UFRJ Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas

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UFRJ
Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas:
do século XIII ao XX
Erica Sousa de Almeida
Rio de Janeiro
Setembro de 2010
UFRJ
Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas:
do século XIII ao XX
Erica Sousa de Almeida
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa), Faculdade de Letras, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Doutor em Letras Vernáculas, na Área
de Língua Portuguesa.
Orientador: Dinah Maria Isensee Callou
Rio de Janeiro
Setembro de 2010
Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao XX
Erica Sousa de Almeida
Orientador: Profª. Doutora Dinah Maria Isensse Callou
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte integrante dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas, na Área de Concentração
Língua Portuguesa.
Examinada por:
_______________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou – UFRJ (Orientador)
_______________________________________________________________
Professora Doutora Therezinha Maria Mello Barreto – UFBA
_______________________________________________________________
Professora Doutora Maria Maura Conceição Cezário – UFRJ (Lingüística)
_______________________________________________________________
Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa – UFRJ (Língua Portuguesa)
_______________________________________________________________
Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues – UFRJ (Língua Portuguesa)
_______________________________________________________________
Professor Doutor Mario Eduardo Toscano Martellota – UFRJ (Suplente)
_______________________________________________________________
Professora Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante – UFRJ (Suplente)
Rio de Janeiro
Setembro de 2010
ALMEIDA, Erica Sousa de
Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao
XX.
Erica Sousa de Almeida - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2010.
CCXCIV, 294 f.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ/FL/Departamento de Letras Vernáculas – Programa de Pós-Graduação
em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Orientador: Profª Dr.ª Dinah Maria
Isensse Callou – UFRJ/FL/Departamento de Letras Vernáculas.
Bibliografia: f. 265-273.
1. Modo Verbal. 2. Cláusulas Completivas. 3. Cláusulas Concessivas. 4.
Conector. I. CALLOU, Dinah. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III.
Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do século XIII ao
XX.
“Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere
qualquer coisa. Não altera em nada… Porque no fundo a
gente não está querendo alterar as coisas. A gente está
querendo desabrochar de um modo ou de outro…”
Clarice Lispector
Agradecimentos
Agradeço a Deus, sem o qual não teria tido oportunidade e força para concluir este
trabalho.
À Dinah Callou, pela orientação competente e comprometida com o trabalho da
investigação científica. Dinah é exemplo de sabedoria, seriedade e vibração (paixão) em tudo
o que se habilita a realizar. Obrigada por, muitas vezes, me orientar, na minha vida acadêmica
e, também, na vida pessoal, sempre torcendo para que eu tenha êxito nos meus projetos.
Aos queridos professores de Pós-Graduação Aparecida Lino, Leonor Werneck,
Maria Eugênia Lamoglia Duarte, Maria Lúcia Leitão, Marcia Machado e Silvia Rodrigues,
pelos ensinamentos obtidos nos Cursos realizados durante o Doutorado em Língua
Portuguesa.
À professora Célia Lopes, que me concedeu, ainda na época de minha graduação, a
oportunidade de trabalhar no Projeto NURC.
Às professoras Lúcia Helena e Maria Maura, pelas contribuições no Exame de
Qualificação.
Ao CNPq, por financiar os meus estudos na Pós-Graduação e tornar possível minha
participação em Congressos e Seminários, dentro e fora do país.
Aos amigos de Projeto NURC Elaine Tomé, Luana Machado, Luciene Martins,
Priscila Guimarães Batista, Kate Portela, Suelen Sales, Vitor Campos, Vivian Paixão, pelas
experiências compartilhadas na sala F-312.
Aos alunos, com quem troco experiências, e que contribuem para o meu
amadurecimento pessoal e profissional.
Aos meus queridos pais, Pedro e Edeleuza, que sempre apostam nos meus
propósitos de vida e se mantiveram presentes, ainda que não fisicamente, em todas as etapas
de realização desta pesquisa. Obrigada por ter me mostrado a importância do conhecimento na
vida profissional.
À minha irmã Priscila, dedicada sempre a me ajudar.
À minha família -- avó, tios e primos -- que, embora distantes, acreditam nas minhas
escolhas, torcendo pelo meu sucesso.
A meu marido, Fabiano, em especial, com quem tenho construído minha vida, com
muito respeito, companheirismo e, sobretudo, amor. Sempre me encoraja e acredita que posso
ser mais do que realmente consigo. Funciona, desde o Mestrado, como co-participante da
minha trajetória profissional, suportando, inclusive, as minhas maiores tensões.
A todos que torceram para que esta Tese, enfim, terminasse.
SINOPSE
Variação de uso do subjuntivo/indicativo, em
estruturas completivas e concessivas. Análise em
tempo real de longa duração, com base em amostras
de fala e escrita, à luz dos pressupostos teóricometodológicos da Sociolingüística variacionista e do
Funcionalismo.
RESUMO
ALMEIDA, Erica Sousa de. Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do
século XIII ao XX. Rio de Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
Analisa-se a distribuição das ocorrências de modo subjuntivo e indicativo em
construções de dois tipos, do ponto de vista da relação que se estabelece entre a cláusula
subordinada e a principal: subordinadas substantivas -- encaixadas -- e adverbiais concessivas.
Discute-se o fato de que o uso dos modos verbais está diretamente relacionado ao grau de
certeza⁄incerteza que se queira imprimir a um dado enunciado: com o indicativo, expressamse fatos tidos verossímeis e reais; com o subjuntivo, fatos possíveis, duvidosos, incertos,
irreais ou hipotéticos. O subjuntivo constitui o modo marcado, em oposição ao indicativo, o
modo não-marcado, já que ocorre em contextos em que não há restrição específica a
determinado modo verbal. Parte-se dos pressupostos da teoria variacionista laboviana (Labov,
1972; 1994) -- uma análise em tempo real de longa e de curta duração -- e de algumas
concepções do funcionalismo lingüístico (Givón, 1995).
No que diz respeito às orações completivas, destaca-se que o uso do subjuntivo está
relacionado ao componente semântico-lexical do verbo da oração matriz, fato comprovado
desde o português arcaico e clássico. Há verbos que selecionam apenas o subjuntivo, verbos
que selecionam apenas o indicativo, e verbos que apresentam uso variável do subjuntivo, a
depender de restrições que operam na proposição, tanto na escrita quanto na fala culta e nãoculta. A análise revelou ainda que o efeito de negação e as relações temporais entre a oração
matriz e a oração encaixada podem também atuar na seleção do modo verbal.
No que diz respeito às orações adverbiais concessivas, observa-se uma cristalização
de uso do subjuntivo. Os resultados da análise diacrônica evidenciam que o uso do modo
verbal varia em função de fatores de natureza sintático-semânticos e extra-linguísticos. Na
fala culta, o tipo de sujeito da oração concessiva pode interferir na escolha de determinado
modo verbal e, na fala não-culta, com determinados conectores, a freqüência de uso do
subjuntivo é menor. A análise torna ainda evidente que o uso do subjuntivo se especifica, na
medida em que há (i) completa gramaticalização de certos conectores e (ii) restrição imposta
pela própria norma gramatical.
Pode-se concluir que, nas duas estruturas em foco, independente de a relação entre
as cláusulas ser distinta, é o elemento à esquerda do verbo que comanda a seleção do modo
verbal: nas orações encaixadas, esse elemento à esquerda é, fundamentalmente, o verbo da
oração matriz; nas orações concessivas, o elemento à esquerda é aquele que introduz a
cláusula subordinada, isto é, o conector.
ABSTRACT
ALMEIDA, Erica Sousa de. Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do
século XIII ao XX. Rio de Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
This paper focuses on variable use of subjunctive and indicative mood in Brazilian
Portuguese, not only in embedded clauses but also in concessive structures. The usual
explanation is that there is a difference in meaning between the two constructions: the
indicative mood expresses factual reality and the subjunctive mood expresses eventuality and
potentiality (the irrealis hypothesis) and is considered by traditional grammar the prototypical
mood of subordination. Our analyses are based on two oral samples (total of 1570 tokens) of
standard dialect and non-standard dialects, recorded in two different periods of time, for a
short term real time study (Labov, 1994), and on written texts from the 13th to the 20th
century, for a long term real time study.
Our hypothesis is that the use of subjunctive in embedded clauses is related to the
semantic/lexical component of the main clause (the matrix verb): the results confirm that there
are verbs which permit both indicative and subjunctive forms, and verbs which always select
subjunctive or indicative mood. Mood choice may be conditioned by other, sometimes
competing, semantic and syntactic factors, such as the negative effect and the correlation
between time and mood. In concessive structures, syntactic and semantic constraints must be
considered. The analyses reveal that (i) age-group differentiation: older -- rather than younger
-- speakers use the subjunctive more often; (ii) in standard dialect, the type of the subject, in
concessive structures, also play a role in mood choice; in non-standard dialect, depending on
the kind of connective, the use of the subjunctive is less frequent; and (iii) the use of the
subjunctive becomes specialized due to the grammaticalization of some conjunctions and also
by restrictions imposed by prescriptive grammar.
We conclude that, no matter the difference between embedded and concessive
clauses, it is the left constituent which triggers mood choice: in embedded clause, the matrix
verb; in concessive clause, the kind of connective.
RÉSUMÉ
ALMEIDA, Erica Sousa de. Variação de uso do subjuntivo em estruturas subordinadas: do
século XIII ao XX. Rio de Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
On focalise l’usage du mode subjonctif et indicatif dans deux types de constructions
: subordonnées substantives – encadrées – et adverbiaux concessives. On parle que l’usage
des modes verbaux est directement liée au niveau de certitude/incertitude que l’on veut
imprimer à une certaine énontiation: l’indicatif exprime des événements considerés veritables
et réels ; le subjonctif, événements possibles, douteux, incertains irréels ou hypothétiques. Le
subjonctif constitue le mode marqué, en faisant opposition à l’indicatif, le mode non-marqué,
puisqu’il arrive dans contextes où il n’y a pas des restrictions spécifiques à certain mode
verbal. On part des hypothèses de la théorie variationiste labovienne (LABOV, 1972; 1994) –
une analyse en temps réel de longue et courte durée – et de quelques conceptions du
fonctionalisme linguistique (GIVÓN, 1995).
En ce qui concerne les propositions complétives, on met en relief que l’usage du
subjonctif est lié au composant sémantique-lexical du verbe de la proposition matrice, ce qui
est confirmé depuis le portugais archaïque et classique. Il y a des verbes qui font la sélection
seulement du subjonctif, des verbes qui font la sélection seulement de l’indicatif, et des verbes
qui présentent l’usage variable du subjonctif, ce qui dépend des restrictions qui se produisent
dans la proposition, autant à l’écrit qu’à l’oral cultivé et non-cultivé. L’analyse a encore
montré que l’effet de négation et les relations temporelles entre la proposition matrice et la
proposition encadrée peuvent aussi agir dans la sélection du mode verbal.
En ce qui concerne les propositions adverbiaux concessives, on remarque une
cristalisation de l’usage du subjonctif. Les résultats de l’analyse diachronique montrent que
l’usage du mode verbal varie à cause de facteurs syntaxique-sémantiques et extralinguistiques. À l’oral cultivé, le type de sujet de la proposition concessive peut intervenir
dans le choix d’un certain mode verbal et, à l’oral non-cultivé, avec certains connecteurs, la
fréquence de l’usage du subjonctif est plus petite. L’analyse montre encore que l’usage du
subjonctif devient précise à la mesure où il y a : (i) l’entière grammaticalisation de certains
connecteurs; et (ii) la restriction imposée par la règle grammaticale elle-même.
On peut conclure que, dans les deux structures analysées, même si la relation entre
les clauses est différente, c’est l’élément à gauche du verbe qui commande la sélection du
mode verbal: dans des propositions encadrées, cet élément à gauche est, surtout, le verbe de la
proposition matrice; dans des propositions concessives, l’élément à gauche est celui qui
introduit la clause subordonné, c’est-à-dire, le connecteur.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Fatores que contribuem na escolha de uso do modo subjuntivo nas orações
subordinadas regidas por outros verbos que não falloir ‘ser preciso’ (Fonte: Poplack, 1990, p.
21) ........................................................................................................................................... 62
Tabela 2: Carga semântica do verbo da matriz (Fonte: Rocha, 1997, p.127) ....................... 73
Tabela 3: Listagem, em ordem alfabética, dos verbos
que apresentam uso variável do
subjuntivo em orações completivas, na escrita, do século XIII ao XX (variáveis em até duas
sincronias) .............................................................................................................................. 99
Tabela 4: Freqüência de uso do subjuntivo, nos verbos que apresentam variação ao longo dos
séculos, dispostos em ordem alfabética ................................................................................ 114
Tabela 5: Correlação entre o tempo verbal da matriz e o tempo da encaixada com o verbo
dizer nos dados da escrita ...................................................................................................... 119
Tabela 6: Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em
relação à época analisada ...................................................................................................... 123
Tabela 7: Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em
relação à época e ao gênero textual ...................................................................................... 124
Tabela 8: Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em
relação ao gênero textual analisado ...................................................................................... 125
Tabela 9: Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em
relação ao tempo verbal da matriz ........................................................................................ 126
Tabela 10: Correlação entre o tempo verbal da matriz e o tempo da encaixada nas perífrases
com o verbo dizer nos dados da escrita ................................................................................. 129
Tabela 11: Presença do subjuntivo⁄ indicativo por tipo de perífrase com dizer ao longo dos
séculos ................................................................................................................................... 129
Tabela 12: Relação dos conectores concessivos através dos séculos .................................. 151
Tabela 13: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que ao longo
dos séculos ............................................................................................................................ 204
Tabela 14: Posição da oração subordinada concessiva com o conector ainda que ............. 204
Tabela 15: Tipo de elemento interveniente entre o conector ainda que e o verbo da oração
concessiva ............................................................................................................................. 205
Tabela 16: Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector ainda que
em relação ao gênero textual analisado em cada século ....................................................... 213
Tabela 17: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo
com a modalidade da proposição .......................................................................................... 214
Tabela 18: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo
com o estatuto informacional dos segmentos concessivos ................................................... 215
Tabela 19: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo
com a época analisada ........................................................................................................... 215
Tabela 20: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo
com o tempo do evento em relação ao momento da enunciação .......................................... 215
Tabela 21: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo
com a identidade entre os sujeitos das cláusulas ................................................................. 216
Tabela 22: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector como quer que ao
longo dos séculos .................................................................................................................. 216
Tabela 23: Posição da oração subordinada concessiva com o conector como quer que
................................................................................................................................................ 217
Tabela 24: Relação entre o tipo de elemento interveniente entre o conector ainda que e o
verbo da oração concessiva ................................................................................................... 217
Tabela 25: Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector como quer
que em relação ao gênero textual analisado em cada século ................................................ 221
Tabela 26: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector embora ao longo dos
séculos ................................................................................................................................... 222
Tabela 27: Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector pero/empero (que) ao
longo dos séculos .................................................................................................................. 223
Tabela 28: Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector
pero/empero (que) em relação ao gênero textual analisado em cada século ........................ 226
Tabela 29: Relação entre o tipo de elemento interveniente entre o conector posto que e o
verbo da oração concessiva ................................................................................................... 228
Tabela 30: Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector posto que
em relação ao gênero textual analisado em cada século ....................................................... 232
Tabela 31: Freqüência do modo verbal de acordo com o verbo de opinião nos dados do
NURC..................................................................................................................................... 237
Tabela 32: Freqüência do modo de acordo com o verbo de opinião nos dados do
PEUL...................................................................................................................................... 237
Tabela 33: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos
dados de fala culta e não-culta em comparação com
dados
da escrita
................................................................................................................................................ 242
Tabela 34: Percentual e peso relativo da variável pessoa verbal nos dados de fala culta
................................................................................................................................................ 244
Tabela 35: Percentual e peso relativo da variável presença de elemento de negação nos dados
de fala culta ........................................................................................................................... 244
Tabela 36: Percentual e peso relativo da variável tempo verbal nos dados de fala culta
................................................................................................................................................ 244
Tabela 37: Análise de percentuais e pesos relativos da variável tipo de verbo da matriz
(PEUL) .................................................................................................................................. 247
Tabela 38: Análise de percentuais e pesos relativos da variável gênero (PEUL) ................ 248
Tabela 39: Análise de percentuais e pesos relativos da variável tempo verbal (PEUL)
................................................................................................................................................ 248
Tabela 40: Uso do subjuntivo de acordo com a faixa etária (apenas dos verbos que admitem
variação) nas duas variedades (NURC/PEUL) ..................................................................... 248
Tabela 41: Uso de subjuntivo quanto ao tipo de conector da oração subordinada na variante
padrão (NURC) e não-padrão (PEUL) .................................................................................. 253
Tabela 44: Cruzamento entre o tipo de conector e a posição da oração concessiva
(NURC/PEUL) ...................................................................................................................... 257
Tabela 45: Freqüência de uso do subjuntivo em cada uma das décadas analisadas nos dados
de fala padrão e não-padrão .................................................................................................. 258
Tabela 46: Distribuição de uso do subjuntivo por faixa etária (NURC/PEUL) ................... 259
Tabela 47: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos dados século XIII ............................................................................................................ 282
Tabela 48: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos dados século XIV ........................................................................................................... 283
Tabela 49: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos dados século XV ............................................................................................................. 284
Tabela 50: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos dados século XVI ........................................................................................................... 285
Tabela 51: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos dados século XVII ................................................................................................ 286 e 287
Tabela 52: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos dados século XVIII ............................................................................................... 288 e 289
Tabela 53: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos dados século XIX .......................................................................................... 290, 291 e 292
Tabela 54: Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva
nos dados século XX ................................................................................................... 293 e 294
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
acreditar/crer ao longo dos séculos ...................................................................................... 116
Figura 2: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo cuidar
ao longo dos séculos ............................................................................................................. 118
Figura 3: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo dizer
ao longo dos séculos ............................................................................................................. 122
Figura 4: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
duvidar ao longo dos séculos ................................................................................................ 132
Figura 5: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
esperar ao longo dos séculos ................................................................................................ 134
Figura 6: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo jurar
ao longo dos séculos ............................................................................................................. 136
Figura 7: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
mandar nos séculos em que há variação ............................................................................... 137
Figura 8: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
parecer ao longo dos séculos ................................................................................................ 140
Figura 9: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
pensar ao longo dos séculos .................................................................................................. 142
Figura 10: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
querer ao longo dos séculos .................................................................................................. 144
Figura 11: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
responder ao longo dos séculos ............................................................................................ 145
Figura 12: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo
saber ao longo dos séculos .................................................................................................... 147
Figura 13: Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo ver
ao longo dos séculos ............................................................................................................. 148
Figura 14: Distribuição de uso por cada década em cada cidade (NURC) ......................... 244
Figura 15: Distribuição de uso por cada década em cada verbo (NURC) ........................... 245
Figura 16: Distribuição de uso por cada década de acordo com a idade (NURC) .............. 246
Figuras 17: Cruzamento entre o tipo de verbo e década, na cidade do Rio de Janeiro, nos
corpora de fala culta ............................................................................................................. 246
Figura 18: Cruzamento entre o tipo de verbo e década, na cidade de Salvador, nos corpora de
fala culta ................................................................................................................................ 247
Figura 19: Distribuição de uso por cada década em cada verbo (PEUL) ............................ 249
Figura 20: Distribuição de uso por cada verbo nas três faixas etárias (PEUL) .................. 249
Figuras 21: Cruzamento entre faixa etária e década, com o verbo e pensar (PEUL)
................................................................................................................................................ 250
Figuras 22: Cruzamento entre faixa etária e década, com o verbo dizer (PEUL)
................................................................................................................................................ 251
Figura 23: Distribuição de uso do subjuntivo pelo tipo de conector em cada uma das
variantes ................................................................................................................................ 258
Figura 24: Distribuição de uso do subjuntivo por gênero nas duas variantes (NURC/PEUL)
................................................................................................................................................ 259
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Traços semânticos da modalidade e o uso do subjuntivo (cf. Givón, 1995, p. 132)
.................................................................................................................................................. 14
Quadro 2: Traços controladores do uso dos modos verbais ................................................ 100
Quadro 3: Dados demográficos das cidades do Rio de Janeiro e Salvador, nas décadas de 70
e 90 (Fonte: IBGE) ................................................................................................................ 251
Quadro 4: Dados demográficos da cidade do Rio de Janeiro, nas décadas de 80 e 2000
(Fonte: IBGE) ....................................................................................................................... 251
Quadro 5- Relação dos inquéritos extraídos do Projeto NURC .......................................... 280
Quadro 6- Relação dos inquéritos extraídos do Projeto PEUL ........................................... 281
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Cf. → Conferir ou confrontar
IBGE → Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
NURC → Projeto Norma Urbana Oral Culta
Oco. → Ocorrência
PEUL → Programa de Estudos sobre o Uso da Língua
PHPB → Projeto Para uma História do Português do Brasil
RJ → Rio de Janeiro
SSA → Salvador
Subj. → Subjuntivo
VARSUL → Projeto Variação Lingüística Urbana no Sul do País
VARPORT → Projeto Análise Contrastiva de Variedades do Português
VALPB → Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba
Vinf → Verbo no infinitivo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1a 4
1. APRESENTAÇÃO DO TEMA .......................................................................................... 5
1.1 MODO E MODALIDADE ....................................................................................... 9
1.2 GRAUS DE INTEGRAÇÃO ENTRE AS CLÁUSULAS SUBORDINADAS ......16
1.3 CONSTRUÇÕES DE CONTRASTE: CLÁUSULAS ADVERSATIVAS E
CONCESSIVAS............................................................................................................. 21
2. O MODO VERBAL: O ESTADO DA ARTE ................................................................ 29
2. 1 A TRADIÇÃO LATINA: OS MODOS VERBAIS EM LATIM CLÁSSICO E
VULGAR ....................................................................................................................... 29
2. 2 O MODO VERBAL NA TRADIÇÃO GRAMATICAL ATRAVÉS DOS
SÉCULOS ...................................................................................................................... 30
2.2.1 Século XVI ............................................................................................... 32
2.2.2 Século XVII ............................................................................................. 33
2.2.3 Século XVIII ............................................................................................ 34
2.2.4 Século XIX ............................................................................................... 39
2.3 O MODO VERBAL EM GRAMÁTICAS HISTÓRICAS ..................................... 44
2. 4 O MODO VERBAL NA TRADIÇÃO GRAMATICAL DO SÉCULO XX ......... 51
2.5 O MODO VERBAL EM GRAMÁTICAS DESCRITIVAS ................................... 57
2.6 O MODO VERBAL EM OUTRAS LÍNGUAS ROMÂNICAS ............................. 60
2.6.1 Em francês ............................................................................................... 60
2.6.2 Em espanhol ............................................................................................. 63
2.6.3 Em italiano ............................................................................................... 65
2.7 ESTUDOS MAIS RECENTES SOBRE O PORTUGUÊS ..................................... 67
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ................................................... 80
3.1VISÃO SOCIOLINGÜÍSTICA LABOVIANA ....................................................... 81
3.2 VISÃO FUNCIONALISTA .................................................................................... 86
3.3 METODOLOGIA DE ANÁLISE ........................................................................... 91
3.3.1 Construções encaixadas .......................................................................... 92
3.3.2 Construções concessivas ......................................................................... 94
3.4 CORPORA ............................................................................................................... 97
4. ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................... 98
4.1 ANÁLISE DOS DADOS DE ESCRITA: ORAÇÕES ENCAIXADAS ................. 98
4.1.1 Variação restrita a até duas sincronias ............................................... 100
4.1.2 Variação diacrônica ............................................................................. 114
4.2 ANÁLISE DOS DADOS DE ESCRITA: ORAÇÕES CONCESSIVAS ............. 150
4.2.1 Análise diacrônica ................................................................................. 150
4.2.2 Análise variacionista ............................................................................. 203
4.3 ANÁLISE DOS DADOS DE FALA ..................................................................... 235
4.3.1 Orações encaixadas ............................................................................... 235
4.2.1.1 Análise variacionista: dados de fala culta (NURC) ............... 243
4.2.1.2 Análise variacionista: dados de fala não-culta (PEUL) ......... 247
4.3.2 Orações concessivas: análise qualitativa e quantitativa .................... 253
5. CONCLUSÕES ............................................................................................................... 261
6. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 265
7. ANEXOS .......................................................................................................................... 274
7.1 PARTE 1 ................................................................................................................ 274
7.1.1 Dados de escrita ..................................................................................... 274
7.1.2 Dados de fala .......................................................................................... 280
7.2 PARTE 2 ................................................................................................................ 282
INTRODUÇÃO
A alternância subjuntivo⁄indicativo tem sido objeto de estudo de diversas pesquisas
em várias línguas românicas, como o português, francês, espanhol. O interesse pelo estudo
deste tema surgiu do fato de não haver ainda uma pesquisa sistemática sobre a variação de uso
do modo verbal, ao longo do tempo. De início, analisaram-se dados de fala Culta, com base
nas amostras do Projeto NURC1, referentes a dois centros urbanos brasileiros: Rio de Janeiro
e Salvador2.
A estratégia de extensão à escrita e na linha do tempo partiu da necessidade de
observar a distribuição de uso dos modos verbais, mais detidamente, a fim de responder às
seguintes indagações: (a) em que contextos sintáticos o uso do subjuntivo ocorre? (b) em que
contextos o subjuntivo pode ser substituído por formas do indicativo (ou o contrário)? (c) a
alternância de modo constitui um fenômeno lingüístico de variação estável na língua ou de
mudança em curso? (d) quando há possibilidade de comutação pelo indicativo, mantém-se o
mesmo valor referencial?
Para isso, neste trabalho, aborda-se a questão do uso dos modos verbais em orações
subordinadas3 substantivas (orações completivas ou encaixadas) e em orações subordinadas
adverbiais concessivas, com o intuito de verificar se a seleção do modo verbal em cada uma
dessas estruturas -- não obstante a conexão distinta entre as cláusulas matriz e subordinada --
1
Projeto NURC (Norma Urbana culta), disponível na Internet www.letras.ufrj.br/nurc-rj. Os resultados foram
obtidos no trabalho piloto desta tese (Exame de Qualificação, 2008).
2
As cidades do Rio de Janeiro (RJ) e de Salvador (SSA) já foram objeto de análise de outros estudos, realizados
por CALLOU & ALMEIDA (2008; 2009), em que se verificaram diferenças entre os comportamentos
lingüísticos nas duas comunidades, de uma década para outra (70⁄90).
3
No presente trabalho, o termo “oração” será usado como equivalente à “cláusula”, “proposição”; a “oração
principal”, por sua vez, como “oração/cláusula matriz”, “nuclear”. As orações tradicionalmente consideradas
como “subordinadas substantivas”, serão identificadas como “completivas”, “encaixadas”, “estruturas de
complementação”.
1
obedece a restrições de caráter morfossintático, semântico e⁄ou discursivo-pragmático. Partese da discussão de que a modalidade da incerteza não se restringe ao uso do modo subjuntivo,
havendo outros elementos na proposição capazes de marcar essa nuance, ainda que o verbo
não esteja no subjuntivo.
Entende-se que o estudo do subjuntivo⁄indicativo nas cláusulas subordinadas deve
considerar alguns aspectos: (i) a natureza semântica dos verbos é um aspecto importante na
seleção do modo verbal na oração encaixada; (ii) há certos contextos em que não há a marca
formal do subjuntivo, mas a idéia de incerteza permanece; (iii) a língua dispõe de outros
mecanismos capazes de representar a modalidade da incerteza; (iv) as categorias de
futuridade, identidade entre os sujeitos das cláusulas matriz⁄subordinada e negação
influenciam o uso dos modos verbais; e (v) as gramáticas normativas prescrevem que as
orações concessivas, em geral, sejam combinadas com o subjuntivo, sem considerar, por
exemplo, que uma determinada concessão pode ser real ou suposta (Santos, 2003).
A análise é realizada na interface da sociolingüística variacionista (Labov, 1972;
1994; 2008) e de pressupostos funcionalistas (Givón, 1995; Hopper & Traugott, 1993). A
partir dessa perspectiva, a distribuição de modos verbais pode ser vista a partir da vinculação
entre os elementos que compõem as cláusulas na estrutura lingüística, em uma dimensão
escalar.
Os objetivos principais que norteiam este estudo do subjuntivo⁄indicativo em orações
subordinadas substantivas e adverbiais concessivas são:
(i)
tecer uma abordagem crítica, a partir de um estudo de tempo real de longa e de
curta duração (Labov, 1972; 1994; 2008), sobre o uso do subjuntivo⁄indicativo nas
sentenças analisadas, em uma perspectiva sintática e semântica;
2
(ii)
apresentar, de modo coerente, uma descrição dos diferentes contextos em que o
modo subjuntivo tem sido usado ao longo dos séculos nas sentenças analisadas, ou seja,
procurar verificar se, ao longo dos séculos analisados, houve restrição nos contextos de
uso dos modos verbais;
(iii)
buscar verificar se, nos contextos analisados, haveria unidade de aspectos
sintáticos e⁄ou semânticos que possam explicar o uso de um ou de outro modo verbal
nas orações substantivas e adverbiais concessivas;
(iv)
descrever as diferentes restrições que atuam no processo de mudança e⁄ou
variação, no sentido da manutenção ou adaptação das estruturas gramaticais (modos
verbais);
contribuir para o estudo dos modos indicativo e subjuntivo nas sentenças
(v)
analisadas, no que se refere aos fatores que determinam a seleção do modo verbal na(s)
oração(ões) subordinada(s).
Esta tese compõe-se de sete capítulos. O capítulo 1 é dedicado à apresentação do
tema abordado, bem como aos aspectos relativos à distinção entre as categorias de modo
verbal e modalidade, à vinculação entre as cláusulas subordinadas e à diferenciação entre as
construções de contraste concessivo e adversativo.
No capítulo 2, faz-se uma revisão bibliográfica dos modos verbais na tradição
gramatical antiga e moderna do português. Revisita-se o tratamento do tema na tradição
latina, em gramáticas históricas e descritivas, e em estudos específicos sobre o português e
outras línguas.
O capítulo 3 destina-se à descrição dos pressupostos teóricos que norteiam a
pesquisa: sociolingüística (Labov, 1972; 1994; 2008) e a teoria funcionalista americana
(Givón, 1995; Hopper & Traugott, 1993). Neste capítulo, apresentam-se, também, a
3
metodologia de análise, com as categorias controladas nas duas construções em foco -orações completivas e orações subordinadas concessivas --, e os corpora utilizados.
O capítulo 4, por sua vez, traz a análise dos corpora à luz dos pressupostos já
mencionados. Em um primeiro momento, analisam-se, qualitativa e quantitativamente, os
dados de escrita das duas construções estudadas e, em seguida, os dados obtidos nas amostras
de fala Culta e não-Culta. Busca-se, com isso, evidenciar quais seriam os fatores lingüísticos e
extralingüísticos responsáveis pela variação de uso dos modos verbais na sincronia e na
diacronia.
O capítulo 5 dedica-se às conclusões gerais sobre a pesquisa realizada; e, no capítulo
6, apresenta-se a bibliografia que embasa o trabalho apresentado.
Por fim, encontram-se os Anexos 1 e 2, relativos à descrição dos corpora utilizados
e aos índices dos itens verbais, registrados na análise diacrônica.
Em termos gerais, a pesquisa contribui para o aprofundamento de questões referentes
ao nível morfossintático e semântico da língua portuguesa; em termos específicos, evidencia
que a variação de modo, observada na língua desde a época mais remota, está diretamente
relacionada a uma dependência de caráter semântico-sintático, sobretudo no que concerne à
categoria modalidade-tempo que se queira imprimir a um determinado enunciado. No que se
refere às restrições de cunho sintático, observa-se que o modo subjuntivo é dependente do
elemento à esquerda, seja o verbo da oração matriz, no caso das completivas, seja o conector,
no caso das adverbiais concessivas.
4
1. APRESENTAÇÃO DO TEMA
Diversas gramáticas tradicionais (Brandão, 1963; Cunha & Cintra, 1985; Almeida,
1998; Bechara, 1999) atribuem à morfologia flexional de modo verbal impressão de atitudes
do falante frente ao que enuncia.
O modo na conjugação de um verbo vem a ser a maneira por que se realiza a ação
expressa por esse verbo. (Almeida, 1998, p. 225)
O modo assinala a posição do falante com respeito à relação entre a ação verbal e
seu agente ou fim, isto é, é o que o falante pensa dessa relação. O falante pode
considerar a ação como algo feito, como verossímil, como um fato incerto, como
condicionada, como desejada pelo agente, como um ato que se exige do agente, etc.
(Bechara, 1999, p. 213)
Entende-se por modo a propriedade que tem o verbo de indicar a atitude (de
certeza, de dúvida, de suposição, de mando, etc.) da pessoa que fala em relação ao
fato que enuncia. (Cunha & Cintra, 1985)
A partir dessas considerações, costuma-se distinguir, tradicionalmente, três modos
verbais, cada um com funções distintas. O modo indicativo traduz uma ação que é expressa
pelo verbo de maneira real e certa; o subjuntivo ou conjuntivo, por sua vez, expressa um
desejo, sendo descrito como o modo responsável por fazer referência a fatos incertos,
duvidosos ou indeterminados; e o imperativo indica um ato exigido do agente, definido como
uma ação de império -- uma ordem, uma exortação, um pedido ou um conselho.
Na concepção normativista, o subjuntivo tem a função de marcar a possibilidade de
um evento, revelando uma ação não realizada e que é, fundamentalmente, dependente de
outra ação -- expressa ou subentendida --, o que justifica o seu emprego em orações
subordinadas.
A oração subordinada, na subordinação completiva, funciona como argumento de um
dos núcleos lexicais da frase superior, que pode ser um verbo (1), um nome (2) ou uma
expressão (3). A seleção de um determinado modo verbal nessa oração depende, geralmente,
da nuance semântica expressa pelo verbo da matriz.
5
(1)[Espero 4] [que estude o suficiente para ser aprovado no concurso].
(2) [É ideal] [que o projeto seja enviado até a próxima semana].
(3)[Tomara] [que eu consiga ganhar na Mega Sena].
Na subordinação concessiva, o uso do subjuntivo depende de fatores de natureza
morfossintática, já que é determinado pela presença de certas conjunções concessivas
(embora, ainda que, conquanto, posto que, se bem que, mesmo que, sem que, por mais que).
(4) O povo não gosta de assassinos, embora inveje os valentes.5
Na análise dos modos verbais, verifica-se a “perda” de certos valores semânticos do
modo subjuntivo (incerteza, possibilidade), que passam a serem expressos por outros
mecanismos lingüísticos presentes na própria proposição. No caso das estruturas de
complementação, esses elementos lingüísticos podem ser a modalidade da proposição
(exemplos 5 a 7), a presença de elementos de negação (exemplo 8), etc.
(5) não tinha assim mais negócio... era preciso que houvesse muito... né... de outra
religião. (NURC)
(6) é possível que você também use. (NURC)
(7) disse que ele voltasse e estacionasse o carro mais próximo do meu fio. (NURC)
(8) eu NÃO6 acho que tivesse essas grandes aptidões. (NURC)
Estudos recentes sobre a variação dos modos verbais na língua falada (Pimpão, 1999;
Fagundes, 2007; Oliveira, 2007; Callou e Almeida, 2008; dentre outros) têm revelado o
fenômeno da variação entre as formas do subjuntivo⁄indicativo em diversas construções
4
Nas orações completivas, serão marcados, em negrito, os verbos da oração matriz e da subordinada.
Nas orações concessivas, serão marcados, em negrito, o conector concessivo e o verbo da oração concessiva.
6
As palavras negativas serão escritas em letras maiúsculas e em negrito.
5
6
sintáticas, indo de encontro, até mesmo, ao que prescreve a tradição gramatical (exemplos 9 a
12).
(9) ele não queria que a namorada dele ficava com esse cara, que esse cara foi safado
com eles (PEUL) ⁄ O professor quer que as crianças produzam. (NURC)
(10) usa-se muito... ah... dizer vou matine, e é a tarde, né; é, à noite, soiree, embora não
usamos muito essa palavra (NURC) ⁄ e durante à noite eu faço também outra
refeição... embora com menos coisas que engordem. (NURC)
(11) Ela guarda mágoa, a outra num guarda não, mesmo que a gente briga cum ela... é só
naquele momento (PEUL) ⁄ queimou-se toda, porque o figo, assim, logo tirado,
mesmo que ele esteja mais ou menos maduro, mais ele tem uma viscosidade na casca.
(NURC)
(12) talvez eu não... não... não percebo bem a... a... a origem dessa... eh... designação
(NURC) ⁄ talvez eu não vá influir muito bem na classificação do cinema. (NURC)
A variação de uso dos modos verbais, nessas estruturas, evidencia que os diversos
valores nocionais, impostos e defendidos pela norma gramatical, não caracterizam,
satisfatoriamente, os modos verbais, sobretudo quando se analisam dados de fala, em que se
percebe a interferência do indicativo, nas mesmas condições arroladas pela tradição normativa
como obrigatórias para o uso do modo subjuntivo.
A análise de textos antigos deixa claro, também, que, na história da língua
portuguesa, as construções concessivas, podem ser marcadas, ora com verbos no subjuntivo,
ora com verbos no indicativo, a partir de certas restrições impostas na proposição, o que
parece revelar que essa variação modal não era aleatória (exemplos 13 a 20), mas sim
motivada por determinados elementos.
(13) antes 'q estes Mouros daqui vaõ , e vòs sede certos, que hos que eu leyxey no Castello saõ taes , que se defenderaõ bem, ainda que creo , que hos Mouros de hos ter em
pouquo , nom cessaraõ do combate atée que ha noyte hos des-parta , e esso he o que eu
mais desejo. (século XV)
(14) Ora pon/ ho eu as minhas palauras na/ tua boca / salte e preega / e daquel / dya
adeante ajnda queme queira / calar defalar dedeus nom posso. (século XIV)
7
(15) Responderião: q ue q uanto a desp achos q ue elle andava aservir os S enhor es de Pa
la vra q eu ahi he q ue deveria pe- dir o desp acho ou a Proposta pa ra elle, e queixarse muito embora se lha não davão: mas q ue podia contar ainda com alguns a migos
aqui; e q ue com hum q ue deixa Reconhecer como tal, Joze Egydio, tinha eu faltado
aseu Resp eito não muito tempo antes. (século XIX)
(16) Não ha muito, fazia eu estas reflexões, conduzindo | minha familia a ver a procissão
de Corpus Christi, na | qual exhibem o espectaculo burlesco de São Jorge a ca- | vallo.
|| É uma grande estatua de páu, que embora fosse bem | esculpida nem como estatua
teria merito, porque as | formas desapparecem debaixo de capas bordadas e das |
lantejoulas. (século XIX)
(17) Entõ offerece[mos nós a Deus] dous pássaros quando lhi damos [e consagramos] os
nossos corpos e [as nossas almas. Aque-] lo que diz q[ue huu passaro].................
XXVIII e torcian-lhi a cabeça cõtra as pernas e vertiam o sanguy, pero que a cabeça
nõ era partida do pescoço, demonstra-nos que assi devemos nós britar carne nossa per
peendença e per astee- ça, que todavia no lhi tolhamos a vida. (século XIV)
(18) E, peró que estes e outros louvores [h]ája déla, pera que em ti sela louváda, [h]ás-de
consirár o módo e limitaçám que lhe sam Gregório nestas palávras dá <Greg.super
Ezechielem ca.x>: No mál, a vergonha é louváda e no bem reprensível; no mál, é
sapiênçia, no bem sandice. (século XVI)
(19) E couzas mui bonitinhas Sete sacos bem cheos De mui bellas camarinhas; Tambem
hia’ono prezente Humas mui ricas Peruas, que por mais que me cancei, nam pude
achar mais que duas. (século XVIII)
(20) Mas a Verdade, por mais que se encubra, sempre transpira. Três Embaixadores
atenieses que, cinco ou seis anos depois do tal decreto, vieram a Roma, namoraram
todos com os seus discursos; e, não obstante a repugnância de Catão e de alguns
outros, os estudos das Belas-Letras se introduziram em Roma, e cada dia mais se
aumentaram. (século XVIII)
O estudo dessas construções possibilita observar que, em um determinado momento da
língua (século XX), as gramáticas passaram a eleger as formas do subjuntivo como
representantes específicas das estruturas concessivas, sem considerar que essas cláusulas
podem veicular circunstâncias contrárias, sem que sejam impeditivas ao que se afirma na
cláusula subordinante.
Dessa forma, parece evidente que a classificação dessas categorias não pode se fixar
em aspectos estritamente normativos, que deixam uma lacuna, não explicando certos
comportamentos, observados tanto no português atual quanto na história da língua
portuguesa.
8
A seguir, apresenta-se a distinção entre as categorias de modo e da modalidade, a
relação entre o grau de integração entre as cláusulas subordinadas e a diferença entre as
cláusulas concessivas e adversativas, elementos necessários à elucidação de algumas
questões.
1.1 MODO E MODALIDADE
Mesmo que a distinção entre o modo verbal e a modalidade não seja observada em
todas as línguas, existe, pelo menos, em português, uma associação entre essas duas
categorias, visto que a modalidade pode ser expressa pelo uso do modo verbal, ou seja, pela
sua própria morfologia flexional. Mateus et alii (2004) ressaltam que essa relação ocorre de
diferentes maneiras, já que entre modo e modalidade ocorre uma série de nexos.
Quando se busca descrever a categoria de modo em português, é importante assinalar
o que se entende por modo verbal e modalidade, já que há alguns critérios de conceituação
que igualam essas duas noções. Segundo Brandão (1963, p. 382),
Os modos são as formas assumidas pelo verbo para indicar certos estados de
espírito em relação ao fato ou estados expressos por ele. [...] As denominações
tradicionais dos modos amiúde carecem de propriedade, porquanto pode o mesmo
modo mostrar o enunciado verbal sob prismas diversos. [grifos nossos]
A citação de Brandão (op. cit) não menciona o termo modalidade, mas identifica que
os modos verbais podem assinalar diversos valores nocionais. Ao analisar a finalidade
expressa pela categoria de modo verbal, levanta-se a seguinte questão: o modo verbal teria a
propriedade específica de assinalar modalidade ou haveria, na proposição, outros
componentes capazes de fornecer tal informação? A respeito dos traços do subjuntivo A.
Narbona Jimenez (1984, p. 94) tece a seguinte consideração:
9
Não é fácil – talvez nem seja possível -- chegar à marca semântica decisiva que
explique seu emprego, por mais esforços que se tenha feito em tal sentido; dizer
que o Subjuntivo é o modo da dúvida, do desejo, do hipotético, etc., em suma, da
subjetividade, não é falso, mas tampouco é explicativo.7
Semanticamente, há distinção significativa entre o indicativo e o subjuntivo, tanto em
orações principais como em orações subordinadas em contextos finitos. No que diz respeito
ao caráter morfossintático, a ocorrência de um ou de outro modo verbal está condicionada a
uma exigência da estrutura em que o verbo se encontra. Em outras palavras, há restrições para
o uso de um ou de outro modo verbal a depender do tipo de proposição em que esteja
inserido, como é o caso, por exemplo, do uso do subjuntivo em orações subordinadas
substantivas, dependente do item lexical da matriz, ou seja, do verbo da oração matriz ou
principal.
Segundo Raible (1983, p. 277), a questão dos modos verbais constitui um sistema de
oposições, em que se concebe o modo indicativo como não-marcado -- caráter que explica seu
múltiplo uso. Em alguns casos, contudo, há a possibilidade de alternância de flexões
morfológicas modo-temporais, uma vez que se pode escolher pelo uso de uma ou outra forma
verbal, como é o caso de certos predicados de opinião, em orações completivas, a saber, crer,
pensar e achar.
Câmara Jr. (1985) afirma que o modo indicativo tem, cada vez mais, invadido a área
dos outros dois modos (subjuntivo e imperativo), restando para outros elementos da sentença,
como advérbios, o papel de traduzir as noções de incerteza e de dúvida.
Câmara Jr. (1985), assim como Raible (1983), demonstra que o indicativo é o modo
mais geral, não-marcado, e se opõe ao subjuntivo, o modo marcado. O subjuntivo assinala
7
No original: No es fácil – quizá no sea posible – dar con la nota semantica decisiva que explique el empleo del
mismo, por más esfuerzos que se hayan hecho en tal sentido; decir que el Subjuntivo es el modo de la duda, del
deseo, de lo hipotético, etc., en suma, de la subjectividad, no es falso, pero tampoco es explicativo.
10
uma tomada de posição subjetiva do falante frente ao processo verbal. Para os autores, há
entre o modo subjuntivo e a palavra à que está ligada (advérbio talvez, conjunções, verbo da
oração matriz) uma relação de dependência sintática e semântica.
O modo, em nível morfológico, constitui uma mera flexão do verbo, condicionado,
sintaticamente, pelo verbo da oração a qual se subordina, no caso das orações completivas. O
uso do modo subjuntivo assume um efeito redundante, já que outros elementos podem marcar
a modalidade. Dessa forma, ainda que o modo indicativo seja responsável por determinar
certeza ao enunciado, este pode assumir a interpretação de incerteza se ocorrer, na sentença,
uma palavra que traduza essa noção semântica.
Quando se analisam dados reais da língua, verifica-se que há, como já se disse no
item 1, alguns contextos em que a idéia de incerteza vem marcada por outros elementos
lingüísticos e não pela morfologia flexional de modo:
(21) geografia acho que NEM tive, NEM me lembro mais. (NURC)
(22) porque eu acho que NÃO há necessidade disso. (NURC)
As proposições (21) e (22) permitem indagar a respeito da inerência do traço
pragmático de incerteza ao modo subjuntivo. Nessas orações, há certo grau de incerteza,
mesmo que não haja o uso do subjuntivo. A análise dos modos torna-se complexa, na medida
em que se sabe que, em alguns contextos, como os descritos em (21) e (22), há traços de
incerteza, mas não se usa o subjuntivo. Percebe-se, com isso, que os matizes de nãofactualidade podem ser expressos por outros elementos da proposição. Nesses termos, pode-se
entender a modalidade como “Uma categoria gramatical e/ou discursiva que nos permite
verificar o posicionamento do locutor a partir da elaboração do seu enunciado, ou seja,
11
verifica-se a atitude do sujeito enunciador face àquilo que enuncia ao co-enunciador” (Dota,
1994, p.174).
A modalidade, dentre outros aspectos, pode ser vista como uma categoria gramatical
que incide, semanticamente, não apenas sobre o verbo, mas sobre toda a proposição.
Lingüisticamente, a modalidade estabelece-se entre o enunciador, o enunciado e a realidade.
Nesse sentido, a noção introduzida pela modalidade é mais ampla, já que se encontra
relacionada a uma dimensão pragmática e revela a atitude do falante, o seu julgamento acerca
da informação proposicional da oração – quer seja de verdade, de probabilidade, de certeza,
de crença, de evidência, de desejo, de preferência, de obrigação, de permissão, de
necessidade, etc.
O modo, por sua vez, corresponde a uma das maneiras de expressar modalidade, já
que existem outras formas responsáveis por sua indicação, seja o léxico (com verbos modais e
advérbios modalizadores), seja a sintaxe ou a entoação. Em uma discussão sobre os modos
verbais, Palmer (1986, p. 9-10) ressalta a afirmação de Jespersen (1924) referente aos modos
indicativo, subjuntivo e imperativo:
[...] expressa certas atitudes da mente do falante concernente ao conteúdo da
sentença, embora em alguns casos a escolha do modo seja determinada não
pela atitude do falante real, mas pelo caráter em si da cláusula e de sua relação
com o nexo principal do qual é dependente. Além disso, é muito importante que
se fale de ‘modo’ apenas se a atitude mental é mostrada na forma do verbo: o modo
assim é uma categoria sintática, não uma categoria nocional.8 [grifos nossos]
Além disso, é importante assinalar, segundo Mateus et alii (2004), os seguintes
aspectos:
8
No original: express certain attitudes of mind of the speaker towards the contents of the sentence, though in
some cases the choice of mood is determined not by the attitude of the actual speaker, but the character of the
clause itself and its relation to the main nexus on which it is dependent. Further, it is very important that we
speak of 'mood' only if the attitude of mind is shown in the form of the verb: mood thus is a syntactic, not a
notional category.
12
(i) cada modo pode se associar a mais de uma modalidade;
(ii) não há relação direta entre os modos verbais e os diferentes tipos de modalidade, já
que o modo subjuntivo pode ocorrer em contextos em que se espera o indicativo e
vice-versa.
As autoras, assim como Câmara Jr. (1981), ainda discutem o fato de haver dúvida
quanto às propriedades semânticas introduzidas pelas formas do subjuntivo, uma vez que há,
na maioria dos casos, uma forte exigência do contexto sintático no qual o verbo se encontra
inserido. É claro, entretanto, que não se pode deixar de considerar que há contextos em que a
alternância de modo verbal acarreta distinções semânticas. Isso nos permite afirmar que há
um conteúdo nocional no uso dos modos verbais. Observem-se os exemplos das autoras, em
que se transmite uma informação (23) e em que se dá uma ordem (24):
(23) O Manuel disse que partem agora.
(24) O Manuel disse que partam agora.
Nos exemplos (23) e (24), o modo subjuntivo corresponde também a uma categoria
discursiva. Para Pimpão (1999), assim como Mateus et alii (2004), os elementos pertencentes
à modalidade da incerteza podem estar tanto acompanhados do uso do subjuntivo quanto do
indicativo, a depender do contexto de ocorrência.
Segundo Givón (1995), o emprego do modo subjuntivo tende a ocorrer como um dos
recursos da modalidade irrealis, em que a atitude expressa pela proposição pode ser deôntica
ou epistêmica. No eixo da modalidade irrealis, o falante tem uma posição avaliativa em
relação ao conteúdo veiculado: as atitudes epistêmicas encerram verdade, crença,
probabilidade, certeza e evidência, ao passo que as atitudes deônticas, também chamadas de
13
avaliativas, se referem ao desejo, preferência, intenção, habilidade, obrigação e
manipulação.
Givón (1995) destaca que o uso do modo subjuntivo se projeta em distribuição
escalar, ou seja, o falante se posiciona, argumentativamente, a partir de avaliações baseadas
nos graus de crença e de obrigação. Dessa forma, atribui-se à modalidade a função de marcar
a atitude do falante em relação à informação proposicional. Observe-se o quadro abaixo,
proposto por Givón (1995, p. 132).
MODALIDADE
ESCALA SEMÂNTICA
ESCALA SINTÁTICA
Deôntica forte
Forte manipulação
Infinitivo
Deôntica fraca
Fraca manipulação
Subjuntivo
Deôntica fraca
Preferência
Subjuntivo
Epistêmica baixa
Baixa certeza
Subjuntivo
Epistêmica alta
Alta certeza
Indicativo
Quadro 1. Traços semânticos da modalidade e o uso do subjuntivo (cf. Givón, 1995, p. 132)
É importante salientar, ainda, que a modalidade pode manifestar diferentes noções,
tais como atitudes e opiniões, atos de fala, subjetividade, factividade, assertividade,
possibilidade e necessidade. Ressalta-se, com isso, que a flexão do verbo no tratamento dos
modos verbais é um dos recursos de expressar a modalidade. No presente trabalho – o uso do
subjuntivo em orações subordinadas completivas e concessivas –, o sufixo de modo verbal
não é a única marca de atitude do falante ao que se enuncia, visto que pode haver, na
proposição, outros elementos sinalizadores da modalidade, como o verbo da oração matriz, o
escopo de negação, o uso de advérbios, o uso de conjunções, etc.
Enquanto a modalidade é uma categoria nocional, o modo verbal corresponde a uma
categoria gramatical, sendo uma das maneiras de expressar modalidade. O ato comunicativo,
assim, pode ser descrito como um processo bi-direcional que perpassa o seguinte eixo:
14
FALANTE (intenção comunicativa)
↓
ESTRATÉGIAS LINGÜÍSTICAS do falante (interação comunicativa)
↓
OUVINTE (intenção comunicativa)
Ao modalizar o discurso, o enunciador instaura o que se convenciona chamar de
espaço de virtualidade, a fim de expressar diferentes atitudes, a saber: certeza, dúvida,
probabilidade, obrigação, necessidade, etc. Justifica-se, por conseguinte, no estabelecimento
da comunicação, a presença de uma série de recursos lingüísticos responsáveis por precisar os
sentidos do que se quer dizer.
É importante considerar, sobretudo, as variadas estratégias lingüísticas usadas com o
objetivo de atingir determinados propósitos comunicativos. A escolha de uso de um
determinado modo verbal, como já se disse, tende a não ser aleatória, mas motivada por
efeitos de sentido que se pretenda atingir. Patrick Charaudeau (2007, p. 39), em seu livro
Discurso das mídias, reflete sobre o assunto das estratégias comunicativas:
Comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos a
transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de acordo com as
normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos se sentido para influenciar
o outro, isto é, no fim das contas, escolha de estratégias discursivas.
Levando em conta essa concepção, as categorias gramaticais não teriam fronteiras
gramaticalmente rígidas, já que estão sujeitas a pressões discursivas.
15
1.2 GRAUS DE INTEGRAÇÃO ENTRE AS CLÁUSULAS SUBORDINADAS
Todas as línguas apresentam padrões distintos para conectar cláusulas. Nos períodos
complexos, em português, há um elemento com função nuclear e outro elemento adjacente,
que são estruturados a partir de diferentes graus de dependência e podem compor três
processos sintáticos9, a saber, parataxe, hipotaxe e subordinação (Hopper & Traugott, 1993,
p. 170):
I
Parataxe
II
>
III
Hipotaxe
>
Subordinação
-dependente
+ dependente
+ dependente
- encaixada
-encaixada
+ encaixada
Segundo esse quadro, proposto por Hopper & Traugott (op. cit), em
Grammaticalization across clauses, teríamos o seguinte comportamento: em (I), relativa
independência; em (II), interdependência, em que as cláusulas são dependentes, mas não se
encontram encaixadas; em (III), encaixamento, em que se observa uma relação de
dependência entre a cláusula nuclear e a marginal (subordinada). Dessa forma, os períodos
complexos, em português, podem constituir, na subordinação, as cláusulas completivas
(substantivas) e as cláusulas adjetivas restritivas. Na hipotaxe, encontram-se, por sua vez, as
cláusulas adverbiais (concessivas, causais, temporais, etc.) e adjetivas explicativas.
No período composto por subordinação, unem-se duas orações, que são,
funcionalmente, distintas e estão em níveis hierárquicos diferentes, uma vez que uma das
orações figura como a base -- oração principal -- e a outra oração, de complemento ou termo
adjacente -- oração subordinada.
9
Em uma relação de conjuntos, a unidade subordinada
O processo sintático apresentado por Hopper & Traugott (1993) é histórico.
16
(conjunto A) pode ser representada, metaforicamente, por uma unidade, gramaticalmente,
inferior à oração principal (conjunto B).
Azeredo (2008) destaca que o principal efeito da subordinação é o fato de a unidade
subordinada assumir uma função sintática. Observem-se os exemplos (25) e (26).
(25) mamãe dizia que tinha uma cristaleira daquelas velhas cristaleiras todas de vidro
não sei quê. (NURC)
(26) queimou-se toda, porque o figo, assim, logo tirado, mesmo que ele esteja mais ou
menos maduro, mais ele tem uma viscosidade na casca. (NURC)
Como se verifica nos exemplos (25) e (26), na relação de subordinação, agregam-se
elementos morfossintáticos e semânticos de duas cláusulas: em (25), a unidade subordinada é
introduzida pelo complementizador que; em (26), a unidade subordinada é introduzida pelo
conector mesmo que.
As orações completivas apresentam diferentes graus de integração na estrutura
VERBO+COMPLEMENTO,
que podem ser explicadas, sobretudo, pela noção semântica do verbo
da oração matriz. Cezario (2001), em sua Tese de Doutoramento intitulada Graus de
integração de cláusulas com verbos cognitivos e volitivos, destaca que a integração entre
cláusulas com verbos cognitivos (achar, ver e saber) -- que imprimem as noções de certeza,
incerteza, crença, percepção, conhecimento ou constatação -- é diferente daquela observada
17
nos itens verbais de caráter volitivo (mandar, querer e deixar) -- com sentido, de caráter,
manipulativo.
O processo de gramaticalização entre duas cláusulas pode ser tão forte que passem a
integrar apenas uma única cláusula. Hopper & Traugott (1993), ao citar Thompson e Mulac,
demonstram o caso dos parentéticos epistêmicos, think e guess, no inglês, que se esvaziam
semanticamente, passando a expressar certa crença do falante ou do ouvinte, ou seja, verbos
usados para qualificar uma determinada asserção. Nesse caso, o falante não assume uma
posição epistemológica e a expressão I think assume função de advérbio, podendo perder,
inclusive, a restrição quanto à sua posição na frase. Nos exemplos (27a) e (27b), o conectivo10
that não é utilizado para integrar as cláusulas, que são reanalisadas, passando a compor
apenas um núcleo.
(27) a. I think Commander Dalgleish writes
Eu
acho
Commander
Dalgleish
(27) b. Commander Dalgleish
Commander
Dalgleish
escreve
poetry.
poesia.
writes
poetry, I
think.
escreve
poesia,
acho.
Eu
Em um estudo sobre o uso do modo subjuntivo em cláusulas completivas, Callou e
Almeida (2008) observaram que esse fenômeno também se verifica em português, com o
verbo achar. A expressão ‘(eu) acho que’ pode perder a estrutura típica de complementação,
passando a corresponder ao modalizador talvez, ocupando o final da sentença, deslocando-se
de sua posição básica. No exemplo (30), o verbo achar, em duas de suas ocorrências, ocorre
desacompanhado do conectivo que, comportamento também observado na língua inglesa com
o verbo think.
10
Os conectivos integram dois ou mais itens sintáticos para formar um item composto de nível sintático mais
alto. No presente trabalho, o termo “conectivo” será usado como equivalente a “item conjuncional”, “conector”,
“conjunção”.
18
(28) Eu acho que se a gente procurar em antiquários aí a gente talvez ainda encontre
máquinas. (Nurc)
(29) Eu acho que aqui no Rio não há assim uma... Acho que é... (NURC)
(30) mas eu não acho que seja eu acho, eu não achava até, né? (NURC)
Segundo Givón (1995), a conexão entre o verbo e a cláusula subordinada encontra-se
disposta em uma dimensão escalar (cf. item 1.1). O autor demonstra que, quanto maior a
integração entre os eventos (semântica), maior será a integração morfossintática. O uso do
verbo na oração subordinada no modo subjuntivo, por exemplo, indica que a integração entre
as cláusulas está mais forte.
(31) O professor quer que as crianças produzam. (NURC)
(32) gostaria que você fosse bem sucedida no seu trabalho. (NURC)
(33) Eu NÃO acredito que tenha alguém contra esse homem. (NURC)
Um dos princípios que podem explicar a integração entre as cláusulas é o da
iconicidade, segundo o qual dois eventos distintos passam a codificar uma única unidade
semântica. Essa integração entre as cláusulas reduz, dentre outros aspectos, a possibilidade de
o sujeito da oração subordinada poder receber marcação de agente. No paradigma sintático,
há, inclusive, uma hierarquia na forma de codificar o referente na oração subordinada: em
(34), há cláusulas menos integradas, já que a oração subordinada apresenta um sujeito agente,
ao passo que em (35) o sujeito da oração subordinada é codificado com papel temático de
tema.
(34) alguém já disse que a Bahia exporta produtos de sobremesa. (NURC)
(35) a gente não acreditava que isso pudesse acontecer. (NURC)
19
Martellota (1998), em Gramaticalização e graus de vinculação sintática em
cláusulas concessivas e adversativas, discute o fato de que as orações subordinadas
concessivas apresentam graus de vinculação maiores que as coordenadas adversativas. Em
(36a), o grau de vinculação entre as cláusulas se limita à presença do anafórico isso que faz
alusão à cláusula anterior, ao passo que, em (36b), a cláusula subordinada assume lugar de
elemento anafórico, penetrando na cláusula principal. O autor ainda demonstra que as
cláusulas adverbiais, além de apresentarem mobilidade, apresentam uma tendência maior de
apresentar formas reduzidas, como se observa em (37), o que confere maior vinculação por
parte das estruturas adverbiais.
(36) a. Ele correu muito, ainda assim não se cansou.
b. Ainda que ele tenha corrido muito, não se cansou.
(37) Alguma coisa tem que ser feita, e sem dúvida tem que começar por nós, mesmo
sabendo que o resultado não virá tão cedo.
Para Martellota (1998), as orações subordinadas concessivas contêm um elo
gramatical mais rígido (elemento de dependência - conector) do que às coordenadas
adversativas, que, em geral, ordenam os fatos na disposição natural dos argumentos lógicos (a
restrição ocorre, em geral, depois de sua base). Essa maior vinculação das orações adverbiais
concessivas pode não chegar, contudo, ao encaixamento típico das orações subordinadas -seja pelo caráter da mobilidade concessiva (exemplo 38), seja pelo fato de que as cláusulas
adverbiais poderem se referir não apenas a uma única cláusula, mas a todo um segmento
textual (exemplo 39).
(38) mesmo se eu não tivesse sumido pra sempre, é, a gente, dentro, da nossa cabeça,
acho que a gente, arrumaria uma desculpa. (NURC)
(39) é um sistema muito de quem indica... às vezes você sabe... você é uma
universitária... você sabe... às vezes a gente se mata... né? estuda... não é? quantas
vezes você concorreu ou ainda vai concorrer com pessoas assim::... que sabem menos
que você... entendeu? apesar de eu achar que todo bem profissional tem um... tem
20
um lugar no mercado... entendeu? se ele for realmente um bom profissional... pô... vai
ter o lugar dele... (D&G)
Como se vê, há uma diferenciação quanto às restrições de caráter textual das
subordinadas substantivas e das subordinadas adverbiais concessivas, já que as primeiras se
relacionam, sintaticamente, com uma única cláusula matriz, ao passo que as segundas podem
se relacionar a um conjunto de informações anteriores, sobretudo quando são introduzidas
pelo conector apesar de (que).
Nas duas estruturas subordinadas aqui tratadas -- independente de a relação entre as
cláusulas ser distinta --, é o elemento à esquerda do verbo que comanda a seleção do modo
verbal: nas orações encaixadas, esse elemento à esquerda é, fundamentalmente, o verbo da
oração matriz (exemplos 40 a 43); nas orações concessivas, o elemento à esquerda é o
conector que introduz a cláusula subordinada (exemplos 44 e 45).
(40) O professor quer que as crianças produzam. (NURC)
(41) me sento e espero que a sessão comece. (NURC)
(42) eu acredito que a tendência é piorar. (NURC)
(43) eu NÃO acho que tivesse essas grandes aptidões. (NURC)
(44) eu estou diminuindo embora... ah/éh:: faça uso... feijão a gente consome mais o
feijão. (NURC)
(45) Apesar de que hoje é a mesma coisa, nível secundário, você só encontra o que é o
Colégio Pedro II, que é o mesmo da época, né? (NURC)
1.3 CONSTRUÇÕES
CONCESSIVAS
DE
CONTRASTE:
CLÁUSULAS
ADVERSATIVAS
E
As construções de contraste, em sentido lato, opõem dois fatos ou idéias, de valor
negativo, já que, indicam, em geral, eventos excepcionais e situações inesperadas. Essas
21
construções, sintaticamente, podem ocorrer no período composto por coordenação (orações
adversativas) ou por subordinação (orações concessivas). No entanto, Lobo (2003, p. 18)
ressalta que “a aproximação lógica de coordenadas e de adverbiais reflete-se por vezes em
comportamentos sintáticos semelhantes, levando a que nem sempre seja fácil estabelecer uma
linha demarcadora entre coordenação e subordinação.”
Cunha e Cintra (1985) atribuem às construções adversativas os valores semânticos de
contraste, em que o conteúdo de uma oração se opõe à outra; já, nas construções concessivas,
podem-se depreender os valores semânticos de contrariedade à expectativa, ou seja, a oração
concessiva apresenta um fato contrário à ação expressa na oração principal, mas que não pode
impedir a sua realização.
No português contemporâneo, as construções adversativas (Azeredo, 2008),
denominadas tradicionalmente de orações coordenadas adversativas, são introduzidas pelos
conectores mas, porém, contudo, entretanto, no entanto, todavia.
(46) A secretária dele é antipática, mas competente.
(47) Eles estão velhos, contudo ainda com fôlego de jovem.
(48) Comprei os ingressos para o cinema, entretanto deixei-os no bolso do paletó.
Essas orações podem encerrar tanto uma oposição entre dois conteúdos (exemplo
49a) quanto à quebra de expectativa criada pela primeira proposição (exemplo 49b). A
oração que introduz o contraste adversativo adquire realce, funcionando de argumento ao
efeito de sentido que se pretende produzir. A comparação entre os exemplos (49a) e (49b)
deixa nítida a diferença da força argumentativa dessas construções: em (49a), a idéia central
do período está na oração de contraste; enquanto em (49b), a idéia central não está na oração
de contraste e sim na oração principal. Gouvêa (2002), ao analisar o fenômeno da orientação
argumentativa com os conectores mas e embora, destaca que o critério da progressão do texto
22
pode se dar (i) pelo enunciado introduzido pelo conector, como ocorre em (49a), ou (ii) pelo
enunciado não introduzido por ele, como se observa em (49b).
(49) a) O lutador era magrinho (base), mas derrubava todos os seus adversários
(restrição).
b) Embora fosse magrinho (base), o lutador derrubava todos os adversários
(restrição).
Nas construções de contraste concessivo, encerra-se um fato ou uma idéia
‘secundária’ para o conteúdo do restante do enunciado. Na sentença (49b), por exemplo, a
compleição física idealizada do lutador – forte – que seria determinante para o seu
desempenho, contraria a expectativa e deixa de ser fundamental. Com isso, pode-se dizer que
a oração concessiva esvazia a força argumentativa do fato que enuncia.
Dessa forma, considerando-se as proposições p e q, propõem-se os seguintes
modelos (cf. Gouvêa, 2002, p. 39-40), a partir dos possíveis desenvolvimentos do discurso
operados pelos morfemas mas e embora:
a) p mas q: p sugere uma conclusão ‘r’ -- em (49a), logo não suporta uma luta -- que não é
confirmada por q, o que significa que p e q apresentam orientações argumentativas opostas
em relação à ‘r’. Assim, a força de q, contrária a ‘r’, é maior do que a força de p a favor de ‘r’,
o que faz com que a estrutura p mas q opere no sentido de invalidar o ‘r’ (logo suporta uma
luta).
b) p embora q: p e q continuam a ter orientações argumentativas contrárias em relação à ‘r’.
Nesse paradigma, a força de q, contrária a ‘r’, é menor do que a força de p a favor de ‘r’, o
que resulta na orientação no sentido de ‘r’ (logo suporta uma luta).
23
Ducrot (1981), ao tratar da conjunção mas, reconhece que a propriedade de ‘ser
magro’, explicitada em (49a), pode conduzir o destinatário a conclusões “não é forte” ou “não
suporta uma luta”, mas a segunda proposição fornece uma razão para recusar essa conclusão.
O autor trata a concessão como um processo que pode ser registrado em estruturas com mas e
com embora, já que concerne a uma estratégia discursiva em que o locutor reconhece a razão
a outrem, assinalando objeções à sua própria tese. A concessão, nesses termos, constitui um
movimento argumentativo persuasivo importante, de aceitação do argumento contrário, a um
ato de conciliação.
Koch (2001), em Argumentação e Linguagem, confirma essa idéia, ao afirmar que
toda concessão tem um valor justificativo, já que, ao incorporar as objeções do adversário
real, se confere à própria tese uma importante força ideológica.
