considerações sobre o amor transferencial

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL
CONSIDERATIONS ON TRANSFERENCE LOVE
Mônica Motta Garabini 1
Artigo científico apresentado ao curso de
Especialização em Psicanálise: Teoria Interfaces e
Aplicações da Universidade Vale do Rio Doce
(UNIVALE) como requisito para obtenção de
conhecimentos na referida disciplina.
Orientador: Robson Campos
Universidade Vale do Rio Doce – Univale
Curso de Especialização em Psicanálise - Teoria, Interfaces e Aplicações
1
Psicóloga e Especialista em Psicanálise: Teoria, Interfaces e Aplicações na Universidade Vale do Rio Doce –
UNIVALE. E-mail:[email protected]
1
RESUMO: O conceito de transferência em análise não é tão fácil de elaborar e
compreender, dado que a transparência não é uma virtude presente no campo das relações humanas.
Inclusive, a relação que se estabelece entre analisante e analista, cuja base se encontra alicerçada em
um amor fictício - automático e freqüentemente inconsciente – é regida por um registro simbólico e
imaginário que tenta dar conta do real da existência. Isso acontece, pois geralmente ama-se aquele
que se supõe saber algo sobre si. Há a crença imaginária de que ao amar esse sujeito suposto saber
se alcançará a verdade que oferece resposta à questão: “Quem sou eu?”. Esse amor-sintoma
atualiza sua mecânica na figura do analista acreditando ser essa verdade amável, agradável,
enquanto ela é de fato difícil de suportar. Assim é que a presença do amor transferencial no campo
analítico é marcada por uma opacidade, opacidade esta que não pode ser negligenciada pelos
analistas. Nesse sentido, é preciso ir além do alicerce freudiano para introduzir novas respostas
perante a reedição subjetiva de um amor, uma vez que seu manejo constitui condição sine qua non
para alcançar os objetivos de uma análise.
Palavras-chave: Transferência; Análise; Analista; Verdade; Amor; Saber.
ABSTRACT: The concept of transference in analysis is not so easy to elaborate and understand,
given that transparency is not a present virtue in the field of human relations. Even the relation
between analyzing and analyst, which base is rooted in a fictional love – automatic and often
unconscious - is governed by a symbolic and imaginary record that tries to give an account of the
real existence. It happens because an individual usually loves the one who is supposed to know
something about him. There is an imaginary belief that by loving such individual the truth that
provides answers to the question: "Who am I?" is reached. This symptom-love updates its mechanic
in the feature of the analyst believing this truth to be nice and pleasant, while it is indeed hard to
bear. Therefore, the presence of transference love in the analytic field is marked by an opacity
which cannot be neglected by analysts. In this case, it is necessary to go beyond Freud's basis to
introduce new answers before a love's new subjective concept, once its application establishes sine
qua non condition to aim the goals in an analysis.
Keywords: Transference; Analysis; Analyst; Truth; Love; To Know.
A definição de amor encontrada no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa prevê
algumas significações como: “afeição profunda de uma pessoa a outra de sexo diferente; objeto
dessa afeição; conjunto de fenômenos cerebrais e afetivos que constituem o instinto sexual (...)”
(FERNANDES et al, 1993, p. 114). Já o conceito de transferência presente no mesmo exemplar,
compreende a “ação ou efeito de transferir; mudança; troca” (FERNANDES et al, 1993, p. 677).
Há de se observar que essa tal afeição na atualidade pode ser direcionada a uma pessoa
do mesmo sexo, tendo em mente que a anatomia não é verdadeiramente o destino como preconizava
Lacan. O destino é o que o homem faz dessa anatomia.
2
Então, esclarecido tal aspecto é possível avançar e, ao unir tais conceitos alcançar a
idéia de que tal afeição desenvolvida por um conjunto de fenômenos cerebrais e afetivos é
direcionada a outra pessoa (objeto dessa afeição), ou seja, transferida.
Embora o conceito construído pela lógica seja admissível á consciência, existe uma
complexidade desse amor que não está aludida no pensamento acima. O amor suscitado na relação
transferencial em análise necessita de algumas condições para se manifestar e, é com base nisso que
se pretende elucidar a singularidade que o distingue daquele motivado nas demais relações.
Tal distinção, contudo, não constitui o foco desse trabalho cuja finalidade é trazer á baila
o deslocamento do sentido dessa definição no discurso analítico, com base no esclarecimento dos
conceitos que se situam no perímetro desse fenômeno.
É importante advertir que tal acepção encontra novos significados no campo
psicanalítico. Isso se deve ao fato de que cada analista funda sua posição doutrinária com um traço
de originalidade (nos limites do bom senso), edificando o pilar que lhe permite sustentar sua prática.
No que tange ao conceito em questão, Silvestre (1991, 49) assinala: “(...) nenhuma
psicanálise escapa à transferência”, dessa maneira, fica claro seu relevo teórico uma vez que “(...) o
amor é a vertente do laço analítico que todo analista tem o dever de aprender a manobrar se quiser
sustentar sua prática como sua ética exige” (SILVESTRE, 1991, P. 14).
Diante disso, a tarefa destinada aos analistas e àqueles que desejam ocupar esse lugar e
função, é garantir sua eficácia e expandir sua área de intervenção. Para isso, faz-se necessário
mostrar a coerência de sua prática; provar que suas ferramentas conceituais não se desgastam;
cabendo ainda o dever de projetar-lhes sobre as novas roupagens subjetivas dessas significações.
Nesse sentido, considerando a importância da tarefa de reinventar a psicanálise, é
imperativo avançar na compreensão dos significantes que estão envoltos em seus conceitos-chave.
Assim sendo, o amor de transferência é tomado aqui como o tipo de conceito que merece
uma revisão, ainda que breve, no que diz respeito ás idéias freudianas, e através do qual se busca
3
uma compreensão do seu aprimoramento no discurso lacaniano, com vistas a alcançar os objetivos
dessa práxis no cotidiano do exercício dessa função.
Destarte, para compreender melhor como se dá o fenômeno transferencial vale recordar
como o termo nasceu e porque é tão atual.
