MATEMÁTICA COM SABOR DE BOLACHAS Conceição

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X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
MATEMÁTICA COM SABOR DE BOLACHAS
Conceição Aparecida Cruz Longo Martins
FORMAR-Ciências – FE/UNICAMP
GdS- Grupo de Sábado – FE/UNICAMP
[email protected]
Resumo: Este trabalho relata a experiência de elaborar uma proposta alternativa para as
aulas de Matemática. O tema “Matemática com sabor de bolachas” surgiu de um trabalho
conjunto entre os professores de Matemática e Artes de uma escola pública do município
de Paulínia (SP), com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental e tem como objetivo
promover o ensino de Matemática através de situações problemas, mostrando que esta
disciplina se insere nas questões do cotidiano. Neste trabalho a Matemática se fez presente
nas receitas escolhidas, nas quantidades dos ingredientes, nas unidades de medidas usadas,
bem como seus instrumentos de medição e transformações e nos cálculos dos gastos com a
compra dos ingredientes.
Palavras-chave: Matemática; Culinária; Situações problema.
Sempre tive um gosto muito peculiar pela culinária e com uma boa pitada de
Matemática surgiu este trabalho, que uniu os sabores especiais da “Bolachinha de
Maisena” e a Matemática.
Mas esta história não começa assim, na verdade ela termina assim.
Meados do mês de abril, próximo à cozinha encontrava-se um amontoado de latas
de leite em pó vazias, olhei e pensei: Por que não usar aquelas latas vazias para um
trabalho com os alunos que reutilizasse aquelas embalagens? Seria um destino bem melhor
que o lixo.
Conversei com a professora de Artes, Jacqueline, que prontamente disse ter gostado
muito da idéia de aproveitar as latas e se propôs a decorá-las com origami.
Enquanto as latas eram reservadas, um dos subgrupos do Grupo de Sábado – GdS
decidiu estudar sobre Sistemas de Medidas e como integrante deste, numa manhã olhei
para aquelas latas e decidi: - Desenvolverei um projeto envolvendo receitas e medidas e
farei as bolachinhas para colocar dentro delas!
Primeiro pedi aos alunos que pesquisassem receitas de bolachas ou biscoitos doces
e que trouxessem na próxima aula.
Os alunos trouxeram as receitas copiadas no caderno e fizemos uma primeira
discussão de qual receita poderíamos escolher para que fosse feita na sala de aula. A
empolgação foi total. Fazer bolachinhas na aula de Matemática seria o máximo! Mas eu
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sabia que a receita não poderia ser qualquer uma, apenas pelo sabor, que deveria ser bom,
mas que seus ingredientes fossem de fácil aquisição e manuseio.
Por exclusão eliminamos algumas receitas, tais como: as que levavam muito tempo
para o preparo, as de ingredientes difíceis de serem encontrados e aquelas que possuíam
muitos ingredientes em sua receita.
Escolhida a receita, organizamos um roteiro de questões para calcularmos as
quantidades de bolachinhas, de ingredientes e custo.
A aluna Letícia, disse que a sua receita era perfeita, que se enquadrava no que
procurávamos e, além disso, sua mãe já havia feito aquelas bolachinhas e segundo a aluna,
eram muito boas.
Experimentalmente uma receita rendeu mais ou menos 100 bolachinhas, e para
todas as latas receberem a mesma quantidade de bolachas, combinamos que colocaríamos
em média 15 bolachinhas em cada saquinho.
Abaixo seguem as situações problemas desenvolvidas durante o projeto.
1º) Experimentalmente uma receita rende 100 bolachinhas e em cada saquinho
iremos colocar 15 bolachinhas, então uma receita dá para confeccionar quantos saquinhos?
Solução: 6 saquinhos e vão sobrar 10 bolachinhas.
2º) Todos os alunos das 5ª séries da escola irão receber um saquinho com as
bolachinhas. Quantos desses saquinhos vamos precisar fazer?
Observem o diálogo que segue ocorrido em uma das salas.
― (K) Vamos contar os alunos! A escola tem quatro quintas séries.