Azeredo (2008, p. 306-307) aponta, sintaticamente, o conector mas como a
adversativa típica e acrescenta que os demais conectores -- porém, contudo, todavia,
entretanto, não obstante -- têm força adversativa, embora apresentem características mais de
advérbio que de conjunção coordenativa. Observem-se os exemplos (50) a (52) em que essas
unidades ocorrem no interior da oração:
(50) Vivemos num mundo curioso. Tudo o que nele ocorre é global, universal e uniforme
e, no entanto, os eventos que mais chamam atenção são os que têm um feitio único,
singular, especial.
(51) Sabíamos que ele voltaria à cidade e que, todavia, jamais procuraria os velhos
amigos.
(52) Manuela era uma dessas mulheres desiludidas do amor, e que, entretanto, se
guardam toda a vida para um homem desconhecido.
Hopper & Traugott (1994) propõem que essas orações de contraste – adversativo ou
concessivo - apresentem, sintaticamente, diferentes graus de vinculação sintática, como já foi
24
visto anteriormente. Os autores destacam que a vinculação sintática entre as orações deve ser
visto em um continuum, que parte da parataxe (maior independência sintática), tem como
ponto intermediário a hipotaxe, até chegar à subordinação (maior dependência sintática).
Segundo Martellota (1998), um dos importantes aspectos diferenciadores das
construções de contraste é a mobilidade da oração adverbial concessiva, em oposição à
rigidez posicional das orações coordenadas adversativas. No caso da coordenação, não é
possível mover os elementos, sem alterar o sentido ou até mesmo criando frases agramaticais,
como se observa em (53) e (54):
(53) Há lugar para muitas coisas, mas não para detritos nucleares.
(54) * Mas não para detritos nucleares, há lugar para muitas coisas.
Se confrontarmos essas cláusulas com as orações subordinadas adverbiais
concessivas, constatamos que, na subordinação concessiva, há mobilidade, uma vez que essas
orações podem ocorrer em posição intercalada, anteposta, ou posposta à oração principal
(exemplos 55 a 57). As orações coordenadas adversativas possuem uma posição fixa na
estrutura frasal, com o conector coordenativo ocupando a posição inicial da oração que
introduzem (exemplo 58).
(55) E sôb este pensamento que – embora seja decor- | ridos alguns dias, e no brathro dos
grandes aconte- | cimentos tenha amortecido já o arruido que produzio | um facto –
tanto elle nos merece importancia que | por modo algum o deixaremos passar
desapercebido. (século XIX)
(56) Ainda que o vejam defendido por Guizot, nã[o] | podem julgal-o necessario á
salvação das almas. (século XIX)
(57) meu | amigo, as minhas licenças eu as dou a um | guarda da camara para as tirar, |
porque só assim fico descançado de multas e outros| incommodos, embora pague por
cada uma | 3 ou 4 $ RS. (século XIX)
(58) Isto são cautelas dehu’ escrupulozo, mas não são sem grande fundamentos. (século
XIX)
25
De acordo com Neves (2000), nas orações adversativas, admite-se uma proposição;
já, nas orações concessivas, refuta-se uma proposição.
(59) Tenho vontade de passear, mas tenho dor nos pés.
(60) Embora eu tenha vontade de passear, tenho dor nos pés.
É importante ressaltar, ainda, o caráter assimétrico dessas construções, já que a
alteração na ordem de seus constituintes acarreta mudança na orientação pragmática. Decat
(1993) também afirma que a anteposição do segmento concessivo, tal como se observa no
exemplo (62), funciona como um guia, já que orienta para o conteúdo expresso pela oração
nuclear.
(61) Gosto de doces, mas não como. ⁄ Não como doces, mas gosto.
(62) Embora tenha me preparado, não consegui passar no concurso. ⁄ Embora não
consiga passar no concurso, tenho me preparado.
Quanto ao estatuto informacional dos segmentos concessivos, Martellota (1998)
destaca que as orações adversativas e concessivas antepostas tendem a veicular informação
nova (exemplos 63 e 64), ao passo que as concessivas pospostas tendem a trazer informação
dada (exemplo 65).
(63) Per omde ysto se não pode chamar carta de Represareas, mas guerra manyfesta que
se faz a meus vasallos. (século XVI)
(64) E tamb~e , quãdo se ouvese de falar do direito, poderia ouvir Gaspar Vãz cõ os
letrados do seu conselho; por que, ainda que ele nõ seja letrado, a sua Rezam he
milhor que a dos letrados, e veera muy craramente quaes d'eles sam os que diz~e
beem, sem lhe dizerdes nenh~u~ua cousa de vosa partida. (século XVI)
(65) Em hu~ua Reposta minha pera elRey de França, que lhe aguora envia Onorato de Cays, seu
embaixador, comvem que vaa declarada a demarcaçam do mar que he feita antre estes Reinos
e os de Castela; e asy a que aguora fiz com o emperador, meu muyto amado e preçado irmão,
no de Malaqua;e asy mesmo a costa de Guinee e Brasil, ou aquela parte d'elas que nas
ditas minhas demarcações nom entrar e que eu aguora pesuyo, pelas ter descobertas,
ainda que pertençam ao emperador. (século XVI)
26
Nem sempre é simples definir o caráter sintático dessas construções, já que há
conectores que apresentam um caráter híbrido, ora adversativo, ora concessivo. A
gramaticalização do conector pero (e suas variantes) evidenciou que esse conector, por
exemplo, foi assumindo, ao longo do tempo, um caráter adversativo, embora tenha sido
também registrado em proposições concessivas (exemplos 66 a 68).
(66) Se padre ou madre teuere~ fillo ou fillos en seu poder e elles fezere~ faz(er) preyto
alguu de diuida ou de conhocença ou doutra cousa qual quer tal preyto non ualha,
pero os fillos seya~ de ydade (con)prida. (século XIII)
(67) empero que algu~a molh(er) faça algu~a cousa destas que so~ suso ditas, no~
p(er)ça seu dereyto do h(er)dame~to q(ue) lhy uij~a da out(ra) parte quer de se(us)
yrmaos quer doutros parentes ou de stranhos. (século XIII)
(68) Toda molh(er) uyuuoa, pero q(ue) aya padre ou madre, possasse casar sen mandado
delhes se quis(er) e non aya nenhu~a pe~a poren de a desherdarem. (século XIII)
Na história da língua, as orações, com esse conector, podiam ocorrer pospostas,
antepostas ou intercaladas à oração principal, o que atesta a sua mobilidade e, por
conseguinte, o seu caráter de estrutura adverbial concessiva, em geral, acompanhado do item
conjuncional que.
Além do caráter concessivo, esse conector também ocorria em proposições com
maior rigidez posicional de coordenação adversativa. Em (69), a oração com contraste
adversativo, com esse conector, adquire realce, trazendo a informação mais relevante do
período e a oração anterior -- introduzida pelo conector concessivo como quer que -- encerra
um fato ‘secundário’ para o conteúdo do enunciado. A oração adversativa apresenta menor
dependência sintática, podendo ocorrer isolada no período e, até mesmo, após um sinal de
pontuação, o que seria indício de marcação de sua maior independência.
(69) E porende como quer/ que prometese aabraham queo seu/ linhagem auja desser
acrecen/ tado como as estre las do ceeo. per/ seu filho Jsaac. pero quis dar aseu / filho
molher manjnha. (século XIV)
27
A natureza híbrida das orações com o conector pero, no século XIV, pode ser
observada no exemplo (70), em que esse conector é antecedido pelo conector mas (mais),
reforçando que a idéia de que, nessa época, o seu processo de fixação como conjunção
coordenativa ainda não estava concluído.
(70) Eassy me prazem mujto todallas pala/uras que me tu diseste. mais pero
como/conheço aujda daalma ~e quamto he / eno corpo pollo mouer e pollo sentir do/
corpo. (século XIV)
Assim, pode-se distinguir a coordenação adversativa e a subordinação concessiva
pelos seguintes critérios sintáticos (cf. Mateus et alii, 2003):
A oração introduzida pela oração coordenativa ocupa posição final do período;
Há impossibilidade de movimento da oração coordenada;
As conjunções coordenativas não são antecedidas por outra conjunção;
As conjunções coordenativas podem ligar constituintes não-frásicos, conforme se
observa no exemplo (71), ao passo que o mesmo não ocorre com a maioria dos
conectores concessivos (exemplo 72);
(71) Há, porém, nisto tudo algo de paradoxal.
(72) * Há embora nisto tudo algo de paradoxal.
Pode-se dizer, em linhas gerais, sobre os processos de coordenação e subordinação
que
1. a coordenação opera sobre todos os tipos de categorias sintáticas, ao passo que a
subordinação opera sobre unidades oracionais frásicas;
2. na subordinação, a oração desempenha sempre na subordinante uma função sintática e
uma função semântica, mas isto não acontece na coordenação.
3. os constituintes das coordenadas nem sempre podem ter mobilidade.
28
2. O MODO VERBAL: O ESTADO DA ARTE
As considerações a respeito do uso do indicativo e do subjuntivo (ou conjuntivo), nas
várias gramáticas consultadas, são muito semelhantes. Costuma-se relacionar, nos
compêndios gramaticais, o uso dos modos verbais ao grau de certeza⁄incerteza que se queira
expressar em um enunciado. Defende-se, tradicionalmente, que, com o indicativo, expressamse fatos tidos verossímeis e reais; já, com o subjuntivo, fatos possíveis, duvidosos, incertos,
irreais ou hipotéticos. As gramáticas normativas ressaltam que a distinção entre os modos
verbais pode ser feita a partir de determinadas restrições, explicitadas na própria sentença.
2. 1 A TRADIÇÃO LATINA: OS MODOS VERBAIS EM LATIM CLÁSSICO E VULGAR
Em Précis de Syntaxe Latine, Blatt (1952) reconhece que, já na época clássica, as
nuances semânticas de deliberação e de dúvida podem ser expressas tanto pelo indicativo
quanto pelo subjuntivo, além do fato de os eventos irreais poderem ser marcados pelo modo
indicativo. O autor aponta a estreita relação entre as categorias do modo e do tempo verbal, já
que o presente do subjuntivo e o futuro do indicativo podem expressar a nuance de desejo.
Em The Latin Language, Palmer (1954) apresenta como contextos de substituição do
subjuntivo pelo indicativo: perguntas indiretas, algumas orações causais e após expressões
de dúvida. O subjuntivo é utilizado no lugar do indicativo em vários tipos de orações
subordinadas, contexto em que esse modo verbal tende a se tornar mera marca de
subordinação. Assume-se, na análise, que a distinção entre o indicativo e subjuntivo não seja
nítida na língua latina.
Faria (1958), na Gramática Superior da Língua Latina, ao tratar dos processos de
subordinação, assinala que, no latim clássico, o subjuntivo já vigorava como índice de
subordinação. Ao analisar a oposição entre o indicativo (modo da realidade) e o subjuntivo
29
(modo da vontade, do desejo), destaca-se que a seleção de modo verbal pode ser determinada
pela natureza da oração e seu respectivo conectivo.
Maurer Jr (1959) comprova que a língua vulgar apresenta um emprego mais reduzido
do modo subjuntivo, substituído ora pelo indicativo, ora por perífrases com verbo auxiliar
seguida de infinitivo. O uso do indicativo no lugar do subjuntivo é freqüente tanto na língua
arcaica quanto nas línguas românicas.
2. 2 O MODO VERBAL NA TRADIÇÃO GRAMATICAL ATRAVÉS DOS SÉCULOS
A fim de observar se houve mudança na análise dos modos verbais -- em séculos
anteriores --, analisaram-se gramáticas do século XVI ao XIX.
Apesar de já haver o reconhecimento lingüístico das línguas vernáculas, a reflexão
sobre o pensamento lingüístico, no século XVI, realiza-se com base no modelo latino. Neste
período, começa ocorrer uma revisão no próprio conceito de gramática, já que é o momento
em que a língua vulgar, herdada da tradição oral e popular, principia a ganhar status de
língua cultivada (Eleutério, 2003, p. 75).
As gramáticas analisadas no primeiro século de reflexão sobre a língua portuguesa
foram a Gramática da linguagem portuguesa, de Fernão de Oliveira (1536), a Gramática da
língua portuguesa, de João de Barros (1540), as Regras que ensinam a maneira de escrever e
a ortografia da língua portuguesa, de Pero Magalhães de Gândavo (1574), a Ortografia da
língua portuguesa (1576) e a Origem da Língua Portuguesa, de Nunes de Leão (1606).
A gramática de Fernão de Oliveira, de caráter reflexivo-descritivo, não pode ser
considerada prescritiva, já que não tinha como objetivo “ditar” as normas a serem seguidas.
Quatro anos depois, surge a gramática de João de Barros, em que se verifica uma tendência
30
noutra direção: ainda que contenha descrições de usos e utilize, em muitos casos, as mesmas
categorias de Oliveira, o que prevalece é o caráter prescritivo. Em outras gramáticas do século
XVI, tais como a Ortografia da língua portuguesa (1576), de Gândavo, e a Origem da Língua
Portuguesa (1606), de Nunes de Leão, também prevalece o caráter prescrivista, encontrado
em Barros.
No século XVII, as gramáticas mantiveram a tradição de utilizar o método
comparativo-analógico entre o português e o latim, com base no modelo prescritivista de
análise, em que se estabelecem definições e normas a serem obedecidas. Analisa-se o modo
verbal no Método Gramatical para todas as línguas, de Amaro de Roboredo (1619) e nas
gramáticas Sintaxinha, Margens de sintaxe, e Anotações gêneros e pretéritos da arte nova, do
Padre João Nunes Freire.
Criadas as “Aulas Régias”, em 1759, são ministradas aulas de português, mas sempre
de referência às regras da morfossintaxe latino-portuguesa. Buscam-se analisar os modos
verbais na gramática Contador de Argote, de 1725; Orthographia ou Arte de escrever e
Pronunciar com acerto a Língua Portuguesa, de Feijó, em 1729; e Arte da Grammatica da
Lingua Portugueza, de Lobato, em 1770.
Os estudos de lingüística histórico-comparativa, no século XIX, permitiram que se
trabalhasse com o conceito de mudança lingüística, embora as diferenças ainda fossem
concebidas como “erro” e “corrupção” da linguagem, tendo como justificativa o desleixo, ou
mesmo, a falta de instrução por parte do produtor. Assim, era possível perceber, na leitura dos
compêndios gramaticais, enorme resistência a toda e qualquer alteração, talvez pelo
conservadorismo prescritivista, ancorado na análise exclusiva da língua padrão (literária).
Sobre essa concepção, Soares Barbosa (1820, p. VIII), no prefácio de sua obra, reconhece que
“Toda Grammatica he hum systema methodico de Regras, que resultão das observações
31
feitas sobre os usos e factos das Linguas” (s. n. IX). Neste século, analisam-se as obras
Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, de Barbosa (1820); e Reflexões sobre a
Língua Portuguesa, de Freire (1842).
2.2.1 Século XVI
Na Gramática da linguagem portuguesa, Fernão de Oliveira (1536) classifica o
modo verbal como sendo um gênero do verbo. Faz uma pequena análise de itens verbais,
tomando como base o indicativo e o infinitivo. Não menciona a presença de outros modos
verbais.
A Gramática da Língua Portuguesa, de João de Barros (1540, p.17), é de caráter
predominantemente pedagógico. Os modos verbais são concebidos como uma denotação da
vontade em falando. Orientado pela tradição latina, destaca que há cinco modos verbais, a
saber, indicativo, imperativo, outativo, subjuntivo e infinitivo -- caracterizados pelo critério
referencial.
O indicativo é concebido como o demostrador, porque, com esse modo,
“demostramos a óbra que fazemos”, como no exemplo (73). Seguindo esse molde de
classificação, o imperativo significa mandador (exemplo 74). O modo outativo tipifica o
desejo (exemplo 75). O quarto modo, o subjuntivo, significa ajuntador, já que não pode
vigorar sozinho no discurso (exemplo 76). O infinitivo quer dizer inacabado, porque
necessita de números e pessoas.
(73) Eu Leo.
(74) António, lê.
(75) Prouvésse a Deos que lesses.
(76) Eu leria bem se ô continuasse.
32
(77) Nam posso conçerder-vos isto que pedis.
Dos tempos do “modo d’ajuntar” (subjuntivo ou conjuntivo), listam-se os itens
verbais do presente, do passado (acabado e inacabado) e do tempo vindouro (relativo ao
futuro).
Nas Regras que ensinam a maneira de escrever e a ortografia da língua portuguesa,
de Pero Magalhães de Gândavo (1574) e na Ortografia da língua portuguesa (1576), de
Nunes de Leão, discutiam-se noções ortográficas da língua portuguesa, não se encontrando,
nessas obras, referências à questão do modo verbal. Na Origem da Língua Portuguesa, de
Nunes de Leão, em oposição à postura normativista assumida na Ortografia da Língua
Portuguesa, já considera a mudança das línguas um fato consumado “Si como em todas
cousas humanas ha continua mudança & alteraçaõ, assi he tambem nas lingoages” (1606,
p.5), mas não se registrou nenhuma referência ao tema da pesquisa em questão, já que a sua
obra tinha como finalidade apresentar aspectos relacionados ao campo do léxico e dos
empréstimos lingüísticos.
2.2.2 Século XVII
Amaro de Roboredo (1619), em Método Gramatical para todas as línguas, no
capítulo que trata das conjugações e das vozes verbais, não aborda especificamente os
aspectos concernentes ao modo verbal, no entanto, utiliza, ao tratar dos tempos do particípio,
a nomenclatura conjuntivo. Esses tempos, segundo o autor, podem ocorrer no presente, no
passado ou no futuro, advertindo-se, que, quando perfeitos, significam determinadamente;
quando imperfeitos, “se suspendem a orelha atee se juntar outro Verbo; com que se faça
sentido, principalmente os segundos tempos [os imperfeitos] que por isso se dizem
Conjuntivos” [grifos nossos] (1619, p.34).
33
Padre João Nunes Freire, nas gramáticas Sintaxinha, Margens de sintaxe, e
Anotações gêneros e pretéritos da arte nova traz edições bilíngües latim-português, mas não
se encontraram referências à explicitação do uso dos modos verbais. Nos materiais, não há
alusão específica à língua portuguesa, já que se busca elaborar uma gramática de usos da
língua latina.
Tanto em Sintaxinha quanto em Margens de Sintaxe, elaboram-se explicações sobre
a composição da frase latina, contendo anotações sobrescritas em português acerca da questão
da estruturação sintática apresentada em latim. Em Anotações gêneros e pretéritos da arte
nova, divide-se a obra em três partes: na primeira, elaboram-se considerações a respeito dos
nomes latinos; na segunda, fala-se das formas verbais no pretérito e no supino; e na terceira,
constrói-se um glossário dos nomes e verbos latino-português.
2.2.3 Século XVIII
A gramática intitulada Contador de Argote (1725) é dedicada ao príncipe de
Portugal, futuro Rei Dom José I. Escrita sobre a forma de diálogos entre o mestre e o seu
discípulo, tinha como objetivo caracterizar as regras da língua portuguesa para o ensino da
gramática latina, mas apresenta extensa descrição de usos sintáticos do português de prestígio.
Divide-se a obra na análise da morfologia, sintaxe e ortografia. O próprio autor sinaliza que o
objetivo da obra é o ensino da língua latina e não da portuguesa: “[...] a analogia, que se
encontra entre a língua Portugueza, e a latina, e hum methodo facil, e claro pelas regras da
primeyra conhecer, e praticar os preceytos da segunda. (Prólogo, s⁄n.)”
No que diz respeito à análise dos modos verbais, no capítulo Dos Verbos, e das suas
pessoas, modos e tempos, o autor afirma que os modos verbais correspondem à “Maneira de
34
significar do Verbo”. Perguntado, sobre quantas maneiras os verbos têm de significar,
responde (1725, p. 53-55):
As que basta explicar, e declarar, são quatro.
(...) a maneyra de Significar, afirmando e mostrando⁄ (...) Amo, Amaras e Amey (...)
⁄ Modo indicativo
(...) a maneyra de significar mandando ⁄ (...) Ama tu (...) ⁄ Modo imperativo
(...) a maneyra de significar debayxo de alguma condiçaõ (...) ⁄ Ainda que eu ame,
Se eu amasse (...) ⁄ Modo subjunctivo
(...) a maneyra de significar sem afirmar nada (...) ⁄ Amar, Amando (...) ⁄ Modo
infinito [grifos nossos]
Ao explicar a diferença entre os modos verbais, Argote (1725) tenta defini-los, assim
como fizera Barros (1540, p.17), com base no caráter referencial do próprio item. Afirma que
indicativo é o modo usado para mostrar, porque a própria palavra significa mostrador; já o
imperativo traduz mandante. Percebe-se, claramente, que há uma tentativa de atrelar a noção
dos modos verbais, não apenas ao caráter referencial do sujeito da enunciação, mas também à
tipificação das formas verbais. Atribui-se ao modo subjuntivo a nuance de condição, maneyra
de significar debayxo de alguma condição (Argote, 1725, p.55).
Na seção Das Conjugações dos verbos regulares, assinala-se o caráter sintáticosemântico do modo subjuntivo, já que este modo verbal, além de significar uma propriedade
futura, é dependente de outra palavra e, para fazer sentido, é regido por algum outro verbo. O
autor mostra como propriedade do subjuntivo a noção de dependência, como ocorre no
exemplo (78), em que a seqüência eu ame não pode vigorar sozinha no discurso.
(78) Permitta Deos que eu ame.
35
Na distribuição dos tempos do subjuntivo, listam-se o presente, o passado (um
perfeito e dois imperfeitos) e os futuros perfeito e imperfeito. Segundo Argote, esses tempos
verbais não são “firmes”, já que uma mesma palavra pode indicar presente ou futuro. Essa
significação está associada à presença de outros elementos, tais como partículas, conjunções e
verbos pelos quais o subjuntivo pode ser regido. Em (79), trabalhe indica presente; em (80),
futuro, ambos os casos dependentes do contexto em que se inserem.
(79) Posto que eu trabalhe, não estou cansado.
(80) Posto que eu trabalhe, não hey de cansar.
Argote (1725, p. 95) sinaliza a força das conjunções nas orações adverbiais, tanto
que só fornece exemplos do subjuntivo nesse tipo de oração subordinada.
Mestre. E porque em huns tempos puzestes a conjunçaõ posto que, em outros a
conjunçaõ como.
Discipulo. Porque nem todos os tempos do Subjunctivo se podem accomodar com
qualquer conjunçaõ.
Ao tratar das conjunções, considera a própria partícula como elemento que serve para
unir o sentido de palavras da oração. Baseando-se no critério sintático-semântico, classifica as
conjunções em (i) copulativas, que têm a função de atar as palavras com o sentido da oração;
(ii) disjunctivas, com função de atar e unir as palavras, mas definem o sentido; (iii)
condicionais, que fazem o sentido da oração condicional; e (iv) causais, que mostram e
significam a causa de alguma coisa. É interessante observar que o autor caracteriza como
elementos condicionais, não só o “se”, mas também os conectores, hoje considerados
concessivos, “ainda que” e “posto que”.
Seguindo a tradição de comparar o português com o latim, assim como ocorreu na
gramática de Argote (1725), Feijó (1729), na obra intitulada Orthographia ou Arte de
36
escrever e Pronunciar com acerto a Língua Portuguesa, busca ensinar o português para
facilitar o aprendizado com a língua latina.
No capitulo Advertência necessária para a conjugação dos verbos, Feijó (1729)
apresenta uma seção específica para os modos verbais. Nela, afirma que um verbo pode
conter cinco modos e os define, assim como Argote (1725), recorrendo à etimologia contida
no próprio item lexical. Assim, com o indicativo, o verbo mostra o que se faz ou se fazia, o
que se fez ou se fará. Com o imperativo, o verbo significa mandando; já, com o optativo, o
verbo significa desejando. No conjuntivo (ou subjuntivo), o verbo significa junto com outra
coisa e, por fim, com o infinito, o verbo significa sem determinar a sua significação para
pessoa alguma.
Quando recorre à caracterização dos tempos, assinala que os tempos do conjuntivo
são os mesmos do indicativo, a saber: presente, pretérito imperfeito, perfeito e mais que
perfeito, futuros perfeito e imperfeito. No entanto, consideram-se as seqüências “Como eu
amo⁄ como eu amava⁄ como eu amei⁄ como eu tinha amado⁄ como eu amar” como subjuntivas,
pelo fato de estarem juntos ao que se denomina de “advérbio” como. O autor ainda registra
que essas orações, introduzidas pelo item conjuncional como, somente farão sentido caso
estejam juntas de outra oração, conforme ocorre em (81). Não se menciona, em nenhum
momento, na nomenclatura -- oração subordinada versus dependente -- mas o exemplo
evidencia esse caráter de dependência.
(81) Como eu amo a Deos, não temo a culpa.
Ainda sobre o subjuntivo, relata que, neste modo, também se ajuntam linguaguens,
ou modos de falar, sem sequer explicá-los, apenas trazendo os exemplos transcritos a seguir
(1729, p. 81):
37
(82) Posto que eu ame (...)
(83) Ainda que eu ame (...)
(84) Doulhe que ame (...)
A forma do subjuntivo também ocorre na seção reservada ao modo optativo.
(85) Oxalá amasse eu!
(86) Queira Deos, que tenha eu amado!
(87) Praza a Deos, que ame eu!
O autor somente menciona o caráter semântico das formas amasse (tempo pretérito
imperfeito), tenha amado (tempo do pretérito perfeito), que ame eu (tempo futuro).
A Arte da Grammatica da Lingua Portugueza, de Lobato (1770), apresentou
quarenta edições em menos de um século, o que mostra que se identifica com a intenção de D.
José I e do Marquês de Pombal, que incentivam o ensino da gramática materna nos primeiros
anos de escola. Na obra, o autor aponta algumas razões para uma gramática da língua
materna, dentre as quais destaca a primeira razão que é falar sem erros. Também é apontado
como relevância ao ensino de gramática o fato de se saberem os fundamentos da língua, que
se fala usualmente.
Lobato (1770, p.63) entende os modos verbais como as diversas inflexões, que o
verbo tem, para exprimir as differentes maneiras de significar em varias diferenças de tempo.
Lista quatro modos verbais, a saber, indicativo, imperativo, conjuntivo, infinito e repete a
tradição de classificação dos modos verbais, expressa em Feijó (1729) e Argote (1725), já
analisados anteriormente.
No caso do subjuntivo, enumeram-se partículas com as quais esse modo verbal
ocorre, como se, que, posto que, ainda que, como, mas não fornece exemplos elucidativos
38
acerca do tema. Por outro lado, na introdução da gramática, o próprio autor utiliza em seu
texto, em contexto concessivo, um caso de indicativo.
He tão manifesta a utilidade deste sábio arbítrio, que não precisa de demonstração.
Ainda que tem grande dificuldade para se poder executar; porquanto os Mestres
das escolas de ler de ordinário não tem a instrucção necessaria para ensinarem a
falar, e escrever a lingua Portugueza por princípios (Introdução, XIV)
2.2.4 Século XIX
Barbosa (1820, p.200), na Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, não se
limita apenas a descrever alguns dos contextos em que o subjuntivo ocorre, mas fornece
explicações para o seu emprego em português. No capítulo que trata Dos modos do verbo,
define o modo verbal como “as differentes maneiras de enunciar a coexistencia do atributo no
sujeito da proposição”. O autor ressalta que não há um consenso entre os gramáticos quanto ao
tipo e número desses modos verbais, podendo ser considerados não só o Indicativo,
Subjunctivo, e Infinitivo, mas também o Suppositivo, Imperativo, e Optativo.
Para Barbosa (1820), a tipologia adequada deve ser mais simples, adotando-se
apenas os três modos verbais, a saber, infinito ou indeterminado; indicativo, em que se
enquadra o suppositivo ou condicional; e subjuntivo. Segundo o autor, deve-se partir da
classificação das orações em principais, subordinadas (“nas quaes vão incluidas ja as
incidentes, pois fazem sempre parte ou do sujeito, ou do attributo de humas e outras”) e
regidas (“servem de complemento aos verbos, e ás proposições”).
O modo infinito ou indeterminado é, assim, classificado por ser a forma primitiva de
qualquer verbo (ser, haver, estar e ter e suas formas derivadas sendo⁄ sido, havendo⁄ havido,
estando⁄ estado e tendo⁄ tido), empregados no discurso para completar outros itens verbais ou
proposições. O indicativo, por sua vez, é descrito como
39
o principal e dominante no discurso a que todos demais verbos no período se
referem, e que he a Linguagem directa, affirmativa, e determinante das mais
Linguagens indirectas e subjunctivas do período, as quaes Ella determina, e que
por isso lhe ficão subordinadas. O seu caracter proprio, unico, e incommunicavel
he o ser absoluto e independente, e assim pode estar so, e figurar no discurso sem
ajuda de outro modo (Barbosa, 1820, p. 202) [grifos nossos]
O autor destaca que o subjuntivo é o modo dependente, subordinado, uma vez que a
oração não faz sentido se isolada, independente de outra que determine a sua referência.
Inclui, também, o modo optativo na linguagem subjuntiva.
O terceiro modo é o subjunctivo, assim chamado porque suas linguagens vem
sempre em consequencia de outras, pelas quaes são determinadas. Ellas enunciam
a coexistencia do attributo no sujeito da proposição de um modo affirmativo, mas
sempre precario, e dependente da affirmação de outro verbo, em cuja significação
vá preparada a indecisão e incerteza propria da linguagem subjunctiva. O seu
caracter próprio é não poder figurar só no discurso sem dependencia de outra
oração clara ou occulta, a que fique subordinada sempre, e ligada ordinariamente
pelo conjunctivo que. (Barbosa, 1820, p. 202) [grifos nossos]
Como se pode verificar, especifica-se, nessa seção, a presença do subjuntivo apenas
nas orações subordinadas introduzidas pela conjunção que, não se relatando a possibilidade
desse modo verbal em outras orações, como é o caso das adverbiais ou orações
independentes.
Na descrição Dos Tempos do Modo Subjunctivo, destaca-se que o subjuntivo possui
seis tempos: presente, pretérito e futuro, ambos sendo perfeitos (ou “acabados”) e imperfeitos
(ou “inacabados”). Nessa seção, exemplifica-se com o caso de uma oração adverbial
condicional, em que a forma subjuntiva ocorre em uma oração dubitativa, com o advérbio
talvez:
(88) Se partires no outro dia, talvez te possa acompanhar.
40
Com o tempo presente imperfeito, a ação é continuada, sem que se determine uma
fronteira temporal final, delimitando ações que podem ser futuras, incertas e contingentes. As
formas verbais -- a saber, seja, haja de ser e esteja sendo -- são dadas como exemplos desse
tempo, que apresenta semelhanças com o futuro. O presente perfeito, por sua vez, trata de um
tempo presente já acabado em relação ao momento presente, como em (89), ao qual não pode
ser atribuída uma ação passada ou futura.
(89) Estimo que tenhas vindo.
Com relação ao pretérito imperfeito -- relativo a uma ação não acabada e em fluxo --,
pode-se indicar uma ação no passado, no presente e no futuro, a depender do tipo de verbo
que determine o sentido da oração em que o subjuntivo ocorre. Aqui, o autor já assinala a
impossibilidade ou agramaticalidade da oração (91) determinada pela natureza do verbo da
matriz.
(90) a. Eu desejava que elle chegasse hontem. ⁄ que elle chegasse hoje.⁄ que elle
chegasse á manhã.
(91) *Duvidava que elle chegasse á manhã.
O pretérito perfeito encontra-se sempre atrelado a uma ação no passado e conclusa,
que não pode mais ser recuperada.
(92) Se eu tivesse sido sciente disto, ou tivesse sabido isto ha dous dias, teria tomado
outra resolução.
O futuro imperfeito pode ser usado para descrever situações ocorridas no tempo
presente em que falte algo, já que não é acabado.
(93) Se eu for hoje ao campo, passarei por tua casa.
41
O futuro perfeito, por outro lado, é usado em ações já conclusas, uma vez que marca
“uma ação futura, porêm já finda e acabada a respeito de outra também futura” (Barbosa,
1820, p.227).
(94) Se á manhã a esta hora tiver chegado a Lisboa, ainda te poderei vêr antes de
partires.
No capítulo Da Conjuncção, considera-se como parâmetro para classificar um item
lexical como conjunção a sua extensão, que deve ser “curta e não polysyllabas, primitivas e
não dirivadas, simples e não compostas” (Barbosa, 1820, p.347). Barbosa (1820) elenca os
elementos que devem ser excluídos das conjunções propriamente ditas, dentre as quais,
podem-se citar os itens ainda que, posto que, bem que. Segundo ele, essas locuções só
apresentam de conjuntivo o elemento que. Adiante, reanalisa a questão, tipificando essas
locuções como frases ou formulas conjunctivas, uma vez que contêm mais de um sintagma e
terminam com o elemento que. Nessa nova lista, encontram-se vários conectores concessivos,
a saber: se bem que, como quer que, posto que, ainda que. Na seção em que aborda o caso das
conjunções subjuntivas, somente apresenta o elemento que.
As orações integrantes, segundo Barbosa (1820), “tem a função de completar a
significação relativa do attributo da mesma, a qual sem isto ficaria incompleta e suspensa” e
podem vir expressas pela linguagem indicativa, com asseveração e certeza, ou pela
subjuntiva, quando o verbo afirma com receio e incerteza. O autor complementa a análise,
afirmando que as orações subordinadas têm como característica peculiar serem enunciadas
pela linguagem subjuntiva, ainda que possam pela indicativa.
(95) Creio que me amas.
(96) Quero que me ames.
42
Sobre as orações do subjuntivo, destaca que são sempre subordinadas; e as do
indicativo são absolutas e independentes, excetuando quando ocorrem subordinadas pelas
conjunções.
Freire (1842), nas Reflexões sobre a Língua Portuguesa, divide a obra em três partes:
na primeira, trata das questões sobre o valor das palavras; na segunda, aborda as noções de
pronúncia; na terceira, trata da linguagem antiga, que representa a “mais copiosa doutrina”.
Freire (1842, p.07) reconhece, em sua obra, muitas vezes, o prestígio de outros autores, como
Barros:
Se por aquelles tempos não apparecêra o isigne João de Barros, não teriamos obra,
que pela linguagem merecesse ser lida com approveitamento, e gosto. Empenhouse este illustre homem em dar regras seguras á Língua, e em pratica-las em suas
obras, escrevendo-as com termos tão próprios, e puros, que mereceu ser chamado o
fundador da pureza, e elegância da sua língua, com tanta justiça, quantos foram os
merecimentos para também o appellidarem na Historia o Livio Portuguez.
O autor não trata, especificamente, dos aspectos relativos à própria estruturação da
língua em sua forma mais elementar (caráter morfológico, sintático e⁄ ou semântico), antes faz
um estudo sobre o léxico, não só do português como o de outras línguas, tendo por objetivo
elaborar uma espécie de “glossário”, para louvar o estudo do português mais “primitivo”. No
capítulo referente aos verbos, tece considerações apenas com o intuito de dirimir quaisquer
desvios ortográficos.
Valer. – Claro está que os exemplos são para se pronunciar val; mas não é exacto
que vale se confunda com o substantivo seu homonymo valle que se escreve com
dois ll. Não fazemos caso, por desusada, da voz do imperativo, que se usavam os
latinos como forma de despedida, e que de raro se tomava por substantivo, v. g.
como em Virgilio, vale aternum, adeos eterno: a mais ordinária significação de
vale corresponde ao nosso trivial cumprimento passe bem; tenha saúde; e dahi
nasceu que ainda não ha muitos anos era appendiculo obrigado em todos os
prólogos, que não findavam sem esta costumada salvação ao Leitor, que era
tambem por força ou pio, ou benevolo. (Freire, 1842, p. 168)
43
2.3 O MODO VERBAL EM GRAMÁTICAS HISTÓRICAS
As gramáticas históricas constituem documentos importantes para o “conhecimento”
da tradição lingüística de uma determinada época. Ao recorrer aos estágios anteriores da
língua, fornecem informações, por exemplo, para o entendimento do tratamento dos modos
verbais na história da língua portuguesa.
Pereira (1929) afirma que há cinco modos verbais -- a saber, indicativo, condicional,
subjuntivo, imperativo, subjetivo e infinitivo -- e mantém a concepção tradicional de conceber,
semanticamente, o indicativo como sendo o modo da realidade, em oposição ao modo
subjuntivo, da possibilidade.
Argumenta que o subjuntivo em orações subordinadas é usado, normalmente, para
expressar dúvida e incerteza. No entanto, introduz, na análise, a noção da importância da
natureza do verbo da oração matriz (exemplos 97 e 98).
(97) Duvido que venhas.
(98) Sei que vens.
Apesar de ser utilizado, fundamentalmente, em orações subordinadas, o autor aponta
que o subjuntivo pode ocorrer nas orações independentes com valor de imperativo e de
desejo, de concessão e de dúvida.
No que diz respeito aos modos verbais, Dias (1959, p. 183), em Syntaxe Histórica
Portuguesa, destaca que o indicativo constitui o modo “genérico”, visto que é empregado em
todas as orações para as quais não há regra que exija outro modo. Ressalta a importância de
distinguir orações principais e subordinadas no emprego do subjuntivo ⁄ indicativo.
44
Nas orações principais, o subjuntivo é usado nas estruturas que denotam, sobretudo,
proibição, probabilidade, desejo, ou ainda, com sentido concessivo. No século XX, como se
vê, já se atrela obrigatoriedade de uso do subjuntivo às orações adverbiais concessivas, idéia
vagamente exposta até o século XIX.
Nas orações subordinadas, o subjuntivo, ao qual não é atribuído nenhum valor
específico, é usado (i) nas orações introduzidas pelo elemento conjuntivo que; (ii) depois de
verbos substantivos e adjetivos que exprimem a idéia de fazer ou impedir que algo aconteça;
(iii) em expressões que denotem receio de que um fato se realize; e (iv) em expressões que
signifiquem admiração, desejo ou dúvida. Concebe-se o modo subjuntivo apenas como o que
Câmara Jr. (1981) denomina de “servidão gramatical”, sem valor semântico específico.
O subjuntivo em orações subordinadas é empregado depois de alguns verbos, como é
o caso do verbo duvidar (exemplo 99) ou quando a oração subordinada é negativa (exemplo
100).
(99) Duvido que ele saiba.
(100) NÃO digo que ele não saiba.
Além disso, o modo subjuntivo também é utilizado em orações circunstanciais.
Nessas estruturas, há o emprego de determinadas conjunções, como é o caso das conjunções
concessivas ao expressar uma concepção e não uma realidade, contradizendo a própria idéia
apresentada.
A respeito das estruturas concessivas, Dias (1959) afirma, no entanto, que, com os
conectores embora e conquanto, a oração pode exprimir uma realidade, mesmo que o uso do
subjuntivo seja obrigatório. Além das orações concessivas, o subjuntivo pode ocorrer em
45
orações que envolvam o uso de conjunções finais e consecutivas, em expressões não porque,
não que, contanto que, a não ser que, dado que. As orações condicionais introduzidas pela
partícula condicional se, as orações temporais introduzidas pelos conectores até que, depois
que, antes que e após o elemento comparativo como também podem ocorrer combinadas com
o modo subjuntivo.
Nas orações relativas, o subjuntivo assimila um sentido consecutivo, exprimindo
uma concepção e não uma realidade, assim como as orações concessivas. Nas orações
relativas, o subjuntivo ocorre para ilustrar uma realidade que restringe a generalidade
indefinida de uma ideia pertencente a um predicado negativo ou a uma interrogação de
sentido negativo.
(101) Quem há que tenha sido feliz.
Na 5ª edição, em 1970, o autor menciona que, em orações, com conjuntivo potencial
introduzidas por talvez ou quiçá, pode ocorrer tanto o indicativo quanto o conjuntivo, caso em
que considera possível o uso variável dos modos verbais.
(102) ...talvez não se ache um paiz onde... se encontrem taam villans, tam riduculas, e
absurdas construcções públicas como essas todas que ha um século se fazem em
Portugal (Garret, Viag., 180).
(103) Talvez foi elle ⁄ O primeiro cantor que... ⁄ Soube entoar melodioso um hymno
(Herc. Pões. P. 23)
Na Sintaxe Clássica Portuguesa, Brandão (1963) conceitua, semanticamente, o
modo verbal: “as formas assumidas pelo verbo para indicar certos estados de espírito em
relação ao fato ou estado expresso por ele”, que pode ser real, esperado, desejado, querido,
ordenado, indeterminado. Brandão destaca, assim como Dias (1959), que, no português
46
clássico, se usava o indicativo pelo subjuntivo em orações concessivas, quando se queria
expressar a realidade do fato, suposto ou admitido.
(104) ...Ainda que a feiticeira e o demônio não podiam ressuscitar a Samuel..., não
obsta que... obrasse Deus por si mesmo
O autor relaciona o uso do subjuntivo com o indicativo, sobretudo quando a
proposição vem marcada no tempo futuro.
(105) Pode ser que eu houvesse alguns pensamentos de incredulidade.
(106) Pode ser que descarregarei eu nesse marinelo o apetite da fúria com que ando.
O uso do indicativo em contextos prescritos para o subjuntivo é registrado tanto nos
casos em que as formas usadas apresentam valor de subjuntivo como de imperativo. Brandão
(1963) exemplifica que o indicativo em frases imperativas serve para atenuar a ordem ou
pedido, além de poder persuadir o cumprimento de um conselho, levando-se em consideração,
nesse caso, o caráter entoacional.
(107) Escreve a carta.
(108) Faz favor.
(109) Você agora vai tocar aquela música.
A explicitação do presente indicativo como uma forma verbal que ameniza o tom
exclamatório também é mencionada em Said Ali (1964). Sobre a correlação semântica do
subjuntivo com o imperativo, o autor chega a propor uma categoria específica a que denomina
“subjuntivo imperativo”.
(110) Não te demoras.
(111) O senhor me traz o dinheiro amanhã.
47
Na Gramática histórica da língua portuguesa, na seção que trata do emprego do
indicativo e do subjuntivo, Said Ali (1964) elabora uma análise diferenciada a respeito do
emprego dos modos verbais, argumentando que essa terminologia não corresponde ao seu
efetivo uso, segundo a qual o modo subjuntivo, em vários idiomas, pode ocorrer não só em
orações subordinadas, mas também em orações principais, da mesma forma que o indicativo:
“Nem a linguagem creou um modo especial para o verbo da oração dependente, nem esta
função é privativa do conjuntivo. Há muitos casos de oração subordinada em que, pelo
contrário, o uso do indicativo é obrigatório.” (Said Ali, 1964, p.234)
A partir das observações feitas, percebe-se, claramente, que o critério sintático não é
suficiente para explicar a escolha de uso dos modos verbais. Ao aprofundar a análise,
explicita-se que a concepção semântica -- baseada na dicotomia de que, com o indicativo, se
enuncia certeza ou realidade de um fato, e, com o subjuntivo, a irrealidade ou incerteza -também não dá conta do tema em questão, reconhecendo-se que se trata de um problema
complexo que o português herdou das formas do latim.
Said Ali (1964) defende que não se pode categorizar o subjuntivo como volitivo,
potencial, optativo, deliberativo, concessivo, prospectivo, hortativo, etc., dada a inexatidão
quando se tenta especificar cada um desses limites. O autor sinaliza que se tente enquadrar
todas essas categorias em apenas duas ou três classes gerais, entretanto a única classe proposta
é a do subjuntivo, em que se exprime desejo, aspiração -- como é o caso das orações optativas
-- noção que também ocorre em orações no imperativo negativo e em certos dizeres que
denotam vontade, ordem ou convite.
(112) Prouvesse a Deus!
48
Mais adiante, tenta explicar a variação do indicativo e subjuntivo nos diversos
contextos subordinados. As explicações explicitam, muitas vezes, soluções que se aplicam a
cada caso isolado e levam em consideração o fato de o subjuntivo ser o modo utilizado para
expressar a irrealidade, quer seja por meio da dúvida, ignorância (de quando não se sabe
algo), ausência, quer seja pela inexistência, futuridade, possibilidade; o indicativo, por sua
vez, constitui o modo usado para expressar a realidade. Os exemplos analisados pelo autor
evidenciam que sempre houve variação no uso do indicativo e subjuntivo, sem fornecer
explicações elucidativas, já que se baseia na dicotomia real (indicativo) versus irreal
(subjuntivo).
(113) Espero que não hey de enfastiar. (Vieira. Serm. 8, 159)
(114) Do religioso pode-se esperar que faça bom hum homem. (Vieira. Serm. 8, 492)
Na Gramática do Português antigo, Huber (1986) afirma que o conjuntivo só se
encontra presente nas orações subordinadas. Nessas orações, o subjuntivo pode indicar tanto
possibilidade quanto desejo de algo futuro (expressões volitivas). Na análise, ressalta-se que,
no português antigo, alguns dos verbos da matriz, quando usados na forma negativa, podem
ocorrer combinados tanto no indicativo quanto no subjuntivo:
(115) NON sei que de mi seja.
(116) NOM sey que lhe aconteceo.
Nas orações substantivas, o conjuntivo é próprio das orações que exprimem vontade
(117). Huber (1986) considera que o subjuntivo também ocorre nas orações que expressam
uma ordem, um comando, como as orações substantivas, em que se subentende a oração
49
principal (desejo, quero, rogo), tendo em vista a redundância e a evidência. Nesses casos, até
a conjunção que pode ser omitida (exemplo 118).
(117) E manda te dizer o abade que vaas allá.
(118) Filho, bem sejas viindo.
São concebidas como expressões volitivas, prototípicas do modo subjuntivo, as
expressões impessoais (é de força, é mester, compre, conven, mais val) e as expressões
afetivas, quer positivas -- alegrar-se, folgar, ser folgado, prazer, temer --, quer negativas --
temer, recear, teer (aver) medo, queixar-se, maravilhar-se.
(119) Conven que o faça.
(120) Mais val que me mate ca viver em esta coita.
(121) Praza-vos que vos bautizees e vos convertaes aa fee catholica.
(122) Me temo que me mande matar.
Nas orações relativas, o subjuntivo é usado, segundo Huber (1986), quando o verbo
da oração subordinante exprime possibilidade ou vontade.
(123) Era tam fremoso e de tam bõa graça que nom á homem que o conocesse, que se
nom maravilhasse.
(124) Paununcio andava catando alguu home santo que lhe gaanhasse aquella graça.
Nas orações adverbiais, o subjuntivo pode ocorrer nas orações: locativas, temporais,
comparativas, modais, consecutivas, causais, finais, condicionais e concessivas. As orações
adverbiais concessivas são introduzidas pelos conectores ainda que, bem que, como quer que,
por mais que, embora, maçar, nom embargando que, apesar de que, pero, pero que, posto
que, (en) que sempre, por mais que. O modo dessas orações é similar ao latim: quando se trata
50
de uma idéia genérica, de uma hipótese, usa-se o conjuntivo (exemplo 125); quando se afirma
um fato real, utiliza-se o indicativo (exemplo 126).
(125) Ainda que hy nõ ouvesse outro viço, aquell avondarya muy bem. → Subjuntivo
(126) E pero que lhe quero tan gran bem, ainda lh’eu mui melhor querria. → Indicativo
2. 4 O MODO VERBAL NA TRADIÇÃO GRAMATICAL DO SÉCULO XX
Segundo Cunha e Cintra (1985), na Nova Gramática do Português contemporâneo, o
subjuntivo - além de expressar as nuances semânticas de incerteza, dúvida, eventualidade, ou
irrealidade - apresenta como característica fundamental ser considerado o modo prototípico
da subordinação, uma vez que é dependente de algum verbo da proposição “principal” para
expressar sentido. Os autores destacam que o modo subjuntivo ocorre, sobretudo, nas orações
substantivas (exemplo 127), adjetivas (exemplo 128) e adverbiais (exemplo 129).
(127) Não quero que ele me julgue sem pudor, uma mulher de prendas desoladas, nada
tenho a defender.
(128) Humana, a mulher, a companheira tentava chamá-lo a uma realidade que
reanimasse fogueiras mortas, sonhos desfeitos.
(129) Por mais sagaz que seja o nosso amor próprio, a lisonja quase sempre o engana.
Em orações independentes, que traduzam desejo (exemplo 130), dúvida (exemplo
131), hipótese⁄ concessão (exemplo 132), ordem⁄ proibição (exemplo 133) e indignação
(exemplo 134), o subjuntivo também pode ser registrado:
(130) Chovam hinos de glória na tua alma!
(131) Paula talvez lhe telefonasse à noite.
(132) Que a tua música seja o ritmo de uma conquista!
51
(133) Que não se apague este lume!
(134) Diabos te levem!
Sobre a expressão da nuance de dúvida, os autores sinalizam que o subjuntivo ocorre
nos casos em que o verbo é precedido pelo modalizador talvez. No entanto, Almeida (1963)
ressalta que, se o advérbio estiver posposto ao verbo, este ocorre no indicativo, como em
(135).
(135) Há talvez conveniência.
Há, ainda, ocorrências em que o modo subjuntivo é empregado em frases
cristalizadas (ou lexicalizadas), ilustrando que o seu uso já ocorre em seqüências fixas da
língua. Nesses contextos, a “frase feita” figura como uma unidade lingüística não
fragmentável, não podendo ser alterada, já que o todo compõe o significado e não cada
elemento isolado.
(136) Haja paciência!
Nesses casos de expressão fixa e/ou lexicalizada, o uso do subjuntivo não
corresponde a uma hipótese ou a uma situação duvidosa, já que seu aparecimento é
obrigatório e não cabe a substituição pelo modo indicativo. A esse respeito, os gramáticos
afirmam que há contextos em que a dependência ao modo subjuntivo se dá de forma
subentendida.
As orações substantivas são descritas, como proposições dependentes do que vem
expresso pelo verbo da oração principal. O uso do modo subjuntivo, geralmente, é motivado
quando o verbo da frase principal ou matriz exprime certos traços, como sentimento (exemplo
137), ou uma dúvida (exemplo 138).
52
(137) Pior será que os enxotem daqui...
(138) NÃO acredito que ela chore aqui.
Dessa forma, o subjuntivo é selecionado em proposições subordinadas substantivas
com verbos e⁄ou expressões que exprimam (i) volição, ordem e desejo (querer, ordenar,
proibir, esperar e desejar); (ii) dúvida ou hipótese (duvidar, ser possível); (iii) sentimentos
(gostar); (iv) súplica ou pedido (suplicar, implorar, rogar e pedir). O indicativo é utilizado
quando a ação expressa pelo verbo é feita de modo certa, real, categórica -- independente do
tempo em que a asserção ocorra (presente, passado ou futuro).
Relativamente ao emprego do modo subjuntivo nas orações subordinadas adjetivas,
os autores destacam que o subjuntivo ocorre nos contextos semânticos em que os sujeitos são
indeterminados e o modo verbal expressa contextos desejáveis:
(139) Gerson saiu rapidamente, e durante bastante tempo não houve quem o convencesse
a voltar lá.
(140) Então não havia um direito que lhe garantisse a sua casa?
(141) Portanto, quero coisa de igreja, coisa pia, que dê gosto a um bom sacerdote como é
padre Estevão.
No que se refere às orações subordinadas adverbiais, o uso do subjuntivo é motivado
por fatores morfossintáticos, ou seja, a sua escolha é regulada pela presença de conjunções.
As estruturas adverbiais não teriam valor próprio, já que servem apenas como instrumento
sintático, regulado pelo uso de determinados conectores:
a) conjunções causais, que negam a idéia de causa (não porque, não que).
(142) Não que não quisesse amar, mas amar menos, sem tanto sofrimento.
53
b) conjunções concessivas, que expressam uma noção que contrasta com o conteúdo que se
expressa na oração (ou proposição) principal (embora, ainda que, conquanto, posto que,
mesmo que, se bem que, etc).
(143) O povo não gosta de assassinos, embora inveje os valentes.
c) conjunções finais, que indicam uma dada finalidade (para que, afim de que, porque).
(144) Rubião não entendeu; mas o sócio explicou-lhe que era útil desligarem a sociedade,
afim de que ele sozinho liquidasse a casa.
d) conjunções temporais, marcando a anterioridade (antes que, até que).
(145) Deu para freqüentar, pela manhã, a rua Êre e fica a conversar com Emília até que
eu me levante.
e) modais, iniciadas pela conjunção hipotética como se.
(146) As pernas tremiam-me como se todos os nervos me estivessem golpeados.
f) condicionais, em que a condição é irrealizável e hipotética.
(147) Se viesse o sol, tudo mudava.
g) consecutivas, não exprimindo uma realidade, mas sim um fim que se pretende atingir.
(148) – Que quer vosmecê? – perguntou rudemente, de longe, interrompendo a marcha de
modo que ela pudesse chegar até junto dele.
O valor semântico assume relevância no uso do subjuntivo, já que, mesmo quando se
consideram fatores de natureza sintática, se apontam fatores semânticos, como é o caso das
orações adverbiais. Segundo os autores, há, inclusive, nas orações adverbiais condicionais, a
54
possibilidade de ocorrer ambos os modos verbais, uma vez que podem tratar de fatos
presentes, passados, futuros ou improváveis.
Ao tratar dos tempos do modo subjuntivo, adverte-se que as noções temporais do
subjuntivo não são tão precisas, se comparadas às do modo indicativo. Com o presente do
subjuntivo, pode-se denotar uma ação no presente ou no futuro. O imperfeito do subjuntivo,
por sua vez, pode ter tanto o valor de passado, futuro como o de presente. Já o futuro do
subjuntivo denota a eventualidade do fato expresso no futuro.
Além disso, Cunha & Cintra (1985) destacam que existem outros elementos na
língua que podem atuar como substitutos do modo subjuntivo, sobretudo quando seu uso se
torna “pesado” ou “malsonante”. Assim, o modo subjuntivo pode ser substituído pelo
infinitivo (exemplo 149), gerúndio (exemplo 150), substantivo abstrato (exemplo 151) e
construção elíptica (152):
(149) O professor mandou que o aluno lesse o romance. → O professor mandou o aluno
ler o romance.
(150) Se seguisses o caminho normal, chegarias primeiro. → Seguindo o caminho
normal, chegarias primeiro.
(151) Se tivesses voltado, serias bem recebido. → Tua volta seria bem recebida.
(152) Se fosse de ferro, a ponte suportaria o peso. → De ferro, a ponte suportaria o peso.
Bechara (1968), ao analisar o emprego dos modos verbais na Moderna Gramática
Portuguesa, também o caracteriza por critérios semânticos. Na análise, considera as formas
do imperativo como sendo do subjuntivo e não como formas derivadas. Elabora-se um estudo
detalhado de construções em que o subjuntivo ocorre, sempre ressaltando o caráter semântico
das construções.
55
O modo subjuntivo ocorre normalmente nas orações independentes optativas, nas
imperativas negativas e afirmativas – nestas últimas com exceção da 2ª pessoa do
singular e plural -, nas dubitativas com o advérbio talvez e nas subordinadas em
que o fato é considerado como incerto, duvidoso, ou impossível de se realizar.
(Bechara, 1968, p. 339)
No capítulo Para falar e escrever melhor o português, Kury (1989), como os outros
autores já mencionados, se baseia na classificação dos modos verbais a partir de critérios
semânticos, apresentando o subjuntivo como o modo da incerteza, sendo usado para expressar
um fato de realização incerta, apenas possível, eventual. Considera o subjuntivo como o
modo prototípico da subordinação, embora afirme que esse modo também possa ocorrer em
orações independentes, denotadoras de dúvida, descrença, possibilidade, desejo, esperança,
súplica, receio, conselho, e vários outros sentimentos análogos. O autor também associa o
caráter de dependência ao subjuntivo, motivo pelo qual ocorre em orações subordinadas.
Como justificativa, destacam-se as orações em que a marca de subordinação, a conjunção
“que”, permanece como resquício de oração dependente, mesmo em contextos
“aparentemente” independentes.
(153) Que os jovens namorem, que curtam a vida material; mas não esqueçam a vida
intelectual.
Na Moderna Gramática Brasileira, Luft (1987) recorre à etimologia dos próprios
nomes para designar os modos verbais: o indicativo teria a função de indicar, já o subjuntivo
indicaria o que se encontra junto, subordinado. Estabelece-se relação entre os três modos com
o que chama de “três faculdades da alma”: o indicativo, a inteligência; o imperativo, a
vontade; e o subjuntivo, a sensibilidade.
A abordagem das gramáticas tradicionais, em geral, aponta para certas restrições
sobre os quais determinados padrões -- quer sejam certos itens verbais, quer sejam expressões
56
de dúvida, quer sejam certas conjunções subordinativas -- figuram como exemplos de
condições de uso para o modo subjuntivo.
Na contramão da prescrição gramatical, dados reais de fala e de escrita explicitam a
interferência do modo indicativo nos contextos apontados como obrigatórios pela
normatividade, o que nos permite pressupor que os valores atitudinais de incerteza, dúvida e
de suposição podem ocorrer a partir de outros componentes lexicais, mesmo sem o emprego
do modo subjuntivo.
2.5 O MODO VERBAL EM GRAMÁTICAS DESCRITIVAS
Segundo Camara (1985, p.133), em português, o subjuntivo corresponde,
especificamente, ao modo da subordinação, uma vez que a expressão de dúvida, desejo ou
hipótese ocorre “no âmbito de uma comunicação dependente de outra”. O autor reconhece
que o uso do subjuntivo nas orações independentes ocorre em contextos específicos, como é o
caso das orações introduzidas pelo advérbio talvez. Nessas orações, a nuance de dúvida é
marcada, sobretudo, pelo uso do advérbio e não propriamente pelo uso do subjuntivo,
concebendo o subjuntivo como uma marca formal.
Em relação às orações subordinadas, o subjuntivo ocorre nas proposições em que há
a modalidade de incerteza, dúvida ou desejo. Nas orações dependentes, o subjuntivo encontrase atrelado à presença de determinados elementos, por isso defende-se a noção de que o modo
subjuntivo constituiria uma “pura servidão gramatical”, sem a vinculação de valores
semânticos.
(154) Suponho que seja verdade.
(155) Suponho que é verdade.
57
Em A gramática descritiva do português, Perini (1995) trata das condições formais e
semânticas dos modos verbais em português. Ressalta alguns fatores para o uso do modo
subjuntivo, tais como o verbo da oração principal, a preposição para, advérbios, a presença de
negação e o tempo verbal.
(156) Lelé duvidou que pudesse fazer o serviço
(157) Trouxemos esse frango para que você o mate.
(158) Eu talvez o procure no escritório.
(159) O advogado NÃO afirmou que você seja⁄ é inocente.
(160) a) Ele pensou que estivesse⁄ estava protegido.
b) Ele pensa que *esteja⁄ está protegido.
Quando for possível a utilização dos dois modos, há uma diferença de significado em
cada uma das proposições, devido à própria natureza semântica da forma subjuntiva.
De referência ao português europeu, Mateus et alii (2004) consideram também o
subjuntivo como modo prototípico das seqüências subordinadas, ocorrendo nos contextos em
que há um estado de coisas reconhecido pelo locutor como possível ou contingente.
Semanticamente, o indicativo ocorre relacionado a um estado de coisas reconhecido como
necessário ou com alto teor de probabilidade e ocorrência, além de ser [-marcado] em relação
à atitude do falante.
Assim como os gramáticos do Português do Brasil, as autoras adotam,
prioritariamente, o critério semântico para a explicitação do uso modo verbal. Destacam que o
subjuntivo (ou conjuntivo) ocorre em orações completivas cujo predicador da oração principal
apresenta a nuance de dúvida, volição, necessidade subjetiva, ordem, obrigação, permissão e
proibição. O subjuntivo torna-se obrigatório, ainda, com verbos causativos, como é o caso de
58
mandar, fazer e deixar; com alguns verbos factivos, como apreciar, criticar, detestar e
lamentar; com certos adjetivos modais, como desejável e possível; com certos nomes, como
dúvida, idéia e medo. Apresentam-se, a seguir, alguns desses exemplos:
(161) As crianças querem que o pai conte uma história. → Volição
(162) A Maria permitiu que os miúdos saíssem. → Permissão
(163) O Rui deixou que os miúdos vissem televisão. → Verbo causativo
(164) A Maria apreciou que lhes tivesses telefonado. → Verbo factivo
(165) É desejável que a Maria esteja em casa. → Adjetivo modal
(166) O medo de que ela faça uma asneira está sempre presente. → Nome “medo”
Para Mateus et alii, não há característica semântica comum entre os verbos que
selecionam o modo subjuntivo na oração completiva, por isso acredita-se que o subjuntivo
seja dependente de outros fatores de modalidade. A negação na oração principal, por
exemplo, é um dos elementos definidores da seleção do modo na encaixada. Em (167), a
seleção do modo está atrelada à própria escolha do falante. Não se pode deixar de considerar o
fato de que alguns verbos, sob o escopo da negação, podem passar a selecionar apenas o
subjuntivo, como ocorre em (168), ou, ainda, casos em que selecionam o subjuntivo em frases
afirmativas e, em virtude da negação, passam a admitir o indicativo, como em (169).
(167) O Rui NÃO acredita que a Ana tenha partido ⁄ partiu ⁄ parta ⁄ vai partir.
(168) Ele NÃO garante que a Maria tenha chegado a horas ⁄ chegue em breve.
(169) Ele NÃO duvida que a Maria chegou a horas ⁄ chega em breve.
No que se refere às orações relativas, o subjuntivo ocorre, fundamentalmente, nas
orações restritivas (exemplo 170); nas explicativas (exemplo 171), cujo antecedente é um
nome próprio, seleciona-se o indicativo. Em certas construções de contexto opaco, pode
59
ocorrer a oscilação entre os modos (exemplo 172). Nesse último caso, o indicativo, é utilizado
para revelar especificidade; o subjuntivo, generalidade.
(170) O Jorge, que chega sempre a horas, traz a encomenda.
(171) A criança que bebe ⁄ beba leite é mais saudável.
(172) A Rita procura um livro que tem ⁄ tenha gravuras do Porto.
Nas orações adverbiais, o subjuntivo ocorre nas orações finais (exemplo 173),
concessivas (exemplo 174), maior parte das condicionais (exemplo 175), algumas temporais
(exemplo 176), comparativas (exemplo 177) e causais (exemplo 178).
(173) Ele volta ⁄ voltou para que todos fiquem ⁄ ficassem contentes.
(174) Embora seja tarde, vou sair.
(175) Se a Maria estivesse em casa, íamos visitá-la.
(176) Vou para casa antes que ⁄ logo que chova.
(177) Comporta-se como se fosse o rei.
(178) É provável que tenha assistido à conferência porque lhe interessava⁄ interessasse
o tema.
Gramáticas mais recentes, como a de Neves (2000), Azeredo (2008) e Castilho
(2010) apresentam novas propostas, com enfoques teóricos diferenciados, mas não
acrescentam informações ao que já vem sendo apontado.
2.6 O MODO VERBAL EM OUTRAS LÍNGUAS ROMÂNICAS
2.6.1 Em francês
O estudo variacionista de Poplack (1992), sobre o francês canadense, parte de
entrevistas com 120 falantes nativos do francês que residiam em Ottawa-Hull, região bilíngüe
60
do Canadá. Restringe-se o estudo dos modos verbais às orações completivas, questionando-se
a posição de que a escolha do subjuntivo/ indicativo seja automática, como descreve a
gramática francesa. A proposta normativa francesa torna os modos verbais uma marcação
redundante, já que é resultado apenas da natureza do verbo da matriz.
Poplack (1992, p. 259)11concebe o uso do subjuntivo variável e assinala: “Existem
boas razões para acreditar que essa variação tem sido estável por séculos”. Segundo a
autora, há três classes de matrizes verbais: (i) uma em que o subjuntivo sempre ocorre – dire
(verbo dizer), demander (pedir), concevoir (conceber), desirér (desejar); (ii) uma em que o
subjuntivo é aceito – prier (pedir), se plaindre (lamentar-se), être supris, avoir l’espoir
(esperar); e (iii) uma em que há a oscilação entre as formas do indicativo e do subjuntivo –
vouloir (querer), avoir peur (temer), penser (pensar), empêcher (impedir).
Assume-se a proposta de que o indicativo e o subjuntivo constituam formas variantes
e que apresentem relação com o comprometimento do locutor frente ao que enuncia, isto é, se
expressa realidade, probabilidade, etc.
Reconhecendo a variação de uso no francês canadense, explicita que há fatores
estruturais determinantes na escolha de um determinado modo verbal, a saber, (i) grau de
asserção, (ii) presença de indicadores lexicais da expressão de modalidade, (iii) tempo verbal,
(iv) relação entre o tempo verbal dos verbos da matriz e da encaixada, (v) presença (ou não)
do complementizador que, (vi) presença de elemento interveniente entre o complementizador
e o verbo da encaixada.
Poplack ressalta que a noção semântica introduzida pelo verbo da matriz é
determinante. Verbos classificados como emotivos e volitivos necessitam de subjuntivo
11
there is good reason to believe that this variation has been stable for centuries (Poplack,
61
1992, p.259).
categoricamente, “subjuntivo primário”. Outros predicadores, como é o caso dos que
exprimem opinião, só exigem o subjuntivo ao serem negados na matriz, ao que chama de
“subjuntivo secundário”. Na análise dos dados, verificaram-se os seguintes resultados, no
estudo de tempo real:
Tipo de verbo
Volitivo
Emotivo
Opinião
Tempo do verbo da matriz
Presença de que
.77
.66
.09
Estrutura morfológica ⁄
Freqüência do verbo da
encaixada
Irregular⁄ freqüente
.56
Regular⁄ rara
.36
Imperfeito
.65 Presente
.52
Presente
.51 Ausente
.39
Passado composto
.42
Futuro perifrástico
.38
Condicional
.25
Tabela 1. Fatores que contribuem na escolha de uso do modo subjuntivo nas orações subordinadas regidas por
outros verbos que não falloir ‘ser preciso’ (Fonte: Poplack, 1990, p. 21)
A Tabela 1 evidencia que os verbos volitivos constituem contextos favorecedores ao
uso do modo subjuntivo. Os emotivos, embora condicionando o uso do subjuntivo,
apresentam redução de uso, segundo a análise. Os grupos de fatores tempo da oração
principal e estrutura morfológica do verbo da oração subordinada também desempenham
papel importante na escolha do subjuntivo, assim como a presença do complementizador que.
A respeito do complementizador, Poplack (1992) destaca que há uma associação estreita entre
o subjuntivo e a subordinação, já que, quando este elemento está presente, o subjuntivo é
favorecido. Por fim, defende-se a hipótese de que a variação entre os modos verbais constitua
um fenômeno variável historicamente.
A partir da análise dos dados, a autora cita o fato de que classificar os verbos em
determinadas classes semânticas é inoperante, visto que pode haver muitas palavras sinônimas
que são enquadradas dentro de uma determinada classe, mas que se comportam de modo
diferente no que se refere à escolha do modo subjuntivo na oração subordinada. Por exemplo,
os verbos préférer (preferir) e aimer mieux (gostar mais de), considerados sinônimos,
62
apresentam comportamento diferenciado na escolha dos modos verbais: com préférer, o
subjuntivo é categórico; já com aimer mieux, há somente 2% de ocorrência do subjuntivo.