O amor transferencial existe em todas as relações humanas como elucidou Ferenczi em
seu artigo transferência e introjeção publicado em 1909 (FERENCZI, 1992). Nesse artigo, a
transferência é definida como um mecanismo universal, não se restringindo, conseqüentemente,
apenas ao funcionamento psíquico característico da neurose; embora nesta apresente-se de forma
bastante exagerada.
A experiência adquirida nos mostra o desperdício aparentemente gratuito dos afetos nos
neuróticos, o exagero de seu ódio, de seu amor ou de sua compaixão, que resultam das
transferências; suas fantasias inconscientes ligam acontecimentos e pessoas do momento a
eventos psíquicos há muito esquecidos, provocando assim o deslocamento da energia afetiva
dos complexos de representações inconscientes para as idéias atuais, exagerando sua
intensidade afetiva (FERENCZI, 1992, p. 78).
Essa necessidade de amar deve ser compreendida em cada indivíduo, através da
ação combinada de sua disposição inata e das influências sofridas durante os primeiros anos,
que conseguiu um método específico próprio de conduzir a vida erótica - isto é, nas
precondições para enamorar-se que estabelece nos instintos que satisfaz e nos objetivos que
determina a si mesmo no decurso daquela. Isso produz o que se poderia descrever como um
clichê estereotípico (ou diversos deles), constantemente repetido – constantemente
reimpresso – no decorrer da vida da pessoa, na medida em que as circunstâncias externas e a
natureza dos objetos amorosos a ela acessíveis permitam, e que decerto não é inteiramente
incapaz de mudar, frente a experiências recentes (FREUD, 1912/1996, p. 133).
Na realidade todos passam pela dependência vital da mãe nutriz, de tal maneira que se
reedita nas relações humanas em geral, a necessidade de se apegar a alguém e exercer nele a
capacidade de amar, odiar, temer. Deve ficar claro que a transferência não se acha presa ao
protótipo da imago2 materna, podendo surgir também por semelhante modo nas imagos paterna e
fraterna.
2
Termo introduzido por C. G. Jung (1911) para designar uma representação tal como o pai (imago paterna), ou a mãe
(imago materna), que se fixa no inconsciente do sujeito e ulteriormente orienta sua conduta e seu modo de apreensão do
outro (CHEMAMA, 1995, p. 105).
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Esse desejo, onde se verifica literalmente que o desejo do homem se aliena no desejo do
outro, de fato estrutura as pulsões descobertas na análise segundo todas as vicissitudes das
substituições lógicas, em sua fonte, sua direção e seu objeto; entretanto, longe de essas
pulsões, por mais que recuemos em sua história, mostrarem derivar da necessidade de uma
satisfação natural (LACAN, 1998, p. 345).
Isso remete ao reencontro com o desejo primitivo e instintual, ao qual todos estão
fadados: de ter provedores que satisfaçam todas as carências impostas pela vida. Na medida em que
se transfere a outro o papel de provedor, o desejo do indivíduo dentro de uma singularidade própria,
estrutura suas pulsões quanto à fonte (desejo), direção (investimento), objeto (outro).
A história do amor transferencial na cena analítica é marcada pelo desejo decorrente de
uma situação terapêutica que reúne Josef Breuer e Anna O. (Bertha Pappenheim). A experiência
clínica baseava-se no método catártico, desenvolvido nos estudos de Breuer e Freud, que objetivava
a liberação do conteúdo conflitante que levava à histeria.
Apesar de muito próximo da descoberta da Psicanálise, Breuer não suportou a demanda
de amor endereçada a ele, quando Anna O. - a célebre paciente que batizou o método catártico com
o nome de “talking cure” (cura pela fala) - manifestou uma gravidez psicológica e dizia ser dele o
filho que supostamente esperava.
Ele se viu obrigado a interromper o tratamento uma vez que não soube identificar ou se
valer dessa demanda de amor que, futuramente seria a chave para o conceito de transferência.
Outros temores que rondavam sua mente relacionavam-se ao fato de julgar que a sociedade médica
da época não aceitaria os novos conceitos, além do caráter sexual que Freud aos poucos imprimia
ao método de tratamento.
A primeira referência ao termo transferência pode ser encontrada nos estudos sobre a
histeria de 1895 (FREUD, 1996), embora freqüentemente receba mais destaque no artigo sobre a
interpretação dos sonhos de 1900 (FREUD, 1996), quando aborda o sonho de transferência.
Freud desenvolveu os fundamentos da cura pela fala através do instituto do saber
inconsciente. Trata-se de uma noção tópica e dinâmica que defende não ser o psiquismo redutível à
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consciência, já que certos conteúdos só se tornam acessíveis á ela depois de superadas certas
resistências.
Constata-se, a partir disso, que a vida psíquica era preenchida de pensamentos
inconscientes sob a égide dos quais emanavam os sintomas.
A descoberta desse lugar psíquico particular passa pela interpretação dos sonhos, artigo
publicado em 1900 (FREUD, 1996), que afirma serem os mecanismos constitutivos dos sonhos
(deslocamento, condensação, simbolismo) encontrados em algumas formações do inconsciente
(atos falhos, lapsos, etc.), que equivalem aos sintomas pela sua estrutura de compromisso e pela sua
função de realização de desejo.
Nesse sentido, Freud, em a dinâmica da transferência, texto publicado em 1912
(FREUD, 1996), dedicou-se a investigar o teor desse amor a partir de seus estudos sobre o
inconsciente e pode entender que na análise, a transferência surge como a “resistência mais
poderosa” ao tratamento, enquanto que fora dela, deve ser encarada como veículo de cura e
condição de sucesso (FREUD, 1912/1996, p.135).
Embora pareça inicialmente uma desvantagem ao tratamento analítico, a resistência
começou a ser observada nos momentos em que seus pacientes ao serem invadidos por pensamentos
relacionados à figura do analista interrompiam o fluxo de suas associações.