― (Professora) A 5ª A tem 24 alunos, a 5ª B tem 29 alunos e nós não podemos
interromper a aula de outro professor, onde mais poderíamos perguntar?
Como sou eu a professora das duas séries A e B era fácil saber a quantidade de
alunos dessas salas, enquanto que das outras duas a aluna sugeriu:
― (K) Vamos à secretaria perguntar.
A aluna K sai, vai até a secretaria da escola e volta com a resposta: 5ªC e 5ªD têm
29 alunos cada.
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Portanto, 24 + 29 + 29 + 29 = 111
Resposta: 111 alunos, 111 saquinhos.
Outro aluno diz: - Resolvi diferente: Eu fiz três vezes o 29 e o que deu somei com
24. Dei 111 também.
Foi neste momento que o aluno I disse: - Arredonda tudo para 30 alunos e
multiplica por quatro.
― (Professora) Mas porque 30?
― (I) Porque geralmente são 30 alunos que colocam em cada classe, se passar ou
faltar um ou outro aluno dá pra compensar. Então quatro vezes 30 são120. Faremos 120
saquinhos de bolachinhas. Assim ninguém ficará sem.
― (Professora) E se sobrar?
― (Alguns alunos) A gente come!!!
― (Professora) Combinado!
3º) Para esta quantidade de saquinhos, quantas bolachinhas faremos?
― (P): Em cada saquinho vamos colocar 15 bolachinhas, então para saber a
quantidade de bolachinhas é só fazer 120 vezes 15, que dá... 1800 bolachinhas.
4º) Para este total de bolachinhas, quantas receitas de bolachas serão necessárias?
― (K) Umas vinte!
― (Professora) Será que a K acertou? Como fazer então?
― (G) Faz 1.800 dividido por 100.
― (K) Será que são vinte...deixa eu fazer a conta.
Conclusão: 18 receitas.
5º) E quanto precisamos de cada ingrediente para este total de receitas?
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― (P) É só multiplicar todos os ingredientes da receita por 18.
6º) Vamos comprar essas quantidades de ingredientes no supermercado, quanto
precisamos comprar de cada ingrediente?
Percebi certa dúvida nos alunos, então expliquei que apesar de sabermos as
quantidades de ingredientes em xícaras e colheres era preciso saber quanto precisamos
comprar em embalagens encontradas nos supermercados.
Os alunos concluíram que era preciso saber “os quilos” e os “gramas” do total dos
ingredientes, que era preciso saber o “peso” total de cada um deles. Os alunos perceberam
neste momento a necessidade da conversão de medidas que usualmente aparecem em
receitas para medidas padronizadas pelo Sistema Internacional de Medidas. Expliquei
também, que normalmente usamos os utensílios caseiros para “pesar” e medir os
ingredientes, porém, devemos levar em conta que o tamanho das xícaras e colheres varia
bastante, então, o ideal é utilizar os medidores padronizados, que são facilmente
encontrados em lojas de artigos para a culinária ou até mesmo em supermercados e que
para medir a massa de objetos, alguns alimentos, pessoas ou animais, podemos usar o
quilograma (kg) como unidade de medida de massa, cujo instrumento usado para medir a
massa é a balança.
Surge então o seguinte diálogo entre os alunos:
― (D) Temos que ver quantos gramas tem uma xícara.
― (I) Pego uma xícara cheia de farinha peso e vejo quanto dá, depois faço vezes
dezoito e tenho o total.
O mesmo aluno continua:
― (I) Compramos um quilograma de farinha e vemos quantas xícaras cabe em um
quilo de farinha.
― (Professora) Mas eu não tenho uma balança aqui e ainda não comprei a farinha
para medirmos agora, como eu poderia resolver este problema então?
― (L) Vai lá e compra 5 kg ou será que 1 kg dá?
A aluna mesmo se contradisse, pois, ao mesmo tempo em que afirmou a compra de
5 kg se perguntou se 1 kg não era suficiente.