2.6.2 Em Espanhol
Assim como ocorre em português, as gramáticas em espanhol (Bosque e Demonte,
1999), apresentam prescrições acerca dos contextos em que o subjuntivo deve ocorrer. Nas
orações completivas do espanhol, o subjuntivo é obrigatório (i) quando o verbo da oração
matriz imprime desejo, necessidade, permissão, proibição, etc (querer, mandar, ordenar,
etc); (ii) com verbos de sentimento (gostar, preferir, lamentar); (iii) com expressões que
atestam juízos de valor (é lógico, é uma pena, etc); e (iv) com expressões impessoais (é
possível, é provável).
Podolsky (1983), no trabalho Las Completivas Objeto em Español, parte da
separação da noção entre modo e modalidade. O modo é concebido categoria morfológica e a
modalidade como uma categoria nocional. O subjuntivo é semanticamente significativo, uma
vez que expressa a modalidade da dúvida e da incerteza, até nos contextos em que não se
opõe ao indicativo. Considera-se agramatical a presença do indicativo em certos contextos,
por não ser compatível com a modalidade a ser veiculada (exemplo 179).
(179) Desejo que você vem.
Silva-Corvalán (1994) analisa os modos verbais no espanhol de Los Angeles. A
amostra é constituída por três grupos de 17 falantes mexicanos bilíngües, que residem nos
Estados Unidos. O trabalho tem como objetivo comparar a mudança no espanhol em contato
com o inglês, já que, segundo a autora, as tendências rumo à redução do uso do subjuntivo são
muito evidentes. Os falantes foram divididos em três grupos: (i) grupo 1 - quatro falantes que
63
nasceram no México e migraram para os EUA com 11 anos de idade; (ii) grupo 2 - falantes,
nascidos em Los Angeles e que têm pais que nasceram no México; (iii) grupo 3 - falantes
nascidos em Los Angeles e que têm um dos pais nascido em Los Angeles.
Embora a distinção modal entre o indicativo e o subjuntivo seja significativa no
espanhol, houve alterações nos padrões de uso: o indicativo tem sido utilizado cada vez mais
no lugar em que o subjuntivo tende a ocorrer. A fim de estudar os fatores que favorecem a
perda ou a retenção do modo subjuntivo, analisaram-se as seguintes variáveis: grau de
liberdade de escolha e adequação da forma escolhida ao contexto discursivo - se adequada
ou não.
Na análise, encontram-se 88% de uso do subjuntivo em orações volitivas, 76% em
orações finais e 73% em orações concessivas. Pelo perfil dos falantes analisados, os
resultados apontam que há um processo gradual de perda da distinção modal no espanhol de
Los Angeles, já que o grupo de menor exposição ao espanhol (grupo 3) apresenta menor uso
do subjuntivo; por outro lado, com o grupo em que houve maior contato com o espanhol
(grupo 1), apresenta uso do subjuntivo mais recorrente -- seja nos contextos em que se exige o
uso do subjuntivo, seja nos contextos em que o uso não é obrigatório.
A mudança, segundo Silva-Corvalán (1994), tem início nos casos em que a
alternância entre as formas do indicativo e do subjuntivo é permitida. A perda gradual da
distinção dos modos verbais pode, inclusive, ser concebida como uma tendência das línguas
românicas em geral de incluírem o indicativo em contextos reservados ao subjuntivo Assim,
esse comportamento é motivado por pressões internas à língua, mas que, com o contato
lingüístico, se acelera, já que não há oposição de modos verbais em inglês.
Rivero (1971), em Mood and pressupposition in Spanish, atesta que há verbos em
espanhol que admitem tanto o indicativo quanto o subjuntivo na oração subordinada, como
64
parecer e crer; no último caso, o verbo deve estar antecedido de partícula negativa. O
indicativo corresponde ao modo em que o falante pressupõe a verdade sobre um fato e o
subjuntivo, ao modo verbal em que não se verifica essa pressuposição. Embora o uso do
subjuntivo, em orações completivas, esteja relacionado ao aspecto sintático-semântico da
matriz, devem-se considerar as diferenças dialetais na escolha dos modos verbais na oração
encaixada. Analisa-se que, ao longo do tempo, a possibilidade de variação na escolha dos
modos verbais tem se restringindo, o que, possivelmente, acarretará a diminuição do
paradigma verbal. Confirma-se o resultado de que o tempo⁄modo do verbo da oração matriz
atua na seleção do tempo⁄modo da oração encaixada.
2.6.3 Em italiano
Comparando o português com o italiano, a partir de estruturas frasais recolhidas das
obras Codice’80 e Anarquistas, Graças a Deus, Barra Rocha (1992), assim como as outras
análises já vistas, reconhece a substituição do indicativo pelo subjuntivo, até nos contextos em
que a tradição não recomenda, não só na língua portuguesa como também na italiana. O traço
mais marcante para o subjuntivo é o de ser subordinado a fatores “condicionadores”, que
podem ser de natureza lingüística ou extralingüística.
Barra Rocha (1992) demonstra que verbos indicadores de vontade e desejo podem
selecionar verbos no indicativo ou no subjuntivo nas orações subordinadas, assim como
ocorre em dados de fala não-culta em português:
(180) a) Max vuole che tu te ne vai.
Max
quer que
você vai embora.
b) Max vuole che tu te
Max quer
que você
ne vada.
vá embora.
.
65
Apontam-se, como condicionadores lingüísticos ao uso do subjuntivo, certas
conjunções, advérbios, pronomes e expressões verbais. No que diz respeito aos
condicionadores morfossintáticos, mais especificamente nas orações concessivas, destaca-se
que, em português, o subjuntivo é obrigatório.
(181) a) Ainda que o tivesse visto, não o teria cumprimentado.
b) Ainda que o tinha visto, não o teria cumprimentado.
Em italiano, nas orações concessivas, o uso do subjuntivo é praticamente categórico,
com exceção das formas “anche se” e “anche quando” (equivalentes, no português, aos
conectores mesmo que, ainda que e embora).
Barra Rocha (1992) não descarta o caráter semântico das formas subjuntivas,
principalmente nas orações independentes.
(182) Passem bem, eu volto logo.
(183) Talvez chova hoje à tarde.
Reconhece-se como fator extralingüístico, sobretudo, a intenção comunicativa do
falante ao se pretende expressar. Baseando-se no caráter subjetivo das “intenções”, o falante
opta por um modo ou outro nas orações relativas. No caso das expressões pessoais, o uso do
subjuntivo ocorre atrelado ao critério subjetivo.
(184) Quero achar um gato que não mie⁄ mia à noite.
(185) Você atira o sabão para cima, não faz mal que não caia no telhado; a santa
entende.
66
2.7 ESTUDOS MAIS RECENTES SOBRE O PORTUGUÊS
Botelho Pereira (1974) propõe que a distinção entre o indicativo e o subjuntivo seja
estabelecida por intermédio das funções semântica, gramatical e semântico-gramatical. Na
função semântica, o falante pode fazer a escolha por um outro modo verbal, e, nesse caso, a
alteração de modo verbal acarreta significados diferentes.
A função gramatical restringe-se ao modo subjuntivo. A modalidade é marcada na
oração matriz, sendo redundante que a noção semântica do modo verbal na subordinada, já
que funciona como indicador gramatical de subordinação.
(186) Esperei que ele viesse⁄ *vinha.
A proposta da autora não leva em consideração o fato de poder haver variação nesses
contextos. Julga-se como agramatical ou pouco aceitável as frases do português contendo
formas do indicativo por formas do subjuntivo.
Na função semântico-gramatical, há identidade entre as modalidades, expressas
pelas orações matriz e encaixada, hipótese sobre a qual o modo verbal da oração encaixada é
determinado na própria oração matriz. O subjuntivo, em (187), é excluído, por expressar
incerteza, contexto incompatível com o próprio conteúdo semântico do verbo saber. Como o
indicativo é a única forma possível, seu aparecimento adquire valor gramatical, além de
denotar sentido de factividade (certeza), ao contrário do que ocorre em (188), com significado
não-factivo.
(187) Sei que chove ⁄ *chova. → Indicativo
(188) Estou ansioso de que Pedro se recupere⁄ *recupera. → Subjuntivo
Dessa forma, o subjuntivo é categórico quando o verbo da oração matriz é nãofactivo (querer, esperar), bicondicional (possibilitar, ser possível), ou factivo emotivo
67
(lamentar, gostar, sentir, detestar, aborrecer-se); o indicativo é esperado nos contextos em
que o verbo da matriz é factivo não-emotivo e não-avaliativo (esquecer, saber, descobrir,
ignorar, levar em conta). Nos predicados indiferentes de opinião, verifica-se a alternância dos
modos, relacionado à formalidade: quanto maior o grau de formalidade, o subjuntivo é o
modo escolhido; quanto menor, o indicativo.
Azevedo (1976) -- em um trabalho intitulado O subjuntivo em português: um estudo
transformacional -- busca analisar apenas as ocorrências de modo verbal em orações
declarativas ou afirmativas, tendo como objetivo caracterizar formalmente as condições em
que ocorrem as variações morfológicas com o subjuntivo/ indicativo.
A variação de modo verbal é concebida como “morfologicamente automática,
semanticamente vazia” (Azevedo, 1976). Essa variação só ocorre em certos tipos de orações
subordinadas, quando, nas palavras de Azevedo (1976, p. 07), “se preenchem determinadas
condições independentes”. Parte-se da hipótese de que o uso do subjuntivo em português
possa ser explicado apenas a partir do critério sintático, sem que seja necessário recorrer ao
caráter semântico das formas verbais. O subjuntivo é usado automaticamente, uma vez que
há, na proposição, elementos sintáticos que restringem o emprego desse modo verbal.
A proposta de Azevedo (1976) parte da noção de traços semânticos, a saber, [+⁄volição], [+⁄-sentimento], [+⁄-dúvida]. Alguns verbos podem oscilar, ou seja, ora podem
adquirir determinados traços, ora não. O verbo sentir, por exemplo, pode apresentar o traço de
[+sentimento], como ocorre em (189), ou de [-sentimento], como em (190).
(189) Sinto que ela vá embora amanhã.
(190) Sinto que ela vai embora amanhã.
68
A presença do indicativo, com certos verbos, como querer, se restringe ou a certos
dialetos da língua não-padrão, ou a certas variedades coloquiais⁄familiares da língua padrão
(exemplos 191 e 192).
(191) Quero que você fale com ele. → Subjuntivo
(192) *Quero que você fala com ele → Indicativo
O autor não descarta a necessidade de considerar, na análise dos modos verbais,
aspectos extralingüísticos, tais como a classe social, o grau de instrução dos falantes, o grau
de formalidade da situação em que se desenrola o ato comunicativo, dentre outros aspectos.
Wherritt (1977) desenvolveu um estudo sobre o uso dos modos verbais a partir da
conversação livre, em orações substantivas, adjetivas e adverbiais, nas orações independentes
e em expressões a que denomina de estereotipadas, com base em uma amostra de 56
informantes, de diferentes idades e classes econômicas, da cidade de São Paulo, em 1974.
Na pesquisa, verifica-se que as formas do passado do subjuntivo são mais produtivas
que as do tempo presente, contexto em que ocorre maior variação. A autora aponta os
seguintes fatores para a ocorrência do indicativo no lugar do subjuntivo: (i) erros de uso; (ii)
situação envolvendo atos de fala (grau de formalidade e intimidade entre os participantes),
(iii) dialeto social do falante, (iv) idiossincrasias de uma dada competência individual.
Atrelam-se a esses fatores, as variáveis sociais idade, nível econômico e grau de escolaridade.
Wherritt (1977) comprovou que alguns dos usos do subjuntivo só ocorrem em
falantes mais velhos e com maior nível de escolaridade. A criança só é capaz de usar o
subjuntivo no momento em que atinge determinado desenvolvimento cognitivo e essa
aquisição ocorre em diferentes espaços, seja em contato com a comunidade, seja pela
exposição à educação formal.
69
Os resultados evidenciam que a maior freqüência de uso do subjuntivo ocorre nas
orações subordinadas adverbiais condicionais, cujo percentual de subjuntivo, no tempo
passado ou futuro, chega a 46%. As orações com menor freqüência de uso do subjuntivo são
as adjetivas (12%), seguidas de orações adverbiais (20%) e das substantivas (22%).
Nas orações substantivas, o subjuntivo é produtivo, sobretudo, quando, na oração
principal, ocorrem verbos volitivos, emotivos, de opinião, de dúvida e de possibilidade. Na
oração regida por querer, que é um tipo de verbo volitivo, nota-se comportamento
diferenciado, se este se encontra no tempo presente ou no passado: nas construções com
verbos volitivos no tempo presente, há um “imperativo encaixado” e, como o imperativo é
necessariamente presente, justifica-se que se encontre o uso do indicativo. Com relação aos
verbos de crença, tais como crer, acreditar e achar, o modo subjuntivo é freqüente, se há um
elemento de negação na oração matriz.
Fávero (1982), também considera, assim como Botelho Pereira (1974), agramaticais
as orações em que o indicativo ocorre no lugar do subjuntivo.
(193) Rogo que estude⁄*estuda português.
Há seqüências em que, a depender do tipo de verbo da oração matriz (em geral, nas
orações em que as atitudes proposicionais expressam julgamento), pode haver alternância
entre as formas do indicativo e subjuntivo (exemplo 194).
(194) Suponho que Luis Paulo estude⁄ estuda português.
As atitudes proposicionais do sujeito são encontradas no conteúdo semântico do
verbo da matriz e determinam, na estrutura superficial, as formas verbais do indicativo ou do
subjuntivo. No português, o modo verbal encontra-se atrelado à atitude proposicional -- se
70
interpretativa, ou não, -- do sujeito da oração matriz. Quando a oração principal da estrutura
completiva expressa atitude proposicional não-interpretativa, usa-se o indicativo (exemplo
195); quando o verbo da matriz expressa atitude proposicional interpretativa, o subjuntivo é a
forma selecionada (exemplo 196).
(195) Sei que Mariana estuda⁄ *estude português.
(196) Suplico que você estude português.
Favero (1974, p. 73) ressalta que determinados verbos de atitude interpretativa, ao
sofrerem influência da negação na oração matriz, transformam-se em verbos de dúvida, e a
atitude proposicional da oração passa a ser de julgamento. Dessa forma, selecionam o
indicativo caso haja factividade e selecionam o subjuntivo, caso esse traço não ocorra.
(197) NÃO sei se Paulo estude⁄ estuda português.
É importante ressaltar que a atitude do sujeito pode ser marcada por certos advérbios
(possivelmente, necessariamente, talvez) e até por elementos supra-segmentais, tais como o
acento, a entonação e a duração. Os traços de [-factividade] e de [+volição] favorecem o uso
do modo subjuntivo.
A partir de dados do português contemporâneo e do latim vulgar, Bianchet (1996)
defende a idéia de que a entrada do indicativo em contextos reservados ao subjuntivo
corresponde a uma etapa de mudança no sistema de complementação. Nesse processo, há o
seguinte quadro: a) casos de oscilação entre o indicativo e o subjuntivo; b) perda do espaço do
subjuntivo em favor do indicativo; e c) completa substituição do subjuntivo pelo indicativo.
Tendo em vista a modalidade expressa pelo verbo da matriz, obtém-se o seguinte
quadro:
71
i) modalidade do tipo I (factividade): uso categórico do indicativo;
ii) modalidade do tipo II (não-factividade I – dúvida, hipótese): ampla oscilação entre o
indicativo e o subjuntivo, com predomínio do indicativo;
iii) modalidade do tipo III (não-factividade II – volição, comando): oscilação mais restrita
entre o indicativo e o subjuntivo, com o uso do indicativo em expansão.
Reconhece-se que há muitos usos dos modos verbais que não estão prescritos pela
gramática tradicional. Quanto à análise dos tempos verbais, verificou-se que o subjuntivo é
favorecido, nos casos em que o verbo da oração completiva se encontra no pretérito
imperfeito e desfavorecido nos casos em que se encontra no presente, resultado já verificado
no estudo de Wherritt (1977).
A análise do fator grau de escolaridade evidenciou que quanto menor o nível de
escolaridade, mais reduzido é o uso do subjuntivo: os falantes de nível de escolaridade I
(analfabeto a 1º grau) apresentaram peso relativo de .30; enquanto os falantes de nível de
escolaridade II (2º grau a nível superior) apresentaram peso relativo .66. Esses resultados
apontam para uma variação estável, já que a seleção do modo subjuntivo está associada à
noção de prestígio.
Rocha (1997), em um estudo variacionista, acerca do uso do modo verbal em dados
de fala do Rio de Janeiro e Brasília, afirma que está ocorrendo, em português, uma perda de
campo de uso do modo subjuntivo. A amostra do Rio de Janeiro foi composta por dados
extraídos de entrevistas do Projeto PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua); na
amostra de Brasília, utilizou-se um corpus cedido por Malvar (1992) e, ainda, situações
conversacionais diversas (conversas, transmissão de rádio ou televisão ou mídia escrita). O
estudo restringe-se às orações substantivas, que se encontram no presente ou no pretérito
72
imperfeito. No que concerne à classificação dos verbos da oração matriz, Rocha (1997) se
baseia no estudo de Botelho Pereira (1974), já mencionado anteriormente. A autora registra a
entrada de formas do indicativo no contexto dos verbos não-factivos, indo de encontro ao que
atestou Botelho Pereira em seus resultados, em que o uso do subjuntivo era categórico.
(198) Você quer qu’eu ligo para você quando eu chegar?
(199) Espero que algum dia o governo federal olha de uma maneira mais positiva.
A relação factividade versus não-factividade não é suficiente para explicar a
variação dos modos verbais, sendo necessário recorrer à distinção entre os verbos volitivos
(querer, esperar e preferir), emotivos (gostar e concordar) e de opinião, tal como foi verificado
em Poplack (1992).
Carga semântica do verbo da matriz
Oco de
subjuntivo
65
11
44
Total de
dados
88
23
107
Percentual
Peso relativo
Volitivo
74%
Emotivo
48%
Opinião 1 (considerar, imaginar, supor,
41%
pensar, acreditar, etc
Opinião 2 - parecer
1
17
6%
Opinião 3- achar
9
248
4%
Tabela 2. Carga semântica do verbo da matriz (Fonte: Rocha, 1997, p. 127)
.96
.67
.76
.36
.16
Em Rocha (1997), assim como em Poplack (1992), os verbos emotivos e volitivos
selecionam o subjuntivo. Os predicados de opinião do tipo 1 também favorecem a presença do
subjuntivo, enquanto os verbos indiferentes de opinião e de suposição o desfavorecem.
No estudo de Rocha (1997), o grau de assertividade da oração matriz atua como
elemento favorecedor do uso do subjuntivo. O verbo achar que ocorre, na Tabela 2, como
desfavorecedor ao uso do subjuntivo, tende a favorecê-lo, quando antecedido por um
elemento de negação na matriz, atingindo percentual de uso de 60% (exemplo 200).
(200) Eu NÃO acho que seja mais fácil, não.
73
Pimpão (1999) analisa a variação no presente do modo indicativo e no presente do
modo subjuntivo, com base em entrevistas feitas em Florianópolis (SC), extraídas do banco de
dados do Projeto VARSUL. Na análise, destaca-se como principal elemento condicionante ao
uso do modo verbal o continuum tempo-modalidade. O subjuntivo é favorecido pelos traços
de futuridade e incerteza, identificados no nível sintático-semântico. Por outro lado, os traços
de atemporalidade, incerteza e pressuposição inibiriam o uso do subjuntivo, favorecendo o
indicativo. O traço de incerteza, na sua abordagem, apresenta-se dissociado do de futuridade,
já que é “possível que haja eventos ou estados incertos, sem que haja o traço de futuridade”
(Pimpão, 1999, p. 71).
Sobre a noção de futuridade, a autora afirma que está intrínseca aos verbos volitivos⁄
deônticos, nas cláusulas adverbiais finais e também nas cláusulas concessivas. Nos dados do
VARSUL, o modo subjuntivo, apresenta peso relativo de (.76) quando há o traço de
futuridade, no entanto, quando há a ausência desse traço, a relevância é de (.31), contexto
inibidor do uso do subjuntivo. A análise das cláusulas dubitativas com o advérbio talvez
confirma que o traço de futuridade é elemento favorecedor, já que atinge um percentual de
80% de uso do subjuntivo.
Em O uso de formas do indicativo por formas do subjuntivo no português brasileiro,
Neta (2000) parte da hipótese de que a entrada do indicativo em contextos previstos para o
subjuntivo ocorre não só em orações subordinadas, mas absolutas, principais e coordenadas.
Analisam-se dados de fala dos moradores de Januária (MG), divididos em gerações: Ifalantes de 15 a 24 anos, II- falantes de 35 a 45 anos, III- falantes de mais de 45 anos, com
níveis de escolarização distintos (fundamental ao superior).
Verificou-se que, embora os falantes tenham preferência pelo subjuntivo, o
indicativo também ocorre nos contextos em que há a modalidade interpretativa-volição. As
74
orações concessivas iniciadas pelo conector embora ou mesmo que apresentam 50% de uso de
subjuntivo, apresentando peso relativo de .63. Com as conjunções desde que, para que, por
mais que, desfavorece-se o uso do subjuntivo, com percentual de 20% e peso relativo de .21.
Mais uma vez, o nível de escolaridade do falante é relevante: quanto menor é o nível
de escolaridade, menor é o uso do subjuntivo, evidenciando-se que o uso de formas do
indicativo em contextos previstos para o subjuntivo é estigmatizado pela escola. A análise da
faixa etária confirmou que a hipótese de mudança em progresso deve ser refutada, já que os
mais jovens não favorecem o uso do indicativo em estruturas nas quais se prescreve o uso do
subjuntivo.
Meira (2006) focaliza o uso do modo verbal em orações subordinadas relativas e em
orações completivas de quatro comunidades rurais afro-descendentes do interior do Estado da
Bahia, a saber: Helvécia, Cinzento, Rio de Contas e Sapé. O corpus é formado por dados
extraídos do Projeto Vertentes do Português Rural do Estado da Bahia, à luz da perspectiva
variacionista.
A autora parte da hipótese de que o uso variável do subjuntivo nessas comunidades
resulta do processo de Transmissão Lingüística Irregular (TLI) -- decorrentes dos períodos
colonial e imperial -- em que há intenso contato entre o português e as línguas africanas.
Nessas comunidades, o subjuntivo vem ganhando espaço que era ocupado só pelo indicativo,
provocada pela difusão dos meios de comunicação e pela infra-estrutura, resultante da
urbanização do país.
Para analisar os resultados do português rural afro-descendente, compara-os aos
resultados obtidos por Pimpão (1999), Rocha (1997), que focalizam o português urbano. Na
análise, verificou-se que o uso do subjuntivo no tempo presente, nessas comunidades rurais,
chega a 24%, enquanto esse percentual era de 84% no estudo de Pimpão (1999). Ao contrário
75
do que os estudos urbanos têm revelado -- em que o subjuntivo tem sido freqüentemente
apagado --, verificou-se uma perda de ambiente do indicativo para o subjuntivo nas
comunidades afro-descendentes.
A presença de elemento de negação na oração matriz da estrutura completiva
também constitui, no estudo de Meira (2006), elemento favorecedor à seleção de uso do
subjuntivo.
No que se refere à análise da variável tempo do verbo da oração matriz, registrou-se
que tanto os tempos do presente quanto os do pretérito apresentam variação de uso, ao
contrário dos estudos de fala culta, cujo percentual de subjuntivo no passado era praticamente
categórico. A aquisição da forma subjuntiva ocorre em contextos lingüísticos mais salientes,
no caso os verbos irregulares (31%), que apresentam alto nível de saliência quando se opõe
indicativo e subjuntivo. Com os verbos regulares, a forma subjuntiva chega a 27%. Parece
haver uma bipolarização no Português do Brasil, já que apresenta tendências diferentes de
mudança entre o português urbano e o português rural afro-descendente.
Oliveira (2007), em um estudo sobre as estruturas de complementação nos dados de
fala de João Pessoa, mostra que o critério semântico não é suficiente para explicar a variação
de uso dos modos verbais. Na análise dos modos verbais, deve-se levar em conta aspectos
sintático-semânticos e morfossintáticos, tais como a presença de negação na matriz, o tempo
verbal e a pessoa do predicado da oração matriz.
Os dados de Oliveira (2007) foram extraídos de entrevistas organizadas por Hora &
Pedrosa (2001) do Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba (VALPB), sendo
distribuídos por anos de escolarização, extendendo desde falantes sem escolaridade até
falantes com mais de 11 anos de escolarização. A autora destaca, dentre outros aspectos, que
o uso do subjuntivo está associado ao processo de escolarização, no sentido de pressupor que
76
tais formas são depreendidas no ambiente escolar, através da educação formal. Alguns verbos,
tais como querer, desejar, permitir, deixar, ter medo, gostar, importar, selecionam, nos dados
do nordeste, categoricamente o subjuntivo, enquanto, no sudeste (Rocha, 1997), registrou-se
variação nesses contextos. No caso dos predicadores -- saber, dizer, parecer e achar --, a
presença do indicativo é praticamente categórica, assim como ocorre nos dados do sudeste.
Diferentemente dos resultados obtidos por Rocha (1997) -- em que não há o
favorecimento das pessoas verbais no modo verbal da oração encaixada -- e por Pimpão
(1999) -- em que o uso do subjuntivo é retido na 3ª pessoa (0.56) --, a 1ª pessoa figura como
favorecedora (0.52) nos dados do nordeste. O uso do subjuntivo -- com o verbo da matriz em
1ª pessoa -- atenua, segundo a autora, o comprometimento do falante com o valor de verdade
da proposição. Se o falante de 1ª pessoa não tem certeza do fato e não quer se comprometer,
usa o subjuntivo, já que este modo tem a função de expressar maior distância do locutor em
relação à verdade da proposição completiva, como recurso atenuador.
Fagundes (2007), em um estudo sobre as ocorrências do modo subjuntivo em
variação com o modo indicativo nas entrevistas do VARSUL no estado do Paraná,
especificamente em Curitiba, Londrina, Pato Branco e Irati, anotou que a substituição do
indicativo pelo subjuntivo ocorre, sobretudo, quando o verbo se encontra na forma verbal do
presente, com freqüência de 81% de indicativo. No imperfeito, houve 12% das ocorrências de
subjuntivo; e, no futuro, 7%.
Nas orações independentes, o percentual de uso do subjuntivo atinge 95% (.68) dos
dados. As orações substantivas apresentam maior percentual de uso do subjuntivo, com 95%
(.66), seguido das orações adjetivas 90% (.51) e das adverbiais 86% (.46). O autor não faz
uma classificação semântica dos verbos, mas supõe que o subjuntivo esteja presente em
orações com verbos volitivos e o subjuntivo em orações com verbos de opinião, tais como
77
crer, acreditar e achar. Com relação às orações adverbiais, na análise, optou-se por separar
cada tipo de oração adverbial: o uso do subjuntivo é categórico nas orações finais,
comparativas e causais, já as orações temporais, concessivas, condicionais e conformativas
apresentam alternância na seleção dos modos verbais.
Evidenciou-se que o uso do subjuntivo é mais freqüente na faixa etária B (acima de
50 anos) do que na faixa A (25 a 49 anos). Tanto as mulheres quanto os homens apresentam
90% de uso de subjuntivo e 10% de uso de indicativo. Os índices de escolaridade apresentam
relação direta à presença do subjuntivo, com percentuais de 88% do subjuntivo, no primário;
89% no ginásio; e 92% no colegial.
O autor faz uma análise das conjunções encontradas no corpus, mas só
especificaremos aqui as concessivas. Foram registradas as conjunções mesmo que⁄ (se), por
mais que, embora⁄ (que), nem que, por melhor que, por (mais) incrível que, apesar (de que).
O indicativo foi encontrado nas proposições com os conectores mesmo se, por mais que e
embora.
No que se refere às orações completivas, os resultados, das variadas análises do
português e também de outras línguas, evidenciam que se deve levar em conta,
especificamente nessas construções, o item verbal da oração matriz.
Outros fatores
lingüísticos, como a presença do elemento de negação, a pessoa e o tempo verbal, também
podem ser responsáveis pela seleção do modo subjuntivo na oração encaixada. A análise do
nível de escolaridade do falante revela, ainda, o papel da escola na difusão de formas do
subjuntivo. No presente estudo, mais uma vez, esses fatores lingüísticos revelaram-se como
fundamentais na seleção do modo verbal na oração encaixada, ou seja, as mesmas restrições,
que operavam no passado, se mantêm até hoje.
78
Quanto às orações concessivas, verifica-se que o tipo de conector é o elemento
responsável pela seleção do modo verbal na oração subordinada. Os estudos, em geral, não
tratam, especificamente, dessas construções, mas, das análises já realizadas, evidencia-se que
algumas orações concessivas apresentam seleção variável de uso do subjuntivo, indo de
encontro ao que prescreve à tradição gramatical.
79
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Desenvolve-se o estudo da alternância de uso do subjuntivo/indicativo em estruturas
subordinadas conjugando a perspectiva da sociolingüística variacionista laboviana (Labov,
1972; 1994; 2001) a alguns pressupostos funcionalistas (Givón, 1995; Hopper, 1991; Hopper
& Traugott, 1993). Nesses termos, pode-se dizer que o estudo reúne visões de um e de outro
quadro teórico-metodológico, concebendo-se a variação lingüística do ponto de vista
“funcional/discursivo” (Neves, 1997).
Tanto os modelos funcionalistas quanto o variacionista laboviano concebem a
linguagem como um fenômeno social, buscando descrever, a partir dos usos, os fatos
lingüísticos. Nesse paradigma, a linguagem é concebida como um mecanismo fundamental
para a interação social, já que se busca, fundamentalmente, perceber de que forma os usuários
da língua estabelecem a comunicação.
A opção por essa combinação de enfoques já vem sendo testada em outros estudos
de fenômenos lingüísticos (Gorsky, 1988; Paredes, 1998; Lopes, 1993; Camacho, 2001;
Cesario, 2001; Martins & Callou, 2002; Tavares, 2003; dentre outros), embora haja quem
defenda a incomensurabilidade entre duas ou mais teorias (Borges Neto, 2004).
Parte-se da concepção de que o “casamento teórico” entre a sociolingüística
variacionista e uma visão funcionalista seria coerente, no sentido de haver convergência entre
os dois campos de estudo, principalmente quando se trabalha com a noção de
‘comparabilidade funcional’ entre as variantes (Lavandera, 1978) e não de variação stricto
sensu, de variantes “com o mesmo valor de verdade”. Rejeita-se, implicitamente, a idéia de
que cada área investigativa apresente limites rígidos.
80
3.1 VISÃO SOCIOLINGUÍSTICA LABOVIANA
É fato notório que há, no estabelecimento da comunicação, uma forte relação entre
língua e sociedade. O sistema lingüístico, por ser de caráter eminentemente social, segue as
evoluções presentes em uma determinada comunidade, por isso não pode ser concebido como
um sistema homogêneo, rígido de possibilidades (língua como domínio da invariância).
[...] não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança lingüística sem levar
em conta a social da comunidade em que ela ocorre. Ou, dizendo de outro modo, as
pressões sociais estão operando continuamente sobre a língua, não de algum ponto
remoto no passado, mas como uma força social imanente agindo no presente vivo.
(Labov, 2008, p. 21)
A natureza heterogênea das línguas permite entender o fenômeno da variação
lingüística como um processo contínuo e inerente aos sistemas lingüísticos. A sociolingüística
variacionista laboviana, que tem origem na chamada Teoria da Variação e Mudança
(Weinreich, Herzog, Labov, 1968), constitui, nesses termos, um dos ramos da Lingüística que
tem como objetivo buscar explicações a respeito da heterogeneidade da língua. Assim,
concebe-se que a heterogeneidade lingüística é intrínseca à língua, não-aleatória, mas sim
sistemática e ordenada, e obedece a condicionamentos internos e externos. O pressuposto de
que nem toda variação e heterogeneidade envolvem mudança, mas toda mudança envolve
variação e heterogeneidade (Weinreich, Labov, Herzog, 2006) é fundamental para o
entendimento da questão.
Em um estudo variacionista, busca-se entender como algumas formas lingüísticas
são produzidas, quais os fatores que condicionam a escolha de uma determinada variante e
não de outra. O conjunto dessas variantes -- lexicais, fonológicas, morfossintáticas --, por sua
vez, constitui uma variável lingüística. Nessa perspectiva, cada uma das formas coexistentes
constitui uma variante, que pode ou não ser selecionada, em um determinado contexto.
81
Ao analisar um fenômeno lingüístico variável, não se pode deixar de considerar que
a variação pode ser condicionada tanto por fatores lingüísticos ou estruturais, quanto por
fatores extralingüísticos ou sociais, como a faixa etária do informante, o nível de
escolaridade, gênero, nível social, dentre outros. Para se definir uma variável lingüística, é
necessário, dentre outros aspectos, que se defina o número de variantes, se descreva os
contextos em que essas variantes ocorrem e se elabore um método capaz de medir os valores
das variáveis.
Labov (1972) considera a variação como sendo resultante da aplicação de uma regra
lingüística variável, que, em determinados contextos, favorece ou inibe sua aplicação. Na
coleta e análise de dados reais de uma comunidade de fala, busca-se minimizar os efeitos de
uma fala ‘programada’ e/ou formal e a tarefa do lingüista constitui, portanto, a de explicar a
motivação de um determinado uso, em circunstâncias específicas.
Ainda segundo o lingüista, um fenômeno variável é concebido quando duas formas
variantes apresentam o “mesmo valor de verdade”, conceito aplicado, fundamentalmente, a
variáveis fonológicas. Lavandera (1978), ao discutir o tema, concebe que a variação, para
além dos limites da morfo-fonologia, deve ser observada em termos da ‘comparabilidade
funcional’ das variantes, já que não há, stricto sensu, a manutenção de um mesmo sentido
referencial. Cabe ao pesquisador, portanto, trabalhar com os contextos em que as variantes
sejam funcionalmente equivalentes.
Todo sistema lingüístico está sujeito a pressões internas e externas que justificam o
fato de as línguas mudarem ao longo do tempo, apresentando conservações e inovações,
dentro de princípios básicos, sintetizados a seguir:
(i) o da restrição, isto é, das condições que restringem uma determinada mudança
lingüística;
82
(ii) o da transição, que trata do percurso entre dois estágios de uma língua;
(iii) o do encaixamento, que concebe que as mudanças lingüísticas devem ser
observadas dentro do sistema lingüístico e social;
(iv) o da implementação, que concerne ao entendimento de como a implementação da
mudança ocorre em determinada língua, em determinado tempo e lugar, e não em outro;
(v) o da avaliação, que corresponde à apreciação que o falante faz acerca de uma
determinada variante.
Ao analisar um determinado fenômeno, é possível levantar a hipótese de se estar
diante de uma mudança em progresso ou de uma variação estável. No processo de mudança,
há modificação de uma forma, observável a partir da distribuição por faixas etárias (tempo
aparente) ou por período temporal (tempo real, de curta ou de longa duração); na variação
estável, o mesmo padrão de distribuição se mantém, visto no tempo (tempo aparente) ou
através do tempo (tempo real). Labov (1994) defende a realização de estudos lingüísticos que
conjuguem os resultados das análises em tempo aparente com as evidências dos estudos em
tempo real.
A análise dos fenômenos lingüísticos em tempo real de curta duração pode ser
realizada a partir do estudo de tendência (trendy study) ou de painel (panel study). No
primeiro estudo, comparam-se amostras lingüísticas de diferentes informantes, em dois
momentos discretos de tempo, pertencentes a uma mesma comunidade lingüística; no
segundo, estabelece-se comparação entre amostras lingüísticas dos mesmos informantes em
dois momentos distintos, dentro de um período que Labov recomenda ser de, no mínimo,
meia geração (12 anos) e, no máximo, duas gerações (cerca de 50 anos). O estudo de
83
tendência possibilita ao pesquisador identificar o comportamento da comunidade lingüística,
nos momentos observados, mas não fornece informações acerca do comportamento
lingüístico do indivíduo, nos momentos específicos, o que só será possível através de um
estudo de painel.
No artigo intitulado Age: Apparent time and real time, Gillian Sankoff (2006) sugere
uma reanálise dos padrões de gradação etária e mudança geracional (tempo aparente). A
adaptação feita por Sankoff (2006) leva em conta que aumentos progressivos nas faixas
etárias constituem um importante fator para a depreensão da mudança em progresso nas
línguas, já que distribuições etárias gradientes podem ser interpretadas como um processo de
gradação etária e não como deflagrador de mudança lingüística: (i) à medida que
envelhecem, os falantes mais velhos tendem a mudar seu comportamento lingüístico em
direção à implementação da mudança; (ii) os adultos já inseridos no mercado de trabalho
podem mostrar maior produtividade da variante padrão que os informantes idosos e jovens.
Admite-se, dessa forma, que aumentos progressivos na freqüência de uso de uma
dada variável lingüística sejam essenciais para a implementação da mudança lingüística.
Assim sendo, Sankoff (2006) prevê, para os resultados dos estudos em tempo real, que:
1ª) A gradação etária pode explicar a repetição de um padrão lingüístico em uma
determinada faixa etária;
2ª) O processo de gradação etária pode ser entendido como mudança lingüística em tempo
real;
3ª) Na fase final da implementação da mudança lingüística em progresso, todos os grupos
etários apresentam elevado grau de instabilidade;
84
4ª) A mudança lingüística pode ser influenciada por pressões sociais que tendem a
estigmatizar os usos produzidos pelas camadas mais baixas.
O estudo variacionista parte, em princípio, da seleção de uma variável dependente,
seu objeto de estudo, -- composta de formas alternantes (variantes) -- e de variáveis
independentes, lingüísticas e sociais, que, em princípio, estão correlacionadas à atuação de
cada variante. A partir de uma primeira análise qualitativa dos dados, postulam-se hipóteses,
formais ou funcionais, que corresponderiam a possíveis condicionamentos de ocorrência de
determinada variante. Os resultados quantitativos -- a partir do pacote de programas
VARBRUL (Pintzuk, 1988) -- permitem ao pesquisador uma análise mais refinada dos dados,
confirmando ou infirmando as suas hipóteses iniciais.
As variantes lingüísticas podem apresentar uma marca social passível de mudança,
através do tempo. É claro que, no convívio social, há variantes mais prestigiadas que outras, já
que o falante de uma determinada língua é capaz de “eleger” e⁄ou “estigmatizar” uma forma
lingüística em detrimento de outra.
Como forma de comportamento social, a língua naturalmente é de interesse para o
sociólogo. Mas a língua pode ter uma utilidade especial para o sociólogo como um
indicador sensível de muitos outros processos sociais. A variação no
comportamento lingüístico não exerce, em si mesma, uma influência poderosa
sobre o desenvolvimento social, nem afeta drasticamente as perspectivas da vida do
indivíduo; pelo contrário, a forma do comportamento lingüístico muda
rapidamente à medida que muda a posição social do falante. Essa
maleabilidade da língua sustenta sua grande utilidade como indicador de
mudança social. [grifos nossos] (Labov, 2008, p. 140)
A análise de textos antigos constitui tarefa difícil para o pesquisador, pois terá de
lidar com os chamados maus dados (Labov 1994, p. 11), já que as informações serão sempre
85
indiretas e incompletas, tendo em vista (i) a imprevisibilidade de localização dos documentos;
(ii) o baixo grau de expressividade do vernáculo dos redatores dos textos; e (iii) a difícil
caracterização do perfil social dos autores dos documentos.
Labov (1994) trata do ‘paradoxo diacrônico’, concebendo o presente como uma
realidade lingüística a partir da qual se pode entender o passado das línguas. Acredita-se,
nesse caso, que os elementos que impulsionaram a mudança lingüística no passado podem
atuar no presente, como princípio elementar de mudança nas línguas como um todo. O
trabalho com corpus histórico permite observar sincronias passadas e compará-las ao
presente.
3.2 VISÃO FUNCIONALISTA
O estudo de um fenômeno lingüístico, com enfoque funcional, tem o objetivo de
descrever a função de um determinado uso lingüístico. Assim, para além da análise da
estrutura gramatical, deve-se examinar a situação comunicativa; em outras palavras, no
paradigma funcional, a função que a forma lingüística desempenha, tomando como base a
situação real de comunicação. Nesse sentido, não pode haver dois elementos em uso com o
mesmo valor, a mesma função, já que as opções de que o falante dispõe apresentam
finalidades diferentes. O que leva, portanto, à escolha de uma forma “X” ou “Y” para o
modelo funcionalista é determinada propriedade funcional do contexto comunicativo.
Diferentemente, a Teoria da Mudança concebe a língua como um sistema regido por
elementos estruturais, que fazem parte da competência lingüística dos falantes. De fato, ao
discutir as idéias de Lavandera, Labov (1987, p. 313-314) chega a negar o papel significativo
da função na constituição da estrutura “Nos últimos cinco anos, tornei-me cada vez mais
desconfiado de argumentos funcionais (...). Argumentos funcionais consistem, geralmente, de
86
afirmações vagas”. O autor ainda destaca que a estrutura é, predominantemente, mecânica e
não existe para ser reconhecida ou ajustada pelos seus usuários.
O funcionalismo givoniano (Givón,1995), mesmo reconhecendo o estatuto formal da
sintaxe, não a vê como uma categoria autônoma, mas concebe-a em relação à função que
desempenha no contexto social. Dessa forma, nota-se que as proposições carregam
informações do léxico, mas as funções discursivas somente podem ser entendidas quando se
encontram encaixadas no discurso. A gramática de uma língua, na perspectiva funcional, não
é independente, já que se estrutura a partir de pressões de caráter cognitivo e decorrente do
uso, da constante mudança e da criatividade de que o falante dispõe. Com isso, verifica-se que
o valor atribuído à função e à estrutura em cada um dos modelos teóricos é diferente.
Neste trabalho, a tentativa de associação das duas visões teve por objetivo
complementar a análise da alternância de modo verbal, no domínio proposicional. Na troca de
um modo por outro, altera-se o plano funcional.
(201) Creio que é com macarrão. (Faixa 3-SSA/70) probabilidade
(202) Creio que seja igual aqui da Bahia. (Faixa 2- SSA/70) possibilidade
Foi necessário, no levantamento de hipóteses, na codificação de diversos grupos de
fatores e na interpretação dos dados, amalgamar conceitos funcionais e sociolingüísticos, com
o objetivo de interpretar as tendências de uso do indicativo/subjuntivo no domínio
morfossintático, semântico e funcional, focalizando diferentes funções.
Parte-se da concepção de que há uma diferenciação entre os modos verbais e a
modalidade, no sentido de que o primeiro apresenta um caráter morfossintático; já a
modalidade é uma categoria mais ampla, podendo ser vista não apenas pelo uso de um modo
verbal, mas, sobretudo, pela função que outros elementos lingüísticos da uma proposição
87
podem trazer (cf. item 1.1). Assim, torna-se possível descrever os dados e analisar não
somente os elementos que se situam na estrutura da forma verbal.
Na análise sócio-funcional, a distribuição de modos verbais pode ser vista de
maneira escalar, uma vez que, quando analisamos a modalidade da proposição, percebemos
diferentes graus de integração na estrutura lingüística, o que desmistifica a concepção de que
o indicativo e o subjuntivo são dois modos que ocupam pólos opostos (cf. item 1.2).
O caráter inovador deste trabalho está no estudo dos modos verbais em períodos
temporais, nos moldes labovianos, partindo de um estudo em tempo real de longa duração -do século XIII ao XX -- comparado ao estudo de dados reais de língua falada do século XX,
de falantes cultos e não-cultos. Busca-se explicitar (i) se uso dos modos verbais constitui um
caso de constante e recorrente variação estável, que se restringe a determinadas estruturas,
explicável pelo elemento mais à esquerda, seja o tipo de verbo, seja o tipo de
complementizador e⁄ou conector; e (ii) se esta variação está encaixada no sistema lingüístico,
como conseqüência da redução do paradigma verbal, sendo o uso do subjuntivo suplantado
por outras formas modais (indicativo, outros elementos modalizadores), independente da
proposição em que ocorra .
Segundo o princípio da iconicidade, as escolhas lingüísticas são feitas no momento
do discurso. Assim, elementos conceitualmente mais integrados apresentam maior vinculação
morfossintática (subprincípio da proximidade ou adjacência). Esse subprincípio tem um
papel fundamental no presente trabalho, por dar conta de aspectos que dizem respeito à
integração entre as cláusulas, noção discutida no item 1.2.
Givón (1995), pelo Princípio Universal da Marcação, estabelece distinção entre
formas marcadas e não-marcadas, segundo as quais se devem observar alguns elementos: (i) a
forma marcada tende a ser mais complexa do que a respectiva não-marcada; (ii) a forma
88
marcada tende a ser menos freqüente e, cognitivamente, mais saliente e complexa, já que
requer maior esforço mental. O uso do subjuntivo nas cláusulas subordinadas substantivas,
por exemplo, corresponde à forma marcada, mais saliente e, por isso, menos freqüente.
Meillet (1912), em “L’evolution des formes grammaticales”, argumenta que a
gramaticalização produz transformação no sistema lingüístico, uma vez que introduz novas
categorias não existentes anteriormente. A partir do estabelecimento de um contínuo do
concreto para o abstrato, Givón (1995) propõe que a gramaticalicalização incide em diferentes
níveis:
DISCURSO > SINTAXE > MORFOLOGIA > MORFOFÊMICA > ZERO > DISCURSO
A gramaticalização constitui um modelo que tenta explicar o processo de mudança
de determinados itens lexicais, que passam a exercer funções gramaticais; ou ainda, de
elementos gramaticais que passam a assumir funções ainda mais gramaticais (Hopper &
Traugott, 1993). Um elemento lexical, como um advérbio, pode passar a assumir a função de
uma conjunção (Ex.: ‘em boa hora’ > embora → conjunção concessiva), tornando-se mais
gramatical.
Esse processo resulta dos variados sentidos que determinados itens lexicais ou
gramaticais podem desempenhar. O que ocorre, muitas vezes, é que há convivência entre as
duas formas (a antiga e a nova), cada qual em um contexto especializado. É importante
salientar que o modelo da gramaticalização se aplica a mudanças já concluídas e em curso em
uma sincronia. Defende-se, nesse processo, a concepção de que os estágios observáveis no
presente são constantes na língua.
Segundo Heine (1991), o fator primordial da gramaticalização decorre da natureza
cognitiva, já que o mecanismo é ativado quando não se encontram formas para chegar a uma
89
determinada função. A reanálise é concebida como a reinterpretação dos elementos
lingüísticos no eixo sintagmático. O verbo achar, em estruturas de complementação, por
exemplo, está sendo reinterpretado como modalizador epistêmico (“eu acho que” = talvez).
Outro exemplo de reanálise pode ser visto na passagem do verbo pleno ir a auxiliar em
perífrases verbais (‘IR+Vinf’), indicando futuro, por um processo de transferência metafórica
do domínio do espaço para o domínio do tempo, em “Eu vou trazer na segunda-feira”
(Oliveira, 2006).
De acordo com Hopper (1991), a gramaticalização pressupõe alguns princípios, que
podem explicar a coexistência de diversos estágios para um mesmo item lexical:
estratificação, em que há coexistência de formas com funções similares; divergência, que
corresponde à manutenção da forma original de um item lexical, independente se há formas
derivadas; especialização, que consiste na restrição das possibilidades; persistência, em que a
forma derivada mantém vestígios de seu significado original; decategorização, perda do
status categorial de uma forma.
Bybee (1984) destaca a importância da freqüência de uso no processo de
gramaticalização, que leva à automatização das formas, enfraquecendo a força semântica de
uma construção. Nas orações completivas, há itens verbais mais⁄menos integrados que outros:
a construção “eu acho que” é menos integrada à oração subordinada do que a construção com
o verbo querer, com traço de [+controle]. Quanto maior é a freqüência, o item lexical torna-se
previsível, automático e pode, inclusive, ter sua forma fonológica reduzida, no processo de
erosão.
90
3.3 METODOLOGIA DE ANÁLISE
Na análise das construções completivas e concessivas, foram formuladas algumas
hipóteses, que permitissem estabelecer os padrões de uso do modo subjuntivo, tanto no
presente quanto no passado da nossa língua. Embora o interesse pelo tema tenha surgido,
inicialmente, na análise de dados orais, nesta tese, optou-se por partir de uma análise em
tempo real de longa duração, com dados de escrita (século XIII ao XX), até retomar dados de
fala.
Em termos labovianos, nossa variável dependente está constituída por duas
variantes: subjuntivo e indicativo, a serem observadas segundo variáveis independentes, que
serão discriminadas nos itens 3.3.1 e 3.3.2.
Em relação aos dois tipos de construções analisadas, foram controladas, além de
variáveis estruturais, as seguintes variáveis extralingüísticas:
1) Periodização. Controla a temporalidade histórica dos documentos analisados em uma
análise de tempo real de longa duração: desde o século XIII até o XX. A partir do século XIX,
começa haver maior prescrição da norma gramatical.
2) Gêneros textuais. Analisa-se o comportamento dos modos em variados gêneros textuais:
técnico-descritivos, foros, cartas pessoais e oficiais, editoriais, anúncios, notícias, peças
populares, crônicas históricas, documentos oficiais, etc (Lista completa indicada no Anexo 1).
Não se dispõe dos mesmos gêneros textuais em todos os séculos analisados, o que pode
inviabilizar o estabelecimento de algumas generalizações na análise dos dados (item 4).
3) No caso dos corpora orais, foram analisadas as variáveis extralingüísticas -- década, faixa
etária, região e gênero (homem/ mulher) --, a fim de verificar se houve mudança em tempo
91
real de curta duração, em tempo aparente, e se a comunidade e o gênero do informante -tradicionalmente considerados em estudos variacionistas -- estão relacionados ao uso do modo
verbal.
3.3.1 Construções encaixadas
Tomando como base os estudos já realizados sobre o tema (cf. item 2.6 e 2.7),
propuseram-se, na análise dos dados, as seguintes variáveis lingüísticas.
1) Item verbal da oração matriz. Parte-se do pressuposto de que o item verbal da oração
matriz pode influenciar a seleção de um determinado modo verbal na oração encaixada.
Muitas gramáticas, como já foi observado (cf. item 2.4), definem que é o verbo da oração
matriz o responsável pela “escolha” do modo verbal da oração encaixada. Acredita-se que os
predicadores selecionam o subjuntivo, ao adquirirem o traço [+futuridade/ obrigatoriedade],
[+controle], [+avaliação], ao passo que a ausência dessas nuances inibe a seleção de uso do
subjuntivo. Na pesquisa, optou-se por observar cada item verbal isoladamente, já que verbos
que podem ser enquadrados sob o mesmo ‘rótulo’ comportam-se de forma diversa em relação
ao uso dos modos verbais.
2) Tempo do evento – real ou referido em relação -- ao momento da enunciação. As
proposições foram analisadas tendo em vista os tempos do presente, passado, futuro.
Observou-se o tempo⁄ modo do verbo da matriz assim como o tempo⁄ modo do verbo da
encaixada (indicativo - presente, pretérito perfeito, pretérito imperfeito, pretérito mais que
perfeito, futuro do presente, futuro do pretérito; subjuntivo - presente, imperfeito, futuro; e
formas nominais - infinitivo, gerúndio e particípio). A hipótese utilizada, neste trabalho, é a
92
de que a categoria tempo futuro favorece a seleção do subjuntivo na oração encaixada
(Pimpão, 1999). Ressalta-se que não se levou em consideração apenas o aspecto formal do
item verbal, mas sim o traço formal/ semântico, já que um verbo no presente pode indicar um
evento que se situa no presente, no passado ou no futuro.
3) Grau de assertividade. Nessa variável, pretende-se verificar em que tipo de proposição
ocorre maior variação dos modos verbais: se nas afirmativas, se nas negativas. Investiga-se a
estrutura de assertividade da oração, com a intenção de confirmar se a presença do elemento
de negação favorece, ou não, o uso do subjuntivo. Acredita-se que o escopo da negação pode
modificar tanto o domínio lexical quanto o pragmático, no sentido de operar na alteração do
domínio semântico: um modalizador epistêmico como achar, com nuance de baixa certeza
epistêmica, ao sofrer influência do elemento de negação, pode sofrer alteração semântica,
adquirindo traço [+avaliativo]. Supõe-se, dessa forma, que a presença do elemento de negação
na oração matriz tende a modificar a noção do predicador.
4) Pessoa verbal na matriz. Controla-se a pessoa do verbo da matriz com o objetivo de
verificar se o uso das diferentes pessoas verbais pode interferir na escolha do modo verbal da
oração encaixada. Em outras palavras, será que o uso de uma determinada pessoa verbal pode
transmitir factualidade (ou não) ao discurso, de forma a promover a utilização por um
determinado modo verbal? Como se verificou no item 2.7, não há um comportamento
homogêneo em relação à variável pessoa verbal nos estudos realizados. De início, esse grupo
de fatores foi utilizado na codificação dos dados de escrita, mas foi descartado pelo fato de, na
maior parte dos contextos, fazer referência à terceira pessoa, impossibilitando a análise desse
item. Na análise dos dados de fala, essa variável foi controlada. A hipótese aventada é a de
93
que o subjuntivo seria mais freqüente nos enunciados de primeira pessoa, que expressam
maior subjetividade do que os enunciados de terceira pessoa.
3.3.2 Construções concessivas
O fato de, no português antigo, a alternância de uso do indicativo/subjuntivo não
parecer aleatória (Said Ali, 1964; Mattos e Silva, 1989; Menon, 2007) pode fazer supor que as
duas formas verbais não constituíam variantes no sentido estrito, por possuírem valores
referenciais distintos. Embora, no português atual, haja preferência pelo uso do modo
subjuntivo, com a maioria dos conectores concessivos -- exceto apesar de e se bem que --, o
uso do indicativo em contextos semelhantes aos de outrora permite afirmar que certas marcas
estruturais e⁄ou semântico-discursivas operam na seleção das formas verbais, tanto no
passado, como no presente.
As hipóteses aventadas nas variáveis independentes das orações concessivas são as
seguintes:
1) Modo de Organização do discurso. A hipótese aventada é a de que o subjuntivo seja mais
produtivo nas seqüências argumentativas, já que é o modo utilizado para indicar modalização
discursiva. As seqüências narrativas e descritivas são, por sua vez, marcadas no indicativo, já
que explicitam um fato já conhecido pelo enunciador.
2) Posição da Oração subordinada adverbial concessiva. As orações adverbiais apresentam
propriedades equivalentes às de um advérbio, o que explica o seu caráter circunstancial e,
assim, a sua mobilidade na sentença. Dessa forma, a oração subordinada concessiva pode
aparecer anteposta, intercalada ou posposta à oração matriz e, segundo Rocha Lima (2003, p.
277), quando anteposta, “parece que dá maior relevo, permitindo o contraste de idéias”.
94
Postula-se que o subjuntivo ocorre mais freqüentemente em orações subordinadas antepostas,
por conter caráter de antecipação da inferência.
3) Tipo de conector introdutor da oração subordinada adverbial concessiva. Analisa-se a
relação entre o tipo de conector e o modo verbal utilizado. Postula-se que há relação entre a
concepção introduzida pelo conector e a presença de um determinado modo verbal. Mais uma
vez, é o elemento à esquerda que controla o modo verbal. Os conectores concessivos, como se
sabe, apresentam propriedades semânticas diferenciadas, estando diretamente relacionados à
própria noção semântica contida no processo de gramaticalização de cada uma das formas
(Barreto, 1999). Na amostra, registraram-se os seguintes conectores concessivos: ainda que,
posto que, como quer que, por mais que, sem que, mesmo que, pero/empero (que), embora,
apesar de(que), por, se bem que, alguns não mais utilizados no português contemporâneo.
4) Presença (e Tipo) de elemento interveniente entre o conector e o verbo. A finalidade é
verificar se a intercalação de elementos entre o conector e o verbo da oração subordinada
pode interferir na seleção do modo verbal. Ressalta-se a importância não só de verificar se há
(ou não) a presença de elemento interveniente, mas, sobretudo, a propriedade desse elemento,
ou seja, as características específicas contidas no próprio item: se um sujeito de 1ª (primeira)
ou 3ª (terceira) pessoa, um sintagma nominal, um sintagma adverbial, um sintagma oracional,
um conjunto de elementos, um marcador discursivo, um elemento de negação, etc. Acreditase que quanto maior distância entre o conector e o verbo da oração subordinada, menor o
domínio do último sobre o primeiro.
5) Identidade entre os sujeitos da cláusula contrastiva (adverbial concessiva) e matriz.
Pretende-se observar aqui se há alguma influência entre a equivalência (ou não) dos sujeitos
95
da cláusula principal e da subordinada e o modo verbal selecionado. Postula-se que o
indicativo ocorre, fundamentalmente, em períodos em que não há identidade entre os sujeitos
das cláusulas, uma vez que essas cláusulas se encontram menos integradas (cf. item 1.3).
6) Forma verbal da oração subordinada. Analisam-se tempo e modo nas seqüências
contrastivas analisadas, presente, passado e futuro, no indicativo e no subjuntivo. Foram
retirados da análise quantitativa dos dados os casos em que a forma verbal está implícita. A
hipótese é a de que o subjuntivo ocorre no tempo presente, ao veicular um evento vindouro, à
semelhança do comportamento observado nas orações completivas.
7) Modalidade. Acredita-se que o indicativo tende a ocorrer nas proposições em que há a
noção de hipótese (Pimpão, 1999). Givón (1995) destaca que o modo subjuntivo situa-se nos
contextos gramaticais da modalidade irrealis. Analisam-se as proposições com base nos
seguintes
conteúdos
semânticos:
(i)
incerteza,
(ii)
pressuposição
(conhecimento
compartilhado entre o falante e o ouvinte), (iii) hipótese e (iv) condição.
8) Natureza Semântica da oração concessiva. A hipótese é a de que o indicativo tende a
ocorrer nas proposições que encerram contraste e restrição e o subjuntivo nas proposições em
que há negação de inferência. Neves (2000) apresenta uma análise mais acurada dos
diferentes valores semânticos -- cerca de vinte -- das construções adversativas e concessivas,
que compartilham os valores de contraste, restrição e negação de inferência. Na noção de
contraste, observa-se, por exemplo, contraposição em direção oposta, ou seja, há uma
polarização que se explicita no próprio item lexical, expresso nas proposições que se
contrapõem. Com relação ao valor de restrição, o que se verifica é uma espécie de exclusão
“parcial”, com função de restringir, por acréscimo de informação, o que se encontra expresso
96
no segmento que se contrapõe. Na negação de inferência, por sua vez, tem-se, inicialmente, a
aceitação de um fato, que é, posteriormente, negado, expressando, nesse caso, a não-aceitação
da inferência12.
9) Estatuto informacional dos segmentos concessivos. Nessa variável, pretende-se analisar se
as orações concessivas instauram uma informação nova ou velha (dada) ao período. A
hipótese aventada é a de que se a informação é nova, o enunciador tende a modalizar o seu
discurso, utilizando, para isso, o subjuntivo. Já se a proposição encerra um evento já
conhecido, ou previamente mencionado, tende a ocorrer o indicativo.
10) Conteúdo da construção concessiva. Busca-se observar se a construção concessiva traz
informação adicional (pós-reflexões), mudando, ainda que momentaneamente, o assunto
(construção de adendo); ou se traduz informação específica ao período, não podendo ser
dispensada da seqüência em que se encontra (construção prototípica). Nas orações
concessivas em construção de adendo, parece haver maior avaliação, levando o verbo para o
subjuntivo.
3.4 CORPORA
Utilizaram-se textos escritos diferenciados, dos séculos XIII ao XX, e amostras de fala
culta (NURC- RJ/SSA) e não-culta (PEUL), em duas décadas distintas (70/90 e 80/2000,
respectivamente) do século XX (Cf. Anexo 1).
12
Oliveira (1996) propõe também que toda construção contrastiva envolva uma asserção de base e uma negação
ou restrição – que corresponde ao argumento que tende a prevalecer na construção. Segundo essa proposta, o
conectivo ocorre na asserção de base, quando houver concessão; já, quando ocorrer adversidade, o conectivo
ocorre na restrição.
97
4. ANÁLISE DOS DADOS
4. 1 ANÁLISE DOS DADOS DE ESCRITA: ORAÇÕES ENCAIXADAS
Com base na análise qualitativa dos dados, foram estabelecidas as hipóteses para a
análise quantitativa laboviana, que possibilitou identificar padrões gerais de uso do
subjuntivo. Em primeiro lugar, os verbos foram reunidos em dois grupos: os que
apresentavam variação em um ou dois séculos – por exemplo, achar, falar, sentir -- e os que
apresentavam variação em mais de três séculos, ao longo do tempo -- por exemplo, crer,
dizer, mandar, dentre outros. A Tabela 3 registra apenas os itens que se encaixam no primeiro
grupo e, a Tabela 4, adiante, os do segundo grupo.
A relação de todos os verbos registrados nas amostras, com uso categórico do
subjuntivo ou do indicativo, constituem o Anexo 2 (cf. item 7.2).
98
Verbo da matriz
Século
% de uso de subjuntivo
Total de Ocorrências
Acaecer
XIII
13%
3
Achar
XV
XX
33%
6%
12
16
Acordar/ concordar
XV
65%
20
Aconselhar
XVIII
67%
3
Advertir
XIX
33%
3
Afirmar
XV
17%
6
Avisar
XIX
25%
4
Aprazer
XV
50%
4
Bradar
XV
72%
7
Confessar
XIX
8%
13
Convir a saber
XIII
33%
3
Contar
XV
XIX
22%
11%
9
9
Constar
XIX
12%
17
Defender/ ter defeso
XVI
50%
2
Desejar
XIX
95%
19
Demandar
XIII
XIV
33%
67%
3
3
Entender
XIV
10%
39
Escrever/ achar escrito
XV
XVI
63%
47%
8
58
Falar
XV
75%
4
Importar
XVII
92%
12
Instar
XVIII
10%
51
Julgar
XVIII
6%
17
Lembrar
XIV
XVI
20%
43%
5
7
Mostrar
XV
XX
13%
50%
8
2
Negar
XVII
17%
6
Ordenar
XIV
75%
4
Outorgar
XIV
XV
87%
72%
15
7
Pedir
XIX
95%
19
Persuadir
XVII
60%
5
Prazer
XVI
67%
6
Prevenir
XIX
50%
4
Recear
XV
80%
5
Recomendar
XIX
80%
5
Replicar
XVIII
17%
6
Requerer
XV
80%
15
Resolver
XVII
50%
4
Rezar
XIX
50%
2
Rogar
XV
90%
10
Semelhar
XIV
17%
6
Sentir
XIX
67%
3
Ser (por)certo/ haver certo⁄
XV
XVIII
8%
2%
12
42
ficar certo
Ser possível / poder ser
XVII
XVIII
80%
33%
5
6
Ser por bem
XVI
92%
48
Ser bem
XVI
89%
9
Supor
XVIII
XIX
7%
58%
13
12
Temer
XVII
75%
4
Tabela 3. Listagem, em ordem alfabética, dos verbos que apresentam uso variável do subjuntivo em orações
completivas, na escrita, do século XIII ao XX (variáveis em até duas sincronias)
99
4.1.1 Variação restrita a até duas sincronias
Apesar de não variarem em mais que dois séculos, observou-se uma sistemática de
uso, com elementos controladores da opção pelo subjuntivo ou indicativo, expostos em forma
de quadro, a seguir.
Contexto da proposição
(matriz)
I.
Noção
de
obrigatoriedade e⁄ou
futuridade
[+/-futuridade]
[+/-obrigatoriedade]
II. Noção de ordem,
comando e pedido
[+/-controle]
Subjuntivo (encaixada)
Indicativo (encaixada)
Essa noção pode ser expressa Essa noção está expressa por
pelo verbo no tempo presente. uma construção modal (haver
a⁄de + verbo principal) e por
formas do futuro simples no
indicativo.
Proposição traduz ordem, Proposição tem natureza apenas
comando, pedido, com alguns informativa ou de modalização
demandar, discursiva.
verbos,
como
ordenar, persuadir e outorgar,
que já trazem, intrinsecamente,
essa carga semântica; outros
predicadores, como falar,
aconselhar,
escrever,
adquirem essa nuance, a
depender do contexto em que
ocorrem.
III. Efeito da negação A presença do elemento de
negação na matriz funciona
na matriz
como um elemento, de
[+/-certeza]
natureza morfossintática e
[+/-avaliação]
semântica, desencadeador do
subjuntivo.
Ausência do elemento de
negação mantém a natureza
semântica do verbo da matriz,
selecionando o indicativo.
IV. Tempo do verbo Há correlação entre o tempo da
matriz e o modo da encaixada
da matriz
[Sempre associado à (elemento estrutural).
outra
categoria,
nunca por si só]
Verbo da matriz no presente, no
futuro e, até mesmo, no
passado, quando ocorre em
seqüência
estritamente
narrativa.
Quadro 2. Traços controladores do uso dos modos verbais
100
Contexto I- Noção de obrigatoriedade e⁄ou futuridade
A perífrase convir a saber, no século XIII, seleciona o subjuntivo na encaixada
quando está explícita a noção de futuridade e⁄ou obrigatoriedade.
(203) Comue~ a ssaber que o alquayde. Roy ffernãdijz. ssenor Da azãbuya te~nha /
todo este erdamento e~ ssa uyda sso tal. Comdyçom que el a mande lauorar e pauygar
e tapar assy. (século XIII)
No século XVI, os verbos prazer e defender selecionam o subjuntivo na encaixada,
em 67% e 50% dos casos, respectivamente, quando está explícito o traço de futuridade. No
século XVII, o verbo temer, na matriz, também leva o verbo da encaixada para o subjuntivo
quando essa nuance se aplica (75%).
(204) Porem, por sua garda e minha lembrãça , lhe mandey dar este alvara por m~y
asynado; o qual quero, e me praz, que valha e tenha força e vigor, como se fosse
carta por mym asynada e ascelada do meu sello , e pasada por minha chancelaria, sem
embargo de minha ordenaçam em contrario e de todas as clausulas d'ella ; que quero e
me praz que nesto nam ajã lugar, posto que d'ellas se ouvesse de fazer expresa
mençam. (século XVI)
(205) defendo que nenhu~ua pesoa, de qualquer calidade que seja, posa levar ne
Registrar na dita fortaleza nenhu~u dinheiro ouro, prata nem joyas, na maneira que
veres pelo dito meu alvara. (século XVI)
(206) temo que esta nova do Brasil meta em esperanças os que já desconfiavam, e que se
atrase o negócio que o senhor Embaixador trabalha como sempre. (século XVII)
A expressão ‘ser possível’ seleciona, preferencialmente, no século XVII, o
subjuntivo na encaixada (80%), em proposições hipotéticas em que, mais uma vez, o traço de
projeção futura se verifica. No século XVIII, a presença do subjuntivo nessas proposições se
reduz a 33% e, geralmente, a idéia de futuridade é substituída por expressão modal (exemplo
208).
101
(207) seja possivel que em toda esta estrada não se encontre passageiro algum. (século
XVIII)
(208) he possivel que aquella porta sempre ha de estar aberta para entrar quem quizer?
(século XVIII)
Em algumas lexias verbais e⁄ou verbos - tais como ser⁄ ficar (por) certo, lembrar e
contar - o uso do subjuntivo só é registrado na oração encaixada quando se observa, na
proposição, a presença do traço de futuridade e⁄ou obrigatoriedade. Essas lexias verbais
apresentam distribuição de uso inversa no eixo temporal: enquanto a expressão ser⁄ficar (por)
certo e o verbo contar reduzem a freqüência de uso do subjuntivo na encaixada de um século
para outro (ser⁄ ficar certo: 8%, no XV > 2%, no XVIII; contar: 22%, no XV > 11%, no XIX),
o verbo lembrar passa de 20%, no século XIV, para 43% no XVI.
