Lino, Vitor Ferreira. Para pensar vida e morte. Análise do filme “The Fountain” (Fonte da Vida). Programa Especial de Graduação (PEG 2009). Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Outubro de 2009. Orientação: Profa. Dra. Rosemary Dore Heijmans. Correção: Profa. Dra. Ana Lúcia Andrade (EBA/UFMG) (http://www.scoretrack.net/fonte_vida.html) ÍNDICE Ficha técnica .................................................................................................................................................3 Sinopse ............................................................................................................................................................4 Análise .............................................................................................................................................................5 A árvore da vida, os tempos e os mundos da história ..................................................................7 Vida e Morte ...............................................................................................................................................10 Sombras e luz: a estética do filme ......................................................................................................16 Conclusão .....................................................................................................................................................18 Anexos Trilha sonora: um concerto à transcendência ...............................................................................21 Bibliografia ..................................................................................................................................................23 2 Ficha Técnica Gênero: Drama Direcção de Arte: Isabelle Guay, Michele Laliberte, Nicolas Lepage e Jean-Pierre Paquet Tempo de Duração: 96 minutos Guarda-Roupa: Renée April Ano de Lançamento (EUA): 2006 Edição: Jay Rabinowitz Site Oficial: http://pdl.warnerbros.com/wbmovies/thef ountain/flashsite/index.html Efeitos Especiais: Camera e-Motion / Giant Killer Robots / LOOK! Effects Inc. / Mokko Studio / Proof / Intelligent Creatures Inc Título Original: The Fountain Estúdio: Warner Bros. Pictures / Protozoa Pictures / New Regency Pictures / Epsilon Motion Pictures Distribuição: Warner Bros. / Fox Film do Brasil Elenco Hugh Jackman (Tommy) Rachel Weisz (Izzi) Realizador: Darren Aronofsky Marcello Bezina (Conquistador) Argumento: Darren Aronofsky, baseado na história de Darren Aronofsky e Ari Handel Alexander Bisping (Del Toro) Produção: Arnon Milchan, Iain Smith e Eric Watson Mark Margolis (Padre Avila) Música: Clint Mansell Fotografia: Matthew Libatique Desenho de Produção: James Chinlund Ellen Burstyn (Lillian) Cliff Curtis (Capitão Ariel) Donna Murphy (Betty) Ethan Suplee (Manny) Sean Patrick Thomas (Antoni) 3 Sinopse O filme a Fonte da Vida (The Fountain, EUA, 2006, de Derren Aronofsky) conta uma história sobre a vida e a morte como partes de um mesmo evento; a morte como um ato de criação. Três histórias se misturam ao longo do filme: no presente Tommas Creo (Hugh Jackman) é um médico que tenta descobrir a cura para o câncer na busca por curar sua esposa Izzi (Rachel Weisz) da doença. Izzi por sua vez parece estar vencendo o medo da morte e encara sua doença de maneira mais leve do que Tommy, com certa aceitação, mas não com passividade. O médico opera o macaco Donovan, cobaia acometida por um tumor cerebral, aplicando um composto no macaco, e não obtendo sucesso, decide precipitadamente manipular outra fórmula à base do extrato de uma árvore encontrada na América Central. O composto ameniza os sinais de envelhecimento, mas prontamente não reduz o tumor. Izzi dá a Tommy um conjunto com nanquim e pena, para que ele terminasse a história que ela escrevera. Essa história, por sua vez, é uma das histórias que compõe o todo do filme. Na história escrita por Izzi, entitulada “The Fountain”, ambientada na Espanha medieval, Izzi aparece no papel de uma rainha ameaçada por um inquisidor, sob o motivo de estar pregando a vida eterna na Terra, sendo esta noção uma heresia para o algoz. A Rainha pede ao seu guardião, representado