Definida nesse momento como um compromisso entre as forças da saúde e da doença, a
resistência foi considerada imprescindível ao trabalho do analista por ser a via de acesso ao núcleo
dos conteúdos patogênicos. E foi o fato dela residir no único material de que o analista dispõe para
desfazer as neuroses que Freud a considerou uma aliada da saúde. Não obstante, por se tratar ao
mesmo tempo da força que impede o trânsito do recalcado do inconsciente para a consciência o
autor também não deixou de considerá-la uma forte aliada da doença.
O amor que se concebe na cena analítica freudiana - o amor-sintoma - é marcado por
uma resistência do paciente ao tratamento e pela repetição de conteúdos inconscientes onde a
fantasia é dominante. Trata-se de um amor genuíno e especial que investido na figura do analista,
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torna-se via de transferência, o acesso às escolhas objetais do paciente. Assim é que numa análise
surge o fenômeno da transferência, no qual o analista funciona como pólo atrator de certos
conteúdos de pensamento (aflitivos e proibidos) provocando, enquanto função, a irrupção dos
desejos inconscientes.
Esses desejos se atualizam na fantasia sobre o tipo de relação estabelecida entre desejos
e objetos, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata - se, portanto de uma repetição de
protótipos infantis vivida com uma sensação de atualidade acentuada.
Dessa maneira, acontece com a libido nas relações constituídas por qualquer pessoa ao
longo da vida. Pois, se trata de uma manifestação dinâmica da sexualidade que se satisfaz no
próprio corpo, e que, num segundo momento, encontra (a partir de uma relação objetal) objetos
externos para se propagar.
A fase intermediária que está entre esses dois momentos
(...) é chamada de narcisimo e seria um momento no desenvolvimento em que o Eu é tomado
como objeto de investimento libidinal. O Eu seria, então, o primeiro objeto da libido antes
que ela se dirija aos objetos externos (SANTOS, 2002, p. 65).
Para esclarecer como essa energia se difunde, Freud (1996) situa nos três ensaios sobre a
teoria da sexualidade em 1905, o primeiro dualismo pulsional3 presente na infância, que surge nesse
contexto como conflito de pulsões de autopreservação e pulsões sexuais, de modo que se passa a
definir a libido como manifestação da força do amor, enquanto a fome seria uma manifestação da
autopreservação. Para Santos:
(...) a compreensão da neurose estará totalmente submetida ás vicissitudes da libido. O
conflito psíquico subjacente ao sintoma é visto como resultado do excesso de libido, com o
qual o Eu não consegue lidar. A idéia de frustração (Versagung) da satisfação libidinal, o
represamento e as formas colaterais “sintomáticas” da busca de recuperação dessa
satisfação estarão no centro de descrição das neuroses. A forma que toma a neurose
dependerá da história do desenvolvimento da libido ou, mais precisamente, dos pontos de
fixação da libido no percurso de um desenvolvimento esperado, a partir da definição dos
estágios da libido (SANTOS, 2002, p. 65).
3
Próprio da pulsão. Na teoria analítica, energia fundamental do sujeito, força necessária ao seu funcionamento, exercida
em sua maior profundidade (CHEMAMA, 1995, p. 177).
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Nasio (2003) fala da impossibilidade de um analisando expor sua parte mais secreta
sem se apegar àquele que o escuta, mostrando que na relação analítica os impulsos libidinais
conscientes e inconscientes configuram-se em amor/ódio direcionado ao analista, que é alvo de
emoções e sentimentos que elaboram uma demanda de amor insatisfeito.
Assim, é perfeitamente normal e inteligível que a catexia libidinal4 de alguém que se acha
parcialmente insatisfeito, uma catexia que se acha pronta por antecipação, dirija-se
também para a figura do médico (analista). Decorre de nossa hipótese primitiva que essa
catexia recorrerá a protótipos, ligar-se-á a um dos clichês estereotípicos que se acham
presentes no indivíduo; ou, para colocar a situação de outra maneira, a catexia incluirá o
médico numa das séries psíquicas que o paciente já formou (FREUD, 1912/1996, p.134).
A respeito do meio psicanalítco, Nasio (1999) destaca os três conceitos mais usados: o
que define a transferência como a relação com o analista; outro que a vê como o conjunto dos afetos
e das palavras vividas em relação ao analista, e a repetição, atual, com o analista das experiências
sexuais infantis e do passado.
A última definição relatada acima, sob a qual se baseiam alguns psicanalistas, trata o
conceito de repetição como algo da ordem de uma compulsão e encontra seus fundamentos no saber
psicanalítico, mais especificamente na obra freudiana nos artigos sobre a técnica que compreende a
dinâmica da transferência publicada em 1912; recordar, repetir, elaborar de 1914; e o texto a
respeito das observações sobre o amor transferencial de 1915 (FREUD, 1996), além de estar muito
presente na prática clínica.
A compulsão à repetição é descrita nesses artigos como uma das formas de manifestação
da transferência a partir do que é evidenciado por Freud nos esclarecimentos teóricos de sua prática:
“logo percebemos que a transferência é ela própria, apenas um fragmento de repetição e que a
repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para
todos os aspectos da situação atual” (FREUD, 1914/1996, p. 197).
4
É o processo pelo qual a energia libidinal disponível na psique é vinculada a ou investida na representação mental de
uma pessoa, idéia ou coisa. A libido que foi catexizada perde sua mobilidade original e não pode mais mover-se em
direção a novos objetos. Está enraizada em qualquer parte da psique que a atraiu e segurou. Disponível em:
<http://www.alppsicologa.hpg.ig.com.br/dicionarioC.htm>.
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Pode-se dizer que a repetição é considerada, no entanto, como relativa à ordem do
recalcado, àquilo que, não podendo aceder à consciência, é atuado, através de um apelo à via
motora. A possibilidade de alterar esse modo de funcionamento dependerá da suspensão das
resistências, através do trabalho de análise.
Assim sendo, é o protótipo inconsciente, elaborado a partir das primeiras relações
intersubjetivas reais e fantasiosas com o meio familiar, que norteia a forma como um sujeito
apreende o outro. No tratamento analítico as manifestações desse conteúdo, via transferência,
tendem a organizar-se em uma neurose artificial.