(209) Melhor he por certo que vos vejaõ os inimigos, e creaõ em vòs, que eu, que desde
a fonte do Baptis mo vos conheci por Deos verdadeiro, Filho da Virgem, e do Padre
Eterno, e assim vos co-nheço agora. (século XV)
(210) Madama fique certe que nô falte. (século XVIII)
(211) Lembrar-te-ás que, rindo pera teu irmám, busques testemunhas. (século XVI)
(212) conto que escrevas mais. (século XIX)
O verbo recear seleciona, no século XV, o subjuntivo na encaixada (80%) em
contextos que, no momento da enunciação, parece haver a probabilidade de um fato
indesejado ocorrer.
(213) Tornaraõ se entonce pera hu vierão, & ca-da hum trabalhou de se poer em saluo
receandose que todos os ~q erão da parte da Rainha, & do Conde fossem mortos
aquella hora. (século XV)
Mais uma vez, a noção de futuridade e⁄ou obrigatoriedade pode ser marcada por
expressões modais (haver de⁄a + verbo principal), com o verbo da encaixada no modo
102
indicativo. Verbos e⁄ou expressões que selecionam, preferencialmente, o subjuntivo na
encaixada – outorgar, rogar, ser possível, temer, acordar, aconselhar –, todos com
freqüência superior a 65%, apresentam o uso do indicativo nesse contexto de construção
modal. No exemplo (216), em que há a coordenação de orações subordinadas substantivas, o
uso do indicativo só é verificado na construção modal ‘há de estar’, já que as outras orações
apresentam verbo no subjuntivo ‘tenha’ e ‘queira dar’.
(214) E conhosco e outorgo que uós ey a dar cõ esta herdade tãta oútra hérdade; quanta
a uos mi~guar desta que uos eu dey de rrenda de / Çinque moyos de Pam meyado.
(século XIV)
(215) Oh amiguos roguo a Deos se este anno, eu hey de viver sem vòs tais Cavalleyros
tomardes esta Villa de Santarem, ha elle praza que antes eu desta vez em ella morra.
(século XV)
(216) O que me espanta é que soffressem os homens a Elias. É possivel que se ha-de
estar abrazando o mundo, e que tenha Elias em sua mão o remedio, e que o não
queira dar? (século XVII)
(217) temendo que o havia de exceder no talento. (século XVII)
(218) Acabados hos convites ElRey, e ha Rainha Daragam se volvera ha Tarraona, e
ElRey D. Diniz, e ha Rainha sua molher, e ho Ifan- te D. Joha aho outro dia se fora aa
mesma Cidade onde era con-cordado, que pera determinaa de seus debates todos avia
de seer juntos, salvo ElRey de Castella, que nom avia de seer prezente. (século XV)
(219) Em m’ ouir aconselhar que [...]Tudo se hade perdoar. (século XVIII)
Com o verbo importar, em que o uso do subjuntivo é quase categórico (95%), até
mesmo no contexto de construção modal referido, o indicativo é bloqueado (exemplo 220).
(220) importa porém que a paz haja de ser paz, e a segurança segurança, e ambas estas
cousas são também duvidosas, e tão incertas como o tempo e os mesmos movimentos
de França nos vão mostrando. (século XVII)
(221) fazendo um protesto por parte do direito do Padroado, de que são e hão-de ser
juizes os mesmos a quem importa que nós o não tenhamos. (século XVII)
103
As formas de futuro simples também são usadas para substituir o subjuntivo na
oração encaixada, quando os predicadores da matriz são prazer e prevenir, no século XVI e
XIX, respectivamente.
(222) E sendo caso que o dito capitã mor nõ toque Moçanbique, o que prazera a Deus
que nõ sera, e que levarã todos muito bõa viage~ , e iram todos juntos, mandares a
quallquer dos outros capitães que cada hu~u o faça asy da sua nao, e lhe dee o
mãtime~to que poder escusar. (século XVI)
(223) Moreira, Carvalho & Companhia, proprietarios da manucfatura nacional de moveis
a vapor “Moreira Santos, previnem aos seus freguezes e ao respeitável publico que
sua exposição de moveis, no imperial teatro São Pedro de alcantara, estará á sua
disposição todos os dias úteis. (século XIX)
Como se verifica, o modo subjuntivo se mantém quando ocorre sob o escopo do
traço de futuridade, uma vez que, nesse contexto, projeta a realização de eventos vindouros. O
traço de futuridade é mais forte, inclusive, em proposições que denotam também o traço de
obrigatoriedade: quando o indicativo é usado (em expressões modais ou em formas do futuro
do presente), esse último traço se enfraquece (exemplo 215).
Além disso, observou-se que à medida que o enunciador admite (“é possível”) a
incerteza/hipótese de um determinado evento, perdendo o traço de futuridade, as proposições
não requerem, necessariamente, o uso do subjuntivo (exemplos 209 e 217). Essa conclusão
vai de encontro ao que prescreve à tradição gramatical (cf. item 2.4), ao distinguir o
paradigma dos modos verbais pela noção de certeza/incerteza e não pelo traço de
futuridade/obrigatoriedade.
104
Contexto II- Noção de ordem, comando, pedido
O percentual de uso do subjuntivo com o predicador demandar, no século XIV,
atinge 67% em seqüências que denotam comando (exemplos 224), o dobro da freqüência do
século XIII (Tabela 3).
(224) E qu(er)emos e dema~damos que todo crischa~o|s | tenha esta fe e a guarde e
q(ue~) quer q(ue) (contra) ella ueer enalgu~a cousa es erege e receba a pe~a que e´
posta (contra) os h(er)eges. (século XIII)
(225) Eem/tom h~u~u creligo d'epistolla que/ auja nome agapito demâdoulhe [f40r-c1]
muyto aficadam~ete quelhe dese/ h~u~u pouco d'azeite pollo amor de/ deus. (século
XIV)
O verbo ordenar seleciona, em 75% dos casos, o subjuntivo na encaixada. O
indicativo ocorre em apenas um único dado, com o sentido de “mostrar”, “fazer ver”
(exemplo 227).
(226) Epello rogo do santo/ hom~e anastacio. foy despois hor/dinhado que morrese. que
podemos/ por esto al entender. (século XIV)
(227) ordenou que as almas [fl 01r-c1] demujtos despois que saa~e dos corpos⁄ tornã
logo asynha a elles. (século XIV)
O predicador outorgar que indica a concessão de direitos a outrem (Houaiss, 2004)
leva, em geral, o verbo da encaixada para o subjuntivo (87%, no século XIV e 72%, no século
XV).
(228) Epor~e naatã propheta/ preguntado do rrey dauid se faria/ otemplo anosso senhor.
primeira/ m~ete lho outorgou queo fezesse. (século XIV)
Com percentual de uso do subjuntivo na encaixada de 60%, o verbo persuadir, na
matriz, indica a tentativa de convencer, manipular alguém.
105
(229) além de reduzir aquela casa e Religião à sua antiga observância, persuadiu a el-Rei
Dom João III, que impetrasse a desmembração das rendas de Santa Cruz pera
fundação da insigne Universidade de Coimbra. (século XVII)
(230) Não pretendo com isto persuadir que nos não seja conveniente a liga de França,
mas só, como dizia, que não é racionável, nem possível, que nós por ela lhe dêmos
socorros. (século XVII)
(231) Concluamos logo que se o nosso Poeta não cedeu no engenho a Virgílio e Homero,
tão pouco lhe cedeu nas maravilhas do nascimento; e com mais razão nos podemos
persuadir que as houvesse em um Poeta católico, que nos gentios. (século XVII)
O verbo bradar leva, preferencialmente, o verbo da encaixada para o subjuntivo, já
que repassa um comando ao receptor. Nos contextos em que esse verbo equivale ao verbo
dizer, apenas se explicita um fato, e o verbo da encaixada vai para o indicativo (exemplos 233
e 234).
(232) E che- garaõ àporta do Castello,bradando aos desima, que sahissem fora, & o
desemparassem logo,se nam que as molheres, & os filhos lhe queimariaõ todos em
vista, & presença delles. (século XV)
(233) E mandou logo Fernam Daluerez, & Lou- renço Martins, que fossem cer- rar as
portas, que não entrasse ninguem, & dissesem ao seu pa gem que fosse à pressa pella
Villa bradando: que matauaõ o Mestre, & elles fizeramno assi. (século XV)
(234) De cima naõ faltaua quem bradar que o Mestre era viuo; & o Conde Io- haõ
Fernandez morto, mas esto naõ queria nenhum crer, dizen- do. Pois se viuo he
mostraynolo. (século XV)
No século XV, os verbos falar, escrever, requerer e acordar (=concordar) -- com
percentual acima de 65% -- selecionam o modo subjuntivo na encaixada quando há, no
contexto, a expressão de manipulação.
Como o corpus analisado é composto por crônicas,
cujo objetivo era o de relatar os fatos de uma dada época, os verbos da matriz e da encaixada
se encontraram, com esses verbos, no tempo passado.
(235) Outorgado por o Conde que esto era bem feito, falou com Affosoeanes Nogueila,que alá estaua,que era hu del les que se viesse á Cidade, & falas se com aquelles,que
seus eraõ, ~q o fizessem assi. (século XV)
106
(236) cuidou ~q era bem desaber por algua guisa suas võtades delles ante ao lu-gar
chegasse escreueo a Gonçalo Vasquez de Azeuedo que estaua em Santar~e por
Alcaydo, q~ falasse cõ esses bõs do lugar na milhor maneira, ~q entendese. (século
XV)
(237) a nte algus dias, ~q ElRey chegasse a Sã tarem, mandou diã te Pero Carrilho seu
Apozentador mòr, pera requerer à Rainha, que lhe mandasse dar pousa das em bairo
pera os seus. (século XV)
(238) E foy acor- dado por a Rainha, & por todo- los, que hi eraõ, que o Reyno se
defendesse, quersdo elRey de Ca- stella vir a elle, & não lhe obede ces em em outra
cousa, saluo na- quellas, que nos trautos era con- teudo. (século XV)
O verbo escrever pode selecionar, mesmo em proposição que denota comando, o
indicativo, se a oração encaixada for introduzida pelo complementizador se.
(239) pelo que vos emcomendo muyto que vejaes como isso estaa, e o pratiqueis cõ quem
vos bem pare çer, e me escrevais se se deve dar allgu~a ajuda ou favor aos ditos
mercadores. (século XV)
O verbo replicar, indicador do contraponto, é usado para relatar, para direcionar a
resposta daquele que contra-argumenta. Nesse caso, o subjuntivo é o modo selecionado na
oração encaixada (17%).
(240) "Estes ainda algum dia hão de vir a ser donos da terra"; ao que ela, testemunha, lhe
replicara que visse que castelos mais altos ainda caíam e muitas pessoas ricas tinham
vindo a cair em pobreza. (século XVIII)
No exemplo (241), extraído dos Autos da Devassa, texto de caráter jurídico, o relato
do réu é usado como estratégia para eximir qualquer culpa de quem está sendo julgado.
(241) E, além disso, ter ele, acareado, aconselhado a Manoel Inácio que deixasse
amizade do acareante. (século XVII)
107
O verbo instar -- com sentido de pedir, solicitar com insistência, exigir -- foi
registrado em contextos muito semelhantes, ora no indicativo, ora no subjuntivo.
(242) foi instado que ele faltava à verdade no que havia dito. (século XVIII)
(243) foi instado que dissesse a verdade sobre o que lhe tinha sido perguntado. (século
XVIII)
(244) E sendo instado que dissesse a verdade a que faltava em dizer, que não sabia quais
eram os fins a que o dito médico se propunha a respeito dos referidos seus filhos.
(século XVIII)
A nuance de ordem também pode ser repassada pelos verbos recomendar, prevenir,
rezar, advertir e avisar, com uso variável do subjuntivo.
(245) Se acaso a encontrar, recommendo que lhe dê um beijo. (século XIX)
(246) previno ás leitoras que não se | assustem com a medonha catadura do ti- | tulo
d’este folhetim. |(século XIX)
(247) Para fiscalisação por parte | do Governo resa o contrato que | a Companhia
concirra(?) (século XIX)
(248) adverte-se ás pessoas, que as mandarem alugar, que ensinem os seus domésticos.
(século XIX)
(249) e por isso avi- | sa que ningem faça contra[c]tos com o dito | seu marido sobre
compra e venda dos mes- | mos escravos. (século XIX)
O verbo avisar (exemplos 250 e 251), quando utilizado na passiva sintética,
seleciona o indicativo na encaixada, com caráter informativo, de anúncio.
(250) aviza-se o Publico, que a Gazeta do Rio de Janeiro sahirá todas as quartas, e
Sabbados. (século XIX)
(251) aviza-se ao publico de que sexta feira proxima haverá huma Gazeta Extraordinária
Número 7. (século XIX)
108
O verbo pedir, com presença quase categórica de uso do subjuntivo na encaixada
(95%), traduz um desejo vindouro do enunciador ou de outrem.
(252) pesso bem de coraçaõ | a Deus que os proteja, e guie. (século XIX)
(253) pedimos ao governo que attenda para esta | necessidade, que tire a religão do
estado de | abando no e desleixo em que anda. (século XIX)
(254) pediu-me hoje que a levasse... a jantar. (século XIX)
O verbo desejar, que denota a vontade do enunciador, seleciona, preferencialmente,
o subjuntivo na encaixada (95%).
(255) dezejo aVossa Senhoria muita saude efelicidades eque disponha daminha vontade
como for doseo agrado. (século XIX)
Givón (1995) destaca que as propriedades semânticas veiculadas pelo verbo da
matriz operam no controle sintático de integração entre as cláusulas matriz e subordinada, ou
seja, a combinação entre essas cláusulas depende da nuance semântica do verbo da matriz,
que identifica o grau de integração dos eventos presentes na estrutura de complementação (cf.
quadro 1, item 1.1). Nesse sentido, pode-se dizer que as dimensões sintático-semânticas são
inter-complementares e estão amalgamadas: “Quanto mais forte for o encaixe semântico
entre os dois eventos, mais estreita será a integração sintática de duas proposições em uma
única cláusula.”13
O subjuntivo é usado nas proposições de comando, uma vez que há manipulação,
impressa pelo item verbal da matriz, que constitui elemento de controle dos eventos descritos
13
No original: The stronger the semantic bond is between the two events, the more intimately is the syntactic
integration of the two propositions into a single clause (Givón, 1990, p.516).
109
na cláusula encaixada. Pode-se dizer que esses itens verbais de maior controle operam no
sentido da execução do evento pretendido.
Sob o escopo da modalidade deôntica (fraca manipulação), o subjuntivo no tempo
presente pode ser usado, também, na realização de um evento futuro, vindouro (exemplos 245
e 253). No entanto, se os verbos das cláusulas matriz e encaixada se encontram na forma do
passado, esse controle não corresponde à execução do evento, já que há uma barreira
instaurada pela categoria tempo, pela ausência do traço de futuridade (exemplos 238 e 244).
No passado, o subjuntivo denota incerteza, por não se poder atestar se o evento se cumpriu.
Observou-se que há verbos de [+/-controle], uma vez que alguns itens verbais
podem adquirir essa nuance no contexto discursivo (falar, escrever). Por exemplo, o
predicador avisar (exemplos 250 e 251) exerce fraco controle acerca do evento da oração
encaixada, o que pode justificar a presença do indicativo nessa proposição.
Contexto III - Efeito da negação na matriz
De início, podem ser estabelecidas as seguintes restrições:
• Em relação a alguns verbos, a negação na matriz constitui conditio sine qua non à
presença do subjuntivo na encaixada, ou seja, o uso do subjuntivo só ocorre quando há
um elemento de negação na matriz;
• Em relação a outros verbos, a presença da negação na matriz não determina
necessariamente o uso do subjuntivo, pois pode ocorrer o indicativo na encaixada,
apesar de haver uma partícula negativa.
110
No século XIV, por exemplo, verbos, como lembrar e semelhar, só selecionam o
subjuntivo na encaixada quando há uma partícula negativa na matriz. Com o predicador
entender (em formas simples ou em lexias verbais), por outro lado, não há uma relação
biunívoca entre subjuntivo e elemento de negação, pois das três ocorrências do subjuntivo,
apenas duas apresentam elemento de negação na oração matriz.
(256) Euio h~ua alfa/ça mujfremossa. e cobycoua/ NÕ/ se n~ebrando quefezesse osynal
da/cruz sobre ella. (século XIV)
(257) Easy/ NÕ semelha que poremde ofogo/ deua arretéér aalma depois que/ se parte
do corpo como quer que ella/ jaça e seia rreteuda pollo corpo ~e/ quamto queo hom~e
ujue. (século XIV)
(258) Ca entendiam queo sanc/to padre uèèse e lhes disese os lugares/ ~e que entendia
defazer as casas/ que pêra aquel moesteiro compriam. (século XIV)
(259) NÕ entendemos porem queo/ çeeo e aterra e as outras criaturas [f44r-c2] fosem
porem de meores que eram /ou mjnguass~e desua cantidade. (século XIV)
(260) Efaz a Escritura demanda [NÕ] pera dar a ent~eder que o galo aja ent~edimento,
mais porque as obras que faz n~uca as erra e tã certas sõ come se as fezesse alg~ua
creatura que ent~edimento ouvesse. (século XIV)
No século XVIII, o verbo supor seleciona o subjuntivo na encaixada em um único
caso (7%), caso esse em que há a presença de negação. No século XIX, esse mesmo verbo
não sofre influência direta da negação, já que pode ocorrer o indicativo mesmo na presença da
negação. A nuance hipotética se mantém através do uso do futuro do pretérito (exemplo 264).
(261) NEM supunha que este fosse capaz de consentir que nele se falasse em sua casa.
(século XVIII)
(262) NÃO | supponho que o nosso governo deixe passar | mais esta violencia, fazendose desentendido. (século XIX)
(263) até porque NÃO quero suppôr que o | Sr. Chagas seja dos maniacos que gostão |
de passar por adoptivos. (século XIX)
(264) aonde o bom Doutor muitas vezes NÃO | suppuzera que os houveria. (século
XIX)
111
Ainda no século XIX, com os verbos confessar e constar mais uma vez se confirma
o condicionamento morfossintático.
(265) nós JAMAIS poderemos | confessar, que hum homem de costumes austeros ate
moral, e que odeie o despotismo, pratique actos. | (século XIX)
(266) NÃO consta que o Sr. Hollan- | da se tenha em occasião alguma deixado |
governar por outrem emqualquer dos Empregos. (século XIX)
Em todos os séculos analisados, o verbo achar só seleciona o subjuntivo na
encaixada quando há um elemento de negação na oração matriz. Registrou-se esse verbo a
partir do século XIV, mas seu uso variável foi atestado, pela primeira vez, no século XV (33%
de subjuntivo), em seqüências que apresentam elemento de negação na matriz e o verbo se
refere à 3ª pessoa.
(267) NUNQUA del-le se achou que dicese mentira, nem quebra de sua verdade, e defendeo, e favoreceo muito hos la- vradores. (século XV)
(268) e NUNQUA se acha que contra elles fi-zese paz, nem lhe dese treguoas, e has mais
cousas que em sua vida fez por acrescentarm e por enobrecer seu Reyno. (século XV)
(269) ElRey D.Diniz foy muy anojado, porque de sua natural, e Real condiam NUNQUA se achou, que dicese mentira, asi sentio, e lhe doeo muito que-braremlhe tam
honestamente ha prometida verdade. (século XV)
(270) na pesoa do Mestre, que avia nome Vasquo Fernandes, e nos Cavalleyros, e
Freyres da dicta Ordem NOM se a-cha que ElRey, nem outrem fizes-sem alguu~a
exequam de mortes, prizoens, nem outra pena alguu~a. (século XV)
O verbo negar apresenta comportamento diferenciado quanto à seleção dos modos
verbais na encaixada: o elemento de negação não é o único fator condicionador do uso do
subjuntivo, pois é necessário que o sujeito de 1ª pessoa do singular (exemplo 271) esteja
preenchido e no tempo presente. Nos demais casos (negar antecedido por elemento de
negação, com sujeito não-preenchido; negar em lexias verbais, antecedida ou não por
elemento de negação), o indicativo é o modo selecionado na oração encaixada.
112
(271) Eu NÃO nego que esta regra possa ter suas excepções. (século XVII)
(272) NÃO nego que a nobreza, quando está junta com talento, deve sempre preceder a
tudo. (século XVII)
(273) para que ninguem se atreva a negar, que tudo quanto houve, passou, e tudo quanto
é, passa. (século XVII)
(274) quem poderá negar que é mais terrivel? (século XVII)
(275) eu NÃO poderei negar que devo muito ao jubileu de Paris, pois nos dias dêle me
vejo confirmado na graça de V. Ex.a , em que não falo mais palavra, pois V. Ex.a me
manda, nem quero ser chocalheiro. (século XVII)
O efeito da negação na expressão ‘ser possível’ opera no mesmo sentido.
(276) NÃO he possivel que esta Senhora na unidade admitta regra de três. (século
XVIII)
(277) o que o Ceo ordena NÃO he possivel que as humanas creaturas o encontrem.
(século XVIII)
A negação opera no sentido de cancelar pressupostos, por rejeitar inferência
derivada pragmaticamente (Pimpão, 1999). Defende-se a hipótese de que o efeito de negação
parece atuar no controle do traço de [+/-certeza], [+/-avaliação]. Verbos epistêmicos, tais
como ser possível, supor, achar, poder+verbo, ao sofrerem influência do escopo da negação
metalingüística, perdem o seu caráter de modalização discursiva (baixa certeza), passando a
indicar maior avaliação, traço prototípico da modalidade deôntica (cf. quadro 1, item 1.1).
Com isso, pode-se dizer que, quando as proposições “perdem” o traço de incerteza, passam a
situar-se no contínuo da [+/-futuridade/obrigatoriedade], [+/-controle], [+/-certeza], [+/avaliação], típicos do uso variável do subjuntivo.
Ao contrário, outros verbos que se situam, fundamentalmente, na escala de
modalidade de alta certeza epistêmica -- lembrar, entender --, ao serem negados na matriz,
podem enfraquecer esse traço, selecionando o indicativo na oração encaixada.
113
Contexto IV- Tempo do verbo da matriz
Há correlação entre o tempo da matriz e o modo da encaixada, pois o subjuntivo só é
selecionado na encaixada, quando, na matriz, os verbos afirmar (15%) e resolver (50%), se
encontram no passado (cf. Quadro 2, item 4)
(278) mas pois se elles tanto asicauão, & afirmauaõ que todauia não partisse, & ficasse
na Cidade, que elle por seruiço & honra do Reyno determinaua em sua vontade
deficar,com tanto que elle estiuesse em maneira de o seruir. (século XV)
(279) e se resolveu que os padres se deixassem estar na serra até novas ordens dos
Superiores maiores, e que aos mesmos Superiores se representem as razões que há
para se continuar aquela missão, as quais por maior são as seguintes. (século XVII)
4.1.2 Variação diacrônica
Os verbos que apresentaram variação em três ou mais séculos (Tabela 4) permitiram
uma análise diacrônica de cada item verbal, com comportamentos e percentuais de uso
diferenciados. Apenas com o verbo dizer, foi possível realizar a análise até a última etapa do
pacote de programas VARBRUL (Pintzuk, 1988), em virtude de haver um número
significativo de ocorrências.
Tipo de verbo da oração matriz
Crer
Cuidar
Dizer
Perífrases com dizer
Duvidar
Esperar
Fazer
Jurar
Mandar
Parecer
Pensar
Prometer
Querer
Responder
Saber
Ver
Oco ⁄ Total
20⁄134
9⁄61
138⁄1419
22⁄94
11⁄26
67⁄91
15⁄21
8⁄32
197⁄204
34⁄379
6⁄ 31
6⁄10
80⁄87
14⁄346
17⁄361
3⁄187
% de subjuntivo
15
15
10
23
42
74
71
25
97
9
19
60
92
4
5
2
Tabela 4. Freqüência de uso do subjuntivo nos verbos que apresentam variação ao longo dos séculos, dispostos
em ordem alfabética
114
Verbo crer⁄acreditar
Utilizado para denotar opinião, o verbo crer foi registrado em 134 orações
completivas, 15% das quais (20 ocorrências) se encontram no modo subjuntivo. Quando há
um elemento de negação na posição mais alta da oração matriz, o verbo da encaixada vai para
o subjuntivo em 58% dos casos, principalmente quando se refere à 1ª pessoa verbal, o que
confirma o contexto III, já analisado anteriormente, em que o verbo adquire os traços [+⁄avaliação], [+⁄-certeza] (cf. quadro 2, item 4.1.1).
(280) Senhor, quanto vosso estado he maior,tanto vos deueis mais de guardar de algua
cousa serdes prazmado assi como nas cousas bo- as atardança he cousa fea,assi atri
gança ande não cõpre he contada por torpeza, NÃO podemos crer ~q de tal entrada
por esta guisa se sigua tanto proueito,~q muito mais dano não seja. (século XV)
(281) Deyxo os da ilha de Rrodes, que casy sempre guerream com hos turcos, pero hu[s
ne[ os outros não ouverão tam comtynuadas pellejas com hos ymfies como aquellas
que os nossos naturaes com elles ouverão depois que aquela çidade foy trazida ao seu
senhorio, NE[ creo que antre os cristãos se ache rregno que contynamemte tenha casy
tres Mill homes na guerra dos ymfies, pellejamdo ou per maar ou per terra e as vezes
jumtamemte, como o nosso rrey comtinuadamemte mamte[, nunca queremdo reçeber
paz ne[ tregoa, como quer que lhe per vezes fosse cometyda. (século XVI)
(282) E como de voso lhe direis, que vos todavia lhe pidys muyto por merce, que queira
milhor cuydar aymda neste neguoçio, que, fazendo o elle, vos NÃO podeis deixar de
crer que a Reposta não aja de ser outra, antes que vos eu mande que vos vades; e que
vos asy o desejaaes muyto. (século XVI)
(283) E tambem que vos NÃ credes que Fframçeses fosem àquelas partes. (século XVI)
(284) é bem | possivel que tenhas aqui mtos e | mtos amigos, mtas dedicações, porém |
NÃO creio que se igualem a mim, | ninguem aqui a não ser os teos. (século XIX)
(285) NÃO creio | que possas vir já, estou ancioso | pelo congresso. (século XIX)
(286) não fallou nem fal- | la a pessôa alguma, é deci-|didamente um homem mis-|
terioso, NÃO creio que possa | levantar-se, pode tentar qual-| quer cousa, batalhar(?)
mes-| mo, mais ir ao poder, isto | será impossível. (século XIX)
(287) NÃO creio | que tenha morrido(?), aqui | não consta para onde | foi, nem que
destino teve, | espero saber pelo Quartel(?) | Gal. (século XIX)
115
Mais uma vez, há uma correlação entre o tempo da matriz e o tempo da encaixada
(cf. quadro 2, item 4.1.1).
(288) creio que venha a darnos estado. (século XVIII)
(289) E posto que me algu~uas vezes disesem que em sua corte se falava em carta de
Represareas contra os meus vasallos, e que a pedia h~u Johão Angoo com muyta
instançia, eu N~UCA cry que ho neguocio podese pasar mais adiante que ao que
mereçia tam injustiça e desarezoada petiçõ e com tã falsa ~eformaça como era a de Jon
Angoo, que per ysto mais mereçia castiguo que mercê. (século XVI)
(290) acreditaes que tenhamos lucra/do, nós os catholicos. (século XX)
A Figura 1 evidencia a freqüência de uso do modo subjuntivo com esse verbo ao longo
dos séculos.
Figura 1. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo acreditar/crer ao longo
dos séculos
Como se pode observar (Figura 1), o uso do subjuntivo se amplia até o século XVI,
mas se reduz a 0% no século XVII. A partir daí, o uso do subjuntivo se torna mais freqüente
116
até atingir um percentual de 38%, no século XX, independente de haver ou não o efeito de
negação.
(291) creio que seja passageiro. (século XX)
(292) porquanto NÃO é acredi/tavel que um individuo [...],/ vá escrever no livro exigido
o seu/ verdadeiro nome. (século XX)
Verbo cuidar
De um total de 61 ocorrências, apenas nove (15%) se encontram no subjuntivo, em
todas com o verbo nos tempos do passado.
(293) E por tanto tardar, que cuidey que nã podese seer, porque vossa carta foy feita a
oito dias de Junho, e oge sam sete de Julho, me pareceo que vos devia Responder a
vosas cartas e nom esperar mais, ainda que me pareçe que este coreo deve topar voso
Recado no caminho e muy perto d'aquy. (século XVI)
(294) Tomei tão pouco papel, porque cuidei que me não desse lugar a tantas regras o
senhor Embaixador, com quem imos esta tarde a cear Mr. de la Tulherie que nos
convidou. (século XVII)
(295) Cuidei que fosse para perguntar se o ferrolho estava corrido. (século XIX)
(296) Assy que/ per medo cuidaua elle que leixasse amo/rada ~e que estaua. (século
XIV)
(297) Alli pensou ElRey qye se viesse pera elle o Mestre de Christus sobrinho da Rainha
Do na Lianor,filho de sua irmaõ: E quando chegoua Thomar,& sou be que partira
dahi,ouue desto graõ queixume, porque cuidou que ficasse por seu, como os ou- tros.
(século XV)
(298) E/ quamdose leuantou demanháá a/ quel hom~e mááo começou acuidar /quese
fosse ao banho que seria quite/ daquelle pecado. (século XIV)
A presença de negação na matriz, mais uma vez, atua como elemento favorecedor ao
uso do subjuntivo na encaixada, no caso, independente do tempo verbal.
(299) Eentom disse dom pedro./ NÕ cuydo eu/ que em toda terra de yta/lia. aia homéés
de grandes uirtu/des. (século XIV)
117
(300) Epor esto/ pedro podes emtemder queo emijgo ã/ tigo que tam prestes esta nos
feitos /corporaaes como NÕ cuidaras que/ nõ seiã mais nos fectos spirituaaes. (século
XIV)
Em expressões de comando com o verbo da matriz no imperativo também se
registrou o uso do subjuntivo (cf. quadro 2, item 4.1.1).
(301) Pedro/ E oseu creligo pedro disse cuidas/ quese possa demostrar per outorida
[f103v-c2] de dasanta escretura que os pecadores / dos deleitos da carne deuam seer/
tormentados per pena defedor. (século XIV)
A Figura 2 revela uma curva de variação estável e um decréscimo de uso (de 38%,
no século XIII, se reduz a 17%, no XIX) do subjuntivo na oração encaixada quando na oração
matriz está presente o verbo cuidar.
Figura 2. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo cuidar ao longo dos
séculos
118
Verbo dizer
Foram registradas 1419 ocorrências do verbo dizer, sendo apenas 138 no modo
subjuntivo (10%). Quando o verbo se encontra no subjuntivo, fica evidente a correlação
existente entre o tempo do verbo na sentença matriz e na encaixada. A Tabela 5, a seguir,
evidencia essa correlação.
Tempo do verbo da matriz
Presente do indicativo
Imperativo
Infinitivo
Futuro do presente
Presente do subjuntivo
Pretérito perfeito
Imperfeito do indicativo
Gerúndio
Mais que perfeito
Imperativo
Oco/total ⁄ %
17 ⁄ 37%
15 ⁄ 32%
8 ⁄ 17%
6 ⁄ 12%
1 ⁄ 2%
61 ⁄ 72%
12 ⁄ 14%
8 ⁄ 1%
2 ⁄ 2%
1 ⁄ 1%
Tempo do verbo na oração encaixada ⁄
Oco total
Presente do subjuntivo
Imperfeito do subjuntivo
47 oco
84 oco
Tabela 5. Correlação entre o tempo verbal da matriz e o tempo da encaixada com o verbo dizer nos dados da
escrita
Como se vê, o uso do presente do indicativo e do imperativo na matriz leva,
preferencialmente, o verbo da encaixada para o presente do subjuntivo, enquanto o uso do
pretérito perfeito ou imperfeito (tempos do passado) do indicativo na matriz leva o verbo da
encaixada para o imperfeito do subjuntivo, na maior parte das vezes.
(302) ouveram ambos muy dura peleyja em que ouve muitas mor-tes, e danos dambas as
partes, no fim da quaal ho Mestre foy ven-cido por has menos gentes, que tinha, e
muitos dos seus foram mortos, e nove centos cativos, que vendia, e resguatavam em
Castel-la por muy pouquo preo, porque outro tanto se fazia de Castelhanos cativos em
Portugal, porque de huu~a parte, e da outra hos que se cativavam asi se vendiam como
servos, ainda que se acha que hos Castelhanos nesta qualidade de crueza uzava contra
hos Portu-guezes em mais estremo, e c me-nor piedade, porque ha todos se diz que
hos punham em barreyras, e nellas muy cruamente hos mata-vam aas setadas. (século
XV)
119
(303) Dadelhes senhas es/ tollas bramcas e dizedelhes que/ folgem e que atemdam hu~u
peque/no detempo atáá quese compra ot~epo/ do comto deseus jrmaãos que som
/seruos e uasallos de ihesu christo como elles. (século XIV)
(304) Ou se, pela ventura, vos parecer escusado, por ele nõ ser desempedido, ou por
qualquer outra cousa, se he vindo, dirlhees de minha parte que se venha; e nõ sendo
vindo, lhe leixares h~u~ua vosa carta, por que lhe digaes que ey por meu serviço que
se venha, e que asy o faça. (século XVI)
(305) disse que se remetesse as contas de forma que as devia apromptar o sargento.
(século XIX)
(306) E que, talvez que a respeito destas fosse que o mesmo médico dizia que mandasse
pelo seu preto. (século XVIII)
Nas cinco ocorrências em que o verbo dizer é utilizado na matriz no futuro do
pretérito, a presença do indicativo é categórica na encaixada, o que parece revelar um indício
de que a noção de hipótese possa ser expressa por essa forma verbal, na matriz, dispensando a
marcação de qualquer outro elemento modal na proposição. Além disso, conforme já se
discutiu (item 4.1.1), a noção de hipótese esvazia a força semântica que está expressa na
noção de futuridade⁄obrigatoriedade.
(307) diria que havia de ser trabalhoso. (século XVII)
(308) NÃO diria que às vezes servem de exemplo. (século XVIII)
A variável mais atuante para o uso do subjuntivo na oração encaixada, com dizer,
parece ser o tempo do verbo da oração matriz. Considerando apenas os tempos do passado
versus os tempos do presente, pode-se verificar que o modo subjuntivo ocorre
preferencialmente quando o verbo da matriz se encontra no passado (82%) e apenas,
ocasionalmente, no tempo presente (18%). Deve-se considerar que, nas cláusulas em que o
verbo dizer na matriz está no passado, denota ordem, comando, o que confirma o traço de
[controle] que pode ser um elemento de maior vinculação entre as cláusulas (item 3.2).
120
A preferência pelo uso do modo subjuntivo, nos tempos do passado, independe do
efeito eventual de um elemento de negação, como se pode ver, no exemplo (309), que traduz
o relato da fala de outrem, indicando uma ordem.
(309) E ella lhe disse que / entrasse pera dentro e entrou na primeira casa e a/charom
hu[u[ leyto mui boo de muitos panos / de grande vallor. (século XVI)
Quando o verbo dizer na oração matriz está no discurso do narrador, no tempo
presente, por outro lado, a força do elemento de negação parece atuar. Além disso, quando há
o efeito da negação na matriz e na encaixada, o uso do subjuntivo é obrigatório.
(310) NÃO digo que NÃO trate cada um de crescer. (século XVII)
Ao que parece, até mesmo na oração encaixada, o efeito de negação atua de forma
atenuada: apenas em 11% dos casos.
(311) mas hos Fi- dalgos , e nobres que ahi estavaõ lhe diceraõ , que tal NOM fizesse ,
que nom tinha rezaõ de lhe fazer nhumma. (século XV)
A Figura 3, a seguir, permite visualizar a freqüência variável de uso do subjuntivo
em orações completivas com o verbo dizer na matriz, através de uma análise em tempo real de
longa duração (século XIII ao XX).
121
Figura 3. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo dizer ao longo
dos séculos
Pode-se observar que, até o final do português arcaico (XIII ao XV), o uso do
subjuntivo atinge quase 20% e, a partir do século XVI, se reduz. Nos dados de escrita, não se
registrou uma única ocorrência de uso do modo subjuntivo com dizer, no século XX. A curva
de uso do subjuntivo parece indicar uma variação estável, com ápices de uso nos séculos XIII,
XV e XIX.
Na análise do VARBRUL14, que seguiu até a última etapa, como já referido, foram
selecionadas as variáveis época, tempo verbal e gênero textual como favorecedoras do uso do
subjuntivo: input geral .10; log likelihood -452. 664.
14
Esse programa foi criado em 1971 e desenvolvido por Sankoff & Rousseau (Cedergren & Sankoff
1974,Rousseau & Sankoff 1978) com o intuito de realizar estatisticamente dados lingüísticos variáveis.
122
Século
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
Oco de subj./ Total
9/36
25/250
58/283
16/180
4/222
14/277
12/137
0/34
% (subj.)
25
10
20
9
2
5
9
0
Peso relativo
.66
.42
.60
.72
.05
.78
.67
--
Tabela 6. Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação à época
analisada
As aparentes inconsistências nos percentuais e pesos relativos podem ter relação com
a diversidade de gêneros textuais analisados. Por exemplo: no século XVII, as quatro
ocorrências do subjuntivo foram registradas nos Sermões de Vieira (Tabela 7), texto mais
argumentativo e de maior elaboração. A relação entre época e gênero textual talvez explique
também o fato de aquela variável ter sido selecionada em primeiro lugar no stepup e
descartada por último no stepdown.
É necessário, portanto, relativizar esses resultados, em função de a distribuição dos
textos por época ser diferenciada, como se pode ver na Tabela 7, o que nos levaria a crer que
as duas variáveis devem ser vistas em conjunto. À primeira vista, parece que a seleção de
modo verbal estaria ligada ao grau de formalidade do texto, mas talvez o modo de interação
(relato, ordem, etc.) e tema do texto que estejam atuando. No gênero peça teatral, visto
normalmente como próximo à fala, a freqüência de uso do subjuntivo é maior que em todos os
demais gêneros do século XIX. O editorial, com maior marca de formalidade, apresenta uso
categórico do indicativo, no mesmo período de tempo.
123
Século
Gênero textual
Oco⁄Total
XIII
Carta Oficial (Mosteiro de Chelas)
Foros (Afonso X, Castel Rodrigo)
Carta oficial (Mosteiro de Chelas)
Diálogos de São Gregório (Religioso)
Livro das Aves (Tratado)
Carta oficial (Mosteiro de Chelas)
Crônica histórica (D.Afonso Henriques,
D. Dinis, D. João I)
Vida de Santos (Morte de São Jerônimo,
Vida de Tarsis, Vida de Santa Pelágia)
Carta oficial (D. Duarte Coelho ao rei, D.
João III)
Diálogos (Anexos à Gramática de João
de Barros)
Carta pessoal (Vieira)
Discurso de vários políticos
Sermões de Vieira (História do Futuro,
Sermões)
Carta Oficial (Comércio-PHPB)
Carta Pessoal
Autos Jurídicos (Autos da Devassa)
Peça Teatral
Descrição Geográfica do Distrito de
Campos – RJ (Técnico-descritivo)
Carta oficial (PHPB)
Carta de leitor/redator (PHPB)
Carta Pessoal (PHPB)
Folhetim (PHPB)
Editorial (PHPB)
Notícia (PHPB)
Peça teatral (PHPB)
Carta pessoal
Editorial
Notícia
1/14
8/22
2⁄38
23/179
0/33
0⁄24
53⁄236
% de uso do
subjuntivo
7
36
5
13
0
0
22
5/23
22
13⁄149
9
2/30
7
0⁄65
0⁄49
4⁄108
0
0
4
5/19
0⁄ 3
1⁄171
7⁄76
1⁄ 8
26
0
1
9
13
3⁄52
0⁄25
4⁄18
1⁄20
0⁄ 2
0⁄ 6
4⁄16
0⁄16
0⁄ 4
0⁄14
6
0
22
5
0
0
25
0
0
0
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
Tabela 7. Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação à época e
ao gênero textual
Considerando apenas o gênero textual, sem levar em conta a época em que foi
produzido, pode-se concluir que os textos de caráter religioso, os textos notariais e
as
crônicas históricas são aqueles que apresentam peso relativo maior, na aplicação da regra,
124
independente do percentual de uso (Tabela 8). Não se pode esquecer também que o tempo
morfológico do verbo dizer também atua nessa relação (Tabela 9).
Em linhas gerais, pode-se dizer que o uso do subjuntivo parece estar diretamente
associado à orientação argumentativa, ou seja, ao maior ou ao menor grau de subjetividade
presentes no gênero textual em questão. Por exemplo, nos sermões (.94), texto com maior
grau de subjetividade, apresenta-se peso relativo superior às peças teatrais (.38), aos folhetins
(.27) e aos autos jurídicos (.02), textos com menor grau de subjetividade. Seguindo o critério
da presença (ou não) da subjetividade na orientação argumentativa, verifica-se, analogamente,
que as cartas pessoais apresentam peso relativo superior (.55) às cartas oficiais (.40). Dessa
forma, pode-se afirmar que a presença do subjuntivo ocorre, preferencialmente, nos textos em
que há maior grau de subjetividade, que tendem, inclusive, a veicular avaliação, prescrição
(modalidade deôntica). Há, nesse sentido, correlação entre as categorias gênero textual, grau
de subjetividade e modalidade.
Gênero textual
Sermões
Foros (Notarial)
Diálogos de São Gregório (Religioso)
Crônicas históricas
Vida de Santos
Cartas Pessoais
Peças Teatrais
Cartas Oficiais
Técnico-descritivo
Diálogos
Folhetins
Autos Jurídicos
Oco⁄Total
4/108
8/22
23/179
54/237
5/23
4/102
11/92
24/296
1/8
2/30
1/19
1/171
% de uso do
subjuntivo
4
36
13
23
22
4
12
8
13
7
5
1
Peso relativo
.94
.81
.76
.76
.76
.55
.38
.40
.40
.37
.27
.02
Tabela 8. Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação ao gênero
textual analisado
125
A variável tempo/modo verbal da oração matriz mostrou-se significativa: a presença
do subjuntivo ocorre quando o verbo da matriz está na forma do imperativo, do futuro do
presente e do presente do subjuntivo, restrição já prevista (cf. Quadro 1, item 4.1.1).
Tempo/modo verbal da matriz
Imperativo
Futuro do Presente
Presente do subjuntivo
Formas do passado do indicativo
(Perfeito, Imperfeito e mais que
perfeito)
Futuro do subjuntivo
Imperfeito do subjuntivo
Infinitivo
Presente do indicativo
Oco de subj./ Total
17/65
6/32
1/6
77/704
% (subj.)
26
19
17
11
Peso relativo
.75
.73
.70
.55
2/6
2/18
16/177
17/404
33
11
9
4
.53
.49
.47
.35
Tabela 9. Presença de uso do subjuntivo nas orações completivas com o predicador dizer em relação ao tempo
verbal da matriz
Dizer em perífrases
Na análise dos dados, separararam-se os casos em que o verbo dizer está inserido em
uma perífrase verbal. Foram registradas, em dados de língua escrita, as formas relacionadas a
seguir: mandar dizer, ouvir dizer, poder dizer, dever dizer, enviar (a) dizer, haver de dizer,
passar a dizer, deixar de dizer, querer dizer, tornar a dizer, continuar a dizer, pretender
dizer, bastar dizer e valer dizer. Duas perífrases apresentam o uso variável do subjuntivo em
mais de um século, a saber, mandar dizer, poder dizer; as demais perífrases variam em apenas
um único século, nem sempre o mesmo: bastar dizer, dever dizer, enviar dizer, haver de
dizer, ouvir dizer e querer dizer.
Considerando todas as perífrases, em todos os séculos, o percentual de uso de
subjuntivo atinge 23%: do total de 94 ocorrências, 22 encontram-se no modo subjuntivo.
126
(312) Basta somente dizer que não procurando desmerecer as qualidades, que ornão o
actual | Regente [inint.], não só todas ellas possão o Sr. Antonio Francisco de Paula
Hollanda | Cavalcante. (século XIX)
Embora o número de ocorrências seja insignificante (3 oco), a presença do elemento
de negação na matriz parece estar relacionada à presença do modo subjuntivo na oração
encaixada. Quando há a presença de negação na oração matriz, o verbo da encaixada ocorre
no subjuntivo em 38% dos casos, o que nos permite afirmar que a freqüência de uso aumenta
quando esse contexto se verifica, já que a freqüência geral de uso do subjuntivo, nas orações
encaixadas, é de 23%.
(313) O presidente da República já deixou claro: sua interferência na questão dos preços
NÃO quer dizer que ele seja contra a liberdade de mercado. (século XX)
(314) a minha NAÕ ha de dizer que eu lhe gastase os dotes em vícios. (século XVIII)
(315) NÃO posso dizer que tenha sido uma surpreza. (século XX)
O uso subjuntivo em proposições afirmativas parece estar atrelado ao tipo de
perífrase em que o verbo dizer ocorre. Nas perífrases mandar dizer, ouvir dizer, dever dizer,
poder dizer e enviar dizer, o subjuntivo ocorre independente da presença de elemento de
negação. Nos exemplos (316), (318), (319) e (320), observa-se a presença do traço de [+⁄controle]. Mais uma vez, a presença do subjuntivo parece estar atrelada ao grau de
subjetividade da proposição.
(316) Eellrrey totilla lhe/ mandou dizer. que ao bispo tirase h~ua/ correa des acabeça
ataa os calcanha [f53v-c2] res depois quelhe cortase acabeça. (século XIV) [+controle]
(317) ouvi dizer que huma quarta de farinha, leve vinte duzias de ovos. (século XVIII) [controle]
(318) devo dizer aVocê [...]que ponha algumsinal mais especial nasuaRecomendação.
(século XVIII) [+controle]
(319) e vendo eu que me | podiao dizer tambem que me puzesse na | rua. (século XIX) [controle]
127
(320) & receando o que se depois se-guio estando estõce em Alanquer falou com o Conde
Dom Iohaõ seu irmão, que era Alcayde em Lisboa,& tinha em ella muytos boõs
Vassallos, que lhe enuiasse dizer, que se lançassem no Ca-stello com seus escudeiro
por segurança de qualquer cousa, que auir podesse. (século XV) [+controle]
Foi registrada, em geral, uma correlação entre o tempo da matriz e o tempo da
encaixada nas perífrases exemplificadas de (321) a (326), o que confirma a noção apresentada
no contexto IV (cf. quadro 2, item 4.1.1).
(321) Eemtõ osancto bispo/ sabino dise aoseu creligo. Uay e di/ze ao rryo. obispo te
manda dizer que /te rretenhas e que tornes atua /madre aaquelles lugares per que/
soyas acorrer. (século XIV)
(322) vos encomendo muyto que mamdeis dar muy gramde dilligençia; e lloguo mandarey
fazer os Regimentos, e vollos emviarey com as vias das cartas, pera nõ poderem fazer
detença; e jaa mamdey dizer aos ditos dom João e dom Francisquo que loguo se
partam. (século XVI)
(323) He bem para admirar, a quem não tiver hum conhecimento pleno dos successos
deste Districto, ver, ou ouvir dizer, que comprehendendo-se no seo espasso, athe
agora conhecido, mais de 300 legoas quadradas, de extensão, não hajão terras para se
acomodarem os lavradores com largueza, izentas, de foros, e honerozos
arrendamentos, e de outras pensoens, e abuzos: são estas pois as rezoens, que
impossibilitão o augmento da agricultura. (século XVIII)
(324) E corregendose para ello com grã de aguça, manoulhe o Mestre dizer, que cessasse
do que lhe dis- sera porque senão podia por en- tão fazer. (século XV)
(325) E ella disse, que pois assi era, que lhe mandasse di-zer, que lho entregassem, que
Depois ouuesse a Cidade,aueria o Castello. (século XV)
(326) Aluaro Gil naõ sahio a elle, mas esteue que-do em seu Castello,sem mostrar
porq~parte tinha,mas veo Vasco Martins de Mello,q~ fora cõ a Rainha, & pousa ua em
Fõte Giraldo a q'ElRey mandara dizer,quãdo partio de Perocs,~q se fosse despos elle
à Guarda, & Martim Affõso Rico homem seu irmaõ,q~tinha Celorico, & Linhares,foi
oprimeiro,q~se veo pera ElRey deCastella & ficou por seu alli naGuarda,da qual cousa
muito dsprougue a seu irmão Vasco Mart~is, porq~el le começarade se hir pera elle an
tes ~q nenhu outro. (século XV)
128
Tempo do verbo da matriz
Nº de 0co/ %
Presente do indicativo
Pretérito perfeito
Futuro do subjuntivo
Pretérito perfeito
Imperfeito do subjuntivo
Pretérito imperfeito
Mais que perfeito
Gerúndio
Presente do indicativo
6 / 75%
1/ 12,5%
1 / 12,5%
6⁄ 47%
3⁄ 23%
1⁄7,5%
1⁄7,5%
1⁄7,5%
1⁄7,5%
Tempo do verbo da oração encaixada⁄
Oco total
Presente do subjuntivo 8 oco
Imperfeito do subjuntivo 13 oco
Tabela 10. Correlação entre o tempo verbal da matriz e o tempo da encaixada nas perífrases com o verbo dizer
nos dados da escrita
Tipo
de
Perífrase
com dizer
Bastar
dizer
Continuar
a dizer
Deixar de
dizer
Dever
dizer
Enviar (a)
dizer
Haver de
dizer
Mandar
dizer
Ouvir dizer
Passar
a
dizer
Poder dizer
Pretender
dizer
Querer
dizer
Tornar a
dizer
Valer dizer
Total⁄ %
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
Sub
Ind
Sub
Ind
Sub
Ind
Sub
Ind
Sub
Ind
Sub
Ind
Sub
Ind
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
2
-
-
-
1
-
-
-
1
-
-
1
1
-
1
-
-
-
-
2
1
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
8
1
-
-
-
-
-
4
5
5
4
1
-
-
1
-
1
-
2
-
1
-
5
-
-
-
-
2
-
-
1
-
2
-
1
1
-
3
-
-
-
-
5
-
-
3
-
-
1
-
-
5
-
1
-
-
1
-
7
1
1
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
3
1
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
2
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
4
25%
16
75%
7
47%
8
53%
1
17%
5
83%
0%
15
100
%
5
55%
4
45%
2
8%
22
92%
2
29%
5
71%
Tabela 11. Presença do subjuntivo⁄ indicativo por tipo de perífrase com dizer ao longo dos séculos
129
Verbo duvidar
Foram registradas 26 ocorrências com o verbo duvidar (42% de uso do subjuntivo).
A presença do elemento de negação, na matriz, constitui contexto favorecedor à presença do
subjuntivo na encaixada, com o verbo duvidar, independente do tempo em que ocorra. Mais
uma vez, se confirma a noção de que a negação na matriz opera no sentido de o verbo passar
de [-certeza] a [+certeza], passando a denotar maior avaliação (cf. quadro 1, item 1.1).
(327) Se animalhas que son de pequeno valor nõ v~e~e a terra que o Deus nõ sabha, vós
que sodes perduravis nõ devedes temer N~E dovidar que ajades de viver sen a
rovison e sen a mercee de Deus. (século XIV)
(328) Mas que NÃO duvida que neste tempo pudesse entrar mais alguma pessoa, e que
se demorasse. (século XVII)
(329) Suposto pelo seu costume de falar com liberdade e contra os governos monárquicos,
NÃO duvida que antes falasse dos reis. (século XVII)
(330) Mas que, tendo comprado no espólio de Luís Antônio Tinoco alguns livros
franceses, NÃO duvida que entre eles possa haver algum que trate de semelhantes
matérias. (século XVII)
(331) O que, sendo ouvido pela testemunha, NÃO duvidou que o livro não fosse o que o
acareado dizia. (século XVII)
(332) NÃO duvidamos que haja no ministerio a | melhor vontade a respeito, e
conhecimento. (século XVIII)
Nos contextos em que o verbo duvidar, na matriz, ocorre em uma construção
modalizadora (exemplos 333 a 335), o verbo da encaixada não vai para o subjuntivo, já que a
noção de hipótese impressa na proposição atua no sentido de retração de uso do subjuntivo.
(333) quem poderá duvidar que seria de suma utilidade, e importancia, não só para o fim
pertendido, como para esgoto da Lagoa de Sima. (século XVIII)
(334) Se os homens não foram injustos, pudera-se duvidar se eram immortaes. (século
XVII)
130
(335) É tão conhecido no mundo o natural amor que os Portugueses têm a seu Rei, que
justamente se poderá duvidar, se os fundamentos que aqui aponto para sua Majestade
assistir em Lisboa nascem mais do desejo que todos temos de o ver presente, que de
verdadeiras razões que para isso haja. (século XVII)
A presença do elemento de negação parece não operar quando precede uma
construção com a forma do imperativo (exemplo 336) ou uma lexia verbal -- haver dúvida -exemplos (337) a (340). Nos exemplos abaixo, a noção de certeza parece ser bem nítida.
(336) NAÕ duvides que he verdade. (século XVIII)
(337) NÃO ha duvida que Christo era o melhor. (século XVII)
(338) NAÕ ha dúvida que jantou bem. (século XVIII)
(339) NÃO ha duvida, que pareceria a pergunta digna de riso. (século XVII)
(340) NÃO ha duvida que tem grande analogia a nossa era com a do Messias, e que
parece pódem competir os milagres (não digo os vicios) dos nossos tempos com as
felicidades dos seus. (século XVII)
A distribuição de uso (Figura 4), através dos séculos, no caso desse verbo, e também
de outros -- aparentemente instável e inconclusiva -- talvez possa ser explicada pelo gênero
textual em que se registrou cada uma das ocorrências, pelo escasso número de dados ou pelo
contexto de cada uma das ocorrências (efeito de negação, construção com noção de comando,
etc.).
131
Figura 4. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo duvidar ao longo dos
séculos
Verbo esperar
Foram registradas 91 ocorrências com o verbo esperar, a partir do século XV, dentre
as quais 74% (67 ocorrências) se encontram no subjuntivo. Listam-se, a seguir, os casos em
que o verbo esperar, na matriz, seleciona o modo indicativo na encaixada.
(341) Espero em nosso Senhor que vos dara imteira saude, e por nam aveer neçesidade
d'outra Resposta, soomente ao que tocaria ao concerto que fezestes sobre a carta de
marca de Joam Amgo, em que me ey por muyto servido de vos. (século XVI)
(342) Nas segundas vias dos despachos de V. M. espero que V. M. haverá mandado
deferir a tudo o que representei nos navios do ano passado. (século XIX)
(343) E que esperaua em Deos que elle lhe encaminharia tambem seus feitos, que seu
filho sahiria delles com grande acrecentamento de sua hon- ra. (século XV)
(344) Espero que V. Ex.a há-de aprovar a verdade destas razões, e aconselhar ao senhor
Embaixador que em nenhum caso se despida, até resposta de S. M. , que não pode
tardar muito. (século XVII)
(345) e espero em Nosso Senhor que vam em tanto crecimento que elles Recebam de
my~ toda homrra e merçee como he Rezam e seus serviços mereçem. (século XVI)
132
(346) porem agora, dis-me elle, es - | pera me entregar em principios | de Maio, vinte
contos, por conta | do Capital e juros e vai fazer | a hypotheca, espera que sahia o |
Carlito. (século XIX)
O subjuntivo alterna com o futuro do presente ou do pretérito - seja em formas
simples, seja em formas perifrásticas; em perífrases modais que denotem futuridade
(exemplos 341 a 346). Quando há a presença do elemento de negação na matriz, a presença
do subjuntivo é categórica (exemplo 347), confirmando a hipótese de que o verbo da matriz,
ao adquirir caráter [+avaliativo], passa a selecionar o subjuntivo na encaixada.
(347) e NÃO espero que me dêm pancadas. (século XIX)
A Figura 5 revela que há, ao longo dos séculos, uma variação estável, regular, de
ampliação e retração de uso, de três em três séculos, embora os aumentos progressivos
possam indicar uma mudança, no caso, no sentido de uso categórico do subjuntivo (cf. Labov,
1994).
133
Figura 5. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo esperar ao longo dos
séculos
Verbo fazer
Foram registradas 21 ocorrências com o predicador fazer, com 71% de uso do
subjuntivo na encaixada, nem sempre com o mesmo sentido referencial -- fingir, tornar,
resultar, etc. -- o que inviabiliza uma análise global. Nos contextos em que há uma relação de
‘resultado’ (relação de conseqüência), o subjuntivo é o modo escolhido, o mesmo quadro do
português atual, na fala e na escrita. Com esse sentido, hoje, o verbo fazer está cristalizado na
construção fazer com que. Nos dados analisados, de séculos passados, a preposição com nem
sempre estava presente, embora a relação ‘resultativa’ fosse nítida. Nesses contextos, verificase que o uso do subjuntivo está relacionado ao traço de obrigatoriedade.
(348) Foi promovendo esta serie de cri- / mes, que este Deos de Justiça, que sem- / pre
obra por caminhos occultos, fez com / que fossem lançados deste paiz aquelles /
mesmos que atraiçoadamente o ensanguen- / tarão. (século XIX)
(349) e pois em quanto viver, me nom ey de par-tir de seu serviço a tua infinda pie-dade
peço que me ajudes, e tenhas em sua santa guarda; porque ho imi-guo da linhagem
134
humanal nom seja poderoso para torvar teu santo ser-viço , nem fazer que meus feytos
se-jaõ ante ty aborrecidos. (século XV)
(350) a impertenencia della fará que V ossa m ercê dezeje selhe tardase por maiz tempo
este meo obzequio. (século XVIII)
Verbo jurar
Foram registradas 32 ocorrências com o verbo jurar, a partir do século XIII, dentre
as quais oito (25%) selecionam o subjuntivo na encaixada.
No século XIII, o subjuntivo é selecionado, quando fica explícita uma ordem,
expressa pela forma verbal do imperativo presente [+controle], ou quando está inserido em
contexto condicional, [+futuridade].
(351) E quando alguu dos alcaydes leyxar outro en seu logar, que iuyge assy como ya dito
e´, lexe ome boo p(er) aquello e que iure que faça dereyto a cada huu. (século XIII)
(352) E se p(er)uentura a todos os alcaydes [prouar] que os ha suspeytos ante do[u]s
omees boos en q(ue) se auere~ as p(ar)tes por receb(er) esta proua, [ne~]huu delles
non iuyge seu p(re)yto, mays denlly outro ome boo q(ue) iuyge que no~ seya [...] so
esse nenhuu q(ue) o juyge. (século XIII)
(353) Se alguu~ iurar q(ue) faça algu~a cousa (contra) senhurio del rey ou de dano de ssa
terra ou perijgoo d(e) sa alma, assy como matar ou forçar ou out(ra) cousa desguisada
semellante a estas, tal iuramento non ualla nen (con)p(ra). (século XIII)
Mais uma vez, o efeito temporal é constatado: o tempo passado, na matriz, funciona
como elemento favorecedor à presença do subjuntivo na encaixada. Fica nítido, nos exemplos
(354) e (355), o traço de [+controle].
(354) Epor queo sancto /hom~e jurou quelhe disese uerdade e/ uééndo quese nõ podia e
cobrijr que/ lho nõ dissese per rrazõ do juram~eto/ que lhe fezera. (século XIV)
(355) Então começaraõ todos de jurar que se o naõ deitassem, & hiaõ acima, que todos
viessem a fundo com elle. (século XV)
135
Fica evidente que até o século XV há um uso variável de subjuntivo, que desaparece
a partir do século XVI.
Figura 6. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo jurar ao longo dos
séculos
Verbo mandar
Este verbo apresenta uso quase categórico subjuntivo (99%), até o século XVI e
categórico a partir do século XVII. O uso do indicativo é de apenas 1% e, nesses casos, a
noção de hipótese é marcada pelas formas de futuro do pretérito. A pessoa verbal da oração
matriz é sempre da terceira pessoa do singular.
(356) O Priol sabendo parte desua fama, & riqueza, mandoulhe co- meter casamento pera
Nuno Al- uerez seu filho, & quando Iohaõ Fernandez Commendador de Flor da rosa
lhe foy cometer este casamento por parte do Priol, a dona deu em reposta, que o fizessem saber a ElRey, & do ~q a sua merce mandasse,que ella lhe naõ sahiria do
mandado. (século XV)
(357) A ElRey veo em outro dia algua gste daquel-la, porq'mandara,q~serião até
duzentas lanças. (século XV)
136
Quando o verbo mandar aparece na primeira pessoa do singular, o uso do subjuntivo
é categórico, já que, nesse contexto, impõe-se restrição ao evento veiculado na oração
encaixada.
(358) Porque deste cazamento, q~ Deos quis me fosse, eu sam muito honra-do, e contente
folgaria que por nhuu~ cazo, salvo por morte antre noos am-bos nunqua se desfizese,
ca vos rogo, encomendo, e mando, que pera mayor firmeza, e segurana delle jureis
aqui ahos Sanctos Evangelhos, e faais por voos preyto, e menagem ha ElRey D. Diniz,
que nunqua leyxa-rey ha Ifante Dona Costana sua fi-lha, minha molher. (século XV)
(359) E disse aaserpente/ Eute mando em nome deihesu/ christo. que guardes esta
entrada. /e nõ leixes aço entrar hom~e n~e/ hu~u. (século XIV)
A Figura 6 mostra a estabilidade de uso do subjuntivo nos três séculos em que seu
uso é variável.
Figura 7. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo mandar nos séculos em
que há variação
137
Verbo parecer
Com o verbo parecer, foram registradas 379 ocorrências, com percentual de 9% (34
ocorrências) de uso do modo subjuntivo. A correlação entre o tempo da encaixada e da matriz
se mantém. Em geral, as proposições com parecer traduzem a opinião de outrem (e não do
sujeito enunciador), o que pode justificar a seleção do modo subjuntivo na encaixada, já que o
evento descrito decorre da avaliação emitida por um terceiro.
(360) E porem, vimdo ter a esa cidade demtro neste tempo algu~ua naao, que vos pareça
que seja pêra ir em companhia da dita armada, ey por bem que se cõpre, e vaa o dito
dom Pedro nela, nam podemdo ir o dito galeão. (século XVI)
(361) Ao senhor Embaixador pareceu que o papel não saísse de nossas mãos. (século
XVII)
(362) No ano de 1552 imprimiu João de Barros a sua primeira Década da Ásia, e foi
também recebida de todos geralmente, que ainda que havia Cronista no Reino, el-Rei
Dom João lhe encomendou logo a Crónica de el-Rei Dom Manuel seu pai, entendendo
da perfeição, e gravidade de estilo com que escrevera esta Década, que ninguém
poderia compor aquela Crónica com a devida eloquência aos feitos que se nela
tratavam como João de Barros, o qual aceitou a empresa, parecendo-lhe que para tal
ocupação lhe dessem o repouso necessário mas como estes serviços muitas vezes
pesem pouco diante dos Reis, não alcançou João de Barros a comodidade que
esperava. (século XVII)
(363) Seu confessor, sabe tanto de nós como êle, e ainda que falte à sua alma esta
consolação eu seria de parecer que não tornasse a Portugal. (século XVII)
(364) Emcomendovos muyto que ordeneis lloguo, como lhe vaa este avyso por caravelas
da Mina, ou outros navios que vos pareçer que milhor e com mais certeza lho posam
llevar. (século XVI)
A presença do elemento de negação na oração matriz constitui, também, com relação
a esse verbo, elemento favorecedor à presença do subjuntivo na encaixada: o verbo parecer,
que também denota modalização do discurso, torna-se [+avaliativo] ao sofrer influência da
negação metalingüística. O percentual geral de 9% se eleva para 33% quando ocorre nesse
contexto.
138
(365) NÃO pareça agora, que só os homens sejão feridos destes males, e contagios: os
animaes irracionaes os expirimentão por diversos modos, principalmente o gado
vacum com consideraveis prejuizos dos seos possuidores. (século XVIII)
(366) Neem de laa tenho sabido, nem vejo por vosa carta, que as armadas dos Framceses
sejam taes, nem esteem ~e tal hordem, e tam a pique que, estamdo as minhas como
estã, neeste pouco de veraão que fica, que NÕ parece que posa abastar pera
soom~ete deytar as naaos ao mar, por que posam fazer dano tal que se deva tãto
arrecear. (século XVI)
(367) E se estaa em termos que neste concerto dava eu aveer de pagar as custas a Jõ Ango,
e se posa hy fallar, NAM parecendo que ho vos de novo tornaees a espertar,
folgarey que ho façaes com aquelas condições que na carta de dom Pedro lhe sprevo
que ho quero, cujo trellado vos emvio; e vos ficara, pera por elle se saberem estas
condições. (século XVI)
(368) porque NÃO parece conveniente, nem conforme á providencia do Auctor da
natureza, que fabricasse esta grande machina. (século XVII)
(369) Ora na mesma Capitania, ha huma Freguezia denominada Nossa Senhora da
Conceição dos Guarulhos, o que de algua sorte confirma a segunda opinião; porque
NÃO parece facil, que os Paulistas lá os levassem de parte tão remota, qual he o
Districto dos Campos, a estabelleser Aldea, ainda que não era impossivel. (século
XVII)
(370) Digo isto somente pelo sentimento que me causa a sem razão, e NÃO por me
parecer que com França se não tenha toda a boa correspondência, principalmente
que, chegando a se capitular, sempre deve ser recíproca. (século XVII)
A Figura 8 abaixo ilustra a presença desse verbo ao longo dos séculos.
139
Figura 8. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo parecer ao longo dos
séculos
Conforme se vê, há um aumento gradativo do percentual de uso do subjuntivo até o
século XVIII. Nos séculos XIX e XX, não se registrou uma única ocorrência de uso do modo
subjuntivo com o verbo parecer. Isso pode ser explicado pelo fato de esse verbo ter adquirido,
ao longo do tempo, a função de modalizador, selecionado o indicativo.
Verbo pensar
Foram registradas 31 ocorrências de pensar, com 19% de uso do subjuntivo.
(371) Em attenção aos seos serviços assim lhes foy comcedida em 19 de Agosto, com a
condição de que havendo de se levantar Engenhos pagarião aos Donatarios aquelle
foro, ou pensão que se lhes arbitrace, e dizimos ao Mestrado da Ordem de Christo.
(século XVIII)
(372) HVM boom fidalgo daquella Comarca por nome Gonçalo Vasquez Coutinho era
Alcayde de Trã -co?o,& Lamego,& outros luga- res,eytando elle em Trancoso,quãdo
ElRey chegou á Guarda, pen-sou ElRey que se viesse pera elle, como fizeraõ alus
outros,& el- le demouido foy, segundo algus escreuem. (século XV)
140
(373) Não vás tu buscar lã, e saias tosquiado, pensando que vás a dar, e leves. (século
XIX)
O verbo pensar seleciona o subjuntivo quando na matriz há a presença de elemento
de negação e se refere à primeira pessoa do singular, refletindo maior opinião do enunciador.
(374) NÃO pençei que dali embarceçe para esta. (século XVIII)
(375) Eu, NUNCA pensei que um dia nós pudesse-mos ser tão amigas. (século XX)
A presença do advérbio modalizador talvez reforça o uso do subjuntivo na
encaixada.
