaçõens, e tambem por areentos menos fecundo para Canas, e alguns generos; ainda que a mandioca arros legumes, e fumos produzem bem. (século XVIII) (434) responde que nenhuma dessas passages farão jamais prova de que o coração do autor das ditas cartas seja corrompido, nem mesmo que haja corrupção da sua honra e fidelidade porque ele, respondente, o conhece muito bem e sabe que é sujeito de muita honra e probidade, e ainda que ele escreve a ele, respondente, em semelhantes termos, não é de que ele, respondente, seja de iguais ou semelhantes sentimentos. (século XVIII) 157 No exemplo (430), observa-se que o conteúdo proposto pela oração concessiva não é passível de contestação, uma vez que se trata da propriedade do “lago” e do “tanque” ter água parada e não corrente. Nesse caso, a oração adverbial concessiva é usada como elemento que serve de contraponto à oração subseqüente. Os exemplos de (431) a (434), por outro lado, expressam um evento real situado no tempo presente. (iii) Quando o conector apresenta um fato real ou baseado no conhecimento de mundo do enunciador, e o verbo está no passado - tanto em formas simples quanto em perífrases verbais. (435) Neste último rei se atenuou a descendência, porque, ainda que não quebrou de todo, ficou por um fio, e fio tão delgado e atenuado como era a única casa de Bragança, descendente do infante Dom Duarte, irmão menor de Dom Henrique. (século XVII) (436) a que ele, acareado, lhe dissera que estava pronto para o acompanhar, mas que não estava certo se os outros assistentes disseram o mesmo, nem se o dito Manoel Inácio falara nos evangelistas que o acareante relata; porém, que tem toda certeza de que se não falara em república de bichos, ainda que se disputou se havia fazer guerra aos mesmos bichos e viver com eles ou separado deles. (século XVIII) (437) Na quarta parte, o que diz dos Dialectos etc. , pode passar, ainda que tudo aquilo se dizia em duas palavras. O que diz do modo de reger a língua portuguesa é uma grande superfluidade e pedanteria, visto que não há Mestre tão tolo, que não saiba como há-de reger uma carta portuguesa. (século XVIII) Nos exemplos, os verbos da oração subordinada adverbial concessiva ocorrem na forma de passado e trazem um fato real, que funciona como argumento de autoridade ao que se pretende defender. O uso do indicativo parece atuar no sentido de cancelar qualquer pressuposto inferido, sobretudo porque veicula uma informação tida como verdadeira. 158 (iv) Quando o conector está relacionado a uma oração com verbo modalizador, no tempo presente ou futuro. (438) Porém todas estas coisas, verdadeiramente grandes e espantosas e nunca vistas, ainda que na primeira apprehensão parecem muito para temer, bem consideradas em si mesmas, e em seus effeitos e fins, antes são muito para socegar, e aquietar os animos , que para os intimidar ou perturbar. (século XVII) (439) Os maiores poderes, aqui como em toda a parte, são as apreensões do temor e do interêsse; para as segundas falta o cabedal, e para as primeiras, ainda que poderá obrar muito a indústria, tudo quanto com ela se começa a obrar se desfaz com as resoluções dos nossos Conselhos, as quais são tão públicas que não há banqueiro em Lisboa que as não escreva a Roma, com que se riem dos nossos medos, e tudo quanto se tem intentado é para acrescentar mais o descrédito. (século XVII) (440) Acho também citado um certo D. Pedro, Cônego Regular, e um Fr. Heitor Pinto, Jeronimiano, ambos portugueses, por homens mui versados na língua Hebraica, ainda que eu não posso formar juízo das tais obras, porque as não vi. (século XVIII) (441) Porém muito bem se usa entre proposições que signifiquem o mesmo, a que podemos chamar sinónimas, v. g. Cezar subjogou todo o imperio Romano, e com a serie das-suas vitorias conseguio, que os Governadores, o-recohecesem soberano. Ainda que, entre estas, sendo longas, pode-se escrever ponto e vírgula, ou dois pontos. (século XVIII) (442) Este tem uma voz, a que, ainda que impròpriamente, podemos chamar Presente e Imperfeito, que é Amare, a qual tem todas as significações do Presente e Imperfeito primeiros. (século XVIII) Nesses exemplos, o verbo “parecer” e a expressão verbal “poder+Vinf” já traduzem certa modalização do discurso, em uma construção hipotética, o que pode justificar o uso do indicativo. Além disso, no exemplo (439), a presença de verbo na forma de futuro do presente também pode ter sido um elemento inibidor do uso do subjuntivo. (v) Quando o conector está relacionado a construções predicativas (verbo ser⁄estar+adjetivo). (443) Por lá há-de passar Mr. de la Tulherie, que parte um dia dêstes e não deixará de lhes persuadir a constância, ainda que não está seguro de todo que continue; fala-se 159 em que França lhe concederá grandes partidos sôbre os comércios de seus portos, mas preguntados os ministros Franceses dizem um não que parece sim, e cuido que é uma cousa e outra para darem algum ciúme a Holanda. (século XVII) (444) Espero que com a mudança melhore; Ainda que para a gente de bem não é boa mèzinha o mudar-se; mas é do costume, para as mudanças do tempo. Não se espante V. M. de que viva de artifícios um pobre casado com mulher matrona, que governa toda a casa, até o marido. (século XVII) (445) Na noite de sábado tinha chegado de Amsterdam Mr. de la Tulherie, e logo no domingo veio ver o senhor Embaixador; e ainda que estão tão amigos que não guardam correspondências nas visitas, a de ontem tocava mais ao senhor Embaixador, e assim nos pareceu misteriosa. (século XVII) (446) Jacinta. Nada gosto desses ditos, ainda que elle he rabugento; nós devemos rezignadas attender aos seus preceitos. (século XVIII) (447) Ramiro. Deme dahi hum fular para dar a este menino, Que inda que elle he pequenino Bem o póde codiar. (século XVIII) (448) Past. Pois meu filho sendo estudante, e eu com a minha pobreza, e agencia não lhe faltar com o que lhe era necessario, havia vir servir pessoa alguma, e muito menos de moço de cavalharisse? Senhor Doutor, ainda que eu sou hum estalajadeiro, e calosseiro, tambem temos o nosso briosinho, tanto que elle traz comsigo hum rapaz meu sobrinho chamado Manoel, que o serve. (século XVIII) Nesse tipo de construção com (a)inda que, seguida de predicativo, valida-se um evento que é observável, e o indicativo é selecionado. Os exemplos (446) a (448) são de peças teatrais portuguesas do século XVIII, cujas falas podem tentar reproduzir, de certa forma, traços da oralidade da época. O uso dos modos verbais nas estruturas predicativas parece evidenciar, de fato, a fase final da gramaticalização do conector ainda que. Há contextos, contudo, em que o verbo está elíptico, o que, de certa forma, pode estar associado à total gramaticalização do conector ainda que como conector concessivo. Nos dados do século XVII e XVIII, o item conjuncional ainda que pode vir acompanhado de diversos sintagmas: 160 a) de base adjetival. (449) A qualquer das palavras que V. S. pôs neste papel, que recebi ontem, é pouca ~ua vida; porque ~ua me ~ua alma. Asseguro a V. S. que ainda que pobre e desprezada a terra, em que semea seus favores, não é nem será estéril de um perpétuo reconhecimento. (século XVII) (450) E enquanto este sol, que será muito formoso e alegre, não aparece nem coroa os nossos montes, o que só agora podemos e devemos fazer é levar a candeia das profecias diante, e com a sua luz (ainda que luz pequena) entraremos no lugar caliginoso e escuríssimo dos futuros, e veremos o que neles se passa. (século XVII) Em geral, esse tipo de estrutura, com verbo elíptico, ocorre em posição interfrástica e traz um conteúdo adicional, uma espécie de “adendo”, cuja função é qualificar o conteúdo expresso na oração matriz, ou seja, o enunciador suspende o assunto tratado para tecer algum tipo de comentário de cunho subjetivo. Isso pode ser confirmado pelo uso dos parênteses, como no exemplo (450). Note-se que, nessas proposições, o evento veiculado na oração concessiva, pelo seu caráter avaliativo, prescinde, inclusive, do uso de qualquer item verbal. Na maioria dos exemplos, há co-referencialidade entre os sujeitos das cláusulas matriz e subordinada. b) de base preposicional, com função adverbial (lugar). (451) Há quarenta dias que chove, cousa não vista nestes países, com que se prognosticam grandes fomes e enfermidades, as quais já começamos a padecer nesta casa, onde não há quem não gema. O Padre Pontilier fica de cama, e eu ainda que em pé mais doente que ele. (século XVII) (452) Eu, ainda que de longe, vejo daqui, apesar dos anos e das distâncias; vejo e distingo. Sei que, sôbre dever a V. M. um grande ânimo de honrar minhas cousas, não é pouco o que tambem devo a todos esses senhores. (século XVII) 161 c) de base preposicional, indicando posse. (453) Porque as Conquistas (que era o primeiro reparo), membros tão remotos e tão vastos deste corpo político de Portugal, ainda que do Reino, como de coração, recebem os espíritos de que se animam, é tanta e tão abundante a cópia de alimentos, que elas mesmas com suas riquezas lhe subministram, que não só têm suficiente matéria para formar os espíritos que com os membros mais distantes reparte, mas lhe sobeja com que se sustentar a si e a todo o corpo. (século XVII) Nos itens (b) e (c), as proposições, com o conector ainda que, também dispensam o uso de um item verbal, conforme já explicitado em (a). (vi) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo haver, em uma construção modal, denotando futuridade e⁄ou obrigatoriedade. (454) Diz o Senhor, que o dia do Juiso ha-de vir, e que já é; porque ainda que o dia do Juiso ha-de ser depois, e muito depois; o dia da morte é já agora:e o que se ha-de cumprir em todos no dia do Juiso , cumpre-se em cada um no dia da morte: [: Singulis in die mortis completur. ] [: Notae o Completur. ]. (século XVII) (455) Posso afirmar com testemunhas se tive já maior pensamento, ainda que grande havia de ser, medido pela minha obrigação. (século XVII) As proposições, com o conector ainda que, combinadas com construção modal (HAVER de + Vinf), expressam, também, a hipótese de um determinado evento ocorrer, selecionando o indicativo. Essas construções modais, quando são marcadas com o verbo no indicativo, enfraquecem o traço de obrigatoriedade (cf. item 4.1.1) (vii) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo haver, no sentido existencial ou de posse, no presente ou passado. (456) A capacidade que ~ua língua tem pera ser apta a todos os três géneros de causas segundo os Retóricos, se mostra pelos escritos dos Autores que nela se vê compostos 162 assi em prosa, como em verso, em todos três estilos, Humilde, Meão, e Grave, como consta de Quintiliano, e dos mais que tratam desta matéria; e ainda que na nossa língua não há muitas impressões, pela pouca aplicação que os Portugueses têm a estampar suas obras: com tudo não faltam Autores, em que se vejam estes exemplos, e alguns deles tais que com a perfeição de seus escritos, suprem bem a falta do mor número deles. (século XVII) (457) Porém ainda que não houvera as autoridades de tão doutos varões, bastantemente ficava o nosso Poeta desculpado com ser este o uso comum de todos os Poetas, como diz o mesmo Túlio, Tusculanarum quaest. lib. V: Adhuc neminem gnovi poetam, qui sibi non optius videretur. E ad Atticum epist. XXII: Nemo umquam, neque poeta, neque orator fuit, qui quemquam, meliorem quam se arbitraretur. (século XVII) (458) No ano de 1552 imprimiu João de Barros a sua primeira Década da Ásia, e foi também recebida de todos geralmente, que ainda que havia Cronista no Reino, el-Rei Dom João lhe encomendou logo a Crónica de el-Rei Dom Manuel seu pai, entendendo da perfeição, e gravidade de estilo com que escrevera esta Década. (século XVII) Nessas proposições, identifica-se um forte compromisso do enunciador com a informação proposicional, selecionando-se o indicativo na cláusula adverbial concessiva. (viii) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo haver, como sinônimo de fazer esvaziado semanticamente (idéia de tempo presente). (459) Mas como lhe hia dizendo não era má a tal vida, e lembrando-me de a conservar deixei esta, e me accommodei por moço de hum forno; porèm com pouca fortuna, porque ainda que alli ha muito calor eu sempre andava de algibeira muito fria. (século XVIII) (ix) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo haver, no sentido de tempo decorrido (limite temporal que iniciou no passado e permanece no presente). (460) O que vos eu afirmarei é que, ainda que há muito tempo que não exercito esta arte, nem quero bem nem à camisa que trago no corpo, que todavia me não esqueço dela, sem necessitar dos nominativos da de Ovídio; porque, quando nisso me ponho, sei amar de ~ua arte nova. (século XVII) 163 (x) Quando o conector se encontra vinculado a outro verbo que denota tempo decorrido. (461) De maneira que ao ar sobre peccar chama S. Paulo enthesourar: [: thesaurizas tibi; ] porque ainda que a vida e os dias em que peccamos passam, os peccados que n'elles commettemos, não passam, mas ficam depositados nos thesouros da ira divina. (século XVII) A categoria tempo, observada nos itens (viii), (ix) e (x), limita um evento definido no passado ou no presente, que não se projeta no futuro, o que poderia explicar o uso do indicativo. Em (461), a informação veiculada pela oração concessiva é uma verdade irrefutável. (xi) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo ter, em perífrases verbais (exemplo 462), lexias complexas (exemplos 463 e 464) ou indicando posse (exemplo 465). (462) Ao Padre Provincial de Bordéos tinha vindo ordem apertada que o dito Padre ficasse na sua Província, e, ainda que a ordem se tem notificado, êle diz que o fará, mas indo a Portugal primeiro. (século XVII) (463) Guarda o decoro, acerta os nomes; e ainda que na ortografia e letra tem imperfeição, peca no menos importante. Tenho a êste pelo mais claro, mais decoroso e melhor seguido soneto; e lhe sinalo o prémio dos epigramas vulgares. (século XVII) (464) e eu entendo, e assim lho disse, que ainda que o senhor Embaixador tivera ordem expressa de S. M. para se ir, nesta ocasião estava obrigado a esperar, quando menos até a resolução da junta geral que há-de haver neste mês, não só pelas vantagens com que se concluirá o negócio, sendo encaminhado e capitulado por quem o criou e tem todo o conhecimento dêle, e das pessoas com quem se trata, às quais pode obrigar e reconvir pelo que lhe tem dito ou prometido, o que não pode adivinhar quem vier de novo. (século XVII) (465) Nestes Diálogos se introduz ordinariamente falando com seu filho António de Barros, ainda que tinha outro filho mais velho, o que parece fez, ou por o bom sujeito que neste achava, ou por aquela sua idade ser então mais própria de aprender, e por isso lhe dedicou alguns tratados morais, como também fizeram outros grandes Filósofos a seus filhos, particularmente Aristóteles, de quem lemos as Éticas que compôs ao seu Nicómano, e Túlio o livro dos ofícios a seu filho Marco, com que os deixaram mais lembrados nas memórias dos homens do que o puderam fazer com rendosas, e magníficas heranças. (século XVII) 164 Em todos os casos, as proposições com ainda que também traduzem um evento situado no tempo presente ou passado e que é do conhecimento do enunciador. (xii) Quando o conector se encontra vinculado a outros verbos (semi-auxiliares) em estruturas perifrásticas. (466) o segundo não é tyranno, ainda que manda matar christãos, porque elle não é Nero, faz figura de Nero. (século XVII) (467) A minha detença aqui será até a conclusão dêstes negócios, que cada dia parece que está mais perto, ainda que não acaba de chegar. (século XVII) Nos exemplos (466) e (467), o enunciador assegura uma informação que se confirma no contexto da própria cláusula matriz. (xiii) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo ter seguido de mais. (468) Monsieur perdoe-me, nem todos os Sabios do mundo tem viajado, e com effeito os tem havido; e como disse no primeiro periodo, são as Escólas a primeira porta por onde se entra para as Sciencias, e começando a Grammatica das linguas, que he o primeiro degráo das letras, com cujo beneficio, ellas se conservão, e se perpetúa a memoria das cousas. ainda que, como escreve Quinctiliano, tem mais de trabalho, que de ostentação. (século XVIII) Nesse caso, há, ainda, uma ruptura na estrutura sintagmática, provocada pela presença do sintagma “como escreve Quinctiliano”. (xiv) Quando o conector aparece atrelado a construções com verbo suporte. (469) Os Sanhaçús, são de duas especieis, porem em pouco devercificação: tãobem são estimaveis pela beleza de seo canto, ainda que poucos dão gosto na gaiola. (século XVIII) 165 Nesse exemplo, a lexia “dar gosto” que hoje seria classificada como de verbo suporte, quase lexicalizada, apresenta, em geral, segundo Portela (2009), um caráter de maior informalidade, de caráter avaliativo, o que talvez tenha influenciado a presença do indicativo. (xv) Quando há elementos intervenientes (sintagmas simples e oracionais) entre o conector ainda que e o verbo com o qual se combina. (470) E ainda que estes sucessos do Brasil e o de Nápoles são bastantes a causar qualquer mudança, ainda em gente mais constante que os holandeses, não temos perdido a confiança de se poder obrar alguma cousa: ao menos com esta paz de Castela, que já está ratificada em Munster, teremos cedo o último desengano, pois era o prazo que os confidentes tinham dado. (século XVII) (471) Ainda que o Príncipe Dom João (a quem ele comunicou seu intento) o favoreceu tanto, que ele mesmo lhe ia revendo, e emendando os cadernos que compunha: este favor lhe fez publicar logo o livro: e estando el-Rei Dom Manuel na Cidade de Évora, no ano de mil e quinhentos e vinte, lho apresentou dizendo-lhe que a intenção com que o fizera fora pera se empregar na história de Portugal, e principalmente na conquista de Oriente, por ser cousa mais sua. (século XVII) (472) Onde, não condeno quem escreve Homero, Herodo to, Herodes etc. , ainda que estes três, e outros semelhantes que estão já muito em uso, podem mui bem escreverse sem h, o que até os nossos Itália nos já fazem. (século XVIII) (473) Isto, porém, não só no Português, mas ainda no Latim, é necessário; pois, ainda que antigamente (que os Romanos escreviam com letras maiúsculas) todos os vv tinham a mesma figura, hoje que, com muita razão, se introduziu esta necessidade, devemos, no carácter pequeno, distinguir na figura estas duas letras, assim como as distinguimos na pronúncia. (século XVIII) (474) Com este exemplo, pouco mais de um século antes de Cristo se abriram escolas latinas em Roma, as quais, ainda que com alguma contrariedade, felizmente e com grande concurso se continuaram. (século XVIII) No exemplo (470), observa-se presença de um sujeito de maior extensão; já dos exemplos (471) a (474), há a intercalação de uma oração entre o conector ainda que e o verbo 166 da oração subordinada. Em (474), a presença de diversos sintagmas adverbiais promovem uma ruptura na estrutura sintagmática. No século XIX Nos dados do século XIX, só se registraram duas ocorrências de uso do indicativo com a conjunção ainda que. Nesses casos, o indicativo ocorre nos contextos em que há restrição de natureza semântica. (i) Quando o conector introduz um fato baseado no conhecimento de mundo do enunciador e o verbo está no presente ou no passado indicativo. (475) Se me não entende o Leigo, ou | Jumento, que o mesmo he o que no- | ta, como o que escreve; bem se vê | que isto he discorrer burricalmente | sem logica; pois de não entender não | se segue; que que ninguem intenda, por- | que isso era querer regular a inteli- | gencia dos mais: quando o não en- | tender pode provir da curta esfera do Leitor: Diz que tenho boas inten- | ções. Não quero ser descortes, agra- | deço o elogio ainda que vem da mo- | derna boca da Burra da Ballaam. (século XIX) (476) Bons dias, Ill.mo e Ex.mo Sr. Aureliano! | V. Ex. taobem he jurista, segundo mostrou | tao claramente em seu celebre parecer, quan | do com o seu conspicuo argumento, de[du] | zido da ordenação do L. 1º tit. 5º § 16, | que não pode ter voga em tempo constitu- |cional, julgou legal com o seu immortal co- lega o sapientissimo Correa Pacheco (que na[o] | he Chimango) as apposentadorias dos Srs. | sembargadores, feitos pelos ex-Ministro per- | doado Honorio: examine V. Ex. por tan| to bem a questão, e ainda que revalizou em | seu parecer, com a deducção do Sr. Trigo, | esperamos (como estamos em tempos de ap- | posentadorias), que apposente taobem ao Sr. | Trigo, porque na ordenação L. etc. etc. tam- | bem achará o remedio a applicar ao paciente | Lente que se acha attacado da cólera mer- | bus, para que o velho mundo não acuze a V. | Ex., que no tempo do seu famozo ministe- | rio, conservou a ignorancia, estupidez e so- | bre tudo a incivilidade (consequecia da bes-| tialidade) em hum lugar, que só deve ser | ocupado pela Sabedoria. | (século XIX) Há, ainda, um dado com verbo elíptico, em que o sintagma preposicional “contra a sua vontade e esforços”, atrelado ao conector, desenvolve a idéia de concessão. (477) Foi a este prestimoso cidadão, que o | partido liberal agradeceu os seus serviços, | excluindo-o da chapa eleitoral, onde só | foi readmitido depois de estarem bem | certificados que ainda que contra a sua | vontade e esforços, o sr. dor. José Mari- | 167 anno, havia de sentar-se n’uma das ca- |deiras do parlamento, onda a sua falta | estava sendo sentida. (século XIX) Como se viu, o ainda que foi adquirindo cada vez mais a restrição concessiva, e passou a ser usado, com maior freqüência, associado ao modo subjuntivo. Apesar de (que) A conjunção apesar de é constituída da aglutinação da preposição a associada ao substantivo pesar, acompanhada da preposição de, formando a locução prepositiva apesar de, de valor concessivo. Esse conector só foi documentado no século XIX, sendo registradas 15 ocorrências, no indicativo ou infinitivo. O valor de concessão está mais nítido quando (i) o elemento subseqüente é um verbo, (ii) está seguido da conjunção que ou (iii) quando o conector está combinado ao demonstrativo “isto/isso”, referindo-se a um trecho anterior (exemplos 478 a 488). (478) Não he sem razão, q ue euvou importunar a V ossa S enhoria p or q ue oMin istro fallando-lhe, obstou dizendo, q ue S ua Mage stade não concedia espectativas etr. a enão se mostrou m uito favorável. Apezar doque, eu lhefiz ver as razoens emq ue estava demerecer esta graça, q ue [[tinha]] lugar, enão era contraria adisciplina cannonica ávista do conssentim ento epostulação doV ig ár io Coll ado e Postulação do meu Bispo áS ua Mage stade eq ue havião m uitos exemplos de [ i]guaes mercês. (século XIX) (479) De seu bello discurso que teve por the- | ma – a caridade e o seculo – darei um artigo avulso um | extracto, que espero ha de interessar os leitores do | Correio Paulistano; apezar de que será um extracto | pallido e deficiente, baseado unicamente na minha me- | moria que é memoriade velho. (século XIX) (480) conheci en- | tão, Sr. Redactor, que estava prezo, e para recrutamento; e apezar de estar já deso- | rientado pelo insulto que acabava de soffrer, |lhe repliquei que eu não podia ser recru- | tado, que era bem conhecido, e por elle | mesmo acabara de sel-o, e demais disso que | era militar (no que me devia acreditar ape- |zar de estar com a minha jaqueta); mas | de nada quis saber o mencionado sargento. (século XIX) (481) Eu não divulguei, e nem ainda agora divulgarei esse facto, salvo em caso de necessidade grave, como acima disse; o que acontecerá: 1 o Se o Oppositor, apezar de ter perfeita consci=encia do que praticou no seo exame, ainda assim recorrer do meo 168 juizo ou do juizo dos Examinadores pelos meios legaes e para o tribunal competente. (século XIX) (482) Tive muito gosto em receber tua cartinha, ape-zar de ainda precisares do auxilio de Thio Júlio para escrevel-a. (século XIX) (483) Tenho passeado a cavallo, todas as vês es que tenho com-panheiro e lembro-me sempre de vocês. Julio com-prou aqui um grande cavallo, de meio sangue, cha-mado Petropolis, e taõ fogoso apesar de estar ma-gro, que eu naõ me animo a montal-o. (século XIX) (484) Cheguei agora mesmo do banho de mar evim escrever esta para seu avô quando for para o Senado levar. Agora vou passando melhor, apesar de de estar com os olhos um pouco a-canhados. (século XIX) (485) tem mais dedicação e amisade | a ti e aos teos de que eu, não | creio e francamente te digo, amigo | como eu nunca mais terás, | e o tempo se encarregará de demons-| tral-o, de preferencia eu merecia | de ti muitas e muitas lembranças se não | te escrevi foi por falta de meios, não | sabia como remeeter as cartas, não | me era possivel, andei resfriado | e desde Dezembro que estive preso na | Policia, até fins de Março, não | sahi de casa, tendo sahido alguns |dias escondido, sem nunca passar do | Frontão, agora e que vou sahindo | mais francamente, apesar do estado | de cousa não ter melhorado, pois tudo | está no mesmo, as mesmas prisões | a mesma, sempre o | temor, as mesmas dificuldades | de dinheiro, apesar de tudo, enfim | não me descuidei um estante do | que me recomendastes e das poucas | cousas tuas a meo cargo. (século XIX) (486) V. Ex. deve lembrar-se que estamos ao facto | do pagamento de uma avultada quantia de tomada | de gados que V. Ex. ordenou o competente paga- | mento, e o comissario oppoz-se a isso pelos do- |cumentos serem falsos, e que apesar disso forão | pagos, e para qual se podesse effectuar esse paga- | mento foi mister desligar-se do commissario o Sr. | Antonio Candido Gomes da Silva. (século XIX) (487) O Vasc oncelos está diabo, como sempre foi, n’huma destas ultimas Sessões atirou forte no Nascim ento e sem razão, ao mesmo tempo q ue se finge seo am igo; apezar disto não podemos contar com elle p or m uito tempo no Ministerio; embora ninguem o queira aceitar apasta sem sa-ber q ual o Regente. (século XIX) (488) Asseverão nos que o Costa Carvalho vem; apezar disto não sabemos q se elles quere-rão nomear outro em lugar do Braulio, cazo morra. (século XIX) Como quer que A conjunção como quer que resulta da associação da conjunção como com o verbo querer na 3a pessoa do singular do indicativo presente, acompanhada da conjunção que. 169 Nos dois dados anotados do século XIII, a conjunção como quer que ocorre em posição inicial (489) ou final do período (490). Em (490), essa conjunção, ainda em processo de gramaticalização, parece denotar um valor modal e não concessivo. Nesse caso, a conjunção como mantém a sua nuance original e a construção quer que figura como um elemento de indeterminação, equivalente à expressão “da maneira como”: (489) Ca como quer q(ue) cob(er)tas seyã d’aga, seu dono podeas uender e dar, alhear e fazer dellas assy como ante q(ue) foss~e cob(er)tas d’auga.(século XIII) (490) Mays se por a eyg(re)ya no~ foy uendudo ne~ baratado ou por p(ro)ueyto da eyg(re)ya (con)p(ri)r todo quanto for |e| no~ seya teuda a ygreya d(e) pagar nenhuu p(re)ço, mays paguesse muy be~ de ssa boa daquel que llo alleou e no~ do da eygreya. E se no~ ouu(er) nada, a [ey]g(re)ia receba todo o seu como quer q(ue) seya achado. (século XIII) Nos dados do século XIV, especificamente nos Diálogos de São Gregório, o item conjuncional como quer que vem a ser o conectivo concessivo mais recorrente, perfazendo um total de 80 dados, dos quais 5% (4 ocorrências) estão no modo indicativo, apresentando nuance hipotética, no tempo presente ou passado. (491) Respondeo sam gregorio. Nom ouuj que a / queste fosse descipollo de n~ehu~u. / como quer que aquelles que ordinadamete./ e ordenada uida fazem nom que / iram seer meestres. (século XIV) (492) Daqueste liberti/ no. Como quer que que os homeens com/ tem mujtas uirtudes. Pero co/ tarte hey eu pedro / huus poucos demilagres. que ouuy dizer ado / Lourenco home religioso.. / que ainda uiuo he. (século XIV) (493) Econheçido no marteiro / escondido como quer que nõ aia persegui / çom aadefora e como quer queo home / nõ rrecebera mal ~e seu corpo .empero / se auoontade esta aparelhada pera / rreçeber morte pollo seu saluador. (século XIV) (494) Enote ne / bra queo propheta dauid / por huas pa / lauras mentideiras quelhe diseron / contra o filho de Jonata. deu se [f10r-c1] tença denocte contra el. como / quer que aas uegadas ouue spiritu de/ prophecya. E pero como quer que assy fe/ zesse dauid. 170 Creemos que per iujzo / dedeus ascondudo asentença que contra / el derom foy dereita. (século XIV) No exemplo (493), há duas orações concessivas introduzidas pelo conector como quer que, coordenadas entre si, a primeira seqüência, no subjuntivo, com a noção de futuridade; a segunda, no indicativo, na forma verbal do passado. Houve, ainda, no século XIV, outros dois casos com a conjunção como quer que, mas que foram retirados da análise. No exemplo (495), o item conjuncional como quer que, apresenta valor modal; já no exemplo (496) não se pode precisar se há nuance de construção concessiva, uma vez que a seqüência parece estar incompleta16. (495) Eaconteçeo / esto aas uegadas polla grã fe que al / guus ham que tragem as uontades / ficadas e deus por que som çertos que / como quer que e alguus logares os / corpos dos sanctos nõ jazem assy. (século XIV) (496) Emtõ obispo fez osinal da cruz e/ beueo oujnho e que andaua ape / conha seguramente e aquella ora / meesma oaçediago que estaua em / outro lugar alomgado delle morreo / logo comose pasase apeçonha polla / boca do bispo ao ventre ao arçediago / como quer queo arçediago apecon /ha que metera no vinho pera matar o bispo. Pero matou a peçonha sua / maldade per semtença do dereito jiuz / perdurauil .amte os olhos doqual / nõse escomde n~eh~ua que do m~u / do seia. (século XIV) Em alguns casos, foi possível encontrar o conector como quer que associado a enunciados com a conjunção adversativa pero/enpero. Nesses contextos, ou a oração concessiva ocorre em posição interfrástica à oração adversativa (497) ou antecedendo essa oração (exemplos 498 e 499). Em todos os casos, observa-se o traço de futuridade e o verbo da cláusula concessiva encontra-se no subjuntivo. (497) Ca tam co/ pridamete ensigna ospriritu sancto a / quem quer ensignar que no ha mester ensignança de outro / home que do mundo seia PERO como quer que alguem tenha ou conujde agraça do spiritu sancto nõ/ DEVE tanto confyar dessy que an/ te 16 Nas Estruturas Trecentistas (Mattos e Silva, 1989, p. 672), o verbo dessa oração está presente e na forma do subjuntivo. 