A neurose artificial se constitui em torno da relação estabelecida com o analista, trata-se
de uma nova edição da neurose clínica cuja elucidação conduziu Freud a descoberta da neurose
infantil.
Freud em seu trabalho Recordar, Repetir e Elaborar cuja publicação se deu em 1914
(FREUD, 1996) nomeia essa neurose artificial de neurose de transferência, que seria uma produção
restrita às histerias, às neuroses de angústia e ás obsessões cuja importância configura-se como
relevante e central para a cura nas histerias, nas neuroses de angústia e nas neuroses obsessivas, que
por isso se reúnem com o justo título de "neuroses de transferência".
A relevância desse conceito técnico está no fato de representar uma modalidade especial
do desenvolvimento do tratamento psicanalítico e, segundo a qual, a “enfermidade” originária se
transforma em uma nova que se canaliza para o analista e para a análise.
Além do caso Anna O., a reflexão freudiana estendeu-se a outros casos clínicos como na
análise do Caso Dora (Ida Bauer) em 1905, quando Freud teve sua primeira experiência negativa
com a materialidade da transferência.
Ele atestou a contragosto que o analista de fato desempenha um papel na transferência
do analisando, contudo, ao se recusar a ser esse objeto de investimento amoroso, desencadeia uma
transferência negativa.
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Freud (1912/1996) destacou a distinção entre transferência positiva e negativa sendo a
primeira composta de sentimentos afetuosos e amistosos admissíveis à consciência, enquanto a
segunda constitui-se um prolongamento de sentimentos inconscientes.
A transferência positiva é ainda divisível em transferência de sentimentos afetuosos
(consciente) e aquela que remonta fontes eróticas (inconsciente).
Para Freud (1912/1996) os sentimentos afetuosos endereçados ao analista podem ajudar
uma pessoa a superar todas as dificuldades de fazer uma confissão, servindo-lhe admiravelmente.
Isso acontece, pois altera toda a situação analítica ao desviar o propósito racional do
paciente de se tornar bom e livre de seus problemas. Em vez disso, emerge o propósito, de agradar o
analista, de merecer o seu aplauso e o seu amor. Isto se torna a verdadeira força motriz para a
colaboração do paciente; o ego fraco se torna forte; sob a influência deste propósito, o paciente
atinge coisas que, de outro modo, estariam além do seu alcance; seus sintomas desaparecem e ele
parece ter se recuperado. Essa etapa constitui um dos primeiros êxitos em análise.
Em outro sentido a transferência positiva erótica bem como a transferência negativa
servem à resistência à medida que apresentam-se, no fluxo da transferência, como tática para que o
paciente resista diante do conteúdo inconsciente. Por essa via o rastreio da libido é dificultado, já
que existe proximidade com o núcleo patógeno que conduz o sujeito à resistência mais forte. Neste
ponto, a resistência se dá sob a influência da transferência, a serviço da manutenção do sintoma no
analisante.
Durante o processo de análise, busca-se a libido que se encontra no plano do
inconsciente, esta para não adentrar na consciência utiliza a resistência, porém apesar dos impulsos
inconscientes não desejarem ser recordados, são reproduzidos de acordo com a atemporalidade e
capacidade de alucinação do sistema inconsciente. O analista tenta, a partir da interpretação, ser um
interlocutor entre o analisante e os conteúdos inconscientes. Essa luta é travada nos fenômenos da
transferência em busca da compreensão da neurose e por fim da descoberta do sintoma, para o
alcance da “cura”.
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A transferência é o ponto de impasse para que o analisante não fale a respeito de si,
afinal, para não “ferir” o analista, aquele que representa o Ideal do eu, Sujeito Suposto Saber, o
analisante evita mostrar suas vulnerabilidades e angústias, evita mostrar o avesso, e
transferencialmente fala apenas o que para o mesmo satisfaz o analista. Inconscientemente existe o
desejo de ser amado pelo analista, caracterizando-se como um pedido de amor incondicional, um
pedido de ajuda.
Um exemplo de transferência positiva pode ser ilustrado no caso clínico o homem dos
ratos, publicado em 1909 (FREUD, 1996), quando, já no primeiro encontro, o Sr. Ernst Lanzer
informa a Freud que tivera contato com um dos seus escritos, cujo tema era a explicação de
“curiosas associações verbais” (Freud 1909/1996, p. 143).
O texto de que tinha chamado a atenção do Sr. Lanzer era a psicopatologia da vida
cotidiana, de 1901 (FREUD, 1996). Ora, pode-se supor aí uma transferência do tipo positiva sob a
forma de um sentimento de admiração que motivou o paciente a procurar Freud.
A transferência negativa merece exame pormenorizado uma vez que se vincula à
sexualidade e se desenvolve a partir de desejos puramente sexuais que têm por alvo a figura do
analista. O cuidado que aqui se requer é o de não deixar que a transferência torne-se limitada ao tipo
negativo, ou seja, que permita ao paciente desprezar a regra fundamental da análise (dizer tudo o
que lhe vier à cabeça), ignorar ou mesmo encarar com indiferença argumentos e conclusões lógicas
que há pouco causavam grande impressão.
Mais numerosos ainda são os exemplos de transferência negativa presentes no caso do
Homem dos Ratos.
Após atravessarmos uma série das mais severas resistências e das mais amargas injúrias de
sua parte, ele não podia mais permanecer cego ao efeito esmagador da perfeita analogia
entre a fantasia de transferência e o estado atual de acontecimentos passados. Repetirei um
dos sonhos que ele teve nesse período, para fornecer um exemplo de sua maneira de tratar
o assunto. Sonhou que ele via minha filha à sua frente; ela tinha dois pedaços de estrume
no lugar dos olhos (FREUD, 1909/1996, p. 175).
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O material de transferência satisfaz a resistência, como Freud explica no texto sobre a
transferência:
Quando algo no material complexivo (no tema geral do complexo) serve para ser
transferido para a figura do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação
seguinte e se anuncia por sinais de resistências – por uma interrupção, por exemplo.
Inferimos desta experiência que a idéia transferencial penetrou na consciência à frente de
quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência (FREUD,
1912/1996, p.138).