(376) Ja pensei que se ella se-demorar talvez possaõ vir todos de Pirasicaba. (século XIX)
A Figura 9 faz supor que o percentual de uso do subjuntivo seja aleatório, já que oscila
de 100% no século XV para 0% no século seguinte, se amplia no XVIII e se mantém estável a
partir do século XIX, ora sujeito a um condicionamento, ora a outro. Não há um número
significativo de dados e, talvez, em conseqüência, um padrão uniforme de uso.
141
Figura 9. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo pensar ao longo dos
séculos
Verbo prometer
Foram registradas apenas 10 ocorrências com o verbo prometer, a partir do século
XIV, dentre as quais 60% (6 ocorrências) se encontram no subjuntivo.
(377) Eem/tom prometeo omonje que n~u/ca se partise domoesteiro ~e tempo/ desua
ujda. e como oprometeo/ assy ocomprio. ca pois uyo que/ pollas oraçóées do sancto
ho/ m~e com os olhos do seu corpo. o emijgo queo seguja em semelhã/ça de dragom
mais otermeo qu/ antes quando onom via como quer queo perseguise e oquisesse/
trager amááo estado. (século XIV)
(378) E prometeulhe que nunca/ matase christãão. (século XIV)
(379) Mas eu prometo a Deus que me va de manhaam a Sam Francisco, & que mande hi
fa-zer huma fogueira, & hi farey taes saluas, quaes nunca molher fez por estas cousas.
(século XV)
(380) Prometo que brevemente fique huma profeçora chapada. (século XVIII)
(381) eu lhe prometto, que ella nunca mais descubra o rosto. (século XVIII)
142
Em todos os casos em que o verbo prometer não seleciona o subjuntivo, a noção de
hipótese da encaixada é expressa, e, mais uma vez, usa-se o futuro do indicativo.
(382) Mais n~eh~u~u dos/ homees que no moesteiro eram/ nõ poderam tomar frade nem
sag/ral. ca asyo prometera nosso senhor/ ao santo hom~e que guardaria a/ quelles
quehi uiuem. (século XIV)
(383) Eem outra parte prometeolhe/ escondidamente que toda aque / lla m~jgua se
tornaria ~e proueito. (século XIV)
(384) ElRey auendo sobre ello acordo,prougue a elle, & atodo- los do Cõcelho,~q
quaesquer gen tes de armas, que por soldo,& em ajuda de Portugal lhes prouguesse
vir, que liuremente o Podesse fazer, jurando El Rey , & prome-tendo que não faria
menos pe-ra por em obra toda a boa ajuda, que neste feito dar podesse, do que faria
por defender seu Reyno. (século XV)
(385) eu te prometto, que brevemente cazarei comtigo. (século XVIII)
Verbo querer
Foram registradas 87 ocorrências do verbo querer, sendo quase categórica a
presença do modo subjuntivo na encaixada (92%). Os verbos da matriz, que apresentam
seleção variável do subjuntivo na encaixada, obedecem, em geral, a uma regra temporal: o
subjuntivo é selecionado quando o verbo da matriz está no passado. Quando o verbo da matriz
é querer, na 3ª pessoa verbal, essa regra não se aplica, mesmo que haja o efeito de negação
(exemplo 389).
(386) quis deus que acharom omenjno /esááo polla oraçõ do seruo de deus dõ/ martinho.
(século XIV)
(387) e quiz N. Senhor, que os Mouros foram desbaratados, e todas suas Gualés tomadas.
(século XV)
(388) Caa omildade guarda he do hom~e/ boo. que quer que os seus boos feitos se/ iam
ascondudos. e esto deu~e aquerer. (século XIV)
(389) Muito folgamos de ver as cópias do Governador do Brasil, nas quais o vejo falar
como soldado da Índia, e NÃO quisera que entrara desprezando o inimigo e suas
fortificações. (século XVII)
143
A distribuição de uso através dos séculos evidencia o uso quase categórico do
subjuntivo nas estruturas completivas.
Figura 10. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo querer ao longo dos
séculos
Verbo responder
Foram registradas 346 orações completivas com o verbo responder, 4% das quais se
encontram no modo subjuntivo. O subjuntivo é selecionado quando o verbo da matriz se
encontra, preferencialmente, no passado – pretérito perfeito ou mais que perfeito – em
seqüências que denotam comando.
(390) E sam gregorio rrespondeo quete/ maraujlhes Pedro senõ uiste/ aalma quamdo
sayo do corpo pois a/ nõ uees quamdo amda ~e elle. (século XIV)
(391) Responderam todos os prophetas a uma voz: que se fizesse a guerra. (século XVII)
(392) respondera q ue mandasse Req uer imento assinado. (século XIX)
144
A Figura 11 apresenta a freqüência variável de uso do subjuntivo a partir do século
XIV. No século XIII, foram registradas duas ocorrências, com uso categórico do subjuntivo.
Ao longo do século XIV ao XX, parece haver uma tendência de retração de uso.
Figura 11. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo responder ao longo dos
séculos
Verbo saber
Com um percentual de uso de subjuntivo de apenas 5% (17 ocorrências), o
subjuntivo é selecionado pelo verbo saber nos contextos em que, na oração matriz, há um
elemento de negação (59%), que atua enfraquecendo o traço de alta certeza epistêmica desse
verbo.
(393) Sabe que o tenhão lido, esses que o recusão jurar, | e que o entendão? | Ah, quão
faceis so- |mos não dar-mos ao trabalho de medi- | tar, e de estudar! Receba-os, e
creia, | que de o jurar-mos he que hade vir o |bem da liberdade justa. (século XIX)
(394) Os de cima, que vonta- de tinhaõ de lhe fazer mal, nem nojo, eralhe muyto graue de
fazer, a hua por ser Bispo, & mais teu Prelado, deshi, por a seguança, que lhe auião
feita, NAÕ sa-bião que fizessem, a sanha triga- ua os coraçoens, & commenconaria
145
começaraõ a bradar oulhan do todos pera cima diz~edo. Que tardada he essa, que uos
là fazeis, que naõ deitais eße tredor a fundo? (século XVI)
(395) Assi que NÃO sabia que geito tiues-se por segurança de sua vida, & hõra, &
cuidando sobre esto muy-tas, & mui desuairadas cousas, entendeo ~q a milhor, & mais
segu-ra, q por presente podia fazer, era partirse daquella Cidade, & hirse pera outro
lugar mais seguro. (século XV)
(396) NÃO sei que se possa ocultar a razão de tanto odio. (século XVIII)
Nos casos em que não há a presença de elemento de negação na oração matriz, o
subjuntivo ocorre nos contextos em que saber se encontra em uma perífrase verbal, às vezes,
expressando a noção de desejo.
(397) Estimei muito saber que fosses approvado plenamenTe (século XIX)
(398) E ora o dito Nuno Alvarez me fez saber que o mandarees prender no castelo d'esa
çidade de Lixboa por hu~ masto que se diz e~prestar , sendo almoxarife da Ribeira
d'ela, e d'iso fazer auto polo juiz dos feitos de Guinee e Indias, pelo qual ey por bem
que façaees vyr perante vos o dito juiz com ho dito auto, e o vejaees cõ elle. (século
XVI)
(399) A commissão mixta brasileira e ingleza so- | bre o trafico da escravatura faz saber,
que | quaesquer pessoas que tenhão direito a fazer | reclamações acerca do bergan[.]im
brasilerio | ... | ; compareçao por si, ou por seus procu- | radores perante a dita
commissão até o dia 27 | do corrente, citados pelo presente. (século XIX)
(400) Mas desejava saber, Se homens que tem tal bó la, achem mulheres, que pensem
(século XIX)
A Figura 12 evidencia a baixa freqüência de uso do subjuntivo, com uma curva de
variação estável, oscilando entre 0% e 7%.
146
Figura 12. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo saber ao longo dos
séculos
Verbo ver
De um total de 187 ocorrências, apenas três (2%) foram registradas no subjuntivo,
duas em que há o efeito de negação na matriz, uma em que há a projeção de
futuridade/obrigatoriedade.
(401) NÃO póde ver que um homem, seja qual | fór a sua posição social, não se curve
aos | seus olhares, prostre-se e o adores como a | um Deus. (século XIX)
(402) Neem de laa tenho sabido, NEM vejo por vosa carta, que as armadas dos Framceses
sejam taes, nem esteem ~e tal hordem, e tam a pique que, estamdo as minhas como
estã, neeste pouco de veraão que fica, que nõ parece que posa abastar pera soom~ete
deytar as naaos ao mar, por que posam fazer dano tal que se deva tãto arrecear. (século
XVI)
(403) E porq~ ho cazamento de Fran- a, que ElRey D. Sancho tinha por feyto se
desconcertou, e desespe- rou vendo que de necesidade lhe convinha concertarse com
ElRey D. Diniz, asi no cazamento de sua filha, como em lhe fazer emenda dos males,
danoss pasados, enviou ha elle por Embaxador D. Mauzi-nho Bispo de Palena. (século
XV)
147
Com o verbo ver, o percentual de uso do subjuntivo é insignificante.
Figura 13. Freqüência de uso do modo subjuntivo nas orações completivas com o verbo ver ao longo dos séculos
Considerações prévias
• Na análise diacrônica das orações completivas, verificou-se que o comportamento dos
verbos analisados não é semelhante: (i) há verbos que são variáveis em diversas sincronias;
(ii) há verbos que variam em certas sincronias, fato que parece ter relação com o gênero
textual, o modo de interação e o tema do texto. Com alguns verbos, tais como cuidar, dizer,
esperar, jurar, saber, observa-se uma curva de variação estável de uso do subjuntivo ao longo
do tempo. Verbos como mandar -- séculos XIV, XV e XVI -- e querer -- séculos XIV, XV e
XVII – que permitiam uso variável, passam a apresentar uso categórico do subjuntivo, nas
três últimas sincronias.
• No século XX, quando na matriz estão presentes os verbos dizer, responder e parecer,
registrou-se uso categórico do indicativo na encaixada. Com relação aos verbos de ‘opinião’,
148
anotou-se o seguinte comportamento nesta mesma sincronia: achar e parecer, com uso
categórico do indicativo na encaixada, ao lado de crer e pensar, com uso variável. Com os
verbos acreditar⁄crer, constata-se, inclusive, um percentual de uso do subjuntivo mais elevado
no século XX, independente da presença de elemento de natureza morfossintática e semântica
-- efeito de negação, tempo do verbo da matriz. A freqüência de uso do subjuntivo com o
verbo pensar mantém-se a mesma do século XIX (13%). Esse comportamento diversificado
do verbo pensar em relação aos predicadores que denotam opinião poderia ser explicado pela
menor vinculação sintático-semântica das cláusulas com os verbos parecer e achar, e maior
vinculação nas cláusulas com os verbos acreditar⁄crer e pensar.
149
4.2 ANÁLISE DOS DADOS DE ESCRITA: ORAÇÕES CONCESSIVAS
4.2.1 Análise diacrônica
Na análise dos dados de escrita, após a análise qualitativa de todos os conectores
concessivos (item 4.2.1), optou-se por fazer um estudo quantitativo variacionista apenas dos
conectores mais produtivos (item 4.2.2), com o objetivo de detectar contextos de uso do
subjuntivo, do século XIII ao XX. A Tabela 12 apresenta os percentuais de uso por conector.
150
Conector
1) Ainda que
Século
Oco de subj./ Total
% (subj.)
XIII
1/1
100
XIV
10/12
83
XV
14/21
67
XVI
21/26
81
XVII
87/172
51
XVIII
60/95
63
XIX
24/41
59
XX
--2) Apesar de (que)
XIX
0/15
0
XX
--3) Como quer que
XIII
02/02
100
XIV
76/80
95
XV
18/23
78
XVI
2/6
33
XIX
1/1
100
XX
--4) Embora
XVII
2/2
100
XVIII
5/5
100
XIX
9/10
90
XX
6⁄7
85
5) Mesmo que
XVII
1/1
100
XVIII
1/1
100
XIX
4/4
100
XX
1⁄ 1
100
6) Pero/ empero (que)
XIII
30/37
63
XIV
4/6
67
XV
2/3
67
XVI
9/11
82
7) Por mais que
XVII
15/18
83
XVIII
4/4
100
XIX
1/1
100
XX
--8) Por
XVII
1/1
100
XIX
1/1
100
XX
--9) Posto (que )
XV
10/10
100
XVI
29/39
74
XVII
12/36
33
XVIII
3/8
38
XIX
2/2
100
XX
--10) Se bem que
XVII
0/1
0
XIX
1/1
100
XX
0⁄1
0
11) Sem que
XVII
14/14
100
XVIII
16/16
100
XIX
13/13
100
XX
2⁄2
100
Tabela 12. Relação dos conectores concessivos através dos séculos
151
Ainda que
A conjunção ainda que, com valor semântico de concessão, decorre da junção do
advérbio ainda à conjunção que. No dicionário etimológico do espanhol (Corominas, 1991),
o ainda pode constituir variante de inde ou inda que, com valor adverbial de ‘todavia’,
‘também’. Nos dados analisados, a conjunção concessiva ainda que15 ocorre desde o século
XIII, permanecendo até hoje. O processo de gramaticalização do vocábulo ainda ocorreu,
segundo Barreto (1999, p. 310), da seguinte forma:
ainda espacial > ainda temporal > ainda inclusivo > ainda exclusivo > ainda concessivo
‘daquele lugar’ > ‘até agora’
>
também
> ao menos
> mesmo assim
‘algum dia’
‘no momento’
Nos séculos XIII, XIV e XV
Foi registrado apenas um único dado dessa conjunção no século XIII, texto de
Afonso X, antecedendo a oração principal, e o verbo da oração adverbial no subjuntivo. Nesse
exemplo, parece haver restrição hipotética, característica da maioria das construções
adverbiais.
(404) Se alguu razoar algu~a cousa en seu p(re)yto e disser que o quer prouar, se a razo~
tal for q(ue) ainda q(ue) a proue non lhe preste a el nen a seu preyto ne~ er enpeesca
ao outro (contra) q(ue~) o quer aduz(er) ne~ o alcayd(e) no~ receba tal proua; se a
receb(er) no~ ualla.(século XIII)
15
No corpo do texto, o conector ainda que está marcado em itálico e o ainda (e suas variações), em negrito.
Esse padrão se aplica aos demais conectores aqui estudados.
152
Com a intensificação do processo de gramaticalização do ainda que, anotou-se, nos
dados do século XIV, esse conector em 12 sentenças, em posição final, inicial ou interfrástica
do período, em que ocorre grafado de várias maneiras: ajnda, aymda, aynda e ainda.
Verificou-se, inclusive, que, em apenas dois dados, é usado o indicativo (no presente e
passado): um nos Diálogos de São Gregório e outro no Livro das Aves (exemplos 414 e 415):
(405) Ora pon/ ho eu as minhas palauras na/ tua boca / salte e preega / e daquel / dya
adeante ajnda queme queira / calar defalar dedeus nom posso. (século XIV)
(406) Etam ujl mente/ andaua uestido e tam desprizil/ era em sy meesmo . que seo algen /
nom conhocese. terriasse por despre / çado eno saluar. ajnda que o el pri/ meiramete
saluasse. (século XIV)
(407) Eproueito grande he dos outros / queseiam sabudos ajnda que elles no / queiram.
(século XIV)
(408) Outrosy apromisã / quelhes faz daujda perdurauel . he / falsa e nõ lha faz senom
pera fazer / rem boas obras. mais quem se / ria aquelle aymda que fosse louco / que
tal cousa ousase adizer. (século XIV)
(409) Ese rrogasem por aquelles que no / jmferno iaz~e aymda que fossem seus /
parentes nõ queriã oque deus quer. (século XIV)
(410) /E por isso lhes praz que a justiça de deus / se compra em elles .aymda que seiã /
seus padres e suas madres e seus / parentes muy chegados e por esso / nõ pod~e rrogar
adeus por elles. (século XIV)
(411) Etal uida como esta . / nõ pode aalma perder que aymda que / seia fora do corpo
sempre pode mo / uer e semtir e entender. (século XIV)
(412) Sabede q(ue) ne~u´u´s moços orffaos aynda q(ue) aiha~ p(er) q(ue) no~ deue~ a
te´e´r caualo ne~ armas ne~ façer ne~hu´u´ foro Ao Senn(or) da t(e)rra saluo en
facere~ foro co~ se(us) ueçi~os en p(ro)l do co~çelo. (século XIV)
(413) E pera sobresto fazer e dizer todalas cousas e cada hu~a delas que uerdadeiro
Lijdemo procurador pode e de/ue ffazer E que elas ffariã e deriam se per suas pessoas
presentes ffossem e o ffezessem ainda que taaes cousas seian que demãdem e aiam /
mester mãdado especiaL E pormeterõ A auer por firme e por estauiL pera todo sempre
que quer que pelo dicto seu procurador ou pelos seus Soesta/beleçudos deL for fecto e
procurado nas cousas de Suso dictas e em cada hu~a delas So obrigamento de todo los
be~es do dicto Monsteiro que pera esto obrigaron. (século XIV)
(414) Eporemde aqueste sancto home / nõ queira que esta sua molher oseruise e / aquellas
cousas aymda quelhe faziam / mester. (século XIV)
153
(415) E certa a cousa he que todo esto ha o galo de Deus per cujo entedimento am e
aquelas ainda que se nõ move se nõ per sas vertudes naturaes que ham, ca todo
conhecer e todo mover nõ pode seer sen Deus. (século XIV)
Dos 21 casos de ainda que no século XV, 33% (8 ocorrências) ocorreram na forma
indicativa, todas no presente:
(416) e resguatavam em Castel-la por muy pouquo preo, porque outro tanto se fazia de
Castelhanos cativos em Portugal, porque de huu~a parte, e da outra hos que se
cativavam asi se vendiam como servos, ainda que se acha que hos Castelhanos nesta
qualidade de crueza uzava contra hos Portu-guezes em mais estremo, e cme-nor
piedade, porque ha todos se diz que hos punham em barreyras, e nellas muy cruamente
hos mata-vam aas setadas. (século XV)
(417) e quanta guerra, e males tem feytos à nossa Cidade de Coimbra, e ha to-do meu
Reyno por muito tempo, pelo qual detreminey de ha vir com vos-quo esqualar , e
tomar, como em Deos espero , e ainda que parece necessario chamar mais gente para
esso , e seja certo que me viera de muy boa vo-tade , porèm nom quiz , nem escolhi
mais que vòs soeis , em que sempre puz , e ponho meus concelhos , e fadi-guas.
(século XV)
(418) antes 'q estes Mouros daqui vaõ , e vòs sede certos, que hos que eu leyxey no Castello saõ taes , que se defenderaõ bem, ainda que creo , que hos Mouros de hos ter em
pouquo , nom cessaraõ do combate atée que ha noyte hos des-parta , e esso he o que eu
mais desejo. (século XV)
(419) Nos sob hua breuidade do curto estylo, entendemos de se- guir seus excellentes
autos, os quaes, ainda que a algus não apraza outros, com aguilho~es da prouei tosa
enueja podem espertar a fa- zer semelhantes. (século XV)
(420) em espe-cial esta Villa , em que ha miudo està que ha meu entender, outra mais
gente da que esta dentro, se nella po-desse caber teria abastança para muitos annos de
cerquo , pois estando vós tempo sobre ella , ainda que escu- ] zado tendes meu
conselho , poderia trazer trovaçaõ , ha vosso estado assi dos de vosso Reyno , como
dos Mou-ros que tam vizinhos, e fronteyros tendes. (século XV)
A observação dos exemplos do século XV nos permite supor que o indicativo
ocorre: (i) quando há, na cláusula adverbial, o uso de verbos modalizadores “achar”,
“parecer” e “crer”; (ii) em cláusulas que expressam um conteúdo elaborado a partir do
conhecimento de mundo do enunciador, independente da posição em que a oração ocorre.
154
Nessas proposições, o enunciador compromete-se com a veracidade da informação, não
estando presente o traço de futuridade.
No século XVI
No séc. XVI, o uso do conector ainda que se amplia: 26 ocorrências, dentre as quais
19% se encontram no indicativo, no tempo presente ou passado.
(421) Nem ao menos me tenha em tam pouco e em tam pouca estima, que aja por mall
empregado em mim dar credito ao que lhe digo e escrepvo para bem de seu serviço e
responder me para que eu saiba sua emtemsam e perqure das cousas irem como an dir
porque ainda que este prove e gastado da fazenda nhuma inveja tenho aos mais ricos
nem a suas riquesas. (século XVI)
(422) E por agora ser tam cedo como he, e o tempo, Deus seja llouvado, estar tam
asentado, vos e~come~do muyto que trabalheis por yrem todas quatro como estava
ordenado; porque, ainda que por yso se detem-se detemsem allgu~us tres ou quatro
dias mais, Receberey prazer que vam todas quatros. (século XVI)
(423) e algu~us d'elles aimda Reçeberão este dano vymdo de guerra dos imfiyees, que,
como lhe ja esprevy por outra carta, era causa que ainda que forão inimiguos
apregoados, lhe devera muy bem de abastar por salvo conduto. (século XVI)
(424) E por tanto tardar, que cuidey que nã podese seer, porque vossa carta foy feita a
oito dias de Junho, e oge sam sete de Julho, me pareceo que vos devia Responder a
vosas cartas e nom esperar mais, ainda que me pareçe que este coreo deve topar voso
Recado no caminho e muy perto d'aquy. (século XVI)
(425) Vy os apontam~etos que vos deu Allvaro Penteado, capitão, e ainda que pareçe
cousa de pouca autoridade e sostançia, se, sem vos pejar tempo, poderdes saber o que
diz nos apontamentos, como se fara cõ quelquer promesa de merce que vos bem
pareçer, aproveytando sua emvençam, Receberey cõ iso prazer. (século XVI)
Nos exemplos do século XVI, o uso do indicativo se dá (i) em contextos em que há
o uso do verbo modalizador “parecer”, que denota opinião do enunciador, como nos exemplos
(424) e (425); (ii) em contexto com verbo no passado, em que se descreve um fato real
(exemplo 423); ou (iii) em contextos com verbo no presente em uma situação hipotética,
como nos casos (421) e (422). A apresentação de uma determinada hipótese, nas cláusulas
155
adverbiais concessivas, não requer, especificamente, o uso do subjuntivo, à semelhança do
comportamento observado nas cláusulas substantivas, explicitado na seção anterior (item 4.1).
Nos séculos XVII e XVIII
A distribuição dos modos verbais foi bastante equilibrada nas orações introduzidas
pela conjunção ainda que no século XVII: do total de 172 orações, 51% (87 oco) se
encontram no subjuntivo e 49% (85 oco), no indicativo, sendo, inclusive, o conector mais
utilizado nesse século.
No século XVIII, por sua vez, anotou-se um total de 95 ocorrências do item
conjuncional ainda que, sendo mais uma vez o conectivo mais recorrente, tanto com formas
do indicativo (35 oco/37%) quanto do subjuntivo (60 oco/63%).
O uso do indicativo, com o conector ainda que, encontra-se, nesses dois séculos,
atrelado a restrições de natureza semântica, morfossintática e estrutural:
(i) Quando o conector aparece atrelado à estrutura predicativa “ser/estar certo”.
(426) Comtudo, esta mesma sentença, ainda que universalmente não é certa no juiso dos
homens para com os homens, por dictame natural da razão, e por providencia
particular de Deus, muitas vezes se verifica n'elles : [: Nolite judicare, et non
judicabimini: nolite condemnare, et non condemnabimini. (século XVII)
(427) e percebeu mal a ele, testemunha, pois que ele lhe não disse que o tinha ouvido ao
mesmo Capitão, ainda que também é certo que lhe não disse a quem o tinha ouvido.
(século XVIII)
(428) E nesta última parte discordou o careante do careado, dizendo que a dita novidade
se contara com as outras que declarou em seu juramento para prova do fanatismo do
príncipe nosso senhor; ainda que não está certo se os circunstantes e assistentes à dita
conversação fizeram alguma reflexão sobre o referido fato,(...). (século XVIII)
(429) Ao que respondeu o careado que era falso o dizer o careante que ele, careado
antepunha ao governo monárquico, ainda que era certo que algumas vezes e em
alguns dias santos se achara ele, careado, no cais, aonde se discorria, entre outras
matérias sobre este assunto. (século XVIII)
156
Nos exemplos listados, não há a noção de hipótese, própria dos contextos em que o
subjuntivo ocorre, já que a oração introduzida pelo conector ainda que -- que denota uma
contra-expectativa -- descreve um evento/estado real, trazendo uma opinião do próprio
enunciador. O conteúdo expresso, nessa oração, intensifica a restrição e funciona como
argumento de “autoridade”, de “reforço”.
(ii) Quando o conector apresenta conteúdo que atesta um fato baseado no conhecimento
de mundo do enunciador e o verbo está no presente do indicativo.
(430) E d'aqui infiro eu, que o mesmo succederia se não fôsse rio, senão lago ou tanque
aquelle em que o homem entrasse; porque ainda que a agua do lago e do tanque não
corre, nem se muda, corre porém, e sempre se está mudando o homem, que nunca
permanece no mesmo estado. (século XVII)
(431) Com esta vai cópia do papel que me pediu Mr. de Estrade, e lho remeto traduzido
em francês, e ainda que nêle considero só os interêsses de França, os nossos são tão
grandes que, ainda sem a liga, me parece nos conviria muito êste concêrto, e bastavam,
quando não houvesse outros, os três seguintes. (século XVII)
(432) Mas tambem posso assegurar a V. M. que ainda que estou acusado e serei
condenado por mil castas de delitos, nenhum deles toca em esquecimento de minhas
obrigações; antes podia ser que os maiores fôssem o ser eu muito lembrado delas.
(século XVII)
(433) Por ser o seo terreno mais baixo he mais sujeito a inundaçõens, e tambem por
areentos menos fecundo para Canas, e alguns generos; ainda que a mandioca arros
legumes, e fumos produzem bem. (século XVIII)
(434) responde que nenhuma dessas passages farão jamais prova de que o coração do
autor das ditas cartas seja corrompido, nem mesmo que haja corrupção da sua honra e
fidelidade porque ele, respondente, o conhece muito bem e sabe que é sujeito de muita
honra e probidade, e ainda que ele escreve a ele, respondente, em semelhantes
termos, não é de que ele, respondente, seja de iguais ou semelhantes sentimentos.
(século XVIII)
157
No exemplo (430), observa-se que o conteúdo proposto pela oração concessiva não é
passível de contestação, uma vez que se trata da propriedade do “lago” e do “tanque” ter água
parada e não corrente. Nesse caso, a oração adverbial concessiva é usada como elemento que
serve de contraponto à oração subseqüente. Os exemplos de (431) a (434), por outro lado,
expressam um evento real situado no tempo presente.
(iii) Quando o conector apresenta um fato real ou baseado no conhecimento de mundo
do enunciador, e o verbo está no passado - tanto em formas simples quanto em
perífrases verbais.
(435) Neste último rei se atenuou a descendência, porque, ainda que não quebrou de
todo, ficou por um fio, e fio tão delgado e atenuado como era a única casa de
Bragança, descendente do infante Dom Duarte, irmão menor de Dom Henrique.
(século XVII)
(436) a que ele, acareado, lhe dissera que estava pronto para o acompanhar, mas que não
estava certo se os outros assistentes disseram o mesmo, nem se o dito Manoel Inácio
falara nos evangelistas que o acareante relata; porém, que tem toda certeza de que se
não falara em república de bichos, ainda que se disputou se havia fazer guerra aos
mesmos bichos e viver com eles ou separado deles. (século XVIII)
(437) Na quarta parte, o que diz dos Dialectos etc. , pode passar, ainda que tudo aquilo
se dizia em duas palavras. O que diz do modo de reger a língua portuguesa é uma
grande superfluidade e pedanteria, visto que não há Mestre tão tolo, que não saiba
como há-de reger uma carta portuguesa. (século XVIII)
Nos exemplos, os verbos da oração subordinada adverbial concessiva ocorrem na
forma de passado e trazem um fato real, que funciona como argumento de autoridade ao que
se pretende defender. O uso do indicativo parece atuar no sentido de cancelar qualquer
pressuposto inferido, sobretudo porque veicula uma informação tida como verdadeira.
158
(iv) Quando o conector está relacionado a uma oração com verbo modalizador, no
tempo presente ou futuro.
(438) Porém todas estas coisas, verdadeiramente grandes e espantosas e nunca vistas,
ainda que na primeira apprehensão parecem muito para temer, bem consideradas em
si mesmas, e em seus effeitos e fins, antes são muito para socegar, e aquietar os
animos , que para os intimidar ou perturbar. (século XVII)
(439) Os maiores poderes, aqui como em toda a parte, são as apreensões do temor e do
interêsse; para as segundas falta o cabedal, e para as primeiras, ainda que poderá
obrar muito a indústria, tudo quanto com ela se começa a obrar se desfaz com as
resoluções dos nossos Conselhos, as quais são tão públicas que não há banqueiro em
Lisboa que as não escreva a Roma, com que se riem dos nossos medos, e tudo quanto
se tem intentado é para acrescentar mais o descrédito. (século XVII)
(440) Acho também citado um certo D. Pedro, Cônego Regular, e um Fr. Heitor Pinto,
Jeronimiano, ambos portugueses, por homens mui versados na língua Hebraica, ainda
que eu não posso formar juízo das tais obras, porque as não vi. (século XVIII)
(441) Porém muito bem se usa entre proposições que signifiquem o mesmo, a que
podemos chamar sinónimas, v. g. Cezar subjogou todo o imperio Romano, e com a
serie das-suas vitorias conseguio, que os Governadores, o-recohecesem soberano.
Ainda que, entre estas, sendo longas, pode-se escrever ponto e vírgula, ou dois
pontos. (século XVIII)
(442) Este tem uma voz, a que, ainda que impròpriamente, podemos chamar Presente e
Imperfeito, que é Amare, a qual tem todas as significações do Presente e Imperfeito
primeiros. (século XVIII)
Nesses exemplos, o verbo “parecer” e a expressão verbal “poder+Vinf” já traduzem
certa modalização do discurso, em uma construção hipotética, o que pode justificar o uso do
indicativo. Além disso, no exemplo (439), a presença de verbo na forma de futuro do
presente também pode ter sido um elemento inibidor do uso do subjuntivo.
(v) Quando o conector está relacionado a construções predicativas (verbo
ser⁄estar+adjetivo).
(443) Por lá há-de passar Mr. de la Tulherie, que parte um dia dêstes e não deixará de
lhes persuadir a constância, ainda que não está seguro de todo que continue; fala-se
159
em que França lhe concederá grandes partidos sôbre os comércios de seus portos, mas
preguntados os ministros Franceses dizem um não que parece sim, e cuido que é uma
cousa e outra para darem algum ciúme a Holanda. (século XVII)
(444) Espero que com a mudança melhore; Ainda que para a gente de bem não é boa
mèzinha o mudar-se; mas é do costume, para as mudanças do tempo. Não se espante
V. M. de que viva de artifícios um pobre casado com mulher matrona, que governa
toda a casa, até o marido. (século XVII)
(445) Na noite de sábado tinha chegado de Amsterdam Mr. de la Tulherie, e logo no
domingo veio ver o senhor Embaixador; e ainda que estão tão amigos que não
guardam correspondências nas visitas, a de ontem tocava mais ao senhor Embaixador,
e assim nos pareceu misteriosa. (século XVII)
(446) Jacinta. Nada gosto desses ditos, ainda que elle he rabugento; nós devemos
rezignadas attender aos seus preceitos. (século XVIII)
(447) Ramiro. Deme dahi hum fular para dar a este menino, Que inda que elle he
pequenino Bem o póde codiar. (século XVIII)
(448) Past. Pois meu filho sendo estudante, e eu com a minha pobreza, e agencia não lhe
faltar com o que lhe era necessario, havia vir servir pessoa alguma, e muito menos de
moço de cavalharisse? Senhor Doutor, ainda que eu sou hum estalajadeiro, e
calosseiro, tambem temos o nosso briosinho, tanto que elle traz comsigo hum rapaz
meu sobrinho chamado Manoel, que o serve. (século XVIII)
Nesse tipo de construção com (a)inda que, seguida de predicativo, valida-se um
evento que é observável, e o indicativo é selecionado. Os exemplos (446) a (448) são de peças
teatrais portuguesas do século XVIII, cujas falas podem tentar reproduzir, de certa forma,
traços da oralidade da época. O uso dos modos verbais nas estruturas predicativas parece
evidenciar, de fato, a fase final da gramaticalização do conector ainda que.
Há contextos, contudo, em que o verbo está elíptico, o que, de certa forma, pode
estar associado à total gramaticalização do conector ainda que como conector concessivo.
Nos dados do século XVII e XVIII, o item conjuncional ainda que pode vir acompanhado de
diversos sintagmas:
160
a) de base adjetival.
(449) A qualquer das palavras que V. S. pôs neste papel, que recebi ontem, é pouca ~ua
vida; porque ~ua me ~ua alma. Asseguro a V. S. que ainda que pobre e desprezada a
terra, em que semea seus favores, não é nem será estéril de um perpétuo
reconhecimento. (século XVII)
(450) E enquanto este sol, que será muito formoso e alegre, não aparece nem coroa os
nossos montes, o que só agora podemos e devemos fazer é levar a candeia das
profecias diante, e com a sua luz (ainda que luz pequena) entraremos no lugar
caliginoso e escuríssimo dos futuros, e veremos o que neles se passa. (século XVII)
Em geral, esse tipo de estrutura, com verbo elíptico, ocorre em posição interfrástica
e traz um conteúdo adicional, uma espécie de “adendo”, cuja função é qualificar o conteúdo
expresso na oração matriz, ou seja, o enunciador suspende o assunto tratado para tecer algum
tipo de comentário de cunho subjetivo. Isso pode ser confirmado pelo uso dos parênteses,
como no exemplo (450). Note-se que, nessas proposições, o evento veiculado na oração
concessiva, pelo seu caráter avaliativo, prescinde, inclusive, do uso de qualquer item verbal.
Na maioria dos exemplos, há co-referencialidade entre os sujeitos das cláusulas matriz e
subordinada.
b) de base preposicional, com função adverbial (lugar).
(451) Há quarenta dias que chove, cousa não vista nestes países, com que se
prognosticam grandes fomes e enfermidades, as quais já começamos a padecer nesta
casa, onde não há quem não gema. O Padre Pontilier fica de cama, e eu ainda que em
pé mais doente que ele. (século XVII)
(452) Eu, ainda que de longe, vejo daqui, apesar dos anos e das distâncias; vejo e
distingo. Sei que, sôbre dever a V. M. um grande ânimo de honrar minhas cousas, não
é pouco o que tambem devo a todos esses senhores. (século XVII)
161
c) de base preposicional, indicando posse.
(453) Porque as Conquistas (que era o primeiro reparo), membros tão remotos e tão
vastos deste corpo político de Portugal, ainda que do Reino, como de coração,
recebem os espíritos de que se animam, é tanta e tão abundante a cópia de alimentos,
que elas mesmas com suas riquezas lhe subministram, que não só têm suficiente
matéria para formar os espíritos que com os membros mais distantes reparte, mas lhe
sobeja com que se sustentar a si e a todo o corpo. (século XVII)
Nos itens (b) e (c), as proposições, com o conector ainda que, também dispensam o
uso de um item verbal, conforme já explicitado em (a).
(vi) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo haver, em uma construção
modal, denotando futuridade e⁄ou obrigatoriedade.
(454) Diz o Senhor, que o dia do Juiso ha-de vir, e que já é; porque ainda que o dia do
Juiso ha-de ser depois, e muito depois; o dia da morte é já agora:e o que se ha-de
cumprir em todos no dia do Juiso , cumpre-se em cada um no dia da morte: [: Singulis
in die mortis completur. ] [: Notae o Completur. ]. (século XVII)
(455) Posso afirmar com testemunhas se tive já maior pensamento, ainda que grande
havia de ser, medido pela minha obrigação. (século XVII)
As proposições, com o conector ainda que, combinadas com construção modal
(HAVER de + Vinf), expressam, também, a hipótese de um determinado evento ocorrer,
selecionando o indicativo. Essas construções modais, quando são marcadas com o verbo no
indicativo, enfraquecem o traço de obrigatoriedade (cf. item 4.1.1)
(vii) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo haver, no sentido existencial ou
de posse, no presente ou passado.
(456) A capacidade que ~ua língua tem pera ser apta a todos os três géneros de causas
segundo os Retóricos, se mostra pelos escritos dos Autores que nela se vê compostos
162
assi em prosa, como em verso, em todos três estilos, Humilde, Meão, e Grave, como
consta de Quintiliano, e dos mais que tratam desta matéria; e ainda que na nossa
língua não há muitas impressões, pela pouca aplicação que os Portugueses têm a
estampar suas obras: com tudo não faltam Autores, em que se vejam estes exemplos, e
alguns deles tais que com a perfeição de seus escritos, suprem bem a falta do mor
número deles. (século XVII)
(457) Porém ainda que não houvera as autoridades de tão doutos varões, bastantemente
ficava o nosso Poeta desculpado com ser este o uso comum de todos os Poetas, como
diz o mesmo Túlio, Tusculanarum quaest. lib. V: Adhuc neminem gnovi poetam, qui
sibi non optius videretur. E ad Atticum epist. XXII: Nemo umquam, neque poeta,
neque orator fuit, qui quemquam, meliorem quam se arbitraretur. (século XVII)
(458) No ano de 1552 imprimiu João de Barros a sua primeira Década da Ásia, e foi
também recebida de todos geralmente, que ainda que havia Cronista no Reino, el-Rei
Dom João lhe encomendou logo a Crónica de el-Rei Dom Manuel seu pai, entendendo
da perfeição, e gravidade de estilo com que escrevera esta Década. (século XVII)
Nessas proposições, identifica-se um forte compromisso do enunciador com a
informação proposicional, selecionando-se o indicativo na cláusula adverbial concessiva.
(viii) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo haver, como sinônimo de fazer
esvaziado semanticamente (idéia de tempo presente).
(459) Mas como lhe hia dizendo não era má a tal vida, e lembrando-me de a conservar
deixei esta, e me accommodei por moço de hum forno; porèm com pouca fortuna,
porque ainda que alli ha muito calor eu sempre andava de algibeira muito fria.
(século XVIII)
(ix) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo haver, no sentido de tempo
decorrido (limite temporal que iniciou no passado e permanece no presente).
(460) O que vos eu afirmarei é que, ainda que há muito tempo que não exercito esta
arte, nem quero bem nem à camisa que trago no corpo, que todavia me não esqueço
dela, sem necessitar dos nominativos da de Ovídio; porque, quando nisso me ponho,
sei amar de ~ua arte nova. (século XVII)
163
(x) Quando o conector se encontra vinculado a outro verbo que denota tempo decorrido.
(461) De maneira que ao ar sobre peccar chama S. Paulo enthesourar: [: thesaurizas tibi; ]
porque ainda que a vida e os dias em que peccamos passam, os peccados que n'elles
commettemos, não passam, mas ficam depositados nos thesouros da ira divina. (século
XVII)
A categoria tempo, observada nos itens (viii), (ix) e (x), limita um evento definido
no passado ou no presente, que não se projeta no futuro, o que poderia explicar o uso do
indicativo. Em (461), a informação veiculada pela oração concessiva é uma verdade
irrefutável.
(xi) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo ter, em perífrases verbais
(exemplo 462), lexias complexas (exemplos 463 e 464) ou indicando posse (exemplo 465).
(462) Ao Padre Provincial de Bordéos tinha vindo ordem apertada que o dito Padre
ficasse na sua Província, e, ainda que a ordem se tem notificado, êle diz que o fará,
mas indo a Portugal primeiro. (século XVII)
(463) Guarda o decoro, acerta os nomes; e ainda que na ortografia e letra tem
imperfeição, peca no menos importante. Tenho a êste pelo mais claro, mais decoroso
e melhor seguido soneto; e lhe sinalo o prémio dos epigramas vulgares. (século XVII)
(464) e eu entendo, e assim lho disse, que ainda que o senhor Embaixador tivera ordem
expressa de S. M. para se ir, nesta ocasião estava obrigado a esperar, quando menos
até a resolução da junta geral que há-de haver neste mês, não só pelas vantagens com
que se concluirá o negócio, sendo encaminhado e capitulado por quem o criou e tem
todo o conhecimento dêle, e das pessoas com quem se trata, às quais pode obrigar e
reconvir pelo que lhe tem dito ou prometido, o que não pode adivinhar quem vier de
novo. (século XVII)
(465) Nestes Diálogos se introduz ordinariamente falando com seu filho António de
Barros, ainda que tinha outro filho mais velho, o que parece fez, ou por o bom
sujeito que neste achava, ou por aquela sua idade ser então mais própria de aprender, e
por isso lhe dedicou alguns tratados morais, como também fizeram outros grandes
Filósofos a seus filhos, particularmente Aristóteles, de quem lemos as Éticas que
compôs ao seu Nicómano, e Túlio o livro dos ofícios a seu filho Marco, com que os
deixaram mais lembrados nas memórias dos homens do que o puderam fazer com
rendosas, e magníficas heranças. (século XVII)
164
Em todos os casos, as proposições com ainda que também traduzem um evento
situado no tempo presente ou passado e que é do conhecimento do enunciador.
(xii) Quando o conector se encontra vinculado a outros verbos (semi-auxiliares) em
estruturas perifrásticas.
(466) o segundo não é tyranno, ainda que manda matar christãos, porque elle não é
Nero, faz figura de Nero. (século XVII)
(467) A minha detença aqui será até a conclusão dêstes negócios, que cada dia parece que
está mais perto, ainda que não acaba de chegar. (século XVII)
Nos exemplos (466) e (467), o enunciador assegura uma informação que se confirma
no contexto da própria cláusula matriz.
(xiii) Quando o conector se encontra vinculado ao verbo ter seguido de mais.
(468) Monsieur perdoe-me, nem todos os Sabios do mundo tem viajado, e com effeito os
tem havido; e como disse no primeiro periodo, são as Escólas a primeira porta por
onde se entra para as Sciencias, e começando a Grammatica das linguas, que he o
primeiro degráo das letras, com cujo beneficio, ellas se conservão, e se perpetúa a
memoria das cousas. ainda que, como escreve Quinctiliano, tem mais de trabalho,
que de ostentação. (século XVIII)
Nesse caso, há, ainda, uma ruptura na estrutura sintagmática, provocada pela
presença do sintagma “como escreve Quinctiliano”.
(xiv) Quando o conector aparece atrelado a construções com verbo suporte.
(469) Os Sanhaçús, são de duas especieis, porem em pouco devercificação: tãobem são
estimaveis pela beleza de seo canto, ainda que poucos dão gosto na gaiola. (século
XVIII)
165
Nesse exemplo, a lexia “dar gosto” que hoje seria classificada como de verbo
suporte, quase lexicalizada, apresenta, em geral, segundo Portela (2009), um caráter de maior
informalidade, de caráter avaliativo, o que talvez tenha influenciado a presença do indicativo.
(xv) Quando há elementos intervenientes (sintagmas simples e oracionais) entre o
conector ainda que e o verbo com o qual se combina.
(470) E ainda que estes sucessos do Brasil e o de Nápoles são bastantes a causar
qualquer mudança, ainda em gente mais constante que os holandeses, não temos
perdido a confiança de se poder obrar alguma cousa: ao menos com esta paz de
Castela, que já está ratificada em Munster, teremos cedo o último desengano, pois era
o prazo que os confidentes tinham dado. (século XVII)
(471) Ainda que o Príncipe Dom João (a quem ele comunicou seu intento) o favoreceu
tanto, que ele mesmo lhe ia revendo, e emendando os cadernos que compunha: este
favor lhe fez publicar logo o livro: e estando el-Rei Dom Manuel na Cidade de Évora,
no ano de mil e quinhentos e vinte, lho apresentou dizendo-lhe que a intenção com que
o fizera fora pera se empregar na história de Portugal, e principalmente na conquista
de Oriente, por ser cousa mais sua. (século XVII)
(472) Onde, não condeno quem escreve Homero, Herodo to, Herodes etc. , ainda que
estes três, e outros semelhantes que estão já muito em uso, podem mui bem escreverse sem h, o que até os nossos Itália nos já fazem. (século XVIII)
(473) Isto, porém, não só no Português, mas ainda no Latim, é necessário; pois, ainda
que antigamente (que os Romanos escreviam com letras maiúsculas) todos os vv
tinham a mesma figura, hoje que, com muita razão, se introduziu esta necessidade,
devemos, no carácter pequeno, distinguir na figura estas duas letras, assim como as
distinguimos na pronúncia. (século XVIII)
(474) Com este exemplo, pouco mais de um século antes de Cristo se abriram escolas
latinas em Roma, as quais, ainda que com alguma contrariedade, felizmente e com
grande concurso se continuaram. (século XVIII)
No exemplo (470), observa-se presença de um sujeito de maior extensão; já dos
exemplos (471) a (474), há a intercalação de uma oração entre o conector ainda que e o verbo
166
da oração subordinada. Em (474), a presença de diversos sintagmas adverbiais promovem
uma ruptura na estrutura sintagmática.
No século XIX
Nos dados do século XIX, só se registraram duas ocorrências de uso do indicativo
com a conjunção ainda que. Nesses casos, o indicativo ocorre nos contextos em que há
restrição de natureza semântica.
(i) Quando o conector introduz um fato baseado no conhecimento de mundo do
enunciador e o verbo está no presente ou no passado indicativo.
(475) Se me não entende o Leigo, ou | Jumento, que o mesmo he o que no- | ta, como o
que escreve; bem se vê | que isto he discorrer burricalmente | sem logica; pois de não
entender não | se segue; que que ninguem intenda, por- | que isso era querer regular a
inteli- | gencia dos mais: quando o não en- | tender pode provir da curta esfera do
Leitor: Diz que tenho boas inten- | ções. Não quero ser descortes, agra- | deço o elogio
ainda que vem da mo- | derna boca da Burra da Ballaam. (século XIX)
(476) Bons dias, Ill.mo e Ex.mo Sr. Aureliano! | V. Ex. taobem he jurista, segundo
mostrou | tao claramente em seu celebre parecer, quan | do com o seu conspicuo
argumento, de[du] | zido da ordenação do L. 1º tit. 5º § 16, | que não pode ter voga em
tempo constitu- |cional, julgou legal com o seu immortal co- lega o sapientissimo
Correa Pacheco (que na[o] | he Chimango) as apposentadorias dos Srs. |
sembargadores, feitos pelos ex-Ministro per- | doado Honorio: examine V. Ex. por tan| to bem a questão, e ainda que revalizou em | seu parecer, com a deducção do Sr.
Trigo, | esperamos (como estamos em tempos de ap- | posentadorias), que apposente
taobem ao Sr. | Trigo, porque na ordenação L. etc. etc. tam- | bem achará o remedio a
applicar ao paciente | Lente que se acha attacado da cólera mer- | bus, para que o velho
mundo não acuze a V. | Ex., que no tempo do seu famozo ministe- | rio, conservou a
ignorancia, estupidez e so- | bre tudo a incivilidade (consequecia da bes-| tialidade) em
hum lugar, que só deve ser | ocupado pela Sabedoria. | (século XIX)
Há, ainda, um dado com verbo elíptico, em que o sintagma preposicional “contra a
sua vontade e esforços”, atrelado ao conector, desenvolve a idéia de concessão.
(477) Foi a este prestimoso cidadão, que o | partido liberal agradeceu os seus serviços, |
excluindo-o da chapa eleitoral, onde só | foi readmitido depois de estarem bem |
certificados que ainda que contra a sua | vontade e esforços, o sr. dor. José Mari- |
167
anno, havia de sentar-se n’uma das ca- |deiras do parlamento, onda a sua falta | estava
sendo sentida. (século XIX)
Como se viu, o ainda que foi adquirindo cada vez mais a restrição concessiva, e
passou a ser usado, com maior freqüência, associado ao modo subjuntivo.
Apesar de (que)
A conjunção apesar de é constituída da aglutinação da preposição a associada ao
substantivo pesar, acompanhada da preposição de, formando a locução prepositiva apesar
de, de valor concessivo. Esse conector só foi documentado no século XIX, sendo registradas
15 ocorrências, no indicativo ou infinitivo. O valor de concessão está mais nítido quando (i) o
elemento subseqüente é um verbo, (ii) está seguido da conjunção que ou (iii) quando o
conector está combinado ao demonstrativo “isto/isso”, referindo-se a um trecho anterior
(exemplos 478 a 488).
(478) Não he sem razão, q ue euvou importunar a V ossa S enhoria p or q ue oMin istro
fallando-lhe, obstou dizendo, q ue S ua Mage stade não concedia espectativas etr. a
enão se mostrou m uito favorável. Apezar doque, eu lhefiz ver as razoens emq ue
estava demerecer esta graça, q ue [[tinha]] lugar, enão era contraria adisciplina
cannonica ávista do conssentim ento epostulação doV ig ár io Coll ado e Postulação
do meu Bispo áS ua Mage stade eq ue havião m uitos exemplos de [ i]guaes mercês.
(século XIX)
(479) De seu bello discurso que teve por the- | ma – a caridade e o seculo – darei um
artigo avulso um | extracto, que espero ha de interessar os leitores do | Correio
Paulistano; apezar de que será um extracto | pallido e deficiente, baseado unicamente
na minha me- | moria que é memoriade velho. (século XIX)
(480) conheci en- | tão, Sr. Redactor, que estava prezo, e para recrutamento; e apezar de
estar já deso- | rientado pelo insulto que acabava de soffrer, |lhe repliquei que eu não
podia ser recru- | tado, que era bem conhecido, e por elle | mesmo acabara de sel-o, e
demais disso que | era militar (no que me devia acreditar ape- |zar de estar com a
minha jaqueta); mas | de nada quis saber o mencionado sargento. (século XIX)
(481) Eu não divulguei, e nem ainda agora divulgarei esse facto, salvo em caso de
necessidade grave, como acima disse; o que acontecerá: 1 o Se o Oppositor, apezar de
ter perfeita consci=encia do que praticou no seo exame, ainda assim recorrer do meo
168
juizo ou do juizo dos Examinadores pelos meios legaes e para o tribunal competente.
(século XIX)
(482) Tive muito gosto em receber tua cartinha, ape-zar de ainda precisares do auxilio de
Thio Júlio para escrevel-a. (século XIX)
(483) Tenho passeado a cavallo, todas as vês es que tenho com-panheiro e lembro-me
sempre de vocês. Julio com-prou aqui um grande cavallo, de meio sangue, cha-mado
Petropolis, e taõ fogoso apesar de estar ma-gro, que eu naõ me animo a montal-o.
(século XIX)
(484) Cheguei agora mesmo do banho de mar evim escrever esta para seu avô quando for
para o Senado levar. Agora vou passando melhor, apesar de de estar com os olhos
um pouco a-canhados. (século XIX)
(485) tem mais dedicação e amisade | a ti e aos teos de que eu, não | creio e francamente te
digo, amigo | como eu nunca mais terás, | e o tempo se encarregará de demons-| tral-o,
de preferencia eu merecia | de ti muitas e muitas lembranças se não | te escrevi foi por
falta de meios, não | sabia como remeeter as cartas, não | me era possivel, andei
resfriado | e desde Dezembro que estive preso na | Policia, até fins de Março, não | sahi
de casa, tendo sahido alguns |dias escondido, sem nunca passar do | Frontão, agora e
que vou sahindo | mais francamente, apesar do estado | de cousa não ter melhorado,
pois tudo | está no mesmo, as mesmas prisões | a mesma, sempre o | temor, as mesmas
dificuldades | de dinheiro, apesar de tudo, enfim | não me descuidei um estante do |
que me recomendastes e das poucas | cousas tuas a meo cargo. (século XIX)
(486) V. Ex. deve lembrar-se que estamos ao facto | do pagamento de uma avultada
quantia de tomada | de gados que V. Ex. ordenou o competente paga- | mento, e o
comissario oppoz-se a isso pelos do- |cumentos serem falsos, e que apesar disso forão
| pagos, e para qual se podesse effectuar esse paga- | mento foi mister desligar-se do
commissario o Sr. | Antonio Candido Gomes da Silva. (século XIX)
(487) O Vasc oncelos está diabo, como sempre foi, n’huma destas ultimas Sessões atirou
forte no Nascim ento e sem razão, ao mesmo tempo q ue se finge seo am igo; apezar
disto não podemos contar com elle p or m uito tempo no Ministerio; embora
ninguem o queira aceitar apasta sem sa-ber q ual o Regente. (século XIX)
(488) Asseverão nos que o Costa Carvalho vem; apezar disto não sabemos q se elles
quere-rão nomear outro em lugar do Braulio, cazo morra. (século XIX)
Como quer que
A conjunção como quer que resulta da associação da conjunção como com o verbo
querer na 3a pessoa do singular do indicativo presente, acompanhada da conjunção que.
169
Nos dois dados anotados do século XIII, a conjunção como quer que ocorre em
posição inicial (489) ou final do período (490). Em (490), essa conjunção, ainda em processo
de gramaticalização, parece denotar um valor modal e não concessivo. Nesse caso, a
conjunção como mantém a sua nuance original e a construção quer que figura como um
elemento de indeterminação, equivalente à expressão “da maneira como”:
(489) Ca como quer q(ue) cob(er)tas seyã d’aga, seu dono podeas uender e dar, alhear e
fazer dellas assy como ante q(ue) foss~e cob(er)tas d’auga.(século XIII)
(490) Mays se por a eyg(re)ya no~ foy uendudo ne~ baratado ou por p(ro)ueyto da
eyg(re)ya (con)p(ri)r todo quanto for |e| no~ seya teuda a ygreya d(e) pagar nenhuu
p(re)ço, mays paguesse muy be~ de ssa boa daquel que llo alleou e no~ do da eygreya.
E se no~ ouu(er) nada, a [ey]g(re)ia receba todo o seu como quer q(ue) seya achado.
(século XIII)
Nos dados do século XIV, especificamente nos Diálogos de São Gregório, o item
conjuncional como quer que vem a ser o conectivo concessivo mais recorrente, perfazendo
um total de 80 dados, dos quais 5% (4 ocorrências) estão no modo indicativo, apresentando
nuance hipotética, no tempo presente ou passado.
(491) Respondeo sam gregorio. Nom ouuj que a / queste fosse descipollo de n~ehu~u. /
como quer que aquelles que ordinadamete./ e ordenada uida fazem nom que / iram
seer meestres. (século XIV)
(492) Daqueste liberti/ no. Como quer que que os homeens com/ tem mujtas uirtudes.
Pero co/ tarte hey eu pedro / huus poucos demilagres. que ouuy dizer ado / Lourenco
home religioso.. / que ainda uiuo he. (século XIV)
(493) Econheçido no marteiro / escondido como quer que nõ aia persegui / çom aadefora
e como quer queo home / nõ rrecebera mal ~e seu corpo .empero / se auoontade esta
aparelhada pera / rreçeber morte pollo seu saluador. (século XIV)
(494) Enote ne / bra queo propheta dauid / por huas pa / lauras mentideiras quelhe diseron
/ contra o filho de Jonata. deu se [f10r-c1] tença denocte contra el. como / quer que
aas uegadas ouue spiritu de/ prophecya. E pero como quer que assy fe/ zesse dauid.
170
Creemos que per iujzo / dedeus ascondudo asentença que contra / el derom foy dereita.
(século XIV)
No exemplo (493), há duas orações concessivas introduzidas pelo conector como
quer que, coordenadas entre si, a primeira seqüência, no subjuntivo, com a noção de
futuridade; a segunda, no indicativo, na forma verbal do passado.
Houve, ainda, no século XIV, outros dois casos com a conjunção como quer que,
mas que foram retirados da análise. No exemplo (495), o item conjuncional como quer que,
apresenta valor modal; já no exemplo (496) não se pode precisar se há nuance de construção
concessiva, uma vez que a seqüência parece estar incompleta16.
(495) Eaconteçeo / esto aas uegadas polla grã fe que al / guus ham que tragem as uontades
/ ficadas e deus por que som çertos que / como quer que e alguus logares os / corpos
dos sanctos nõ jazem assy. (século XIV)
(496) Emtõ obispo fez osinal da cruz e/ beueo oujnho e que andaua ape / conha
seguramente e aquella ora / meesma oaçediago que estaua em / outro lugar alomgado
delle morreo / logo comose pasase apeçonha polla / boca do bispo ao ventre ao
arçediago / como quer queo arçediago apecon /ha que metera no vinho pera matar o
bispo. Pero matou a peçonha sua / maldade per semtença do dereito jiuz / perdurauil
.amte os olhos doqual / nõse escomde n~eh~ua que do m~u / do seia. (século XIV)
Em alguns casos, foi possível encontrar o conector como quer que associado a
enunciados com a conjunção adversativa pero/enpero. Nesses contextos, ou a oração
concessiva ocorre em posição interfrástica à oração adversativa (497) ou antecedendo essa
oração (exemplos 498 e 499). Em todos os casos, observa-se o traço de futuridade e o verbo
da cláusula concessiva encontra-se no subjuntivo.
(497) Ca tam co/ pridamete ensigna ospriritu sancto a / quem quer ensignar que no ha
mester ensignança de outro / home que do mundo seia PERO como quer que alguem
tenha ou conujde agraça do spiritu sancto nõ/ DEVE tanto confyar dessy que an/ te
16
Nas Estruturas Trecentistas (Mattos e Silva, 1989, p. 672), o verbo dessa oração está presente e na forma do
subjuntivo.
171
queira seer mestre que de / cipollo que aly hu cuyda que ensig/na na verdade com
sigo. (século XIV)
(498) E oseu creligo pedro dise que / he aquelle padre qual bóó / mereçimeto e fim sem
fim e asy amorte nõ tema asenten / ça do condanam~eto quese nom / pode mostrar per
palaura que como / quer saiba as obras que fez PERO / aymda nõ SABE oque
soomente / ha de julgar os seus fectos aquelle / juiz aquese n~e h~ia cousa nom /
asconde. (século XIV)
(499) E o seu clerigo dom pedro disse. / que me podes padre mostrar / que como quer
que alguns seiam / que mi / lagres nom façam . ENPERO no SOM demeor
merecim~eto n~e gualardam / ante deus caaquelles queos fazem. (século XIV)
Na análise dos dados do século XV, anotaram-se 25 dados com o item como quer
que, 28% (sete ocorrências) no indicativo, na forma do tempo presente ou do passado, todas
em posição inicial do período. Apenas cinco ocorrências apresentam valor concessivo e, em
uma delas (exemplo 503), há duas orações concessivas coordenadas, a primeira com o verbo
na forma do indicativo. Nos exemplos (504) e (505), esse conector apresenta valor modal. O
indicativo é utilizado nas cláusulas adverbiais com o conector como quer que para expressar
eventos conhecidos.
(500) esto como quer que convem ha todos, muito mais cabe em hos Principes , e Reys
fazelo , cuja mayor excellencia de seu nome traz lo-guo mayor obriguaçaõ de seu
carreguo , que hee serem Reys postos por Deos , para regedores principaes na terra
sobre hos outros homens pa- ra execuçaõ , e exemplo de toda perfeyta virtude, mas
pois que toda des-posiçaõ para obrar virtudes por muito que naça com ha pessoa nom
póde ser comprida , nem aver perfeyçaõ se nom por ajuda, e graça Di- vinal . (século
XV)
(501) Estonce foy feito Priol Dom Pedralverez seu filho,como quer que Dom Frey
Aluoro Gonçaluez Camelo,que então era Comendador de Poya res, tinha direito no
Priorado,mas fezeo fazer ElRey Dom Fernan- do. (século XV)
(502) E como quer que eu mais quesera ser ocupado em dar rrazão dos seus feitos que
dos alheos, primçipallmemte pellas muytas virtudes que sempre nelle conheçi e por ser
mais obrygado a elle que a outra allguma pessoa terreall, elle nunca me em ello quis
leixar obrar segumdo meu desejo, amte per muitas vezes me rrequereo e emcomemdou
que me trabalhasse d'ajumtar e escrever os ditos feitos, primçipallmemte por louvor e
glória daquelle comde e dos outros nobres e virtuosos barões que com elle, por
172
defemsão da samta ffee e onrra da coroa
vyrtuosamemte trabalharão. (século XV)
de Portugall, naquella çidade tam
(503) como quer que / a divindade nom humanidade nem A humani/dade devindade nom
sam mesturadas as na/turas como quer que seja em ti huma e esa mesma / pesoa.
(século XV)
(504) E então se alçou o Mestre, & pozse em giolhos ante a Rai- nha, & o Mestre
começou de di zer, Senhora, aquelle, que não erra não tem que pedir perdão, & eu,
pois vos errey, he rezaõ que vo lo peça, como quer que Deus sabe, que minha
entenção naõ foy devos errar, nem fazer nojo, nem despra zer, mas porque esta cousa,
que eu fiz, se me àzou de ser feita em vos sos Paços, porem vos pe;o por mer ce que
me perdoeis, ca este homem que matey, não o fiz por vos fazer nojo, nem deshonra.
(século XV) = DA MANEIRA QUE
(505) O Padre disse que era bem feito, como quer que se marauilhou mui to por lhe assi
responder, sendo ho mem nouo de dias, & falou com sua Mãy Erea Gonçaluer todo o
que lhe com elle auiera, encom dandolhe que o demouese que consentisse em tal
casamento. (século XV) = DA MANEIRA QUE
Barreto (1999) afirma que essa conjunção apresenta valor concessivo do século XIII
ao XV. Esse período talvez possa ser estendido, uma vez que, na amostra analisada do século
XVI, ainda se registre esse valor. Do total de quatro ocorrências, apenas uma ocorre no
indicativo (exemplo 506), em uma proposição que veicula conhecimento prévio do
enunciador, no tempo presente.
(506) mas a eses a quem Vossa Alteza la faz mercê de brasill como quer que lhe custa
pouco nem estão com os trabalhos e fadigas e nos peligros e derramamento de sangue
em que eu senhor estou e ando. (século XVI)
No século XVII, registrou-se um único dado com esse conector, que foi retirado da
análise posteriormente, por parecer apresentar valor explicativo, equivalente a “pois que”,
“como que”.
(507) E como quer que cada Província das sujeitas à Espanha tem as forças que lhe
bastam para se sustentar esperando este socorro, vem a ficar o nosso domínio estando
dividido, mais firme, que o de um corpo só, no qual ~ua violência pode fazer maior
ruína, que não no apartado: como se viu no grande Império dos Persas, a quem de todo
acabou o ímpeto do vitorioso exército de Alexandre; e pelo contrário Cartago o muito
173
menor senhorio se defendeu largos anos contra os Romanos, por ter seus estados
divididos em África, Sicília, e Espanha, e ser senhora do mar per onde os socorria.
(século XVII)
No século XIX, também foi registrado um único dado com esse conector em uma
estrutura que hoje seria interpretada como uma forma lexicalizada, com o verbo no
subjuntivo.
(508) A sessão vae adiantada, e as aspirações provinciaes ameação tudo complicar, á iniciativa dequalquer medida parcial, e por isso já se trata de uma autorisação, que, se
passar muito aproveitará á estrada deBatu-rité ! [ espaço] Como quer que seja, fique
V ossa Ex celência certo de que a sua intervenção neste negocio dá-lhe para mim o
cunho de interesse publico, e que farei quando esteja de minha parte para que essa
empresa seja auxiliada. (Documentos oficiais do RJ, XIX)
O estudo de Barreto (1999) mostrou que o processo de gramaticalização
experimentado pela conjunção “quer que” nas suas variadas formas se deu em três fases, por
um processo metonímico, sendo a presença do subjuntivo o elemento deflagrador.
Como quer que (1) > Como quer que (2) > Como quer que (3)
(1) Valor genérico, indeterminado, com o verbo no subjuntivo
(2) Perda do valor semântico original, assumindo o caráter potencial do subjuntivo
(3) Perda da restrição modal com uso também do indicativo
Parece que, no segundo estágio, além do ganho do valor potencial pelo uso do
subjuntivo, houve perda gradativa da restrição de modo e ganho da nuance da restrição
174
concessiva (com valor de ceder, abrandar), de conotação futura, reafirmada pelo próprio uso
do subjuntivo.
(509) Ca tam co/ pridamete ensigna ospriritu sancto a / quem quer ensignar que no ha
mester ensignança de outro / home que do mundo seia pero como quer que alguem
tenha ou conujde agraça do spiritu sancto nõ/ deve tanto confyar dessy que an/ te
queira seer mestre que de / cipollo que aly hu cuyda que ensig/na na verdade com
sigo. (século XIV)
(510) E era en- taõ naquelle tempo costume, que todos hos filhos dos Reys se chama-vão
Reys , e has filhas Rainhas, pos-to que fossem bastardos , e como quer que ElRey D.
Affonso de Ca-stella , desse este Condado de Por-tugual , aho Cõde D. Anrique, e há
sua filha, e ella se chamasse Rai-nha ; porém elle nunca se cha-mou Rey em sua vida,
nem seu filho ho Principe D. Affonso , atee que houve huma grande batalha, e
vencimento no Campo Douri-que. (século XV)
Embora
O
item
conjuncional
embora
advém
do
processo
de
gramaticalização
(morfologização ou aglutinação) da expressão “em boa hora”, que tinha, originalmente, a
função de indicar “boa qualidade”, em oposição à expressão “em má hora”. O advérbio
embora (e suas variantes), no século XVII, era usado acompanhado:
a) do verbo “vir”.
(511) À fé, que me não descontenta a rosca que tirou para si aquele Ministro esta festa. E
certo que, para tirada com a mão do gato, veo limpa e inteira. Embora vá o gato, que
tem tais unhas e gafa tão limpo. Vá-se, êle, senhor meu, mas que se vá embora; que
por isso se diz: al enemigo quehuye, la puente de plata. (século XVII)
(512) De guerras dizem que Joane Mendes tomou a Codiceira bem tomada, e não sei se o
forte de Telena, (porque só a N. o ouvi) despois de saquear Santa Marta. Não sei de
novo cousa mais que vos diga, senão que vos venhais muito embora, que já são
horas, e as ginjas são acabadas; e Marrocos por Marrocos, aqui está esta Tôrre, que
tem muito bastantes casas para terdes por cá ~ua novena. Sôbre tudo vos guarde Nosso
Senhor, como desejo. (século XVII)
(513) respondeome como q. me aremesaua emfada da mulher comfesaste e quem me fas
mal comfesasa dise eu pois quem fas mal o pagara ou no inferno ou onde des. Ordenar
mas faser hiso he pecado respondeu me mto. agastada se he pecado quero faselo e Um.
quem a mandaua agora ca uir q. ueio ca faser uase embora isto mto. Agastada eu
antão me tirei de min coisa contar o meu natural como se sabe e lhe dise ásim eu uos
175
pormeto q. eu o diga e uirei pa. o omen q. estaua no patio e diselhe e uose lemberlhe o
q. ouiu pa. qualquer tenpo. (século XVII)
Em (512), inclusive, o elemento intensificador “muito” é usado para confirmar o
caráter adverbial de “boa hora”. Além disso, nos exemplos (511) e (513), o item embora
ocorre posposto ao verbo ir. Nos exemplos, a oração introduzida pelo item embora apresenta
caráter avaliativo.
b) de outros verbos que exprimem desejo.
(514) Mas ha merce que a Vossa Alteza peço e que me licitamente pode fazer que por
espaço dos vimte anos ou pollo espaço que Vossa Alteza comseder a eses armadores
aja por bem de me largar os dizemos dos meus propios enjenhos e isto somente do de
minha lavra e o que me pertemcer das partes que a parte dos lavradores seja muito
embora de Vossa Alteza. (século XVI)
(515) Eis aqui até onde chega o demonio quando accusa, e o homem quando julga. Julgavos as obras, julga-vos as palavras, e até o mais intimo pensamento vos julga e vos
condemna. Ha tal temeridade de juiso ? Que julgue o homem as obras que vê, que
julgue as palavras que ouve, seja embora; mas que queira julgar os pensamentos,
onde não chega com algum sentido do corpo, nem com alguma potencia da alma!