171 queira seer mestre que de / cipollo que aly hu cuyda que ensig/na na verdade com sigo. (século XIV) (498) E oseu creligo pedro dise que / he aquelle padre qual bóó / mereçimeto e fim sem fim e asy amorte nõ tema asenten / ça do condanam~eto quese nom / pode mostrar per palaura que como / quer saiba as obras que fez PERO / aymda nõ SABE oque soomente / ha de julgar os seus fectos aquelle / juiz aquese n~e h~ia cousa nom / asconde. (século XIV) (499) E o seu clerigo dom pedro disse. / que me podes padre mostrar / que como quer que alguns seiam / que mi / lagres nom façam . ENPERO no SOM demeor merecim~eto n~e gualardam / ante deus caaquelles queos fazem. (século XIV) Na análise dos dados do século XV, anotaram-se 25 dados com o item como quer que, 28% (sete ocorrências) no indicativo, na forma do tempo presente ou do passado, todas em posição inicial do período. Apenas cinco ocorrências apresentam valor concessivo e, em uma delas (exemplo 503), há duas orações concessivas coordenadas, a primeira com o verbo na forma do indicativo. Nos exemplos (504) e (505), esse conector apresenta valor modal. O indicativo é utilizado nas cláusulas adverbiais com o conector como quer que para expressar eventos conhecidos. (500) esto como quer que convem ha todos, muito mais cabe em hos Principes , e Reys fazelo , cuja mayor excellencia de seu nome traz lo-guo mayor obriguaçaõ de seu carreguo , que hee serem Reys postos por Deos , para regedores principaes na terra sobre hos outros homens pa- ra execuçaõ , e exemplo de toda perfeyta virtude, mas pois que toda des-posiçaõ para obrar virtudes por muito que naça com ha pessoa nom póde ser comprida , nem aver perfeyçaõ se nom por ajuda, e graça Di- vinal . (século XV) (501) Estonce foy feito Priol Dom Pedralverez seu filho,como quer que Dom Frey Aluoro Gonçaluez Camelo,que então era Comendador de Poya res, tinha direito no Priorado,mas fezeo fazer ElRey Dom Fernan- do. (século XV) (502) E como quer que eu mais quesera ser ocupado em dar rrazão dos seus feitos que dos alheos, primçipallmemte pellas muytas virtudes que sempre nelle conheçi e por ser mais obrygado a elle que a outra allguma pessoa terreall, elle nunca me em ello quis leixar obrar segumdo meu desejo, amte per muitas vezes me rrequereo e emcomemdou que me trabalhasse d'ajumtar e escrever os ditos feitos, primçipallmemte por louvor e glória daquelle comde e dos outros nobres e virtuosos barões que com elle, por 172 defemsão da samta ffee e onrra da coroa vyrtuosamemte trabalharão. (século XV) de Portugall, naquella çidade tam (503) como quer que / a divindade nom humanidade nem A humani/dade devindade nom sam mesturadas as na/turas como quer que seja em ti huma e esa mesma / pesoa. (século XV) (504) E então se alçou o Mestre, & pozse em giolhos ante a Rai- nha, & o Mestre começou de di zer, Senhora, aquelle, que não erra não tem que pedir perdão, & eu, pois vos errey, he rezaõ que vo lo peça, como quer que Deus sabe, que minha entenção naõ foy devos errar, nem fazer nojo, nem despra zer, mas porque esta cousa, que eu fiz, se me àzou de ser feita em vos sos Paços, porem vos pe;o por mer ce que me perdoeis, ca este homem que matey, não o fiz por vos fazer nojo, nem deshonra. (século XV) = DA MANEIRA QUE (505) O Padre disse que era bem feito, como quer que se marauilhou mui to por lhe assi responder, sendo ho mem nouo de dias, & falou com sua Mãy Erea Gonçaluer todo o que lhe com elle auiera, encom dandolhe que o demouese que consentisse em tal casamento. (século XV) = DA MANEIRA QUE Barreto (1999) afirma que essa conjunção apresenta valor concessivo do século XIII ao XV. Esse período talvez possa ser estendido, uma vez que, na amostra analisada do século XVI, ainda se registre esse valor. Do total de quatro ocorrências, apenas uma ocorre no indicativo (exemplo 506), em uma proposição que veicula conhecimento prévio do enunciador, no tempo presente. (506) mas a eses a quem Vossa Alteza la faz mercê de brasill como quer que lhe custa pouco nem estão com os trabalhos e fadigas e nos peligros e derramamento de sangue em que eu senhor estou e ando. (século XVI) No século XVII, registrou-se um único dado com esse conector, que foi retirado da análise posteriormente, por parecer apresentar valor explicativo, equivalente a “pois que”, “como que”. (507) E como quer que cada Província das sujeitas à Espanha tem as forças que lhe bastam para se sustentar esperando este socorro, vem a ficar o nosso domínio estando dividido, mais firme, que o de um corpo só, no qual ~ua violência pode fazer maior ruína, que não no apartado: como se viu no grande Império dos Persas, a quem de todo acabou o ímpeto do vitorioso exército de Alexandre; e pelo contrário Cartago o muito 173 menor senhorio se defendeu largos anos contra os Romanos, por ter seus estados divididos em África, Sicília, e Espanha, e ser senhora do mar per onde os socorria. (século XVII) No século XIX, também foi registrado um único dado com esse conector em uma estrutura que hoje seria interpretada como uma forma lexicalizada, com o verbo no subjuntivo. (508) A sessão vae adiantada, e as aspirações provinciaes ameação tudo complicar, á iniciativa dequalquer medida parcial, e por isso já se trata de uma autorisação, que, se passar muito aproveitará á estrada deBatu-rité ! [ espaço] Como quer que seja, fique V ossa Ex celência certo de que a sua intervenção neste negocio dá-lhe para mim o cunho de interesse publico, e que farei quando esteja de minha parte para que essa empresa seja auxiliada. (Documentos oficiais do RJ, XIX) O estudo de Barreto (1999) mostrou que o processo de gramaticalização experimentado pela conjunção “quer que” nas suas variadas formas se deu em três fases, por um processo metonímico, sendo a presença do subjuntivo o elemento deflagrador. Como quer que (1) > Como quer que (2) > Como quer que (3) (1) Valor genérico, indeterminado, com o verbo no subjuntivo (2) Perda do valor semântico original, assumindo o caráter potencial do subjuntivo (3) Perda da restrição modal com uso também do indicativo Parece que, no segundo estágio, além do ganho do valor potencial pelo uso do subjuntivo, houve perda gradativa da restrição de modo e ganho da nuance da restrição 174 concessiva (com valor de ceder, abrandar), de conotação futura, reafirmada pelo próprio uso do subjuntivo. (509) Ca tam co/ pridamete ensigna ospriritu sancto a / quem quer ensignar que no ha mester ensignança de outro / home que do mundo seia pero como quer que alguem tenha ou conujde agraça do spiritu sancto nõ/ deve tanto confyar dessy que an/ te queira seer mestre que de / cipollo que aly hu cuyda que ensig/na na verdade com sigo. (século XIV) (510) E era en- taõ naquelle tempo costume, que todos hos filhos dos Reys se chama-vão Reys , e has filhas Rainhas, pos-to que fossem bastardos , e como quer que ElRey D. Affonso de Ca-stella , desse este Condado de Por-tugual , aho Cõde D. Anrique, e há sua filha, e ella se chamasse Rai-nha ; porém elle nunca se cha-mou Rey em sua vida, nem seu filho ho Principe D. Affonso , atee que houve huma grande batalha, e vencimento no Campo Douri-que. (século XV) Embora O item conjuncional embora advém do processo de gramaticalização (morfologização ou aglutinação) da expressão “em boa hora”, que tinha, originalmente, a função de indicar “boa qualidade”, em oposição à expressão “em má hora”. O advérbio embora (e suas variantes), no século XVII, era usado acompanhado: a) do verbo “vir”. (511) À fé, que me não descontenta a rosca que tirou para si aquele Ministro esta festa. E certo que, para tirada com a mão do gato, veo limpa e inteira. Embora vá o gato, que tem tais unhas e gafa tão limpo. Vá-se, êle, senhor meu, mas que se vá embora; que por isso se diz: al enemigo quehuye, la puente de plata. (século XVII) (512) De guerras dizem que Joane Mendes tomou a Codiceira bem tomada, e não sei se o forte de Telena, (porque só a N. o ouvi) despois de saquear Santa Marta. Não sei de novo cousa mais que vos diga, senão que vos venhais muito embora, que já são horas, e as ginjas são acabadas; e Marrocos por Marrocos, aqui está esta Tôrre, que tem muito bastantes casas para terdes por cá ~ua novena. Sôbre tudo vos guarde Nosso Senhor, como desejo. (século XVII) (513) respondeome como q. me aremesaua emfada da mulher comfesaste e quem me fas mal comfesasa dise eu pois quem fas mal o pagara ou no inferno ou onde des. Ordenar mas faser hiso he pecado respondeu me mto. agastada se he pecado quero faselo e Um. quem a mandaua agora ca uir q. ueio ca faser uase embora isto mto. Agastada eu antão me tirei de min coisa contar o meu natural como se sabe e lhe dise ásim eu uos 175 pormeto q. eu o diga e uirei pa. o omen q. estaua no patio e diselhe e uose lemberlhe o q. ouiu pa. qualquer tenpo. (século XVII) Em (512), inclusive, o elemento intensificador “muito” é usado para confirmar o caráter adverbial de “boa hora”. Além disso, nos exemplos (511) e (513), o item embora ocorre posposto ao verbo ir. Nos exemplos, a oração introduzida pelo item embora apresenta caráter avaliativo. b) de outros verbos que exprimem desejo. (514) Mas ha merce que a Vossa Alteza peço e que me licitamente pode fazer que por espaço dos vimte anos ou pollo espaço que Vossa Alteza comseder a eses armadores aja por bem de me largar os dizemos dos meus propios enjenhos e isto somente do de minha lavra e o que me pertemcer das partes que a parte dos lavradores seja muito embora de Vossa Alteza. (século XVI) (515) Eis aqui até onde chega o demonio quando accusa, e o homem quando julga. Julgavos as obras, julga-vos as palavras, e até o mais intimo pensamento vos julga e vos condemna. Ha tal temeridade de juiso ? Que julgue o homem as obras que vê, que julgue as palavras que ouve, seja embora; mas que queira julgar os pensamentos, onde não chega com algum sentido do corpo, nem com alguma potencia da alma! (século XVII) (516) Na primeira visão estava o carro dentro do Templo; na segunda visão sahiu o carro á campanha: [: Egressa est gloria Domini de limine templi: ] e quando o carro está quieto, dê-se embora o primeiro logar a quem melhor é; mas quando o carro caminha, ha-de se dar o primeiro logar a quem melhor puxa; e porque o boi puxava melhor que o homem, por isso se deu o primeiro logar ao boi. (século XVII) (517) Quando o carro estiver no templo da paz, deem-se embora os logares a quem melhor fôr ; mas em quanto o carro estiver na campanha, hão-de-se dar os logares a quem melhor puxar. (século XVII) (518) espero que v. ex.a há-de aprovar a verdade destas razões, e aconselhar ao senhor embaixador que em nenhum caso se despida, até resposta de s. m. , que não pode tardar muito, pois eu vou, e é sem dúvida que, informado el-rei e seus ministros do estado em que hoje aqui estão os negócios, ainda que não queiram paz, hão-de aprovar e mandar continuar os meios porque não quebre por nossa parte, e se faça tudo com a consideração que convém. meu amo e senhor, fique-se v. ex.a muito embora. (século XVII) 176 (519) e grande justiça, mandar-me tirar de aqui, e que comigo se acabe êste escândalo. E que se eu mereço que me acabem, muito embora; porque, senhor, fome ou cutelo, tudo é um; e para a gente honrada, menos indigno o cutelo que a fome. (século XVII) (520) Sare, meu senhor D. N. e esqueça-se muito embora. Com tudo, para nos consolarmos do esquecimento, certifiquemo-nos da saúde. Despois que V. M. se foi, não soube mais de como lá havia passado. (século XVII) (521) Eu digo para mi, que se isto há de ser para meu bem, que seja embora; mas se não é mais que desazo, não estou pelo favor deste repouso: porque de verdade é vida sonsa e sem sabor. Sei que não há marinheiro da carreira da Índia que em noute de tormenta se não deseje provando forças, em nau nova, sôbre o Cabo da Boa Esperança. (século XVII) Na gramaticalização do advérbio embora, por processo metonímico, o item passa a ser reanalisado como conjunção concessiva, ocorrendo redistribuição dos termos na sentença. Nesse caso, o item conjuncional embora inicia a cláusula subordinada e sofre alteração semântica, perdendo-se o conteúdo [+ concreto] do advérbio ‘em boa hora’. Nos exemplos de (514) a (521), é possível observar o comportamento híbrido do item embora, que mantém ainda a noção adverbial, não obstante a aglutinação dos itens. Na amostra analisada, o item embora com valor concessivo só foi registrado do século XVII em diante e foi aumentando sua freqüência de uso gradativamente: duas ocorrências no século XVII, cinco no XVIII e 10 no XIX. No século XVII, o item embora ainda se encontrava em processo de gramaticalização, posposto ao verbo. (522) Ainda dizia mais o processo de Christo: [: Ecce totus mundus post eum vadit: ] que era tal, que ia todo o mundo após elle. Se disseram que elle ia após o mundo, condemnassem-no muito embora; mas porque o mundo ia após elle! Eis ahi quaes são os crimes do juiso dos homens. (século XVII) (523) Concedamos às boas novas o antigo costume de serem vagarosas. Tardem embora as de França, e sejam tais, quando vierem, que nos paguem a ânsia com que as esperamos. Das premissas da concórdia que por Holanda chegaram, me contento. (século XVII) 177 O dado a seguir, extraído do século XVIII, mostrou que, na formação da conjunção concessiva, o item conjuncional embora, em um mesmo período, podia anteceder ou pospor o verbo com o qual se combinava. Assim, o advérbio, que tinha a função de indicar restrição temporal, sofre reanálise e passa a indicar restrição concessiva, mantendo o verbo na forma verbal do subjuntivo. (524) Aur. Embora a Velha brame, sinta embora o vil estrago do tormentoso engano, castigo assás bem devido á sua loucura. (século XVIII) A análise de Barreto (1999) mostra que a conjunção embora adquire a restrição concessiva do século XVII para o XVIII. Nos corpora analisados, registrou-se, no século XVIII, o item embora, em processo de gramaticalização de conector concessivo, mas, com o verbo da oração subordinada, anteposto ao conector. Em todos os exemplos, a seguir, os verbos da oração subordinada estão no presente do subjuntivo. (525) Serg. Eu sigo o seu parecer, e brinque embora essa gente louca com as barbaridades do entrudo; porque destes brincos sempre se seguem destemperos. (século XVIII) (526) Beat. Que loucuras fariamos se lhe respondessemos? fallem elles embora de nós, de os enganarmos, de zombarmos delles, mas nunca mostrem disto realidade. (século XVIII) (527) Ger. Exahi o motivo, porque me chamais impertinente e caustico, toda a cautella he pouca para se guardar huma mulher: chamem-me embora seccante, rabugento, gotico, e bizonho, nada me importa, eu sempre hei de obrar neste respeito o que o meu pensamento me ditar. (século XVIII) No século XIX, foram encontradas 10 ocorrências de oração concessiva com o conector embora. Registrou-se um único dado no presente do indicativo, em que a conjunção embora ocorre acompanhada do intensificador “muito”, que contribui para uma interpretação híbrida adverbial⁄conjunção ou tempo⁄concessão: 178 (528) Responderião: q ue q uanto a desp achos q ue elle andava aservir os S enhor es de Pa la vra q eu ahi he q ue deveria pe- dir o desp acho ou a Proposta pa ra elle, e queixar- se MUITO embora se lha não davão: mas q ue podia contar ainda com alguns a migos aqui; e q ue com hum q ue deixa Reconhecer como tal, Joze Egydio, tinha eu faltado aseu Resp eito não muito tempo antes. (século XIX) Registram-se também, no século XIX, duas outras ocorrências inusitadas do conector embora, subseqüente ao verbo, que retoma a ordem do conector em função adverbial. (529) O author, insensato atheu; | muito se esforça por nivelar-se com | os brutos; seja embora bruto, nós lhe | concedemos hum lugar entre os mais | estupidos; em quanto nos gloriamos | na posse d’huma alma doada de qua- | lidades e manadas da divindade mesm | e por isso immortal. (século XIX) (530) Assim sendo, opinassem embora pela abstenção cin- | coenta centros, um jornalista liberal não poderia dei- | xar de pronunciar-se sobre questões, que affectam a | própria existencia de todo o direito publico moderno. (século XIX) Em (531), anotou-se uma variante inusitada da forma embora “embore” como recurso de caracterização de uma personagem inglesa, que, nas falas da peça teatral, substitui, em todas as palavras, a vogal “a” pela vogal “e”. (531) Ingl. O gente de minha terre⁄ São de humor triste, e sombrie,⁄ Eu sou Inglez de outre caste,⁄ E sempre estar de alegrie:⁄ O’ bem vinde, bem chegade, ⁄ Eu tem contigue segrede,⁄ E não quer que ninguem oice;⁄ Mas oice, ou não , não tem mede:⁄ oice embore o munde tode,⁄ Que eu te ame sinceremente, ⁄ E não digue tude ainde;⁄ Mas emfim, estar contente,⁄ Muites vezes fiz viagem⁄ A muites Portes Francezes,⁄ Goste muite deste gente,⁄ Sou Frances as mais das vezes. (século XIX) Nos demais contextos, o conector embora inicia a oração subordinada e o verbo se encontra no subjuntivo. (532) Snr. Redactor. Aquelle que tem mulher | e filhos outro remedio não tem senão pro|curar-lhe o alimento trabalhando para não|ser pesado aos outros; é o que me acontece | como pae de familia. Indo eu procurar em | algumas casas de negocio licenças para tirar, | respondeo-me um dono da casa: - meu | amigo, as minhas licenças eu as dou a um | guarda da camara para as tirar, | porque só assim fico descançado de multas e 179 outros| incommodos, embora pague por cada uma | 3 ou 4 $ rs., porque elles lá se entendem | uns com os outros. (século XIX) (533) E sôb este pensamento que – embora seja decor- | ridos alguns dias, e no brathro dos grandes aconte- | cimentos tenha amortecido já o arruido que | um facto – tanto elle nos merece importancia que | por modo algum o deixaremos passar desapercebido. (século XIX) (534) O Vasconcelos está diabo, como sempre foi, n’huma destas ultimas Sessões atirou forte no Nascim ento e sem razão, ao mesmo tempo q ue se finge seo am igo; apezar disto não podemos contar com elle p or m uito tempo no Ministerio; embora ninguem o queira aceitar pasta sem sa-ber q ual o Regente. (século XIX) (535) Esta cegueira, este engano troxe outros | erros, e o resfriamento que hoje se nota | em alguns amigos do governo não é mais | que consequencia de esperanças illudidas. || Entretanto convem indagar que estamos hoje | melhor do que estavamos no governo re- | gencial: pensamos que ninguem se decidi- | rá pela affirmativa. Algumas leis se fizerão | em sentido governamental, embora digao o | contrario aquelles qua as não tem estuda- | do, ou que, por uma aberração de espi- | rito, se pronuncião contra tudo que dá for- | ça e vigor ao governo e o colloca em posi- | ção de proteger o povo. (século XIX) (536) Não ha muito, fazia eu estas reflexões, conduzindo | minha familia a ver a procissão de Corpus Christi, na | qual exhibem o espectaculo burlesco de São Jorge a ca- | vallo. || É uma grande estatua de páu, que embora fosse bem | esculpida nem como estatua teria merito, porque as | formas desapparecem debaixo de capas bordadas e das | lantejoulas. (século XIX) Observe-se que, nos trechos de (532) a (536) com embora, o indicador de futuridade, incerteza ou hipótese, presente em outras orações concessivas é atenuado. Nessas cláusulas, há um caráter avaliativo, usado, muitas vezes, com a função de surpreender o expectador. O conteúdo da cláusula concessiva funciona como uma “ressalva”, um evento⁄estado que não se quer aceitar e⁄ou admitir, mesmo sendo comprovado. Com a intensificação do processo de gramaticalização, o conector embora se tornou ainda mais abstrato na língua, registrando-se casos com verbo elíptico, à semelhança do que ocorreu com ainda que. (537) E os trabalhadores de hoje serão os se- | nhores de amanhã. | | Embora poucos: ¾ poucos são os esco- |lhidos. | | Embora fracos: ¾ Um Pedro o Eremita | liberta a cidade de Deus das garras da | hydra Asiatica, lança as aguas sagradas da | gloria na 180 fronte varonil de Godofredo de Bou- | ilon, quebra em parte os pergaminhos em|poeirados dos homens do feudo, arrancadas | bainhas douradas as espadas palacianas, | açouta a indolencia das soberanias e atira- | as para a cruzada santa. (século XIX) (538) Esses pardieiros arruinados, sem ar e sem o | asseio suficiente a evitar enfermidades, onde o | trabalhador repousa durante as horas do des- |canço, verdadeiros charcos de immundice, que | affrontam a capital do Imperio, porque não são extincotos e se manda construir em lugares | apropriados moradias, embora humildes, mas | limpas arejadas e sadias, onde os menos favo-|recidos da fortuna encontrem umacommodi- | dade? (século XIX) (539) Note-se porém que a severidade, embora excessiva, | recahiu sómente sobre os actos publicos, ninguem foi | perseguido por ser Christão, protestante ou catholico. (século XIX) A noção de concessão adquirida pelo conector embora é tão marcada que chega a prescindir, algumas vezes, da própria forma verbal, como se verifica nos exemplos acima descritos (537 a 539). No exemplo a seguir, o conteúdo da oração concessiva constitui um contra-argumento à tese que se quer provar (“É verdade que não foi o senhor Souto Carvalho”), mas que perde sua relevância em face de outros argumentos presentes no período (“foi um José dias da Costa”), ainda que não se possa negar a existência da assinatura presente no documento (“embora a assignatura do Sr. Souto Carvalho”). Mais uma vez, reitera-se o caráter dessas orações concessivas de veicular um evento real. (540) É verdade que não foi o senhor | Souto Carvalho que disse, nem es- | crevendo, nem responsabilisndo-se, | foi um José dias da Costa, embora a | assignatura do Sr. Souto Carvalho. Não sou, nem testa de ferro, nem | nunca tomei a responsabilidade dos | communicados insertos no Tagarella | contra seu irmão. (século XIX) Mesmo que De item adverbial, correspondente a ‘exatamente igual’, ‘da mesma forma’, o vocábulo mesmo, seguido da conjunção que, adquiriu, por um processo metonímico, valor semântico concessivo (Barreto, 1999). 181 Nos dados listados abaixo, o vocábulo mesmo funciona como advérbio e o verbo da oração introduzida pelo elemento que, com valor de pronome relativo, se encontra no indicativo. (541) Eassy acomteç[e]o e huu home / meesmo que per huu pequeno de dãp / / no que rreçebe per humjldade. Com humjldade logra e guarda os muy / gramdes béés que ham. (século XIV) (542) E / esteue tanto tempo e oraçõ com seu / rrostro lançado e terra aque amolher / sem uergonha se uyo camsada .e com / emfadameto partiuse da freesta dasua / çella e aquelle dia meesmo que aquella / molher deçeeo domonte . emcerrou os / seus dias dauida pera dar aemtender / polla sua morte que ueo sobre ella. (século XIV) (543) Case aquel / meesmo que fielnõ he e eu quiser pregu / tar que ouue por padre ou por madre / logome elle rrespomdera. (século XIV) No século XVII, registraram-se duas ocorrências em que o item mesmo já se encontra combinado ao que com função concessiva, e o verbo da oração subordinada está no presente do subjuntivo (exemplo 544) e presente do indicativo (exemplo 545). O conector mesmo que mantém conotação hipotética, projetando o evento para o futuro. (544) Esquecia-me o de Milão, cujo sítio V. Ex.a resistiu, como tão valente soldado dessa milícia, e, se acaso isto não é tentação do duque de Modena, segundo os muitos embaraços que tem hoje a guerra de França, bem se pode suspeitar sem temeridade que seria inventado o pensamento, mais para assaltar as nossas bôlsas, que para sitiar aquela praça. Mas e mesmo que o sítio se intente, eu creio, da vigilância daqueles anjos da guarda, que a primeira cousa que hão-de fazer é tirar de ali ao senhor Infante. (século XVII) (545) Mas porque estes tambem, quando justamente postos por obra, assi obrigam a Deus, como aproveitam aos homens, por isso mesmo que eles faltam em os agradecer, não falta ele em os pagar. (século XVII) No século XVIII, o único dado registrado, ocorre no presente do subjuntivo, com conotação restritiva e negativa, reforçada pelo uso do item de negação “nem”. 182 (546) responde que nenhuma dessas passagens farão jamais prova de que o oração do autor das ditas cartas seja corrompido, NEM mesmo que haja corrupção da sua honra e fidelidade porque ele, respondente, o conhece muito bem e sabe que é sujeito de muita honra e probidade, e ainda que ele escreve a ele, respondente, em semelhantes termos, não é de que ele, respondente, seja de iguais ou semelhantes sentimentos. (século XVIII) No século XIX, nos quatro casos em que ocorre essa conjunção concessiva, é categórica a presença do subjuntivo. Observa-se que a expressão aparece antecedida por “ainda”, que reforça o caráter de restrição, de negação da oração, assim como ocorreu no exemplo (546). (547) AINDA mesmo que nós não quizessemos dar credito | de que V.Ex.ª, e seu Official maior | são, e são os únicos ladrões e para provarmos | essa acerção principiaremos pelo seu Official maior, | em seguida do seu mui digno compadre Palhares, | e concluiremos com V. Ex.ª (século XIX) (548) Marjolin só estabelece uma excepção á esta regra para as | feridas da cabeça e dos dedos; mas Follin na sua pathologia, | recentemente puclicada, diz que nada se deve temer da reunião | immedita das feridas contusas, uma vez que se vigie com atten- | ção a parte lesada e se renove todos os dias o curativo. Elle é | de opinião que, para as feridas da face, esta regra, a reunião immediata, é absolutamente prescripta, e accrescenta o conselho | de aparar, ebaber, os lábios destas feridas para facilitar a reunião | immediata. Bevard e Denonvilliers são de parecer, que as feri- | das contusas que apresentão retalhos, igualmente devem ser | reunidas por 1 a. intensão AINDA mesmo que o arme do retalho | tenha sido tão constuso que pareça desorganizado; porque su- |pondo mesmo que deva cahir em gangrena, estando a base | menos alterada, pode ainda esperar-se a agglutinação. (século XIX) (549) quero que mas tarde leia-se o | meu nome gravado em letras de | ouro nos livros da litteratura, e siencia, estou bem certo de que a briosa | população desta capital não deixará | sem auxilio nos amigos das artes e | defensores da patria digo porque todos os dias se | falla em termos uma guerra com os | argentinos, pois bem se realizar | essa guerra não ezitarei em pegar na | arma e correr ao encalce do inimigo | AINDA mesmo que o meu sangue, tenha | de servir-lhe de alimento. Concluo | aqui o meu artigo abraçando freneti- | camente os nossos collegas do Espec- | tador e ventarola, fazendo votos | para que a patria e as artes progridão a olhosvistos. (século XIX) Os exemplos (550) e (551) poderiam ser rotulados de “opaco”, de dupla interpretação, já que não se pode afirmar com segurança se o elemento mesmo funciona como advérbio ou como conjunção concessiva. 183 (550) Mas supondo mesmo que a inflammação sobreviesse e fosse seguida de supuração, pergunto, que inconveniente resultaria | para a reunião immedita secundaria o ter-se antes aproximado | os labios da feridas? Nem um. (século XIX) (551) Bevard e Denonvilliers são de parecer, que as feri- | das contusas que apresentão retalhos, igualmente devem ser | reunidas por 1 a. intensão, ainda mesmo que o arme do retalho | tenha sido tão constuso que pareça desorganizado; porque su- |pondo mesmo que deva cahir em gangrena, estando a base | menos alterada, pode ainda esperar-se a agglutinação. (século XIX) Pero / Empero (que) A conjunção pero e as variantes empero, enpero podiam ocorrer, no português arcaico, para expressar oposição adversativa, exemplo (552), ou restrição concessiva, exemplos (553) e (554). Nos dados, o conector pero⁄empero com função concessiva vem, geralmente, acompanhado pela conjunção subordinativa que, formando a conjunção pero⁄empero que. Na amostra analisada, registrou-se esta conjunção com valor de concessão até o século XVI (cf. item 1.3). (552) Deffendemos que nenhuu uozeyro non seya ousado d(e) auirsse est aquel d(e) que á de teer uoz [...] no~ tenha mays ya uoz por outro, pero mandamos que possa au(er) ualya da uintena da d(e)manda, assy como manda a lee. (século XIII) (553) Todo ome q(ue) fez(er) p(re)yto ant[r]e alguus homees e foy feyto dereytamente, quer seya scripto quer no~, e pero q(ue) y no~ seya pea posta, firmemente seya a g(ua)rdo e o alcayde façao aguardar. (século XIII) (554) E se ella casar co~ alguu que no~ seya (con)uenauil a ella ne~ p(er)[a] seu linage~, ou se se for cu~ algue~ en maneyra q(ue) seya onta della ou de seu linage~, seya outrosy deserdada do q(ue) ouue ou do q(ue) auia d’auer d(e) bo~a d(e) seu padre ou d(e) sa madre. Empero que algu~a molh(er) faça algu~a cousa destas que so~ suso ditas, no~ p(er)ça seu dereyto do h(er)dame~to q(ue) lhy uij~a da out(ra) parte quer de se(us) yrmaos quer doutros parentes ou de stranhos. (século XIII) No século XIII, o item pero (e suas variantes) + que foi o conector concessivo mais utilizado. Do total de 37 ocorrências, 17% (sete ocorrências) se encontram no indicativo, no tempo presente ou passado. 