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A intenção era de encontrar várias soluções que estariam corretas do ponto de vista
matemático, mas que naquele momento e local precisávamos de outra saída para este
problema. Na verdade eu queria que eles soubessem que existe uma equivalência oficial
entre pesos e medidas.
― (I) Estou pensando em uma coisa: a minha receita de biscoito era a mesma que
fizemos na sala e a minha está em gramas. Vamos usar a minha receita.
― (Professora) Vamos pegar então a sua receita.
― (D) Mas pode não ser a mesma receita daí vai dar tudo errado.
Comparamos as duas receitas e mesmo se tratando de uma receita que trazia os
ingredientes em gramas, não conseguimos concluir que se tratava das mesmas quantidades,
ou seja, se as quantidades eram equivalentes.
― (L) Eu acho que tem um jeito: pegamos a farinha de 1 kg e distribuímos em
xícaras até terminar, daí em divido 1000 gramas pela quantidade de xícaras e vejo quanto
“pesa” cada xícara.
Neste momento eles já sabiam como resolver o problema, mas não conseguiam
chegar a uma conclusão de onde encontrar a resposta adequada, pois não tínhamos os
recursos sugeridos anteriormente.
― (F e R) Pessoal, temos que saber quanto “pesa” uma xícara de chá com farinha
dentro...
― (B) E na embalagem de farinha, não aparece essa informação?
― (Professora) Muito bem, a embalagem dos alimentos contém muitas informações
importantes, tais como, a composição do produto, data de validade, o código de
barras, informações nutricionais, serviço de atendimento ao consumidos, mas não
temos uma embalagem de farinha aqui.
― (L) Minha mãe quando faz bolos usa três xícaras de farinha e sempre ela usa
meio pacote, um pacote inteiro daria para 6 xícaras.
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― (P) Mas vai depender o tamanho da xícara que ela vai usar.
― (Professora) Se eu pedisse a vocês uma pesquisa para fazerem em casa, onde
vocês iriam pesquisar?
― (D) Na internet.
― (Professora) É mesmo! Vamos procurar! Achei! Olha só: equivalência de pesos
e medidas.
Sabendo da equivalência, perguntei à classe quanto achavam que “pesava” uma
xícara de chá de farinha de trigo.
― (Alunos) 350, 320, 120, 300, 100, ...
― (Professora) 120 gramas. E o amido de milho?
― (I) Se a farinha “pesa” 120 gramas o amido de milho também.
― (D) É tudo pó.
― (Alunos) 150, 120, 130, 150, 180, ...
Percebi que as estimativas para farinha de trigo variavam: entre 350 e 100 gramas.
Após a resposta para farinha de trigo este intervalo diminuiu e ficaram entre 120 e 180
gramas.
E assim, procedemos com os outros ingredientes.
7º) Agora, já sabemos a equivalência de cada ingrediente, quanto vamos comprar
desses ingredientes no supermercado?
Organizamos uma tabela para melhor nos orientarmos:
Ingredientes
Medida usada
“peso” unidade
18 receitas
“Peso” total
Farinha
Xícara de chá
120 gramas
18 xícaras
2.160 g
Amido de milho
Xícara de chá
150 gramas
27 xícaras
4.050 g
Açúcar
Colher de sopa
15 gramas
90 colheres
1.350 g
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Margarina
Colher de sopa
25 gramas
72 colheres
1.800 g
Coco ralado
Colher de sopa
12 gramas
54 colheres
648 g
Convertemos as medidas de gramas pra quilogramas:
2.160 g = 2 kg e 160 g; 4.050 g = 4 kg e 50 g; 1.350 g = 1 kg e 350 g; 1.800 g = 1 kg e
800 g
Expliquei aos alunos que quando usamos a balança estamos medindo a massa e que
a palavra peso é popularmente usada em lugar de massa, mas em linguagem científica
existe diferença entre peso e massa. Peso de um corpo é a força com que o corpo é atraído
para o centro da Terra (gravidade). O peso varia conforme o lugar em que o corpo está e
que a massa de um corpo é a quantidade de matéria que esse corpo possui. A massa de um
corpo é constante, isto é não varia.