(século XVII)
(516) Na primeira visão estava o carro dentro do Templo; na segunda visão sahiu o carro á
campanha: [: Egressa est gloria Domini de limine templi: ] e quando o carro está
quieto, dê-se embora o primeiro logar a quem melhor é; mas quando o carro caminha,
ha-de se dar o primeiro logar a quem melhor puxa; e porque o boi puxava melhor que
o homem, por isso se deu o primeiro logar ao boi. (século XVII)
(517) Quando o carro estiver no templo da paz, deem-se embora os logares a quem
melhor fôr ; mas em quanto o carro estiver na campanha, hão-de-se dar os logares a
quem melhor puxar. (século XVII)
(518) espero que v. ex.a há-de aprovar a verdade destas razões, e aconselhar ao senhor
embaixador que em nenhum caso se despida, até resposta de s. m. , que não pode
tardar muito, pois eu vou, e é sem dúvida que, informado el-rei e seus ministros do
estado em que hoje aqui estão os negócios, ainda que não queiram paz, hão-de aprovar
e mandar continuar os meios porque não quebre por nossa parte, e se faça tudo com a
consideração que convém. meu amo e senhor, fique-se v. ex.a muito embora. (século
XVII)
176
(519) e grande justiça, mandar-me tirar de aqui, e que comigo se acabe êste escândalo. E
que se eu mereço que me acabem, muito embora; porque, senhor, fome ou cutelo,
tudo é um; e para a gente honrada, menos indigno o cutelo que a fome. (século XVII)
(520) Sare, meu senhor D. N. e esqueça-se muito embora. Com tudo, para nos
consolarmos do esquecimento, certifiquemo-nos da saúde. Despois que V. M. se foi,
não soube mais de como lá havia passado. (século XVII)
(521) Eu digo para mi, que se isto há de ser para meu bem, que seja embora; mas se não é
mais que desazo, não estou pelo favor deste repouso: porque de verdade é vida sonsa e
sem sabor. Sei que não há marinheiro da carreira da Índia que em noute de tormenta se
não deseje provando forças, em nau nova, sôbre o Cabo da Boa Esperança. (século
XVII)
Na gramaticalização do advérbio embora, por processo metonímico, o item passa a
ser reanalisado como conjunção concessiva, ocorrendo redistribuição dos termos na sentença.
Nesse caso, o item conjuncional embora inicia a cláusula subordinada e sofre alteração
semântica, perdendo-se o conteúdo [+ concreto] do advérbio ‘em boa hora’. Nos exemplos de
(514) a (521), é possível observar o comportamento híbrido do item embora, que mantém
ainda a noção adverbial, não obstante a aglutinação dos itens.
Na amostra analisada, o item embora com valor concessivo só foi registrado do
século XVII em diante e foi aumentando sua freqüência de uso gradativamente: duas
ocorrências no século XVII, cinco no XVIII e 10 no XIX.
No século XVII, o item embora ainda se encontrava em processo de
gramaticalização, posposto ao verbo.
(522) Ainda dizia mais o processo de Christo: [: Ecce totus mundus post eum vadit: ] que
era tal, que ia todo o mundo após elle. Se disseram que elle ia após o mundo,
condemnassem-no muito embora; mas porque o mundo ia após elle! Eis ahi quaes
são os crimes do juiso dos homens. (século XVII)
(523) Concedamos às boas novas o antigo costume de serem vagarosas. Tardem embora
as de França, e sejam tais, quando vierem, que nos paguem a ânsia com que as
esperamos. Das premissas da concórdia que por Holanda chegaram, me contento.
(século XVII)
177
O dado a seguir, extraído do século XVIII, mostrou que, na formação da conjunção
concessiva, o item conjuncional embora, em um mesmo período, podia anteceder ou pospor o
verbo com o qual se combinava. Assim, o advérbio, que tinha a função de indicar restrição
temporal, sofre reanálise e passa a indicar restrição concessiva, mantendo o verbo na forma
verbal do subjuntivo.
(524) Aur. Embora a Velha brame, sinta embora o vil estrago do tormentoso engano,
castigo assás bem devido á sua loucura. (século XVIII)
A análise de Barreto (1999) mostra que a conjunção embora adquire a restrição
concessiva do século XVII para o XVIII. Nos corpora analisados, registrou-se, no século
XVIII, o item embora, em processo de gramaticalização de conector concessivo, mas, com o
verbo da oração subordinada, anteposto ao conector. Em todos os exemplos, a seguir, os
verbos da oração subordinada estão no presente do subjuntivo.
(525) Serg. Eu sigo o seu parecer, e brinque embora essa gente louca com as
barbaridades do entrudo; porque destes brincos sempre se seguem destemperos.
(século XVIII)
(526) Beat. Que loucuras fariamos se lhe respondessemos? fallem elles embora de nós,
de os enganarmos, de zombarmos delles, mas nunca mostrem disto realidade. (século
XVIII)
(527) Ger. Exahi o motivo, porque me chamais impertinente e caustico, toda a cautella he
pouca para se guardar huma mulher: chamem-me embora seccante, rabugento,
gotico, e bizonho, nada me importa, eu sempre hei de obrar neste respeito o que o meu
pensamento me ditar. (século XVIII)
No século XIX, foram encontradas 10 ocorrências de oração concessiva com o
conector embora. Registrou-se um único dado no presente do indicativo, em que a conjunção
embora ocorre acompanhada do intensificador “muito”, que contribui para uma interpretação
híbrida adverbial⁄conjunção ou tempo⁄concessão:
178
(528) Responderião: q ue q uanto a desp achos q ue elle andava aservir os S enhor es de
Pa la vra q eu ahi he q ue deveria pe- dir o desp acho ou a Proposta pa ra elle, e
queixar- se MUITO embora se lha não davão: mas q ue podia contar ainda com
alguns a migos aqui; e q ue com hum q ue deixa Reconhecer como tal, Joze Egydio,
tinha eu faltado aseu Resp eito não muito tempo antes. (século XIX)
Registram-se também, no século XIX, duas outras ocorrências inusitadas do
conector embora, subseqüente ao verbo, que retoma a ordem do conector em função
adverbial.
(529) O author, insensato atheu; | muito se esforça por nivelar-se com | os brutos; seja
embora bruto, nós lhe | concedemos hum lugar entre os mais | estupidos; em quanto
nos gloriamos | na posse d’huma alma doada de qua- | lidades e manadas da divindade
mesm | e por isso immortal. (século XIX)
(530) Assim sendo, opinassem embora pela abstenção cin- | coenta centros, um jornalista
liberal não poderia dei- | xar de pronunciar-se sobre questões, que affectam a | própria
existencia de todo o direito publico moderno. (século XIX)
Em (531), anotou-se uma variante inusitada da forma embora “embore” como recurso
de caracterização de uma personagem inglesa, que, nas falas da peça teatral, substitui, em
todas as palavras, a vogal “a” pela vogal “e”.
(531) Ingl. O gente de minha terre⁄ São de humor triste, e sombrie,⁄ Eu sou Inglez de outre
caste,⁄ E sempre estar de alegrie:⁄ O’ bem vinde, bem chegade, ⁄ Eu tem contigue
segrede,⁄ E não quer que ninguem oice;⁄ Mas oice, ou não , não tem mede:⁄ oice
embore o munde tode,⁄ Que eu te ame sinceremente, ⁄ E não digue tude ainde;⁄ Mas
emfim, estar contente,⁄ Muites vezes fiz viagem⁄ A muites Portes Francezes,⁄ Goste
muite deste gente,⁄ Sou Frances as mais das vezes. (século XIX)
Nos demais contextos, o conector embora inicia a oração subordinada e o verbo se
encontra no subjuntivo.
(532) Snr. Redactor. Aquelle que tem mulher | e filhos outro remedio não tem senão pro|curar-lhe o alimento trabalhando para não|ser pesado aos outros; é o que me acontece |
como pae de familia. Indo eu procurar em | algumas casas de negocio licenças para
tirar, | respondeo-me um dono da casa: - meu | amigo, as minhas licenças eu as dou a
um | guarda da camara para as tirar, | porque só assim fico descançado de multas e
179
outros| incommodos, embora pague por cada uma | 3 ou 4 $ rs., porque elles lá se
entendem | uns com os outros. (século XIX)
(533) E sôb este pensamento que – embora seja decor- | ridos alguns dias, e no brathro
dos grandes aconte- | cimentos tenha amortecido já o arruido que | um facto – tanto
elle nos merece importancia que | por modo algum o deixaremos passar
desapercebido. (século XIX)
(534) O Vasconcelos está diabo, como sempre foi, n’huma destas ultimas Sessões atirou
forte no Nascim ento e sem razão, ao mesmo tempo q ue se finge seo am igo; apezar
disto não podemos contar com elle p or m uito tempo no Ministerio; embora ninguem
o queira aceitar pasta sem sa-ber q ual o Regente. (século XIX)
(535) Esta cegueira, este engano troxe outros | erros, e o resfriamento que hoje se nota |
em alguns amigos do governo não é mais | que consequencia de esperanças illudidas. ||
Entretanto convem indagar que estamos hoje | melhor do que estavamos no governo
re- | gencial: pensamos que ninguem se decidi- | rá pela affirmativa. Algumas leis se
fizerão | em sentido governamental, embora digao o | contrario aquelles qua as não
tem estuda- | do, ou que, por uma aberração de espi- | rito, se pronuncião contra tudo
que dá for- | ça e vigor ao governo e o colloca em posi- | ção de proteger o povo.
(século XIX)
(536) Não ha muito, fazia eu estas reflexões, conduzindo | minha familia a ver a procissão
de Corpus Christi, na | qual exhibem o espectaculo burlesco de São Jorge a ca- | vallo.
|| É uma grande estatua de páu, que embora fosse bem | esculpida nem como estatua
teria merito, porque as | formas desapparecem debaixo de capas bordadas e das |
lantejoulas. (século XIX)
Observe-se que, nos trechos de (532) a (536) com embora, o indicador de futuridade,
incerteza ou hipótese, presente em outras orações concessivas é atenuado. Nessas cláusulas,
há um caráter avaliativo, usado, muitas vezes, com a função de surpreender o expectador. O
conteúdo da cláusula concessiva funciona como uma “ressalva”, um evento⁄estado que não se
quer aceitar e⁄ou admitir, mesmo sendo comprovado.
Com a intensificação do processo de gramaticalização, o conector embora se tornou
ainda mais abstrato na língua, registrando-se casos com verbo elíptico, à semelhança do que
ocorreu com ainda que.
(537) E os trabalhadores de hoje serão os se- | nhores de amanhã. | | Embora poucos: ¾
poucos são os esco- |lhidos. | | Embora fracos: ¾ Um Pedro o Eremita | liberta a
cidade de Deus das garras da | hydra Asiatica, lança as aguas sagradas da | gloria na
180
fronte varonil de Godofredo de Bou- | ilon, quebra em parte os pergaminhos em|poeirados dos homens do feudo, arrancadas | bainhas douradas as espadas palacianas,
| açouta a indolencia das soberanias e atira- | as para a cruzada santa. (século XIX)
(538) Esses pardieiros arruinados, sem ar e sem o | asseio suficiente a evitar enfermidades,
onde o | trabalhador repousa durante as horas do des- |canço, verdadeiros charcos de
immundice, que | affrontam a capital do Imperio, porque não são extincotos e se
manda construir em lugares | apropriados moradias, embora humildes, mas | limpas
arejadas e sadias, onde os menos favo-|recidos da fortuna encontrem umacommodi- |
dade? (século XIX)
(539) Note-se porém que a severidade, embora excessiva, | recahiu sómente sobre os
actos publicos, ninguem foi | perseguido por ser Christão, protestante ou catholico.
(século XIX)
A noção de concessão adquirida pelo conector embora é tão marcada que chega a
prescindir, algumas vezes, da própria forma verbal, como se verifica nos exemplos acima
descritos (537 a 539). No exemplo a seguir, o conteúdo da oração concessiva constitui um
contra-argumento à tese que se quer provar (“É verdade que não foi o senhor Souto
Carvalho”), mas que perde sua relevância em face de outros argumentos presentes no período
(“foi um José dias da Costa”), ainda que não se possa negar a existência da assinatura
presente no documento (“embora a assignatura do Sr. Souto Carvalho”). Mais uma vez,
reitera-se o caráter dessas orações concessivas de veicular um evento real.
(540) É verdade que não foi o senhor | Souto Carvalho que disse, nem es- | crevendo, nem
responsabilisndo-se, | foi um José dias da Costa, embora a | assignatura do Sr. Souto
Carvalho. Não sou, nem testa de ferro, nem | nunca tomei a responsabilidade dos |
communicados insertos no Tagarella | contra seu irmão. (século XIX)
Mesmo que
De item adverbial, correspondente a ‘exatamente igual’, ‘da mesma forma’, o
vocábulo mesmo, seguido da conjunção que, adquiriu, por um processo metonímico, valor
semântico concessivo (Barreto, 1999).
181
Nos dados listados abaixo, o vocábulo mesmo funciona como advérbio e o verbo da
oração introduzida pelo elemento que, com valor de pronome relativo, se encontra no
indicativo.
(541) Eassy acomteç[e]o e huu home / meesmo que per huu pequeno de dãp / / no que
rreçebe per humjldade. Com humjldade logra e guarda os muy / gramdes béés que
ham. (século XIV)
(542) E / esteue tanto tempo e oraçõ com seu / rrostro lançado e terra aque amolher / sem
uergonha se uyo camsada .e com / emfadameto partiuse da freesta dasua / çella e
aquelle dia meesmo que aquella / molher deçeeo domonte . emcerrou os / seus dias
dauida pera dar aemtender / polla sua morte que ueo sobre ella. (século XIV)
(543) Case aquel / meesmo que fielnõ he e eu quiser pregu / tar que ouue por padre ou por
madre / logome elle rrespomdera. (século XIV)
No século XVII, registraram-se duas ocorrências em que o item mesmo já se
encontra combinado ao que com função concessiva, e o verbo da oração subordinada está no
presente do subjuntivo (exemplo 544) e presente do indicativo (exemplo 545). O conector
mesmo que mantém conotação hipotética, projetando o evento para o futuro.
(544) Esquecia-me o de Milão, cujo sítio V. Ex.a resistiu, como tão valente soldado dessa
milícia, e, se acaso isto não é tentação do duque de Modena, segundo os muitos
embaraços que tem hoje a guerra de França, bem se pode suspeitar sem temeridade
que seria inventado o pensamento, mais para assaltar as nossas bôlsas, que para sitiar
aquela praça. Mas e mesmo que o sítio se intente, eu creio, da vigilância daqueles
anjos da guarda, que a primeira cousa que hão-de fazer é tirar de ali ao senhor Infante.
(século XVII)
(545) Mas porque estes tambem, quando justamente postos por obra, assi obrigam a Deus,
como aproveitam aos homens, por isso mesmo que eles faltam em os agradecer, não
falta ele em os pagar. (século XVII)
No século XVIII, o único dado registrado, ocorre no presente do subjuntivo, com
conotação restritiva e negativa, reforçada pelo uso do item de negação “nem”.
182
(546) responde que nenhuma dessas passagens farão jamais prova de que o oração do
autor das ditas cartas seja corrompido, NEM mesmo que haja corrupção da sua honra
e fidelidade porque ele, respondente, o conhece muito bem e sabe que é sujeito de
muita honra e probidade, e ainda que ele escreve a ele, respondente, em semelhantes
termos, não é de que ele, respondente, seja de iguais ou semelhantes sentimentos.
(século XVIII)
No século XIX, nos quatro casos em que ocorre essa conjunção concessiva, é
categórica a presença do subjuntivo. Observa-se que a expressão aparece antecedida por
“ainda”, que reforça o caráter de restrição, de negação da oração, assim como ocorreu no
exemplo (546).
(547) AINDA mesmo que nós não quizessemos dar credito | de que V.Ex.ª, e seu
Official maior | são, e são os únicos ladrões e para provarmos | essa acerção
principiaremos pelo seu Official maior, | em seguida do seu mui digno compadre
Palhares, | e concluiremos com V. Ex.ª (século XIX)
(548) Marjolin só estabelece uma excepção á esta regra para as | feridas da cabeça e dos
dedos; mas Follin na sua pathologia, | recentemente puclicada, diz que nada se deve
temer da reunião | immedita das feridas contusas, uma vez que se vigie com atten- |
ção a parte lesada e se renove todos os dias o curativo. Elle é | de opinião que, para as
feridas da face, esta regra, a reunião immediata, é absolutamente prescripta, e
accrescenta o conselho | de aparar, ebaber, os lábios destas feridas para facilitar a
reunião | immediata. Bevard e Denonvilliers são de parecer, que as feri- | das contusas
que apresentão retalhos, igualmente devem ser | reunidas por 1 a. intensão AINDA
mesmo que o arme do retalho | tenha sido tão constuso que pareça desorganizado;
porque su- |pondo mesmo que deva cahir em gangrena, estando a base | menos
alterada, pode ainda esperar-se a agglutinação. (século XIX)
(549) quero que mas tarde leia-se o | meu nome gravado em letras de | ouro nos livros da
litteratura, e siencia, estou bem certo de que a briosa | população desta capital não
deixará | sem auxilio nos amigos das artes e | defensores da patria digo porque todos os
dias se | falla em termos uma guerra com os | argentinos, pois bem se realizar | essa
guerra não ezitarei em pegar na | arma e correr ao encalce do inimigo | AINDA
mesmo que o meu sangue, tenha | de servir-lhe de alimento. Concluo | aqui o meu
artigo abraçando freneti- | camente os nossos collegas do Espec- | tador e ventarola,
fazendo votos | para que a patria e as artes progridão a olhosvistos. (século XIX)
Os exemplos (550) e (551) poderiam ser rotulados de “opaco”, de dupla
interpretação, já que não se pode afirmar com segurança se o elemento mesmo funciona como
advérbio ou como conjunção concessiva.
183
(550) Mas supondo mesmo que a inflammação sobreviesse e fosse seguida de supuração,
pergunto, que inconveniente resultaria | para a reunião immedita secundaria o ter-se
antes aproximado | os labios da feridas? Nem um. (século XIX)
(551) Bevard e Denonvilliers são de parecer, que as feri- | das contusas que apresentão
retalhos, igualmente devem ser | reunidas por 1 a. intensão, ainda mesmo que o arme
do retalho | tenha sido tão constuso que pareça desorganizado; porque su- |pondo
mesmo que deva cahir em gangrena, estando a base | menos alterada, pode ainda
esperar-se a agglutinação. (século XIX)
Pero / Empero (que)
A conjunção pero e as variantes empero, enpero podiam ocorrer, no português
arcaico, para expressar oposição adversativa, exemplo (552), ou restrição concessiva,
exemplos (553) e (554). Nos dados, o conector pero⁄empero com função concessiva vem,
geralmente, acompanhado pela conjunção subordinativa que, formando a conjunção
pero⁄empero que. Na amostra analisada, registrou-se esta conjunção com valor de concessão
até o século XVI (cf. item 1.3).
(552) Deffendemos que nenhuu uozeyro non seya ousado d(e) auirsse est aquel d(e) que á
de teer uoz [...] no~ tenha mays ya uoz por outro, pero mandamos que possa au(er)
ualya da uintena da d(e)manda, assy como manda a lee. (século XIII)
(553) Todo ome q(ue) fez(er) p(re)yto ant[r]e alguus homees e foy feyto dereytamente,
quer seya scripto quer no~, e pero q(ue) y no~ seya pea posta, firmemente seya a
g(ua)rdo e o alcayde façao aguardar. (século XIII)
(554) E se ella casar co~ alguu que no~ seya (con)uenauil a ella ne~ p(er)[a] seu linage~,
ou se se for cu~ algue~ en maneyra q(ue) seya onta della ou de seu linage~, seya
outrosy deserdada do q(ue) ouue ou do q(ue) auia d’auer d(e) bo~a d(e) seu padre ou
d(e) sa madre. Empero que algu~a molh(er) faça algu~a cousa destas que so~ suso
ditas, no~ p(er)ça seu dereyto do h(er)dame~to q(ue) lhy uij~a da out(ra) parte quer de
se(us) yrmaos quer doutros parentes ou de stranhos. (século XIII)
No século XIII, o item pero (e suas variantes) + que foi o conector concessivo mais
utilizado. Do total de 37 ocorrências, 17% (sete ocorrências) se encontram no indicativo, no
tempo presente ou passado.
184
(555) Se o alcayde mandar asseentar alguen en as dema~da ou en boa d(e) seu (con)tendor
pero que o (con)tendor non quis responder assy como deuia ou se ascondeu por no~
faz(er) dereyto e aquel cuyo o mandare~ asseentar se lho deffender p(er) força ou se
alçar de guysa que o asseentamento no~ possa seer (con)prido e passar o ano se [for]
arreygamento ou aos VI messes se for au(er) mouil, que eneste p(ra)zo no~ uenha
responder por deffender asseentamento, aya a pea que auia se outro fosse teedor do
asseentamento. (século XIII)
(556) Mandam(os) que nenhuu non possa tolh(er) a out(ro) p(er) tempo rem do seu se el
nono teue daq(ue)l q(ue) o ante teuera, ou se p(er) força d’auguas ou d(e) fugo o
senh(ur) da cousa p(er)deu a teença, pero q(ue) della fora fusse huu ano e hu~ dia |e|
seendo ena terra ou p(er) XXX anos non seendo ena terra. (século XIII)
(557) E outrosy, se daq(ui)lho que p(ri)meyro auya mandado, algu~a cousa tolh(er) ou der
ou alhear da manda que auya feyta daq(ue)lho, non ualla, empero q(ue)
nomeadame~te an(te) a desfez ca atanto ual q(ue) a desfaça tolda se quiser p(er) feyto
como p(er) dito quandu lhy prouger. E se aquillo q(ue) auya mandado ia, depoys
manda enoutro logar ou end(e) algu~a cousa dar ou alhear, possao faz(er). Mays se o
no~ desma~dar p(er) parauoa ou o non mandar a outro en manda que depoys faça,
ualla aquillo q(ue) mandara. (século XIII)
(558) Se o s(er)uo fez(er) alguu~ furto a seu senor ou a outro s(er)uo de seu senhor, em
poder seya do senhor de faz(er) del o q(ue) q(ui)s(er), de morte en fora e de tolhimento
de nembro. Ca pero q(ue) é s(er)uo, no~no deue a matar seu senhor ne~ tolh(er)lly
ne~b(ro) se~ ma~dado del rey. (século XIII)
(559) Se alguu ome [non] por razo~ de mal faz(er), [mays] yoga~do, remet(er) seu
caualho en rua ou en carreyra pobrada ou pelota iogar ou cuca ou out(ra) cousa
semelhauil e p(er) cayo~ matar alguu ome~, p(ey)t(e) omezyo e no~ aya out(ra) pe~a.
Ca, pero o nu~ quis faz(er), no~ pod(e) seer sen culpa porq(ue) foy t(re)belhar en
logar q(ue) no~ deuia. (século XIII)
(560) E sse o accusar p(er) cousa q(ue) a El fezesse ou a out(ro) de ssa parte p(er) que El
a´ dereyto de dema~dar, de´ acusaço~ dereyta assy como e´ sub(re)dito. Mays no~
seya teudo d(e) se met(er) a pe~a, pero q(ue) no~ p(ro)eu o q(ue) p(ro)meteo a
prouar, mays pague as custas e os danos ao acu|su|sado q(ue) recebeo p(er) razo~
daq(ue)lha acusazo~. (século XIII)
(561) Emp(er)o q(ue) todalhas cousas se pode~ uender e sse pode~ cambhyar, pero su~
cousas que [no] se pode~ uender e |no~| se podem cambhyar, assy como calz sag(ra)do
ou uestime~ta sagrada e as cousas que son spirituaes q(ue) pode be~ ca~byar hu~a
eygreya cu~ out(ra) |spiritual como e´ sobre d(i)to. (século XIII)
O uso do indicativo com o conector pero⁄empero que ocorre (i) em contexto com
verbo no passado – em perífrases verbais ou em formas simples; (ii) em contextos com verbo
no presente – em estruturas perifrásticas ou simples; (iii) em contextos em que há o uso de
185
verbo modalizador “poder”. Nos dois primeiros, a oração concessiva apresenta uma restrição
real, já, no terceiro, há uma restrição hipotética.
No exemplo (562), o uso do conector parece ter valor concessivo e a forma verbal
corresponder ao presente do subjuntivo que hoje equivale a “saiba”, com o iode formando
ditongo na primeira sílaba.
(562) E sse seu dono lhas [no~] dema~dar, entregeas aaquel que llas deu, pero q(ue)
sabya ca e´ ladro~ ou roubador se for ena uilha ou em logar raygado. Ca razo~ e´
q(ue) cobre~ o q(ue) dero~ en garda, ca elhes son teudos de re~der o que roubaro~ ou
q(ue) furtar(o~). (século XIII)
O subjuntivo foi utilizado nos demais casos (30 ocorrências), independente da
posição da oração adverbial concessiva com pero/ empero (que), todas com noção hipotética,
que se projeta no futuro.
(563) Se abelhas que eyxame~e sobire~ en aruor dalguu ome~, se outro as fillar ou as
ensarrar ante q(ue) o dono d’aruor as possa auer, filheas, enpero q(ue) ena aruor
façan eyxame; Pero o senor d’aruor possa deffender a todo ome q(ue) no~ entre eno
seu ateem q(ue) as abelhas seya~ p(re)sas e ensarradas, foras se o senhur d(e) cuyas
colmeas sayra~ as abelhas |El| uijndo tras ellas, ca este mentre vay tras as abelhas
polas cobrar, no~ p(er)de o dereyto q(ue) eneellas auija. (século XIII)
(564) Se alguu~ ome~ ou(uer) parte en algu~a manda e a (contra)riar en juyzo p(er)a
desfazelha e p(er)fiar en desfazella ata que den o juyzo, p(er)ça quanto lhy foy
mandado na manda, empero seya iuygado ia que ualha a manda. (século XIII)
(565) Nenhuu ome no~ possa desfaz(er) uenda que faça por diz(er) ca uendeo mal o seu,
empero que seya uerdad(e), foras ta~to se aquelho que uendeu ualha dous ta~to mays
que no~ o porq(ue) o deu, ca p(er) tal razo~ be~ se deua desfaz(er) a uenda ou a
(con)pra, |E| se o (con)prador no~ quis(er) dar o p(re)ço, ca em poder e´ de o
(con)prador desfaz(er) a uenda ou d(e) dar o p(re)ço dereyto est reteer o q(ue)
(con)prou p(er)a sy se quis(er). (século XIII)
(566) E pero q(ue) o padre aya gran poder subellos filhos, no~ qu(er)emos q(ue) os possa
uender ne~ penhorar ne~ dar. E q(ue~) (contra) isto os (con)prar e os receb(er) en
penhor, p(er)ca o p(re)ço e os filhos no~ aya~ nenhuu dano. E se for dado endoado
non ualha. (século XIII)
186
No século XIV, apenas se registraram seis ocorrências de pero/ pero que com valor
concessivo, tanto no indicativo (evento real) quanto no subjuntivo, com noção de evento
hipotético, que se projeta no futuro.
(567) E emtõ dise eseu creligo dom pedro / marauilhosas som estas cousas / que contas
padre . ca nõ ueemos ora / e nossos tempos tã grandes cousas / fazer . mais pero que
a[i]nda deste sanc / to home souber e bem aconheçese non se devia maravilhar.
(século XIV)
(568) E portãto o propheta respon- de aos ereges que son cõtra a ffe de Christo e diz que
se nõ partirá desta fe ca el en Deus confia, ca diz que nõ confia en seu poderio ne toma
ne hua gloria nas requezas suas, pero que sejã muytas, porque sõ cajon e aazo de
pecado ded sobervha que muito avorrece a Deus. (século XIV)
(569) Entõ offerece[mos nós a Deus] dous pássaros quando lhi damos [e consagramos] os
nossos corpos e [as nossas almas. Aque-] lo que diz q[ue huu passaro].................
XXVIII e torcian-lhi a cabeça cõtra as pernas e vertiam o sanguy, pero que a cabeça
nõ era partida do pescoço, demonstra-nos que assi devemos nós britar carne nossa per
peendença e per astee- ça, que todavia no lhi tolhamos a vida. (século XIV)
No século XV, o uso do conector pero⁄ pero que concessivo se restringe a quatro
casos, em posição interfrástica e final. Observa-se que, em posição interfrástica, a oração
concessiva possui um caráter avaliativo, já em posição final apresenta uma restrição real, de
conhecimento do enunciador.
(570) Nuno Alue- rez però que fosse moço, & quan- do esto ouuio,disse que lho tinha em
grande merce, & que prazeria a Deus que ainda lho seruiria cõ boõs merecimentos,&
beijoulhe as mãos por ello. (século XV)
(571) Como quer que / a divindade nom humanidade nem A humani/dade devindade nom
sam mesturadas as na/turas como quer que seja em ti huma e esa mesma / pesoa. Ou
per ventura nõ es tu mínha carne / e meu hirmããom Verdadeyramente sy ca fame e /
sede ouveste e choraste e ouveste infirmidade / como eu, pero que en ty non foy
defeito nenh/umum nen enfirmidade de pecado como en mym que / nom podeste
como eu. (século XV)
No século XVI, foram levantadas 10 ocorrências de orações concessivas com o
conector pero⁄ pero que, todas com verbo no subjuntivo (exemplos 572 a 574).
187
(572) <Três pártes da vergonha>. Aqui, nestes três respeitos de vergonha, vam três pártes
suas, que nam es espeçificamos em nome, peró que dissé[s]semos seus efeitos, por
nam termos a cópia de vocábulos que tem os Gregos e Latinos, cá eles tem estes três:
pudor, verecundia, erubescencia. (século XVI)
(573) <Em que a vergonha é louváda e em que [é] vituperáda>. E, peró que estes e outros
louvores [h]ája déla, pera que em ti sela louváda, [h]ás-de consirár o módo e
limitaçám que lhe sam Gregório nestas palávras dá <Greg.super Ezechielem ca.x>: No
mál, a vergonha é louváda e no bem reprensível; no mál, é sapiênçia, no bem sandiçe.
E aquele que [h]á vergonha do mál que fez, virá a ter a liberdáde da vida, mas ô que
[h]á vergonha de fazer bem, este cái do estádo da virtude e vái ter à conde/naçám,
como diz o Redentor <Luca.IX.ca.>. (século XVI)
(574) Finalmente, quando por ésta párte do ofíçio me quisérem reprender, eu me acolho a
dous pastores da Igreja, que sam o Pápa Pio, o quál, tendo o governo da religiám
Cristã, compôs a sua Ásia, e o Pápa Adriano que ontem passou, sendo cardeál, compôs
um tratádo do módo de falar latinamente. E, peró que fossem matérias máis pera
Gramáticos que pastores da Igreja, como diz o Pápa Pio, as [h]óras de vigia deu ao
ofíçio e âs do repouso àqueles trabálhos. (século XVI)
Por
O item por [...] que, em alguns contextos, pode funcionar como conjunção
concessiva intensiva (Azeredo, 2008), com o verbo no subjuntivo e em posição interfrástica.
Apenas nas cartas de Vieira (século XVII), foi registrado esse tipo de dado. Nos dois
exemplos, há noção hipotética.
(575) Da parte das mesmas cousas, nos não devemos admirar que lhes fossem incógnitas,
por serem muitas delas dificultosas, escuras e mui recônditas nas Escrituras Sagradas e
enigmas dos profetas, as quais se não podiam entender e penetrar só com a agudeza
dos entendimentos, por sublimes e sublimíssimos que fossem, enquanto não estavam
assistidos de outras notícias e circunstâncias, que só se descobrem com o tempo e
adquirem com larga experiência. (século XVII)
(576) O Sr. Dr. João Baptista dos Santos Presi- |dente da Junta Central de Hygiene Pu- |
blica. Nem por vir um pouco tarde deixam estas linhas | de Ter o valôr que merecem.
A vida de um jornal -| por ephemera que seja representa um documetno | de sua
época; no correr dos tempos, quando fo- | lheado, deve dizer aos vindouros que papel
represen- | tou, que causa abraçou. E sôb este pensamento que – embora seja decor- |
ridos alguns dias, e no brathro dos grandes aconte- | cimentos tenha amortecido já o
arruido que produzio | um facto – tanto elle nos merece importancia que | por modo
algum o deixaremos passar desapercebido. | Fallamos da resignação do illustrado
188
mestre o Sr. || Dr. Baptista dos Santos á presidencia da Junta | Central de Hygiene
Pública. (século XVII)
Por mais que
O item concessivo por mais que é formado de preposição (por), seguida de advérbio
(mais) e da conjunção que, sem haver fusão. No século XVII, ocorre em 18 ocorrências, todos
extraídas de cartas pessoais: 15 no subjuntivo (exemplos de 577 a 585) e três no indicativo, no
presente ou no passado (exemplos 587 e 588). Nos exemplos (577) e (578), a conjunção
concessiva por mais (que) se encontra em processo de gramaticalização, além de se verificar a
intercalação de elementos entre a expressão “por mais” e a conjunção “que”, fazendo com que
a idéia de concessão fique mais ou menos nítida.
(577) Que historiador há ou pode haver, por mais diligente investigador que seja dos
sucessos presentes ou passados, que não escreva por informações? (século XVII)
(578) E enquanto este tempo não chega, por mais doutos, sábios e santos que sejam os
expositores daquelas profecias, dirão cousas muito discretas, muito doutas, muito
santas e muito variadas, mas o certo e verdadeiro sentido delas ficará oculto e
escondido, porque passarão todos por ele sem entenderem nem penetrarem. (século
XVII)
(579) Finalmente usaes alguma outra coisa d'este mundo? pois usae d'ella , como se não
usáreis. De sorte que quanto ha , ou póde haver n'este mundo, por mais que nos toque
no amor, na utilidade, no gosto, a tudo quer S. Paulo que acrescentemos um, como se
não. (século XVII)
(580) No Juiso de Deus com a mudança dos Procedimentos, mudam-se os nomes;
antigamente eres Saulo, hoje sois Paulo: no juiso dos homens, por mais que os
procedimentos se mudem, os nomes não se mudam jamais. (século XVII)
(581) Aquele homem me teve em venda como escravo. Todos me tratam como a
desfavorecido; e em meus sucessos se tem visto, por mais que eu me cale. (século
XVII)
(582) Quem tem de si tal experiência, e sabe não se emendará nesta parte, por mais que o
castiguem, bem pode aventurar-se a dar a sua palavra ~ua perpetua memória do que
deve. (século XVII)
(583) Com as naus passadas remeti a V. M. dous livros meus, de novo impressos, que
tenho por menos enfastiados aos presos que aos soltos; porque cada cousa se recrea
189
com seu semelhante. Se por lá aparecer algum dêste gênero, por mais que seja tão pio
como aquele bom vizinho do Padre Soler, faça-nos V. M. mercê de reparti-no-lo.
(século XVII)
(584) Chama-lhe patente, porque, por mais que nós o escondamos à vista, ele se mostra
ao desengano. Desde essa própria solidão, em que é edificado, desde êsse próprio
deserto, em que mora oculto, desde aí grita, dá vozes e se mostra descoberto e patente.
(século XVII)
(585) Estas são as nossas francesadas, e êste é o mal francês de que nos não havemos de
livrar por mais que suemos. (século XVII)
(586) Bem me consta da universal curiosidade de Vossa V. M. e, por mais que conheço,
terá Vossa V. M. neste Reino grandes e sábios correspondentes; todavia eu me ofereço
a êsse exercício, se valer para tanto. (século XVII)
(587) E porque é matéria impossível e número sem com to, fiquem em silêncio (por mais
que tão grande brado deram nas escolas) os Vasques, os Soares, os Molinas, os
Valenças, os Belarminos, os Canísios, os Toledos, os Lugos, os Caetanos. (século
XVII)
(588) mas ofereci-me a êles, porque tenho pelo maior de todos a dilação, e mais quando
dela dela dependia não achar a V. Ex.a nesta côrte, como me aconteceu, por mais
que o quis prevenir; mas sou eu tão amante das conveniências de V. Ex.a que, pela
de V. Ex.a se restituir mais cêdo a sua casa, e pelo que estes negócios podiam
embaraçar a V. Ex.a alguns dias fora dela, quási me não pesou de V. Ex.a ser partido,
fineza com que só posso pagar as obrigações que devo a V. Ex.a e às senhoras
condessas da Vidigueira. (século XVII)
Nos casos em que a oração concessiva -- com este conector -- seleciona o
subjuntivo, a noção condicional está presente e quase sempre se projeta no futuro. Quando se
registra o indicativo, indica-se um evento real, que é do conhecimento do enunciador.
No século XVIII, anotaram-se apenas quatro ocorrências do item concessivo por
mais que, todas as orações em posição interfrástica. O indicativo é encontrado em apenas uma
ocorrência, extraído de uma peça teatral (exemplo 592), com verbo no passado, denotando um
fato real.
(589) Os açoutes, o vil tratamento, que geralmente experimentarão os Indios em outro
tempo, o desprezo, e inequidade com que nestes são tratados, he motivo assas forçozo,
para se orrorizarem da nossa amizade, por mais que se vejão participantes hoje da
190
graça, que o exemplar animo, e inacta piedade do Senhor Rey Dom Joze 1º lhes
concedeo. (século XVIII)
(590) Mas a Verdade, por mais que se encubra, sempre transpira. Três Embaixadores
atenieses que, cinco ou seis anos depois do tal decreto, vieram a Roma, namoraram
todos com os seus discursos; e, não obstante a repugnância de Catão e de alguns
outros, os estudos das Belas-Letras se introduziram em Roma, e cada dia mais se
aumentaram. (século XVIII)
(591) Não vi ainda Português algum (não falo dos que passaram à Itália até à idade de 7
ou 8 anos, porque estes perderam a sua língua, e falam o Italiano como língua própria)
por mais estudioso e diligente que fosse, que aprendesse a pronúncia, principalmente
toscana ou romana, em que expressamente se pronunciam as duas letras consoantes:
todos as pronunciam como uma simples. (século XVIII)
(592) E couzas mui bonitinhas Sete sacos bem cheos De mui bellas camarinhas; Tambem
hia’ono prezente Humas mui ricas Peruas, que por mais que me cancei, nam pude
achar mais que duas. (século XVIII)
No século XIX, registrou-se apenas uma ocorrência do item por mais que no
subjuntivo, retirado da seção de cartas de leitores/redatores, com a oração concessiva em
posição inicial no período. Nesse contexto, a oração concessiva veicula um evento real, no
passado irrelevante para a tese (“nem ha calum-nia nem injuria”).
(593) Instei por intervenção do meu advogado, que não | estando saptisfeito o quesito para
que fôra | feita a intimação, pois que não estava de- | clarado si se afirmava, que
dobrando me eu | á vontade de alguem tinha estabelecido o pre- | ço do café em mais
do que devia, necessario | era uma resposta terminante n’este sentido; | e mandando o
juiz que me fosse respondi- | do, a resposta tornou a ser a mesma:- | o Jornal foi
procurado, e como nem ha calum- |nia | nem injuria, não damos outra alguma |
explicação.- E por mais que fosse instado | o redactor do Jornal, declarou, que nada |
mais respondia, e com effeito mudo ficou. (século XIX)
Posto que
O emprego de posto que, como conjunção concessiva, na língua portuguesa, ocorre do
séc. XV ao século XIX. Essa conjunção resulta da junção do particípio passado do verbo pôr
(posto), seguido da conjunção que. Nos 10 dados registrados no século XV, a presença do
191
subjuntivo foi categórica e o conector apresentava a noção de concessão, com noção
hipotética e futura.
(594) E rrefaçom de paredes de pedra e barro madeira grosa e delgada pregadura e telha
em / quallquer tempo que ouuere~ mester corregimento E posto que estes be~es ou
parte deles perecam / per fogo ou per outro quallquer casso furtujto ou nõ furtujto que
lhe auj~r posa que todauja / as ditas pesoas torne~ todo a rrefazer de nouo em tal
maneira que nas ditas tres vidas / andem bem corregudos e aproueitados melhorados e
nõ peJorados e que dem e pague~ de / foro e pensom destes be~es en cada hu~ ãno ho
quarto de todo pam vinho e azeitona que / deus der scilicet ho pam na eira e ho vinho
aa bica do lagar da qujntãa honde ho faro. (século XV)
(595) E bem asy as mantere~ nas ditas tres vidas / de gujsa que nõ deffaleçam E posto
que cayam ou arçom ou lhes aconteça outro algu~ casso posto / que furtujto seja
que todauja as ditas pesoas as torne~ logo a rrefazer pello modo dantes de / maneira
que andem bem corregidas e aproueitadas melhoradas e nõ peJoradas. (século XV)
(596) A segumda rrezão, muy allto primçipe, hera porque, posto que os feitos de Çeepta
pareçam vossos, pois a çidade he vossa, nóm Se podem dereitamemte apropiar //(p.
10) a vos senão aaquelles que se per vosso propio mamdado fezerão depois que, per
graça de Deus, ouvestes o cetro da coroa rreall de vossos rreynos, em que nóm foram
menos aqueçimemtos que hos primeiros, que eu com melhor vomtade escrevera
jumtamemte com hos outros vossos feitos, que sam açaz dinos de gramde memoria,
sequer por vos mostrar allgum conheçimemto da llomga criaçõ e muita bemfeitoria
que por vossa merçe, husamdo de vossa acostumada virtude, de vos rreçeby, caa se
allgum saber em mym há, posto que seja pequeno, com has vossas migalhas o
apremdi. (século XV)
No século XVI, a conjunção posto que passa a ser empregada também como
conjunção causal e, nesse caso, se combina com predicador no modo indicativo, com a oração
subordinada após a oração principal.
(597) Sábes como [h]ás-d[e] entender a autoridáde que alegáste de Séneca; nam por os
víçios da comissám ou permissám da vontáde de que óra tratamos, cá seria palávra
herética, mas entende-se dos víçios naturáes do ânimo e do corpo de que atrás
falamos. Porque a virtude morál nam está nas potênçias naturáes ou sensuáes, mas no
bem da razám, posto que pela esposiçám que ele vái fazendo da proposiçám, paréçe
que se refére aos outros víçios. (século XVI)
(598) F<ILHO> – Se a sobeja tem éssa calidáde, que causa trocar-se a ordem das cousas,
per ésta maneira os sérvos que â tevérem menos, terám mais artelharia pera conquistár
a liberdáde do senhor.
192
P<ÁI> – Posto que eles [h]am ésta régra / por çérta per aqueles dous provérbios :
<<O hómem vergonhoso, seu pecádo ô levou ao páço>> e <<Sem proveito é a
vergonha em hómem neçessitádo>>. (século XVI)
(599) Quanto he senhor a esta Nova Lusitania posto que com muito trabalho e com asaz
de fadiga tamta quanta ho Senhor Deus sabe a cousa estaa bem premcipiada a Deus
louvores. (século XVI)
(600) e soube ora que não fora dada a Vossa Alteza posto que me diseram que fora
entregue n'allfandega e que ahi desaparecera. (século XVI)
No século XVI, o conector posto que concessivo, geralmente ocorre em posição
inicial ou interfrástica no período, independente do distanciamento entre o conector e o verbo.
(601) E que, posto que muytas vezes e com muytos cramores geraaes e queixumes muy
justos de meus povoos, e com tanta Rezão e justiça, me fosen pedidas Represarias
contra os Framceses, e eu lhas podera muy justificadamente dar, e mais ymdo os
malles ~e tall creçimento e tam sem se prover por sua parte, que não pareçia que
fiquaria outra nenh~ua cousa por fazer; e que como derradeiro Remedio, pois que tam
justam~ete se me pidia, na pareçia que se podia caise Revoguar senom injustam~ete.
(século XVI)
(602) e posto que Vossa Alteza la tenha tudo bem sabido todavia direi o que eu qua
Senhor entemdo aserca do que emqueri e soube das cousas da Bahia. (século XVI)
(603) E por que nos d'eso praz, lhe mãdamos dar este por nos asinado, pora o ter por sua
goarda e lembrança nosa, o quall queremos que valha como se fose carta pesada por
nosa chancelaria, e posto que este noso alvara nam pase por ella, sem ~ebargo de
quaesquer leis e ordenações que ahy aja em contrairo; porque, pera este ser firme, as
derrogamos e anulamos, e queremos que este se cumpra ymteiramemte. (século XVI)
Há, no entanto, certos contextos de restrição, em que o conector posto que
concessivo ocorre combinado com verbo no indicativo:
a) em processo de gramaticalização.
(604) e me vieram Senhor com pitições e com reqerimentos que tall não comsemtise
senão que me encampariam as fazendas e os enjenhos e mas ouveram por encampadas
es tall consemtise, e posto Senhor que ja o qua tinha defeso oje neste dia o tornei
mandar pregoar por todallas povoações e fazendas que pessoa alguma ho não corte
nem faça nem falle em se fazer brasill a vinte legoas destas povoações. (século XVI)
193
No século XVI, o conector posto que ainda não tinha se cristalizado, permitindo a
intercalação de elementos.
b) com verbo modalizador, na forma do presente.
(605) E o mais que podereys dizer, se vos tall perguntar pessoa a que devais de
Responder, será que ho não sabeis, mas que sabeis certo que farey o que devo muy
imteyram~ete, posto que, semdo ta tarde, nõ pode ser senão menos do que a s~e
Rezão mereçe. (século XVI)
c) com perífrases verbais.
(606) Iteem: vos me sprevestes que, posto que estaveys detryminado de dilatar ho
negocio quamto podeseys, se porem eles vos cõçedesem ho em que ficareys, e
apertasem cõvosquo, nem poderyes al fazer senam aceytar o cõcerto e a carta delRey
de Frãça, quando se al nam podese fazer, ou minha reposta tardase, e o poderees teer
açeytado de tal maneira que nam posaes leixar de o cõcludyr e cõpryr, pera gardades
vosa palavra, em tall caso ey por b~e que asy compraes, sem ~ebarguo do que vos
apõto em cõtrairo; por que ey por muyto certo que o niso teverdes feyto, foy o que
mais cõpria a meu serviço. (século XVI)
Nos itens (a) e (c), as proposições com posto que veiculam um evento real, no tempo
passado. No item (b), a proposição modalizadora ocorre no tempo presente, destituída de
qualquer caráter de obrigatoriedade.
No século XVII, registraram-se 60 ocorrências de construções com o conector posto
que (com valor causal ou concessivo). Desse total, 33% (12 oco) se encontra no subjuntivo,
no tempo presente ou no passado, independente da posição em que ocorre. Em todas as
orações, observa-se conotação hipotética.
(607) Finalmente, esta última resolução que no ano de quarenta assombrou o mundo,
posto que muito a devamos à ousadia do nosso valor, muito mais a deve o nosso
valor à confiança de nossas profecias. (século XVII)
194
(608) A verdade e desengano de que tudo passa (que é o nosso primeiro ponto) posto que
seja por uma parte tão evidente, que parece não ha mister prova, é por outra tão
difficultoso, que nenhuma evidencia basta para o persuadir. (século XVII)
(609) Os rios esquecidos da doçura de suas aguas, posto que as do mar sejam
amargosas, como todos nasceram do mar, todos vão buscar o mesmo mar, e só n'elle
se desafogam, e param como em seu centro. (século XVII)
(610) Em fim, é certo e de fé, que Christo vem fazer este Juiso, posto que o modo não
esteja definido. (século XVII)
(611) A clareza da narrativa é assaz evidente, por falar com palavras muito próprias, e
naturais, e com tudo se vê nele tanta majestade, que causa admiração poder ajuntar
com tanta gravidade tanta clareza, porque nas descrições é tão fácil, que muitas vezes
parece mais poeta, que histórico, posto que nesta parte a história e poesia sejam muito
conformes. (século XVII)
(612) O bom médico não tira pela lanceta todo o sangue, posto que seja pôdre. Manda a
prudência, como mestra de tudo, em parte aliviar e em parte temperar. (século XVII)
Nos demais casos, o conector concessivo posto que, com valor concessivo, ocorre
combinado com verbos no indicativo, nos seguintes contextos:
a) com verbo no passado, em formas simples ou em perífrases verbais
(613) Succedeu-lhe José, o que sonhou as suas felicidades e adorações de seu pae e
irmãos; posto que todas se cumpriram, todas passaram como se foram sonho. (século
XVII)
(614) E posto que na conta o offereceu outra vez, e restituiu inteiro, porque não tinha
negociado com elle, nem adquirido coisa alguma, o senhor não só lançou fóra de sua
casa, e o mandou privar do talento, mas o pronunciou por máu criado: [: serve
nequam, que foi a sentença de sua condemnação. (século XVII)
(615) O outro tratado das cousas artificiais dá a entender João de Barros que o deixou
quase acabado, posto que se não publicou. (século XVII)
(616) E posto que para os versados na lição de uns e outros bastava esta suposição
somente apontada, porei aqui para os demais as palavras de dois grandes doutores,
Castro e Canísio, ambos do século antecedente a este nosso, e ambos diligentíssimos
investigadores da Antiguidade e doutíssimos na erudição da Escritura, Concílios e
Padres, os quais expressamente afirmam que muitas cousas se sabem e entendem hoje
que foram ou ignoradas dos Padres antigos, como fala Castro, ou incógnitas a eles,
como mais certamente diz Canísio. (século XVII)
195
Nos dados com o verbo no passado do indicativo, o enunciador descreve um fato
baseado em seu conhecimento de mundo. Além disso, nota-se que, nos exemplos (615) e
(616), há certo distanciamento entre o conector e o verbo da oração subordinada concessiva.
b) com verbo no presente, em perífrases verbais ou em formas simples, independente da
posição da oração.
No exemplo (617), o conector posto que ocorre combinado com a construção verbo
ser/estar+adjetivo, em uma proposição que é do conhecimento do enunciador.
(617) O da ciência é João Botero, que na sua Razão de Estado falando dos estados mais
duráveis, diz dos de Espanha, que posto que estão apartados uns dos outros, se não
podem chamar desunidos, tendo esta coroa dinheiro com que os socorrer. (século
XVII)
Foram encontradas, também, construções com verbo elíptico (18 oco), em que o
conector posto que se combina a um sintagma adjetival ou adverbial, o que parece evidenciar
a completa gramaticalização desse item. Esse tipo de construção ocorre, em geral, em posição
interfrástica no período, com a função de trazer informação adicional e, em todas as
construções, nota-se o valor de concessão.
(618) Foram mostradas a Faraó em sonhos as sete espigas gradas e as sete falidas, as sete
vacas fracas e as sete robustas, e logo ordenou a Providência Divina que estivesse em
Egipto um José (posto que vendido e desterrado), que lhe declarasse o mistério dos
sete anos da fartura e sete de fome, para que conhecesse o bárbaro que Deus, e não o
seu adorado Nilo, era o autor da abundância e da esterilidade, e que a ele havia de
agradecer, no benefício dos sete anos, o remédio dos catorze. (século XVII)
(619) a este género de preceito assim escrito, posto que não intimado com outra
autoridade ou solenidade, julgou que tinha obrigação de obedecer, e com efeito o
obedeceu e observou em matéria tão grave e de tanto peso e interesse de sua coroa,
como era demitir de si um povo e um reino tão notável, de que ele já era o terceiro
possuidor, porque o primeiro foi Nabucodonosor, o segundo Baltasar e o terceiro Ciro.
(século XVII)
196
Nos dados do século XVII, a conjunção posto que pode também ser empregada
como conjunção causal, combinada com predicador no modo indicativo, no passado ou no
presente.
(620) Levanta-se este assunto sobre toda a esfera da capacidade humana, porque Deus,
que é a primeira fonte de toda a sabedoria, posto que repartiu os tesouros dela tão
liberalmente com os homens (e, muito mais, com o primeiro), sempre reservou para si
a ciência dos futuros, como regalia própria da divindade. (século XVII)
(621) Nos, cum nullo horum indigeremus, habentes solatio sanctos libros, qui suntin
manibus nostris, maluimus mittere ad vos renovare fraternitatem et amicitiam:
"Mandamos renovar por este nosso embaixador (diz Jónatas) a antiga amizade e
confederação que convosco fizeram nossos maiores, não porque tenhamos necessidade
dela e dos vossos socorros, posto que não nos faltam inimigos, guerras, opressões e
trabalhos; mas temos sempre em nossas mãos os Livros Santos, em que lemos as
promessas divinas, e com eles e com elas nos consolamos e animamos a resistir,
pelejar e vencer, como temos vencido e venceremos a todos nossos inimigos". (século
XVII)
(622) Este é o sentido literal e verdadeiro destas palavras do anjo, como se pode ver em
todos os comentadores de Daniel, posto que elas são tão claras e expressas, que não
necessitam de comentador. (século XVII)
(623) O estado dos negócios de Inglaterra estimo quanto não posso encarecer a V. S.a,
posto que também estou fora da graça daquela Majestade, por entender que segui
mais as partes de Lisboa que as da Ilha Terceira, no sermão em que me obrigaram a
fazer um manifesto, em que cuido falei com mais decôro que o tão bem visto e
premiado Catástrofe. (século XVII)
(624) E outras boas partes era buscado, e amado de muitos: posto que lhe não faltaram
alguns émulos (de quem se ele queixa na sua Apologia da quarta Década) que é final
manifesto da virtude; porque os maus naturalmente aborrecem os bons, por serem
contrários a seus costumes. (século XVII)
No século XVIII, registrou-se apenas uma ocorrência do conector concessivo posto
(que) com verbo no subjuntivo, na forma do presente. No dado a seguir, o conector posto
prescinde do que, o que demonstra total gramaticalização do elemento, antecedendo o verbo
ter. Nesse caso, o subjuntivo apresenta uma nuance restritiva: o fato de o rio “ter suficiente
largura” perde a relevância, uma vez que a tese aponta em sentido contrário “a barra é
inconstante e (...) não permite navegação continuada”. O subjuntivo ocorre em uma cláusula
197
com conteúdo atestado, mas que, argumentativamente, é atenuado, ou seja, se torna “fraco”,
se comparado a outros elementos presentes na proposição. Nesse sentido, esse conector
concessivo assemelha-se à interpretação pragmática atribuída ao embora, que parece, em
alguns casos, esvaziado de caráter hipotético.
(625) O Rio Cabapuana, ou de Moribaca Limite ou termo deste Districto pela parte Norte,
tem seo nascimento na Serra do Pico: desce quaze ao rumo de Lesnordeste, e vai ter ao
Mar por huma barra pouco segura pelos baixios, que tem distante da do Paraiba 5 1/2
legoas pela Costa. Ella, a barra, he inconstante, e a proporção das mudanças do tempo,
e das enchurradas de agoas do Monte se altera, ora encostando-se para o Sul, ora mais
para o Norte, de cuja variedade nasce não permitir navegação continuada, posto tenha
suficiente largura. Ainda assim tem dado asilo à algumas lanxas corridas das
tempestades, e depois sairão filismente precedendo alguns exames de sondas. (século
XVIII)
Anotou-se, ainda, o conector concessivo posto que combinado com verbo no
indicativo no contexto:
a) com verbo ser+adjetivo.
(626) Alem do terrenos mencionados, segue-se ao norte do Paraíba, o das cassimbas, que
finaliza o Rio Cabapuana, ou Moribeca: Este he menos povoado pela fraqueza, e total
impossibilidade de seos possuidores, os quaes sendo Senhores de Leguas de Terras, o
não são de forças para lhes darem hum exercicio proporcional, ficando por esta cauza
inuteis, e sem serventia proveitoza ao Estado. Hé a onde se achão as melhores
madeiras, para uzo dos Arsenaes, e não dificeis de conduzir-se. Elle he igualmente
fecundo para toda a qualidade de plantas posto que chegado a vizinhança do Combro
do Mar hé menos productivo. (século XVIII)
(627) Os Tabuyáyás, tãobem são grandes; porem muito menores: tem a cor branca, com as
pontas das azas negras. A sua carne, hé excelente para o gosto. Semilhantes no
tamanho, e cor; posto que mais delgados, são os Manguaris. (século XVIII)
Nos dois exemplos, observa-se um caráter híbrido, com o conector posto que
veiculando uma informação que é do conhecimento do enunciador.
198
No século XIX, registraram-se 8 ocorrências do conector concessivo posto que, com
50% de uso do subjuntivo. No exemplo (629), o conector posto ocorre desacompanhado do
item que.
(628) Não dissimularei que na legalidade ha al- | guns homens tão empenhados na
continua- | ção da guerra, como são em respirar para | viver. Porque havendo feito por
ella for- | tuna e elevação, e considerando que acabada | ella, hão de ficar sendo o que
são, e não | o que parecem, estão determinados a pôr todo | o estorvo e pêas ao
andamento regular das | cousas: e posto que sejão os principaes, ho- | mens nullos e
ineptos, sempre é certo que | por sua posição no exercito muito podem dam- | nar, se o
barão tolerar d´elles, como os seus | antecessores, o mais leve deslustre e insu- |
bordinão. É necessario desenganarmo-nos | que a indisciplina e imoralidade é peste
pe- |gadiça por encherto de sua própria materia; | o fogo que quanto mais devora mais
força ganha para devorar. Pelo que sem extermi- | nal-o de chofre e totalmente não ha
fiar da | mais leve faisca. (século XIX)
(629) Marinia Sim senhor, tome menino,⁄ Va comendo este fular,⁄ Que sei delle hade
gostar,⁄ posto seja pequenino. (século XIX)
Esse conector ocorre combinado com verbo no indicativo com verbo no presente ou
no passado, denotando um fato real.
(630) Mon. Eu tambem em solteira nunca uzei deses brincos, e mais huma rapariga minha
vezinha, sem eu apresentir, deitou-me huns poucos de pós da india no pescoço, que
toda a tarde me esteve a comer, mas eu só o que lhe fiz, foi deitar-lhe hum copo de
agoa pela cabeça, de que despois me pezou, posto que não lhe fez mal algum. (século
XIX)
(631) Frondozo. Pois entaõ aceite la,⁄ Va contando esse dinheiro, ⁄ Que posto eu já o
contei ⁄ Veja tambem se está certo⁄ Aqui tem esta condesa, ⁄ Por dentro os va
encaixando, ⁄ E tu Gracio pega nella, ⁄ Vamos daqui a obiato. (século XIX)
Registrou-se uma única ocorrência com verbo elíptico, em uma construção que
denota posse.
(632) Faxa hydraulica de Monteiro. – Este in-[3ª coluna] vento de um patricio nosso é um
dos bonissi- | mos dos modernos tempos, um dos que mais | convem se apregoem, até
serem por toda a | parte recebidos. | Posto que de autor pórtu- |guez, os jornaes
scientificos e academias es- |trangeiras o engrandecerão com louvores, na-|ções altivas
o adoptarão, e ambos os go- | vernos da nossa peninsula o coroarão com | o privilegio
199
da lei. Um pouco annunciarão | jà acerca da Faxa hydraulica alguns perio- | dicos de
Lisboa. (século XIX)
Se bem que
A partir da associação da conjunção se ao advérbio bem, forma-se o item
conjuncional se bem com a função de estabelecer a função de contrajunção. No português
atual, o item se bem junta-se à conjunção que, formando a conjunção concessiva se bem que.
Barreto (1999) destaca que, na formação da conjunção concessiva, poderia ser possível supor
que, por um processo metafórico, o conteúdo adversativo da conjunção tenha se atenuado,
tornando-se concessivo, quando o item era empregado após orações afirmativas, e que a
associação com o que tenha se dado por analogia a outros itens conjuncionais da língua
portuguesa.
No século XVII, o item se bem que aparece como conector com verbo na 1ª pessoa
do presente do indicativo.
(633) "O que se haja de dizer de tais homens e de tais entendimentos, não o sei; só digo
que, depois de terem caído no primeiro erro, perseveram constantemente na sua
ignorância, defendendo umas cousas vãs com outras tão vãs como elas; se bem que
algumas vezes cuido que não dizem nem escrevem isto deveres, senão por jogo e
zombaria, e que sabendo muito bem que tudo o que dizem são fábulas e mentiras, as
defendem, contudo, para ostentar habilidade e engenho, empregando tão bons
entendimentos em tão más cousas". (século XVII)
No século XIX, o item concessivo se bem que ocorre duas vezes: com verbo no
subjuntivo (634) e com verbo elíptico (635).
(634) Do Sr. Apulcho Castro, proprie- | tário do Corsario, recebemos a se- | guinte carta: | |
<<Sr. Redactor do Jornal da | Noite, Tenho nestes ultimos | dias, lido o seu popular
jornal.|| <<Lamento, porém, que V. S. | não esteja bem informado de todos | os
acontecimentos para delles dar | noticia aos seus innumeros leito- | res. || <<Se bem
que em todos elles eu | não veja a independencia e ener- | gia que em taes
circunstancias ca- |bia tomar a imprensa que defende | os principios e não o interesse
200
de | balcão, todavia calou-me no espi- | rito o seu artigo de 1o do cor- | rente.|
<<Entremos na analyse do su- | pra-citado artigo. (século XIX)
(635) e eu me achava doente ha tres ou quatro dias antes e continuei a estar por mais
outros tantos, e se bem que não bom de todo, fui a Camera a 23 tão somente pa ra
responder adito Padre Pinto sem que se me offerecesse occazião. (século XIX)
Sem que
Registraram-se 14 casos com o conector sem que no século XVII, com a presença
categórica do subjuntivo, no presente ou no passado. Esse conector pode ocorrer
estabelecendo valor de concessão (exemplo 636) ou de condição (exemplo 637) .
(636) assim como o primor e subtileza da arte cómica consiste principalmente naquela
suspensão de entendimento e doce enleio dos sentidos, com que o enredo os vai
levando após si, pendentes sempre de um sucesso para outro sucesso, encobrindo-se
de indústria o fim da história, sem que se possa entender onde irá parar, senão
quando já vai chegando e se descobre subitamente entre a expectação e o aplauso.
(século XVII)
(637) pois, como diz o Senhor, e com tão particular asseveração, que tudo se havia de
cumprir dentro do mesmo seculo , que então corria, e que se não havia de acabar
aquelle seculo sem que viesse o dia do Juiso : [: Non præteribit qeneratio hæc, donec
omnia fiant? (século XVII)
(638) Assim todas as coisas d'este mundo, por grandes e estaveis que pareçam, tirou-as
Deus com o mesmo mundo do não ser ao ser; e como Deus as creou do nada, todas
correm preciptadamente, e sem que ninguem lhes possa ter mão, ao mesmo nada de
que foram creadas. (século XVII)
(639) Já que V. M. me manda dizer meu sentimento no caso, que me fez mercê de
comunicar o outro dia; sem que o torne a repetir (pois entre as mãos nos anda) digo,
senhor, que me parece que a primeira razão de se fazerem estimáveis os serviços aos
Príncipes, é o grande perigo ou a grande conveniência que neles concorrem; donde se
funda a obrigação ou interesse de quem os deve pagar, conforme os avalia. (século
XVII)
(640) Desvelam-se os homens, por ler as obras de um grande filósofo, político, orador ou
poeta, sem que as hajam visto, só pela opinião que neles tem de seus autores. Que
será, e que não é bem que seja, por ver, por estudar os livros compostos do Espírito
Santo, que foi o inefável Oráculo, que influiu nos Santos Profetas? (século XVII)
201
No século XVIII, anotaram-se 16 ocorrências com o item conjuncional sem que,
com presença categórica do subjuntivo.
(641) Aquele que escrever alguma memória a apresentará à sociedade, sem que antes nem
depois a comunique a pessoa alguma, exceto quando a mesma sociedade julgue que
se deve pôr em prática por utilidade pública. (século XVIII)
(642) Foi mais dito, pelo careado, que também era verdadeiro o juramento do careante na
parte que dizia em que sua Alteza mandara repreender o arcebispo de Braga, pois que,
à chegada de uns navios de Lisboa, nas mesmas conversações, se dera esta novidade,
sem que nelas fizesse alguma nota. (século XVIII)
(643) O que é muito de notar, sendo que os Tosca nos aspiram fortemente todos os
monossílabos sem que por isso escrevam h. (século XVIII)
(644) Nesta caza a toda a hora, / por te dar gosto estaremos, / seem que haja repugnancia,
/ eu to affirmo, eu to prometto. (século XVIII)
(645) Florindo.Todos tem o seu enfado, / pois para que se termine, / he justo, sem que os
seus brados / denotem estar satisfeito / dos nossos estreitos laços, / demos as mãos de
Espozos, / arda a pira de amor sacro. (século XVIII)
O item conjuncional sem que, no século XIX, ocorre em 13 dados, com valor
concessivo (exemplos 646, 648 e 650) e condicional (exemplos 647 e 649), em todos os casos
com o verbo da oração subordinada na forma do subjuntivo.
(646) 3ª - O que V. Ex. indeferiu foi o meu reque- | rimento pedindo a arrematação da
carne a favor | dos meninos cégos, de quem não queria ser | procurador; mas afinal
vem a sel-o, para obe- | descer ao tribunal do thesouro, ao qual eu tinha | recorrido,
havendo um intervallo de 51 dias | entre a apprehensão e a arrematação com peri- | go
da deterioração do genero, já pertencente a | um estabelecimento pio, e sem que V.
Ex. ti- | vesse mandado proceder a um exame hygienico | como lhe cumpria. Diz que
V. Ex. que em 1863 Já | não se lenbrava do que tinha passado em | 1860; | não é isso
crivel; mas, se assim é, eu | lhe avivo a memoria, visto a cavaco que V. Ex. | dá no
Correio Mercantil de hontem, com a re- | petição da historia. (século XIX)
(647) Ao Sr. Ministro do imperio, para que se | sirva dar as covenientes ordens afim de
que. | na conformidade do artigo 37, e da adver- | tencia 5a. da lei de 30 de novembro
n.243, | se não expeção titulos aos agraciados sem que | mostrem conhecimento
passado pela recebe- | doria do municipio, de terem pago a res- | pectiva joia ou direito
a que estão sujeitos. (século XIX)
202
(648) No dia 23 de novembro próximo passado , serião 11 horas da manha, mandou João
Pedro cercar | a minha casa por 30 escravos seus, com- | mandados por um pardo de
nome Betrano | ou Beltrão; todos armados de espingardas, | foices e facas, com o fim
de um assassina- |rem, porêm debaixo do ostensivo pretexto | de se me prender, por ser
eu indiciado no | crime de tentativa de morte contra o mesmo | João Pedro, sem que se
me houvesse d’ essa | mesma falsissima imputação formado o com- |petente processo,
sem o qual não se podia | contra mim expedir ordem de prisão, e muito | menos confiar
a execução d’ella a escravos | do meu inimigo capital, que se dizia offen- |dido.
(século XIX)
(649) quer pagar ao Caminho ao | empreiteiro da casa a importancia | das ultimas obras
feitas, na im - |portancia de 49 contos, ficando | assim livre do compromisso que |
tomou de não vender nem hy - |pothecar a casa, sem que elle seja | pago, elle pretende
encorporar | o Prado de Petropolis, pagão-lhe | já. (século XIX)
(650) Lamb. Estou taõ farto de aturar povo, que em se casando minha filha, enforco logo o
officio: que nunca seja possivel passar-se hum dia, sem que me preguem algum
garazio? aquelle com o pretexto de achar muito salgado o jantar, abafa a colher, a faca,
o garfo, e o guardanapo: este como que se condóe da minha larga consciencia, lomizia
quanto póde na algibeira, e vai á noite fazer o bico ao sacho á minha saude. (século
XIX)
Como se pode observar, o conector concessivo sem que apresenta um evento de
caráter restritivo, que pode funcionar como condição ao que se quer defender. O uso
categórico do subjuntivo pode ser explicado pela presença dessa forte restrição, que exclui
qualquer possibilidade, estando presente o traço de obrigatoriedade⁄futuridade.