184 (555) Se o alcayde mandar asseentar alguen en as dema~da ou en boa d(e) seu (con)tendor pero que o (con)tendor non quis responder assy como deuia ou se ascondeu por no~ faz(er) dereyto e aquel cuyo o mandare~ asseentar se lho deffender p(er) força ou se alçar de guysa que o asseentamento no~ possa seer (con)prido e passar o ano se [for] arreygamento ou aos VI messes se for au(er) mouil, que eneste p(ra)zo no~ uenha responder por deffender asseentamento, aya a pea que auia se outro fosse teedor do asseentamento. (século XIII) (556) Mandam(os) que nenhuu non possa tolh(er) a out(ro) p(er) tempo rem do seu se el nono teue daq(ue)l q(ue) o ante teuera, ou se p(er) força d’auguas ou d(e) fugo o senh(ur) da cousa p(er)deu a teença, pero q(ue) della fora fusse huu ano e hu~ dia |e| seendo ena terra ou p(er) XXX anos non seendo ena terra. (século XIII) (557) E outrosy, se daq(ui)lho que p(ri)meyro auya mandado, algu~a cousa tolh(er) ou der ou alhear da manda que auya feyta daq(ue)lho, non ualla, empero q(ue) nomeadame~te an(te) a desfez ca atanto ual q(ue) a desfaça tolda se quiser p(er) feyto como p(er) dito quandu lhy prouger. E se aquillo q(ue) auya mandado ia, depoys manda enoutro logar ou end(e) algu~a cousa dar ou alhear, possao faz(er). Mays se o no~ desma~dar p(er) parauoa ou o non mandar a outro en manda que depoys faça, ualla aquillo q(ue) mandara. (século XIII) (558) Se o s(er)uo fez(er) alguu~ furto a seu senor ou a outro s(er)uo de seu senhor, em poder seya do senhor de faz(er) del o q(ue) q(ui)s(er), de morte en fora e de tolhimento de nembro. Ca pero q(ue) é s(er)uo, no~no deue a matar seu senhor ne~ tolh(er)lly ne~b(ro) se~ ma~dado del rey. (século XIII) (559) Se alguu ome [non] por razo~ de mal faz(er), [mays] yoga~do, remet(er) seu caualho en rua ou en carreyra pobrada ou pelota iogar ou cuca ou out(ra) cousa semelhauil e p(er) cayo~ matar alguu ome~, p(ey)t(e) omezyo e no~ aya out(ra) pe~a. Ca, pero o nu~ quis faz(er), no~ pod(e) seer sen culpa porq(ue) foy t(re)belhar en logar q(ue) no~ deuia. (século XIII) (560) E sse o accusar p(er) cousa q(ue) a El fezesse ou a out(ro) de ssa parte p(er) que El a´ dereyto de dema~dar, de´ acusaço~ dereyta assy como e´ sub(re)dito. Mays no~ seya teudo d(e) se met(er) a pe~a, pero q(ue) no~ p(ro)eu o q(ue) p(ro)meteo a prouar, mays pague as custas e os danos ao acu|su|sado q(ue) recebeo p(er) razo~ daq(ue)lha acusazo~. (século XIII) (561) Emp(er)o q(ue) todalhas cousas se pode~ uender e sse pode~ cambhyar, pero su~ cousas que [no] se pode~ uender e |no~| se podem cambhyar, assy como calz sag(ra)do ou uestime~ta sagrada e as cousas que son spirituaes q(ue) pode be~ ca~byar hu~a eygreya cu~ out(ra) |spiritual como e´ sobre d(i)to. (século XIII) O uso do indicativo com o conector pero⁄empero que ocorre (i) em contexto com verbo no passado – em perífrases verbais ou em formas simples; (ii) em contextos com verbo no presente – em estruturas perifrásticas ou simples; (iii) em contextos em que há o uso de 185 verbo modalizador “poder”. Nos dois primeiros, a oração concessiva apresenta uma restrição real, já, no terceiro, há uma restrição hipotética. No exemplo (562), o uso do conector parece ter valor concessivo e a forma verbal corresponder ao presente do subjuntivo que hoje equivale a “saiba”, com o iode formando ditongo na primeira sílaba. (562) E sse seu dono lhas [no~] dema~dar, entregeas aaquel que llas deu, pero q(ue) sabya ca e´ ladro~ ou roubador se for ena uilha ou em logar raygado. Ca razo~ e´ q(ue) cobre~ o q(ue) dero~ en garda, ca elhes son teudos de re~der o que roubaro~ ou q(ue) furtar(o~). (século XIII) O subjuntivo foi utilizado nos demais casos (30 ocorrências), independente da posição da oração adverbial concessiva com pero/ empero (que), todas com noção hipotética, que se projeta no futuro. (563) Se abelhas que eyxame~e sobire~ en aruor dalguu ome~, se outro as fillar ou as ensarrar ante q(ue) o dono d’aruor as possa auer, filheas, enpero q(ue) ena aruor façan eyxame; Pero o senor d’aruor possa deffender a todo ome q(ue) no~ entre eno seu ateem q(ue) as abelhas seya~ p(re)sas e ensarradas, foras se o senhur d(e) cuyas colmeas sayra~ as abelhas |El| uijndo tras ellas, ca este mentre vay tras as abelhas polas cobrar, no~ p(er)de o dereyto q(ue) eneellas auija. (século XIII) (564) Se alguu~ ome~ ou(uer) parte en algu~a manda e a (contra)riar en juyzo p(er)a desfazelha e p(er)fiar en desfazella ata que den o juyzo, p(er)ça quanto lhy foy mandado na manda, empero seya iuygado ia que ualha a manda. (século XIII) (565) Nenhuu ome no~ possa desfaz(er) uenda que faça por diz(er) ca uendeo mal o seu, empero que seya uerdad(e), foras ta~to se aquelho que uendeu ualha dous ta~to mays que no~ o porq(ue) o deu, ca p(er) tal razo~ be~ se deua desfaz(er) a uenda ou a (con)pra, |E| se o (con)prador no~ quis(er) dar o p(re)ço, ca em poder e´ de o (con)prador desfaz(er) a uenda ou d(e) dar o p(re)ço dereyto est reteer o q(ue) (con)prou p(er)a sy se quis(er). (século XIII) (566) E pero q(ue) o padre aya gran poder subellos filhos, no~ qu(er)emos q(ue) os possa uender ne~ penhorar ne~ dar. E q(ue~) (contra) isto os (con)prar e os receb(er) en penhor, p(er)ca o p(re)ço e os filhos no~ aya~ nenhuu dano. E se for dado endoado non ualha. (século XIII) 186 No século XIV, apenas se registraram seis ocorrências de pero/ pero que com valor concessivo, tanto no indicativo (evento real) quanto no subjuntivo, com noção de evento hipotético, que se projeta no futuro. (567) E emtõ dise eseu creligo dom pedro / marauilhosas som estas cousas / que contas padre . ca nõ ueemos ora / e nossos tempos tã grandes cousas / fazer . mais pero que a[i]nda deste sanc / to home souber e bem aconheçese non se devia maravilhar. (século XIV) (568) E portãto o propheta respon- de aos ereges que son cõtra a ffe de Christo e diz que se nõ partirá desta fe ca el en Deus confia, ca diz que nõ confia en seu poderio ne toma ne hua gloria nas requezas suas, pero que sejã muytas, porque sõ cajon e aazo de pecado ded sobervha que muito avorrece a Deus. (século XIV) (569) Entõ offerece[mos nós a Deus] dous pássaros quando lhi damos [e consagramos] os nossos corpos e [as nossas almas. Aque-] lo que diz q[ue huu passaro]................. XXVIII e torcian-lhi a cabeça cõtra as pernas e vertiam o sanguy, pero que a cabeça nõ era partida do pescoço, demonstra-nos que assi devemos nós britar carne nossa per peendença e per astee- ça, que todavia no lhi tolhamos a vida. (século XIV) No século XV, o uso do conector pero⁄ pero que concessivo se restringe a quatro casos, em posição interfrástica e final. Observa-se que, em posição interfrástica, a oração concessiva possui um caráter avaliativo, já em posição final apresenta uma restrição real, de conhecimento do enunciador. (570) Nuno Alue- rez però que fosse moço, & quan- do esto ouuio,disse que lho tinha em grande merce, & que prazeria a Deus que ainda lho seruiria cõ boõs merecimentos,& beijoulhe as mãos por ello. (século XV) (571) Como quer que / a divindade nom humanidade nem A humani/dade devindade nom sam mesturadas as na/turas como quer que seja em ti huma e esa mesma / pesoa. Ou per ventura nõ es tu mínha carne / e meu hirmããom Verdadeyramente sy ca fame e / sede ouveste e choraste e ouveste infirmidade / como eu, pero que en ty non foy defeito nenh/umum nen enfirmidade de pecado como en mym que / nom podeste como eu. (século XV) No século XVI, foram levantadas 10 ocorrências de orações concessivas com o conector pero⁄ pero que, todas com verbo no subjuntivo (exemplos 572 a 574). 187 (572) <Três pártes da vergonha>. Aqui, nestes três respeitos de vergonha, vam três pártes suas, que nam es espeçificamos em nome, peró que dissé[s]semos seus efeitos, por nam termos a cópia de vocábulos que tem os Gregos e Latinos, cá eles tem estes três: pudor, verecundia, erubescencia. (século XVI) (573) <Em que a vergonha é louváda e em que [é] vituperáda>. E, peró que estes e outros louvores [h]ája déla, pera que em ti sela louváda, [h]ás-de consirár o módo e limitaçám que lhe sam Gregório nestas palávras dá <Greg.super Ezechielem ca.x>: No mál, a vergonha é louváda e no bem reprensível; no mál, é sapiênçia, no bem sandiçe. E aquele que [h]á vergonha do mál que fez, virá a ter a liberdáde da vida, mas ô que [h]á vergonha de fazer bem, este cái do estádo da virtude e vái ter à conde/naçám, como diz o Redentor <Luca.IX.ca.>. (século XVI) (574) Finalmente, quando por ésta párte do ofíçio me quisérem reprender, eu me acolho a dous pastores da Igreja, que sam o Pápa Pio, o quál, tendo o governo da religiám Cristã, compôs a sua Ásia, e o Pápa Adriano que ontem passou, sendo cardeál, compôs um tratádo do módo de falar latinamente. E, peró que fossem matérias máis pera Gramáticos que pastores da Igreja, como diz o Pápa Pio, as [h]óras de vigia deu ao ofíçio e âs do repouso àqueles trabálhos. (século XVI) Por O item por [...] que, em alguns contextos, pode funcionar como conjunção concessiva intensiva (Azeredo, 2008), com o verbo no subjuntivo e em posição interfrástica. Apenas nas cartas de Vieira (século XVII), foi registrado esse tipo de dado. Nos dois exemplos, há noção hipotética. (575) Da parte das mesmas cousas, nos não devemos admirar que lhes fossem incógnitas, por serem muitas delas dificultosas, escuras e mui recônditas nas Escrituras Sagradas e enigmas dos profetas, as quais se não podiam entender e penetrar só com a agudeza dos entendimentos, por sublimes e sublimíssimos que fossem, enquanto não estavam assistidos de outras notícias e circunstâncias, que só se descobrem com o tempo e adquirem com larga experiência. (século XVII) (576) O Sr. Dr. João Baptista dos Santos Presi- |dente da Junta Central de Hygiene Pu- | blica. Nem por vir um pouco tarde deixam estas linhas | de Ter o valôr que merecem. A vida de um jornal -| por ephemera que seja representa um documetno | de sua época; no correr dos tempos, quando fo- | lheado, deve dizer aos vindouros que papel represen- | tou, que causa abraçou. E sôb este pensamento que – embora seja decor- | ridos alguns dias, e no brathro dos grandes aconte- | cimentos tenha amortecido já o arruido que produzio | um facto – tanto elle nos merece importancia que | por modo algum o deixaremos passar desapercebido. | Fallamos da resignação do illustrado 188 mestre o Sr. || Dr. Baptista dos Santos á presidencia da Junta | Central de Hygiene Pública. (século XVII) Por mais que O item concessivo por mais que é formado de preposição (por), seguida de advérbio (mais) e da conjunção que, sem haver fusão. No século XVII, ocorre em 18 ocorrências, todos extraídas de cartas pessoais: 15 no subjuntivo (exemplos de 577 a 585) e três no indicativo, no presente ou no passado (exemplos 587 e 588). Nos exemplos (577) e (578), a conjunção concessiva por mais (que) se encontra em processo de gramaticalização, além de se verificar a intercalação de elementos entre a expressão “por mais” e a conjunção “que”, fazendo com que a idéia de concessão fique mais ou menos nítida. (577) Que historiador há ou pode haver, por mais diligente investigador que seja dos sucessos presentes ou passados, que não escreva por informações? (século XVII) (578) E enquanto este tempo não chega, por mais doutos, sábios e santos que sejam os expositores daquelas profecias, dirão cousas muito discretas, muito doutas, muito santas e muito variadas, mas o certo e verdadeiro sentido delas ficará oculto e escondido, porque passarão todos por ele sem entenderem nem penetrarem. (século XVII) (579) Finalmente usaes alguma outra coisa d'este mundo? pois usae d'ella , como se não usáreis. De sorte que quanto ha , ou póde haver n'este mundo, por mais que nos toque no amor, na utilidade, no gosto, a tudo quer S. Paulo que acrescentemos um, como se não. (século XVII) (580) No Juiso de Deus com a mudança dos Procedimentos, mudam-se os nomes; antigamente eres Saulo, hoje sois Paulo: no juiso dos homens, por mais que os procedimentos se mudem, os nomes não se mudam jamais. (século XVII) (581) Aquele homem me teve em venda como escravo. Todos me tratam como a desfavorecido; e em meus sucessos se tem visto, por mais que eu me cale. (século XVII) (582) Quem tem de si tal experiência, e sabe não se emendará nesta parte, por mais que o castiguem, bem pode aventurar-se a dar a sua palavra ~ua perpetua memória do que deve. (século XVII) (583) Com as naus passadas remeti a V. M. dous livros meus, de novo impressos, que tenho por menos enfastiados aos presos que aos soltos; porque cada cousa se recrea 189 com seu semelhante. Se por lá aparecer algum dêste gênero, por mais que seja tão pio como aquele bom vizinho do Padre Soler, faça-nos V. M. mercê de reparti-no-lo. (século XVII) (584) Chama-lhe patente, porque, por mais que nós o escondamos à vista, ele se mostra ao desengano. Desde essa própria solidão, em que é edificado, desde êsse próprio deserto, em que mora oculto, desde aí grita, dá vozes e se mostra descoberto e patente. (século XVII) (585) Estas são as nossas francesadas, e êste é o mal francês de que nos não havemos de livrar por mais que suemos. (século XVII) (586) Bem me consta da universal curiosidade de Vossa V. M. e, por mais que conheço, terá Vossa V. M. neste Reino grandes e sábios correspondentes; todavia eu me ofereço a êsse exercício, se valer para tanto. (século XVII) (587) E porque é matéria impossível e número sem com to, fiquem em silêncio (por mais que tão grande brado deram nas escolas) os Vasques, os Soares, os Molinas, os Valenças, os Belarminos, os Canísios, os Toledos, os Lugos, os Caetanos. (século XVII) (588) mas ofereci-me a êles, porque tenho pelo maior de todos a dilação, e mais quando dela dela dependia não achar a V. Ex.a nesta côrte, como me aconteceu, por mais que o quis prevenir; mas sou eu tão amante das conveniências de V. Ex.a que, pela de V. Ex.a se restituir mais cêdo a sua casa, e pelo que estes negócios podiam embaraçar a V. Ex.a alguns dias fora dela, quási me não pesou de V. Ex.a ser partido, fineza com que só posso pagar as obrigações que devo a V. Ex.a e às senhoras condessas da Vidigueira. (século XVII) Nos casos em que a oração concessiva -- com este conector -- seleciona o subjuntivo, a noção condicional está presente e quase sempre se projeta no futuro. Quando se registra o indicativo, indica-se um evento real, que é do conhecimento do enunciador. No século XVIII, anotaram-se apenas quatro ocorrências do item concessivo por mais que, todas as orações em posição interfrástica. O indicativo é encontrado em apenas uma ocorrência, extraído de uma peça teatral (exemplo 592), com verbo no passado, denotando um fato real. (589) Os açoutes, o vil tratamento, que geralmente experimentarão os Indios em outro tempo, o desprezo, e inequidade com que nestes são tratados, he motivo assas forçozo, para se orrorizarem da nossa amizade, por mais que se vejão participantes hoje da 190 graça, que o exemplar animo, e inacta piedade do Senhor Rey Dom Joze 1º lhes concedeo. (século XVIII) (590) Mas a Verdade, por mais que se encubra, sempre transpira. Três Embaixadores atenieses que, cinco ou seis anos depois do tal decreto, vieram a Roma, namoraram todos com os seus discursos; e, não obstante a repugnância de Catão e de alguns outros, os estudos das Belas-Letras se introduziram em Roma, e cada dia mais se aumentaram. (século XVIII) (591) Não vi ainda Português algum (não falo dos que passaram à Itália até à idade de 7 ou 8 anos, porque estes perderam a sua língua, e falam o Italiano como língua própria) por mais estudioso e diligente que fosse, que aprendesse a pronúncia, principalmente toscana ou romana, em que expressamente se pronunciam as duas letras consoantes: todos as pronunciam como uma simples. (século XVIII) (592) E couzas mui bonitinhas Sete sacos bem cheos De mui bellas camarinhas; Tambem hia’ono prezente Humas mui ricas Peruas, que por mais que me cancei, nam pude achar mais que duas. (século XVIII) No século XIX, registrou-se apenas uma ocorrência do item por mais que no subjuntivo, retirado da seção de cartas de leitores/redatores, com a oração concessiva em posição inicial no período. Nesse contexto, a oração concessiva veicula um evento real, no passado irrelevante para a tese (“nem ha calum-nia nem injuria”). (593) Instei por intervenção do meu advogado, que não | estando saptisfeito o quesito para que fôra | feita a intimação, pois que não estava de- | clarado si se afirmava, que dobrando me eu | á vontade de alguem tinha estabelecido o pre- | ço do café em mais do que devia, necessario | era uma resposta terminante n’este sentido; | e mandando o juiz que me fosse respondi- | do, a resposta tornou a ser a mesma:- | o Jornal foi procurado, e como nem ha calum- |nia | nem injuria, não damos outra alguma | explicação.- E por mais que fosse instado | o redactor do Jornal, declarou, que nada | mais respondia, e com effeito mudo ficou. (século XIX) Posto que O emprego de posto que, como conjunção concessiva, na língua portuguesa, ocorre do séc. XV ao século XIX. Essa conjunção resulta da junção do particípio passado do verbo pôr (posto), seguido da conjunção que. Nos 10 dados registrados no século XV, a presença do 191 subjuntivo foi categórica e o conector apresentava a noção de concessão, com noção hipotética e futura. (594) E rrefaçom de paredes de pedra e barro madeira grosa e delgada pregadura e telha em / quallquer tempo que ouuere~ mester corregimento E posto que estes be~es ou parte deles perecam / per fogo ou per outro quallquer casso furtujto ou nõ furtujto que lhe auj~r posa que todauja / as ditas pesoas torne~ todo a rrefazer de nouo em tal maneira que nas ditas tres vidas / andem bem corregudos e aproueitados melhorados e nõ peJorados e que dem e pague~ de / foro e pensom destes be~es en cada hu~ ãno ho quarto de todo pam vinho e azeitona que / deus der scilicet ho pam na eira e ho vinho aa bica do lagar da qujntãa honde ho faro. (século XV) (595) E bem asy as mantere~ nas ditas tres vidas / de gujsa que nõ deffaleçam E posto que cayam ou arçom ou lhes aconteça outro algu~ casso posto / que furtujto seja que todauja as ditas pesoas as torne~ logo a rrefazer pello modo dantes de / maneira que andem bem corregidas e aproueitadas melhoradas e nõ peJoradas. (século XV) (596) A segumda rrezão, muy allto primçipe, hera porque, posto que os feitos de Çeepta pareçam vossos, pois a çidade he vossa, nóm Se podem dereitamemte apropiar //(p. 10) a vos senão aaquelles que se per vosso propio mamdado fezerão depois que, per graça de Deus, ouvestes o cetro da coroa rreall de vossos rreynos, em que nóm foram menos aqueçimemtos que hos primeiros, que eu com melhor vomtade escrevera jumtamemte com hos outros vossos feitos, que sam açaz dinos de gramde memoria, sequer por vos mostrar allgum conheçimemto da llomga criaçõ e muita bemfeitoria que por vossa merçe, husamdo de vossa acostumada virtude, de vos rreçeby, caa se allgum saber em mym há, posto que seja pequeno, com has vossas migalhas o apremdi. (século XV) No século XVI, a conjunção posto que passa a ser empregada também como conjunção causal e, nesse caso, se combina com predicador no modo indicativo, com a oração subordinada após a oração principal. (597) Sábes como [h]ás-d[e] entender a autoridáde que alegáste de Séneca; nam por os víçios da comissám ou permissám da vontáde de que óra tratamos, cá seria palávra herética, mas entende-se dos víçios naturáes do ânimo e do corpo de que atrás falamos. Porque a virtude morál nam está nas potênçias naturáes ou sensuáes, mas no bem da razám, posto que pela esposiçám que ele vái fazendo da proposiçám, paréçe que se refére aos outros víçios. (século XVI) (598) F<ILHO> – Se a sobeja tem éssa calidáde, que causa trocar-se a ordem das cousas, per ésta maneira os sérvos que â tevérem menos, terám mais artelharia pera conquistár a liberdáde do senhor. 192 P<ÁI> – Posto que eles [h]am ésta régra / por çérta per aqueles dous provérbios : <<O hómem vergonhoso, seu pecádo ô levou ao páço>> e <<Sem proveito é a vergonha em hómem neçessitádo>>. (século XVI) (599) Quanto he senhor a esta Nova Lusitania posto que com muito trabalho e com asaz de fadiga tamta quanta ho Senhor Deus sabe a cousa estaa bem premcipiada a Deus louvores. (século XVI) (600) e soube ora que não fora dada a Vossa Alteza posto que me diseram que fora entregue n'allfandega e que ahi desaparecera. (século XVI) No século XVI, o conector posto que concessivo, geralmente ocorre em posição inicial ou interfrástica no período, independente do distanciamento entre o conector e o verbo. (601) E que, posto que muytas vezes e com muytos cramores geraaes e queixumes muy justos de meus povoos, e com tanta Rezão e justiça, me fosen pedidas Represarias contra os Framceses, e eu lhas podera muy justificadamente dar, e mais ymdo os malles ~e tall creçimento e tam sem se prover por sua parte, que não pareçia que fiquaria outra nenh~ua cousa por fazer; e que como derradeiro Remedio, pois que tam justam~ete se me pidia, na pareçia que se podia caise Revoguar senom injustam~ete. (século XVI) (602) e posto que Vossa Alteza la tenha tudo bem sabido todavia direi o que eu qua Senhor entemdo aserca do que emqueri e soube das cousas da Bahia. (século XVI) (603) E por que nos d'eso praz, lhe mãdamos dar este por nos asinado, pora o ter por sua goarda e lembrança nosa, o quall queremos que valha como se fose carta pesada por nosa chancelaria, e posto que este noso alvara nam pase por ella, sem ~ebargo de quaesquer leis e ordenações que ahy aja em contrairo; porque, pera este ser firme, as derrogamos e anulamos, e queremos que este se cumpra ymteiramemte. (século XVI) Há, no entanto, certos contextos de restrição, em que o conector posto que concessivo ocorre combinado com verbo no indicativo: a) em processo de gramaticalização. (604) e me vieram Senhor com pitições e com reqerimentos que tall não comsemtise senão que me encampariam as fazendas e os enjenhos e mas ouveram por encampadas es tall consemtise, e posto Senhor que ja o qua tinha defeso oje neste dia o tornei mandar pregoar por todallas povoações e fazendas que pessoa alguma ho não corte nem faça nem falle em se fazer brasill a vinte legoas destas povoações. (século XVI) 193 No século XVI, o conector posto que ainda não tinha se cristalizado, permitindo a intercalação de elementos. b) com verbo modalizador, na forma do presente. (605) E o mais que podereys dizer, se vos tall perguntar pessoa a que devais de Responder, será que ho não sabeis, mas que sabeis certo que farey o que devo muy imteyram~ete, posto que, semdo ta tarde, nõ pode ser senão menos do que a s~e Rezão mereçe. (século XVI) c) com perífrases verbais. (606) Iteem: vos me sprevestes que, posto que estaveys detryminado de dilatar ho negocio quamto podeseys, se porem eles vos cõçedesem ho em que ficareys, e apertasem cõvosquo, nem poderyes al fazer senam aceytar o cõcerto e a carta delRey de Frãça, quando se al nam podese fazer, ou minha reposta tardase, e o poderees teer açeytado de tal maneira que nam posaes leixar de o cõcludyr e cõpryr, pera gardades vosa palavra, em tall caso ey por b~e que asy compraes, sem ~ebarguo do que vos apõto em cõtrairo; por que ey por muyto certo que o niso teverdes feyto, foy o que mais cõpria a meu serviço. (século XVI) Nos itens (a) e (c), as proposições com posto que veiculam um evento real, no tempo passado. No item (b), a proposição modalizadora ocorre no tempo presente, destituída de qualquer caráter de obrigatoriedade. No século XVII, registraram-se 60 ocorrências de construções com o conector posto que (com valor causal ou concessivo). Desse total, 33% (12 oco) se encontra no subjuntivo, no tempo presente ou no passado, independente da posição em que ocorre. Em todas as orações, observa-se conotação hipotética. (607) Finalmente, esta última resolução que no ano de quarenta assombrou o mundo, posto que muito a devamos à ousadia do nosso valor, muito mais a deve o nosso valor à confiança de nossas profecias. (século XVII) 194 (608) A verdade e desengano de que tudo passa (que é o nosso primeiro ponto) posto que seja por uma parte tão evidente, que parece não ha mister prova, é por outra tão difficultoso, que nenhuma evidencia basta para o persuadir. (século XVII) (609) Os rios esquecidos da doçura de suas aguas, posto que as do mar sejam amargosas, como todos nasceram do mar, todos vão buscar o mesmo mar, e só n'elle se desafogam, e param como em seu centro. (século XVII) (610) Em fim, é certo e de fé, que Christo vem fazer este Juiso, posto que o modo não esteja definido. (século XVII) (611) A clareza da narrativa é assaz evidente, por falar com palavras muito próprias, e naturais, e com tudo se vê nele tanta majestade, que causa admiração poder ajuntar com tanta gravidade tanta clareza, porque nas descrições é tão fácil, que muitas vezes parece mais poeta, que histórico, posto que nesta parte a história e poesia sejam muito conformes. (século XVII) (612) O bom médico não tira pela lanceta todo o sangue, posto que seja pôdre. Manda a prudência, como mestra de tudo, em parte aliviar e em parte temperar. (século XVII) Nos demais casos, o conector concessivo posto que, com valor concessivo, ocorre combinado com verbos no indicativo, nos seguintes contextos: a) com verbo no passado, em formas simples ou em perífrases verbais (613) Succedeu-lhe José, o que sonhou as suas felicidades e adorações de seu pae e irmãos; posto que todas se cumpriram, todas passaram como se foram sonho. (século XVII) (614) E posto que na conta o offereceu outra vez, e restituiu inteiro, porque não tinha negociado com elle, nem adquirido coisa alguma, o senhor não só lançou fóra de sua casa, e o mandou privar do talento, mas o pronunciou por máu criado: [: serve nequam, que foi a sentença de sua condemnação. (século XVII) (615) O outro tratado das cousas artificiais dá a entender João de Barros que o deixou quase acabado, posto que se não publicou. (século XVII) (616) E posto que para os versados na lição de uns e outros bastava esta suposição somente apontada, porei aqui para os demais as palavras de dois grandes doutores, Castro e Canísio, ambos do século antecedente a este nosso, e ambos diligentíssimos investigadores da Antiguidade e doutíssimos na erudição da Escritura, Concílios e Padres, os quais expressamente afirmam que muitas cousas se sabem e entendem hoje que foram ou ignoradas dos Padres antigos, como fala Castro, ou incógnitas a eles, como mais certamente diz Canísio. (século XVII) 195 Nos dados com o verbo no passado do indicativo, o enunciador descreve um fato baseado em seu conhecimento de mundo. Além disso, nota-se que, nos exemplos (615) e (616), há certo distanciamento entre o conector e o verbo da oração subordinada concessiva. b) com verbo no presente, em perífrases verbais ou em formas simples, independente da posição da oração. No exemplo (617), o conector posto que ocorre combinado com a construção verbo ser/estar+adjetivo, em uma proposição que é do conhecimento do enunciador. (617) O da ciência é João Botero, que na sua Razão de Estado falando dos estados mais duráveis, diz dos de Espanha, que posto que estão apartados uns dos outros, se não podem chamar desunidos, tendo esta coroa dinheiro com que os socorrer. (século XVII) Foram encontradas, também, construções com verbo elíptico (18 oco), em que o conector posto que se combina a um sintagma adjetival ou adverbial, o que parece evidenciar a completa gramaticalização desse item. Esse tipo de construção ocorre, em geral, em posição interfrástica no período, com a função de trazer informação adicional e, em todas as construções, nota-se o valor de concessão. (618) Foram mostradas a Faraó em sonhos as sete espigas gradas e as sete falidas, as sete vacas fracas e as sete robustas, e logo ordenou a Providência Divina que estivesse em Egipto um José (posto que vendido e desterrado), que lhe declarasse o mistério dos sete anos da fartura e sete de fome, para que conhecesse o bárbaro que Deus, e não o seu adorado Nilo, era o autor da abundância e da esterilidade, e que a ele havia de agradecer, no benefício dos sete anos, o remédio dos catorze. (século XVII) (619) a este género de preceito assim escrito, posto que não intimado com outra autoridade ou solenidade, julgou que tinha obrigação de obedecer, e com efeito o obedeceu e observou em matéria tão grave e de tanto peso e interesse de sua coroa, como era demitir de si um povo e um reino tão notável, de que ele já era o terceiro possuidor, porque o primeiro foi Nabucodonosor, o segundo Baltasar e o terceiro Ciro. (século XVII) 196 Nos dados do século XVII, a conjunção posto que pode também ser empregada como conjunção causal, combinada com predicador no modo indicativo, no passado ou no presente. (620) Levanta-se este assunto sobre toda a esfera da capacidade humana, porque Deus, que é a primeira fonte de toda a sabedoria, posto que repartiu os tesouros dela tão liberalmente com os homens (e, muito mais, com o primeiro), sempre reservou para si a ciência dos futuros, como regalia própria da divindade. (século XVII) (621) Nos, cum nullo horum indigeremus, habentes solatio sanctos libros, qui suntin manibus nostris, maluimus mittere ad vos renovare fraternitatem et amicitiam: "Mandamos renovar por este nosso embaixador (diz Jónatas) a antiga amizade e confederação que convosco fizeram nossos maiores, não porque tenhamos necessidade dela e dos vossos socorros, posto que não nos faltam inimigos, guerras, opressões e trabalhos; mas temos sempre em nossas mãos os Livros Santos, em que lemos as promessas divinas, e com eles e com elas nos consolamos e animamos a resistir, pelejar e vencer, como temos vencido e venceremos a todos nossos inimigos". (século XVII) (622) Este é o sentido literal e verdadeiro destas palavras do anjo, como se pode ver em todos os comentadores de Daniel, posto que elas são tão claras e expressas, que não necessitam de comentador. (século XVII) (623) O estado dos negócios de Inglaterra estimo quanto não posso encarecer a V. S.a, posto que também estou fora da graça daquela Majestade, por entender que segui mais as partes de Lisboa que as da Ilha Terceira, no sermão em que me obrigaram a fazer um manifesto, em que cuido falei com mais decôro que o tão bem visto e premiado Catástrofe. (século XVII) (624) E outras boas partes era buscado, e amado de muitos: posto que lhe não faltaram alguns émulos (de quem se ele queixa na sua Apologia da quarta Década) que é final manifesto da virtude; porque os maus naturalmente aborrecem os bons, por serem contrários a seus costumes. (século XVII) No século XVIII, registrou-se apenas uma ocorrência do conector concessivo posto (que) com verbo no subjuntivo, na forma do presente. No dado a seguir, o conector posto prescinde do que, o que demonstra total gramaticalização do elemento, antecedendo o verbo ter. Nesse caso, o subjuntivo apresenta uma nuance restritiva: o fato de o rio “ter suficiente largura” perde a relevância, uma vez que a tese aponta em sentido contrário “a barra é inconstante e (...) não permite navegação continuada”. O subjuntivo ocorre em uma cláusula 197 com conteúdo atestado, mas que, argumentativamente, é atenuado, ou seja, se torna “fraco”, se comparado a outros elementos presentes na proposição. Nesse sentido, esse conector concessivo assemelha-se à interpretação pragmática atribuída ao embora, que parece, em alguns casos, esvaziado de caráter hipotético. (625) O Rio Cabapuana, ou de Moribaca Limite ou termo deste Districto pela parte Norte, tem seo nascimento na Serra do Pico: desce quaze ao rumo de Lesnordeste, e vai ter ao Mar por huma barra pouco segura pelos baixios, que tem distante da do Paraiba 5 1/2 legoas pela Costa. Ella, a barra, he inconstante, e a proporção das mudanças do tempo, e das enchurradas de agoas do Monte se altera, ora encostando-se para o Sul, ora mais para o Norte, de cuja variedade nasce não permitir navegação continuada, posto tenha suficiente largura. Ainda assim tem dado asilo à algumas lanxas corridas das tempestades, e depois sairão filismente precedendo alguns exames de sondas. (século XVIII) Anotou-se, ainda, o conector concessivo posto que combinado com verbo no indicativo no contexto: a) com verbo ser+adjetivo. (626) Alem do terrenos mencionados, segue-se ao norte do Paraíba, o das cassimbas, que finaliza o Rio Cabapuana, ou Moribeca: Este he menos povoado pela fraqueza, e total impossibilidade de seos possuidores, os quaes sendo Senhores de Leguas de Terras, o não são de forças para lhes darem hum exercicio proporcional, ficando por esta cauza inuteis, e sem serventia proveitoza ao Estado. Hé a onde se achão as melhores madeiras, para uzo dos Arsenaes, e não dificeis de conduzir-se. Elle he igualmente fecundo para toda a qualidade de plantas posto que chegado a vizinhança do Combro do Mar hé menos productivo. (século XVIII) (627) Os Tabuyáyás, tãobem são grandes; porem muito menores: tem a cor branca, com as pontas das azas negras. A sua carne, hé excelente para o gosto. Semilhantes no tamanho, e cor; posto que mais delgados, são os Manguaris. (século XVIII) Nos dois exemplos, observa-se um caráter híbrido, com o conector posto que veiculando uma informação que é do conhecimento do enunciador. 