também por Hugh Jackman (Tommy), que busque pela árvore sagrada _ supostamente a árvore que contém a fonte da vida eterna, escondida por Deus quando Adão e Eva foram expulsos do paraíso. Essa árvore se situa ao alto de uma pirâmide localizada na América Central e guardada pelos Mayas, algo que só descobriremos mais à frente no filme. A árvore salvaria a rainha da morte que se aproximava, em função da ameaça do inquisidor, uma vez que ele estava tomando todos os territórios espanhóis e matando os que protegiam a Rainha. O cavaleiro parte em busca da árvore, levando consigo uma adaga maya que funciona como um mapa para encontrar a pirâmide. O caminho até a pirâmide é indicado pela adaga quando esta é posicionada abaixo de uma constelação, mostrando através de seus orifícios a luz das estrelas que servirão de guia. A terceira história se passa no interior de um globo cristalino, situado numa constelação, no qual vemos uma grande árvore em iminência de morte, e um homem,de cabeça raspada e vestido em trajes orientais de meditação, também representado por Hugh Jackman. Chamaremos esse personagem de “Yogi” _ aquele que pratica Yoga_ 4 por este estar remetendo-nos a costumes dos yogis, como meditar e praticar yoga, além da indumentária típica de regiões como Índia, China e Japão. No globo, sem noção temporal, o Yogi pede à árvore que resista à morte, enquanto retira pequenas porções de sua casca e a come. Enquanto isso, por várias vezes a imagem de Izzi conversa com o Yogi, pedindo que ele “termine”. Esse diálogo entre os personagens das diferentes histórias nos mostra que há uma ligação entre as três histórias, de maneira que podemos interpretar que tanto a história passada na Espanha quanto no globo cristalino, são aspectos diferentes da história de Izzi e Tommy. Muitas lacunas se fazem presentes no entrelace das três histórias, o que permite que o espectador dialogue com o filme fazendo diferentes interpretações. Através de uma montagem de cenas concatenadas, a ligação de histórias atinge seu “ápice” quando Izzi morre no mesmo dia em que a equipe médica de Tommy descobre que o tumor do macaco está regredindo. O Cavaleiro descobre o caminho para a árvore da vida, mata o guardião da árvore e bebe sua seiva. Imediatamente começa a sofrer uma reação, morrendo com várias flores perfumadas saindo de dentro de seu corpo. No globo, Tommy vê que a árvore morreu, e decide/entende que também morrerá. Assim ele se ilumina e transcende o espaço da bolha, indo rumo a uma grande estrela, à qual podemos comparar com a Grande estrela Shibalba que segundo a lenda maya, contada a Tommy por Izzy, absorve todas as estrelas e um dia explodirá dando origem a novas estrelas. No presente Tommy, parece compreender a morte de Izzi e vai até seu túmulo enterrar uma semente. Análise 1 “Assim Deus expulsou Adão e Eva do paraíso e colocou um espada flamejante para proteger a árvore da vida” Gênesis: 3:24 2 1 Toda análise de filme é um recorte sobre a concepção artística e narrativa do diretor e sua equipe. Assim, as considerações feitas nesta análise são interpretações de uma trama muito mais densa e com diversas particularidades, e podem ser alvo de discordâncias, ou outras interpretações, o que é muito positivo para compreensão de conceitos filosóficos, uma vez que a discussão adquire elementos que a complexificam. Desta forma, também não é objetivo da análise buscar esgotar todos os elementos estéticos e conceituais que permeiam o filme. 2 Trecho retirado do filme. Diálogos transcritos do filme. 5 O filme se inicia com essa citação, evocando um forte caráter místico através do símbolo da árvore presente na metáfora de Adão e Eva. Ao longo do filme, a metáfora da Árvore da Vida estará enfaticamente presente. Com descontinuidades temporais em sua narrativa, o filme começa com a batalha dos cavaleiros da Rainha espanhola contra os pagãos da América Central, que tentam proteger a pirâmide na qual se situa a árvore que é a fonte da vida. Mais à frente descobrimos que essa história foi escrita por Izzi. Nesta trama escrita pela protagonista, um padre franciscano que apóia a rainha espanhola mostra uma adaga que poderia salvar o reino. Essa adaga é