4.2.2 Análise variacionista
Ainda que
Foram registradas 357 orações concessivas com o conector ainda que, dentre as
quais 60% se encontram no subjuntivo. Na escrita do século XX, esse conector não foi
registrado.
203
Século
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
Oco de subj./ Total
1/1
10/12
14/21
21/26
87/172
60/95
24/41
0/0
% (subj.)
100
83
67
81
51
63
59
0
Tabela 13. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que ao longo dos séculos
A oração subordinada concessiva com o conector ainda que podia anteceder (651),
suceder (652) ou intercalar a oração principal (653).
(651) E, ainda que nam seja pera a linguágem, verdadeiramente assi ô pódes ter na
música, porque a prolaçám e ár que temos da linguágem, diferente das outras nações,
temos no modo do cantár, cá mui estranha compostura é a françesa e italiana à
espanhól, e as guinádas e deminuiçám que fázem ao cantar, fázem na prolaçám e
açento da fála. (século XVI)
(652) Resistir a uma razão tão evidente como a que diz - Assim o quer Deus -, é tão
indigna e afrontosa resistência, que nenhuma razão de estado a pode justificar, ainda
que houvesse de se perder o mesmo Estado. (século XVII)
(653) Mas eu digo mais, e assento que, ainda que uma seja abreviatura da outra,
importava muito à língua portuguesa que se deitasse fora o til e a terminação ão,
escrevendo-se tudo extensamente, e, uma de duas, ou que se escrevesse Falaom, ou,
abreviando, Falam. (século XVIII)
O uso do subjuntivo é favorecido quando a oração concessiva ocorre em posição
intercalada (76 %).
Oco⁄ Total
98⁄181
87⁄144
32⁄ 43
Posição da oração concessiva
Oração concessiva⁄ Oração Principal
Oração Principal⁄ Oração concessiva
Oração concessiva intercalada
Tabela 14. Posição da oração subordinada concessiva com o conector ainda que
204
%
54
60
74
O tipo de elemento interveniente entre o conector concessivo ainda que e o verbo da
oração concessiva também pode funcionar como elemento favorecedor ou inibidor do uso do
subjuntivo.
Tipo de elemento interveniente
Clítico
Sintagma nominal (SN)
Sintagma nominal (SN) + Sintagma adverbial (S ADV)
Clítico + elemento de negação
Intensificador
SN⁄SADV + elemento de negação
SN⁄SADV + Clítico
Elemento de negação
Sintagma Oracional (SO)
Série de elementos
Sintagma adverbial (SADV)
Oco⁄ Total
21⁄33
55⁄83
4⁄ 7
9⁄13
2⁄ 3
8⁄14
7⁄13
15⁄30
7⁄14
8⁄18
9⁄22
%
64
66
57
69
67
57
54
50
50
44
41
Tabela 15. Tipo de elemento interveniente entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva
Como se vê, na Tabela 15, há elementos intervenientes que restringem a presença do
subjuntivo na oração subordinada concessiva. A presença do subjuntivo é menos freqüente
quando a oração apresenta como elemento interveniente um sintagma adverbial (exemplos
654 a 660) ou uma série de elementos (exemplos 661 e 662).
(654) Mas como lhe hia dizendo não era má a tal vida, e lembrando-me de a conservar
deixei esta, e me accommodei por moço de hum forno; porèm com pouca fortuna,
porque ainda que alli ha muito calor eu sempre andava de algibeira muito fria.
(século XIX)
(655) E depois que estes estromentos em Coimbra se pubricara, de que todos fora hy
espantados, ho Ifan-te mandou mostrar ho treslado del-les ha seu padre, por Nuno
Martins Barreto, e por Ruy Garcia do Ca-zal, e pedirlhe que logo dese ha Affonso
Sanches ha emenda, e cas-tigo, que em tam feyo cazo mere-cia. Do que ElRey foy
asaaz ma-ravilhado, e posto em muy tristes pensamentos, ainda que logo co- nheceo,
que todo eram manhozas envenoens, e maal compostas, e ahos mesageyros do cazo,
respon-deo por maneyra, que fora elles contentes, e sobresto ElRey enviou logo aho
Ifante, Fernam Rodri-gues Bugalho. (século XV)
(656) Com esta vai cópia do papel que me pediu Mr. de Estrade, e lho remeto traduzido
em francês, e ainda que nêle considero só os interêsses de França, os nossos são tão
205
grandes que, ainda sem a liga, me parece nos conviria muito êste concêrto, e
bastavam, quando não houvesse outros, os três seguintes. (século XVII)
(657) Também nas obras de Plutarco anda um discurso, que ele intitulou: De immodica
verecundia, no qual, ainda que em parte leva o intento de João de Barros, segue outro
caminho, como o pode ver quem ler ambas as obras. (século XVII)
(658) Nestas, e outras obras mereceu bem Gaspar Barreiros o nome de sobrinho, e
discípulo de João de Barros, ainda que na última recebeu o maior louvor de todos,
que foi deixar tudo por amor de Deus, e entrar na Religião de S. Francisco, onde
morreu com grande opinião de virtude. (século XVIII)
(659) Guarda o decoro, acerta os nomes; e ainda que na ortografia e letra tem
imperfeição, pecano menos importante. Tenho a êste pelo mais claro, mais decoroso e
melhor seguido soneto; e lhe sinalo o prémio dos epigramas vulgares. (século XVIII)
(660) E logo, pelo desembargador-chanceler, foi dito a ele, respondente, que até agora
tinha presistido em uma contumaz negativa a respeito de todos os pontos sobre o que
tinha sido perguntado, pois ainda que em algumas das perguntas modificara as ditas
negativas e confessara alguma parte do que se-lhe havia perguntado, fora sempre em
dúvida e de possível, (...). (século XVIII)
(661) Durou este repouso a João de Barros perto de três anos, nos quais parece que tratou
mais consigo que com livros, porque levando a quarta Década acabada de Lisboa
(segundo se vê da sua apologia, que mostra ser feita servindo ainda o ofício) nem a
imprimiu neste espaço, nem deu fim à sua Geografia e ainda que as indisposições
daquela idade, que já segundo a escritura ia entrando nos anos de trabalho, e dor,
podem ser desculpa deste silêncio, assaz a tem também, se tomou este tempo pera si
mesmo, pois tantos anos tinha vivido para os outros, e nele se aparelhou para a última
jornada, para se não achar naquela hora desapercebido, a qual lhe sobreveio neste
terceiro ano a 20 de Outubro de 1570 e foi enterrado em ~ua ermida da invocação de
Santo António que está além do rio Arunca no termo de Leiria. (século XVII)
(662) Pois, ainda que, desde o tempo da guerra com os Samnitas e outros Povos da
Magna-Grécia, pelos anos de Roma 47I , algum Romano começasse a entender e
falar o Grego, foi raro; e sòmente para poder entendê-los nas embaixadas e coisas
semelhantes é que o aprendiam. (século XVIII)
Quando entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva, há a intercalação
de um sintagma oracional (exemplos 663 e 664) ou de um elemento de negação (exemplos
665 e 666) o percentual de uso se mantém em 50%.
(663) Sei que com os acentos se podem distinguir estas coisas, digo, este último caso; e
por isso digo que, ou uma, ou outra coisa, se deve praticar; ainda que eu, por entender
que são necessárias, pratico ambas.(século XVIII)
206
(664) Respondeu que já havia dito que ele não lera os ditos livros, por ter reservado a sua
lição para o tempo de férias, e que nega que em seus escritos se possam achar
preposiçõesque em seu sentido natural contenham princípios a favor das repúblicas e
contra as monarquias, e que pareçam extraídas do citado livro, ainda que dando-selhe uma sinistra interpretação o possam parecer. (século XVIII)
(665) Para aquele cego de seu nascimento, a quem Cristo abriu os olhos, ainda que NÃO
eram novas as quantidades, porque as apalpava, foram novas as cores, porque as não
via; já havia cores e luz, mas não havia olhos. (século XVII)
(666) Já mandei a V. Ex.a quitação do dinheiro que aqui recebemos, ainda que, NÃO vai
por soma de libras, porque não me soube dizer Jerónimo Nunes quantas eram, e V.
Ex.a, assim nesta como na outra carta, fala por número indeterminado de vinte sete mil
quinhentas e tantas. (século XVII)
O sintagma oracional pode promover uma ruptura na estrutura sintagmática, em
(663), com o verbo da subordinada concessiva no indicativo. Já o elemento de negação, em
(665) e (666), parece gerar um efeito de compatibilidade com a noção de contraste, inserida
pela própria oração concessiva, levando o verbo para o indicativo. Nesses dois últimos
exemplos, o conteúdo veiculado na oração concessiva é do conhecimento do enunciador.
Controlou-se, ainda a relação entre os sujeitos da oração principal e a oração
subordinada concessiva. Nas orações em que há identidade entre os sujeitos das orações
principal e subordinada, o uso do subjuntivo é de 65%, em oposição a 54% quando as
orações apresentam sujeitos distintos (exemplo 670). Parece que quando há coreferencialidade entre os sujeitos, observa-se maior integração entre as cláusulas. (cf. item
1.2).
(667) E nam póde ser milhór cautéla que alevantár os olhos pera ver ô que se contém nos
vásos que te apresentam, porque, ainda que o médico seja tam leál como éra Felipo, e
sua tençám seja dár boa mèzinha, se nam é douto que a sábe regulár, máta o paçiente,
porque, muitas vezes, ô que parece saúde nam é sáude, nem a justiça justiça, nem a
fazenda fazenda. (século XVI)
(668) Acho também citado um certo D. Pedro, Cónego Regular, e um Fr. Heitor Pinto,
Jeronimiano, ambos portugueses, por homens mui versados na língua hebraica, ainda
que eu não posso formar juízo das tais obras, porque as não vi. (século XVIII)
207
(669) o terceiro não é idolatra , ainda que se ajoelha diante da estatua de Jupiter , porque
elle não é gentio, faz figura de gentio. (século XVII)
(670) Meu parecer é que V. M. se aparte de tal pensamento, ainda que o apetite lho
represente vestido de honra e zelo; porque de ordinário sucede enganar-nos assi com
estas belas fantasmas: sendo certíssimo que a fealdade nem a iniquidade das cousas
não é a propósito para nos persuadir a elas. (século XVII)
O uso do subjuntivo nas orações concessivas apresenta percentual elevado nas
proposições em que há o traço de futuridade, apesar do verbo no presente (87%). Nos
contextos em que o verbo no tempo presente não apresenta esse traço, o percentual se reduz a
64% (exemplo 674). Esse resultado confirma a hipótese de que a noção de futuridade
contribui para a seleção do subjuntivo na oração subordinada.
(671) A segunda conveniencia d'este trocado modo de pretender é, que viverão mais
descançados os benemeritos . Procurarão sómente merecer, estando muito certos, que,
ainda que vivam retirados da côrte , e muito longe dos olhos do principe, lá os irão
buscar e pretender as dignidades, como ao Baptista no seu deserto. (século XVII)
(672) e a experiência o tem mostrado neste mesmo Estado do Maranhão, em que muitos
governadores adquiriram grandes riquezas e nenhum dêles as logrou nem elas se
lograram; nem há cousa adquirida nesta terra que permaneça, como os mesmos
moradores dela confessam, nem ainda que vá por diante, nem negócio que aproveite,
nem navio que aqui se faça que tenha bom fim; porque tudo vai misturado com sangue
dos pobres, que está sempre clamando ao céu. (século XVII)
(673) nom soomente queyra abre-viar hos annos de seu padre, mas ainda que com
maliciosos cometimen-tos se trabalhe de hos acabar mais cedo, ho quaal tu sabe, que
jaa mais vive por teu proveyto, que pelo seu, porque quaalquer couza de beem que faz,
e ajunta jaa todo he pera ty, e com muitos trabalhos, e despezas afirmou e acre-centou
seu Regno, porque tu depois de sua morte podeses viver nelle, gran-de, e poderoso.
(século XV)
(674) Nos sob hua breuidade do curto estylo, entendemos de se-guir seus excellentes
autos, os quaes, ainda que a algus não apraza outros, com aguilho~es da prouei tosa
enueja podem espertar a fa- zer semelhantes. (século XV)
No que diz respeito à modalidade da proposição, observou-se que o subjuntivo é
elevado nas proposições que traduzem uma condição (80%) -- exemplo 675 -- ou uma
208
hipótese (77%) -- exemplos 676 e 677. O indicativo, por sua vez, ocorre nos contextos em que
se observa o traço de certeza (86%), como se verifica no exemplo (678).
(675) Não serei contudo de voto que se lhe ofereça sem resposta de S. M. , nem ainda
que se fale em Tângere, porque êles não nomearam praça, e nós temos também em
África Mazagão, a qual se deveria oferecer e pleitear primeiro, em caso que
houvéssemos de dar alguma. (século XVII)
(676) E neste caso fares concerto sem enbarguo do rompim~eto d'antre o emperador, meu
irmão, e el Rey de França, que vos na outra carta sprevo; por que. Ainda que o aja, ey
por bem que o façaes, tomandovos o paguamento na maneira sobre dita. (século XVI)
(677) Respondeo ElRey : Filho vòs fazeis muito bem, mas crede que me hee tam grave
vos-sa partida, e destes Vassallos meus naturaes com que soya estar , e teer continos
comiguo , que ainda que vós, e elles fosseis ha cavallo , e eu sempre apée , pareceme
~q me nom enfadaria, nem cansaria tanto, que muito mais nom faça, como faz este
apartamen-to ; mas pois he forçado, pesso ha N. (século XV)
(678) Mas ainda que experimentaram o engano não perderam o apetite. Esta foi a
herança que nos ficou do Paraíso, este o fruto daquela árvore fatal, bem vedado e mal
apetecido, mas por isso mais apetecido, porque vedado. (século XVII)
O uso do subjuntivo atinge 67% quando a oração concessiva apresenta sentido de
negação de inferência. No exemplo (679), o conteúdo expresso na oração nuclear (Não é do
mesmo modo violenta a epidemia em todos os lugares) nega a inferência que se pode fazer a
partir do que é expresso na oração concessiva, a de que “as qualidades do clima sejam iguais
em todos os lugares”.
(679) Não he comtudo geral, e do mesmo modo violenta a epedemia em todos os lugares
deste Paiz, ainda que as qualidades do clima sejão para todos iguaes. (século XVIII)
Nas orações concessivas que exprimem contraste, o uso do subjuntivo se dá em 48%
dos casos: no exemplo (680), “separar” se opõe a “unir”.
(680) Porque, ainda que a partícula pareça que separa, contudo, no dito caso, a negação
é unida ao verbo, e faz com ele um só corpo e sentido, da mesma sorte que entre os
Latinos a partícula in unida aos verbos. (século XVIII)
209
O uso do subjuntivo em contextos de restrição é, por sua vez, de apenas 44%. A
estrutura concessiva restringe o conteúdo do segmento posposto.
(681) Dizem Pessoa comum, que é uma verdadeira ridicularia, porque, ainda que a
palavra comum signifique coisa de muitos, deve ter as suas duas terminações em
Português, assim como tem no Latim, em que explica diferentemente o neutro, e o
superlativo Communissimus temtrês mui redondas. (século XVIII)
A análise da variável Estatuto informacional dos segmentos concessivos mostra que
o percentual de uso do subjuntivo é mais alto nos contextos que veiculam uma informação
nova (83% - exemplo 682), em oposição aos contextos com informação dada (43% - exemplo
683).
(682) Na minha precedente eu te esclareci sobre o estado das cousas para tu fazeres ver a
quem tu sabes: agora eu não escrevo por estar o portador digo o Paquete a sahir e
mesmo por que a estas horas melhor orientados esta-= rão, porem sempre te direi que
o unico meio de sahir de tantos embarassos tu o não ignoras, possa
elle, e queira. Aqui se instalou huma Sociedade Mi-litar, mas ainda que o Governo
ficasse hum pouco preplexo, com tudo eu d’ahi não espero nada, porque sei o quanto
esta classe está degenerada, e não he provavel que agora dezarmada, pobre, e
descriminada [2] opere o que não fez quando influente, e no maior [?auge] guado
poder. (século XIX)
(683) Esta mesma imperfeição tem a língua Tudesca, tanto nas letras vogais quanto nas
consoantes, das quais muitas vezes ajunta cinco, e seis ~ua sílaba, e são tão ásperos na
pronunciação que todos os nomes ainda que sejam de muitas sílabas, os fazem na
expressão monossílabos. Na língua Italiana não é este erro da Ortografia tão frequente,
porém também participa dele assaz, pois pronunciando. (século XVII)
A informação presente na oração concessiva, em (682), a de que “o governo ficasse
perplexo” não é fornecida anteriormente. Em (683), a idéia de que “os nomes sejam formados
de muitas sílabas”, que vem expressa na oração concessiva, já foi referida na oração anterior,
quando se diz que tanto as letras vogais quanto as consoantes se ajuntam cinco ou seis em
uma sílaba. Observe-se, ainda, que, no exemplo que veicula informação nova, a oração
concessiva antecede à matriz, uma vez que essa ordem se relaciona com a organização
210
discursiva, de antecipação da inferência, ao passo que o contexto com informação dada ocorre
posposto à matriz.
No que se refere ao conteúdo da construção concessiva, observou-se que, nas
construções de adendo, que fornecem uma informação adicional ao período, geralmente de
caráter avaliativo, a presença do subjuntivo é categórica, tal como ocorre em (684).
(684) Esta é a diferença que não nós, senão os nossos tempos, fazem aos Antigos: nos
Antigos reconhecemos a vantagem da sabedoria, nos nossos a fortuna da vizinhança.
Se estamos mais perto dos futuros com igual luz (ainda que não seja com igual vista),
porque os não veremos melhor? (século XVII)
Para confirmar o padrão de distribuição de uso por gênero e época, nas orações
concessivas com o conector ainda que, foi necessário fazer uma análise conjunta das duas
variáveis. À primeira vista, poder-se-ia concluir que o uso do subjuntivo está mais
diretamente atrelado à variável gênero textual que à época de produção do texto. Contudo, se
analisarmos, mais atentamente, a Tabela 16, a seguir, é possível observar, por exemplo, que
(i) no gênero carta oficial, nos séculos XIV e XV, o uso do subjuntivo é categórico, mas, no
século XVI, já é de 79%; e (ii) no texto de conteúdo religioso, o percentual que era de 87%,
no século XIV (Diálogos de São Gregório), passa a ser categórico no século XV (Vida de
Santos). Parece que se está diante de uma variação de texto para texto que pode depender do
gênero textual, do tema e até mesmo, muitas vezes, da época.
É importante lembrar ainda que o gênero carta não pode àquela altura ser
considerada uma tradição discursiva17, uma vez que suas marcas não estavam ainda bem
17
Nas palavras de Kabatek (2006. p. 512), a Tradição Discursiva (TD) constitui a repetição de um texto ou de
uma forma textual ou de uma maneira particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio
(portanto é significável). Pode-se formar em relação a qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de
conteúdo, cuja repetição estabelece uma relação de união entre atualização e tradição; qualquer relação que se
pode estabelecer semioticamente entre dois elementos de tradição (atos de enunciação ou elementos
referenciais) que evocam uma determinada forma textual ou determinados elementos lingüísticos empregados.
211
definidas e sedimentadas, dependendo do remetente e do destinatário. Por exemplo, Cartas,
como as do Mosteiro de Chelas (séculos XIV e XV), a Carta de Caminha e as Cartas de
Comércio, que apresentam caráter documental, registram sempre uso categórico do
subjuntivo, enquanto Cartas familiares (século XVIII) já possibilitam uso variável do
subjuntivo. Assim, mesmo em textos, agrupados sob um mesmo rótulo, o conteúdo veiculado
é também uma variável a ser levada em conta.
212
Século
Gênero Textual
Oco⁄Total
XIV
Carta oficial (Mosteiro de Chelas)
Foro de Garvão (Notarial)
Diálogos de São Gregório (Religioso)
Livro das Aves (Tratado)
Carta oficial (Mosteiro de Chelas)
Crônica histórica (D.Afonso Henriques,
D. Dinis, D. João I)
Vida de Santos (Morte de São Jerônimo,
Vida de Tarsis, Vida de Santa Pelágia)
Carta Oficial (D. Duarte Coelho ao rei,
D. João III)
Carta de Caminha
Diálogos (Anexos à Gramática de João
de Barros)
Carta familiar (F. M. de Melo, Cartas a
Vieira)
Discurso de vários políticos
Carta (Manuscrito mãos inábeis)
Sermões de Vieira (História do Futuro,
Sermões)
Carta Oficial (Cartas de Comércio PHPB)
Carta pessoal (PHPB)
Autos Jurídicos (Autos da Devassa)
Instrucional (Manual de português)
Peça Teatral (PHPB)
Descrição Geográfica do Distrito de
Campos – RJ (Técnico-descritivo)
Carta de leitor/redator (PHPB)
Carta Pessoal (PHPB)
Editorial (PHPB)
Notícia (PHPB)
Peça Teatral
3⁄ 3
1/1
7⁄ 8
0/1
1⁄ 1
11⁄18
% de uso do
subjuntivo
100
100
87
0
100
58
2/2
100
15⁄19
79
1⁄ 1
5⁄ 6
100
80
38⁄65
60
13⁄49
0⁄ 1
36⁄61
29
0
59
2⁄ 5
40
0⁄ 6
12⁄18
43⁄50
0⁄ 1
3⁄ 5
0
66
84
0
60
0⁄ 2
4⁄ 4
1⁄ 2
3⁄ 3
11⁄27
0
100
50
100
40
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
Tabela 16. Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector ainda que em relação ao
gênero textual analisado em cada século
Quanto ao tipo de seqüência18 – narrativa ou argumentativa –, só fica nítido que o
uso do subjuntivo ocorre na argumentação.
18
Quando se classifica certo texto como narrativo, descritivo ou dissertativo, se está determinando a tipologia
textual determinante, ou seja, o “modo” em que foi produzido.
213
(685) Tambem veo muito a propósito para me fazer ser breve, ainda que vá contra o que
devo, como diz o nosso Camões; mas quanto é para o que eu tenho que vos dizer, o
menos é o melhor. (século XVII)
Ao final da análise variacionista, já na etapa Varb2000, pôde-se constatar que as
variáveis significativas em relação ao uso do subjuntivo são: (i) modalidade da proposição;
(ii) estatuto informacional dos segmentos concessivos; (iii) época; (iv) tempo do evento em
relação ao momento da enunciação; e (v) identidade entre os subjeitos da oração principal e
da subordinada. O subjuntivo, com input geral de .60 é preferencialmente usado quando (i)
há a idéia de condição ou hipótese; (ii) se trata de informação nova; (iii) ocorre em textos dos
séculos XIV, XVI e XVIII -- com as ressalvas feitas em relação à análise compósita
gênero/época; (iv) apresenta noção de futuridade, ainda que o tempo morfológico seja o
presente; e (v) os sujeitos são idênticos. Apresentam-se, a seguir, as Tabelas 17 a 21, com
percentuais e pesos relativos correspondentes a cada variável selecionada.
Modalidade da proposição
Condição
Hipótese
Certeza (Pressuposição)
Oco⁄Total
4/5
199/260
14/100
%
80
77
14
Peso relativo
.85
.67
.12
Tabela 17. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a modalidade da
proposição
Como se pode ver, na Tabela 17, o subjuntivo apresenta peso relativo superior nas
proposições que traduzem condição e hipótese, por apresentarem maior grau de subjetividade,
em oposição às que indicam certeza, em geral, com conteúdo objetivamente comprovado.
Os contextos que veiculam informação nova selecionam preferencialmente o
subjuntivo e tendem a apresentar orientação argumentativa diferente daquela observada nos
casos em que se veicula informação dada (Tabela 18): na primeira, parece haver maior grau
de subjetividade, sobretudo porque se podem introduzir suposições, já que as informações não
214
foram submetidas à análise anterior; na última, o conteúdo da proposição já é conhecido pelo
enunciador, com menor grau de subjetividade (cf. exemlos 682 e 683).
Estatuto informacional dos
segmentos concessivos
Informação nova
Informação dada
Oco⁄Total
%
Peso relativo
121⁄146
96⁄222
83
43
.70
.36
Tabela 18. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com o estatuto
informacional dos segmentos concessivos
A diferenciação entre os pesos relativos de cada época apresenta relação direta com a
diversidade de gêneros textuais analisados. Além disso, é importante ressaltar que não há, na
análise, uma homogeneidade, entre os gêneros textuais nos diferentes períodos de tempo, uma
vez que alguns desses materiais são escassos, o que dificulta certas generalizações. Ao que
parece, o uso do subjuntivo apresenta redução nos pesos relativos a cada dois séculos, nas
seqüências temporais (i) XIV, XVI e XVIII e (ii) XV, XVII e XIX.
Época
Século XIII
Século XIV
Século XV
Século XVI
Século XVII
Século XVIII
Século XIX
Oco⁄Total
1/1
10/12
14/21
21/26
87/172
60/95
24/41
%
100
83
67
82
51
63
59
Peso relativo
-.82
.49
.74
.37
.71
.28
Tabela 19. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a época
analisada
Nos contextos em que se verifica a idéia de futuridade, de realização vindoura, o uso
do subjuntivo prevalece (.76).
Tempo formal⁄semântico
Presente com idéia de futuridade
Presente
Passado
Oco⁄Total
34⁄39
133⁄207
43⁄111
%
87
64
39
Peso relativo
.76
.52
.36
Tabela 20. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com o tempo do
evento em relação ao momento da enunciação
215
Quando há correferencialidade entre os sujeitos da oração matriz e subordinada,
percebe-se maior integração entre as cláusulas, selecionando-se o subjuntivo na subordinada.
Identidade entre os sujeitos das cláusulas
Sujeitos idênticos
Sujeitos diferentes
Oco⁄Total
114/176
103/192
%
65
54
Peso relativo
.58
.43
Tabela 21. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector ainda que de acordo com a identidade
entre os sujeitos das cláusulas
Como quer que
Foram registradas 113 orações concessivas com o conector como quer que, com
freqüência geral de uso do subjuntivo de 88%.
Século
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
Oco de subj./ Total
2/2
76/80
20/27
0/2
0/1
-1/1
--
% (subj.)
100
95
74
0
0
-100
--
Tabela 22. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector como quer que ao longo dos séculos
Quando o conector é como quer que, a ordem dos constituintes oracionais não
parece interferir no uso do modo verbal: seja a subordinada anteposta (exemplo 686),
posposta (exemplo 687) ou intercalada (exemplo 688), o percentual de uso do subjuntivo é
muito semelhante (Tabela 23 a seguir).
(686) Contou amy / muitas marauilhas dos moies / daquel moesteiro. E como quer que a /
my nebrem muitas coussas que me disse. d'alguas coussas me calarey. Porque
entendo adizer / outras de que hei mayor cuydado. (século XIV)
(687) porque crecia aquel sancto / mancebo honrrado cada dia deb~e / em milhor e fezeo
livre com to/dollos outros que con el morauã/ na uilla. Porque eram seus servos./
como quer que sempre fosem chrisptááos. (século XIV)
216
(688) Quã- do ElRey D. Affonso vio que nom podia achar este Santo Corpo, co-mo quer
que muito lhe pezasse, re- meteo seu pezar à voõtade de Deos, que por entam parecia
ser aquella, e da ly tornouse para Coimbra. (século XV)
Posição da oração concessiva
Oração concessiva⁄ Oração Principal
Oração Principal⁄ Oração concessiva
Oração concessiva intercalada
Oco⁄ Total
53⁄62
38⁄42
8⁄ 9
%
85
90
89
Tabela 23. Posição da oração subordinada concessiva com o conector como quer que
O tipo de elemento interveniente pode funcionar como elemento favorecedor ou
inibidor do uso do subjuntivo em raríssimos casos, como se pode verificar na Tabela 24.
Tipo de elemento interveniente
Sintagma adverbial (SADV)
Sintagma nominal (SN) + Sintagma adverbial (S ADV)
Sintagma Oracional (SO)
Conector
Clítico + elemento de negação
Elemento de negação
SN⁄SADV + Clítico
Intensificador
Clítico
SN⁄SADV + elemento de negação
Sintagma nominal (SN)
Série de elementos
Oco⁄ Total
7⁄7
2⁄2
1⁄1
1⁄1
1⁄1
6⁄6
2⁄2
1⁄1
12⁄14
5⁄6
29⁄36
7⁄10
%
100
100
100
100
100
100
100
100
86
83
81
70
Tabela 24. Relação entre o tipo de elemento interveniente entre o conector ainda que e o verbo da oração
concessiva
Apenas quando ocorre um clítico (exemplo 689) ou um SN isolado (exemplo 690) e
uma seqüência de elementos (exemplo 691) é que o uso do subjuntivo deixa de ser categórico
(Tabela 24).
(689) O Padre disse que era bem feito, como quer que se marauilhou mui to por lhe assi
responder, sendo ho mem nouo de dias, & falou com sua Mãy Erea Gonçaluer todo o
que lhe com elle auiera, encom dandolhe que o demouese que consentisse em tal
casamento. (século XV)
(690) E então se alçou o Mestre, & pozse em giolhos ante a Rai- nha, & o Mestre
começou de di zer, Senhora, aquelle, que não erra não tem que pedir perdão, & eu,
pois vos errey, he rezaõ que vo lo peça, como quer que Deus sabe, que minha
217
entenção naõ foy devos errar, nem fazer nojo, nem despra zer, mas porque esta cousa,
que eu fiz, se me àzou de ser feita em vos sos Paços, porem vos pe;o por mer ce que
me perdoeis, ca este homem que matey, naõ o fiz por vos fazer nojo, nem deshonra,
mas fizeo por segurança de minha vida. (século XV)
(691) Estonce foy feito Priol Dom Pedralverez seu filho,como quer que Dom Frey
Aluoro Gonçaluez Camelo,que então era Comendador de Poya res, tinha direito no
Priorado,mas fezeo fazer ElRey Dom Fernan- do. (século XV)
Da mesma forma que com o conector ainda que, a presença do subjuntivo é quase
categórica (95%) nos contextos em que há identidade entre os sujeitos da oração subordinada
e da principal. Quando os sujeitos da oração subordinada e principal são diferentes o
percentual cai para 80% (exemplo 693).
(692) Sam Gregorio dise . deus / por elle fez amostra mo e emssy / namo. Gregorio: ~
Sam gregorio dise . como quer / pedro que este sancto home / fose aoutros lugares
morar . pero / nom pode fugir aas persigyiçoes / doemigo do linguagem d'adam.
(século XIV)
(693) E como quer que eu mais quesera ser ocupado em dar razão dos seus feitos que
dos alheos, primçipallmemte pellas muytas virtudes que sempre nelle conheçi e por ser
mais obrygado a elle que a outra allguna pessoa terreall, elle nunca me em ello quis
leixar obrar segumdo meu desejo , amte per muitas vezes me rrequereo e encomemdou
que me trabalhasse d'ajumtar e escrever os ditos feitos, primçipallmemte por louvor e
glória daquelle comde e dos outros nobres e virtuosos barões que com elle. (século
XV)
Quando há o traço de futuridade, a presença do subjuntivo é categórica. Ao que tudo
indica, isso se aplica a todos os conectores.
(694) E pollas moradas / d'alguus aquese sobia e tamgia / a neuoa e ofedor que dorryo que
rrecodia . / emtendemos aquelles que como / quer que façã mujtas mujtas obras boas
.pero / aymda ham mujtas cujdaçoees / dos deleitos dacarne aque comsem / te . e he
muy gramde justiça de deus. (século XIV)
Confirmando o que já foi dito, os contextos que traduzem uma hipótese (exemplo
695) favorecem a presença do subjuntivo (94%), enquanto os que indicam certeza tem seu uso
diminuído (74%). No exemplo (696), a noção de certeza se aplica ao contexto.
218
(695) como quer que auoz / perqueo chamasem fosse pquena. e abrio logo os olhos . e
swspois que / uio obispo . disse. Ay e quefezeste./ / Ay e quefezeste. (século XIV)
(696) esto como quer que convem ha todos, muito mais cabe em hos Principes , e Reys
fazelo, cuja mayor excellencia de seu nome traz lo-guo mayor obriguaçaõ de seu
carreguo, que hee serem Reys postos por Deos. (século XV)
A presença do subjuntivo é categórica nos contextos que encerram contraste (exemplo
697). Nas proposições em que há restrição (exemplo 698) ou negação de inferência (exemplo
699), o uso é variável, mas o percentual do subjuntivo atinge quase 90%.
(697) P / ois pedro que maraujlha he que diga / mos nos que estes som marteiros que
semper deseiarõ marteiro como quer que nunca / fossem marteirados . ca nõ
chegarom ao / tempo e que os prinçipes martirauã os / christaãos e e quanto uiuerõ
fezerõ ujda. (século XIV)
(698) Ecomo quer que este sam paullo fosse / ao terçeiro çééo e ouuesse hi mujtos /
segredos de deus pero tamto foy oamor / que ouue aaquelles que tem fe de christo.
(século XIV)
(699) E por qquese temeo que os / emijgos lhe fezessem mal. como quer / que afe de
christo noso senhor nom / ouuese pero fez osynal da cruz sobre / ssy perase defemder
dos emijgos. (século XIV)
No exemplo (699), o conteúdo expresso na oração nuclear (“fez osynal da cruz sobre
ssy perase defemder dos emijgos”) nega a inferência que se pode fazer a partir do que é
expresso na oração concessiva, a de que “afe de christo noso senhor nom ouuese”.
O uso do subjuntivo é quase categórico quando as proposições trazem informação
nova (91%).
(700) porque crecia aquel sancto / mancebo honrrado cada dia deb~e / em milhor e fezeo
livre com to/dollos outros que con el morauã/ na uilla. Porque eram seus servos./
como quer que sempre fosem chrisptááos. (século XIV)
219
As construções de adendo se restringem a duas ocorrências, uma no subjuntivo e
outra, no indicativo, não sendo possível chegar a determinadas conclusões.
(701) D. Sancho seu filho, e como quer que jàa tenhamos dito, juntamen-te que ElRey
D. Affonso teve tres filhas, e que huma dellas cazara com ElRey D. Fernando de Liaõ,
e outra com ho Conde D. Rey- mon de Barcelona, e outra com D. Felippe Conde de
Frandes, nes- ta era acima dita de mil e cento e oytenta e quatro annos. (século XV)
(702) mas a eses a quem Vossa Alteza la faz mercê de brasill como quer que lhe custa
pouco nem estão com os trabalhos e fadigas e nos peligros e derramamento de sangue
em que eu senhor estou e ando. (século XVI)
Quanto ao gênero textual em que ocorre a oração subordinada concessiva com o
conector como quer que, verificou-se que não há uma distribuição equilibrada dos dados nos
textos analisados. O uso do subjuntivo é variável tanto nos textos de caráter religioso --
Diálogos de São Gregório, Vida de Santos -- quanto nos textos documentais – Crônicas
históricas. No único dado em que se registra o subjuntivo em cartas pessoais, o subjuntivo é
modo selecionado, em um contexto em que a expressão “como quer que” parece equivaler à
“da maneira que”, com nuance modal (exemplo 703), dado já analisado na seção anterior
(item 4.2.1).
(703) A sessão vae adiantada, e as aspirações provinciaes ameação tudo complicar, á iniciativa dequalquer medida parcial, e por isso já se trata de uma autorisação, que, se
passar muito aproveitará á estrada deBatu-rité ! [ espaço] como quer que seja, fique
V ossa Ex celência certo de que a sua intervenção neste negocio dá-lhe para mim o
cunho de interesse publico, e que farei quando esteja de minha parte para que essa
empresa seja auxiliada. (século XIX)
220
Século
Gênero Textual
Oco⁄Total
XIII
XIV
XV
Foros (Afonso X)
Diálogos de São Gregório (Religioso)
Carta Oficial (Mosteiro de Chelas)
Crônica histórica (D.Afonso Henriques, D.
Dinis, D. João I)
Vida de Santos (Morte de São Jerônimo,
Vida de Tarsis, Vida de Santa Pelágia)
Carta oficial (D. Duarte Coelho ao rei)
Carta de Caminha
Discurso de vários políticos
Carta pessoal (PHPB)
2⁄ 2
76⁄80
1⁄ 1
17⁄22
% de uso do
subjuntivo
100
95
100
77
2⁄ 4
50
0⁄ 1
0⁄ 1
0⁄ 1
1⁄ 1
0
0
0
100
XVI
XVII
XIX
Tabela 25. Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector como quer que em relação ao
gênero textual analisado em cada século
Mais uma vez, o subjuntivo só é selecionado nas proposições que traduzem
argumentação (exemplo 704). Nos casos em que o indicativo ocorre, a proposição se encontra
em contexto narrativo (exemplo 705).
(704) Cid Rey Mouro, nem Abderaza-ca que teve ho senhorio della trin-ta e quatro annos,
ho que parece-rà cousa muito de maravilhar quã-dose ouvir, que semilhante Villa foy
tomada por ElRey D. Affonso Anriques com tam pouqua gente, e como quer 'q elle
cuydasse mui-tas vezes em seu pensamento co-mo ha poderia tomar por força, ou por
algum despercibimento. (século XV)
(705) e teer Lixboa con- tra ElRey seu padre, e ElRey es-tando em Santarem, e seendo
cer- tifiquado da maneyra em que ho Ifante ya, ouve taal atrevimento por grande seu
desprezo, ca pare-cia nom aver alguu~ temor, nem vergonha delle, nem de sua justia,
especiaalmente pelo Ifante vir com tantos omiziados tam junto delle, e como quer que
ho seu primeyro movimento foy acodir logo ha eso com mais trigana, e moor aspereza. (século XV)
Embora
Registraram-se apenas 33 ocorrências com o conector embora, com a presença quase
categórica do subjuntivo (94% das ocorrências). Registraram-se apenas duas ocorrências no
modo indicativo: uma no século XIX e outra, no XX.
221
(706) Responderião: q ue q uanto a desp achos q ue elle andava aservir os S enhor es de
Pa la vra [1] q eu ahi he q ue deveria pe- dir o desp acho ou a Proposta pa ra elle, e
queixar- se m uito embora se lha não davão: mas q ue podia contar ainda com alguns
a migos aqui; e q ue com hum q ue deixa Reconhecer como tal, Joze Egydio, tinha eu
faltado aseu Resp eito não muito tempo antes. (século XIX)
(707) Aproveitou-se também da memória curta do povo brasileiro, embora a maioria nem
sequer soube das atrocidades daquela época. (século XX)
Nos exemplos (706) e (707), há uma série de elementos intervenientes, o que talvez
possa explicar o uso do indicativo. Nessas duas orações, também não há identidade entre os
sujeitos da oração principal e da oração subordinada concessiva, dois fatores que já se
mostraram atuantes com outros conectores.
Com este conector, a variável ordem tem um papel fundamental, já que quando a
oração concessiva antecede a oração principal, o uso do subjuntivo é categórico (exemplo
708). À semelhança do que ocorre com o conector concessivo ainda que, a variável ordem se
relaciona com a organização discursiva, de antecipação da inferência.
(708) Embora o Ministro do SNI tenha garantido que vai cumprir a nova Constituição,
liberando as informações pessoais requeridas pelos cidadãos vivos- de acordo com o
habeas-data-ele próprio admitiu restrições segundo os interesses de "segurança da
sociedade e do Estado. (século XX)
De todo modo, o uso do subjuntivo vem se tornando variável: no século XIX, o
indicativo ocorre em uma carta pessoal; no século XX, em um editorial, com verbo no
passado.
Século
XVII
XIX
XX
Oco de subj./ Total
2/2
21/22
8/9
% (subj.)
100
95
89
Tabela 26. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector embora ao longo dos séculos
222
Pero/ Empero (que)
Foram registradas 58 orações concessivas com o conector pero⁄empero (que), que se
mantém até o século XVII, dentre as quais 79% se encontram no subjuntivo. Ao que parece, à
medida que esse conector adquire o traço concessivo, o uso do subjuntivo passa a ser
categórico.
Século
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
Oco de subj./ Total
30/37
4/6
2⁄ 4
9/10
1/1
% (subj.)
81
67
50
90
100
Tabela 27. Uso do subjuntivo em orações concessivas com o conector pero⁄empero(que) ao longo dos
séculos
Sem levar em conta a variável época, o que parece interferir no uso variável do
subjuntivo é a posição em que a construção concessiva está inserida: em todos os casos em
que a oração com pero (que) se encontra intercalada (exemplo 709), a presença do subjuntivo
é categórica. Nos casos em que a oração concessiva antecede a oração principal (exemplo
710), o subjuntivo apresenta freqüência de 83%; e quando a oração concessiva está posposta à
principal (711), esse percentual se reduz para 71%.
(709) Toda molh(er) uyuuoa, pero q(ue) aya padre ou madre, possasse casar sen
mandado delhes se quis(er) e non aya nenhu~a pe~a poren de a desherdarem. (século
XIII)
(710) E peró que algumas vezes, em matérias gráves, deçessem a cousas jocósas e
fizéssem digressões, reçitando ditos e opiniões gentias, nem por isso ôs enevergonhou
o juizo alheo. (século XVI)
(711) PÁI – Porque se nam pódem particularizár quantas tem ésta paixám, poerei
sòmente, três géneros deles, debáixo dos quáes estám muitas espéçias, que, no
discurso da prática, irás alacançando, peró que de todos nam tráte. (século XVI)
223
No único caso em que o elemento interveniente constitui (i) um sintagma oracional
(exemplo 712) ou (ii) um sintagma nominal seguido de um clítico (exemplo 713), o verbo da
oração subordinada concessiva ocorre no indicativo.
(712) empero que o filho que no~ e´ d(e) beeçon no~ deue h(er)dar segu~do o q(ue)
manda a ley, pero se el rey lhy quis(er) faz(er) m(er)cee podeo faz(er) legitimo e seya
erdeyro tan bem como se fosse d(e) beeçon. (século XIII)
(713) emp(er)o q(ue) todalhas cousas se pode~ uender e sse pode~ cambhyar, pero su~
cousas que [no] se pode~ uender e |no~| se podem cambhyar, assy como calz sag(ra)do
ou uestime~ta sagrada e as cousas que son spirituaes q(ue) pode be~ ca~byar hu~a
eygreya cu~ out(ra) |spiritual como e´ sobre d(i)to. (século XIII)
Assim como ocorre com outros conectores, tais como ainda que e embora, o
percentual de uso do subjuntivo, na oração subordinada concessiva com pero, é mais elevado
quando há identidade entre os sujeitos da oração principal e da subordinada (86%).
(714) Nuno Alue- rez però que fosse moço, & quan- do esto ouuio,disse que lho tinha em
grande merce,& que prazeria a Deus que ainda lho seruiria cõ boõs merecimentos,&
beijoulhe as mãos por ello. (século XIII)
O traço de futuridade, mais uma vez, constitui um elemento favorecedor ao uso do
subjuntivo na oração subordinada.
(715) Se alguu louco ou sandeu fez(er) p(re)yto dementre que a sandiçe enel durar no~
ualha, mays se enalguu tempo cobrar en seu sen [e] em seu siso, o preyto que fez en
tal tempo ualla, pero que depoys torne en sa loucura. (século XIII)
(716) O marido da molh(er) qual quer no~ possa uender ne~ alhear arras q(ue) der a sa
molh(er), pero q(ue) ella outorgar. (século XIII)
No que se refere à modalidade da proposição, o uso do subjuntivo na oração
concessiva com o conector pero é mais freqüente quando há a noção de hipótese (97%exemplo 717); é neutro nos contextos que encerram condição (50% - exemplo 718) e, menos
freqüente, quando indicam certeza (47%- exemplo 719).
224
(717) Se o deuedor que e´ dado fiador de paguar a p(ra)zo se no~ paga ao prazo, o ffiador
possa pagar a deuida, pero que lho deffe~da o deuedor, e possa depoys demandar
aaquel que o meteu por fiador por todo quanto el pagar polla fiadoria. (século XIII)
(718) Qvando alguu~ quis(er) faz(er) sa manda, as testimonhas que q(ui)s(er) q(ue) seyan
ena manda façaas todas rogar ou as rogue, ca se no~ foren rogadas ou conuidadas no~
deue~ seer testemo~hyas nen pesquisas da manda, pero ena manda seya ma~dado
algua cousa a alguu delles no~ [o] possa deytar de testemonha [...] pero o h(er)deyro
no~ possa seer testimonha na manda p(er) q(ue) e´ h(er)deyro. (século XIII)
(719) E pero as por/ tas daegreia estrauç abertas e agua/ corresse deredor da egreia. ella
nä entrou/ dentro na egreia mais estaua ante a / porta da egreia como muro forte e
firme. / e nä como agua que corre segundo sua na/ tura per hu nä acha embargado.
(século XIV)
Nos contextos em que há negação de inferência (exemplo 720), o percentual de uso
de subjuntivo é de 85%; os que traduzem restrição (exemplo 721), 74%; e o único dado que
encerra contraste ocorre no subjuntivo (exemplo 722).
(720) Assi, o sojeito de que tráta a virtude, peró que seja máis puro que ô da vergonha,
nem por isso leixa éla de ser louváda, por razám dos efeitos que déla procédem, cá
denotam ânimo generoso. (século XVI)
(721) Se herdeyros ou outros omees ouuere~ | d|algu~a cousa de consuu que non seya
p(ar)tida, pero que huu delles seya teedor da cousa no~ se possa deffender p(er)
tempo que no~ de´ seu dereyto a cada huu dos outros q(ua)ndo quer que lho
demandaren. (século XIII)
(722) O tabernáculo do Senhor, peró que fosse ornádo de tanto ouro, pédras preçiósas,
panos de sitim, e com outros ornamentos de gram preço, também mandou que fosse
ornádo com péles de carneiros e doutras alimárias de vil preço <Exo. XXVI. i>.
(século XVI)
O estatuto informacional é também em relação a esse conector uma variável
significativa: nos contextos que veiculam informação nova (exemplo 723) o uso é de 93%;
quando a informação já é dada (exemplo 724), o percentual de uso se reduz a 68%.
(723) F<ILHO> – Paréçe que menos autoridádes bastávam pera os hómens sentirem
quanta obrigaçám tem de ensinár a doutrina de Cristo, prinçipalmente aos filhos, cá
deles, per lei de obediênçia, com máis amor reçeberám sua doutrina, pois espéram de
lhe[s] herdár sua herança.
225
P<ÁI> – Aqueles que ô pódem fazer (peró que aí [h]ája levitas que ô reprendam,
como essoutro reprendia a mi), meu conselho seria criár, ante, os filhos aos peitos de
boas doutrinas, que entregá-los a poder de amas ou amos, que põem máis amor no
preço da criaçám que no criádo. (século XVI)
(724) Nenhuu ome no~ possa desfaz(er) uenda que faça por diz(er) ca uendeo mal o seu,
empero que seya uerdad(e), foras ta~to se aquelho que uendeu ualha dous ta~to mays
que no~ o porq(ue) o deu, ca p(er) tal razo~ be~ se deua desfaz(er) a uenda ou a
(con)pra, |E| se o (con)prador no~ quis(er) dar o p(re)ço, ca en poder e´ de o
(con)prador desfaz(er) a uenda ou d(e) dar o p(re)ço dereyto est reteer o q(ue)
(con)prou p(er)a sy se quis(er). (século XIII)
Com este conector, em proposições que encerram uma informação adicional (fundo),
a presença do subjuntivo é categórica.
(725) Toda molh(er) uyuuoa, pero q(ue) aya padre ou madre, possasse casar sen
mandado delhes se quis(er) e non aya nenhu~a pe~a poren de a desherdarem. (século
XIII)
A presença do subjuntivo ocorre em gêneros de textos diversificados, como se pode
ver na Tabela 28.
Século
Gênero Textual
Oco⁄Total
XIII
XIV
Foros (Afonso X)
Diálogos de São Gregório (Religioso)
Livro das Aves (Tratado)
Carta oficial (Mosteiro de Chelas)
Crônica histórica (D.Afonso Henriques, D.
Dinis, D. João I)
Vida de Santos (Morte de São Jerônimo,
Vida de Tarsis, Vida de Santa Pelágia)
Diálogos (Anexos à Gramática de João de
Barros)
Carta (Manuscritos mãos inábeis)
30⁄37
3⁄ 5
1/1
1⁄ 2
2⁄ 2
% de uso do
subjuntivo
81
60
50
50
100
0/3
0
9⁄ 9
100
1⁄ 1
100
XV
XVI
XVII
Tabela 28. Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector pero/empero (que) em relação
ao gênero textual analisado em cada século
226
As proposições argumentativas apresentam 79% de uso do subjuntivo.
(726) E outrosy ella no~ nas possa uender ne~ baratar mal nen alhear dementre que o
marido uiu(er), pero que elle outorge, nen depoys de ssa morte e mentre fillos
ouu(er), seno~ a quarta parte delhas assy como manda a ley. (século XIII)
Posto que
Das 100 ocorrências registradas com o conector concessivo posto que, 58% foram
registradas no subjuntivo.
Do universo das orações intercaladas, com número insignificante de dados (5 oco),
80% foram registradas no subjuntivo (exemplo 727), enquanto do universo de antepostas e
pospostas, há um equilíbrio maior entre subjuntivo e indicativo: 57% versus 43%, em ambos
os casos (exemplos 728 e 729, respectivamente).
(727) "As sentenças e resoluções dos autores, posto que sejam católicos, mui louvados e
estimados por sua ciência e doutrina, não as devemos ler como escrituras canônicas.
(século XVI)
(728) E posto que pereçam per caso / furtujto ou nõ furtujto que lhes auj~r posa que as
dictas pessoas torne~ / todo a rrefazer. (século XV)
(729) E era en- taõ naquelle tempo costume , que todos hos filhos dos Reys se chama-vão
Reys , e has filhas Rainhas, pos-to que fossem bastardos. (século XV)
Quanto à presença de elementos intervenientes entre o conector concessivo posto que
e o verbo da oração subordinada concessiva, o quadro é o seguinte (Tabela 29).
227
Tipo de elemento interveniente
Clítico
Sintagma nominal (SN) + Sintagma adverbial (S ADV)
Intensificador
SN⁄SADV + Clítico
Sintagma Nominal (SN)
Sintagma adverbial (SADV)
Sintagma Oracional (SO)
SN⁄SADV + elemento de negação
Série de elementos
Elemento de negação
Clítico+negação
Oco⁄ Total
1⁄ 1
6⁄ 6
1⁄ 1
6⁄ 7
9⁄18
3⁄ 7
1⁄ 5
2⁄ 7
4⁄ 7
1⁄ 3
0⁄ 7
%
100
100
100
86
50
43
20
29
57
33
0
Tabela 29. Relação entre o tipo de elemento interveniente entre o conector posto que e o verbo da oração
concessiva
Com este conector, a seqüência clítico+negação não leva o verbo da oração
subordinada concessiva para o subjuntivo.
(730) Santo Agostinho também teve a mesma opinião de Lactâncio, posto que lhe não
contentaram os seus fundamentos, os quais impugna no livro das suas Categorias;
mas no livro XVI De Civitate Dei, resolve que se não deve crer que há Antípodas,
com palavras de tanta segurança como as seguintes. (século XVI)
A presença do subjuntivo é menos freqüente quando a oração apresenta como
elemento interveniente um sintagma oracional (exemplos 731 e 732) ou uma série de
elementos (exemplo 733).
(731) Este sentimento, que foi de muitos filósofos antigos, se tinha entre os Padres por
verdade muito certa e averiguada, negando geralmente a opinião ou fama de haver os
que já então se chamavam Antípodas, posto que os princípios por que os Padres os
negavam, não eram entre todos os mesmos. (século XVI)
(732) No estilo do meio compuseram os seus Diálogos Fr. Heitor Pinto, Francisco de
Morais, e Jorge Ferreira, que em seu tanto não se prezam menos; posto que os dous
últimos, por se não imprimirem, não são tão comuns a todos. (século XVII)
(733) E posto que todo este tão largo Prolegómeno, em rigor, não seja História do Futuro,
senão preparação ou aparato para ela, à imitação de Barónio e de outros autores, que
com menos necessidade o fizeram em suas obras e histórias, esperamos que a matéria,
por sua grande variedade e diligente erudição de cousas curiosas, e pela maior parte
até agora não tratadas, não será injucunda aos que a lerem, e que possa sem enfado
228
entreter a expectação e desejo da mesma História, enquanto não sai à luz, que será,
como em Deus esperamos, muito brevemente. (século XVII)
Se há a presença de um sintagma nominal (exemplo 734) ou um sintagma adverbial
(exemplo 735) como elemento interveniente, a freqüência de uso do subjuntivo é de 50% e
43%, respectivamente.
(734) E telha E pregadura E as terras de laurar E ssemear E asy de todollos outros
/adubíos que lhe forem necessaríos E conpridoíros E posto que as cassas peresçam
per quall/quer casso furtujto que auí~j'r possa que o dicto gonçallo lourenço E sua
molher E persoa as façã / E Refaçam de todo o que lhe conprir. (século XV)
(735) Posto que neste ano de 1546 tenha escrito por tres vezes a Vossa Alteza damdo lhe
conta das cousas de qua e asi de alguas cousas que me pareçeo seu serviço. (século
XVI)
Quando entre o conector ainda que e o verbo da oração concessiva, há a intercalação
de um elemento de negação, acompanhado ou não de outros elementos, a freqüência de uso
do subjuntivo não ultrapassa 33%.
(736) E porque minha tença~ he, quando dou as taes licenças pera as ditas camaras e
vynhos, que as cargas se ffaçam naqueles lugares em que nam ocupe~ ne~ tolhão o
gasalhado da gemte, ffaze~dose primeiro pera os ffidallgos e pesoas de calydade,
posto que pera iso nã tenhão meus allvaras, e depois pera os outros; e que os vinhos
se carreguem depois das naaos terem tomada cargua das mercadorias e mantimentos
que hão de llevar, e asy a agoa necesaria. (século XVI)
(737) E asy lhes serão paguas as dividas que nas ditas casas lhe forem dividas, ou aquela
parte d'elas que o dito comde mandar, sem pera iso ser necesario meus mandados,
porque por este ey por bem e mando que os que ele pera iso pasar se cumprão e
guardem imteiramente como se por mim fose asinados, posto que não sejão
comformes a meu Regimento. (século XVI)
O conector posto que apresenta comportamento diferente dos demais conectores, no
que se refere à presença de identidade entre os sujeitos da oração principal e da subordinada
229
concessiva: é quando os sujeitos sintáticos são diferentes (exemplo 738) que o percentual de
uso do subjuntivo é maior (62%), enquanto para os outros conectores, a relação se inverte.
(738) Em fim, é certo e de fé, que Christo vem fazer este Juiso , posto que o modo não
esteja definido. (século XVI)
Da mesma forma que com outros conectores, o uso do subjuntivo é categórico nas
proposições em que há o traço de futuridade, apesar do verbo na forma do presente. Nos
contextos em que o verbo no tempo presente não apresenta esse traço, o percentual se reduz a
69%.
(739) posto queo capitam moor desta vossa frota e as Os outros capitãães screpuam
avossa alteza anoua do achamento desta vossa terra noua que se ora neesta nauegaçom
achou • nom leixarey tam bem de dar disso minha comta avossa alteza asy como eu
milhor poder ajmda que perao bem contar e falar o saiba pior que todos fazer / pero
tome vossa alteza minha Jnoramçia por boa vomtade. (século XVI)
(740) Nos, cum nullo horum indigeremus, habentes solatio sanctos libros, qui suntin
manibus nostris, maluimus mittere ad vos renovare fraternitatem et amicitiam:
"Mandamos renovar por este nosso embaixador (diz Jónatas) a antiga amizade e
confederação que convosco fizeram nossos maiores, não porque tenhamos necessidade
dela e dos vossos socorros, posto que não nos faltam inimigos, guerras, opressões e
trabalhos; mas temos sempre em nossas mãos os livros Santos, em que lemos as
promessas divinas, e com eles e com elas nos consolamos e animamos a resistir,
pelejar e vencer, como temos vencido e venceremos a todos nossos inimigos". (século
XVII)
Observou-se que o subjuntivo é mais freqüente nas seqüências que traduzem hipótese
(88%) – exemplo 741.
(741) O bom médico não tira pela lanceta todo o sangue, posto que seja pôdre. Manda a
prudência, como mestra de tudo, em parte aliviar e em parte temperar. (século XVII)
Mais uma vez, o uso do subjuntivo é preferencialmente usado quando a oração
concessiva apresenta sentido de negação de inferência (68%). No exemplo (742), o conteúdo
230
expresso na oração nuclear (“Pode ter algum engano”) nega a inferência que se pode fazer a
partir do que é expresso na oração concessiva, a de que “o cobre esteja contado”.
(742) Martufo. Aqui tem, conte esse cobre, ⁄Que posto esteja contado, ⁄Póde mui bem
suceder ⁄Que eu tivese algnm engano. (século XIX)
O uso do subjuntivo em contextos de restrição é, por sua vez, de apenas 25%.
(743) Receba Vossa V. M. estas desconcertadas palavras, como de um seu quinteiro
pudera Vossa V. M. receber ~uas laranjas, posto que fôssem azedas. (século XVII)
Nos cinco casos de concessivas que exprimem contraste, o verbo só ocorre no
indicativo.
(744) Mas viu o mundo, posto que o não quis ver Castela, que era o braço imortal o que
defendia e conservava aos Portugueses. (século XVII)
Como já se constatou em relação aos outros conectores, o percentual de uso do
subjuntivo é mais alto nos contextos que veiculam uma informação nova (84% - exemplo
745), em oposição aos contextos com informação dada (20% - exemplo 746).
(745) Deos queira não haja novidades, e q ue tanto v ocê e sua fam ília como todos os
nossos amigos estejão em paz com saude efelicid ade Esta corte, e mesmo to-da a Prov
íncia goza de sucego e properid ade assim como as Prov incias limítrofe, só o Rio Gr
ande he q eu se acha ainda ameaçado da anarchia, posto que já tenha tomado posse
da Prezid ência oJoze de Araujo Ribeiro, foi porem no Rio Gr ande e ate oprez ente
não seguio para Porto Alegre, e receia-se haver algum cho[ q]ue en-tre os dois
Coronéis Bento Manoel, e Bento G onçalvez o prim eiro Co mand ante das Armas e
pelo partido legal, o seg undo do partido anarchico; veremos em que desfeixa. (século
XIX)
(746) E se Adám vio essoutras que dizes, seria quando mereçeo ver em espírito a
encarnaçám do Filho de Deos, em cuja fé e esperança se ele salvou. Éstas táes cousas,
posto que âs Adám visse em revelaçám, como digo, nam lhe pôs ele o nome que
agóra tem. (século XVII)
231
A informação presente na oração concessiva, em (745), por exemplo, “Joze de
Araujo já tenha tomado posse da presidência”, não é fornecida anteriormente; em (746), a
idéia de que “a visão que foi dada em revelação”, que vem expressa na oração concessiva, já
foi referida na oração anterior, quando se diz que “mereçeo ver em espírito a encarnaçám do
Filho de Deos”.
Nas construções de adendo, é recorrente o uso do subjuntivo.
(747) Mas nesta parte levou ainda Luís de Camões grande ventagem aos referidos, por
quanto eles não pretenderam declarar alg~uas alegorias debaixo destas fábulas (que
como dissemos é a alma do Poema) antes se vê que não tiveram nelas outra tenção,
senão deleitarem aos leitores (posto que a fábula de Calipso sofra mais alegoria que
as outras) e o nosso Poeta debaixo dos nomes daquelas Ninfas quis entender a glória,
fama, memória, honra, maravilha, e todas as mais preeminências, que participam os
Varões ilustres, e esforçados. (século XVII)
A relação entre gênero textual e Época está explícita na Tabela 30.
Século
XV
XVI
XVII
Gênero Textual
Carta oficial (Mosteiro de Chelas)
Crônica Histórica (D.Afonso
Henriques, D. Dinis, D. João I)
Carta oficial (D. Duarte Coelho ao
rei; D. João III)
Carta de Caminha
Diálogos (Anexos à Gramática de
João de Barros)
Carta pessoal (F. M. de Melo)
Discurso de vários políticos
Sermões de Vieira (História do Futuro,
Oco⁄Total
8/8
2⁄ 2
% de uso do subjuntivo
100
100
25⁄33
76
3⁄ 3
1⁄ 3
100
33
2⁄ 2
2⁄13
8⁄21
100
15
38
0⁄ 1
1⁄ 3
0
33
1⁄ 1
1⁄ 1
4⁄10
100
100
40
Sermões)
XVIII
XIX
Peça Teatral (PHPB)
Descrição Geográfica do Distrito de
Campos - RJ (Técnico-descritivo)
Carta pessoal (PHPB)
Notícia (PHPB)
Peça teatral (PHPB)
Tabela 30. Presença de uso do subjuntivo nas orações concessivas com o conector posto que em relação ao
gênero textual analisado em cada século
232
As seqüências do subjuntivo com este conector foram registradas apenas em
contextos argumentativos.
(748) e posto que Vossa Alteza la tenha tudo bem sabido todavia direi o que eu qua
Senhor entemdo aserca do que emqueri e soube das cousas da Bahia. (século XIX)
Considerações prévias
• Nas orações concessivas, destaca-se que o tipo de conector é um elemento
fundamental na seleção do subjuntivo na cláusula subordinada, cada um deles apresentando
comportamentos diversificados, em cada sincronia, nos dados de escrita: (i) o uso do
subjuntivo é categórico, nas cláusulas introduzidas pelo conector mesmo que e sem que, em
todos os séculos em que ocorre; (ii) as cláusulas introduzidas pelo conector ainda que
apresentam uso categórico do subjuntivo no século XIII e variável do século XIV até XX; (iii)
o conector pero⁄empero (que) é produtivo na língua até o século XVI, tendo seu uso sempre
variável; (iv) o conector como quer que é categórico nos séculos XIII e XIX e variável nos
séculos XIV, XV e XVI; (v) o conector embora assume valor concessivo, com uso categórico
do subjuntivo, no final do século XVII e início do XVIII, apresentando uso variável na
seleção dos modos verbais a partir do século XIX; (vi) o conector posto que é categórico nos
séculos XV e XIX e variável dos séculos XVI a XVIII; (vii) o conector por mais que se
gramaticaliza no século XVII e, a partir do século XVIII, se torna categórico; (viii) o uso do
indicativo é categórico nas proposições com apesar de que; (ix) os conectores se bem que e
por apresentam baixa freqüência nos séculos em que ocorrem.
• É importante ressaltar que a concessão é uma estratégia argumentativa que pode
indicar as categorias modais de hipótese e de condição (restrição), noções diretamente
233
veiculadas ao tipo de conector: ainda que, como quer que, pero e posto que podem adquirir
noção de hipótese, contexto variável de uso dos modos verbais; com sem que e por mais que,
apresenta-se, em geral, noção condicional, de caráter restritivo (obrigatoriedade), contexto de
retenção de uso do subjuntivo.
• O uso do indicativo, nas construções concessivas, ocorre nos contextos em que se
busca cancelar qualquer pressuposto inferido, sobretudo quando se veicula uma hipótese, que
não se projeta no futuro, ou uma informação tida por verdadeira, porque (i) é uma propriedade
irrefutável; (ii) o enunciador traz a informação de um evento⁄estado que depende de seu
conhecimento e⁄ou comprometimento (uso dos predicadores achar, crer, parecer, ser⁄estar
certo); (iii) a validade e⁄ou aceitação do evento descrito na cláusula concessiva é atestada no
próprio mundo (uso dos predicadores no tempo presente ou passado).
• O uso do indicativo também é bastante freqüente em proposições concessivas com
verbo de ligação, em lexias complexas, comprovando-se ainda mais as propriedades (ii) e
(iii), acima descritas, uma vez que, nessas estruturas sintático-semânticas, se expressam
atributos que dependem da “validação” do enunciador. Nas construções com verbo elíptico,
por sua vez, o conector concessivo, mais gramaticalizado, se encontra tão integrado à oração
matriz que se observa uma co-referencialidade entre os sujeitos das cláusulas matriz e
subordinada.
234
4.3 ANÁLISE DOS DADOS DE FALA
A análise dos dados de escrita revelou que a seleção do modo verbal parece estar
condicionada a fatores semânticos e sintáticos, às vezes em competição, a saber, verbo da
oração matriz, assertividade, modalidade, tipo de complementizador, que ou se (muito raro).
Na análise dos dados de fala, utilizaram-se amostras de fala culta (NURC), dos
corpora das cidades de Salvador (SSA) e do Rio de Janeiro (RJ), nas décadas de 70/90, e
também de fala não-culta (PEUL), das décadas de 80/2000. O objetivo da análise em tempo
real de curta duração, em duas modalidades, é verificar se os mesmos condicionamentos, que
atuam na variação dos modos verbais na escrita, se aplicam aos dados de fala Padrão e nãoPadrão, no decorrer de duas décadas.
4.3.1 Orações encaixadas
Nos dados de fala culta, nas duas cidades e décadas analisadas, esses resultados são
confirmados: verbos que exprimem a noção de volição, com traço de [+controle], tais como
querer e preferir, selecionam categoricamente o modo subjuntivo, embora esse
comportamento não seja o mesmo no caso de dados de fala não-culta (PEUL):
(749) Eu quero que se saiba que eu estou criticando...(NURC)
(750) Eu preferi que fosse de ...de plástico. (NURC)
(751) Ele não queria que a namorada dele ficava com esse cara, que esse cara foi safado
com eles. (PEUL)
Verbos que traduzem certa modalização do discurso, como achar, supor, crer e
pensar, admitem tanto formas do indicativo quanto do subjuntivo, conforme o valor de
verdade da proposição, independente do nível de escolaridade do falante. Como se pode
verificar nos exemplos, a seguir, a seleção de um determinado modo verbal na encaixada
235
opera no sentido de evidenciar [+/-controle], [+/-obrigação/futuridade], [+/-certeza], [+/avaliação].
ACHAR
(752) Eu não acho que você tenha obrigação / Às vezes você acha que o edifício está mal
organizado. (NURC)
(753) Acho que a gente tem que se esforçar, embora mais tarde a gente não sabe que que
vai dar, não é? ⁄ Não, não. Também por isso também. Eu também acho que seja... o
único esporte que eu pratico é andar. (PEUL)
CRER⁄ ACREDITAR
(754) Samba creio que possa ser uma música regional / Eu creio que não muda. (NURC)
(755) mas eu creio que dentro de dez anos a quinze, o Brasil será a maior potência do
mundo ⁄ creio que talvez essa vida dure mais uns dez anos talvez. (PEUL)
(756) acredito que isso seja fixado pelo conselho federal ⁄ uma legislação, assim,
específica de consorcio acredito que não tinha. (NURC)
(757) Eu não acredito que tenha alguém contra esse homem ⁄ Eu acredito que também
me adoram. (PEUL)
PENSAR
(758) Eu pensava que fosse sempre pela manhã / poucos ainda hoje pensam que vão
morrer. (NURC)
(759) Ela pensava que era uma pessoa que se parecia com ela ⁄ Eu pensei que fosse
paulista. (PEUL)
SUPOR⁄ PRESSENTIR (e outras formas correspondentes)
(760) Eu suponho que isto represente esta parte [...]. (NURC)
(761) Eu já pressinto que a pessoa vai fazê alguma coisa com a pessoa ⁄ Quem dera que
a Barra pudesse voltá aquilo que era. (PEUL)
Com alguns desses verbos variáveis, acreditar e achar, contudo, a presença de
elemento de negação na oração matriz constitui contexto favorecedor à presença do
subjuntivo na encaixada, conforme já foi confirmado na análise de dados escritos (item 4.1),
236
em que o elemento de negação na oração matriz imprime maior traço de [+avaliação] ao
verbo epistêmico.