198 No século XIX, registraram-se 8 ocorrências do conector concessivo posto que, com 50% de uso do subjuntivo. No exemplo (629), o conector posto ocorre desacompanhado do item que. (628) Não dissimularei que na legalidade ha al- | guns homens tão empenhados na continua- | ção da guerra, como são em respirar para | viver. Porque havendo feito por ella for- | tuna e elevação, e considerando que acabada | ella, hão de ficar sendo o que são, e não | o que parecem, estão determinados a pôr todo | o estorvo e pêas ao andamento regular das | cousas: e posto que sejão os principaes, ho- | mens nullos e ineptos, sempre é certo que | por sua posição no exercito muito podem dam- | nar, se o barão tolerar d´elles, como os seus | antecessores, o mais leve deslustre e insu- | bordinão. É necessario desenganarmo-nos | que a indisciplina e imoralidade é peste pe- |gadiça por encherto de sua própria materia; | o fogo que quanto mais devora mais força ganha para devorar. Pelo que sem extermi- | nal-o de chofre e totalmente não ha fiar da | mais leve faisca. (século XIX) (629) Marinia Sim senhor, tome menino,⁄ Va comendo este fular,⁄ Que sei delle hade gostar,⁄ posto seja pequenino. (século XIX) Esse conector ocorre combinado com verbo no indicativo com verbo no presente ou no passado, denotando um fato real. (630) Mon. Eu tambem em solteira nunca uzei deses brincos, e mais huma rapariga minha vezinha, sem eu apresentir, deitou-me huns poucos de pós da india no pescoço, que toda a tarde me esteve a comer, mas eu só o que lhe fiz, foi deitar-lhe hum copo de agoa pela cabeça, de que despois me pezou, posto que não lhe fez mal algum. (século XIX) (631) Frondozo. Pois entaõ aceite la,⁄ Va contando esse dinheiro, ⁄ Que posto eu já o contei ⁄ Veja tambem se está certo⁄ Aqui tem esta condesa, ⁄ Por dentro os va encaixando, ⁄ E tu Gracio pega nella, ⁄ Vamos daqui a obiato. (século XIX) Registrou-se uma única ocorrência com verbo elíptico, em uma construção que denota posse. (632) Faxa hydraulica de Monteiro. – Este in-[3ª coluna] vento de um patricio nosso é um dos bonissi- | mos dos modernos tempos, um dos que mais | convem se apregoem, até serem por toda a | parte recebidos. | Posto que de autor pórtu- |guez, os jornaes scientificos e academias es- |trangeiras o engrandecerão com louvores, na-|ções altivas o adoptarão, e ambos os go- | vernos da nossa peninsula o coroarão com | o privilegio 199 da lei. Um pouco annunciarão | jà acerca da Faxa hydraulica alguns perio- | dicos de Lisboa. (século XIX) Se bem que A partir da associação da conjunção se ao advérbio bem, forma-se o item conjuncional se bem com a função de estabelecer a função de contrajunção. No português atual, o item se bem junta-se à conjunção que, formando a conjunção concessiva se bem que. Barreto (1999) destaca que, na formação da conjunção concessiva, poderia ser possível supor que, por um processo metafórico, o conteúdo adversativo da conjunção tenha se atenuado, tornando-se concessivo, quando o item era empregado após orações afirmativas, e que a associação com o que tenha se dado por analogia a outros itens conjuncionais da língua portuguesa. No século XVII, o item se bem que aparece como conector com verbo na 1ª pessoa do presente do indicativo. (633) "O que se haja de dizer de tais homens e de tais entendimentos, não o sei; só digo que, depois de terem caído no primeiro erro, perseveram constantemente na sua ignorância, defendendo umas cousas vãs com outras tão vãs como elas; se bem que algumas vezes cuido que não dizem nem escrevem isto deveres, senão por jogo e zombaria, e que sabendo muito bem que tudo o que dizem são fábulas e mentiras, as defendem, contudo, para ostentar habilidade e engenho, empregando tão bons entendimentos em tão más cousas". (século XVII) No século XIX, o item concessivo se bem que ocorre duas vezes: com verbo no subjuntivo (634) e com verbo elíptico (635). (634) Do Sr. Apulcho Castro, proprie- | tário do Corsario, recebemos a se- | guinte carta: | | <<Sr. Redactor do Jornal da | Noite, Tenho nestes ultimos | dias, lido o seu popular jornal.|| <<Lamento, porém, que V. S. | não esteja bem informado de todos | os acontecimentos para delles dar | noticia aos seus innumeros leito- | res. || <<Se bem que em todos elles eu | não veja a independencia e ener- | gia que em taes circunstancias ca- |bia tomar a imprensa que defende | os principios e não o interesse 200 de | balcão, todavia calou-me no espi- | rito o seu artigo de 1o do cor- | rente.| <<Entremos na analyse do su- | pra-citado artigo. (século XIX) (635) e eu me achava doente ha tres ou quatro dias antes e continuei a estar por mais outros tantos, e se bem que não bom de todo, fui a Camera a 23 tão somente pa ra responder adito Padre Pinto sem que se me offerecesse occazião. (século XIX) Sem que Registraram-se 14 casos com o conector sem que no século XVII, com a presença categórica do subjuntivo, no presente ou no passado. Esse conector pode ocorrer estabelecendo valor de concessão (exemplo 636) ou de condição (exemplo 637) . (636) assim como o primor e subtileza da arte cómica consiste principalmente naquela suspensão de entendimento e doce enleio dos sentidos, com que o enredo os vai levando após si, pendentes sempre de um sucesso para outro sucesso, encobrindo-se de indústria o fim da história, sem que se possa entender onde irá parar, senão quando já vai chegando e se descobre subitamente entre a expectação e o aplauso. (século XVII) (637) pois, como diz o Senhor, e com tão particular asseveração, que tudo se havia de cumprir dentro do mesmo seculo , que então corria, e que se não havia de acabar aquelle seculo sem que viesse o dia do Juiso : [: Non præteribit qeneratio hæc, donec omnia fiant? (século XVII) (638) Assim todas as coisas d'este mundo, por grandes e estaveis que pareçam, tirou-as Deus com o mesmo mundo do não ser ao ser; e como Deus as creou do nada, todas correm preciptadamente, e sem que ninguem lhes possa ter mão, ao mesmo nada de que foram creadas. (século XVII) (639) Já que V. M. me manda dizer meu sentimento no caso, que me fez mercê de comunicar o outro dia; sem que o torne a repetir (pois entre as mãos nos anda) digo, senhor, que me parece que a primeira razão de se fazerem estimáveis os serviços aos Príncipes, é o grande perigo ou a grande conveniência que neles concorrem; donde se funda a obrigação ou interesse de quem os deve pagar, conforme os avalia. (século XVII) (640) Desvelam-se os homens, por ler as obras de um grande filósofo, político, orador ou poeta, sem que as hajam visto, só pela opinião que neles tem de seus autores. Que será, e que não é bem que seja, por ver, por estudar os livros compostos do Espírito Santo, que foi o inefável Oráculo, que influiu nos Santos Profetas? (século XVII) 201 No século XVIII, anotaram-se 16 ocorrências com o item conjuncional sem que, com presença categórica do subjuntivo. (641) Aquele que escrever alguma memória a apresentará à sociedade, sem que antes nem depois a comunique a pessoa alguma, exceto quando a mesma sociedade julgue que se deve pôr em prática por utilidade pública. (século XVIII) (642) Foi mais dito, pelo careado, que também era verdadeiro o juramento do careante na parte que dizia em que sua Alteza mandara repreender o arcebispo de Braga, pois que, à chegada de uns navios de Lisboa, nas mesmas conversações, se dera esta novidade, sem que nelas fizesse alguma nota. (século XVIII) (643) O que é muito de notar, sendo que os Tosca nos aspiram fortemente todos os monossílabos sem que por isso escrevam h. (século XVIII) (644) Nesta caza a toda a hora, / por te dar gosto estaremos, / seem que haja repugnancia, / eu to affirmo, eu to prometto. (século XVIII) (645) Florindo.Todos tem o seu enfado, / pois para que se termine, / he justo, sem que os seus brados / denotem estar satisfeito / dos nossos estreitos laços, / demos as mãos de Espozos, / arda a pira de amor sacro. (século XVIII) O item conjuncional sem que, no século XIX, ocorre em 13 dados, com valor concessivo (exemplos 646, 648 e 650) e condicional (exemplos 647 e 649), em todos os casos com o verbo da oração subordinada na forma do subjuntivo. (646) 3ª - O que V. Ex. indeferiu foi o meu reque- | rimento pedindo a arrematação da carne a favor | dos meninos cégos, de quem não queria ser | procurador; mas afinal vem a sel-o, para obe- | descer ao tribunal do thesouro, ao qual eu tinha | recorrido, havendo um intervallo de 51 dias | entre a apprehensão e a arrematação com peri- | go da deterioração do genero, já pertencente a | um estabelecimento pio, e sem que V. Ex. ti- | vesse mandado proceder a um exame hygienico | como lhe cumpria. Diz que V. Ex. que em 1863 Já | não se lenbrava do que tinha passado em | 1860; | não é isso crivel; mas, se assim é, eu | lhe avivo a memoria, visto a cavaco que V. Ex. | dá no Correio Mercantil de hontem, com a re- | petição da historia. (século XIX) (647) Ao Sr. Ministro do imperio, para que se | sirva dar as covenientes ordens afim de que. | na conformidade do artigo 37, e da adver- | tencia 5a. da lei de 30 de novembro n.243, | se não expeção titulos aos agraciados sem que | mostrem conhecimento passado pela recebe- | doria do municipio, de terem pago a res- | pectiva joia ou direito a que estão sujeitos. (século XIX) 202 (648) No dia 23 de novembro próximo passado , serião 11 horas da manha, mandou João Pedro cercar | a minha casa por 30 escravos seus, com- | mandados por um pardo de nome Betrano | ou Beltrão; todos armados de espingardas, | foices e facas, com o fim de um assassina- |rem, porêm debaixo do ostensivo pretexto | de se me prender, por ser eu indiciado no | crime de tentativa de morte contra o mesmo | João Pedro, sem que se me houvesse d’ essa | mesma falsissima imputação formado o com- |petente processo, sem o qual não se podia | contra mim expedir ordem de prisão, e muito | menos confiar a execução d’ella a escravos | do meu inimigo capital, que se dizia offen- |dido. (século XIX) (649) quer pagar ao Caminho ao | empreiteiro da casa a importancia | das ultimas obras feitas, na im - |portancia de 49 contos, ficando | assim livre do compromisso que | tomou de não vender nem hy - |pothecar a casa, sem que elle seja | pago, elle pretende encorporar | o Prado de Petropolis, pagão-lhe | já. (século XIX) (650) Lamb. Estou taõ farto de aturar povo, que em se casando minha filha, enforco logo o officio: que nunca seja possivel passar-se hum dia, sem que me preguem algum garazio? aquelle com o pretexto de achar muito salgado o jantar, abafa a colher, a faca, o garfo, e o guardanapo: este como que se condóe da minha larga consciencia, lomizia quanto póde na algibeira, e vai á noite fazer o bico ao sacho á minha saude. (século XIX) Como se pode observar, o conector concessivo sem que apresenta um evento de caráter restritivo, que pode funcionar como condição ao que se quer defender. O uso categórico do subjuntivo pode ser explicado pela presença dessa forte restrição, que exclui qualquer possibilidade, estando presente o traço de obrigatoriedade⁄futuridade. 4.2.2 Análise variacionista Ainda que Foram registradas 357 orações concessivas com o conector ainda que, dentre as quais 60% se encontram no subjuntivo. Na escrita do século XX, esse conector não foi registrado. 203 Século XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX Oco de subj./ Total 1/1 10/12 14/21 21/26 87/172 60/95 24/41 0/0 % (subj.) 100 83 67 81 51 63 59 0 Tabela 13. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que ao longo dos séculos A oração subordinada concessiva com o conector ainda que podia anteceder (651), suceder (652) ou intercalar a oração principal (653). (651) E, ainda que nam seja pera a linguágem, verdadeiramente assi ô pódes ter na música, porque a prolaçám e ár que temos da linguágem, diferente das outras nações, temos no modo do cantár, cá mui estranha compostura é a françesa e italiana à espanhól, e as guinádas e deminuiçám que fázem ao cantar, fázem na prolaçám e açento da fála. (século XVI) (652) Resistir a uma razão tão evidente como a que diz - Assim o quer Deus -, é tão indigna e afrontosa resistência, que nenhuma razão de estado a pode justificar, ainda que houvesse de se perder o mesmo Estado. (século XVII) (653) Mas eu digo mais, e assento que, ainda que uma seja abreviatura da outra, importava muito à língua portuguesa que se deitasse fora o til e a terminação ão, escrevendo-se tudo extensamente, e, uma de duas, ou que se escrevesse Falaom, ou, abreviando, Falam. (século XVIII) O uso do subjuntivo é favorecido quando a oração concessiva ocorre em posição intercalada (76 %). Oco⁄ Total 98⁄181 87⁄144 32⁄ 43 Posição da oração concessiva Oração concessiva⁄ Oração Principal Oração Principal⁄ Oração concessiva Oração concessiva intercalada Tabela 14. Posição da oração subordinada concessiva com o conector ainda que 204 % 54 60 74 O tipo de elemento interveniente entre o conector concessivo ainda que e o verbo da oração concessiva também pode funcionar como elemento favorecedor ou inibidor do uso do subjuntivo. Tipo de elemento interveniente Clítico Sintagma nominal (SN) Sintagma nominal (SN) + Sintagma adverbial (S ADV) Clítico + elemento de negação Intensificador SN⁄SADV + elemento de negação SN⁄SADV + Clítico Elemento de negação Sintagma Oracional (SO) Série de elementos Sintagma adverbial (SADV) Oco⁄ Total 21⁄33 55⁄83 4⁄ 7 9⁄13 2⁄ 3 8⁄14 7⁄13 15⁄30 7⁄14 8⁄18 9⁄22 % 64 66 57 69 67 57 54 50 50 44 41 Tabela 15. Tipo de elemento interveniente entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva Como se vê, na Tabela 15, há elementos intervenientes que restringem a presença do subjuntivo na oração subordinada concessiva. A presença do subjuntivo é menos freqüente quando a oração apresenta como elemento interveniente um sintagma adverbial (exemplos 654 a 660) ou uma série de elementos (exemplos 661 e 662). (654) Mas como lhe hia dizendo não era má a tal vida, e lembrando-me de a conservar deixei esta, e me accommodei por moço de hum forno; porèm com pouca fortuna, porque ainda que alli ha muito calor eu sempre andava de algibeira muito fria. (século XIX) (655) E depois que estes estromentos em Coimbra se pubricara, de que todos fora hy espantados, ho Ifan-te mandou mostrar ho treslado del-les ha seu padre, por Nuno Martins Barreto, e por Ruy Garcia do Ca-zal, e pedirlhe que logo dese ha Affonso Sanches ha emenda, e cas-tigo, que em tam feyo cazo mere-cia. Do que ElRey foy asaaz ma-ravilhado, e posto em muy tristes pensamentos, ainda que logo co- nheceo, que todo eram manhozas envenoens, e maal compostas, e ahos mesageyros do cazo, respon-deo por maneyra, que fora elles contentes, e sobresto ElRey enviou logo aho Ifante, Fernam Rodri-gues Bugalho. (século XV) (656) Com esta vai cópia do papel que me pediu Mr. de Estrade, e lho remeto traduzido em francês, e ainda que nêle considero só os interêsses de França, os nossos são tão 205 grandes que, ainda sem a liga, me parece nos conviria muito êste concêrto, e bastavam, quando não houvesse outros, os três seguintes. (século XVII) (657) Também nas obras de Plutarco anda um discurso, que ele intitulou: De immodica verecundia, no qual, ainda que em parte leva o intento de João de Barros, segue outro caminho, como o pode ver quem ler ambas as obras. (século XVII) (658) Nestas, e outras obras mereceu bem Gaspar Barreiros o nome de sobrinho, e discípulo de João de Barros, ainda que na última recebeu o maior louvor de todos, que foi deixar tudo por amor de Deus, e entrar na Religião de S. Francisco, onde morreu com grande opinião de virtude. (século XVIII) (659) Guarda o decoro, acerta os nomes; e ainda que na ortografia e letra tem imperfeição, pecano menos importante. Tenho a êste pelo mais claro, mais decoroso e melhor seguido soneto; e lhe sinalo o prémio dos epigramas vulgares. (século XVIII) (660) E logo, pelo desembargador-chanceler, foi dito a ele, respondente, que até agora tinha presistido em uma contumaz negativa a respeito de todos os pontos sobre o que tinha sido perguntado, pois ainda que em algumas das perguntas modificara as ditas negativas e confessara alguma parte do que se-lhe havia perguntado, fora sempre em dúvida e de possível, (...). (século XVIII) (661) Durou este repouso a João de Barros perto de três anos, nos quais parece que tratou mais consigo que com livros, porque levando a quarta Década acabada de Lisboa (segundo se vê da sua apologia, que mostra ser feita servindo ainda o ofício) nem a imprimiu neste espaço, nem deu fim à sua Geografia e ainda que as indisposições daquela idade, que já segundo a escritura ia entrando nos anos de trabalho, e dor, podem ser desculpa deste silêncio, assaz a tem também, se tomou este tempo pera si mesmo, pois tantos anos tinha vivido para os outros, e nele se aparelhou para a última jornada, para se não achar naquela hora desapercebido, a qual lhe sobreveio neste terceiro ano a 20 de Outubro de 1570 e foi enterrado em ~ua ermida da invocação de Santo António que está além do rio Arunca no termo de Leiria. (século XVII) (662) Pois, ainda que, desde o tempo da guerra com os Samnitas e outros Povos da Magna-Grécia, pelos anos de Roma 47I , algum Romano começasse a entender e falar o Grego, foi raro; e sòmente para poder entendê-los nas embaixadas e coisas semelhantes é que o aprendiam. (século XVIII) Quando entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva, há a intercalação de um sintagma oracional (exemplos 663 e 664) ou de um elemento de negação (exemplos 665 e 666) o percentual de uso se mantém em 50%. (663) Sei que com os acentos se podem distinguir estas coisas, digo, este último caso; e por isso digo que, ou uma, ou outra coisa, se deve praticar; ainda que eu, por entender que são necessárias, pratico ambas.(século XVIII) 206 (664) Respondeu que já havia dito que ele não lera os ditos livros, por ter reservado a sua lição para o tempo de férias, e que nega que em seus escritos se possam achar preposiçõesque em seu sentido natural contenham princípios a favor das repúblicas e contra as monarquias, e que pareçam extraídas do citado livro, ainda que dando-selhe uma sinistra interpretação o possam parecer. (século XVIII) (665) Para aquele cego de seu nascimento, a quem Cristo abriu os olhos, ainda que NÃO eram novas as quantidades, porque as apalpava, foram novas as cores, porque as não via; já havia cores e luz, mas não havia olhos. (século XVII) (666) Já mandei a V. Ex.a quitação do dinheiro que aqui recebemos, ainda que, NÃO vai por soma de libras, porque não me soube dizer Jerónimo Nunes quantas eram, e V. Ex.a, assim nesta como na outra carta, fala por número indeterminado de vinte sete mil quinhentas e tantas. (século XVII) O sintagma oracional pode promover uma ruptura na estrutura sintagmática, em (663), com o verbo da subordinada concessiva no indicativo. Já o elemento de negação, em (665) e (666), parece gerar um efeito de compatibilidade com a noção de contraste, inserida pela própria oração concessiva, levando o verbo para o indicativo. Nesses dois últimos exemplos, o conteúdo veiculado na oração concessiva é do conhecimento do enunciador. Controlou-se, ainda a relação entre os sujeitos da oração principal e a oração subordinada concessiva. Nas orações em que há identidade entre os sujeitos das orações principal e subordinada, o uso do subjuntivo é de 65%, em oposição a 54% quando as orações apresentam sujeitos distintos (exemplo 670). Parece que quando há coreferencialidade entre os sujeitos, observa-se maior integração entre as cláusulas. (cf. item 1.2). (667) E nam póde ser milhór cautéla que alevantár os olhos pera ver ô que se contém nos vásos que te apresentam, porque, ainda que o médico seja tam leál como éra Felipo, e sua tençám seja dár boa mèzinha, se nam é douto que a sábe regulár, máta o paçiente, porque, muitas vezes, ô que parece saúde nam é sáude, nem a justiça justiça, nem a fazenda fazenda. (século XVI) (668) Acho também citado um certo D. Pedro, Cónego Regular, e um Fr. Heitor Pinto, Jeronimiano, ambos portugueses, por homens mui versados na língua hebraica, ainda que eu não posso formar juízo das tais obras, porque as não vi. (século XVIII) 207 (669) o terceiro não é idolatra , ainda que se ajoelha diante da estatua de Jupiter , porque elle não é gentio, faz figura de gentio. (século XVII) (670) Meu parecer é que V. M. se aparte de tal pensamento, ainda que o apetite lho represente vestido de honra e zelo; porque de ordinário sucede enganar-nos assi com estas belas fantasmas: sendo certíssimo que a fealdade nem a iniquidade das cousas não é a propósito para nos persuadir a elas. (século XVII) O uso do subjuntivo nas orações concessivas apresenta percentual elevado nas proposições em que há o traço de futuridade, apesar do verbo no presente (87%). Nos contextos em que o verbo no tempo presente não apresenta esse traço, o percentual se reduz a 64% (exemplo 674). Esse resultado confirma a hipótese de que a noção de futuridade contribui para a seleção do subjuntivo na oração subordinada. (671) A segunda conveniencia d'este trocado modo de pretender é, que viverão mais descançados os benemeritos . Procurarão sómente merecer, estando muito certos, que, ainda que vivam retirados da côrte , e muito longe dos olhos do principe, lá os irão buscar e pretender as dignidades, como ao Baptista no seu deserto. (século XVII) (672) e a experiência o tem mostrado neste mesmo Estado do Maranhão, em que muitos governadores adquiriram grandes riquezas e nenhum dêles as logrou nem elas se lograram; nem há cousa adquirida nesta terra que permaneça, como os mesmos moradores dela confessam, nem ainda que vá por diante, nem negócio que aproveite, nem navio que aqui se faça que tenha bom fim; porque tudo vai misturado com sangue dos pobres, que está sempre clamando ao céu. (século XVII) (673) nom soomente queyra abre-viar hos annos de seu padre, mas ainda que com maliciosos cometimen-tos se trabalhe de hos acabar mais cedo, ho quaal tu sabe, que jaa mais vive por teu proveyto, que pelo seu, porque quaalquer couza de beem que faz, e ajunta jaa todo he pera ty, e com muitos trabalhos, e despezas afirmou e acre-centou seu Regno, porque tu depois de sua morte podeses viver nelle, gran-de, e poderoso. (século XV) (674) Nos sob hua breuidade do curto estylo, entendemos de se-guir seus excellentes autos, os quaes, ainda que a algus não apraza outros, com aguilho~es da prouei tosa enueja podem espertar a fa- zer semelhantes. (século XV) No que diz respeito à modalidade da proposição, observou-se que o subjuntivo é elevado nas proposições que traduzem uma condição (80%) -- exemplo 675 -- ou uma 208 hipótese (77%) -- exemplos 676 e 677. O indicativo, por sua vez, ocorre nos contextos em que se observa o traço de certeza (86%), como se verifica no exemplo (678). (675) Não serei contudo de voto que se lhe ofereça sem resposta de S. M. , nem ainda que se fale em Tângere, porque êles não nomearam praça, e nós temos também em África Mazagão, a qual se deveria oferecer e pleitear primeiro, em caso que houvéssemos de dar alguma. (século XVII) (676) E neste caso fares concerto sem enbarguo do rompim~eto d'antre o emperador, meu irmão, e el Rey de França, que vos na outra carta sprevo; por que. Ainda que o aja, ey por bem que o façaes, tomandovos o paguamento na maneira sobre dita. (século XVI) (677) Respondeo ElRey : Filho vòs fazeis muito bem, mas crede que me hee tam grave vos-sa partida, e destes Vassallos meus naturaes com que soya estar , e teer continos comiguo , que ainda que vós, e elles fosseis ha cavallo , e eu sempre apée , pareceme ~q me nom enfadaria, nem cansaria tanto, que muito mais nom faça, como faz este apartamen-to ; mas pois he forçado, pesso ha N. (século XV) (678) Mas ainda que experimentaram o engano não perderam o apetite. Esta foi a herança que nos ficou do Paraíso, este o fruto daquela árvore fatal, bem vedado e mal apetecido, mas por isso mais apetecido, porque vedado. (século XVII) O uso do subjuntivo atinge 67% quando a oração concessiva apresenta sentido de negação de inferência. No exemplo (679), o conteúdo expresso na oração nuclear (Não é do mesmo modo violenta a epidemia em todos os lugares) nega a inferência que se pode fazer a partir do que é expresso na oração concessiva, a de que “as qualidades do clima sejam iguais em todos os lugares”. (679) Não he comtudo geral, e do mesmo modo violenta a epedemia em todos os lugares deste Paiz, ainda que as qualidades do clima sejão para todos iguaes. (século XVIII) Nas orações concessivas que exprimem contraste, o uso do subjuntivo se dá em 48% dos casos: no exemplo (680), “separar” se opõe a “unir”. (680) Porque, ainda que a partícula pareça que separa, contudo, no dito caso, a negação é unida ao verbo, e faz com ele um só corpo e sentido, da mesma sorte que entre os Latinos a partícula in unida aos verbos. (século XVIII) 209 O uso do subjuntivo em contextos de restrição é, por sua vez, de apenas 44%. A estrutura concessiva restringe o conteúdo do segmento posposto. (681) Dizem Pessoa comum, que é uma verdadeira ridicularia, porque, ainda que a palavra comum signifique coisa de muitos, deve ter as suas duas terminações em Português, assim como tem no Latim, em que explica diferentemente o neutro, e o superlativo Communissimus temtrês mui redondas. (século XVIII) A análise da variável Estatuto informacional dos segmentos concessivos mostra que o percentual de uso do subjuntivo é mais alto nos contextos que veiculam uma informação nova (83% - exemplo 682), em oposição aos contextos com informação dada (43% - exemplo 683). (682) Na minha precedente eu te esclareci sobre o estado das cousas para tu fazeres ver a quem tu sabes: agora eu não escrevo por estar o portador digo o Paquete a sahir e mesmo por que a estas horas melhor orientados esta-= rão, porem sempre te direi que o unico meio de sahir de tantos embarassos tu o não ignoras, possa elle, e queira. Aqui se instalou huma Sociedade Mi-litar, mas ainda que o Governo ficasse hum pouco preplexo, com tudo eu d’ahi não espero nada, porque sei o quanto esta classe está degenerada, e não he provavel que agora dezarmada, pobre, e descriminada [2] opere o que não fez quando influente, e no maior [?auge] guado poder. (século XIX) (683) Esta mesma imperfeição tem a língua Tudesca, tanto nas letras vogais quanto nas consoantes, das quais muitas vezes ajunta cinco, e seis ~ua sílaba, e são tão ásperos na pronunciação que todos os nomes ainda que sejam de muitas sílabas, os fazem na expressão monossílabos. Na língua Italiana não é este erro da Ortografia tão frequente, porém também participa dele assaz, pois pronunciando. (século XVII) A informação presente na oração concessiva, em (682), a de que “o governo ficasse perplexo” não é fornecida anteriormente. Em (683), a idéia de que “os nomes sejam formados de muitas sílabas”, que vem expressa na oração concessiva, já foi referida na oração anterior, quando se diz que tanto as letras vogais quanto as consoantes se ajuntam cinco ou seis em uma sílaba. Observe-se, ainda, que, no exemplo que veicula informação nova, a oração concessiva antecede à matriz, uma vez que essa ordem se relaciona com a organização 210 discursiva, de antecipação da inferência, ao passo que o contexto com informação dada ocorre posposto à matriz. No que se refere ao conteúdo da construção concessiva, observou-se que, nas construções de adendo, que fornecem uma informação adicional ao período, geralmente de caráter avaliativo, a presença do subjuntivo é categórica, tal como ocorre em (684). (684) Esta é a diferença que não nós, senão os nossos tempos, fazem aos Antigos: nos Antigos reconhecemos a vantagem da sabedoria, nos nossos a fortuna da vizinhança. Se estamos mais perto dos futuros com igual luz (ainda que não seja com igual vista), porque os não veremos melhor? (século XVII) Para confirmar o padrão de distribuição de uso por gênero e época, nas orações concessivas com o conector ainda que, foi necessário fazer uma análise conjunta das duas variáveis. À primeira vista, poder-se-ia concluir que o uso do subjuntivo está mais diretamente atrelado à variável gênero textual que à época de produção do texto. Contudo, se analisarmos, mais atentamente, a Tabela 16, a seguir, é possível observar, por exemplo, que (i) no gênero carta oficial, nos séculos XIV e XV, o uso do subjuntivo é categórico, mas, no século XVI, já é de 79%; e (ii) no texto de conteúdo religioso, o percentual que era de 87%, no século XIV (Diálogos de São Gregório), passa a ser categórico no século XV (Vida de Santos). Parece que se está diante de uma variação de texto para texto que pode depender do gênero textual, do tema e até mesmo, muitas vezes, da época. É importante lembrar ainda que o gênero carta não pode àquela altura ser considerada uma tradição discursiva17, uma vez que suas marcas não estavam ainda bem 17 Nas palavras de Kabatek (2006. p. 512), a Tradição Discursiva (TD) constitui a repetição de um texto ou de uma forma textual ou de uma maneira particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio (portanto é significável). Pode-se formar em relação a qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de conteúdo, cuja repetição estabelece uma relação de união entre atualização e tradição; qualquer relação que se pode estabelecer semioticamente entre dois elementos de tradição (atos de enunciação ou elementos referenciais) que evocam uma determinada forma textual ou determinados elementos lingüísticos empregados. 