A resistência do Sr. Lanzer aumentava de tal modo que os seus sonhos e fantasias
acumulavam “grosseiros e indecorosos impropérios” contra Freud e a família dele. O paciente
muitas vezes ficava horrorizado com tais insultos, chegando ao ponto de levantar-se do divã e
verbalizar: “Como pode um cavalheiro como o senhor deixar-se xingar desse modo por um sujeito
baixo e à-toa como eu? O senhor devia é me enxotar é o que mereço” (FREUD, 1909/1996, p. 182).
Além da típica ambivalência presente na dinâmica obsessiva, pode-se observar também
que a atuação (acting-out) aumenta proporcionalmente ao aumento de resistência como afirmara
Freud no artigo recordar, repetir e elaborar, de 1914 (FREUD, 1996).
Vale lembrar, que resistência e transferência são peças mestras no tratamento. Em
virtude disso, afirma-se que o grande e árduo trabalho da análise é o manejo da transferência, sendo
denominada de “motor da resistência”, pois por si só é uma ‘ré-sistência’ como uma ré necessária
ao avanço da análise e ao trânsito das questões inconscientes.
Sem sua presença não há análise e para desvendar o conteúdo que mantém vivo o
sintoma na figura do analisando, faz-se necessário que ele acredite nas suas ilusões, fale sobre, para
somente depois se desfazer delas e ser sujeito que busca saber de si, e responsabilizar por suas
escolhas, mesmo que isto instaure dor e sofrimento.
Dessa maneira, ao tratar da transferência, Freud (1912/ 1996, p. 140) pensava na
“independência final do paciente (...), a fim de fazê-lo realizar um trabalho psíquico que resulta
necessariamente numa melhora constante de sua situação psíquica”.
12
No fluxo desses estudos o pensamento de Freud o leva crer quer só servirá de
resistência ao tratamento se for uma transferência negativa, ou positiva de impulsos eróticos e que,
ao tornar a transferência consciente, o componente admissível à consciência constitui o veículo de
sucesso na psicanálise.
Esta luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e a vida instintual, entre a
compreensão e a procura da ação, é travada, quase exclusivamente, nos fenômenos da
transferência. É nesse campo que a vitória tem de ser conquistada – vitória cuja expressão é a
cura permanente da neurose (FREUD, 1912/1996, p. 143).
Por outro lado a concepção de amor transferencial representa “um vínculo afetivo
intenso, que se instaura de forma automática e atual, entre o paciente e o analista, comprovando que
a organização subjetiva do paciente é comandada por um objeto, que J. Lacan denominou de objeto
a” (CHEMAMA, 1995, p. 217).
Esse pensamento contemporâneo no que diz respeito ao termo foi escolhido
especificamente para demonstrar que ainda se vê presente terminologias como ‘paciente’ e ‘doença’
outrora usados por Freud com certa discrição, que são provenientes de um discurso médico que
apassiva o sujeito.
Atualmente em Psicanálise este, cede lugar a outro sujeito que não se caracteriza por
uma passividade - é o psicanalisante - termo introduzido por Lacan que, referenciado por Silvestre
(1991, p. 30) designa: “(...) aquele que cumpre a tarefa imposta pela regra fundamental. O
psicanalisante é aquele que associa livremente, que aceita submeter-se a uma palavra que extrapola
o senso comum”.
Os avatares do analista relacionados a esse aspecto “são conseqüências da estrutura do
sujeito que, pelo procedimento freudiano, encontra respostas, mas também perguntas inesperadas”
(SILVESTRE, 1991, p. 20). Por isso,
Lacan teve que marcar a trilha de seu ensino para introduzir novas respostas. É por isso
também que o retorno a Freud foi o primeiro tempo de seu ensino. Era preciso retificar os
desvios de uma teoria, mantendo ao mesmo tempo nos analistas o respeito a uma prática
que os ultrapassa radicalmente (SILVESTRE, 1991, p. 20).
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Nesse sentido, na rotina da análise pós-freudiana deixa-se de lado uma experiência
analítica pautada no confronto que se estabelece entre a verdade de seu destino e o sujeito. Tal
confronto (freudiano) operacionaliza-se pelo discurso, cuja função é constituir e situar o sujeito.
Dessa maneira, infiltram-se pela literatura analítica certos significantes com as devidas
ressalvas:
(...) Nada de instintos, e sim pulsões – quando não simplesmente, desejo; nada de
analisados, mas analisantes; o sujeito-suposto-saber serve para todas as receitas, no varejo
e no atacado; o grande Outro, enfim, distribui generosamente seu estoque de significantes
a pedido do sujeito – do inconsciente. Não falemos do estádio do espelho: há muito deixou
de responder, ao psicanalista que o interroga, que ele não é mais belo (SILVESTRE, 1991,
p. 20).
Assim,
pelo fato de que não há verdade e significação fora do campo da palavra e da linguagem, é
preciso reconhecer, além da relação inter-humana, a heteronímia da ordem simbólica. Se
toda palavra tem um endereço, a descoberta freudiana é esclarecida pela distinção entre o
semelhante, o outro, com o qual o sujeito se identifica no diálogo, e o Outro, lugar de onde
se apresenta a questão de sua existência, com referência a seu sexo e sua contingência no
ser, enlaçada nos símbolos da procriação e da morte (CHEMAMA, 1995, p.107).
O saber enquanto algo da ordem do simbólico5 vem situar os seres falantes em lugares
sexuais e sociais revelando a dimensão nova que a psicanálise possibilita investigar e transformar.
Essa concepção introduzida pelo pensamento lacaniano vem demonstrar que, quando se
fala em sujeito em psicanálise, refere-se a um “ser humano, submetido às leis da linguagem que o
constituem, e que se manifesta de forma privilegiada nas formações do inconsciente” (CHEMAMA,
1995, p.208).
Isso quer dizer que, à proporção que o sujeito fala, ou seja, que seu desejo se constitui no
nível da linguagem - sempre imprecisa e repleta de sentido - pode-se aferir um outro discurso além
do qual ele próprio acredita querer dizer. Há aqui a evidência da existência de uma divisão subjetiva
entre o ser e o sentido.