8º) A próxima proposta foi como comprar esses ingredientes no supermercado.
Para a compra de farinha e açúcar a resposta foi imediata: “Compramos 3 pacotes
de 1 kg de farinha e 2 pacotes de 1 kg de açúcar.”
― (R) E o amido de milho, quantos “quilos” há em cada pacote?
Encontramos, para o amido de milho, três embalagens diferentes: 1 kg, 500g e
200g.
― (J) Então compramos 4 pacotes de 1 kg e um pacote de 200g.
― (P) E a margarina tem potes de 500 g e de 250 g, mas só vamos comprar 4 potes
de 500 g, porque precisamos de 1.800 g.
Para o coco ralado, encontramos embalagens com 100g e 50 g.
― (I) De coco ralado compramos 6 pacotes de 100 g e 1 pacote de 50g.
Veja como ficou a nossa lista de compras:
 3 pacotes de 1 kg de farinha de trigo
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 2 pacotes de 1 kg de açúcar
 4 pacotes de 1 kg e 1 pacote de 200 g de amido de milho
 4 potes de 500 g de margarina
 6 pacotes de 100g e 1 pacote de 50 g de coco ralado
9º) A proposta agora era calcular os gastos com as 18 receitas, então pedi aos
alunos que pesquisassem os preços dos produtos usados na receita em estabelecimentos
comerciais, em folhetos de propaganda ou mesmo na internet e que trouxessem os valores
na próxima aula.
Começamos com a farinha de trigo em embalagem com 1 kg. Os alunos falavam os
preços pesquisados. Eu anotava-os na lousa.
Assim procedemos com todos os ingredientes e ao final responderam algumas
questões:
a) Qual foi o menor preço pesquisado?
b) E o maior?
c) Qual a diferença entre o maior e o menor valor pesquisado?
d) Qual o preço mais encontrado?
e) Quantos preços foram pesquisados?
f) Calcule a soma de todos os preços
g) Calcule a média dos preços da farinha.
Os alunos resolveram as questões sem nenhuma dificuldade. No cálculo da média
os alunos usaram a calculadora e anota os resultados com todos os números que
apareceram no visor da calculadora. Expliquei que o nosso sistema monetário é constituído
por apenas duas casas decimais e fizemos as aproximações necessárias.
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Agora com o valor médio de cada produto, calculamos o valor gasto com cada item
da receita e por fim com o gasto total com as 18 receitas, que foi de aproximadamente R$
60,00.
E assim, esta etapa do trabalho estava terminada. Mas e as bolachas? Não vamos
fazer as bolachas? Vamos sim!
Compramos os ingredientes e organizamos na própria sala de aula uma bancada
com as carteiras, onde colocamos os ingredientes necessários e os utensílios necessários.
De imediato percebemos que não seria possível fazermos as 18 receitas de usa só vez.
Resolvemos que faríamos de duas em duas. E assim, explicando passo a passo o modo de
preparo da receita fomos “dando o ponto” aquela massa.
As merendeiras da escola ajudaram assando as bolachas e depois que todas ficaram
prontas, colocamos nos saquinhos e cada aluno colocou dentro da sua lata de leite em pó,
que agora estava decorada e pronta para ser levada para casa como um “pote de bolachas”.
Para aqueles que achavam a matemática confusa, difícil de aprender e/ou
desinteressante, cozinhá-la, talvez, a torne mais “saborosa”.
Referências bibliográficas
BIGODE, Antônio José Lopes. Matemática Hoje é Feita Assim. 5ª a 8ª séries. São Paulo:
FTD, 2000.
DANTE, Luiz Roberto. Matemática – Contextos e Aplicações. 5ª a 8ª séries. São Paulo:
Ática, 1999.
IMENES & LELLIS, Matemática. 5ª a 8ª séries. São Paulo: Scipione, 1997.
UNIRIO.
Equivalência
de
Pesos
e
Medidas.
Disponível
em:
<http://www.unirio.br/gastronomiavancada/peso.htm>. Acessado em 2009.
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