211 definidas e sedimentadas, dependendo do remetente e do destinatário. Por exemplo, Cartas, como as do Mosteiro de Chelas (séculos XIV e XV), a Carta de Caminha e as Cartas de Comércio, que apresentam caráter documental, registram sempre uso categórico do subjuntivo, enquanto Cartas familiares (século XVIII) já possibilitam uso variável do subjuntivo. Assim, mesmo em textos, agrupados sob um mesmo rótulo, o conteúdo veiculado é também uma variável a ser levada em conta. 212 Século Gênero Textual Oco⁄Total XIV Carta oficial (Mosteiro de Chelas) Foro de Garvão (Notarial) Diálogos de São Gregório (Religioso) Livro das Aves (Tratado) Carta oficial (Mosteiro de Chelas) Crônica histórica (D.Afonso Henriques, D. Dinis, D. João I) Vida de Santos (Morte de São Jerônimo, Vida de Tarsis, Vida de Santa Pelágia) Carta Oficial (D. Duarte Coelho ao rei, D. João III) Carta de Caminha Diálogos (Anexos à Gramática de João de Barros) Carta familiar (F. M. de Melo, Cartas a Vieira) Discurso de vários políticos Carta (Manuscrito mãos inábeis) Sermões de Vieira (História do Futuro, Sermões) Carta Oficial (Cartas de Comércio PHPB) Carta pessoal (PHPB) Autos Jurídicos (Autos da Devassa) Instrucional (Manual de português) Peça Teatral (PHPB) Descrição Geográfica do Distrito de Campos – RJ (Técnico-descritivo) Carta de leitor/redator (PHPB) Carta Pessoal (PHPB) Editorial (PHPB) Notícia (PHPB) Peça Teatral 3⁄ 3 1/1 7⁄ 8 0/1 1⁄ 1 11⁄18 % de uso do subjuntivo 100 100 87 0 100 58 2/2 100 15⁄19 79 1⁄ 1 5⁄ 6 100 80 38⁄65 60 13⁄49 0⁄ 1 36⁄61 29 0 59 2⁄ 5 40 0⁄ 6 12⁄18 43⁄50 0⁄ 1 3⁄ 5 0 66 84 0 60 0⁄ 2 4⁄ 4 1⁄ 2 3⁄ 3 11⁄27 0 100 50 100 40 XV XVI XVII XVIII XIX Tabela 16. Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector ainda que em relação ao gênero textual analisado em cada século Quanto ao tipo de seqüência18 – narrativa ou argumentativa –, só fica nítido que o uso do subjuntivo ocorre na argumentação. 18 Quando se classifica certo texto como narrativo, descritivo ou dissertativo, se está determinando a tipologia textual determinante, ou seja, o “modo” em que foi produzido. 213 (685) Tambem veo muito a propósito para me fazer ser breve, ainda que vá contra o que devo, como diz o nosso Camões; mas quanto é para o que eu tenho que vos dizer, o menos é o melhor. (século XVII) Ao final da análise variacionista, já na etapa Varb2000, pôde-se constatar que as variáveis significativas em relação ao uso do subjuntivo são: (i) modalidade da proposição; (ii) estatuto informacional dos segmentos concessivos; (iii) época; (iv) tempo do evento em relação ao momento da enunciação; e (v) identidade entre os subjeitos da oração principal e da subordinada. O subjuntivo, com input geral de .60 é preferencialmente usado quando (i) há a idéia de condição ou hipótese; (ii) se trata de informação nova; (iii) ocorre em textos dos séculos XIV, XVI e XVIII -- com as ressalvas feitas em relação à análise compósita gênero/época; (iv) apresenta noção de futuridade, ainda que o tempo morfológico seja o presente; e (v) os sujeitos são idênticos. Apresentam-se, a seguir, as Tabelas 17 a 21, com percentuais e pesos relativos correspondentes a cada variável selecionada. Modalidade da proposição Condição Hipótese Certeza (Pressuposição) Oco⁄Total 4/5 199/260 14/100 % 80 77 14 Peso relativo .85 .67 .12 Tabela 17. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a modalidade da proposição Como se pode ver, na Tabela 17, o subjuntivo apresenta peso relativo superior nas proposições que traduzem condição e hipótese, por apresentarem maior grau de subjetividade, em oposição às que indicam certeza, em geral, com conteúdo objetivamente comprovado. Os contextos que veiculam informação nova selecionam preferencialmente o subjuntivo e tendem a apresentar orientação argumentativa diferente daquela observada nos casos em que se veicula informação dada (Tabela 18): na primeira, parece haver maior grau de subjetividade, sobretudo porque se podem introduzir suposições, já que as informações não 214 foram submetidas à análise anterior; na última, o conteúdo da proposição já é conhecido pelo enunciador, com menor grau de subjetividade (cf. exemlos 682 e 683). Estatuto informacional dos segmentos concessivos Informação nova Informação dada Oco⁄Total % Peso relativo 121⁄146 96⁄222 83 43 .70 .36 Tabela 18. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com o estatuto informacional dos segmentos concessivos A diferenciação entre os pesos relativos de cada época apresenta relação direta com a diversidade de gêneros textuais analisados. Além disso, é importante ressaltar que não há, na análise, uma homogeneidade, entre os gêneros textuais nos diferentes períodos de tempo, uma vez que alguns desses materiais são escassos, o que dificulta certas generalizações. Ao que parece, o uso do subjuntivo apresenta redução nos pesos relativos a cada dois séculos, nas seqüências temporais (i) XIV, XVI e XVIII e (ii) XV, XVII e XIX. Época Século XIII Século XIV Século XV Século XVI Século XVII Século XVIII Século XIX Oco⁄Total 1/1 10/12 14/21 21/26 87/172 60/95 24/41 % 100 83 67 82 51 63 59 Peso relativo -.82 .49 .74 .37 .71 .28 Tabela 19. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a época analisada Nos contextos em que se verifica a idéia de futuridade, de realização vindoura, o uso do subjuntivo prevalece (.76). Tempo formal⁄semântico Presente com idéia de futuridade Presente Passado Oco⁄Total 34⁄39 133⁄207 43⁄111 % 87 64 39 Peso relativo .76 .52 .36 Tabela 20. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com o tempo do evento em relação ao momento da enunciação 215 Quando há correferencialidade entre os sujeitos da oração matriz e subordinada, percebe-se maior integração entre as cláusulas, selecionando-se o subjuntivo na subordinada. Identidade entre os sujeitos das cláusulas Sujeitos idênticos Sujeitos diferentes Oco⁄Total 114/176 103/192 % 65 54 Peso relativo .58 .43 Tabela 21. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a identidade entre os sujeitos das cláusulas Como quer que Foram registradas 113 orações concessivas com o conector como quer que, com freqüência geral de uso do subjuntivo de 88%. Século XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX Oco de subj./ Total 2/2 76/80 20/27 0/2 0/1 -1/1 -- % (subj.) 100 95 74 0 0 -100 -- Tabela 22. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector como quer que ao longo dos séculos Quando o conector é como quer que, a ordem dos constituintes oracionais não parece interferir no uso do modo verbal: seja a subordinada anteposta (exemplo 686), posposta (exemplo 687) ou intercalada (exemplo 688), o percentual de uso do subjuntivo é muito semelhante (Tabela 23 a seguir). (686) Contou amy / muitas marauilhas dos moies / daquel moesteiro. E como quer que a / my nebrem muitas coussas que me disse. d'alguas coussas me calarey. Porque entendo adizer / outras de que hei mayor cuydado. (século XIV) (687) porque crecia aquel sancto / mancebo honrrado cada dia deb~e / em milhor e fezeo livre com to/dollos outros que con el morauã/ na uilla. Porque eram seus servos./ como quer que sempre fosem chrisptááos. (século XIV) 216 (688) Quã- do ElRey D. Affonso vio que nom podia achar este Santo Corpo, co-mo quer que muito lhe pezasse, re- meteo seu pezar à voõtade de Deos, que por entam parecia ser aquella, e da ly tornouse para Coimbra. (século XV) Posição da oração concessiva Oração concessiva⁄ Oração Principal Oração Principal⁄ Oração concessiva Oração concessiva intercalada Oco⁄ Total 53⁄62 38⁄42 8⁄ 9 % 85 90 89 Tabela 23. Posição da oração subordinada concessiva com o conector como quer que O tipo de elemento interveniente pode funcionar como elemento favorecedor ou inibidor do uso do subjuntivo em raríssimos casos, como se pode verificar na Tabela 24. Tipo de elemento interveniente Sintagma adverbial (SADV) Sintagma nominal (SN) + Sintagma adverbial (S ADV) Sintagma Oracional (SO) Conector Clítico + elemento de negação Elemento de negação SN⁄SADV + Clítico Intensificador Clítico SN⁄SADV + elemento de negação Sintagma nominal (SN) Série de elementos Oco⁄ Total 7⁄7 2⁄2 1⁄1 1⁄1 1⁄1 6⁄6 2⁄2 1⁄1 12⁄14 5⁄6 29⁄36 7⁄10 % 100 100 100 100 100 100 100 100 86 83 81 70 Tabela 24. Relação entre o tipo de elemento interveniente entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva Apenas quando ocorre um clítico (exemplo 689) ou um SN isolado (exemplo 690) e uma seqüência de elementos (exemplo 691) é que o uso do subjuntivo deixa de ser categórico (Tabela 24). (689) O Padre disse que era bem feito, como quer que se marauilhou mui to por lhe assi responder, sendo ho mem nouo de dias, & falou com sua Mãy Erea Gonçaluer todo o que lhe com elle auiera, encom dandolhe que o demouese que consentisse em tal casamento. (século XV) (690) E então se alçou o Mestre, & pozse em giolhos ante a Rai- nha, & o Mestre começou de di zer, Senhora, aquelle, que não erra não tem que pedir perdão, & eu, pois vos errey, he rezaõ que vo lo peça, como quer que Deus sabe, que minha 217 entenção naõ foy devos errar, nem fazer nojo, nem despra zer, mas porque esta cousa, que eu fiz, se me àzou de ser feita em vos sos Paços, porem vos pe;o por mer ce que me perdoeis, ca este homem que matey, naõ o fiz por vos fazer nojo, nem deshonra, mas fizeo por segurança de minha vida. (século XV) (691) Estonce foy feito Priol Dom Pedralverez seu filho,como quer que Dom Frey Aluoro Gonçaluez Camelo,que então era Comendador de Poya res, tinha direito no Priorado,mas fezeo fazer ElRey Dom Fernan- do. (século XV) Da mesma forma que com o conector ainda que, a presença do subjuntivo é quase categórica (95%) nos contextos em que há identidade entre os sujeitos da oração subordinada e da principal. Quando os sujeitos da oração subordinada e principal são diferentes o percentual cai para 80% (exemplo 693). (692) Sam Gregorio dise . deus / por elle fez amostra mo e emssy / namo. Gregorio: ~ Sam gregorio dise . como quer / pedro que este sancto home / fose aoutros lugares morar . pero / nom pode fugir aas persigyiçoes / doemigo do linguagem d'adam. (século XIV) (693) E como quer que eu mais quesera ser ocupado em dar razão dos seus feitos que dos alheos, primçipallmemte pellas muytas virtudes que sempre nelle conheçi e por ser mais obrygado a elle que a outra allguna pessoa terreall, elle nunca me em ello quis leixar obrar segumdo meu desejo , amte per muitas vezes me rrequereo e encomemdou que me trabalhasse d'ajumtar e escrever os ditos feitos, primçipallmemte por louvor e glória daquelle comde e dos outros nobres e virtuosos barões que com elle. (século XV) Quando há o traço de futuridade, a presença do subjuntivo é categórica. Ao que tudo indica, isso se aplica a todos os conectores. (694) E pollas moradas / d'alguus aquese sobia e tamgia / a neuoa e ofedor que dorryo que rrecodia . / emtendemos aquelles que como / quer que façã mujtas mujtas obras boas .pero / aymda ham mujtas cujdaçoees / dos deleitos dacarne aque comsem / te . e he muy gramde justiça de deus. (século XIV) Confirmando o que já foi dito, os contextos que traduzem uma hipótese (exemplo 695) favorecem a presença do subjuntivo (94%), enquanto os que indicam certeza tem seu uso diminuído (74%). No exemplo (696), a noção de certeza se aplica ao contexto. 218 (695) como quer que auoz / perqueo chamasem fosse pquena. e abrio logo os olhos . e swspois que / uio obispo . disse. Ay e quefezeste./ / Ay e quefezeste. (século XIV) (696) esto como quer que convem ha todos, muito mais cabe em hos Principes , e Reys fazelo, cuja mayor excellencia de seu nome traz lo-guo mayor obriguaçaõ de seu carreguo, que hee serem Reys postos por Deos. (século XV) A presença do subjuntivo é categórica nos contextos que encerram contraste (exemplo 697). Nas proposições em que há restrição (exemplo 698) ou negação de inferência (exemplo 699), o uso é variável, mas o percentual do subjuntivo atinge quase 90%. (697) P / ois pedro que maraujlha he que diga / mos nos que estes som marteiros que semper deseiarõ marteiro como quer que nunca / fossem marteirados . ca nõ chegarom ao / tempo e que os prinçipes martirauã os / christaãos e e quanto uiuerõ fezerõ ujda. (século XIV) (698) Ecomo quer que este sam paullo fosse / ao terçeiro çééo e ouuesse hi mujtos / segredos de deus pero tamto foy oamor / que ouue aaquelles que tem fe de christo. (século XIV) (699) E por qquese temeo que os / emijgos lhe fezessem mal. como quer / que afe de christo noso senhor nom / ouuese pero fez osynal da cruz sobre / ssy perase defemder dos emijgos. (século XIV) No exemplo (699), o conteúdo expresso na oração nuclear (“fez osynal da cruz sobre ssy perase defemder dos emijgos”) nega a inferência que se pode fazer a partir do que é expresso na oração concessiva, a de que “afe de christo noso senhor nom ouuese”. O uso do subjuntivo é quase categórico quando as proposições trazem informação nova (91%). (700) porque crecia aquel sancto / mancebo honrrado cada dia deb~e / em milhor e fezeo livre com to/dollos outros que con el morauã/ na uilla. Porque eram seus servos./ como quer que sempre fosem chrisptááos. (século XIV) 219 As construções de adendo se restringem a duas ocorrências, uma no subjuntivo e outra, no indicativo, não sendo possível chegar a determinadas conclusões. (701) D. Sancho seu filho, e como quer que jàa tenhamos dito, juntamen-te que ElRey D. Affonso teve tres filhas, e que huma dellas cazara com ElRey D. Fernando de Liaõ, e outra com ho Conde D. Rey- mon de Barcelona, e outra com D. Felippe Conde de Frandes, nes- ta era acima dita de mil e cento e oytenta e quatro annos. (século XV) (702) mas a eses a quem Vossa Alteza la faz mercê de brasill como quer que lhe custa pouco nem estão com os trabalhos e fadigas e nos peligros e derramamento de sangue em que eu senhor estou e ando. (século XVI) Quanto ao gênero textual em que ocorre a oração subordinada concessiva com o conector como quer que, verificou-se que não há uma distribuição equilibrada dos dados nos textos analisados. O uso do subjuntivo é variável tanto nos textos de caráter religioso -- Diálogos de São Gregório, Vida de Santos -- quanto nos textos documentais – Crônicas históricas. No único dado em que se registra o subjuntivo em cartas pessoais, o subjuntivo é modo selecionado, em um contexto em que a expressão “como quer que” parece equivaler à “da maneira que”, com nuance modal (exemplo 703), dado já analisado na seção anterior (item 4.2.1). (703) A sessão vae adiantada, e as aspirações provinciaes ameação tudo complicar, á iniciativa dequalquer medida parcial, e por isso já se trata de uma autorisação, que, se passar muito aproveitará á estrada deBatu-rité ! [ espaço] como quer que seja, fique V ossa Ex celência certo de que a sua intervenção neste negocio dá-lhe para mim o cunho de interesse publico, e que farei quando esteja de minha parte para que essa empresa seja auxiliada. (século XIX) 220 Século Gênero Textual Oco⁄Total XIII XIV XV Foros (Afonso X) Diálogos de São Gregório (Religioso) Carta Oficial (Mosteiro de Chelas) Crônica histórica (D.Afonso Henriques, D. Dinis, D. João I) Vida de Santos (Morte de São Jerônimo, Vida de Tarsis, Vida de Santa Pelágia) Carta oficial (D. Duarte Coelho ao rei) Carta de Caminha Discurso de vários políticos Carta pessoal (PHPB) 2⁄ 2 76⁄80 1⁄ 1 17⁄22 % de uso do subjuntivo 100 95 100 77 2⁄ 4 50 0⁄ 1 0⁄ 1 0⁄ 1 1⁄ 1 0 0 0 100 XVI XVII XIX Tabela 25. Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector como quer que em relação ao gênero textual analisado em cada século Mais uma vez, o subjuntivo só é selecionado nas proposições que traduzem argumentação (exemplo 704). Nos casos em que o indicativo ocorre, a proposição se encontra em contexto narrativo (exemplo 705). (704) Cid Rey Mouro, nem Abderaza-ca que teve ho senhorio della trin-ta e quatro annos, ho que parece-rà cousa muito de maravilhar quã-dose ouvir, que semilhante Villa foy tomada por ElRey D. Affonso Anriques com tam pouqua gente, e como quer 'q elle cuydasse mui-tas vezes em seu pensamento co-mo ha poderia tomar por força, ou por algum despercibimento. (século XV) (705) e teer Lixboa con- tra ElRey seu padre, e ElRey es-tando em Santarem, e seendo cer- tifiquado da maneyra em que ho Ifante ya, ouve taal atrevimento por grande seu desprezo, ca pare-cia nom aver alguu~ temor, nem vergonha delle, nem de sua justia, especiaalmente pelo Ifante vir com tantos omiziados tam junto delle, e como quer que ho seu primeyro movimento foy acodir logo ha eso com mais trigana, e moor aspereza. (século XV) Embora Registraram-se apenas 33 ocorrências com o conector embora, com a presença quase categórica do subjuntivo (94% das ocorrências). Registraram-se apenas duas ocorrências no modo indicativo: uma no século XIX e outra, no XX. 221 (706) Responderião: q ue q uanto a desp achos q ue elle andava aservir os S enhor es de Pa la vra [1] q eu ahi he q ue deveria pe- dir o desp acho ou a Proposta pa ra elle, e queixar- se m uito embora se lha não davão: mas q ue podia contar ainda com alguns a migos aqui; e q ue com hum q ue deixa Reconhecer como tal, Joze Egydio, tinha eu faltado aseu Resp eito não muito tempo antes. (século XIX) (707) Aproveitou-se também da memória curta do povo brasileiro, embora a maioria nem sequer soube das atrocidades daquela época. (século XX) Nos exemplos (706) e (707), há uma série de elementos intervenientes, o que talvez possa explicar o uso do indicativo. Nessas duas orações, também não há identidade entre os sujeitos da oração principal e da oração subordinada concessiva, dois fatores que já se mostraram atuantes com outros conectores. Com este conector, a variável ordem tem um papel fundamental, já que quando a oração concessiva antecede a oração principal, o uso do subjuntivo é categórico (exemplo 708). À semelhança do que ocorre com o conector concessivo ainda que, a variável ordem se relaciona com a organização discursiva, de antecipação da inferência. (708) Embora o Ministro do SNI tenha garantido que vai cumprir a nova Constituição, liberando as informações pessoais requeridas pelos cidadãos vivos- de acordo com o habeas-data-ele próprio admitiu restrições segundo os interesses de "segurança da sociedade e do Estado. (século XX) De todo modo, o uso do subjuntivo vem se tornando variável: no século XIX, o indicativo ocorre em uma carta pessoal; no século XX, em um editorial, com verbo no passado. Século XVII XIX XX Oco de subj./ Total 2/2 21/22 8/9 % (subj.) 100 95 89 Tabela 26. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector embora ao longo dos séculos 222 Pero/ Empero (que) Foram registradas 58 orações concessivas com o conector pero⁄empero (que), que se mantém até o século XVII, dentre as quais 79% se encontram no subjuntivo. Ao que parece, à medida que esse conector adquire o traço concessivo, o uso do subjuntivo passa a ser categórico. Século XIII XIV XV XVI XVII Oco de subj./ Total 30/37 4/6 2⁄ 4 9/10 1/1 % (subj.) 81 67 50 90 100 Tabela 27. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector pero⁄empero(que) ao longo dos séculos Sem levar em conta a variável época, o que parece interferir no uso variável do subjuntivo é a posição em que a construção concessiva está inserida: em todos os casos em que a oração com pero (que) se encontra intercalada (exemplo 709), a presença do subjuntivo é categórica. Nos casos em que a oração concessiva antecede a oração principal (exemplo 710), o subjuntivo apresenta freqüência de 83%; e quando a oração concessiva está posposta à principal (711), esse percentual se reduz para 71%. (709) Toda molh(er) uyuuoa, pero q(ue) aya padre ou madre, possasse casar sen mandado delhes se quis(er) e non aya nenhu~a pe~a poren de a desherdarem. (século XIII) (710) E peró que algumas vezes, em matérias gráves, deçessem a cousas jocósas e fizéssem digressões, reçitando ditos e opiniões gentias, nem por isso ôs enevergonhou o juizo alheo. (século XVI) (711) PÁI – Porque se nam pódem particularizár quantas tem ésta paixám, poerei sòmente, três géneros deles, debáixo dos quáes estám muitas espéçias, que, no discurso da prática, irás alacançando, peró que de todos nam tráte. (século XVI) 223 No único caso em que o elemento interveniente constitui (i) um sintagma oracional (exemplo 712) ou (ii) um sintagma nominal seguido de um clítico (exemplo 713), o verbo da oração subordinada concessiva ocorre no indicativo. (712) empero que o filho que no~ e´ d(e) beeçon no~ deue h(er)dar segu~do o q(ue) manda a ley, pero se el rey lhy quis(er) faz(er) m(er)cee podeo faz(er) legitimo e seya erdeyro tan bem como se fosse d(e) beeçon. (século XIII) (713) emp(er)o q(ue) todalhas cousas se pode~ uender e sse pode~ cambhyar, pero su~ cousas que [no] se pode~ uender e |no~| se podem cambhyar, assy como calz sag(ra)do ou uestime~ta sagrada e as cousas que son spirituaes q(ue) pode be~ ca~byar hu~a eygreya cu~ out(ra) |spiritual como e´ sobre d(i)to. (século XIII) Assim como ocorre com outros conectores, tais como ainda que e embora, o percentual de uso do subjuntivo, na oração subordinada concessiva com pero, é mais elevado quando há identidade entre os sujeitos da oração principal e da subordinada (86%). (714) Nuno Alue- rez però que fosse moço, & quan- do esto ouuio,disse que lho tinha em grande merce,& que prazeria a Deus que ainda lho seruiria cõ boõs merecimentos,& beijoulhe as mãos por ello. (século XIII) O traço de futuridade, mais uma vez, constitui um elemento favorecedor ao uso do subjuntivo na oração subordinada. (715) Se alguu louco ou sandeu fez(er) p(re)yto dementre que a sandiçe enel durar no~ ualha, mays se enalguu tempo cobrar en seu sen [e] em seu siso, o preyto que fez en tal tempo ualla, pero que depoys torne en sa loucura. (século XIII) (716) O marido da molh(er) qual quer no~ possa uender ne~ alhear arras q(ue) der a sa molh(er), pero q(ue) ella outorgar. (século XIII) No que se refere à modalidade da proposição, o uso do subjuntivo na oração concessiva com o conector pero é mais freqüente quando há a noção de hipótese (97%exemplo 717); é neutro nos contextos que encerram condição (50% - exemplo 718) e, menos freqüente, quando indicam certeza (47%- exemplo 719). 224 (717) Se o deuedor que e´ dado fiador de paguar a p(ra)zo se no~ paga ao prazo, o ffiador possa pagar a deuida, pero que lho deffe~da o deuedor, e possa depoys demandar aaquel que o meteu por fiador por todo quanto el pagar polla fiadoria. (século XIII) (718) Qvando alguu~ quis(er) faz(er) sa manda, as testimonhas que q(ui)s(er) q(ue) seyan ena manda façaas todas rogar ou as rogue, ca se no~ foren rogadas ou conuidadas no~ deue~ seer testemo~hyas nen pesquisas da manda, pero ena manda seya ma~dado algua cousa a alguu delles no~ [o] possa deytar de testemonha [...] pero o h(er)deyro no~ possa seer testimonha na manda p(er) q(ue) e´ h(er)deyro. (século XIII) (719) E pero as por/ tas daegreia estrauç abertas e agua/ corresse deredor da egreia. ella nä entrou/ dentro na egreia mais estaua ante a / porta da egreia como muro forte e firme. / e nä como agua que corre segundo sua na/ tura per hu nä acha embargado. (século XIV) Nos contextos em que há negação de inferência (exemplo 720), o percentual de uso de subjuntivo é de 85%; os que traduzem restrição (exemplo 721), 74%; e o único dado que encerra contraste ocorre no subjuntivo (exemplo 722). (720) Assi, o sojeito de que tráta a virtude, peró que seja máis puro que ô da vergonha, nem por isso leixa éla de ser louváda, por razám dos efeitos que déla procédem, cá denotam ânimo generoso. (século XVI) (721) Se herdeyros ou outros omees ouuere~ | d|algu~a cousa de consuu que non seya p(ar)tida, pero que huu delles seya teedor da cousa no~ se possa deffender p(er) tempo que no~ de´ seu dereyto a cada huu dos outros q(ua)ndo quer que lho demandaren. (século XIII) (722) O tabernáculo do Senhor, peró que fosse ornádo de tanto ouro, pédras preçiósas, panos de sitim, e com outros ornamentos de gram preço, também mandou que fosse ornádo com péles de carneiros e doutras alimárias de vil preço <Exo. XXVI. i>. (século XVI) O estatuto informacional é também em relação a esse conector uma variável significativa: nos contextos que veiculam informação nova (exemplo 723) o uso é de 93%; quando a informação já é dada (exemplo 724), o percentual de uso se reduz a 68%. (723) F<ILHO> – Paréçe que menos autoridádes bastávam pera os hómens sentirem quanta obrigaçám tem de ensinár a doutrina de Cristo, prinçipalmente aos filhos, cá deles, per lei de obediênçia, com máis amor reçeberám sua doutrina, pois espéram de lhe[s] herdár sua herança. 225 P<ÁI> – Aqueles que ô pódem fazer (peró que aí [h]ája levitas que ô reprendam, como essoutro reprendia a mi), meu conselho seria criár, ante, os filhos aos peitos de boas doutrinas, que entregá-los a poder de amas ou amos, que põem máis amor no preço da criaçám que no criádo. (século XVI) (724) Nenhuu ome no~ possa desfaz(er) uenda que faça por diz(er) ca uendeo mal o seu, empero que seya uerdad(e), foras ta~to se aquelho que uendeu ualha dous ta~to mays que no~ o porq(ue) o deu, ca p(er) tal razo~ be~ se deua desfaz(er) a uenda ou a (con)pra, |E| se o (con)prador no~ quis(er) dar o p(re)ço, ca en poder e´ de o (con)prador desfaz(er) a uenda ou d(e) dar o p(re)ço dereyto est reteer o q(ue) (con)prou p(er)a sy se quis(er). (século XIII) Com este conector, em proposições que encerram uma informação adicional (fundo), a presença do subjuntivo é categórica. (725) Toda molh(er) uyuuoa, pero q(ue) aya padre ou madre, possasse casar sen mandado delhes se quis(er) e non aya nenhu~a pe~a poren de a desherdarem. (século XIII) A presença do subjuntivo ocorre em gêneros de textos diversificados, como se pode ver na Tabela 28. Século Gênero Textual Oco⁄Total XIII XIV Foros (Afonso X) Diálogos de São Gregório (Religioso) Livro das Aves (Tratado) Carta oficial (Mosteiro de Chelas) Crônica histórica (D.Afonso Henriques, D. Dinis, D. João I) Vida de Santos (Morte de São Jerônimo, Vida de Tarsis, Vida de Santa Pelágia) Diálogos (Anexos à Gramática de João de Barros) Carta (Manuscritos mãos inábeis) 30⁄37 3⁄ 5 1/1 1⁄ 2 2⁄ 2 % de uso do subjuntivo 81 60 50 50 100 0/3 0 9⁄ 9 100 1⁄ 1 100 XV XVI XVII Tabela 28. Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector pero/empero (que) em relação ao gênero textual analisado em cada século 226 As proposições argumentativas apresentam 79% de uso do subjuntivo. (726) E outrosy ella no~ nas possa uender ne~ baratar mal nen alhear dementre que o marido uiu(er), pero que elle outorge, nen depoys de ssa morte e mentre fillos ouu(er), seno~ a quarta parte delhas assy como manda a ley. (século XIII) Posto que Das 100 ocorrências registradas com o conector concessivo posto que, 58% foram registradas no subjuntivo. Do universo das orações intercaladas, com número insignificante de dados (5 oco), 80% foram registradas no subjuntivo (exemplo 727), enquanto do universo de antepostas e pospostas, há um equilíbrio maior entre subjuntivo e indicativo: 57% versus 43%, em ambos os casos (exemplos 728 e 729, respectivamente). (727) "As sentenças e resoluções dos autores, posto que sejam católicos, mui louvados e estimados por sua ciência e doutrina, não as devemos ler como escrituras canônicas. (século XVI) (728) E posto que pereçam per caso / furtujto ou nõ furtujto que lhes auj~r posa que as dictas pessoas torne~ / todo a rrefazer. (século XV) (729) E era en- taõ naquelle tempo costume , que todos hos filhos dos Reys se chama-vão Reys , e has filhas Rainhas, pos-to que fossem bastardos. (século XV) Quanto à presença de elementos intervenientes entre o conector concessivo posto que e o verbo da oração subordinada concessiva, o quadro é o seguinte (Tabela 29). 