Tomando esse ponto de partida, Nogueira (2008) observa no discurso lacaniano que a
linguagem manifesta uma demanda para além do objeto intencionado e significado. Assim, se for
5
Função complexa e latente que envolve toda atividade humana, comportando uma parte consciente e outra
inconsciente, ligadas à função da linguagem e, mais especificamente, à do significante (CHEMAMA, 1995, p. 199).
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considerada a enunciação de tropeços na realidade do inconsciente, é possível a dedução de uma
falta, indicando o movimento do desejo e a manifestação de uma estrutura psíquica.
O desejo é uma falta inscrita na palavra, que jamais será satisfeita ou totalmente
preenchida, pois, sempre haverá algo mais a desejar. É sustentado nessa falta - elemento essencial
na busca de satisfação, o sofrimento permanente vivenciado pelo ser humano diante da realização
parcial desse desejo no mundo objetivo ou, mesmo em sua própria subjetividade.
Como formula Lacan (1979), O desejo está sempre “(...) no desejo do Outro, não apenas
no nível simbólico do desejo, mas como substância real envolvida no gozo”. O desejo humano é
algo sempre adiado, é intervalar, de forma que o desejo mantém “(...) resguardada esta estranha
função: a função de insatisfação” (MASOTTA, 1993, p. 83-4).
Ainda sobre o desejo tem-se em Nóbrega (2000) que ele constitui:
(...) a verdade do sujeito, verdade que não reside na obediência ao princípio do prazer e
sim a um mais além do princípio do prazer, onde está a causa, a Coisa inacessível, objeto
desde de sempre perdido. A teoria do sujeito dividido (S/), sujeito do inconsciente mostranos justamente que somos destinados a nunca nos satisfazermos com o mundo calculado
para nos fornecer prazeres. É o desejo do analista na direção do tratamento que realiza um
campo onde o desejo surge pela imposição da castração na lei do incesto. E quando o
desejo surge como a lei (que supõe a lei do incesto) põe as ideologias em questão e a
psicanálise em seu trabalho com o desejo revela a distância que há entre a articulação do
desejo no homem e o que se passa quando o desejo toma o caminho de se realizar.
Enfim, é pela via que compreende o desejo como marca do significante da falta sobre o
ser falante, que Lacan (1979) sustenta a idéia de que o sujeito deve sempre passar pela demanda e
pelos significantes do Outro6, para alcançar um objeto de satisfação. O que, em outras palavras,
seria fazer com que seu objeto causa de seu desejo seja um objeto perdido, possibilitando ao
analisante a recuperação dessa verdade subjetiva no plano que resiste à associação-livre - o plano da
transferência.
6
Lugar onde a psicanálise situa, além do parceiro imaginário, aquilo que, anterior e exterior ao sujeito, não obstante o
determina (CHEMAMA, 1995, p. 156).
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Lacan (1979) insere a transferência no plano do objeto a, isto é, como referência de
um desejo de restituição da falta projetado no analista (suposto saber) a quem é demandado o mito
de apresentar a solução para a divisão do sujeito em relação ao desejo.
Essa projeção atribuída ao analista é denominada semblante. Trata-se de uma
representação que permeia os limites entre a aparência e a realidade de um indivíduo. É um registro
próprio do ser que se configura individualmente à medida que articula o seu desejo e o desejo do
outro no plano do ego (eu).
Miller (2001) faz menção à Lacan ao advertir que o semblante não é simplesmente um
artefato, ele se personifica em qualquer discurso; quando se fala, por exemplo, em uma reprodução
da realidade em um discurso qualquer, pode-se identificar aí um semblante, já que existe uma
distância natural entre um fato e o que se fala dele, evidenciando aí uma falta.
Ocorre que o semblante oferece palco ao confronto entre indivíduo e seu narcisismo (o
amor a si revelado através do outro) uma vez que busca situar a falta (desejos e fantasias) em Outro
registro, de forma a alienar-se no desejo desse Outro.
Lacan (1998) acrescenta a essa idéia a perspectiva de que a psicanálise investe na
revelação dos desejos do homem, nos veios da neurose e da subjetividade marginal do indivíduo
enquanto estrutura própria de um desejo - inconsciente - que molda-se de forma inesperada.
Esse desejo, onde se verifica literalmente que o desejo do homem se aliena no desejo do
outro, de fato estrutura as pulsões descobertas na análise segundo todas as vicissitudes das
substituições lógicas, em sua fonte, sua direção e seu objeto; entretanto, longe de essas
pulsões, por mais que recuemos em sua história, mostrarem derivar da necessidade de uma
satisfação natural (LACAN 1998, p.345).
Desse modo,
para a psicanálise contemporânea, o inconsciente é um lugar de um saber constituído por um
material literal, desprovido em si mesmo de significação, que organiza o gozo e regula o
fantasma, a percepção, bem como uma grande parte da economia orgânica (CHEMAMA,
1995, p. 106).
Esse cenário analítico possibilita a escuta de um discurso sem palavras, isto é, a
importância do saber, como articulação formal, diferentemente do conhecimento, e, principalmente,
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a indicação do gozo como interesse maior dessa experiência, que se volta para as relações da
linguagem com o corpo.
Fink (1998) ao se referir à expressão proferida por Lacan “ou não penso ou não sou7”,
confere à alternativa ou/ou uma obrigatoriedade que constrange o sujeito a se situar em algum lugar
subjetivo, que configure o caminho da mínima resistência. É possível se falar em uma negação do
inconsciente - negação dos pensamentos aflitivos e proibidos, que proporciona um certo tipo de
prazer - classificado por Lacan como um “falso ser”. A análise, entretanto, exige que o indivíduo se
prive, tanto quanto possível, desse falso ser, para deixar o pensamento inconsciente ter completa
ascendência.
Esse constrangimento evidencia uma divisão subjetiva que decompõe o sujeito “entre o
eu e o inconsciente, entre consciente e inconsciente, entre um sentido inevitavelmente falso de self e
o funcionamento automático da linguagem (a cadeia significante) no inconsciente” (FINK, 1998, p.
