BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO. Dicionário de Política, sexta edição. Brasília: UnB, s/d. Relações Internacionais I. A DICOTOMIA “SOBERANIA ESTATAL – ANARQUIA INTERNACIONAL” COMO FUNDAMENTO DA DISTINÇÃO DAS RELAÇÕES INTERNAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS. Relações internacionais – complexo de relações entre Estados. O critério de distinção entre as Relações internas dos Estados e as relações internacionais é o modo com que se regulam; as primeiras se desenvolvem normalmente sem o recurso da violência – pelo monopólio da autoridade soberana; enquanto que as segundas se desenvolvem à sombra da guerra – há possibilidade permanente de guerra ou da sua ameaça. Outros critérios de distinção não podem ser utilizados como a diversidade dos atores e o conteúdo. Diversidade dos atores: relações internacionais(atores são os Estados) e relações internas(atores são os partidos, sindicatos, empresas, etc.)? Não! Organismos de índole internacional(ONU); organismos integrativos(União Européia); grupos de pressão como empresas multinacionais, internacionais partidárias, sindicatos; organizações como OLP, etc. influem no âmbito das relações internacionais. Conteúdo: tanto nas relações internacionais como nas internas, existem relações de conteúdo político, econômico, social, cultural, etc. Segundo Kant, a causa da guerra nas relações entre os Estados é a garantia da manutenção das relações pacíficas dentro do Estado. A soberania do Estado significa que ele não está sujeito a uma autoridade supraestabelecida, dotada do monopólio da força – gerando situação anárquica. Direito internacional: sua existência não desmente as diferenças entre relações internas e externas. Ele é valido, mas sua eficácia, em última instância, fica condicionada à vontade de os Estados acatarem ou não as normas de direito internacional. Relações internas: reguladas pelo direito. Relações externas: reguladas pelo jogo de interesses e pela força. Situação de anarquia nas relações internacionais influi no conteúdo e nos atores. Conteúdo: Dentro do Estado, há relativo grau de certeza e previsibilidade. Fora, prevalece o incerto e por isso a necessidade de segurança militar – Razão de Estado(valores prioritários em relação aos princípios jurídicos, econômicos e morais). Atores: Apesar de existirem atores não-estatais que atuam nas relações internacionais(p. ex. as empresas multinacionais), são os Estados que monopolizam a força. Os Estados são os atores decisivos neste contexto. O raciocínio baseado na dicotomia “soberania Estatal e anarquia internacional” não é absolutamente válido; o é em um contexto histórico específico: a partir da Europa moderna e a formação dos Estados modernos. Nele é possível haver uma pluralidade de Estados soberanos e o direito internacional. (Antes também nas cidades-Estado gregas e nas cidades italianas do século XV) II. O SISTEMA DOS ESTADOS E O GOVERNO DO MUNDO. Apesar da ausência de um ordenamento jurídico eficaz e o domínio da lei da força nas relações internacionais, não ocorre um cenário totalmente caótico. Há outros elementos estruturais que o tornam mais compreensível. Chegou-se assim no conceito de “sistema dos Estados”. Sistema dos Estados: 1) ponto inicial: forte hierarquia decorrente das relações de força. As decisões fundamentais são tomadas pelas grandes potências. As pequenas e médias potências buscam proteção nas maiores. P. ex., o mundo bipolar pós-guerra-fria com URSS de um lado e EUA de outro. 2) segundo elemento: equilíbrio que regula as relações entre as grandes potências. Elas adotaram este princípio porque a ruptura dele traria a hegemonia de um Estado e a perda da própria soberania e independência, consequentemente. O equilíbrio não superou a anarquia internacional, para mantê-lo precisa-se da guerra. Deste modo, tornou-se possível o sistema pluralista de Estados soberanos o qual garantiu o mínimo de autonomia às médias e às pequenas potências. A hierarquia e o equilíbrio entre as grandes potências transformam uma pluralidade caótica de Estados em um sistema de Estados, caracterizado por relativa ordem. Na Europa moderna tornou-se possível a difusão e maior eficácia do direito internacional. Isso aconteceu por validade factual, os atores tiveram de reconhecer a necessidade de conviver. Se não existe um poder soberano que garanta o cumprimento do direito internacional, existe sim uma situação de poder em favor de um equilíbrio. Governo do mundo: A hierarquia e o equilíbrio das grandes potências também configuram a presença do “Governo do mundo”. Um governo que não possui o requisito da soberania. Constituído por relações entre potências e entre estas e os demais Estados. O poder é exercido através de relações de força entre grupos armados, normas de direito internacional, tratados, alianças, zonas de influência, regras formais ou informais, etc. Um pequeno grupo de sujeitos internacionais controlam as relações internacionais dos demais países, conseguindo até mesmo uma “ordem social”. O “Governo do mundo” apresenta caráter anti-democrático pois suas decisões são fundadas na relação da força pura, sem debate entre nações, impondo a vontade das potências ao resto do mundo. III. SISTEMAS MULTIPOLARES E SISTEMAS BIPOLARES. Modelos mais típicos de relação de força: multipolar e bipolar, sendo possível modelos intermediários. Sistema multipolar: elasticidade sob dois aspectos: o aspecto da aliança, tende não ao fortalecimento, mas a mudança buscando o equilíbrio; e maior autonomia às médias e pequenas potências. Se no sistema houver poucas diferenças entre as forças das potências, o sistema é mais estável(p. ex. a Santa Aliança). Se no sistema essa diferença for