o mapa que conduz à Árvore da Vida: ao posicioná-la contra o céu, alinhando três estrelas em seus furos, a adaga apontaria o caminho para a árvore da vida e a rainha poderia viver para sempre, sem sucumbir à ameaça do inquisidor. Assim o padre franciscano diz ao Cavaleiro: “_ O mitos contam sobre uma pirâmide sagrada erguida no centro da Terra, o lugar de origem da vida. Uma árvore especial cresce lá. Dizem que quem beber sua seiva viverá para sempre” . O cavaleiro critica a história dizendo que enquanto a Espanha está em perigo fica-se acreditando em lendas, ao que a Rainha responde: “_ Não são lendas. Lembre-se, nossa própria bíblia confirma. No Gênese, há duas árvores no Jardim do Éden: a Árvore da Sabedoria e a Árvore da Vida. Quando Adão e Eva comeram da Árvore da Sabedoria, o Senhor os baniu do Jardim e escondeu a Árvore da Vida.” No “tempo presente” do filme, na busca por uma cura para a doença de Izzi, fazendo experiências no macaco Donovan, Tommy encontrará numa substância advinda de uma árvore da América Central, a chance de curar o macaco Donovan da ação do câncer e a possibilidade de curar sua esposa. Embora esteja doente e vivendo a iminência de uma morte prematura, Izzi se mostra tranqüila. As pesquisas para sua história e a busca _ subentendida_ por palavras que diminuam a incógnita da morte levam a protagonista a fazer contato com a cultura maya. Izzi vai a uma exposição intitulada “Divine Words”, lê a história do Mito da Criação segundo os Mayas, que dizia que o primeiro pai havia se sacrificado para fazer o mundo. A árvore da vida saiu de seu estômago; seu corpo se tornou a raiz da árvore e formou a terra. Sua alma se tornou os galhos da árvore, subindo e formando o céu. Só sobrara sua cabeça, que foi pendurada no céu pelos seus filhos, se transformando em Shibalba. Shibalba era a nebulosa que engolia as estrelas que morriam e 6 algum dia explodiria, dando origem a novas estrelas. Interpretando este mito, no filme atribuído aos mayas, podemos compreender que do sacrifício do primeiro pai, nasceu a árvore que guarda em si a potencialidade da vida, assim como deste sacrifício também nascera a terra e o céu. Sua cabeça, no entanto, foi pendurada nos céus por seus filhos, e engoliria as estrelas que morriam, dando origem a novas estrelas, por meio de uma explosão. O ciclo de morte e vida se completa no mito de Shibalba. A origem de tudo se dera pelo sacrifício do primeiro pai que criara a terra e a árvore da vida, e também pela morte das estrelas engolidas por Shibalba a vida recomeçaria... A árvore da vida, os tempos e os mundos da história No globo, Tommy reside solitário tendo como companhia apenas a árvore seca e já quase sem vida, esperando que ela resista e sendo visitado pela imagem de Izzi que lhe pede que “termine”. Assim, a história tem como um de seus eixos a metáfora da árvore que livraria o seres da morte. Aparecendo de três maneiras e em momentos diferentes, porém dialógicos entre si, a temática da árvore está presente nos três mundos que compõem a história: o mundo criado na história de Izzi, no qual o guardião da rainha espanhola busca encontrar o caminho da árvore da vida para proteger sua rainha da ameaça de morte do inquisidor; O globo cristalino, que podemos compreender como um “mundo psicológico” de Tommy, no qual ele luta para que a árvore da vida não morra, e ao mesmo tempo ainda usufrui dela, comendo pequenos pedaços de sua casca e tatua em seu corpo círculos que representam a passagem do tempo. Por várias vezes o filme nos faz pensar que para Tommy, Izzi representava a própria árvore da vida. Isto é explicitado quando a imagem do tronco da árvore é mostrada se fundindo com a imagem da pele de Izzi, ou então, quando a câmera mostra os pelos finos que a árvore tem ao longo do tronco se movimentando em direção à mão de Tommy, e em seguida os pêlos da nuca de Izzi, fazendo assim uma analogia entre Izzi e a árvore. Também observamos isto quando no presente, a protagonista morre e no “mundo paralelo” do globo a árvore também falece. Assim, a figura da árvore é o elemento simbólico que liga Izzi e Tommy. A árvore, símbolo da vida, é o que Izzi busca em sua história mitológica