67).
É por isso que a função do analista faz referência a um semblante que se inscreve numa
premissa ética - a ética do desejo do analista - que exige do mesmo fazer articulações que permitam
algo novo surgir na cena analítica.
Trata-se de figurar no setting analítico emprestando-se a receber a projeção de
identificações edípicas, fálicas, e ideais no plano do discurso do analisante. Esse lugar de objeto
ocupado pelo analista apresenta-se como uma proposta de como interrogar a verdade, apresentando
o jogo de convocar a verdade sem desejá-la.
O semblante deve ser levado à categoria do saber de forma que, a oposição entre o real8
e o semblante se torne mais sutil, para que ele apareça como uma natureza e não como um artifício.
Ao funcionar no registro de semblante do objeto a, o analista é convocado em seu
narcisismo na posição de destituição subjetiva e se empresta a reproduzir as fantasias (fantasmas) de
7
Expressão contida em um seminário de Lacan produzido em 1967 (Seminário XV), cujo título é o ato analítico: lição
de 10/01/1967, inédito-não publicado.
8
Aquilo que, para o sujeito, é expulso da realidade pela intervenção do simbólico (CHEMAMA, 1995, p. 182).
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cada analisante. Além disso, ao analista compete a tarefa de atingir o ser do sujeito,
‘desmascarando-o’ a partir do seu discurso, para que o próprio sujeito encontre a melhor resposta
sobre o que fazer com o seu sintoma, para que se comprometa mais com seu desejo.
Essa função clínica é ponderada no sentido de não se ocupar o lugar de semblante a nãoser que seja convocado pelo analisante, e onde não se deve perder a dimensão da ética que baliza
essa prática, uma vez que o psicanalista sabe que ele não fica imune ao contato com o discurso do
analisante.
A importância do semblante enquanto função está intimamente ligada à idéia de
possibilitar ao sujeito a experiência de funcionar num outro registro - o simbólico - de forma a dar
sentido às suas próprias experiências a partir do seu próprio desejo.
Apesar de o semblante funcionar no registro simbólico, a demanda que se inscreve no
discurso do analisante necessita ser interpretada pelo analista, a fim de garantir uma eficácia
simbólica.
Trata-se, de acordo com Lacan (1985, p. 239), “(...) de colocar em evidência uma certa
inércia simbólica, característica do sujeito, do sujeito inconsciente”. Tal inércia reside no fato de o
analisante apresentar-se no plano de objeto, ou seja, de identificação ou de captura amorosa no
plano da transferência.
Ora, “o que se espera de um analista é uma análise”, diz Lacan em variantes do
tratamento padrão, publicado em 1955 (Lacan, 1998, p. 331). O que pressupõe do lado do analista,
uma análise anterior e, conseqüentemente, se espera que ele suporte e reconheça o seu não saber da
particularidade do desejo do sujeito do inconsciente.
Essa posição remete a castração9 se se considerar o fato de que o desejo é sempre desejo
do desejo do Outro e é por intermédio dessa colocação em causa do analista, enquanto semblante de
9
(complexo de.). 1. Para S. Freud, conjunto das conseqüências subjetivas, principalmente inconscientes, determinadas
pela ameaça de castração, no homem, e pela ausência do pênias na mulher. 2. Para J. Lacan, conjunto dessas mesmas
conseqüências, enquanto determinadas pela submissão do sujeito ao significante.
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objeto a, que ele pode, restaurando a repetição da pulsão na transferência, fazer advir o que
ignora e que concerne unicamente ao analisante.
Quando o analista tenta sugestionar a respeito das vivências do analisante, ou mesmo
adaptá-lo socialmente, ou ainda ensiná-lo, tende á ignorância, já que teme não saber do impossível.
O efeito desse temor do analista é a perda da direção do tratamento no momento em que
ele dá consistência ao lugar que ocupa que deveria estar esvaziado. Ele repete, portanto, a condição
do analisante de assujeitado ao desejo do Outro. Ao dar consistência a esse lugar, o analista se
coloca como o próprio grande Outro em causa, fortalecendo sua posição de domínio e de prestígio.
Nesse sentido, em seu seminário o avesso da psicanálise, publicado em 1969, Lacan
(2002) destaca a análise ocorrendo na passagem de um discurso a outro e define o sujeito como
efeito do seu discurso. Para tal, aborda os vários discursos: do mestre, da histérica, do universitário
e do analista.
A ênfase aqui é direcionada ao discurso do analista, já que a posição do analista é “feita
substancialmente do objeto a” (Lacan, 1992, p. 40), contudo, o analista deve saber que não está
nessa posição por si. O objeto a é opaco, não é dado ao conhecimento, mas ao desejo, é a própria
causa do desejo. O analista faz semblante de objeto a, sabe que não é o próprio objeto de seu
cliente, mas, apenas, o lugar no qual se promove a articulação.
Ao se pensar nas peculiaridades da transferência no ato analítico é possível observar que
o semblante apresenta-se como articulador entre a idéia de transferência de Freud e Lacan quando
adquire a função de agente da cura. É nesse sentido que a ocorrência do analista em cena é uma
amostra desta produção.
Assim sendo, a função da transferência em análise necessita da atualização de protótipos
infantis na pessoa do analista pelas projeções do sujeito, para num outro momento fazer emergir o
confronto com tais atualizações e as possa elaborar de maneira a investir no conhecimento de si
próprio.
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A técnica freudiana foi desenvolvida com base na análise de seus casos clínicos,
análise essa que forneceu ingredientes necessários para se concluir o quanto a transferência é
significativa e porque é considerada um dos pilares da Psicanálise.
Em observações sobre o amor transferencial, publicado em 1915, Freud (1996) acredita
que as dificuldades verdadeiramente sérias a serem enfrentadas pelos analistas se dão pelo manejo
da transferência, sendo que as dificuldades advindas da interpretação de associações e das
repressões se tornam, nesse momento, insignificantes.
