Terra redonda - Nautilus Fis UC

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Terra redonda
(Expresso: 19-11-2005)
Quando era muito jovem e estudava as primeiras letras, ouvi pela primeira vez
falar das provas da esfericidade da Terra. As provas clássicas, que vinham dos gregos...
os mastros dos navios no mar, os eclipses... Na altura achava tudo idiota. A Terra é
esférica, toda a gente o sabe. Não há fotografias tiradas do espaço que mostram que
vivemos numa gigantesca bola? Que ensino tão antiquado...
Há dias, pessoa amiga disse-me que essas provas ainda hoje se aprendem na
escola. Ou, pelo menos, em algumas escolas. Conversámos um pouco sobre o assunto e
dei por mim a mudar de opinião. Afinal, vale a pena conhecer as provas clássicas. Não
só para tomar contacto com a argúcia dos antigos - o que é importante - mas, sobretudo,
para verdadeiramente perceber que a Terra é esférica. Ou seja, para incorporar essa
ideia no nosso dia-a-dia.
Aprendem-se coisas na escola e aprendem-se coisas na vida, mas a ligação é
deficiente. Muitas pessoas têm dificuldade em aplicar os conhecimentos. O que
aprendem em matemática, em física, em história, ou no que seja, fica num
compartimento estanque do cérebro e não se transfere para a vida.
Não se conhece uma solução milagrosa para realizar esta transferência - e o
problema continua largamente em aberto em psicologia e pedagogia. Mas uma coisa é
óbvia: quanto mais ligações entre o ensino e a vida a escola estabelecer, mais facilitada
essa transferência fica.
As provas gregas da esfericidade da Terra têm esta grande vantagem: são
verificáveis por qualquer um. Não é preciso ir ao espaço e tirar uma fotografia à Terra,
coisa que praticamente ninguém pode fazer. Basta saber olhar à volta. Basta aprender a
ver no mar, no ar e no céu os sinais da Terra redonda.
Aristóteles (384-322 a.C.) listava duas observações decisivas: a visão do
firmamento ser diferente em diferentes latitudes e a forma circular da sombra da Terra
sobre a Lua durante os eclipses. Nenhuma destas provas é fácil de realizar, mas ambas
estão ao nosso alcance. A primeira obriga a viajar e observar. Será preciso, no mínimo,
viajar do Norte ao Sul do país para se começar a perceber que há estrelas que num local
se vêm a roçar o horizonte e noutro aparecem um pouco mais acima. Em alternativa,
pode-se medir a altura da estrela Polar, que no Minho é uns quatro graus superior à do
Algarve. O horizonte não está no mesmo plano nos dois locais. Seguimos a curvatura da
Terra ao viajar de um lado para outro e, por isso, muda o céu que vemos.
A segunda prova de Aristóteles obriga a esperar por um eclipse lunar. Nessa
altura, vê-se que a sombra que a Terra projecta sobre a Lua tem «a fronteira sempre
convexa», como dizia Aristóteles. A Terra tem de ser redonda.
Estas e outras provas eram consideradas tão decisivas que o sábio romano Plínio
o Velho (23-79 d.C.) dizia que a forma esférica da Terra «é o primeiro facto acerca do
qual há um acordo generalizado». Não foi pois Cristóvão Colombo quem mostrou
que a Terra é redonda, como por vezes se afirma. Já quase toda a gente culta o sabia
desde a Antiguidade.
Mas há outras provas ainda mais interessantes, apesar de menos conclusivas. A
minha prova favorita apenas necessita de um pôr-do-sol junto ao mar e de nuvens.
Depois de o sol mergulhar no oceano, há nuvens que se mantêm iluminadas pelos raios
vermelhos da nossa estrela. Estão mais altas que nós e o sol ainda as alcança. E isso
acontece em qualquer local. O oceano tem de ter uma curvatura.
Sabe bem ver a esfericidade da Terra ao pôr-do-sol.
uno Crato
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