medieval, e ao mesmo tempo representa a própria Izzi para o 7 personagem de Tommy, que parece ter sua psique expressa na história na qual ele vive só no globo cristalino. Outro momento é o presente, no qual o médico luta contra o câncer de sua esposa, buscando resultados da aplicação de uma substância, feita à base de uma árvore da América central, no macaco Donovan. Os três mundos dialogam ao longo do filme, mostrando que os três momentos são aspectos diferentes de uma mesma história. A continuidade temporal entre esses três momentos é feita através de sequências nas quais uma cena se transforma na outra. Isto é feito por meio de fusões ou encadeados3 e uma espécie de “plano sequência” no qual a câmera percorre um plano de um determinado momento temporal do filme chegando a outro plano temporal. Um exemplo desse último recurso é a cena na qual o chão da bolha vai sendo mostrado por um movimento de câmera e se transforma no chão da fazenda em que Izzi é enterrada. Como exemplo dos outros momentos de continuidade, temos a cena em que a árvore do globo se transforma na pele de Izzi, nua na banheira. Outro exemplo desse tipo de fusão é quando ao mapa que conduz ao caminho da Árvore funde-se a imagem da nebulosa, ou ainda, a vez em que a visão superior da bolha girando no espaço se transforma no desenho circular do chão da sala de espera do hospital para o qual Izzi é levada após desmaiar. Assim, os elementos estéticos do filme vão dialogando entre si de modo a deixar mensagem do filme ainda mais coesa. Ao longo do filme, por várias vezes, Izzi aparece na esfera conversando minimamente com Tom e pedindo-o que termine. Assim a mescla de tempos e histórias mostra que os três momentos são aspectos diferentes de um mesmo tema: a realidade da morte como algo que compõe a vida e a morte como um ato de criação, temas que determinam a relação entre Izzi e Tommy. Os três momentos mostrados no filme parecem refletir os aspectos psicológicos dos personagens e seu presente real. A história que Izzi constrói parece ser a expressão do seu interior: a figura do inquisidor que anda pelas terras da rainha dizimando seu reinado assim como o câncer faz com a vida de Izzi. Porém existe ainda a esperança de que o 3 De acordo com Arnheim (1957) a fusão é um recurso visual usado no cinema, no qual a tela se abre ou fecha, fica clara ou escurece, sendo um recurso usado para fazer distinção entre cenas. O encadeado por sua vez, é transformação gradual de um plano, ou cena, em outro diferente. A imagem vai se “esfumando” gradualmente, ficando cada vez mais clara e a nova imagem aparece até substituir a anterior. Segundo o autor, esse tipo de recurso serve para marcar uma separação entre duas cenas e destruir a ilusão de continuidade de tempo e espaço nas cenas. Assim, o autor considera que é impossível a presença desses recursos em cenas que tenham continuidade temporal. 8 Conquistador consiga encontrar a Árvore sagrada. O mundo de Tommy é um globo, uma bolha cristalina que flutua numa galáxia. Dentro desse globo ele passa seus dias relembrando, meditando e desejando que a árvore viva, que ela renasça. Talvez o globo expresse o isolamento de Tommy, criado por sua dificuldade em aceitar a realidade da morte iminente de Izzi. No “mundo real” Izzi e Tommy lutam contra o câncer. Porém a certo ponto, Izzi entende que a morte é nada mais que outro momento da vida e por isso sente-se em paz, mesmo sentindo sua vida se esvair. Por isso talvez, na busca por conforto e aceitação com relação à morte, Izzi apega-se ao mito de Shibalba, a nebulosa que engole as estrelas que morrem, e que futuramente explodiria, dando origem a novas estrelas. Tommy, ao contrário, acredita que a morte é uma doença como outra qualquer, e, portanto, deve ser vencida. Contudo Izzi pede a Tommy que termine sua história antes dela morrer, e após a consolidação do fato iminente, o médico relutante entende o que Izzi dizia, compreendendo que a morte era outra parte da vida. Esta compreensão é expressa na cena em que o homem de cabeça raspada entende que vai morrer e se projeta em direção à nebulosa. A este ponto, podemos observar que o mito de Shibalba adquire sua concretização. Ao