Não se discute que controlar os fenômenos da transferência representa para o psicanalista as
maiores dificuldades; mas não se deve esquecer que são precisamente eles que nos prestam o
inestimável serviço de tornar imediatos e manifestos os impulsos neuróticos ocultos e
esquecidos do paciente. Pois, quando tudo está dito e feito, é impossível destruir alguém in
absentia ou in effigie (FREUD, 1915/1996, p. 143).
Faz-se necessário lembrar que para lidar com a transferência é necessário que o analista
esteja bem instalado em sua função, tendo em mente que não é amado ou odiado pelo que é e sim
pelo que representa.
Destinada a ser o maior obstáculo á Psicanálise, a transferência torna-se o mais poderoso
meio de alcançar sucesso no tratamento analítico, à medida que o analista consiga identificá-la e
enfrentar seu manejo sem repelir o amor transferencial ou torná-lo um sentimento desagradável para
o paciente no decorrer das sessões.
Nesse sentido é válido cultivar uma escuta diferenciada e intervenções que permitam ao
paciente “ajustar esses impulsos emocionais ao nexo do tratamento e da história de sua vida, a
submetê-los à consideração intelectual e a compreendê-los à luz de seu valor psíquico” (FREUD,
1912/1996, p. 143).
O analista tem o saber fazer, savoir faire, mas, para que esse saber entre em função é
preciso que ele se ofereça como semblante de objeto a - causa do desejo - e que saiba operar.
É o desejo do analista que funciona fazendo com que o analisante possa repetir e
elaborar em sua transferência. Isso implica que o analisante tome seu analista, de início, como
sujeito suposto saber. Entretanto, isso não pode se encerrar nessa premissa. Essa suposição de saber
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é, inicialmente, endereçada ao analista que, a partir do seu Desejo (ética do desejo), provoque o
sujeito a reconhecer-se detentor do seu saber.
Assim sendo, segundo Lacan (1985, p. 238) “(...) a transferência é aquilo graças a que
podemos interpretar esta linguagem composta por tudo o que o sujeito nos possa apresentar”.
Na experiência analítica conforme Lacan (1998, p. 249) “quer se pretenda agente de
cura, de formação ou de sondagem, a psicanálise dispõe de apenas um meio: a fala do paciente.”
A evidência desse fato não significa que o analisante não o negligencie, contudo, é
justamente aí que o psicanalista irá experienciar mais fortemente o apelo (do analisante) próprio da
falta.
A função da transferência é, por assim dizer, a função do semblante de objeto a, ou seja,
decifrar a partir da escuta, símbolos que se apresentam numa cadeia de significantes (sentido dado
às experiências adquiridas), para entender a dinâmica do desejo inconsciente do analisante para,
num segundo momento, intervir de forma eficaz nas operações que se estabelecem em torno da
falta.
Mas a esperança de todo analisante, quando dá um corte decisivo em seu sofrimento ao
transformá-lo em demanda de análise, é a de que o analista se reduza a um significante.
Isso também é o que se obtém quando o tratamento atinge seu verdadeiro fim. Entre
ambos, o que há é a própria psicanálise, onde a dialética do desejo abala um pouco as boas
resoluções de neutralidade do analista. Oh, Surpresa! No tratamento, o analista é objeto de
uma transferência (SILVESTRE, 1991, p. 18).
Aos analistas fica o entendimento de que não são interrogados apenas pelos
significantes que o analisante lhe confere, são também interpelados sobre o desejo graças ao qual
suportam as paixões que o sujeito lhe impõe. Aqui a neutralidade se estilhaça e a benevolência
revela sua fadiga; sérios apoios se fazem necessários para manter o analista em sua poltrona.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Saber lidar com o pedido do sujeito inconsciente, pedido terapêutico de quem busca, na
prática analítica, dar conta de trabalhar sobre algo que representa seu objeto faltante, significa levar
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em conta à ética devida ao sujeito - o desejo inconsciente - parâmetro fundamental que faz o
analista enquanto função, procurar reunir algumas condições para realizar o seu trabalho.
Para isso bastam poucas coisas. Que ambos tenham cumprido os termos de um contrato
eqüitativo. Que o analisante, como Freud preconizava, creia um pouco no inconsciente e
observe com cuidado os lapsos, atos falhos e interpretações que seu analista não pode
deixar de lhe fornecer. Que o analista, experiente na escuta requerida por sua função, isolese sabiamente na posição que lhe é intimada na transferência (SILVESTRE, 1991, p. 21).
Na experiência clínica a dinâmica da transferência é de caráter imprescindível ao
trabalho do analista por ser a via de acesso ao sujeito em psicanálise, de modo que
(...) o sujeito, de fato, não é a pessoa que demanda fazer uma análise, nem o paciente, nem
mesmo o psicanalisante que associa. O sujeito em psicanálise é o efeito específico
essencial da palavra emitida sob transferência (SILVESTRE, 1991, p. 30).
Ao investigar as peculiaridades transferenciais contidas nos discursos de Freud e Lacan,
é possível vislumbrar como ganham escopo nos ambientes institucionais e na própria clínica. Fato
esse, justificável na proporção em que, a figura do analista enquanto semblante recebe do analisante
um convite incessantemente renovado para desenvolver uma posição autocrítica mediante a
reedição subjetiva das patologias, que geralmente encontram resistência para se manifestar.
Para legitimar essa prática é imprescindível convocar aquele que se insere na cena
analítica representando o suposto saber, a buscar a compreensão daquilo que é demandado pelo
analisante. Nesse sentido é apropriado suscitar discussões que envolvam a natureza de seus
conceitos-base, visto que constitui recurso clínico que oferece subsídio à práxis analítica.
Para além do meio analítico, o psicanalista tem ainda o compromisso de sustentar
mediante o discurso científico, a fertilidade e a riqueza de seu próprio discurso, valorizando sua
prática. Diante disso, torna-se adequado salientar com base em Silvestre (1991), que o acesso a
informações e esclarecimentos a respeito do que seriam seus conceitos fundamentais, reduz os
impasses conceituais gerados por uma cultura que, investida de conceitos nascidos no divã,
converte o discurso analítico em pedras vulgares sob a pena de que Freud as decifre.
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