maior haverá o perigo hegemônico de uma potência e o sistema se aproximará do bipolar(rigidez das alianças, instabilidade e guerras). O exemplo fundamental do equilíbrio multipolar é o sistema dos Estados europeus que se expandiu para o atual sistema mundial. Sistema bipolar: tem como característica fundamental a rigidez da política de equilíbrio colocada em prática pelos atores principais. A corrida armamentista é mais acentuada e, em caso de guerra entre as duas potências hegemônicas, fatalmente resultará em guerra total. Os atores menores possuem liberdade limitada e, internamente, devem manter estruturas políticas e econômicas estáveis que favoreçam a potência hegemônica. Essas características tendem a atenuar à medida que a diferença da potência entre atores principais e secundários diminui. O melhor exemplo deste sistema se formou após a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria na qual se criaram armar de destruição total, tornando inconcebível a guerra total. IV. POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA INTERNA. Rejeição do primado da política interna. Ponto de partida: reconhecimento da autonomia da política externa e da política interna. Mesmo com as mais radicais mudanças dos regimes internos como as ocasionadas pela Revolução Francesa e Revolução Comunista, as leis fundamentais de potência e equilíbrio se mantiveram(a política de potência, a política de equilíbrio e as guerras). Forma da situação internacional sobre a evolução interna: a anarquia internacional obriga os Estados a se fortalecerem militarmente, tornando-se necessárias estruturas políticas centralizadoras e autoritárias. Estruturas internas sobre a política internacional: “Bonapartismo” é a tendência de um Estado com fortes tensões políticas e sociais internas tentar dominá-las pondo em prática uma política expansionista, ou até mesmo, de aumento da tensão internacional. O Estado deve ser autoritário, conservador e centralizador, além de depender de sua posição continental. O maior exemplo de Estado bonapartista foi a Alemanha nazista. Estados descentralizados ou federados com efetiva separação dos poderes encontram dificuldades para por em prática uma política externa belicosa e expansionista. V. CRÍTICAS AO MODELO DICOTÔMICO SOBERANIA ESTATAL – ANARQUIA INTERNACIONAL. Duas orientações: 1) da teoria das relações internacionais que remonta a Maquiavel. 2) do estudo dessas relações como disciplina acadêmica, que é recente(pós-guerra) e em grande parte por estudiosos anglo-saxões. Há integração recíproca em parte entre as duas. Na segunda orientação, cita-se a ciência americana das International Relations. International Relations Características: metodologia comportamentalista; coleta de dados empíricos; quantificação e matematização dos dados e perfeccionismo metodológico. Esta linha de pesquisa recebe críticas por se concentrar demasiadamente em termos secundários. Dentro das International Relations surgem algumas teses alternativas que se contrariam com a doutrina da Razão de Estado. Baseiam-se na ideia de que a soberania estatal fique limitada e, por conseguinte, desapareça a diferença entre relações internacionais e externas. São três fenômenos gerais mais enfocados(das teses alternativas do IR): 1) Crescente interdependência no plano econômico, social, ecológico e cultural que deu origem a estruturas de organização internacional(ONU). 2) Interdependência formando blocos econômicos ou militares(OTAN, Pacto de Varsóvia, UE, etc.) 3) Interdependência econômica pelas grandes multinacionais, capazes de até restringir substancialmente a soberania de um Estado. Para os autores, essas teses alternativas são inteiramente infundadas porque põem em dúvida a teoria das relações internacionais no esquema da dicotomia soberania estatal – anarquia internacional. Eles refutam os três fenômenos anteriormente citados: 1) A interdependência é uma condição contextual dos sistemas. Distinção entre “sistema internacional”(complexo de sistema dos Estados mais o da sociedade transnacional que aquele abrange) e “sistema de Estados”. 2) A integração dos Estados decorre das fortes relações de hierarquia entre os atores principais e os secundários. P. ex., a OTAN e o Pacto de Varsovia. 3) As empresas multinacionais atuam com apoio direto ou indireto de uma grande potência. Conclui-se que os fenômenos de interdependência das relações humanas no âmbito internacional de forma alguma demonstram que a estrutura anárquica é cada vez mais inconciliável. Também, não se fala em Governo mundial eficaz e democrático. VI. SISTEMA DOS ESTADOS E EVOLUÇÃO DO MODO DE PRODUZIR. Problemática levantada pela orientação marxista, particularmente o materialismo histórico: a relação entre a evolução do modo de produzir e a evolução das superestruturas políticas, na qual o sistema dos Estados tem papel relevante. Ou seja, a explicação da interação dialética entre evolução do modo de produção e a evolução do sistema dos Estados. Fatores do processo de formação dos Estados soberanos: O modo capitalista de produção constituiu o alicerce da formação Estado soberano moderno e também fez crescer o mercado mundial. Tese da autonomia relativa dos Estados em relação à evolução do modo de produção: enquanto o modo de produção não levar a superação do sistema dos Estados soberanos, estes exercem influencia autônoma e decisiva sobre o comportamento humano e, consequentemente, sobre o processo histórico. Esta tese permite entender o processo de ajustamento da superestrutura à evolução da base estrutural(modo de produzir). P. ex., o estado bonapartista(centralizado, expansionista e belicista) que retarda a transformação do regime interno até sua ruína(econômica).