227 Tipo de elemento interveniente Clítico Sintagma nominal (SN) + Sintagma adverbial (S ADV) Intensificador SN⁄SADV + Clítico Sintagma Nominal (SN) Sintagma adverbial (SADV) Sintagma Oracional (SO) SN⁄SADV + elemento de negação Série de elementos Elemento de negação Clítico+negação Oco⁄ Total 1⁄ 1 6⁄ 6 1⁄ 1 6⁄ 7 9⁄18 3⁄ 7 1⁄ 5 2⁄ 7 4⁄ 7 1⁄ 3 0⁄ 7 % 100 100 100 86 50 43 20 29 57 33 0 Tabela 29. Relação entre o tipo de elemento interveniente entre o conector posto que e o verbo da oração concessiva Com este conector, a seqüência clítico+negação não leva o verbo da oração subordinada concessiva para o subjuntivo. (730) Santo Agostinho também teve a mesma opinião de Lactâncio, posto que lhe não contentaram os seus fundamentos, os quais impugna no livro das suas Categorias; mas no livro XVI De Civitate Dei, resolve que se não deve crer que há Antípodas, com palavras de tanta segurança como as seguintes. (século XVI) A presença do subjuntivo é menos freqüente quando a oração apresenta como elemento interveniente um sintagma oracional (exemplos 731 e 732) ou uma série de elementos (exemplo 733). (731) Este sentimento, que foi de muitos filósofos antigos, se tinha entre os Padres por verdade muito certa e averiguada, negando geralmente a opinião ou fama de haver os que já então se chamavam Antípodas, posto que os princípios por que os Padres os negavam, não eram entre todos os mesmos. (século XVI) (732) No estilo do meio compuseram os seus Diálogos Fr. Heitor Pinto, Francisco de Morais, e Jorge Ferreira, que em seu tanto não se prezam menos; posto que os dous últimos, por se não imprimirem, não são tão comuns a todos. (século XVII) (733) E posto que todo este tão largo Prolegómeno, em rigor, não seja História do Futuro, senão preparação ou aparato para ela, à imitação de Barónio e de outros autores, que com menos necessidade o fizeram em suas obras e histórias, esperamos que a matéria, por sua grande variedade e diligente erudição de cousas curiosas, e pela maior parte até agora não tratadas, não será injucunda aos que a lerem, e que possa sem enfado 228 entreter a expectação e desejo da mesma História, enquanto não sai à luz, que será, como em Deus esperamos, muito brevemente. (século XVII) Se há a presença de um sintagma nominal (exemplo 734) ou um sintagma adverbial (exemplo 735) como elemento interveniente, a freqüência de uso do subjuntivo é de 50% e 43%, respectivamente. (734) E telha E pregadura E as terras de laurar E ssemear E asy de todollos outros /adubíos que lhe forem necessaríos E conpridoíros E posto que as cassas peresçam per quall/quer casso furtujto que auí~j'r possa que o dicto gonçallo lourenço E sua molher E persoa as façã / E Refaçam de todo o que lhe conprir. (século XV) (735) Posto que neste ano de 1546 tenha escrito por tres vezes a Vossa Alteza damdo lhe conta das cousas de qua e asi de alguas cousas que me pareçeo seu serviço. (século XVI) Quando entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva, há a intercalação de um elemento de negação, acompanhado ou não de outros elementos, a freqüência de uso do subjuntivo não ultrapassa 33%. (736) E porque minha tença~ he, quando dou as taes licenças pera as ditas camaras e vynhos, que as cargas se ffaçam naqueles lugares em que nam ocupe~ ne~ tolhão o gasalhado da gemte, ffaze~dose primeiro pera os ffidallgos e pesoas de calydade, posto que pera iso nã tenhão meus allvaras, e depois pera os outros; e que os vinhos se carreguem depois das naaos terem tomada cargua das mercadorias e mantimentos que hão de llevar, e asy a agoa necesaria. (século XVI) (737) E asy lhes serão paguas as dividas que nas ditas casas lhe forem dividas, ou aquela parte d'elas que o dito comde mandar, sem pera iso ser necesario meus mandados, porque por este ey por bem e mando que os que ele pera iso pasar se cumprão e guardem imteiramente como se por mim fose asinados, posto que não sejão comformes a meu Regimento. (século XVI) O conector posto que apresenta comportamento diferente dos demais conectores, no que se refere à presença de identidade entre os sujeitos da oração principal e da subordinada 229 concessiva: é quando os sujeitos sintáticos são diferentes (exemplo 738) que o percentual de uso do subjuntivo é maior (62%), enquanto para os outros conectores, a relação se inverte. (738) Em fim, é certo e de fé, que Christo vem fazer este Juiso , posto que o modo não esteja definido. (século XVI) Da mesma forma que com outros conectores, o uso do subjuntivo é categórico nas proposições em que há o traço de futuridade, apesar do verbo na forma do presente. Nos contextos em que o verbo no tempo presente não apresenta esse traço, o percentual se reduz a 69%. (739) posto queo capitam moor desta vossa frota e as Os outros capitãães screpuam avossa alteza anoua do achamento desta vossa terra noua que se ora neesta nauegaçom achou • nom leixarey tam bem de dar disso minha comta avossa alteza asy como eu milhor poder ajmda que perao bem contar e falar o saiba pior que todos fazer / pero tome vossa alteza minha Jnoramçia por boa vomtade. (século XVI) (740) Nos, cum nullo horum indigeremus, habentes solatio sanctos libros, qui suntin manibus nostris, maluimus mittere ad vos renovare fraternitatem et amicitiam: "Mandamos renovar por este nosso embaixador (diz Jónatas) a antiga amizade e confederação que convosco fizeram nossos maiores, não porque tenhamos necessidade dela e dos vossos socorros, posto que não nos faltam inimigos, guerras, opressões e trabalhos; mas temos sempre em nossas mãos os livros Santos, em que lemos as promessas divinas, e com eles e com elas nos consolamos e animamos a resistir, pelejar e vencer, como temos vencido e venceremos a todos nossos inimigos". (século XVII) Observou-se que o subjuntivo é mais freqüente nas seqüências que traduzem hipótese (88%) – exemplo 741. (741) O bom médico não tira pela lanceta todo o sangue, posto que seja pôdre. Manda a prudência, como mestra de tudo, em parte aliviar e em parte temperar. (século XVII) Mais uma vez, o uso do subjuntivo é preferencialmente usado quando a oração concessiva apresenta sentido de negação de inferência (68%). No exemplo (742), o conteúdo 230 expresso na oração nuclear (“Pode ter algum engano”) nega a inferência que se pode fazer a partir do que é expresso na oração concessiva, a de que “o cobre esteja contado”. (742) Martufo. Aqui tem, conte esse cobre, ⁄Que posto esteja contado, ⁄Póde mui bem suceder ⁄Que eu tivese algnm engano. (século XIX) O uso do subjuntivo em contextos de restrição é, por sua vez, de apenas 25%. (743) Receba Vossa V. M. estas desconcertadas palavras, como de um seu quinteiro pudera Vossa V. M. receber ~uas laranjas, posto que fôssem azedas. (século XVII) Nos cinco casos de concessivas que exprimem contraste, o verbo só ocorre no indicativo. (744) Mas viu o mundo, posto que o não quis ver Castela, que era o braço imortal o que defendia e conservava aos Portugueses. (século XVII) Como já se constatou em relação aos outros conectores, o percentual de uso do subjuntivo é mais alto nos contextos que veiculam uma informação nova (84% - exemplo 745), em oposição aos contextos com informação dada (20% - exemplo 746). (745) Deos queira não haja novidades, e q ue tanto v ocê e sua fam ília como todos os nossos amigos estejão em paz com saude efelicid ade Esta corte, e mesmo to-da a Prov íncia goza de sucego e properid ade assim como as Prov incias limítrofe, só o Rio Gr ande he q eu se acha ainda ameaçado da anarchia, posto que já tenha tomado posse da Prezid ência oJoze de Araujo Ribeiro, foi porem no Rio Gr ande e ate oprez ente não seguio para Porto Alegre, e receia-se haver algum cho[ q]ue en-tre os dois Coronéis Bento Manoel, e Bento G onçalvez o prim eiro Co mand ante das Armas e pelo partido legal, o seg undo do partido anarchico; veremos em que desfeixa. (século XIX) (746) E se Adám vio essoutras que dizes, seria quando mereçeo ver em espírito a encarnaçám do Filho de Deos, em cuja fé e esperança se ele salvou. Éstas táes cousas, posto que âs Adám visse em revelaçám, como digo, nam lhe pôs ele o nome que agóra tem. (século XVII) 231 A informação presente na oração concessiva, em (745), por exemplo, “Joze de Araujo já tenha tomado posse da presidência”, não é fornecida anteriormente; em (746), a idéia de que “a visão que foi dada em revelação”, que vem expressa na oração concessiva, já foi referida na oração anterior, quando se diz que “mereçeo ver em espírito a encarnaçám do Filho de Deos”. Nas construções de adendo, é recorrente o uso do subjuntivo. (747) Mas nesta parte levou ainda Luís de Camões grande ventagem aos referidos, por quanto eles não pretenderam declarar alg~uas alegorias debaixo destas fábulas (que como dissemos é a alma do Poema) antes se vê que não tiveram nelas outra tenção, senão deleitarem aos leitores (posto que a fábula de Calipso sofra mais alegoria que as outras) e o nosso Poeta debaixo dos nomes daquelas Ninfas quis entender a glória, fama, memória, honra, maravilha, e todas as mais preeminências, que participam os Varões ilustres, e esforçados. (século XVII) A relação entre gênero textual e Época está explícita na Tabela 30. Século XV XVI XVII Gênero Textual Carta oficial (Mosteiro de Chelas) Crônica Histórica (D.Afonso Henriques, D. Dinis, D. João I) Carta oficial (D. Duarte Coelho ao rei; D. João III) Carta de Caminha Diálogos (Anexos à Gramática de João de Barros) Carta pessoal (F. M. de Melo) Discurso de vários políticos Sermões de Vieira (História do Futuro, Oco⁄Total 8/8 2⁄ 2 % de uso do subjuntivo 100 100 25⁄33 76 3⁄ 3 1⁄ 3 100 33 2⁄ 2 2⁄13 8⁄21 100 15 38 0⁄ 1 1⁄ 3 0 33 1⁄ 1 1⁄ 1 4⁄10 100 100 40 Sermões) XVIII XIX Peça Teatral (PHPB) Descrição Geográfica do Distrito de Campos - RJ (Técnico-descritivo) Carta pessoal (PHPB) Notícia (PHPB) Peça teatral (PHPB) Tabela 30. Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector posto que em relação ao gênero textual analisado em cada século 232 As seqüências do subjuntivo com este conector foram registradas apenas em contextos argumentativos. (748) e posto que Vossa Alteza la tenha tudo bem sabido todavia direi o que eu qua Senhor entemdo aserca do que emqueri e soube das cousas da Bahia. (século XIX) Considerações prévias • Nas orações concessivas, destaca-se que o tipo de conector é um elemento fundamental na seleção do subjuntivo na cláusula subordinada, cada um deles apresentando comportamentos diversificados, em cada sincronia, nos dados de escrita: (i) o uso do subjuntivo é categórico, nas cláusulas introduzidas pelo conector mesmo que e sem que, em todos os séculos em que ocorre; (ii) as cláusulas introduzidas pelo conector ainda que apresentam uso categórico do subjuntivo no século XIII e variável do século XIV até XX; (iii) o conector pero⁄empero (que) é produtivo na língua até o século XVI, tendo seu uso sempre variável; (iv) o conector como quer que é categórico nos séculos XIII e XIX e variável nos séculos XIV, XV e XVI; (v) o conector embora assume valor concessivo, com uso categórico do subjuntivo, no final do século XVII e início do XVIII, apresentando uso variável na seleção dos modos verbais a partir do século XIX; (vi) o conector posto que é categórico nos séculos XV e XIX e variável dos séculos XVI a XVIII; (vii) o conector por mais que se gramaticaliza no século XVII e, a partir do século XVIII, se torna categórico; (viii) o uso do indicativo é categórico nas proposições com apesar de que; (ix) os conectores se bem que e por apresentam baixa freqüência nos séculos em que ocorrem. • É importante ressaltar que a concessão é uma estratégia argumentativa que pode indicar as categorias modais de hipótese e de condição (restrição), noções diretamente 233 veiculadas ao tipo de conector: ainda que, como quer que, pero e posto que podem adquirir noção de hipótese, contexto variável de uso dos modos verbais; com sem que e por mais que, apresenta-se, em geral, noção condicional, de caráter restritivo (obrigatoriedade), contexto de retenção de uso do subjuntivo. • O uso do indicativo, nas construções concessivas, ocorre nos contextos em que se busca cancelar qualquer pressuposto inferido, sobretudo quando se veicula uma hipótese, que não se projeta no futuro, ou uma informação tida por verdadeira, porque (i) é uma propriedade irrefutável; (ii) o enunciador traz a informação de um evento⁄estado que depende de seu conhecimento e⁄ou comprometimento (uso dos predicadores achar, crer, parecer, ser⁄estar certo); (iii) a validade e⁄ou aceitação do evento descrito na cláusula concessiva é atestada no próprio mundo (uso dos predicadores no tempo presente ou passado). • O uso do indicativo também é bastante freqüente em proposições concessivas com verbo de ligação, em lexias complexas, comprovando-se ainda mais as propriedades (ii) e (iii), acima descritas, uma vez que, nessas estruturas sintático-semânticas, se expressam atributos que dependem da “validação” do enunciador. Nas construções com verbo elíptico, por sua vez, o conector concessivo, mais gramaticalizado, se encontra tão integrado à oração matriz que se observa uma co-referencialidade entre os sujeitos das cláusulas matriz e subordinada. 234 4.3 ANÁLISE DOS DADOS DE FALA A análise dos dados de escrita revelou que a seleção do modo verbal parece estar condicionada a fatores semânticos e sintáticos, às vezes em competição, a saber, verbo da oração matriz, assertividade, modalidade, tipo de complementizador, que ou se (muito raro). Na análise dos dados de fala, utilizaram-se amostras de fala culta (NURC), dos corpora das cidades de Salvador (SSA) e do Rio de Janeiro (RJ), nas décadas de 70/90, e também de fala não-culta (PEUL), das décadas de 80/2000. O objetivo da análise em tempo real de curta duração, em duas modalidades, é verificar se os mesmos condicionamentos, que atuam na variação dos modos verbais na escrita, se aplicam aos dados de fala Padrão e nãoPadrão, no decorrer de duas décadas. 4.3.1 Orações encaixadas Nos dados de fala culta, nas duas cidades e décadas analisadas, esses resultados são confirmados: verbos que exprimem a noção de volição, com traço de [+controle], tais como querer e preferir, selecionam categoricamente o modo subjuntivo, embora esse comportamento não seja o mesmo no caso de dados de fala não-culta (PEUL): (749) Eu quero que se saiba que eu estou criticando...(NURC) (750) Eu preferi que fosse de ...de plástico. (NURC) (751) Ele não queria que a namorada dele ficava com esse cara, que esse cara foi safado com eles. (PEUL) Verbos que traduzem certa modalização do discurso, como achar, supor, crer e pensar, admitem tanto formas do indicativo quanto do subjuntivo, conforme o valor de verdade da proposição, independente do nível de escolaridade do falante. Como se pode verificar nos exemplos, a seguir, a seleção de um determinado modo verbal na encaixada 235 opera no sentido de evidenciar [+/-controle], [+/-obrigação/futuridade], [+/-certeza], [+/avaliação]. ACHAR (752) Eu não acho que você tenha obrigação / Às vezes você acha que o edifício está mal organizado. (NURC) (753) Acho que a gente tem que se esforçar, embora mais tarde a gente não sabe que que vai dar, não é? ⁄ Não, não. Também por isso também. Eu também acho que seja... o único esporte que eu pratico é andar. (PEUL) CRER⁄ ACREDITAR (754) Samba creio que possa ser uma música regional / Eu creio que não muda. (NURC) (755) mas eu creio que dentro de dez anos a quinze, o Brasil será a maior potência do mundo ⁄ creio que talvez essa vida dure mais uns dez anos talvez. (PEUL) (756) acredito que isso seja fixado pelo conselho federal ⁄ uma legislação, assim, específica de consorcio acredito que não tinha. (NURC) (757) Eu não acredito que tenha alguém contra esse homem ⁄ Eu acredito que também me adoram. (PEUL) PENSAR (758) Eu pensava que fosse sempre pela manhã / poucos ainda hoje pensam que vão morrer. (NURC) (759) Ela pensava que era uma pessoa que se parecia com ela ⁄ Eu pensei que fosse paulista. (PEUL) SUPOR⁄ PRESSENTIR (e outras formas correspondentes) (760) Eu suponho que isto represente esta parte [...]. (NURC) (761) Eu já pressinto que a pessoa vai fazê alguma coisa com a pessoa ⁄ Quem dera que a Barra pudesse voltá aquilo que era. (PEUL) Com alguns desses verbos variáveis, acreditar e achar, contudo, a presença de elemento de negação na oração matriz constitui contexto favorecedor à presença do subjuntivo na encaixada, conforme já foi confirmado na análise de dados escritos (item 4.1), 236 em que o elemento de negação na oração matriz imprime maior traço de [+avaliação] ao verbo epistêmico. (762) Eu não... NÃO acredito que haja desastre por falta de segurança... quase sempre é por imprudência... de alguém. (NURC) (763) Eu NÃO acredito que tenha alguém contra esse homem. (PEUL) (764) Eu NÃO acho que você tenha obrigação. (NURC) (765) Eu NÃO acho que isso seja amadurecimento. (PEUL) Todos os trabalhos existentes sobre orações encaixadas -- quer na perspectiva variacionista, quer funcionalista ou gerativista -- destacam a necessidade de classificar os verbos de um ponto de vista semântico. As classificações clássicas de verbos -- volitivo, emotivo, de opinião, assertivo, declarativo -- não satisfazem plenamente, por serem difusas e se superporem, muitas vezes, dificultando a análise. Verbos que costumam ser enquadrados sob o mesmo rótulo (‘de opinião’), por possuírem traços semânticos semelhantes, tais como, acreditar/crer, supor, achar, pensar, parecer podem apresentar comportamentos diferenciados em relação à seleção do modo verbal (Almeida e Callou, 2008). As Tabelas 31 e 32 evidenciam esse fato. Verbos de opinião Acreditar/crer Supor Achar Pensar Parecer Oco de subj./total 34/50 04/04 123/1046 05/16 01/54 % Subjuntivo 68% 100% 12% 31% 4% % Indicativo 32% 0% 88% 69% 96% Tabela 31. Freqüência do modo verbal de acordo com o verbo de opinião nos dados do NURC Verbos de opinião Acreditar/crer Supor (e outras formas) Achar Pensar Parecer Oco de subj./total 2/21 1⁄ 3 7/492 4/25 0⁄37 % Subjuntivo 10% 33% 1% 16% 0% % Indicativo 90% 67% 99% 84% 100% Tabela 32. Freqüência do modo verbal de acordo com o verbo de opinião nos dados do PEUL 237 Em todos os contextos da fala não-culta, há diminuição do percentual de uso do subjuntivo, o que poderia evidenciar que se está diante de uma mudança de baixo para cima (dos falantes menos escolarizados para os mais escolarizados). A presença do indicativo/subjuntivo nesses verbos está diretamente relacionada ao valor de verdade da proposição (modalidade de certeza- epistêmica ou modalidade de fraca manipulação – deôntica). É possível observar que, em alguns contextos, mais nitidamente, com ‘(eu) acho que’ e sempre com o verbo na primeira pessoa do singular, a noção verbal quase desaparece (‘semantic bleaching’) correspondendo, mutatis mutandis, ao modalizador talvez (exemplos 766 a 768), comportamento já observado no inglês com o verbo think (item 1.2), conforme apontado em Galvão (1999) e em Cezario (2001). Nesses contextos, parece que ocorre a ‘perda’ da estrutura de complementação, inclusive podendo ser deslocado de sua posição básica ou ocorrer em contextos, no final ou no início de uma sentença, sem ser seguido de uma oração subordinada (exemplos 769 e 770). A estrutura “eu acho que” ocorre acompanhada de uma partícula de negação (“talvez não”). Em nossa amostra de fala, é a forma mais recorrente de expressar ‘opinião’, em ambos os corpora, como se pode observar nas Tabelas 31 e 32. ESVAZIAMENTO SEMÂNTICO → “Eu acho que = talvez” (766) Eu acho...que eu me lembre assim..que tinha uns caldeirões enormes. (NURC) (767) Eu acho que se a gente procurar em antiquários aí a gente talvez ainda encontre máquinas. (NURC) (768) E acho que- não sei, que todo mundo devia fazer (vozes) assim, [não é? Para não ficar uns (hes) com inveja dos outros, não é? (PEUL) PERDA DA ESTRUTURA DA COMPLEMENTAÇÃO (769) Eu acho que aqui no Rio não há assim uma... Acho que é. (NURC) (770) Eu acho que não. São nem um pouco. (PEUL) 238 O achar, vale ressaltar, quando precedido de não (exemplos 771 e 772), ou quando se refere à terceira pessoa (exemplo 773 e 774), mantém sempre o seu valor verbal, ao denotar maior caráter avaliativo, de [+/-certeza]. Com a partícula negativa na matriz, o verbo da completiva vai para o subjuntivo, já que o efeito da negação fortalece o traço avaliativo. Segundo Neves (2000), o elemento de negação na oração principal gera um efeito de compatibilidade com o valor de incerteza do subjuntivo, produzindo uma interpretação irrealis, com o verbo da oração encaixada no modo subjuntivo. Quando o elemento de negação está presente, o traço verbal se mantém e ocorre o subjuntivo, padrão também observado nos dados de escrita. (771) Mas eu NÃO acho que seja... (NURC) (772) NÃO acho que seja culpa da inflação, nem de desemprego. (PEUL) (773) Às vezes, você acha que o edifício está mal organizado. (NURC) (774) Olha, vil, acha que a gente deveria sabe o quê? (PEUL) A força do elemento de negação estende-se a outros verbos, como dizer, parecer e querer dizer. O declarativo dizer também ocorre no subjuntivo quando o verbo da matriz apresenta o traço de futuridade/obrigatoriedade (formas do futuro ou do presente). (775) Eu NÃO diria que as pessoas se reúnam num cinema.(NURC) (776) NÃO parece que seja/é assim. (NURC) (777) Se eu não participo de campeonato, NÃO qué dize que eu não vá ganhá a faixa em dez anos. (PEUL) Por sua vez, um mesmo verbo como acreditar pode traduzir efeitos de sentido diferenciados. Quando expressa a nuance estrita de ‘opinião’ (778) e (779), o verbo da encaixada ocorre no indicativo; quando a noção de hipótese prevalece (780), e está geralmente precedido de um modal, o verbo da completiva fica no subjuntivo, já que essa noção pode ser marcada por formas do subjuntivo. Também em relação a esse verbo, quando 239 há um elemento de negação na sentença matriz, como já foi visto nos exemplos (771) e (772), o subjuntivo é categórico. (778) Eu acredito que eles... os dois têm objetivos. (NURC) (779) Eu acredito que tem que se organizar num sindicato. (PEUL) (780) A gente NÃO podia acreditar que alguém pudesse ser morto né, fosse torturado. (NURC) Não há uma correlação absoluta entre o modo verbal da encaixada e o tempo do verbo da matriz, mas é apenas quando o verbo da matriz está no presente que existe a possibilidade de o verbo da encaixada estar no indicativo. Em relação a pensar, por exemplo, quando o verbo da matriz está no passado (pretérito perfeito ou imperfeito), o verbo da encaixada seleciona o modo subjuntivo. (781) Eu pensei/pensava que fosse alguma coisa que ele tivesse roubado... (NURC) (782) Eu pensei que fosse paulista. (PEUL) Nos dados de fala padrão, com o verbo supor, que expressa, fortemente, noção de hipótese/incerteza, a presença do subjuntivo é categórica, sem comprometimento com o valor de verdade da proposição. Nos exemplos (784) e (785), o verbo dizer equivale à forma supor e projeta, hipoteticamente, o evento no futuro, ainda que marcado no tempo presente. (783) Eu suponho que isto represente... (NURC) (784) Vamos dizer que ela já tenha casado há mais... (NURC) (785) Digamos que a bola saia fora do gramado... (NURC) Nos dados do PEUL, o verbo parecer só ocorre no indicativo. (786) Parece que ela tem quarenta anos... (NURC) (787) Parece que foi uma planta. (PEUL) 240 O verbo gostar, por sua vez, seleciona o modo subjuntivo quando o verbo da matriz se encontra no futuro do pretérito (788) e (789), denotando futuridade/ obrigatoriedade. (788) Gostaria que não lembrasse da data. (NURC) (789) Gostaria que você fosse bem sucedida. (NURC) Em suma, a análise dos dados revelou que é o verbo da matriz que determina, em primeira instância, o uso do modo verbal: há verbos que sempre usam, ou que sempre rejeitam o subjuntivo, e alguns que apresentam uso variável, como se pode verificar na Tabela 33, que compara dados de fala culta e não-culta com dados da escrita do século XX19. 19 A Tabela 33 foi simplificada. O item 7.2 apresenta o quadro geral dos verbos. 241 Dados de Fala Culta (Nurc- 70 e 90) – RJ e SSA 100% subjuntivo duvidar esperar fazer (com que) gostar pedir preferir querer ser preciso/necessário supor ’ Dados de fala não culta(Peul80 e 2000) - RJ 100% subjuntivo impedir incomodar garantir mandar Poder ser ser possível ser preciso Dados de escrita do século XX 100% subjuntivo adorar cumprir deixar desejar desmentir exigir imaginar impedir merecer negar ordenar pedir permitir possibilitar pretender recear Ser (bom/ justo/ necessário/ natural/ possível) 0% subjuntivo contar/narrar garantir jurar lembrar/recordar observar/notar perceber perguntar reconhecer ser/estar certo/convencido ser claro/óbvio ser evidente sentir ter certeza ver 0% subjuntivo aceitar acontecer adiantar bastar considerar/ ter consciência esquecer estar ⁄ dar impressão falar lembrar notar⁄ observar parecer pedir perguntar querer dizer sentir ser claro ter dúvida 0% subjuntivo acontecer afirmar contar convencer declarar defender escrever falar julgar jurar negar parecer saber (ser) certo⁄ fato⁄ verdade ter certeza ter impressão ver Subjuntivo variável acreditar achar dizer pensar parecer % 68% 12% 14% 31% 04% Subjuntivo variável acreditar achar dizer pensar esperar permitir querer supor⁄ presumir % 10% 01% 06% 16% 71% 33% 92% 33% Subjuntivo variável acredita/crer achar esperar mostrar pensar perífrases com dizer % 38% 6% 92% 50% 13% 29% Tabela 33. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados de fala culta e não-culta em comparação com dados da escrita 242 A Tabela 33 mostra que o comportamento não é o mesmo nos corpora analisados: com alguns verbos, nos dados de falantes mais escolarizados, o uso do subjuntivo é categórico, como é o caso de querer, mas passa a ser variável nos dados de falantes menos escolarizados. O item verbal esperar admite uso variável do subjuntivo, nos dados de fala não-padrão e na escrita do século XX. Na fala padrão, o uso do subjuntivo é categórico. Em nossa amostra de dados de fala culta, 17% dos verbos registrados (5 em 30), admitem variação de modo (acreditar, achar, dizer, pensar, parecer). Nos dados do PEUL, do total de 36 itens verbais, 30% (10 itens verbais) apresentaram variação de modo verbal, até mesmo nos casos em que a tradição gramatical aponta para o uso de apenas um modo verbal, à semelhança do que ocorre no francês canadense (Poplack, 1992). Os verbos acreditar, achar e pensar admitem uso variável do subjuntivo em todos os corpora. Não há uma correlação absoluta entre a escrita e a fala padrão: algumas vezes, a escrita se aproxima da fala não-padrão, em oposição à fala padrão. 4.2.1.1 Análise variacionista: dados de fala culta (NURC) A análise de regra variável (Pintzuk, 1988) foi realizada com base em 248 dados que apresentaram variação do uso do modo subjuntivo. Agrupando os verbos que apresentam variação de modo, com exceção do verbo achar, que, embora de alta freqüência, tem, por vezes, o seu traço verbal anulado, pode-se constatar (Tabelas 34 a 36) que o uso do subjuntivo (input .24)20 chega a 23% e ocorre preferencialmente quando 20 No nível de seleção: log. likelihood -80.252 significance .003 243 (i) se relaciona à primeira pessoa e não à terceira (Tabela 34); Pessoa verbal Primeira pessoa Terceira pessoa Oco / total 44 / 110 13 / 135 % 40% 100% P.R. .76 .28 Tabela 34. Percentual e peso relativo da variável pessoa verbal nos dados de fala culta (ii) existe um elemento de negação na sentença matriz (Tabela 35); Assertividade Negação na matriz Sem negação na matriz Oco / total 14 / 19 43 / 226 % 74% 19% P.R. .92 .45 Tabela 35. Percentual e peso relativo da variável presença do elemento de negação nos dados de fala culta (iii) o verbo da matriz está no passado (Tabela 36). Tempo verbal Passado Presente Futuro Oco / total 13 / 53 42 / 172 01 / 09 % 25% 24% 11% P.R. .80 .43 .04 Tabela 36. Percentual e peso relativo da variável tempo verbal nos dados de fala culta Refinando a análise, a partir da observação dos quatro verbos que admitem variação do uso de modos verbais, percebe-se que a distribuição não é a mesma, já que, a depender da região e da década analisada, há mudança na seleção de uso do modo verbal. 74% 80% 70% 55% 60% 50% 30% 20% RJ 36% 40% 14%13% 20% 10% 17% 2% 0% dizer acreditar pensar parecer Figura 14. Distribuição de uso por cada década em cada cidade (NURC) 244 SSA Com relação ao verbo dizer, por exemplo, tem-se comportamento semelhante nas duas cidades. As formas do subjuntivo com o verbo acreditar são mais freqüentes no Rio de Janeiro do que em Salvador; já com relação ao predicador pensar, por sua vez, ocorre o contrário. A figura 15 evidencia que o uso do subjuntivo com o verbo pensar apresenta significativa redução, de 40% para 17% de uma década para outra. 80% 61% 63% 60% 40% 40% 20% Década de 70 Década de 90 17% 15% 12% 0% dizer acreditar pensar 8% 5% parecer Figura 15. Distribuição de uso por cada década em cada verbo (NURC) Comparando os falantes mais jovens (abaixo de 40 anos) com os mais velhos (acima de 40 anos), é possível dizer que os verbos dizer e parecer mostram relativa estabilidade (Figura 16) na seleção do modo subjuntivo na oração encaixada. 245 Figura 16. Distribuição de uso por cada década de acordo com a idade (NURC) O cruzamento entre cidade e década (Figuras 17 e 18), por cada verbo, dá uma idéia geral que o uso do subjuntivo, no Rio de Janeiro, da década de 70 para 90, é estável para os verbos dizer e parecer e instável com relação aos verbos acreditar e pensar. Em Salvador, ocorre uma diminuição geral, exceto com o verbo parecer. Mais uma vez, o verbo da oração matriz atua como forte restrição. 100% 86% 80% 60% 67% acreditar 40% 20% 0% dizer pensar 33% 14% 3% 16% parecer 0% RJ/90 RJ/70 Figura 17. Cruzamento entre o tipo de verbo e década, na cidade do Rio de Janeiro, nos corpora de fala culta 246 Figura 18. Cruzamento entre o tipo de verbo e década, na cidade de Salvador, nos corpora de fala culta 4.2.1.2 Análise variacionista: dados de fala não-culta (PEUL) A análise de regra variável (Pintzuk, 1988) foi realizada a partir de 147 dados que apresentaram variação do uso do modo subjuntivo. A análise varicionista foi realizada a partir da retirada do verbo achar, que apresenta comportamento semântico diferenciado, como já se viu na análise dos dados de fala culta. Pôde-se constatar (Tabelas 37 a 39) que o uso do subjuntivo (input .07)21 atinge apenas 7% e ocorre, preferencialmente, a depender do(a) (i) tipo de verbo da oração matriz (Tabela 37); Tipo de verbo da matriz Acreditar ⁄ crer dizer pensar Oco / total 02 ⁄ 21 06 / 101 04 ⁄ 25 % 10% 6% 16% P.R. .40 .45 .76 Tabela 37. Análise de percentuais e pesos relativos da variável tipo de verbo da matriz (PEUL) 21 No nível de seleção: log. likelihood -77.360 significance .007 247 (ii) gênero (Tabela 38); Gênero homem mulher Oco / total 18 / 394 32 / 418 % 5% 8% P.R. .31 .68 Tabela 38. Análise de percentuais e pesos relativos da variável gênero (PEUL) (iii) tempo verbal (Tabela 39). Tempo verbal da matriz presente passado Futuro do pretérito Infinitivo Gerúndio Oco / total 25 / 694 04 / 41 08 / 10 09 ⁄ 26 3 ⁄ 20 % 4% 10% 80% 35% 15% P.R. .46 .70 .66 .96 .25 Tabela 39. Análise de percentuais e pesos relativos da variável tempo verbal (PEUL) Além disso, a análise das cláusulas completivas relevou uma diferenciação por faixa etária: os mais velhos usam mais freqüentemente as formas do subjuntivo do que os mais jovens nas duas variantes (Tabela 40). Faixa Etária 25 – 35 (NURC) ⁄ Até 35 anos (PEUL) 36 – 55 56 - NURC 21% 22% 27% PEUL 4% 7% 8% Tabela 40. Uso do subjuntivo de acordo com a faixa etária (apenas dos verbos que admitem variação) nas duas variantes (NURC/PEUL) A partir da observação dos três verbos que admitem variação do uso de modos verbais, a saber, acreditar, dizer e pensar, percebe-se que a distribuição dos modos verbais não é a mesma para cada verbo, já que, a depender da década analisada, há mudança na escolha de uso dos modos verbais. As formas do subjuntivo com acreditar, por exemplo, só aparecem na década de 80; já em relação ao verbo dizer, nota-se significativo aumento em 2000. A figura 19 mostra, ainda, que o uso do subjuntivo, com o verbo pensar, apresenta 248 significativa redução (38%→6%) de uma década para outra, semelhante ao que ocorre nos dados do NURC, em que houve redução de 23% no intervalo de 20 anos (40% → 17%). Figura 19. Distribuição de uso por cada década em cada verbo (PEUL) A distribuição de cada verbo, nas três faixas etárias analisadas, mostra que o uso do subjuntivo é mais freqüente na faixa 2, independente do predicador em análise (Figura 20). Figura 20. Distribuição de uso por cada verbo nas três faixas etárias (PEUL) 249 O cruzamento entre faixa etária, década e tipo de verbo da oração matriz (Figuras 21 e 22) revela que, em relação ao verbo dizer, o uso do subjuntivo ocorre, fundamentalmente, nas faixas mais jovens em 2000 (1 e 2), o que mostra retração de uso do indicativo, o que talvez possa ser explicado pelo aumento dos índices de escolarização (Tabela 41). No que se refere ao predicador pensar, o comportamento não é o mesmo: são os jovens (faixa 1) que não utilizam o subjuntivo. Além disso, registra-se significativo aumento de uso do subjuntivo de uma década para outra na faixa 2 (Figura 21). Figura 21. Cruzamento entre faixa etária e década, com o verbo pensar (PEUL) 250 Figura 22. Cruzamento entre faixa etária e década, com o verbo dizer (PEUL) Com o verbo dizer (Figura 22), a distribuição por faixa etária e década mostra que o uso do subjuntivo aumenta em todas as faixas etárias, de uma época para outra. Mais uma vez, parece que este uso está relacionado aos índices educacionais relativos ao Rio de Janeiro (Tabelas 41 e 42). Dados demográficos População residente População imigrada População alfabetizada Salvador Censo 70 Censo 91 1.007.195 2.075.272 Rio de Janeiro Censo 70 Censo 91 4.251.918 5.480.772 297.584 646.821 1.800.822 1.517.232 650.679 1.467.593 3.283.600 4.255.625 Quadro 3. Dados demográficos das cidades do Rio de Janeiro e Salvador, nas décadas de 70 e 90 (Fonte: IBGE) Dados Demográficos População residente População alfabetizada Rio de Janeiro Censo 80 Censo 2000 5.090.723 5.857.904 4.073.561 5.036.253 Quadro 4. Dados demográficos da cidade do Rio de Janeiro, nas décadas de 80 e 2000 (Fonte: IBGE) 251 Considerações prévias • Verbos que denotam manipulação, mandar, ordenar, pedir, preferir, querer, ser preciso⁄necessário, com traço de [+controle], selecionam, preferencialmente, o subjuntivo, ao passo que verbos com noção de certeza, observar, saber, ser claro, ver, o indicativo. Os verbos modalizadores epistêmicos, tais como achar, crer⁄acreditar, parecer, pensar e supor, que imprimem certo grau de comprometimento do enunciador com o conteúdo a ser veiculado, apresentam uso variável do subjuntivo, a depender do contexto. • A presença da negação na matriz funciona como um elemento, de natureza morfossintática e semântica, desencadeadora do uso subjuntivo na encaixada. O verbo achar, por exemplo, só seleciona o subjuntivo na oração encaixada quando há, na matriz, um elemento de negação. Outros predicadores, no entanto, acreditar, negar, supor, ser possível, ao serem antecedidos por um elemento de negação, tanto podem selecionar o subjuntivo quanto o indicativo. • Sobre o verbo achar, predicador de alta freqüência nos dados de língua falada padrão e não-padrão, foi possível concluir que pode atuar como predicador (nível sintáticosemântico) ou como modalizador epistêmico (nível pragmático). No primeiro caso, esse verbo ocorre ou antecedido da partícula não ou de referência à terceira pessoa; no segundo caso, o verbo achar está sempre na primeira pessoa do singular [acho...], podendo equivaler ao advérbio epistêmico talvez. Quando esse item ocorre como modalizador epistêmico, há a perda da estrutura de complementação, podendo ser deslocado da proposição básica, no início da sentença. Essa mudança pode ser entendida como um processo de gramaticalização, em que uma oração matriz perde a sua estrutura de complementação e passa a ser interpretada como advérbio, ao perder esse item o traço de [+verbo]. 