(762) Eu não... NÃO acredito que haja desastre por falta de segurança... quase sempre é
por imprudência... de alguém. (NURC)
(763) Eu NÃO acredito que tenha alguém contra esse homem. (PEUL)
(764) Eu NÃO acho que você tenha obrigação. (NURC)
(765) Eu NÃO acho que isso seja amadurecimento. (PEUL)
Todos os trabalhos existentes sobre orações encaixadas -- quer na perspectiva
variacionista, quer funcionalista ou gerativista -- destacam a necessidade de classificar os
verbos de um ponto de vista semântico. As classificações clássicas de verbos -- volitivo,
emotivo, de opinião, assertivo, declarativo -- não satisfazem plenamente, por serem difusas e
se superporem, muitas vezes, dificultando a análise. Verbos que costumam ser enquadrados
sob o mesmo rótulo (‘de opinião’), por possuírem traços semânticos semelhantes, tais como,
acreditar/crer,
supor,
achar,
pensar,
parecer
podem
apresentar
comportamentos
diferenciados em relação à seleção do modo verbal (Almeida e Callou, 2008). As Tabelas 31 e
32 evidenciam esse fato.
Verbos de opinião
Acreditar/crer
Supor
Achar
Pensar
Parecer
Oco de subj./total
34/50
04/04
123/1046
05/16
01/54
% Subjuntivo
68%
100%
12%
31%
4%
% Indicativo
32%
0%
88%
69%
96%
Tabela 31. Freqüência do modo verbal de acordo com o verbo de opinião nos dados do NURC
Verbos de opinião
Acreditar/crer
Supor (e outras formas)
Achar
Pensar
Parecer
Oco de subj./total
2/21
1⁄ 3
7/492
4/25
0⁄37
% Subjuntivo
10%
33%
1%
16%
0%
% Indicativo
90%
67%
99%
84%
100%
Tabela 32. Freqüência do modo verbal de acordo com o verbo de opinião nos dados do PEUL
237
Em todos os contextos da fala não-culta, há diminuição do percentual de uso do
subjuntivo, o que poderia evidenciar que se está diante de uma mudança de baixo para cima
(dos falantes menos escolarizados para os mais escolarizados). A presença do
indicativo/subjuntivo nesses verbos está diretamente relacionada ao valor de verdade da
proposição (modalidade de certeza- epistêmica ou modalidade de fraca manipulação –
deôntica). É possível observar que, em alguns contextos, mais nitidamente, com ‘(eu) acho
que’ e sempre com o verbo na primeira pessoa do singular, a noção verbal quase desaparece
(‘semantic bleaching’) correspondendo, mutatis mutandis, ao modalizador talvez (exemplos
766 a 768), comportamento já observado no inglês com o verbo think (item 1.2), conforme
apontado em Galvão (1999) e em Cezario (2001). Nesses contextos, parece que ocorre a
‘perda’ da estrutura de complementação, inclusive podendo ser deslocado de sua posição
básica ou ocorrer em contextos, no final ou no início de uma sentença, sem ser seguido de
uma oração subordinada (exemplos 769 e 770). A estrutura “eu acho que” ocorre
acompanhada de uma partícula de negação (“talvez não”). Em nossa amostra de fala, é a
forma mais recorrente de expressar ‘opinião’, em ambos os corpora, como se pode observar
nas Tabelas 31 e 32.
ESVAZIAMENTO SEMÂNTICO → “Eu acho que = talvez”
(766) Eu acho...que eu me lembre assim..que tinha uns caldeirões enormes. (NURC)
(767) Eu acho que se a gente procurar em antiquários aí a gente talvez ainda encontre
máquinas. (NURC)
(768) E acho que- não sei, que todo mundo devia fazer (vozes) assim, [não é? Para não
ficar uns (hes) com inveja dos outros, não é? (PEUL)
PERDA DA ESTRUTURA DA COMPLEMENTAÇÃO
(769) Eu acho que aqui no Rio não há assim uma... Acho que é. (NURC)
(770) Eu acho que não. São nem um pouco. (PEUL)
238
O achar, vale ressaltar, quando precedido de não (exemplos 771 e 772), ou quando
se refere à terceira pessoa (exemplo 773 e 774), mantém sempre o seu valor verbal, ao denotar
maior caráter avaliativo, de [+/-certeza]. Com a partícula negativa na matriz, o verbo da
completiva vai para o subjuntivo, já que o efeito da negação fortalece o traço avaliativo.
Segundo Neves (2000), o elemento de negação na oração principal gera um efeito de
compatibilidade com o valor de incerteza do subjuntivo, produzindo uma interpretação
irrealis, com o verbo da oração encaixada no modo subjuntivo. Quando o elemento de
negação está presente, o traço verbal se mantém e ocorre o subjuntivo, padrão também
observado nos dados de escrita.
(771) Mas eu NÃO acho que seja... (NURC)
(772) NÃO acho que seja culpa da inflação, nem de desemprego. (PEUL)
(773) Às vezes, você acha que o edifício está mal organizado. (NURC)
(774) Olha, vil, acha que a gente deveria sabe o quê? (PEUL)
A força do elemento de negação estende-se a outros verbos, como dizer, parecer e
querer dizer. O declarativo dizer também ocorre no subjuntivo quando o verbo da matriz
apresenta o traço de futuridade/obrigatoriedade (formas do futuro ou do presente).
(775) Eu NÃO diria que as pessoas se reúnam num cinema.(NURC)
(776) NÃO parece que seja/é assim. (NURC)
(777) Se eu não participo de campeonato, NÃO qué dize que eu não vá ganhá a faixa em
dez anos. (PEUL)
Por sua vez, um mesmo verbo como acreditar pode traduzir efeitos de sentido
diferenciados. Quando expressa a nuance estrita de ‘opinião’ (778) e (779), o verbo da
encaixada ocorre no indicativo; quando a noção de hipótese prevalece (780), e está
geralmente precedido de um modal, o verbo da completiva fica no subjuntivo, já que essa
noção pode ser marcada por formas do subjuntivo. Também em relação a esse verbo, quando
239
há um elemento de negação na sentença matriz, como já foi visto nos exemplos (771) e (772),
o subjuntivo é categórico.
(778) Eu acredito que eles... os dois têm objetivos. (NURC)
(779) Eu acredito que tem que se organizar num sindicato. (PEUL)
(780) A gente NÃO podia acreditar que alguém pudesse ser morto né, fosse torturado.
(NURC)
Não há uma correlação absoluta entre o modo verbal da encaixada e o tempo do verbo
da matriz, mas é apenas quando o verbo da matriz está no presente que existe a possibilidade
de o verbo da encaixada estar no indicativo. Em relação a pensar, por exemplo, quando o
verbo da matriz está no passado (pretérito perfeito ou imperfeito), o verbo da encaixada
seleciona o modo subjuntivo.
(781) Eu pensei/pensava que fosse alguma coisa que ele tivesse roubado... (NURC)
(782) Eu pensei que fosse paulista. (PEUL)
Nos dados de fala padrão, com o verbo supor, que expressa, fortemente, noção de
hipótese/incerteza, a presença do subjuntivo é categórica, sem comprometimento com o valor
de verdade da proposição. Nos exemplos (784) e (785), o verbo dizer equivale à forma supor
e projeta, hipoteticamente, o evento no futuro, ainda que marcado no tempo presente.
(783) Eu suponho que isto represente... (NURC)
(784) Vamos dizer que ela já tenha casado há mais... (NURC)
(785) Digamos que a bola saia fora do gramado... (NURC)
Nos dados do PEUL, o verbo parecer só ocorre no indicativo.
(786) Parece que ela tem quarenta anos... (NURC)
(787) Parece que foi uma planta. (PEUL)
240
O verbo gostar, por sua vez, seleciona o modo subjuntivo quando o verbo da matriz
se encontra no futuro do pretérito (788) e (789), denotando futuridade/ obrigatoriedade.
(788) Gostaria que não lembrasse da data. (NURC)
(789) Gostaria que você fosse bem sucedida. (NURC)
Em suma, a análise dos dados revelou que é o verbo da matriz que determina, em
primeira instância, o uso do modo verbal: há verbos que sempre usam, ou que sempre rejeitam
o subjuntivo, e alguns que apresentam uso variável, como se pode verificar na Tabela 33, que
compara dados de fala culta e não-culta com dados da escrita do século XX19.
19
A Tabela 33 foi simplificada. O item 7.2 apresenta o quadro geral dos verbos.
241
Dados de Fala
Culta (Nurc- 70 e
90) – RJ e SSA
100% subjuntivo
duvidar
esperar
fazer (com que)
gostar
pedir
preferir
querer
ser preciso/necessário
supor
’
Dados de fala
não culta(Peul80 e 2000) - RJ
100% subjuntivo
impedir
incomodar
garantir
mandar
Poder ser
ser possível
ser preciso
Dados de escrita
do século XX
100% subjuntivo
adorar
cumprir
deixar
desejar
desmentir
exigir
imaginar
impedir
merecer
negar
ordenar
pedir
permitir
possibilitar
pretender
recear
Ser (bom/ justo/ necessário/
natural/ possível)
0% subjuntivo
contar/narrar
garantir
jurar
lembrar/recordar
observar/notar
perceber
perguntar
reconhecer
ser/estar certo/convencido
ser claro/óbvio
ser evidente
sentir
ter certeza
ver
0% subjuntivo
aceitar
acontecer
adiantar
bastar
considerar/ ter consciência
esquecer
estar ⁄ dar impressão
falar
lembrar
notar⁄ observar
parecer
pedir
perguntar
querer dizer
sentir
ser claro
ter dúvida
0% subjuntivo
acontecer
afirmar
contar
convencer
declarar
defender
escrever
falar
julgar
jurar
negar
parecer
saber
(ser) certo⁄ fato⁄ verdade
ter certeza
ter impressão
ver
Subjuntivo variável
acreditar
achar
dizer
pensar
parecer
%
68%
12%
14%
31%
04%
Subjuntivo variável
acreditar
achar
dizer
pensar
esperar
permitir
querer
supor⁄ presumir
%
10%
01%
06%
16%
71%
33%
92%
33%
Subjuntivo variável
acredita/crer
achar
esperar
mostrar
pensar
perífrases com dizer
%
38%
6%
92%
50%
13%
29%
Tabela 33. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados
de fala culta e não-culta em comparação com dados da escrita
242
A Tabela 33 mostra que o comportamento não é o mesmo nos corpora analisados:
com alguns verbos, nos dados de falantes mais escolarizados, o uso do subjuntivo é
categórico, como é o caso de querer, mas passa a ser variável nos dados de falantes menos
escolarizados. O item verbal esperar admite uso variável do subjuntivo, nos dados de fala
não-padrão e na escrita do século XX. Na fala padrão, o uso do subjuntivo é categórico.
Em nossa amostra de dados de fala culta, 17% dos verbos registrados (5 em 30),
admitem variação de modo (acreditar, achar, dizer, pensar, parecer). Nos dados do PEUL,
do total de 36 itens verbais, 30% (10 itens verbais) apresentaram variação de modo verbal, até
mesmo nos casos em que a tradição gramatical aponta para o uso de apenas um modo verbal,
à semelhança do que ocorre no francês canadense (Poplack, 1992).
Os verbos acreditar, achar e pensar admitem uso variável do subjuntivo em todos os
corpora. Não há uma correlação absoluta entre a escrita e a fala padrão: algumas vezes, a
escrita se aproxima da fala não-padrão, em oposição à fala padrão.
4.2.1.1 Análise variacionista: dados de fala culta (NURC)
A análise de regra variável (Pintzuk, 1988) foi realizada com base em 248 dados que
apresentaram variação do uso do modo subjuntivo. Agrupando os verbos que apresentam
variação de modo, com exceção do verbo achar, que, embora de alta freqüência, tem, por
vezes, o seu traço verbal anulado, pode-se constatar (Tabelas 34 a 36) que o uso do subjuntivo
(input .24)20 chega a 23% e ocorre preferencialmente quando
20
No nível de seleção: log. likelihood -80.252
significance .003
243
(i) se relaciona à primeira pessoa e não à terceira (Tabela 34);
Pessoa verbal
Primeira pessoa
Terceira pessoa
Oco / total
44 / 110
13 / 135
%
40%
100%
P.R.
.76
.28
Tabela 34. Percentual e peso relativo da variável pessoa verbal nos dados de fala culta
(ii) existe um elemento de negação na sentença matriz (Tabela 35);
Assertividade
Negação na matriz
Sem negação na matriz
Oco / total
14 / 19
43 / 226
%
74%
19%
P.R.
.92
.45
Tabela 35. Percentual e peso relativo da variável presença do elemento de negação nos dados de fala
culta
(iii) o verbo da matriz está no passado (Tabela 36).
Tempo verbal
Passado
Presente
Futuro
Oco / total
13 / 53
42 / 172
01 / 09
%
25%
24%
11%
P.R.
.80
.43
.04
Tabela 36. Percentual e peso relativo da variável tempo verbal nos dados de fala culta
Refinando a análise, a partir da observação dos quatro verbos que admitem variação
do uso de modos verbais, percebe-se que a distribuição não é a mesma, já que, a depender da
região e da década analisada, há mudança na seleção de uso do modo verbal.
74%
80%
70%
55%
60%
50%
30%
20%
RJ
36%
40%
14%13%
20%
10%
17%
2%
0%
dizer
acreditar
pensar
parecer
Figura 14. Distribuição de uso por cada década em cada cidade (NURC)
244
SSA
Com relação ao verbo dizer, por exemplo, tem-se comportamento semelhante nas
duas cidades. As formas do subjuntivo com o verbo acreditar são mais freqüentes no Rio de
Janeiro do que em Salvador; já com relação ao predicador pensar, por sua vez, ocorre o
contrário. A figura 15 evidencia que o uso do subjuntivo com o verbo pensar apresenta
significativa redução, de 40% para 17% de uma década para outra.
80%
61% 63%
60%
40%
40%
20%
Década de 70
Década de 90
17%
15% 12%
0%
dizer
acreditar
pensar
8%
5%
parecer
Figura 15. Distribuição de uso por cada década em cada verbo (NURC)
Comparando os falantes mais jovens (abaixo de 40 anos) com os mais velhos (acima
de 40 anos), é possível dizer que os verbos dizer e parecer mostram relativa estabilidade
(Figura 16) na seleção do modo subjuntivo na oração encaixada.
245
Figura 16. Distribuição de uso por cada década de acordo com a idade (NURC)
O cruzamento entre cidade e década (Figuras 17 e 18), por cada verbo, dá uma idéia
geral que o uso do subjuntivo, no Rio de Janeiro, da década de 70 para 90, é estável para os
verbos dizer e parecer e instável com relação aos verbos acreditar e pensar. Em Salvador,
ocorre uma diminuição geral, exceto com o verbo parecer. Mais uma vez, o verbo da oração
matriz atua como forte restrição.
100%
86%
80%
60%
67%
acreditar
40%
20%
0%
dizer
pensar
33%
14%
3%
16%
parecer
0%
RJ/90
RJ/70
Figura 17. Cruzamento entre o tipo de verbo e década, na cidade do Rio de Janeiro, nos corpora de fala culta
246
Figura 18. Cruzamento entre o tipo de verbo e década, na cidade de Salvador, nos corpora de fala culta
4.2.1.2 Análise variacionista: dados de fala não-culta (PEUL)
A análise de regra variável (Pintzuk, 1988) foi realizada a partir de 147 dados que
apresentaram variação do uso do modo subjuntivo. A análise varicionista foi realizada a partir
da retirada do verbo achar, que apresenta comportamento semântico diferenciado, como já se
viu na análise dos dados de fala culta. Pôde-se constatar (Tabelas 37 a 39) que o uso do
subjuntivo (input .07)21 atinge apenas 7% e ocorre, preferencialmente, a depender do(a)
(i) tipo de verbo da oração matriz (Tabela 37);
Tipo de verbo da matriz
Acreditar ⁄ crer
dizer
pensar
Oco / total
02 ⁄ 21
06 / 101
04 ⁄ 25
%
10%
6%
16%
P.R.
.40
.45
.76
Tabela 37. Análise de percentuais e pesos relativos da variável tipo de verbo da matriz (PEUL)
21
No nível de seleção: log. likelihood -77.360
significance .007
247
(ii) gênero (Tabela 38);
Gênero
homem
mulher
Oco / total
18 / 394
32 / 418
%
5%
8%
P.R.
.31
.68
Tabela 38. Análise de percentuais e pesos relativos da variável gênero (PEUL)
(iii) tempo verbal (Tabela 39).
Tempo verbal da matriz
presente
passado
Futuro do pretérito
Infinitivo
Gerúndio
Oco / total
25 / 694
04 / 41
08 / 10
09 ⁄ 26
3 ⁄ 20
%
4%
10%
80%
35%
15%
P.R.
.46
.70
.66
.96
.25
Tabela 39. Análise de percentuais e pesos relativos da variável tempo verbal (PEUL)
Além disso, a análise das cláusulas completivas relevou uma diferenciação por faixa
etária: os mais velhos usam mais freqüentemente as formas do subjuntivo do que os mais
jovens nas duas variantes (Tabela 40).
Faixa Etária
25 – 35 (NURC) ⁄ Até 35 anos (PEUL)
36 – 55
56 -
NURC
21%
22%
27%
PEUL
4%
7%
8%
Tabela 40. Uso do subjuntivo de acordo com a faixa etária (apenas dos verbos que admitem variação) nas
duas variantes (NURC/PEUL)
A partir da observação dos três verbos que admitem variação do uso de modos
verbais, a saber, acreditar, dizer e pensar, percebe-se que a distribuição dos modos verbais
não é a mesma para cada verbo, já que, a depender da década analisada, há mudança na
escolha de uso dos modos verbais. As formas do subjuntivo com acreditar, por exemplo, só
aparecem na década de 80; já em relação ao verbo dizer, nota-se significativo aumento em
2000. A figura 19 mostra, ainda, que o uso do subjuntivo, com o verbo pensar, apresenta
248
significativa redução (38%→6%) de uma década para outra, semelhante ao que ocorre nos
dados do NURC, em que houve redução de 23% no intervalo de 20 anos (40% → 17%).
Figura 19. Distribuição de uso por cada década em cada verbo (PEUL)
A distribuição de cada verbo, nas três faixas etárias analisadas, mostra que o uso do
subjuntivo é mais freqüente na faixa 2, independente do predicador em análise (Figura 20).
Figura 20. Distribuição de uso por cada verbo nas três faixas etárias (PEUL)
249
O cruzamento entre faixa etária, década e tipo de verbo da oração matriz (Figuras
21 e 22) revela que, em relação ao verbo dizer, o uso do subjuntivo ocorre,
fundamentalmente, nas faixas mais jovens em 2000 (1 e 2), o que mostra retração de uso do
indicativo, o que talvez possa ser explicado pelo aumento dos índices de escolarização
(Tabela 41). No que se refere ao predicador pensar, o comportamento não é o mesmo: são os
jovens (faixa 1) que não utilizam o subjuntivo. Além disso, registra-se significativo aumento
de uso do subjuntivo de uma década para outra na faixa 2 (Figura 21).
Figura 21. Cruzamento entre faixa etária e década, com o verbo pensar (PEUL)
250
Figura 22. Cruzamento entre faixa etária e década, com o verbo dizer (PEUL)
Com o verbo dizer (Figura 22), a distribuição por faixa etária e década mostra que o
uso do subjuntivo aumenta em todas as faixas etárias, de uma época para outra. Mais uma vez,
parece que este uso está relacionado aos índices educacionais relativos ao Rio de Janeiro
(Tabelas 41 e 42).
Dados
demográficos
População
residente
População
imigrada
População
alfabetizada
Salvador
Censo 70
Censo 91
1.007.195
2.075.272
Rio de Janeiro
Censo 70
Censo 91
4.251.918 5.480.772
297.584
646.821
1.800.822
1.517.232
650.679
1.467.593
3.283.600
4.255.625
Quadro 3. Dados demográficos das cidades do Rio de Janeiro e Salvador, nas décadas de 70 e 90 (Fonte: IBGE)
Dados Demográficos
População residente
População alfabetizada
Rio de Janeiro
Censo 80
Censo 2000
5.090.723
5.857.904
4.073.561
5.036.253
Quadro 4. Dados demográficos da cidade do Rio de Janeiro, nas décadas de 80 e 2000 (Fonte: IBGE)
251
Considerações prévias
• Verbos que denotam manipulação, mandar, ordenar, pedir, preferir, querer, ser
preciso⁄necessário, com traço de [+controle], selecionam, preferencialmente, o subjuntivo, ao
passo que verbos com noção de certeza, observar, saber, ser claro, ver, o indicativo. Os
verbos modalizadores epistêmicos, tais como achar, crer⁄acreditar, parecer, pensar e supor,
que imprimem certo grau de comprometimento do enunciador com o conteúdo a ser
veiculado, apresentam uso variável do subjuntivo, a depender do contexto.
• A presença da negação na matriz funciona como um elemento, de natureza
morfossintática e semântica, desencadeadora do uso subjuntivo na encaixada. O verbo achar,
por exemplo, só seleciona o subjuntivo na oração encaixada quando há, na matriz, um
elemento de negação. Outros predicadores, no entanto, acreditar, negar, supor, ser possível,
ao serem antecedidos por um elemento de negação, tanto podem selecionar o subjuntivo
quanto o indicativo.
• Sobre o verbo achar, predicador de alta freqüência nos dados de língua falada padrão
e não-padrão, foi possível concluir que pode atuar como predicador (nível sintáticosemântico) ou como modalizador epistêmico (nível pragmático). No primeiro caso, esse verbo
ocorre ou antecedido da partícula não ou de referência à terceira pessoa; no segundo caso, o
verbo achar está sempre na primeira pessoa do singular [acho...], podendo equivaler ao
advérbio epistêmico talvez. Quando esse item ocorre como modalizador epistêmico, há a
perda da estrutura de complementação, podendo ser deslocado da proposição básica, no início
da sentença. Essa mudança pode ser entendida como um processo de gramaticalização, em
que uma oração matriz perde a sua estrutura de complementação e passa a ser interpretada
como advérbio, ao perder esse item o traço de [+verbo].
252
4.3.2 Orações concessivas: análise qualitativa e quantitativa
Conforme se afirmou em seções anteriores, nem todas as orações subordinadas
apresentam comportamento idêntico com relação ao uso do subjuntivo. Segundo a norma
padrão, as adverbiais concessivas -- que exprimem conteúdo semântico que contrasta com o
conteúdo esperado da proposição com a qual se combina -- apresentam uso obrigatório do
subjuntivo, sem restrições. A forma do subjuntivo, para a gramática, constitui a forma nãomarcada. Ao contrário das completivas, em orações concessivas, devem ser observadas, de
início, restrições de natureza sintática e também do tipo de conector, isto é, semântica.
Tipo de Conector
Ainda que
Por mais que
Sem que
Mesmo que
Embora
Se bem que
Apesar de (que)
Por
NURC
Oco de subj./
Total
3/3
9/9
1/1
9/10
53/61
2/3
0/2
1/1
%
100
100
100
90
87
67
0
100
PEUL
Oco de subj./
Total
1/1
5/5
2/2
39/56
18/32
0/11
0/14
--
%
100
100
100
56
56
0
0
--
Tabela 43. Uso de subjuntivo quanto ao tipo de conector da oração subordinada na variante padrão
(NURC) e não-padrão (PEUL)
A Tabela 43 mostra que, nas duas variantes analisadas, o subjuntivo é categórico
quando a oração é introduzida pelo conector por mais que, sem que e ainda que: o conector
concessivo por mais que introduz uma oração com conteúdo em que se atesta um evento que
perde sua relevância frente à tese “eu acho que elas não tinham...”; com o conector sem que,
indica-se restrição; o conector ainda que, por sua vez, introduz uma oração com a noção de
hipótese, que se projeta no futuro, contexto típico de uso do subjuntivo. O indicativo, por sua
vez, é o modo utilizado categoricamente quando a oração concessiva é introduzida pelos
conectores se bem que e apesar de (que).
253
(790) Por mais que a minissaia fosse, que elas considerassem bonitas, eu acho que elas
não tinham... (NURC)
(791) Nem nunca, é, botei uma graxeira no carro de ninguém, sem que fosse necessário,
está (“vendo”)? (PEUL)
(792) Acho que a gente não pode de se deixar enganar, não é? Ainda que a gente vá
perder no futuro. (PEUL)
A alternância das formas de subjuntivo/indicativo ocorre, como se verifica na Tabela
43, com determinados conectores, como embora e mesmo que. O conector concessivo mesmo
que apresenta variação tanto nos dados de fala culta quanto nos de fala não-culta,
comportamento diferente do verificado nos dados de língua escrita (seção 4.2.1), em que esse
conector apresentava uso categórico de subjuntivo.
(793) Você vai ver a – mesmo para expressar uma palavra, embora eu não sei, assim, que
palavra. (PEUL)
(794) Sabe que eu, Ana Paula, Sandro, todo mundo tem, mesmo que <s-> que é pobre.
(PEUL)
O uso do indicativo nas orações concessivas não parece ser aleatório, já que ocorre
em contextos específicos, tanto na fala culta como na não-culta. Assim, o indicativo está
registrado, nas orações concessivas, fundamentalmente, nos seguintes casos:
a) quando há um sujeito expresso na 3ª pessoa (sobretudo com as formas pronominais
“você” ou “a gente”).
Com o conector mesmo que, prevalece a noção hipotética.
(795) Ela guarda mágoa, a outra num guarda não, mesmo que a gente briga cum ela... é
só naquele momento. (PEUL)
(796) você vai querê o bem pras tuas filhas, prus teus filhos, vai botá numa particular,
mesmo que você se aperta um pouquinho, mas cê qué dá o melhor pra tua filha.
(PEUL)
Com o conector embora, apresenta-se uma “ressalva”, que é confirmada.
254
(797) nos também fazemos uso, embora você há de convir que é um uso moderado, pelo
menos pra mim...(NURC)
(798) Eles não vão aceitar. Embora muitas aceitam, não é? (PEUL)
b) quando o verbo da oração se encontra no passado, atestando um fato real.
(799) Não havia mais um motivo de nós estarmos na igreja alfabetizando, por métodos
antigos, embora eu já alfabetizei diversas empregada pelo (fala rindo) método antigo
e deu sempre certo... (PEUL)
(800) Eu amo eles, mesmo que eles num tiveram é: essa cultura de conversá, né? de
sentá na mesa. (PEUL)
(801) aquela coisa muito simples e foi... esse tipo d... esse tipo de viagem, né, de sair pra
um lugar mesmo que não tinha Carnaval. (NURC)
(802) [Comandou] o time, mesmo que não era capitão. (PEUL)
c) quando há o verbo ‘haver’, no sentido existencial, como predicador da oração,
acompanhado de um elemento de negação.
(803) eu sou democrata, embora não há um regime perfeito, mas de todos eles a
democracia ainda é o melhor. (PEUL)
d) quando há locução verbal (com o verbo auxiliar no presente ou no passado). Nesse
caso, a proposição pode marcar um evento que se situa no tempo presente (exemplos
804, 808, 809 e 812), passado (exemplos 806, 807, 811 e 813) ou futuro (exemplos 805 e
810).
(804) Ela procura [não] – não errar, procura se expressar assim, não é? Embora, às vezes,
as pessoa está achando que ela não está <falando> - não está com nada. (PEUL)
(805) Eu invejava um pouco o trabalho dessas senhoras, embora queria tirar alguma
coisa que eu achava que não era o melhor. (PEUL)
(806) Então não tinha responsabilidade em ganhar dinheiro, em preocupar-me, embora eu
fui criado sem luxúria e sem gastar dinheiro à toa. (PEUL)
(807) Que mesmo que ela tinha dito, que você havia dito ali? (PEUL)
(808) às vez procuro o pai de um deles mesmo que não pode saber do assunto, eu abordo
o assunto com eles... (PEUL)
(809) Eu digo, mesmo que depois eu mando esquecer o que eu disse. (PEUL)
(810) Embora eu ainda assim vou tentá conseguir a Residência lá, né? Eu num gosto
muito de fica dando trabalho a ninguém. (PEUL)
(811) Se eu fosse o Presidente acabava com a poluição, embora podia sê muito. (PEUL)
255
(812) Há sessões de cinema que começa uma hora da manhã o ( ) o ( ) que fica
inteiramente cheio... as ruas inteiramente cheias... os bares inteiramente cheios...
embora o argentino vive dizendo que... está na miséria... (NURC)
(813) Eu acho Madureira um pólo cultural muito bom... muito bom Madureira... embora
o único teatro que tinha ali no centro foi comprado pela igreja... dessas evangélicas...
(NURC)
A cláusula concessiva, nos exemplos (805) e (810), apresenta conotação hipotética,
que se projeta no futuro. O uso da perífrase verbal (IR+ Vprinc), em (810), enfraquece o
caráter de obrigatoriedade, freqüentemente observado na categoria tempo futuro, selecionando
o indicativo na oração subordinada.
Nas proposições no passado e no presente, traduz-se um fato real.
e) quando há uma lexia (verbo-suporte) como elemento predicador da oração
subordinada.
(814) E num tínhamos realmente e mesmo que num temos obrigação de dá dinheiromesmo que já- não temos, você tá incentivando uma coisa errada. (PEUL)
f) quando há um elemento intensificador em posição adjacente ao conector.
(815) A gente vai de sapato, muito embora eu prefiro o tênis que é mais à vontade.
(NURC)
O uso do indicativo pode ainda aparecer nos casos em que há a expressão “embora
que”.
(816) O governo não tem estrutura pra isso, não dá essa estrutura (E: Hum-hum) de ter
um... embora que eu já vi aí na... na televisão. (PEUL)
(817) Importante é, né? (E: Hum-hum) mas embora que eu acho que... tá tirando a vez
de muita gente também, né? (PEUL)
256
No que se refere à questão da ordem, verificou-se que, em geral, as orações
concessivas aparecem pospostas à matriz (57%). No entanto, do universo de concessivas
antepostas (43%), 78% encontra-se no subjuntivo. Nos dados do NURC, registrou-se uma
única ocorrência, com o verbo na forma do indicativo, em falante da faixa 3 (56 anos em
diante), na década de 90.
(818) Apesar de que hoje é a mesma coisa, nível secundário, você só encontra o que é o
Colégio Pedro II...
O cruzamento entre tipo de conector e ordem da oração evidencia que alguns
conectores -- quando introduzem a oração posposta à cláusula matriz -- têm o uso de
subjuntivo reduzido, já que, nesta posição, em muitos casos, se veicula uma informação
conhecida do enunciador. Com o conector mesmo que, verifica-se um percentual de 61% de
uso do subjuntivo; já as orações introduzidas pelo embora chegam a 72%.
Tipo de Conector
Mesmo que
Embora
Oração concessiva anteposta
Oco ⁄ Total
%
37⁄ 48
77%
20⁄ 22
91%
Oração concessiva posposta
Oco ⁄ Total
%
11⁄ 18
61%
51⁄ 71
72%
Tabela 44. Cruzamento entre o tipo de conector e a posição da oração concessiva (NURC/PEUL)
O uso do subjuntivo pelo tipo de conector não apresenta o mesmo comportamento
nas duas variantes. O conector embora, por exemplo, apresenta significativa redução de uso
de subjuntivo nos dados, se compararmos os percentuais das duas amostras analisadas: nos
dados de fala culta, a freqüência de uso do subjuntivo é de 87%; nos dados de fala não-culta
esse percentual cai para 56%. Esse comportamento também é observado em relação ao
conector mesmo que, cujo percentual se reduz, no NURC, de 90% para 70%, nos dados do
PEUL.
257
Figura 23. Distribuição de uso do subjuntivo pelo tipo de conector em cada uma das variantes
O percentual de uso do subjuntivo se mantém praticamente o mesmo de uma década
para outra nos dados de fala culta. Nos dados de fala não-culta, percebe-se uma diminuição de
uso em 2000.
Época
NURC
70/80
PEUL
62%
90/2000
TOTAL
85%
59%
Tabela 45. Freqüência de uso do subjuntivo em cada uma das décadas analisadas nos dados de fala
padrão e não-padrão
O comportamento das mulheres não é o mesmo nas duas amostras: nos dados de fala
culta, o subjuntivo atinge um percentual de 93%, superior ao dos homens (77%). Nos dados
de fala não-culta, o percentual de uso do subjuntivo na fala das mulheres não chega a 50% e é
inferior ao dos homens (67%). Parece que as mulheres mais escolarizadas são sensíveis à
norma gramatical.
258
Figura 24. Distribuição de uso do subjuntivo por gênero nas duas variantes (NURC/PEUL)
A distribuição dos dados pelas faixas etárias analisadas mostra que o uso do
subjuntivo nas orações concessivas apresenta maior freqüência na faixa 3 e menor, na faixa 1,
o que indica uma mudança no sentido de retração da regra.
Faixa etária
%
25 – 35 (NURC) / até 35 (PEUL)
66
36 – 55
56 em diante
Tabela 46. Distribuição de uso do subjuntivo por faixa etária (NURC/PEUL)
Considerações prévias
• Nos dados de língua falada padrão e não-padrão, o uso do subjuntivo é categórico
quando a oração subordinada concessiva é introduzida pelos conectores por mais que, sem
que e ainda que; o indicativo, por sua vez, apresenta uso categórico quando a oração
concessiva é introduzida pelos conectores se bem que e apesar de (que). Os conectores
embora e mesmo que apresentam seleção de uso variável do subjuntivo.
259
• O indicativo prevalece (i) quando o sujeito da oração concessiva está expresso em 3ª
pessoa, sobretudo com as formas “você” e “a gente”; (ii) quando o verbo da oração se
encontra no passado, atestando um fato real; (iii) quando o conector da cláusula subordinada
ocorre combinado ao verbo haver na acepção de existir; (iv) quando há uma estrutura de
‘verbo suporte’ como predicador da cláusula subordinada.
260
5. CONCLUSÕES
A partir de uma análise de tempo real de longa duração (do século XIII ao XX) e, no
que se refere à língua falada, de curta duração -- comparação entre dois períodos discretos de
tempo, duas décadas do século XX -- foi possível chegar às seguintes generalizações, com
base no quadro teórico-metodológico da variação sociolingüística laboviana e em
contribuições do funcionalismo americano:
1) O uso do subjuntivo⁄indicativo é um fenômeno variável, dependente de fatores de
natureza morfológica, sintática, semântica, discursiva e pragmática. No caso das
orações completivas, independente da época e da modalidade (língua escrita ou falada)
analisada, o subjuntivo é dependente dos seguintes elementos: (i) item léxicosemântico da oração matriz, já que os predicadores que adquirem o traço de
[+futuridade⁄obrigatoriedade], [+controle], [+avaliação] selecionam o subjuntivo; (ii)
efeito da negação na oração matriz, que modifica os domínios lexical e pragmático,
conforme já havia sido verificado em outras análises (cf. item 2) ; (iii) presença da
primeira pessoa verbal na matriz, uma vez que, nessa categoria gramatical, se verifica
maior grau de subjetividade. No que se refere às orações concessivas, o uso do
subjuntivo (i) é variável, em determinados períodos, com os conectores (ainda que,
pero⁄empero que, como quer que, embora, posto que, por mais que); (ii) constitui uma
estratégia argumentativa que pode indicar as categorias modais de hipótese e
condição: na primeira, admite-se a variação de uso dos modos verbais; na segunda, há
retenção de uso do modo subjuntivo, devido ao caráter restritivo; (iii) é utilizado,
preferencialmente, nas orações que ocorrem antepostas ou intercaladas, uma vez que
antecipam a inferência, com maior grau de subjetividade; (iv) ocorre quando há
261
identidade entre os sujeitos das cláusulas matriz e subordinada, em que se pode
observar maior integração sintático-semântica.
2) O uso do modo verbal em orações subordinadas completivas e concessivas está
diretamente associado ao elemento à esquerda -- item verbal da matriz (completivas) e
tipo
de
conector
(concessivas)
--
e
aos
traços
semânticos
de
[+⁄-
futuridade⁄obrigatoriedade], [+⁄-controle], [+⁄-avaliação], [+⁄-certeza] que se queira
imprimir a um determinado enunciado. Os resultados obtidos vão de encontro ao que
prescreve a própria tradição gramatical, ao distinguir o paradigma dos modos verbais
pela
noção
de
certeza⁄incerteza,
não
mencionando
a
noção
de
futuridade⁄obrigatoriedade. O modo subjuntivo, como se pôde verificar, se mantém
quando ocorre sob o escopo do traço de futuridade, como já havia sido atestado em
estudo anterior (Pimpão, 1999). Observou-se, ainda, que esse traço se torna mais forte
em proposições que denotam também obrigatoriedade, controle e avaliação. O caráter
modal de algumas expressões, por exemplo, como é o caso de haver⁄ter + V principal,
enfraquece o traço de futuridade⁄obrigatoriedade, levando o verbo da oração
subordinada para o modo indicativo. Além disso, nota-se que, à medida que o
enunciador admite a hipótese ou incerteza de um determinado evento ocorrer, a
proposição perde o traço de futuridade⁄obrigatoriedade, selecionando, assim, o modo
indicativo.
3) Desvinculam-se as categorias modalidade (semântica) e modo verbal (gramatical),
ainda que estejam intrinsecamente relacionadas, uma vez que o uso do
subjuntivo⁄indicativo constitui uma das estratégias de modalização discursiva. A
modalidade pode manifestar-se a partir noções variadas, como subjetividade,
factividade, assertividade, possibilidade e necessidade. A flexão modal, por sua vez,
262
constitui um dos recursos para expressar modalidade, visto que, na proposição, outros
elementos também podem sinalizar essa nuance, a saber, o item léxico-semântico da
matriz, o escopo da negação, o uso de advérbios e⁄ou certas conjunções.
4) Na análise diacrônica das orações completivas, observou-se que o comportamento de
todos os verbos não é semelhante: há verbos que apresentam uso variável no decorrer
do tempo, enquanto outros apresentam uso variável em sincronias específicas, a
depender do gênero textual, do modo de interação e do tema do texto. É importante
ressaltar que os resultados apresentados devem ser relativizados, uma vez que não há
homogeneidade nos gêneros textuais, pela escassez de textos em alguns séculos.
5) No que se refere às orações concessivas, destaca-se que o tipo de conector é um
elemento fundamental na seleção do subjuntivo na cláusula subordinada, cada um
deles apresentando comportamentos diversificados, nos dados de escrita. O traço de
futuridade⁄obrigatoriedade está presente na descrição de eventos vindouros, contexto
que atua na retenção de uso do subjuntivo nas cláusulas concessivas, à semelhança do
que ocorre nas cláusulas completivas. Quando o conector concessivo se encontra
associado a um verbo no tempo passado, seleciona-se, geralmente, o indicativo na
cláusula subordinada. Na história da língua, pode-se dizer que o subjuntivo é
favorecido nas proposições em que (i) há identidade entre os sujeitos das cláusulas
matriz e subordinada, (ii) atua o efeito de negação de inferência e (iii) veicula
informação nova.
6) Nos dados de língua falada, observou-se que o uso do subjuntivo, nas orações
completivas, na língua padrão, atinge 23% e se reduz a 7% nos dados de língua nãopadrão, o que comprova que o subjuntivo é mais utilizado por falantes de maior
escolarização. O predicador querer, com uso categórico de subjuntivo, nos dados de
263
falantes mais escolarizados (NURC), passa a apresentar uso variável nos falantes de
baixa escolarização (PEUL).
7) Anotou-se uma surpreendente correlação entre escrita e fala não-padrão. O verbo
esperar, por exemplo -- que apresenta uso variável do subjuntivo nas duas
modalidades -- na fala padrão, apresenta uso categórico do subjuntivo. Verificou-se,
também, que o subjuntivo é menos freqüente em falantes jovens, o que vai ao encontro
da hipótese de retração da regra de uso.
8) Tanto nos dados de fala padrão quanto nos de fala não-padrão, o uso do subjuntivo é
categórico quando a oração subordinada concessiva é introduzida pelos conectores por
mais que, sem que e ainda que e nunca ocorre quando a oração concessiva é
introduzida pelos conectores se bem que e apesar de (que). Os conectores embora e
mesmo que apresentaram seleção de uso variável do subjuntivo na fala Padrão e nãoPadrão.
9) O indicativo prevalece, nos dados de fala das orações concessivas, (i) quando o sujeito
da oração concessiva está expresso em 3ª pessoa, sobretudo com as formas “você” e “a
gente”, em que se observa menor grau de subjetividade; (ii) quando o verbo da oração
se encontra no passado, atestando um fato real, (iii) quando o conector da cláusula
subordinada ocorre combinado ao verbo haver na acepção de existir; (iv) quando há
uma estrutura de ‘verbo suporte’ como predicador da cláusula subordinada.
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273
7. ANEXOS
7.1 PARTE 1
A análise das orações concessivas pautou-se em todos os textos escritos discriminados
nesta seção. Nas orações completivas, não se analisaram os textos Manuscritos das mãos
inábeis e História do futuro, no século XVII; Cartas Familiares de Francisco Manuel de
Melo, século XVIII; e Verdadeiro Método de estudar, século XVIII.
7.1.1 Dados de escrita
1) Afonso X, Foro Real: texto de aproximadamente 1280, extraído do Corpus Informatizado
do Português Medieval (CIPM - http://cipm.fcsh.unl.pt/corpus/texto). O documento é
dividido em quatro livros: o primeiro contém 12 capítulos; o segundo é composto por 12
capítulos; o terceiro apresenta 21 capítulos; e o quarto, por vinte e quatro capítulos. A edição
foi realizada por José de Azevedo Ferreira no ano de 1987, em Lisboa.
2) Testamento de D. Afonso II: texto de 1214, também retirado do Corpus Informatizado do
Português Medieval (CIPM). A edição utilizada na análise foi a extraída da região de Beira
Litoral, Coimbra, Lisboa, realizada por Padre Avelino Jesus da Costa, em 1979. O manuscrito
de Lisboa foi publicado em Os mais Antigos Documentos Escritos em Português, na Revista
Portuguesa de História.
3) A linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo: o documento faz parte do Arquivo Nacional
da Torre do Tombo, editado por Luis F. Lindley Cintra, em Lisboa, no ano de 1959,
publicado pelo Centro de Estudos Filológicos. O texto foi lavrado na época leonesa na vila de
Castelo Rodrigo e, em outras localidades circunvizinhas, no tempo de Afonso IX. É
considerado por filólogos um texto de grande importância lingüística, por seu valor histórico e
jurídico, tendo em vista a abordagem do direito medieval.
274
4) Cartas do Mosteiro de Chelas: as cartas analisadas foram editadas por Ana Maria
Martins, em sua Tese de Doutoramento, em 1994, pela Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa. O material é composto de cartas dos séculos XIII, XIV e XV.
5) Diálogos de São Gregório: documento do século XIV, editado por Américo Venâncio
Lopes, em 2008. As obras de São Gregório resultam do trabalho religioso desenvolvido por
ele junto ao povo, por isso são formadas por exortações, com caráter social, disciplinar e
moral. Além disso, descrevem-se as histórias extraordinárias, os fatos sobrenaturais e
maravilhosos da época.
6) Livro das Aves: edição fac-similar de manuscrito do português antigo, mais
especificamente, do século XIV, reeditado e publicado por N. Rossi et alii. Tradução nem
integral nem literal do original latino De bestiis et aliis rebus. O texto faz parte de uma
coleção organizada e dirigida por A. G. Cunha e foi publicado pelo Instituto Nacional do
Livro, Ministério da Educação e Cultura, em 1965.
7) Foros de Garvão: texto do século XIV, editado por Maria Helena Garvão, em 1992, em
sua Dissertação de Mestrado, extraído do Corpus Informatizado do Português Medieval
(CIPM) e é composto por 675 palavras. Parte desse texto situa-se em 1280 (século XIII) e
dividido em seis partes, perfazendo um total de 6536 palavras. O documento utilizado nesta
pesquisa foi o de número 7, correspondente ao século XIV, segundo o banco informatizado de
textos consultado.
8) Crônica Del Rey D. Affonso Henriques: crônica do príncipe D. Affonso Henriques,
primeiro rei de Portugal, composta originalmente por Duarte Galvão. O texto foi fielmente
copiado do seu original, extraído do Arquivo Real da Torre do Tombo, por Miguel Lopes
275
Ferreira, em 1726. Para a análise, utilizou-se a versão retirada do Corpus Histórico do
Português “Tycho Brahe”, da Unicamp (http://www.tycho.iel.unicamp.br/~tycho/corpus/).
9) Crônica de Dom Diniz: crônica do príncipe Dom Diniz, sexto rei de Portugal, composta
originalmente por Ruy de Pina. O texto foi editado por Miguel Lopes Ferreyra, em 1729. Para
a análise, utilizou-se a versão retirada do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da
Unicamp.
10) Crônica Del-Rey D. Joam I: crônica do rei D. Joam I, décimo rei de Portugal, foi
produzida originalmente por Fernam Lopez. O texto foi reeditado, em Lisboa, por Antonio
Alvarez, no ano de 1644. A versão utilizada foi retirada do Corpus Histórico do Português
“Tycho Brahe”, da Unicamp.
11) Vida de Santa Pelágia é datado do século XV e se insere no grupo dos chamados textos
não literários (ou estritamente lingüísticos) do português antigo. Os originais encontram-se
depositados no Códice Alcobacense, nº 771, do Arquivo da Torre do Tombo. O texto tem o
caráter aspectual de um documento puramente filológico; em paralelo, propicia uma bela
amostra de conversão religiosa, tratando-se, por conseguinte, também de um documento
hagiográfico.
12) Os textos Morte de São Jerônimo e Vida de Tarsis são manuscritos alcobacenses do
século XIV. Os textos foram editados por Ivo Castro em Vidas de santos de um manuscrito
alcobacense, na Separata Revista Lusitana (Nova série), 1984-1985 (1º) e 1982-1983 (2º e
3º).
13) Crônica de Dom Pedro, crônica do reinado de D. Pedro, escrita por Fernão Lopes,
constitui a primeira das três grandes crônicas do primeiro cronista régio. Composta entre 1440
e 1450, foi impressa pela primeira vez em Lisboa, em 1735, por José Pereira Baião.
276
14) Carta de Caminha, primeiro documento escrito no Brasil, de caráter semi-oficial
epistolar (1º de maio de 1500). Utilizou-se, no estudo, uma edição fac-similar do manuscrito
com leitura justalinear de Antonio Geraldo da Cunha, César Nardelli Cambraia e Heitor
Megale, publicada em 1999 pela Humanitas.
15) Cartas de Duarte Coelho ao Rei, composta de cinco cartas que Duarte Coelho, donatário
da Capitania de Pernambuco, escreveu ao rei de Portugal, D. João III. Estas cartas foram
editadas por José Antonio Gonsales de Mello e Cleonir Xavier de Albuquerque, pela
Universidade Federal de Pernambuco, Imprensa Universitária, em Recife (Pernambuco), no
ano de 1967 (Documentos para a história do Nordeste II). As cartas datam de 1542, 1546,
1548, 1549, 1550.
16) Cartas de D. João III, rei de Portugal de 1521-1557. As cartas foram editadas em
Cambridge, Massachusetts, na Universidade de Harvard, 1931. Transcrição Z. O. N. Carneiro
(PROHPOR). O texto foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da
Unicamp.
17) Gramática de João de Barros: texto de 1532, dos quais foram utilizados os dois
diálogos finais (Diálogo em louvor da nossa linguagem e Diálogo da viciosa vergonha). O
texto foi editado por M. L. C. Buescu, em Lisboa, na Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, no ano de 1971. Transcrição Z.O.N. Carneiro (PROHPOR)
18) História do Futuro: texto de Padre Antônio Vieira, que foi editado por Maria Leonor
Carvalhão Buescu, em 1971. A versão analisada faz parte da 2ª edição da Imprensa Nacional,
Casa da Moeda. O texto foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da
Unicamp.
277
19) Sermões: textos escritos por Padre Antônio Vieira, de 1679-1695. Os textos foram
prefaciados e revistos pelo Rev. Padre Gonçalo Alves, em 1907, na cidade do Porto, pela
Livraria Chardron - Lello & Irmão Editores. A versão utilizada faz parte do Corpus Histórico
do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp.
20) Cartas do Padre Antonio Vieira: o material foi coordenado e anotado por J. Lúcio
d'Azevedo, em Coimbra, pela Imprensa da Universidade, no ano de 1925. O texto compõe o
Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp.
21) Manuscritos das mãos inábeis: os textos datam do período de 1600-1699 e foram
editados em 1996, por Rita Marquilhas, em sua Tese de Doutoramento, na Universidade de
Lisboa. O material encontra-se disponível no Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”,
da Unicamp.
22) Discursos Vários Políticos: o texto original foi escrito em 1624 por Manuel Severino de
Faria. A introdução, atualização e notas foram realizadas por Maria Leonor Soares Albergaria
Vieira, pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda, em 1999. O texto foi extraído do Corpus
Histórico do Português “Tycho Brahe”, da Unicamp.
23) Cartas de familiares (Francisco Manuel de Melo): as cartas foram escritas em 1664 e,
mais tarde, foram editadas por M. Rodrigues Lapa, no ano de 1942, em Lisboa, pela Livraria
Sá da Costa.
O texto foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”,
Unicamp.
24) Autos da Devassa: O texto processual tinha a função de descrever a inquirição dos réus e
a acareação de testemunhas, acusadas de difusão de princípios iluministas. O presidente da
devassa do Rio de Janeiro foi o desembargador António Dinis da Cruz e Silva. Foram presos
e inquiridos Manuel Inácio da Silva Alvarenga, João Marques Pinto, Mariano José Pereira da
278
Fonseca, dentre outros. A devassa propriamente dita decorreu entre Dezembro de 1794 e
Fevereiro de 1795. A inquirição dos réus e a acareação de testemunhas realizaram-se entre
Março e Maio de 1796, não tendo sido possível apurar matéria particularmente grave. O texto
foi editado, em 1994, por José Pereira da Silva e consta no Arquivo Público do Estado do Rio
de Janeiro.
25) Manuscritos de Manoel Martinz do Couto Reys: Compõe-se da descrição geográfica,
pública e cronográfica do Distrito de Campos de Goytacazes (Rio de Janeiro), em 1785. A
transcrição do documento foi realizada por Gracilda Alves, em 1997, e consta no Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro.
26) Verdadeiro Método de Estudar: Texto editado, em Lisboa, por António Salgado Filho,
em 1949. O autor do texto foi Luís António Verney e o texto foi produzido em 1746. O texto
foi extraído do Corpus Histórico do Português “Tycho Brahe”, Unicamp.
27) Corpora PHPB (séculos XVIII e XIX): disponíveis no endereço eletrônico
http://www.letras.ufrj.br/phpb-rj/, os textos compõem o acervo do Projeto Para uma História
do Português Brasileiro – Rio de Janeiro. Do século XVIII, foram utilizadas cartas oficiais,
cartas de comércio, cartas pessoais, documentos oficiais, documentos particulares, peças
populares e peças teatrais portuguesas. No século XIX, analisaram-se cartas oficiais,
documentos oficiais, cartas pessoais, peças populares, peças teatrais portuguesas, folhetins,
cartas de leitores e redatores, anúncios e notícias.
28) Notícias: As notícias foram extraídas do Projeto VARPORT (Análise Contrastiva de
Variedades do Português - http://www.letras.ufrj.br/varport/). Os textos encontram-se
divididos em cinco fases, a saber: fase I- 1901⁄1924; fase II- 1925⁄1949; fase III-1950⁄1974;
279
fase IV-1975⁄2000. Na primeira fase, o corpus é composto por 25 documentos; na segunda,
por 39; na terceira, encontram-se 17 textos; e na quarta, 31.
29) Editoriais: extraídos do Projeto VARPORT, os editoriais são divididos em quatro fases:
I- 1901⁄1924, com quatro documentos; fase II- 1925⁄1949, com seis documentos; fase III1950⁄1974, com seis documentos; fase IV-1975⁄2000, com sete documentos.
30) Cartas Pessoais: analisaram-se um total de 26 cartas, enviadas dos municípios do Rio de
Janeiro, de Petrópolis, Natal e São Luís.
7.1.2 Dados de fala
1) Entrevistas do Projeto NURC (Norma Urbana Oral Culta), das cidades do Rio de Janeiro e
Salvador, nas décadas de 70 e 90. O material do Rio de Janeiro encontra-se disponível no site
http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/.
Analisaram-se quatro inquéritos de três faixas etárias
distintas: faixa I- 25⁄35 anos; faixa II- 36⁄55 anos; e faixa III- 56 anos em diante.
Selecionaram-se, de cada faixa etária, dois informantes femininos e dois masculinos, em cada
uma das cidades.
Faixa 1
Faixa 2
Faixa 3
NURC - RJ
NURC - SSA
Década 70
Década 90
Década 70
Década 90
Mulher
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Homem
011
096
002
001
125
138
002
006
084
012
003
013
173
016
010
261
052
019
014
231
100
012
007
104
135
054
017
081
135
008
015
317
112
027
028
159
094
005
007
057
255
018
356
283
006
013
Quadro 5. Relação de inquéritos extraídos do Projeto NURC
280
2) Entrevistas do Projeto PEUL (Programa de Estudos sobre o uso da Língua). As entrevistas
foram gravadas nas décadas de 80 (Amostra Censo) e 2000 e estão disponíveis no endereço
eletrônico http://www.letras.ufrj.br/peul/. Na análise das orações concessivas, utilizou-se todo
o material disponível no site. Nas orações completivas, analisaram-se quatro inquéritos de três
faixas etárias distintas, seguindo o padrão de divisão de faixas etárias do Projeto NURC.
PEUL - RJ
Década 80
Década 2000
Mulher
Homem
Mulher
Homem
004
020
017
023
Faixa 1
010
025
021
005
017
009
018
016
Faixa 2
043
007
024
019
008
018
027
025
Faixa 3
016
033
028
029
Quadro 6. Relação de inquéritos extraídos do Projeto PEUL
281
7. 2 PARTE 2
Século XIII
100% Subjuntivo
Advinhar
Chantar
Confiar
Consentir
Constranger
Contradizer
Dar
Defender
Escapar
Estabelecer
Fastar
Fazer
Mandar
Mandar fazer
Manguer
Ouver
Outorgar
Pedir
Prometer
Querer
Querelar
Responder
Rogar
Ser direito
Ser mester
Ter por bem
26 predicadores
100% Indicativo
Acontecer
Achar
Confessar
Conhecer
Crer
Defender
Dividir
Entender
Firmar
Ler
Mostrar
Negar
Ouvir
Publicar
Provar⁄ querer provar
Reconhecer
Requerer
Saber
Ser escrito
Ver
20 predicadores
Subjuntivo variável
Acaecer
Convir a saber
Demandar ⁄ ser demandado
Dizer
Jurar
5 predicadores
Tabela 47. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século
XIII
282
Século XIV
100% Subjuntivo
Aconselhar
Acontecer
Defender
Desejar
Destregar
Deixar
Fazer mester
Fazer com que
Guardar
Haver dúvida
Pedir
Prazer
Rogar
Ser sofrer
Temer
15 predicadores
100% Indicativo
Acaecer
Acontecer
Achar
Acordar
Conhecer
Confessar
Contar
Considerar
Desesperar
Dever pregar
Entregar
Falar
Fazer fé
Ler
Matar
Mostrar
Negar
Ouvir
Perguntar
Poder provar
Poer
Querer desprezar
Receber
Reconhecer
Rogar (se)⁄ começar a rogar
Saber
Ser conteúdo
Sentir
Ver
29 predicadores
Subjuntivo variável
Crer⁄ poder crer
Cuidar
Convir⁄ convir a saber
Demandar
Dizer e suas variações
Duvidar
Entender⁄ dar a entender
Fazer
Jurar
Lembrar
Mandar
Ordenar
Outorgar
Prometer
Querer
Responder
Semelhar
17 predicadores
Tabela 48. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século
XIV
283
Século XV
100% Subjuntivo
Acatar
Aconselhar
Aprazer
Cometer
Comprir
Consentir
Consertar
Convir
Deixar
Desejar
Embargar
Encomendar
Enviar
Folgar
Guardar
Inclinar
Lembrar
Pedir
Poder
Prejeitar
Procurar
Prouver
Ser necessário
Ser razão
Suplicar
Ter⁄ser por bem
26 predicadores
100% Indicativo
Acertar
Aporfiar
Assentar
Certificar
Começar a sonhar
Comprovar
Concluir
Confiar
Conhecer
Considerar
Constar
Declarar
Descobrir
Determinar
Entender
Enviar
Ensinar
Figurar
Fingir
Haver de duvidar
Julgar
Manter
Oferecer
Pensar
Perguntar
Presumir
Prometer
Reconhecer
Sentir
Ser determinado
Ser certificado
Ser necessário
Ser claro
Ser verdade
34 predicadores
Subjuntivo variável
Achar
Aver
Acordar⁄ ser acordado
Acontecer
Afirmar
Aprouver
Bradar
Concordar⁄ ser concordado
Contar
Cuidar
Crer
Dar licença
Dizer e suas variações
Esperar
Escrever ⁄ Achar escrito
Falar
Fazer ⁄ fazer com que
Jurar
Mandar
Mostrar
Ordenar
Outorgar
Ouvir
Ouvir por bem
Parecer
Pesar
Pedir
Poder crer
Prazer
Prometer
Querer
Recear
Requerer
Responder
Rogar
Saber
Ser por certo⁄ ser certo⁄ haver certo
Ser bem⁄ Ter por bem⁄ ouvir por bem
Ter ordenado
Ter
Ver
42 predicadores
Tabela 49. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século
XV
284
Século XVI
100% Subjuntivo
Acenar
Aconselhar
Alegar
Apontar
Avisar
Aver prazer
Cobiçar
Consentir
Encomendar
Falar
Folgar
Haver d’olhar
Insistir
Leixar
Notificar
Pedir
Procurar
Publicar
Requerer
Resguardar
Resolver
Rogar
Ser caso
Ser necessário
Ser por serviço
Ser razão
Solicitar
Ter lembrança
Tornar
100% Indicativo
Achar
Afirmar
Acordar
Acrescentar
Aver d’olhar
Assegurar
Certificar
Confiar
Conhecer
Considerar
Consentir
Cometer
Convir
Dever olhar
Determinar
Entender
Enformar
Ensinar
Julgar
Ficar claro
Jurar
Ler
Mandar saber
Mostrar
Pensar
Perguntar
Poder ver
Praticar
Prazer
Presumir
Provar
Querer falar
Querer fazer
Representar
Sentir
Ser certo
Ser claro
Ser dito
Ser lembrado
Ser verdade
Ser por serviço
Ter defeso
Ter por certo
Temer
Tomar por fim
Usar
Subjuntivo variável
Assentar
Crer
Cuidar
Cumprir
Declarar
Defender
Dizer
Escrever
Esperar
Lembrar
Mandar
Parecer
Poder ser
Poder dizer
Prometer
Querer
Querer dizer
Responder
Saber
Ser por bem
Ver
29 predicadores
46 predicadores
21 predicadores
Tabela 50. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século
XVI
285
Século XVII
100% Subjuntivo
Aconselhar
Bastar
Conceder
Consentir
Convir
Dar
Deixar
Desejar
Dictar
Doer
Encomendar
Evitar
Estimar
Exortar
Fazer
Folgar
Interpretar
Obrigar
Obstar
Ordenar
Pedir
Permitir
Proibir
Recear
Referir
Requerer
Rogar
Sentir
Ser bem
Ser bom
Ser justo
Ser necessário
Servir
Ter esperança
100% Indicativo
Achar
Acrescentar
Advertir
Adivinhar
Admirar
Afirmar
Alcançar
Alegar
Anunciar
Apostar
Apontar
Apregoar
Averiguar
Atender
Atentar
Assegurar
Avisar
Cantar
Conhecer
Concluir
Confessar
Confirmar
Considerar
Constar
Convencer
Contar
Crer
Declarar
Demonstrar
Entender
Ensinar
Escrever
Espalhar
Esquecer
Falar
Fingir
Imaginar
Inferir
Julgar
Mostrar
Negar
Notar
286
Subjuntivo variável
Conceder
Confessar
Cuidar
Dizer
Duvidar
Esperar
Importar
Mandar
Mostrar
Negar
Parecer
Persuadir
Poder ser
Procurar
Prometer
Querer
Responder
Resolver
Ser possível
Temer
34 predicadores
Ocorrer
Oferecer
Pesar
Pregar
Pronunciar
Provar
Queixar-se
Receitar
Reconhecer
Referir
Reparar
Replicar
Revelar
Saber
Ser certo
Ser claro
Ser verdade
Supor
Suceder
Suspeitar
Ver
Verificar
64 predicadores
20 predicadores
Tabela 51. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século
XVII
287
Século XVIII
100% Subjuntivo
Admirar
Conceder
Consentir
Constar
Desejar
Determinar
Encarregar
Entrever
Esclarecer
Estimar
Esperançar
Fazer
Mandar
Merecer
Negar
Ordenar
Permitir
Poder ser
Pretender
Procurar
Propor
Querer
Recear
Restar
Rogar
Sentir
Ser bem
Ser conveniente
Ser justo
Ser natural
Ser notável
Ser preciso
Ser verossímil
Suceder
Temer
Vigiar
100% Indicativo
Achar
Acontecer
Acrescentar
Advertir
Apostar
Assentar
Assegurar
Atestar
Avisar
Capacitar
Certificar
Concluir
Confessar
Conhecer
Considerar
Constar
Contar
Conter
Contentar
Convencer
Cuidar
Dar parte
Declarar
Defender
Demonstrar
Descobrir
Discorrer
Enganar
Entender
Falar
Fingir
Figurar
Gostar
Inferir
Informar
Instar
Jurar
Lembrar
Mostrar
Olhar
Participar
288
Subjuntivo variável
Afirmar
Aconselhar
Bastar
Crer
Deixar
Dizer
Duvidar
Esperar
Fazer
Importar
Instar
Julgar
Parecer
Pensar
Persuadir
Pedir
Presumir
Prometer
Provar
Recomendar
Referir
Relatar
Replicar
Responder
Saber
Ser certo
Ser possível
Ser verdade
Supor
Perceber
Perdoar
Perguntar
Protestar
Prover
Reparar
Repetir
Segurar
Servir
Ser evidente
Ser notório
Suportar
Sustentar
Ter notícia
Ter razão
Verificar
Ver
Vir
36 predicadores
59 predicadores
30 predicadores
Tabela 52. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século
XVIII
289
Século XIX
100% Subjuntivo
Apostar
Admirar
Bastar
Carecer
Consentir
Cumprir
Deixar
Dever envergonhar
Esperançar
Estimar
Exigir
Ficar satisfeito
Fingir
Importar
Indicar
Interessar
Invejar
Lamentar
Mandar
Negar
Ordenar
Pedir
Permitir
Poder acontecer
Poder ver
Ponderar
Prazer
Precisar
Prever
Proibir
Querer
Requerer
Ser bonito
Ser bom
Ser conveniente
Ser incontestável
Ser justo
Ser lástima
Ser necessário
Ser notável
Ser preciso
100% Indicativo
Achar
Acontecer
Acrescentar
Adivinhar
Afiançar
Afirmar
Agourar
Anunciar
Assegurar ⁄ poder assegurar
Assentar
Asseverar
Anunciar
Apregoar
Avançar
Atestar
Calcular
Cantar
Certificar
Cientificar
Coligir
Compreender
Comunicar
Concluir
Conhecer
Considerar
Conter
Correr
Dar notícias
Dar crédito
Decidir
Demonstrar
Declamar
Descobrir
Desconfiar
Desenganar
Desforrar
Despachar
Dissimular
Ensinar
Entender
Escrever
290
Subjuntivo variável
Acreditar ⁄ crer
Aconselhar
Advertir
Avisar
Confessar
Contar
Constar
Convencer ⁄ Estar convencido
Convir
Cuidar
Declarar
Determinar
Desejar
Dizer
Perífrases com dizer
Duvidar
Imaginar
Esperar
Fazer ⁄ Fazer com que
Pedir
Pensar
Poder ser
Prevenir
Provar
Recomendar
Responder
Rezar
Rogar
Saber
Ser verdade
Sentir
Supor
Ser verdade
Supor
Vedar
Ver
Ser provável
Ser possível
Ser triste
Ser urgente
Sofrer
Suplicar
Suspeitar
Tardar
Estar ciente
Estar convencido
Estar desenganado
Estar claro
Evidenciar
Explicar
Falar
Folgar
Garantir
Gorjear
Ignorar
Indagar
Inferir
Informar
Inspirar
Julgar
Jurar
Lembrar
Ler
Lisonjear
Mostrar
Notar
Observar
Olhar
Parecer
Participar
Perdoar
Perguntar
Persuadir
Prevenir
Procurar
Propalar
Propor
Provar
Prometer
Protestar
Publicar
Querer provar
Reconhecer
Recordar
Referir
Reparar
Replicar
Representar
Resolver
291
Restar
Rosnar
Ser certo
Ser conveniente
Ser crível
Ser estatuído
Ser evidente
Ser razão
Ser notório
Ser certo
Ser prova
Sonhar
Sustentar
Ter conhecimento
Ter certeza
Ter desconfiança
Ter dúvida
Ter fé
Ter notícia
Ter resposta
Verificar
Viver
49 predicadores
108 predicadores
36 predicadores
Tabela 53. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século
XIX
292
Século XX
100% Subjuntivo
Adorar
Concitar
Cumprir
Deplorar
Deixar
Desejar
Desmentir
Exigir
Imaginar
Impedir
Impor
Mandar
Merecer
Negar
Ordenar
Pedir
Permitir
Possibilitar
Pretender
Querer
Recear
Ser bom
Ser justo
Ser necessário
Ser natural
Ser possível
100% Indicativo
Acabar
Acentuar
Acontecer
Acrescentar
Admitir
Advertir
Afirmar
Aludir
Apostar
Anunciar
Aproveitar
Asseverar
Avisar
Calcular
Certificar
Compreender
Concluir
Confessar
Confirmar
Contar
Convencer
Declarar
Decretar
Deduzir
Defender
Demonstrar
Denunciar
Desculpar
Determinar
Divulgar
Dizer
Duvidar
Entender
Esclarecer
Escrever
Escutar
Estabelecer
Evidenciar
Explicar
Falar
293
Subjuntivo variável
Achar
Acreditar ⁄ crer
Esperar
Mostrar
Pensar
Perífrases com dizer
26 predicadores
Garantir
Importar
Indicar
Indagar
Informar
Insistir
Julgar
Jurar
Lamentar
Lembrar
Notar
Noticiar
Negar
Parecer
Participar
Perguntar
Previr
Provar
Reafirmar
Reclamar
Reconhecer
Recordar
Reiterar
Reparar
Repelir
Responder
Ressalvar
Ressaltar
Saber
Salientar
Sentir
Ser certo
Ser fato
Ser verdade
Sonhar
Ter certeza
Ter em vista
Ter impressão
Ver
Verificar
80 verbos
6 predicadores
Tabela 54. Distribuição geral de verbos de acordo com o modo verbal da oração completiva nos dados século
XX
294
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