compreender que “vai morrer” e mergulhar em direção à nebulosa, o personagem que expressa a psique de Tommy, retoma o mito de que após engolir as estrelas, a grande nebulosa daria origem à novas estrelas, e faz uma alusão do mito com a própria vida, se colocando no lugar de uma estrela que vai em direção a Shibalba para depois renascer. Assim Tommy termina a história que Izzi escrevera mostrando o Conquistador encontrando a pirâmide que abriga a árvore, duelando com o pagão que a protege. Neste momento, o pagão, após ferir o Conquistador e tentar queimá-lo com uma tocha, vê o personagem de Tommy que mora no globo flutuando em postura de meditação, semelhante a um Yogi, e pede perdão a quem ele acredita ser o “Grande Pai”, oferecendose ao sacrifício. Novamente é mostrado o Conquistador e não mais o Yogi. Entendemos que as histórias no interior do filme se mesclam para expor ao espectador uma idéia. O Conquistador mata o pagão e chega até a Árvore, na qual faz um corte com a adaga, deixando fluir do tronco uma seiva que ao cair no chão faz brotar um maciço de flores brancas e perfumadas. O Conquistador aplica a seiva na ferida que tem no corpo e esta cicatriza, diante disto ele aumenta o corte no tronco da árvore e bebe a seiva com veemência. Ele pega o anel que a Rainha lhe dera ao lhe prometer casamento. Começa 9 então a sentir dores e a ter convulsões, o anel cai no chão e então começam a brotar flores de seu ferimento, às quais ele tenta arrancar com insucesso. O Conquistador tomado pela dor das flores que brotavam, cai no chão, e é tomado por flores que crescem sobre todo seu corpo. A câmera mostra o anel sobre o gramado ao pé da árvore e faz uma fusão mostrando o Yogi colocando o anel em sua mão e indo rumo à nebulosa. Neste momento o autor nos mostra que a fonte da vida levava também à morte, contraditoriamente advinda de uma “explosão de vida”, que cobrira todo o corpo do Conquistador por flores perfumadas. Ao chegar à nebulosa o Yogi se dissolve em inúmeros pontos de luz flamejantes que caem sobre o globo deixado para traz, fazendo com que a árvore brotasse novamente e se enchesse de folhas. Neste momento se concretiza o mito de Shibalba. Dando-nos idéias de que a história de Tommy no globo e a história medieval de Izzi são suas expressões para uma situação que ocorre no presente dos protagonistas, várias vezes elementos das duas histórias dialogam. Um exemplo disso é quando a Figura de Izzi aparece na esfera pedindo para que Tommy termine a história, ou ainda quando o Conquistador ao ser atacado pelo pagão se transforma no Yogi. Essas proximidades refletem o laço entre as histórias. Na busca por finalizar a história de Izzi, Tommy mistura a história do Yogi com a do Conquistador, fazendo com que este se transforme no primeiro. Assim, Tommy encerra a história de Izzi mostrando a morte como um ato de criação. Ao dissolver-se o Yogi transforma-se em luz e faz a árvore reviver. Em seguida, é mostrada uma semente dependurada numa árvore, Izzi pega essa semente e dá a Tommy, é feita uma fusão em branco, transformando-se o branco da fusão no branco da neve que cobre o local onde Izzi foi sepultada. Tommy enterra a semente próxima ao túmulo. A câmera percorre as costas do médico até chegar ao céu que escurece e deixa ver as mesmas estrelas que se encaixaram na adaga mostrada na história da Rainha e do Conquistador. Vida e Morte Dois aspectos que compõem o argumento do filme são os mitos de Shibalba e da árvore que guarda o elixir contra a morte. Shibalba, conforme é mostrado no filme, segundo os Mayas, era uma nebulosa que engoliria todas as estrelas prestes a morrer e depois explodiria, dando origem a novas estrelas. A Árvore da Vida seria a árvore remanescente do Paraíso, 10 escondida por Deus, após Adão e Eva terem cometido o pecado original. Os dois mitos são fundidos num só, quando Izzi vai à exposição “Divine Words” e conta a Tommy que segundo os Mayas, o mundo houvera sido criado por um pai, que se sacrificou, fazendo com que de seu estômago nascessem as raízes de uma árvore que sustentava a Terra, de seus braços nasceram os galhos da árvore que deram origem ao céu, e sua cabeça, dependurada no céu pelos seus