252 4.3.2 Orações concessivas: análise qualitativa e quantitativa Conforme se afirmou em seções anteriores, nem todas as orações subordinadas apresentam comportamento idêntico com relação ao uso do subjuntivo. Segundo a norma padrão, as adverbiais concessivas -- que exprimem conteúdo semântico que contrasta com o conteúdo esperado da proposição com a qual se combina -- apresentam uso obrigatório do subjuntivo, sem restrições. A forma do subjuntivo, para a gramática, constitui a forma nãomarcada. Ao contrário das completivas, em orações concessivas, devem ser observadas, de início, restrições de natureza sintática e também do tipo de conector, isto é, semântica. Tipo de Conector Ainda que Por mais que Sem que Mesmo que Embora Se bem que Apesar de (que) Por NURC Oco de subj./ Total 3/3 9/9 1/1 9/10 53/61 2/3 0/2 1/1 % 100 100 100 90 87 67 0 100 PEUL Oco de subj./ Total 1/1 5/5 2/2 39/56 18/32 0/11 0/14 -- % 100 100 100 56 56 0 0 -- Tabela 43. Uso de subjuntivo quanto ao tipo de conector da oração subordinada na variante padrão (NURC) e não-padrão (PEUL) A Tabela 43 mostra que, nas duas variantes analisadas, o subjuntivo é categórico quando a oração é introduzida pelo conector por mais que, sem que e ainda que: o conector concessivo por mais que introduz uma oração com conteúdo em que se atesta um evento que perde sua relevância frente à tese “eu acho que elas não tinham...”; com o conector sem que, indica-se restrição; o conector ainda que, por sua vez, introduz uma oração com a noção de hipótese, que se projeta no futuro, contexto típico de uso do subjuntivo. O indicativo, por sua vez, é o modo utilizado categoricamente quando a oração concessiva é introduzida pelos conectores se bem que e apesar de (que). 253 (790) Por mais que a minissaia fosse, que elas considerassem bonitas, eu acho que elas não tinham... (NURC) (791) Nem nunca, é, botei uma graxeira no carro de ninguém, sem que fosse necessário, está (“vendo”)? (PEUL) (792) Acho que a gente não pode de se deixar enganar, não é? Ainda que a gente vá perder no futuro. (PEUL) A alternância das formas de subjuntivo/indicativo ocorre, como se verifica na Tabela 43, com determinados conectores, como embora e mesmo que. O conector concessivo mesmo que apresenta variação tanto nos dados de fala culta quanto nos de fala não-culta, comportamento diferente do verificado nos dados de língua escrita (seção 4.2.1), em que esse conector apresentava uso categórico de subjuntivo. (793) Você vai ver a – mesmo para expressar uma palavra, embora eu não sei, assim, que palavra. (PEUL) (794) Sabe que eu, Ana Paula, Sandro, todo mundo tem, mesmo que <s-> que é pobre. (PEUL) O uso do indicativo nas orações concessivas não parece ser aleatório, já que ocorre em contextos específicos, tanto na fala culta como na não-culta. Assim, o indicativo está registrado, nas orações concessivas, fundamentalmente, nos seguintes casos: a) quando há um sujeito expresso na 3ª pessoa (sobretudo com as formas pronominais “você” ou “a gente”). Com o conector mesmo que, prevalece a noção hipotética. (795) Ela guarda mágoa, a outra num guarda não, mesmo que a gente briga cum ela... é só naquele momento. (PEUL) (796) você vai querê o bem pras tuas filhas, prus teus filhos, vai botá numa particular, mesmo que você se aperta um pouquinho, mas cê qué dá o melhor pra tua filha. (PEUL) Com o conector embora, apresenta-se uma “ressalva”, que é confirmada. 254 (797) nos também fazemos uso, embora você há de convir que é um uso moderado, pelo menos pra mim...(NURC) (798) Eles não vão aceitar. Embora muitas aceitam, não é? (PEUL) b) quando o verbo da oração se encontra no passado, atestando um fato real. (799) Não havia mais um motivo de nós estarmos na igreja alfabetizando, por métodos antigos, embora eu já alfabetizei diversas empregada pelo (fala rindo) método antigo e deu sempre certo... (PEUL) (800) Eu amo eles, mesmo que eles num tiveram é: essa cultura de conversá, né? de sentá na mesa. (PEUL) (801) aquela coisa muito simples e foi... esse tipo d... esse tipo de viagem, né, de sair pra um lugar mesmo que não tinha Carnaval. (NURC) (802) [Comandou] o time, mesmo que não era capitão. (PEUL) c) quando há o verbo ‘haver’, no sentido existencial, como predicador da oração, acompanhado de um elemento de negação. (803) eu sou democrata, embora não há um regime perfeito, mas de todos eles a democracia ainda é o melhor. (PEUL) d) quando há locução verbal (com o verbo auxiliar no presente ou no passado). Nesse caso, a proposição pode marcar um evento que se situa no tempo presente (exemplos 804, 808, 809 e 812), passado (exemplos 806, 807, 811 e 813) ou futuro (exemplos 805 e 810). (804) Ela procura [não] – não errar, procura se expressar assim, não é? Embora, às vezes, as pessoa está achando que ela não está <falando> - não está com nada. (PEUL) (805) Eu invejava um pouco o trabalho dessas senhoras, embora queria tirar alguma coisa que eu achava que não era o melhor. (PEUL) (806) Então não tinha responsabilidade em ganhar dinheiro, em preocupar-me, embora eu fui criado sem luxúria e sem gastar dinheiro à toa. (PEUL) (807) Que mesmo que ela tinha dito, que você havia dito ali? (PEUL) (808) às vez procuro o pai de um deles mesmo que não pode saber do assunto, eu abordo o assunto com eles... (PEUL) (809) Eu digo, mesmo que depois eu mando esquecer o que eu disse. (PEUL) (810) Embora eu ainda assim vou tentá conseguir a Residência lá, né? Eu num gosto muito de fica dando trabalho a ninguém. (PEUL) (811) Se eu fosse o Presidente acabava com a poluição, embora podia sê muito. (PEUL) 255 (812) Há sessões de cinema que começa uma hora da manhã o ( ) o ( ) que fica inteiramente cheio... as ruas inteiramente cheias... os bares inteiramente cheios... embora o argentino vive dizendo que... está na miséria... (NURC) (813) Eu acho Madureira um pólo cultural muito bom... muito bom Madureira... embora o único teatro que tinha ali no centro foi comprado pela igreja... dessas evangélicas... (NURC) A cláusula concessiva, nos exemplos (805) e (810), apresenta conotação hipotética, que se projeta no futuro. O uso da perífrase verbal (IR+ Vprinc), em (810), enfraquece o caráter de obrigatoriedade, freqüentemente observado na categoria tempo futuro, selecionando o indicativo na oração subordinada. Nas proposições no passado e no presente, traduz-se um fato real. e) quando há uma lexia (verbo-suporte) como elemento predicador da oração subordinada. (814) E num tínhamos realmente e mesmo que num temos obrigação de dá dinheiromesmo que já- não temos, você tá incentivando uma coisa errada. (PEUL) f) quando há um elemento intensificador em posição adjacente ao conector. (815) A gente vai de sapato, muito embora eu prefiro o tênis que é mais à vontade. (NURC) O uso do indicativo pode ainda aparecer nos casos em que há a expressão “embora que”. (816) O governo não tem estrutura pra isso, não dá essa estrutura (E: Hum-hum) de ter um... embora que eu já vi aí na... na televisão. (PEUL) (817) Importante é, né? (E: Hum-hum) mas embora que eu acho que... tá tirando a vez de muita gente também, né? (PEUL) 256 No que se refere à questão da ordem, verificou-se que, em geral, as orações concessivas aparecem pospostas à matriz (57%). No entanto, do universo de concessivas antepostas (43%), 78% encontra-se no subjuntivo. Nos dados do NURC, registrou-se uma única ocorrência, com o verbo na forma do indicativo, em falante da faixa 3 (56 anos em diante), na década de 90. (818) Apesar de que hoje é a mesma coisa, nível secundário, você só encontra o que é o Colégio Pedro II... O cruzamento entre tipo de conector e ordem da oração evidencia que alguns conectores -- quando introduzem a oração posposta à cláusula matriz -- têm o uso de subjuntivo reduzido, já que, nesta posição, em muitos casos, se veicula uma informação conhecida do enunciador. Com o conector mesmo que, verifica-se um percentual de 61% de uso do subjuntivo; já as orações introduzidas pelo embora chegam a 72%. Tipo de Conector Mesmo que Embora Oração concessiva anteposta Oco ⁄ Total % 37⁄ 48 77% 20⁄ 22 91% Oração concessiva posposta Oco ⁄ Total % 11⁄ 18 61% 51⁄ 71 72% Tabela 44. Cruzamento entre o tipo de conector e a posição da oração concessiva (NURC/PEUL) O uso do subjuntivo pelo tipo de conector não apresenta o mesmo comportamento nas duas variantes. O conector embora, por exemplo, apresenta significativa redução de uso de subjuntivo nos dados, se compararmos os percentuais das duas amostras analisadas: nos dados de fala culta, a freqüência de uso do subjuntivo é de 87%; nos dados de fala não-culta esse percentual cai para 56%. Esse comportamento também é observado em relação ao conector mesmo que, cujo percentual se reduz, no NURC, de 90% para 70%, nos dados do PEUL. 257 Figura 23. Distribuição de uso do subjuntivo pelo tipo de conector em cada uma das variantes O percentual de uso do subjuntivo se mantém praticamente o mesmo de uma década para outra nos dados de fala culta. Nos dados de fala não-culta, percebe-se uma diminuição de uso em 2000. Época NURC 70/80 PEUL 62% 90/2000 TOTAL 85% 59% Tabela 45. Freqüência de uso do subjuntivo em cada uma das décadas analisadas nos dados de fala padrão e não-padrão O comportamento das mulheres não é o mesmo nas duas amostras: nos dados de fala culta, o subjuntivo atinge um percentual de 93%, superior ao dos homens (77%). Nos dados de fala não-culta, o percentual de uso do subjuntivo na fala das mulheres não chega a 50% e é inferior ao dos homens (67%). Parece que as mulheres mais escolarizadas são sensíveis à norma gramatical. 258 Figura 24. Distribuição de uso do subjuntivo por gênero nas duas variantes (NURC/PEUL) A distribuição dos dados pelas faixas etárias analisadas mostra que o uso do subjuntivo nas orações concessivas apresenta maior freqüência na faixa 3 e menor, na faixa 1, o que indica uma mudança no sentido de retração da regra. Faixa etária % 25 – 35 (NURC) / até 35 (PEUL) 66 36 – 55 56 em diante Tabela 46. Distribuição de uso do subjuntivo por faixa etária (NURC/PEUL) Considerações prévias • Nos dados de língua falada padrão e não-padrão, o uso do subjuntivo é categórico quando a oração subordinada concessiva é introduzida pelos conectores por mais que, sem que e ainda que; o indicativo, por sua vez, apresenta uso categórico quando a oração concessiva é introduzida pelos conectores se bem que e apesar de (que). Os conectores embora e mesmo que apresentam seleção de uso variável do subjuntivo. 259 • O indicativo prevalece (i) quando o sujeito da oração concessiva está expresso em 3ª pessoa, sobretudo com as formas “você” e “a gente”; (ii) quando o verbo da oração se encontra no passado, atestando um fato real; (iii) quando o conector da cláusula subordinada ocorre combinado ao verbo haver na acepção de existir; (iv) quando há uma estrutura de ‘verbo suporte’ como predicador da cláusula subordinada. 260 5. CONCLUSÕES A partir de uma análise de tempo real de longa duração (do século XIII ao XX) e, no que se refere à língua falada, de curta duração -- comparação entre dois períodos discretos de tempo, duas décadas do século XX -- foi possível chegar às seguintes generalizações, com base no quadro teórico-metodológico da variação sociolingüística laboviana e em contribuições do funcionalismo americano: 1) O uso do subjuntivo⁄indicativo é um fenômeno variável, dependente de fatores de natureza morfológica, sintática, semântica, discursiva e pragmática. No caso das orações completivas, independente da época e da modalidade (língua escrita ou falada) analisada, o subjuntivo é dependente dos seguintes elementos: (i) item léxicosemântico da oração matriz, já que os predicadores que adquirem o traço de [+futuridade⁄obrigatoriedade], [+controle], [+avaliação] selecionam o subjuntivo; (ii) efeito da negação na oração matriz, que modifica os domínios lexical e pragmático, conforme já havia sido verificado em outras análises (cf. item 2) ; (iii) presença da primeira pessoa verbal na matriz, uma vez que, nessa categoria gramatical, se verifica maior grau de subjetividade. No que se refere às orações concessivas, o uso do subjuntivo (i) é variável, em determinados períodos, com os conectores (ainda que, pero⁄empero que, como quer que, embora, posto que, por mais que); (ii) constitui uma estratégia argumentativa que pode indicar as categorias modais de hipótese e condição: na primeira, admite-se a variação de uso dos modos verbais; na segunda, há retenção de uso do modo subjuntivo, devido ao caráter restritivo; (iii) é utilizado, preferencialmente, nas orações que ocorrem antepostas ou intercaladas, uma vez que antecipam a inferência, com maior grau de subjetividade; (iv) ocorre quando há 261 identidade entre os sujeitos das cláusulas matriz e subordinada, em que se pode observar maior integração sintático-semântica. 2) O uso do modo verbal em orações subordinadas completivas e concessivas está diretamente associado ao elemento à esquerda -- item verbal da matriz (completivas) e tipo de conector (concessivas) -- e aos traços semânticos de [+⁄- futuridade⁄obrigatoriedade], [+⁄-controle], [+⁄-avaliação], [+⁄-certeza] que se queira imprimir a um determinado enunciado. Os resultados obtidos vão de encontro ao que prescreve a própria tradição gramatical, ao distinguir o paradigma dos modos verbais pela noção de certeza⁄incerteza, não mencionando a noção de futuridade⁄obrigatoriedade. O modo subjuntivo, como se pôde verificar, se mantém quando ocorre sob o escopo do traço de futuridade, como já havia sido atestado em estudo anterior (Pimpão, 1999). Observou-se, ainda, que esse traço se torna mais forte em proposições que denotam também obrigatoriedade, controle e avaliação. O caráter modal de algumas expressões, por exemplo, como é o caso de haver⁄ter + V principal, enfraquece o traço de futuridade⁄obrigatoriedade, levando o verbo da oração subordinada para o modo indicativo. Além disso, nota-se que, à medida que o enunciador admite a hipótese ou incerteza de um determinado evento ocorrer, a proposição perde o traço de futuridade⁄obrigatoriedade, selecionando, assim, o modo indicativo. 3) Desvinculam-se as categorias modalidade (semântica) e modo verbal (gramatical), ainda que estejam intrinsecamente relacionadas, uma vez que o uso do subjuntivo⁄indicativo constitui uma das estratégias de modalização discursiva. A modalidade pode manifestar-se a partir noções variadas, como subjetividade, factividade, assertividade, possibilidade e necessidade. A flexão modal, por sua vez, 262 constitui um dos recursos para expressar modalidade, visto que, na proposição, outros elementos também podem sinalizar essa nuance, a saber, o item léxico-semântico da matriz, o escopo da negação, o uso de advérbios e⁄ou certas conjunções. 4) Na análise diacrônica das orações completivas, observou-se que o comportamento de todos os verbos não é semelhante: há verbos que apresentam uso variável no decorrer do tempo, enquanto outros apresentam uso variável em sincronias específicas, a depender do gênero textual, do modo de interação e do tema do texto. É importante ressaltar que os resultados apresentados devem ser relativizados, uma vez que não há homogeneidade nos gêneros textuais, pela escassez de textos em alguns séculos. 5) No que se refere às orações concessivas, destaca-se que o tipo de conector é um elemento fundamental na seleção do subjuntivo na cláusula subordinada, cada um deles apresentando comportamentos diversificados, nos dados de escrita. O traço de futuridade⁄obrigatoriedade está presente na descrição de eventos vindouros, contexto que atua na retenção de uso do subjuntivo nas cláusulas concessivas, à semelhança do que ocorre nas cláusulas completivas. Quando o conector concessivo se encontra associado a um verbo no tempo passado, seleciona-se, geralmente, o indicativo na cláusula subordinada. Na história da língua, pode-se dizer que o subjuntivo é favorecido nas proposições em que (i) há identidade entre os sujeitos das cláusulas matriz e subordinada, (ii) atua o efeito de negação de inferência e (iii) veicula informação nova. 6) Nos dados de língua falada, observou-se que o uso do subjuntivo, nas orações completivas, na língua padrão, atinge 23% e se reduz a 7% nos dados de língua nãopadrão, o que comprova que o subjuntivo é mais utilizado por falantes de maior escolarização. O predicador querer, com uso categórico de subjuntivo, nos dados de 263 falantes mais escolarizados (NURC), passa a apresentar uso variável nos falantes de baixa escolarização (PEUL). 7) Anotou-se uma surpreendente correlação entre escrita e fala não-padrão. O verbo esperar, por exemplo -- que apresenta uso variável do subjuntivo nas duas modalidades -- na fala padrão, apresenta uso categórico do subjuntivo. Verificou-se, também, que o subjuntivo é menos freqüente em falantes jovens, o que vai ao encontro da hipótese de retração da regra de uso. 8) Tanto nos dados de fala padrão quanto nos de fala não-padrão, o uso do subjuntivo é categórico quando a oração subordinada concessiva é introduzida pelos conectores por mais que, sem que e ainda que e nunca ocorre quando a oração concessiva é introduzida pelos conectores se bem que e apesar de (que). Os conectores embora e mesmo que apresentaram seleção de uso variável do subjuntivo na fala Padrão e nãoPadrão. 9) O indicativo prevalece, nos dados de fala das orações concessivas, (i) quando o sujeito da oração concessiva está expresso em 3ª pessoa, sobretudo com as formas “você” e “a gente”, em que se observa menor grau de subjetividade; (ii) quando o verbo da oração se encontra no passado, atestando um fato real, (iii) quando o conector da cláusula subordinada ocorre combinado ao verbo haver na acepção de existir; (iv) quando há uma estrutura de ‘verbo suporte’ como predicador da cláusula subordinada. 264 6. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, N. M. Gramática Metódica da língua portuguesa. 42ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. ALMEIDA, E. S. de & CALLOU, D. M. I. Mudanças em curso no português brasileiro: contrastando duas comunidades. Trabalho apresentado no XXIV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Lingüística. Braga, 20-22 de Novembro de 2008. ALMEIDA, E. S. de. Variação de modo verbal na construção do enunciado: uma análise sociofuncional. Texto de qualificação na área de Língua Portuguesa/ Letras vernáculas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. ANCHIETA, J. de. Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil. Coimbra, 1595. ARGOTE, J. C. de. Regras da língua portuguesa, espelho da língua latina. Lisboa: Oficina da Música, 1725. AZEREDO, J. C. de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 2ª ed. São Paulo: Publifolha, 2008. AZEVEDO, M. M. O subjuntivo em português: um estudo transformacional. Petrópolis: Vozes, 1976. BARBOSA, J. S. Gramática filosófica da língua portuguesa. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1820. BARROS, J. de. Gramática da língua portuguesa. Lisboa: UL, [1540] 1971. Edição de M. L. Buescu. BARRA ROCHA, M. M. O modo subjuntivo em português – um estudo constrastivo com o italiano. Belo Horizonte: UFMG, 1992. BARRETO, T. M. M. Gramaticalização das conjunções. Salvador: UFBA,1999. BECHARA, E. Moderna gramática Portuguêsa. 13ª ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1968. BECHARA, E. Moderna gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999. BIANCHET, S. M. G. B. Indicativo e/ou subjuntivo em orações completivas objetivas diretas do português: uma volta ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 1996. BYBEE, J. et alii. A quantitative approach to grammaticization. In: ---. The evolution of grammar: tense, aspect and modality in the languages of the world. Chicago: The University of Chicago Press, 1994, p. 106-124. 265 ___. Indicativo e/ou subjuntivo em orações completivas objetivas diretas do português: uma volta ao latim. In: COHEN, M. A. A. M. & Ramos, J. M. (orgs.) Dialeto mineiro e outras falas: estudos de variação e mudança lingüística. Belo Horizonte: UFMG, 2002. BLATT, F. Précis de Syntaxe Latine. Lyon: IAC, 1952. BORGES NETO, J. Ensaios de filosofia da lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. BOSQUE & DEMONTE. Gramática Descriptiva de la Lengua Española: sintaxis básica de las clases de palavras. Madrid: Espasa, Real Academia Española, Coleción Nebrija y Bello, 1999. BOTELHO PEREIRA, M. A. Aspectos da oposição modal indicativo/subjuntivo no português contemporâneo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1974. BRANDÃO, C. Sintaxe Clássica Portuguesa. Belo Horizonte, 1963. CAMACHO, R. G. O formal e o formalista na teoria variacionista. In: RONCARATI, C. & ABRAÇADO, J. (orgs.) Português brasileiro – contato lingüístico, heterogeneidade e história. 7 Letras, 2001. CAMARA, J. M. Dispersos. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1975. ___. Dicionário de Lingüística e gramática. 9ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1981. ___. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1985. ___. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2001. CASTILHO, A. T. de. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. CEZARIO, M. M. Graus de integração de cláusulas com verbos cognitivos e volitivos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. Tradução Ângela S. M. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2006. COROMINAS, J. Diccionário crítico etimológico castellano e hispánico. Com la colaboración de José A. Pascual. Madrid: Gredos, 1991. CUNHA, C. & CINTRA, L. Nova Gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. DECAT, M. B. N. “Leite com manga, morre”: da hipotaxe adverbial no português em uso. São Paulo: PUC, 1993. DIAS, A. E. da S. Sintaxe histórica portuguesa. 4ª. ed. Porto: Livraria Clássica Editora. 1959. DIAS, A. E. da S. Sintaxe histórica portuguesa. 5ª. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora. 1970. 266 DOTA, Maria Inez M. Das estratégias de leitura às operações enunciativas: a modalidade. Araraquara: UNESP, 1994. DUCROT, O. Provar e dizer: linguagem e lógica. São Paulo: Global, 1981. ELEUTÉRIO, S. M. A variação ter⁄haver: documentos notariais do século XVII. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. FAGUNDES, E. D. As ocorrências do modo subjuntivo nas entrevistas do VARSUL no estado do Paraná e as possibilidades de variação com o modo indicativo. Curitiba: UFPR, 2007. FARIA, E. Gramática Superior da Língua Latina. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1958. FÁVERO, L.L. Complementação de predicado em português. São Paulo: PUC, 1974. ___. O modo verbal da oração completiva. In: Revista brasileira de lingüística. vol 6, nº 1. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1982. FEIJÓ, J. de M. M. Explicationes in omnes partes totius artis R. P. Emmanuelis Alvarez et Societati Jesu. Lisboa: Michaelis Rodriguez, 1729. FREIRE, J. N. Reflexões sobre a Língua Portugueza. Lisboa: Typographia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1842. FIGUEREDO, C. Lições práticas da língua portuguesa. Lisboa: Ferreira, 1900. v. I, II e III. ___. Gramática sintética da língua portuguesa. Lisboa: Clássica, 1920. GANDAVO, P. M. de. As regras que ensinam a maneira de escrever e a ortografia da língua portuguesa. Lisboa: Biblioteca Nacional, [1574] 1981. GIVÓN, T. Funcinalism and grammar. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1995. ___. Syntax – a functional-typological introduction. Amsterdam⁄Philadelphia: John Benjamins, 1990. GOUVÊA, L. H. N. Discurso jurídico e estratégia argumentativa. In: Argumentação Jurídica. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. GOUVÊA, L. H. N. Perspectivas Argumentativas pela Concessão em Sentenças Judiciais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. HEINE, B. et alii. Grammaticalization: a conceptual framework. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. HOPPER, P J. Emergent grammar. BLS 13, 1987. p. 139-57. HOPPER, P. Some principles of grammaticization. In: TRAUGOTT, E. C. & HEINE, B. Approaches to grammaticalization. Amsterdam: John Benjamins, 1991, p. 1-35. 267 HOPPER & TRAUGOTT. Grammaticalization. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. HUBER, J. Gramática do português antigo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1986. KABATEK, J. Tradições discursivas e mudança lingüística. In: LOBO, T.; RIBEIRO, I.; CARNEIRO, Z.; ALMEIDA, N. (Orgs). Para a História do Português Brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2006, Vol. VII, p.505-527. KOCH, Ingedore G. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2003. __. Argumentação e Linguagem. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2004. __. Introdução à lingüística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004. KURY, A. da G. Para falar e escrever melhor o português. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania, 1972. ___. Principles of linguistic change. Internal factors. Cambridge, Blackwell, 1994. ___. The overestimation of functionalism. In: DIRVEN,R. & VILÉM, F.(eds) Functionalism in linguistics. Amesterdan/Philadelphia: John Benjamins,1987, p. 311-332. ___. Principles of linguistic change (social factors), v.2. Oxford: Blackwell, 2001. ___. Padrões sociolingüísticos. Tradução Marcus Bagno, Maria Marta Pereira Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. LAVANDERA, B. R. Where does the sociolinguistic variable stop? Language in Society, 7 (171-82), 1978. LEÃO, D. N. de. Ortografia e a origem da língua portuguesa. Temas portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, [1576] ⁄ [1606] 1983. Edição de M. L. Buescu. LOBO, M. Aspectos de Sintaxe das Orações Subordinadas Adverbiais do Português. Lisboa: UNL, 2003. LOBATO, R. Arte da Grammatica da Língua Portuguesa. Typographia Rollandiana, 1770. LOPES, C. R. dos S. Nós e a gente no português falado culto do Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993. LUFT, C. P. Moderna Gramática Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1991. 268 MARTELOTTA, M. E. T. Gramaticalização e Graus de Vinculação Sintática em Cláusulas Concessivas e Adversativas. Veredas: Revista de Estudos Lingüísticos, 3, Juiz de Fora, 1998, p. 37 – 56. MATEUS, M. H. M. et alii. Gramática da língua portuguesa. 6ª ed. Caminho: 2ª Coleção universitária, 2004. MATTOS E SILVA, R. V. Estruturas Trecentistas: elementos para uma gramática do português arcaico. Salvador: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1989. MATOS, G. & PRADA, E. Construções contrastivas de focalização: adversativas vs. concessivas. In Actas do XX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa, 2004, p. 701-713. MARTINS, L. & CALLOU, D. Variação e mudança na fala culta do Rio de Janeiro e de Salvador: ter e haver em construções existenciais. CELSUL, Florianópolis, mimeo, 2002. MAURER Jr., T. H. Gramática do latim vulgar. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1959. MEILLET, A. L’évolution des formes grammaticales. In: Linguisticque historique et linguistique générale. Paris: Vhampion, 1912. MENON, O. P. da S. Concessivas “exigem”subjuntivo? In: Cadernos de pesquisa em Lingüística. Porto Alegre, 2007, vol. 3, nº 1, p.8-25. MEIRA, V. O uso do modo subjuntivo em orações relativas e completivas no português afrobrasileiro. Salvador: UFBA, 2006. NARBONA JIMÉNEZ, A. Sintaxis coloquial: problemas y métodos. Lingüística Española Actual, 1984, p.81-106. NEVES, M. H. de M. A modalidade. In: KOCK, I. G. V. (org.) Gramática do português falado. Vol. V: Desenvolvimento. Campinas: UNICAMP, 1997, p. 163-195. _____. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000. NETA, A. A. O uso de formas do indicativo por formas do subjuntivo no português brasileiro. Belo Horizonte: UFMG, 2000. NUNES, J. J. Crestomatia Arcaica. , 7ª. ed. Lisboa: Clássica, 1943. ___. Compêndio de gramática histórica portuguesa. 5ª. ed. Lisboa: Clássica, s⁄d. OLIVEIRA, F. Gramática da linguagem portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, [1536] 1975. Edição de M. L. Buescu. OLIVEIRA, H. F. de. Concessão e produção de textos. In: LOPES, L.P.da M. & MOLLICA, M. C. (orgs.) Espaços e interfaces da linguística e da linguística aplicada. Rio de Janeiro: UFRJ,1996. 269 OLIVEIRA, J. M. O futuro da língua portuguesa ontem e hoje: variação e mudança. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. OLIVEIRA, M. do C. de. O uso do modo verbal em estruturas de complementação no português do Brasil. Brasília: UNB, 2007. PALMER, L. R. The Latin Language. London: Faber and Faber Limited, 1954. PALMER, F. R. Mood and modality. Cambridge: Cambridge University Press, 1986. PAREDES, V. L. Cartas Cariocas: A Variação do sujeito na escrita informal. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. PEREIRA, E. C. Gramática histórica. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1929. PEREIRA, A. L. B. O uso do modo subjuntivo na fala de jovens de Juiz de Fora/MG. Rio de Janeiro: PUC, 1995. PERINI, M. A. Gramática descritiva do português. 1 ed. São Paulo: Ática, 1995. PIMPÃO, T. Variação no presente do modo subjuntivo: uma abordagem discursivopragmática. Florianópolis: UFSC, 1999. PINTZUK, S. VARBRUL programs. 1988. inédito. POPLACK, S. The inherent variability of the French subjunctive. In: Theorical analyses in romance linguistics. Amsterdam: John Benhamins publishing company, 1992, p.235-263. PODOLSKY, P. L. Las completivas objeto en Español. México: El Colégio de México, 1984. RAIBLE, W. Knowing and believing – and syntax. In: Parret, H. (ed.) On believing. Epistemological and semiotic approaches. Berlin, New York: De Gruyter, 1983, p.274-291. RIBEIRO, J. Gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Clássica de Alves, 1881. RIVERO, M.L. Mood and Presupposition in Spanish. In: Foundations of Language 7, 1971, p. 305-336. ROBOREDO, A. de. Methodo grammatical para todas as línguas. Lisboa: INCM, 2002 [1619]. ROCHA, R. C. F. da. A alternância indicativo/subjuntivo nas orações subordinadas substantivas em português. Brasília: UNB. 132, p. 1997. ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática normativa da língua portuguesa. 43ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. SAID ALI, M. Gramática histórica da Língua Portuguesa. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1964. 270 SANKOFF, Gillian. Age: Apparent time and real time. In.: Encyclopedia of Language and Linguistics. Second Edition. Article Number: LALI: 01479. 2006. SANTOS, S. M. C. dos. A variação no uso do modo subjuntivo no português afro-brasileiro. Salvador: UFBA, 2004. SANTOS, M. J. de A. V. dos. O uso do conjuntivo em língua portuguesa: uma proposta de análise sintática e semântico-pragmática. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/ MCES, 2003. SILVA-CORVALÁN, C. The gradual loss of mood distinctions in Los Angeles Spanish. Language Variation and Change, n.6, 1994, p.255-272. TAVARES, M. A. A gramaticalização de e, daí e então: estratificação/ variação e mudança no domínio funcional da seqüenciação retroativo-propulsora de informações – um estudo sócio-funcionalista. Florianópolis: UFSC, 2003. WEINREICH, U.; LABOV, W. & HERZOG, M. Empirical foundations for a theory of language change. In: Lehmann, W. P. & Malkiel, Y. (eds.) Directions for historical linguistics. Austin: University of Texas Press, 1968. ___. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística. Tradução Marcos Bagno; revisão técnica Carlos Alberto de Faraco; posfácio Maria da Conceição A. de Paiva, Maria Eugênia Lamoglia Duarte. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. WHERRITT, I. M. The subjunctive in Brazilian Portuguese. Albuquerque: University of New Mexico, 1997. 271 Corpora BARROS, J. de. Gramática da língua portuguesa. Cartinha, gramática, diálogo em louvor da nossa linguagem e diálogo da viciosa vergonha. (ed. M.L.C. Buescu) Lisboa: Fac. de Letras da Univ. de Lisboa, 1971. Transcrição Z.O.N. Carneiro (PROHPOR) CAMBRAIA, C. N. e MEGALE, H. et alii. A carta de Pero Vaz de Caminha: reprodução fac-similar do manuscrito com leitura justalinear. São Paulo: Humanitas/ FFLCH/USP, 1999. CASTRO, I. Vidas de Santos de um manuscrito alcobacense (Colecção mística de fr. Hilário da Lourinhã, Cód. Alc. CCLXVI / ANTT 2274). Separata da Revista Lusitana. Nova série, n. 4 (1982-83) e 5 (1984-85). Lisboa: INIC, 1985. CINTRA, L. F. L. A linguagem dos foros de Castelo Rodrigo. Seu confronto com a dos foros de Alfaiates, Castelo Bom, Castelo Melhor, Coria, Cáceres e Usagre. Contribuição para o estudo do leonês e do galego-português do séc. XIII. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1959. COSTA, Pe. A. J. da. Os mais Antigos Documentos Escritos em Português, Revista Portuguesa de História, 17 (dois manuscritos: Lisboa e Toledo). 1979, p. 307-321. CUNHA, A. G. Livro das Aves. Dicionário da Língua Portuguesa textos e vocabulários. Instituto Nacional do Livro Ministério da Educação e Cultura, 1965. D. JOÃO III. Letters of John III - King of Portugal 1521-557 (The portuguese text edited with an introduction by J. D. M. Ford). Cambridge, Massachusetts. Harvard University Press, 1931. Transcrito por Z.O.N.Carneiro (PROHPOR) FARIA, M. S. de. Discursos vários políticos (introdução actualização e notas de Maria Leonor Soares Albergaria Vieira). Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1999. FERREIRA, J. de A. (ed.) Afonso X, Foro Real, Lisboa, i.n.i.c., 1987, p. 125-309. GALVAO, D. Chronica do muito alto e muito esclarecido principe D. Affonso Henriques primeiro Rey de Portugal. Lisboa Occidental: Officina Ferreyriana, 1726. [1435-1517]. GARVÃO, Maria Helena (ed.) Foros de Garvão. Edição e Estudo Linguístico. Lisboa: F. L. U. L., 1992, p. 65-99. José Pereira da Silva (org.) – Autos da Devassa – Prisão dos Letrados do Rio de Janeiro – 1794, Niterói, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, 1994. LOPES, F. Chronica del Rey D. Ioam I de Boa Memoria e dos reys de Portugal o décimo. Lisboa: Antonio Alvarez, 1644. MACHADO FILHO, A. V. L. Edição paleográfico interpretativa da [Vida de Tassis] de um Flos Sanctorum do século XIV. Salvador: Instituto de Letras da UFBA. digitado. Inédito. 2000. 272 ___. Diálogos de São Gregório: edição e estudo de um manuscrito medieval português. Salvador: EDUFBA, 2008. 294 p. Manuscritos de Manoel Martinz do Couto Reys. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1997. MARTINS, A. M. (ed.). [Vida de Tarsis]. In: Vidas de Santos de um manuscrito alcobacense (Colecção mística de fr. Hilário da Lourinhã, Cód. Alc. CCLXVI / ANTT 2274). Separata da Revista Lusitana. Nova série, n. 4 (1982-83) e 5 (1984-85). Lisboa: INIC, 1985. ___. Clíticos na História do Português. Cartas editadas na Tese de doutoramento. Lisboa: UL, 1994. MARQUILHAS, R. Leitura e escrita em Portugal no século XVII. Lisboa: Universidade de Lisboa, 1996. MELLO, J. A. G. de & ALBUQUERQUE, C. X. de. Cartas de Duarte Coelho a El rei. In: Documentos para a história do Nordeste II. Pernambuco: Imprensa Universitária, 1967. MELO, D. F. M. de. Cartas Familiares (seleção, prefácio e notas por M. Rodrigues Lapa). Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1942. PINA, R. de. Chronica do muito alto e muito esclarecido principe Dom Diniz, sexto rey de Portugal. Lisboa Occidental: Officina Ferreyriana, 1729. [1440-1522] VERNEY, L. A. Verdadeiro Método de Estudar (ed. António Salgado Filho ). Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1949. VIEIRA, A. História do Futuro (Introdução, actualização do texto e notas por Maria Leonor Carvalhão Buescu). 2 ª . edição, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1971. VIEIRA, A. Sermões (prefaciado e revisto pelo Rev. Padre Gonçalo Alves). Porto: Livraria Chardron - Lello & Irmão Editores, 1907. VIEIRA, A. Cartas do Padre António Vieira. (coordenadas e anotadas por J. Lúcio d'Azevedo). Tomo I. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925. http://www.letras.ufrj.br/varport/ http://www.letras.ufrj.br/phpb-rj/ http://www.tycho.iel.unicamp.br/~tycho/corpus/ 273 7. ANEXOS 7.1 PARTE 1 A análise das orações concessivas pautou-se em todos os textos escritos discriminados nesta seção. Nas orações completivas, não se analisaram os textos Manuscritos das mãos inábeis e História do futuro, no século XVII; Cartas Familiares de Francisco Manuel de Melo, século XVIII; e Verdadeiro Método de estudar, século XVIII. 7.1.1 Dados de escrita 1) Afonso X, Foro Real: texto de aproximadamente 1280, extraído do Corpus Informatizado do Português Medieval (CIPM - http://cipm.fcsh.unl.pt/corpus/texto). O documento é dividido em quatro livros: o primeiro contém 12 capítulos; o segundo é composto por 12 capítulos; o terceiro apresenta 21 capítulos; e o quarto, por vinte e quatro capítulos. A edição foi realizada por José de Azevedo Ferreira no ano de 1987, em Lisboa. 2) Testamento de D. Afonso II: texto de 1214, também retirado do Corpus Informatizado do Português Medieval (CIPM). A edição utilizada na análise foi a extraída da região de Beira Litoral, Coimbra, Lisboa, realizada por Padre Avelino Jesus da Costa, em 1979. O manuscrito de Lisboa foi publicado em Os mais Antigos Documentos Escritos em Português, na Revista Portuguesa de História. 3) A linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo: o documento faz parte do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, editado por Luis F. Lindley Cintra, em Lisboa, no ano de 1959, publicado pelo Centro de Estudos Filológicos. O texto foi lavrado na época leonesa na vila de Castelo Rodrigo e, em outras localidades circunvizinhas, no tempo de Afonso IX. É considerado por filólogos um texto de grande importância lingüística, por seu valor histórico e jurídico, tendo em vista a abordagem do direito medieval. 274 4) Cartas do Mosteiro de Chelas: as cartas analisadas foram editadas por Ana Maria Martins, em sua Tese de Doutoramento, em 1994, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O material é composto de cartas dos séculos XIII, XIV e XV. 5) Diálogos de São Gregório: documento do século XIV, editado por Américo Venâncio Lopes, em 2008. As obras de São Gregório resultam do trabalho religioso desenvolvido por ele junto ao povo, por isso são formadas por exortações, com caráter social, disciplinar e moral. Além disso, descrevem-se as histórias extraordinárias, os fatos sobrenaturais e maravilhosos da época. 6) Livro das Aves: edição fac-similar de manuscrito do português antigo, mais especificamente, do século XIV, reeditado e publicado por N. Rossi et alii. Tradução nem integral nem literal do original latino De bestiis et aliis rebus. O texto faz parte de uma coleção organizada e dirigida por A. G. Cunha e foi publicado pelo Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação e Cultura, em 1965. 7) Foros de Garvão: texto do século XIV, editado por Maria Helena Garvão, em 1992, em sua Dissertação de Mestrado, extraído do Corpus Informatizado do Português Medieval (CIPM) e é composto por 675 palavras. Parte desse texto situa-se em 1280 (século XIII) e dividido em seis partes, perfazendo um total de 6536 palavras. O documento utilizado nesta pesquisa foi o de número 7, correspondente ao século XIV, segundo o banco informatizado de textos consultado. 8) Crônica Del Rey D. Affonso Henriques: crônica do príncipe D. Affonso Henriques, primeiro rei de Portugal, composta originalmente por Duarte Galvão. O texto foi fielmente copiado do seu original, extraído do Arquivo Real da Torre do Tombo, por Miguel Lopes 275 Ferreira, em 1726. Para a análise, utilizou-se a versão retirada do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp (http://www.tycho.iel.unicamp.br/~tycho/corpus/). 9) Crônica de Dom Diniz: crônica do príncipe Dom Diniz, sexto rei de Portugal, composta originalmente por Ruy de Pina. O texto foi editado por Miguel Lopes Ferreyra, em 1729. Para a análise, utilizou-se a versão retirada do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp. 10) Crônica Del-Rey D. Joam I: crônica do rei D. Joam I, décimo rei de Portugal, foi produzida originalmente por Fernam Lopez. O texto foi reeditado, em Lisboa, por Antonio Alvarez, no ano de 1644. A versão utilizada foi retirada do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp. 11) Vida de Santa Pelágia é datado do século XV e se insere no grupo dos chamados textos não literários (ou estritamente lingüísticos) do português antigo. Os originais encontram-se depositados no Códice Alcobacense, nº 771, do Arquivo da Torre do Tombo. O texto tem o caráter aspectual de um documento puramente filológico; em paralelo, propicia uma bela amostra de conversão religiosa, tratando-se, por conseguinte, também de um documento hagiográfico. 12) Os textos Morte de São Jerônimo e Vida de Tarsis são manuscritos alcobacenses do século XIV. Os textos foram editados por Ivo Castro em Vidas de santos de um manuscrito alcobacense, na Separata Revista Lusitana (Nova série), 1984-1985 (1º) e 1982-1983 (2º e 3º). 13) Crônica de Dom Pedro, crônica do reinado de D. Pedro, escrita por Fernão Lopes, constitui a primeira das três grandes crônicas do primeiro cronista régio. Composta entre 1440 e 1450, foi impressa pela primeira vez em Lisboa, em 1735, por José Pereira Baião. 276 14) Carta de Caminha, primeiro documento escrito no Brasil, de caráter semi-oficial epistolar (1º de maio de 1500). Utilizou-se, no estudo, uma edição fac-similar do manuscrito com leitura justalinear de Antonio Geraldo da Cunha, César Nardelli Cambraia e Heitor Megale, publicada em 1999 pela Humanitas. 15) Cartas de Duarte Coelho ao Rei, composta de cinco cartas que Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco, escreveu ao rei de Portugal, D. João III. Estas cartas foram editadas por José Antonio Gonsales de Mello e Cleonir Xavier de Albuquerque, pela Universidade Federal de Pernambuco, Imprensa Universitária, em Recife (Pernambuco), no ano de 1967 (Documentos para a história do Nordeste II). As cartas datam de 1542, 1546, 1548, 1549, 1550. 16) Cartas de D. João III, rei de Portugal de 1521-1557. As cartas foram editadas em Cambridge, Massachusetts, na Universidade de Harvard, 1931. Transcrição Z. O. N. Carneiro (PROHPOR). O texto foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp. 17) Gramática de João de Barros: texto de 1532, dos quais foram utilizados os dois diálogos finais (Diálogo em louvor da nossa linguagem e Diálogo da viciosa vergonha). O texto foi editado por M. L. C. Buescu, em Lisboa, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no ano de 1971. Transcrição Z.O.N. Carneiro (PROHPOR) 18) História do Futuro: texto de Padre Antônio Vieira, que foi editado por Maria Leonor Carvalhão Buescu, em 1971. A versão analisada faz parte da 2ª edição da Imprensa Nacional, Casa da Moeda. O texto foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp. 277 19) Sermões: textos escritos por Padre Antônio Vieira, de 1679-1695. Os textos foram prefaciados e revistos pelo Rev. Padre Gonçalo Alves, em 1907, na cidade do Porto, pela Livraria Chardron - Lello & Irmão Editores. A versão utilizada faz parte do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp. 20) Cartas do Padre Antonio Vieira: o material foi coordenado e anotado por J. Lúcio d'Azevedo, em Coimbra, pela Imprensa da Universidade, no ano de 1925. O texto compõe o Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp. 21) Manuscritos das mãos inábeis: os textos datam do período de 1600-1699 e foram editados em 1996, por Rita Marquilhas, em sua Tese de Doutoramento, na Universidade de Lisboa. O material encontra-se disponível no Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp. 22) Discursos Vários Políticos: o texto original foi escrito em 1624 por Manuel Severino de Faria. A introdução, atualização e notas foram realizadas por Maria Leonor Soares Albergaria Vieira, pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda, em 1999. O texto foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp. 23) Cartas de familiares (Francisco Manuel de Melo): as cartas foram escritas em 1664 e, mais tarde, foram editadas por M. Rodrigues Lapa, no ano de 1942, em Lisboa, pela Livraria Sá da Costa. O texto foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, Unicamp. 24) Autos da Devassa: O texto processual tinha a função de descrever a inquirição dos réus e a acareação de testemunhas, acusadas de difusão de princípios iluministas. O presidente da devassa do Rio de Janeiro foi o desembargador António Dinis da Cruz e Silva. Foram presos e inquiridos Manuel Inácio da Silva Alvarenga, João Marques Pinto, Mariano José Pereira da 278 Fonseca, dentre outros. A devassa propriamente dita decorreu entre Dezembro de 1794 e Fevereiro de 1795. A inquirição dos réus e a acareação de testemunhas realizaram-se entre Março e Maio de 1796, não tendo sido possível apurar matéria particularmente grave. O texto foi editado, em 1994, por José Pereira da Silva e consta no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. 25) Manuscritos de Manoel Martinz do Couto Reys: Compõe-se da descrição geográfica, pública e cronográfica do Distrito de Campos de Goytacazes (Rio de Janeiro), em 1785. A transcrição do documento foi realizada por Gracilda Alves, em 1997, e consta no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. 26) Verdadeiro Método de Estudar: Texto editado, em Lisboa, por António Salgado Filho, em 1949. O autor do texto foi Luís António Verney e o texto foi produzido em 1746. O texto foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, Unicamp. 27) Corpora PHPB (séculos XVIII e XIX): disponíveis no endereço eletrônico http://www.letras.ufrj.br/phpb-rj/, os textos compõem o acervo do Projeto Para uma História do Português Brasileiro – Rio de Janeiro. Do século XVIII, foram utilizadas cartas oficiais, cartas de comércio, cartas pessoais, documentos oficiais, documentos particulares, peças populares e peças teatrais portuguesas. No século XIX, analisaram-se cartas oficiais, documentos oficiais, cartas pessoais, peças populares, peças teatrais portuguesas, folhetins, cartas de leitores e redatores, anúncios e notícias. 28) Notícias: As notícias foram extraídas do Projeto VARPORT (Análise Contrastiva de Variedades do Português - http://www.letras.ufrj.br/varport/). Os textos encontram-se divididos em cinco fases, a saber: fase I- 1901⁄1924; fase II- 1925⁄1949; fase III-1950⁄1974; 279 fase IV-1975⁄2000. Na primeira fase, o corpus é composto por 25 documentos; na segunda, por 39; na terceira, encontram-se 17 textos; e na quarta, 31. 29) Editoriais: extraídos do Projeto VARPORT, os editoriais são divididos em quatro fases: I- 1901⁄1924, com quatro documentos; fase II- 1925⁄1949, com seis documentos; fase III1950⁄1974, com seis documentos; fase IV-1975⁄2000, com sete documentos. 30) Cartas Pessoais: analisaram-se um total de 26 cartas, enviadas dos municípios do Rio de Janeiro, de Petrópolis, Natal e São Luís. 7.1.2 Dados de fala 1) Entrevistas do Projeto NURC (Norma Urbana Oral Culta), das cidades do Rio de Janeiro e Salvador, nas décadas de 70 e 90. O material do Rio de Janeiro encontra-se disponível no site http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/. Analisaram-se quatro inquéritos de três faixas etárias distintas: faixa I- 25⁄35 anos; faixa II- 36⁄55 anos; e faixa III- 56 anos em diante. Selecionaram-se, de cada faixa etária, dois informantes femininos e dois masculinos, em cada uma das cidades. Faixa 1 Faixa 2 Faixa 3 NURC - RJ NURC - SSA Década 70 Década 90 Década 70 Década 90 Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem 011 096 002 001 125 138 002 006 084 012 003 013 173 016 010 261 052 019 014 231 100 012 007 104 135 054 017 081 135 008 015 317 112 027 028 159 094 005 007 057 255 018 356 283 006 013 Quadro 5. Relação de inquéritos extraídos do Projeto NURC 280 2) Entrevistas do Projeto PEUL (Programa de Estudos sobre o uso da Língua). As entrevistas foram gravadas nas décadas de 80 (Amostra Censo) e 2000 e estão disponíveis no endereço eletrônico http://www.letras.ufrj.br/peul/. Na análise das orações concessivas, utilizou-se todo o material disponível no site. Nas orações completivas, analisaram-se quatro inquéritos de três faixas etárias distintas, seguindo o padrão de divisão de faixas etárias do Projeto NURC. PEUL - RJ Década 80 Década 2000 Mulher Homem Mulher Homem 004 020 017 023 Faixa 1 010 025 021 005 017 009 018 016 Faixa 2 043 007 024 019 008 018 027 025 Faixa 3 016 033 028 029 Quadro 6. Relação de inquéritos extraídos do Projeto PEUL 281 7. 2 PARTE 2 Século XIII 100% Subjuntivo Advinhar Chantar Confiar Consentir Constranger Contradizer Dar Defender Escapar Estabelecer Fastar Fazer Mandar Mandar fazer Manguer Ouver Outorgar Pedir Prometer Querer Querelar Responder Rogar Ser direito Ser mester Ter por bem 26 predicadores 100% Indicativo Acontecer Achar Confessar Conhecer Crer Defender Dividir Entender Firmar Ler Mostrar Negar Ouvir Publicar Provar⁄ querer provar Reconhecer Requerer Saber Ser escrito Ver 20 predicadores Subjuntivo variável Acaecer Convir a saber Demandar ⁄ ser demandado Dizer Jurar 5 predicadores Tabela 47. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XIII 282 Século XIV 100% Subjuntivo Aconselhar Acontecer Defender Desejar Destregar Deixar Fazer mester Fazer com que Guardar Haver dúvida Pedir Prazer Rogar Ser sofrer Temer 15 predicadores 100% Indicativo Acaecer Acontecer Achar Acordar Conhecer Confessar Contar Considerar Desesperar Dever pregar Entregar Falar Fazer fé Ler Matar Mostrar Negar Ouvir Perguntar Poder provar Poer Querer desprezar Receber Reconhecer Rogar (se)⁄ começar a rogar Saber Ser conteúdo Sentir Ver 29 predicadores Subjuntivo variável Crer⁄ poder crer Cuidar Convir⁄ convir a saber Demandar Dizer e suas variações Duvidar Entender⁄ dar a entender Fazer Jurar Lembrar Mandar Ordenar Outorgar Prometer Querer Responder Semelhar 17 predicadores Tabela 48. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XIV 283 Século XV 100% Subjuntivo Acatar Aconselhar Aprazer Cometer Comprir Consentir Consertar Convir Deixar Desejar Embargar Encomendar Enviar Folgar Guardar Inclinar Lembrar Pedir Poder Prejeitar Procurar Prouver Ser necessário Ser razão Suplicar Ter⁄ser por bem 26 predicadores 100% Indicativo Acertar Aporfiar Assentar Certificar Começar a sonhar Comprovar Concluir Confiar Conhecer Considerar Constar Declarar Descobrir Determinar Entender Enviar Ensinar Figurar Fingir Haver de duvidar Julgar Manter Oferecer Pensar Perguntar Presumir Prometer Reconhecer Sentir Ser determinado Ser certificado Ser necessário Ser claro Ser verdade 34 predicadores Subjuntivo variável Achar Aver Acordar⁄ ser acordado Acontecer Afirmar Aprouver Bradar Concordar⁄ ser concordado Contar Cuidar Crer Dar licença Dizer e suas variações Esperar Escrever ⁄ Achar escrito Falar Fazer ⁄ fazer com que Jurar Mandar Mostrar Ordenar Outorgar Ouvir Ouvir por bem Parecer Pesar Pedir Poder crer Prazer Prometer Querer Recear Requerer Responder Rogar Saber Ser por certo⁄ ser certo⁄ haver certo Ser bem⁄ Ter por bem⁄ ouvir por bem Ter ordenado Ter Ver 42 predicadores Tabela 49. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XV 284 Século XVI 100% Subjuntivo Acenar Aconselhar Alegar Apontar Avisar Aver prazer Cobiçar Consentir Encomendar Falar Folgar Haver d’olhar Insistir Leixar Notificar Pedir Procurar Publicar Requerer Resguardar Resolver Rogar Ser caso Ser necessário Ser por serviço Ser razão Solicitar Ter lembrança Tornar 100% Indicativo Achar Afirmar Acordar Acrescentar Aver d’olhar Assegurar Certificar Confiar Conhecer Considerar Consentir Cometer Convir Dever olhar Determinar Entender Enformar Ensinar Julgar Ficar claro Jurar Ler Mandar saber Mostrar Pensar Perguntar Poder ver Praticar Prazer Presumir Provar Querer falar Querer fazer Representar Sentir Ser certo Ser claro Ser dito Ser lembrado Ser verdade Ser por serviço Ter defeso Ter por certo Temer Tomar por fim Usar Subjuntivo variável Assentar Crer Cuidar Cumprir Declarar Defender Dizer Escrever Esperar Lembrar Mandar Parecer Poder ser Poder dizer Prometer Querer Querer dizer Responder Saber Ser por bem Ver 29 predicadores 46 predicadores 21 predicadores Tabela 50. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XVI 285 Século XVII 100% Subjuntivo Aconselhar Bastar Conceder Consentir Convir Dar Deixar Desejar Dictar Doer Encomendar Evitar Estimar Exortar Fazer Folgar Interpretar Obrigar Obstar Ordenar Pedir Permitir Proibir Recear Referir Requerer Rogar Sentir Ser bem Ser bom Ser justo Ser necessário Servir Ter esperança 100% Indicativo Achar Acrescentar Advertir Adivinhar Admirar Afirmar Alcançar Alegar Anunciar Apostar Apontar Apregoar Averiguar Atender Atentar Assegurar Avisar Cantar Conhecer Concluir Confessar Confirmar Considerar Constar Convencer Contar Crer Declarar Demonstrar Entender Ensinar Escrever Espalhar Esquecer Falar Fingir Imaginar Inferir Julgar Mostrar Negar Notar 286 Subjuntivo variável Conceder Confessar Cuidar Dizer Duvidar Esperar Importar Mandar Mostrar Negar Parecer Persuadir Poder ser Procurar Prometer Querer Responder Resolver Ser possível Temer 34 predicadores Ocorrer Oferecer Pesar Pregar Pronunciar Provar Queixar-se Receitar Reconhecer Referir Reparar Replicar Revelar Saber Ser certo Ser claro Ser verdade Supor Suceder Suspeitar Ver Verificar 64 predicadores 20 predicadores Tabela 51. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XVII 287 Século XVIII 100% Subjuntivo Admirar Conceder Consentir Constar Desejar Determinar Encarregar Entrever Esclarecer Estimar Esperançar Fazer Mandar Merecer Negar Ordenar Permitir Poder ser Pretender Procurar Propor Querer Recear Restar Rogar Sentir Ser bem Ser conveniente Ser justo Ser natural Ser notável Ser preciso Ser verossímil Suceder Temer Vigiar 100% Indicativo Achar Acontecer Acrescentar Advertir Apostar Assentar Assegurar Atestar Avisar Capacitar Certificar Concluir Confessar Conhecer Considerar Constar Contar Conter Contentar Convencer Cuidar Dar parte Declarar Defender Demonstrar Descobrir Discorrer Enganar Entender Falar Fingir Figurar Gostar Inferir Informar Instar Jurar Lembrar Mostrar Olhar Participar 288 Subjuntivo variável Afirmar Aconselhar Bastar Crer Deixar Dizer Duvidar Esperar Fazer Importar Instar Julgar Parecer Pensar Persuadir Pedir Presumir Prometer Provar Recomendar Referir Relatar Replicar Responder Saber Ser certo Ser possível Ser verdade Supor Perceber Perdoar Perguntar Protestar Prover Reparar Repetir Segurar Servir Ser evidente Ser notório Suportar Sustentar Ter notícia Ter razão Verificar Ver Vir 36 predicadores 59 predicadores 30 predicadores Tabela 52. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XVIII 289 Século XIX 100% Subjuntivo Apostar Admirar Bastar Carecer Consentir Cumprir Deixar Dever envergonhar Esperançar Estimar Exigir Ficar satisfeito Fingir Importar Indicar Interessar Invejar Lamentar Mandar Negar Ordenar Pedir Permitir Poder acontecer Poder ver Ponderar Prazer Precisar Prever Proibir Querer Requerer Ser bonito Ser bom Ser conveniente Ser incontestável Ser justo Ser lástima Ser necessário Ser notável Ser preciso 100% Indicativo Achar Acontecer Acrescentar Adivinhar Afiançar Afirmar Agourar Anunciar Assegurar ⁄ poder assegurar Assentar Asseverar Anunciar Apregoar Avançar Atestar Calcular Cantar Certificar Cientificar Coligir Compreender Comunicar Concluir Conhecer Considerar Conter Correr Dar notícias Dar crédito Decidir Demonstrar Declamar Descobrir Desconfiar Desenganar Desforrar Despachar Dissimular Ensinar Entender Escrever 290 Subjuntivo variável Acreditar ⁄ crer Aconselhar Advertir Avisar Confessar Contar Constar Convencer ⁄ Estar convencido Convir Cuidar Declarar Determinar Desejar Dizer Perífrases com dizer Duvidar Imaginar Esperar Fazer ⁄ Fazer com que Pedir Pensar Poder ser Prevenir Provar Recomendar Responder Rezar Rogar Saber Ser verdade Sentir Supor Ser verdade Supor Vedar Ver Ser provável Ser possível Ser triste Ser urgente Sofrer Suplicar Suspeitar Tardar Estar ciente Estar convencido Estar desenganado Estar claro Evidenciar Explicar Falar Folgar Garantir Gorjear Ignorar Indagar Inferir Informar Inspirar Julgar Jurar Lembrar Ler Lisonjear Mostrar Notar Observar Olhar Parecer Participar Perdoar Perguntar Persuadir Prevenir Procurar Propalar Propor Provar Prometer Protestar Publicar Querer provar Reconhecer Recordar Referir Reparar Replicar Representar Resolver 291 Restar Rosnar Ser certo Ser conveniente Ser crível Ser estatuído Ser evidente Ser razão Ser notório Ser certo Ser prova Sonhar Sustentar Ter conhecimento Ter certeza Ter desconfiança Ter dúvida Ter fé Ter notícia Ter resposta Verificar Viver 49 predicadores 108 predicadores 36 predicadores Tabela 53. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XIX 292 Século XX 100% Subjuntivo Adorar Concitar Cumprir Deplorar Deixar Desejar Desmentir Exigir Imaginar Impedir Impor Mandar Merecer Negar Ordenar Pedir Permitir Possibilitar Pretender Querer Recear Ser bom Ser justo Ser necessário Ser natural Ser possível 100% Indicativo Acabar Acentuar Acontecer Acrescentar Admitir Advertir Afirmar Aludir Apostar Anunciar Aproveitar Asseverar Avisar Calcular Certificar Compreender Concluir Confessar Confirmar Contar Convencer Declarar Decretar Deduzir Defender Demonstrar Denunciar Desculpar Determinar Divulgar Dizer Duvidar Entender Esclarecer Escrever Escutar Estabelecer Evidenciar Explicar Falar 293 Subjuntivo variável Achar Acreditar ⁄ crer Esperar Mostrar Pensar Perífrases com dizer 26 predicadores Garantir Importar Indicar Indagar Informar Insistir Julgar Jurar Lamentar Lembrar Notar Noticiar Negar Parecer Participar Perguntar Previr Provar Reafirmar Reclamar Reconhecer Recordar Reiterar Reparar Repelir Responder Ressalvar Ressaltar Saber Salientar Sentir Ser certo Ser fato Ser verdade Sonhar Ter certeza Ter em vista Ter impressão Ver Verificar 80 verbos 6 predicadores Tabela 54. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século XX 294