filhos, se transformou numa nebulosa que engoliria as outras estrelas que estão prestes a morrer, para depois explodir dando origem a novas estrelas. Essa metáfora permeia todo o filme, que traz como grande mensagem a noção de que vida e morte fazem parte da mesma coisa, e que a morte é um ato de criação, uma síntese de todo o processo de vida. Isso é expresso principalmente no final do filme quando o Yogi é dissolvido pela nebulosa, e seus restos luminosos fazem a árvore brotar. Na seqüência, Tommy planta no tumulo de Izzi a semente que recebera dela, aludindo assim ao início de um novo ciclo. Este final é também o simbolismo de outra lenda presente no filme: O guia da expedição que Izzi faz à América central lhe conta que quando seu pai morrera, ele enterrou uma semente em seu túmulo. A semente brotou gerando uma árvore, feita pelas partes de seu pai, que deu frutos. Um pássaro carregou esse fruto pelos céus e libertou a alma do homem falecido. Assim, o final do filme parece remeter ao desejo de Izzi de se libertar. Ao plantar a semente no túmulo da esposa, Tommy parece se reconciliar com a vida compreendendo que a morte a compõe e entendendo a forma de pensar de Izzi. Assunto extremamente delicado em vários grupos da sociedade ocidental, assim como para Tommy, a morte é algo que nos amedronta desde tempos imemoriais, talvez nem sequer narrados na história da cultura. Ao contrário de alguns grupos orientais como os budistas e os hindus, a morte para nós é algo que inspira temor e aflição; a certeza da finitude nos amedronta e nos faz ter uma relação “carregada” e depressiva com a morte, e isso é expresso nos momentos que antecedem o fato iminente, nas cerimônias de velório e no grande silêncio que preferimos fazer sobre o assunto. Essa mescla de medo e dor não se dá apenas em função do medo da possibilidade da dor advinda da morte, mas em função da certeza de que teremos fim. Assim falta-nos uma compreensão desse fenômeno tão natural que é morrer e uma “fórmula” para lidarmos melhor com ele. 11 Para Schopenhauer, os fenômenos que ocorrem no mundo se dão pela vontade de viver, que é uma força que põe em marcha todos os processos. O autor considera que a vontade é uma força inconsciente, uma “simples tendência, cega e irresistível” que pode ser encontrada tanto na natureza do reino inorgânico e vegetal, quanto na parte vegetativa de nossa vida. Ela seria uma coisa em si, substância e essência do mundo e inseparável da vida. A vida seria então o espelho dessa força inconsciente que rege a natureza, e a natureza, por sua vez, não é mais que o fenômeno e a realização da vontade de viver, objetivada no tempo e no espaço e pela causalidade, de onde provém a “individuação”. O princípio de individuação é o imperativo que determina que o indivíduo deva nascer e morrer. O filósofo considera que a morte não deve ser temida, pois ela é algo que integra o “todo” do processo, ou seja, vida e morte fazem parte de um fenômeno total. Para se referir a esta concepção de vida e morte como pertencentes ao mesmo fenômeno, a saber, o da realização da vontade de viver, Schopenhauer refere-se à mitologia hindu, para a qual existiriam três deidades: Brahma, Vishnu e Shiva. O primeiro é o criador, o segundo o preservador e o terceiro o destruidor de todas as coisas. Essas forças deveriam estar em harmonia para gerar o equilíbrio da vida, que seria posta em movimento pela criação, preservação e destruição, num ciclo constante. Assim, o autor toma à mitologia hindu tal mito para se referir às características intrínsecas da vida no que concerne à criação, manutenção e morte: Nascer e morrer são coisas que pertencem ao fenômeno da vontade, e aparecem nas criaturas individuais, manifestando fugitivamente e no tempo, aquilo que em si não conhece tempo e deve exatamente manifestar-se sob esta forma com o fim de poder objetivar a sua verdadeira natureza. Pela mesma razão, nascimento e morte pertencem à vida e equilibram-se mutuamente como condições recíprocas, ou melhor, como pólos do fenômeno total. A mitologia hindu, entre todas a mais sábia, exprime este pensamento, dando por atributo a Çiva que simboliza a destruição ou a morte (como Brama, o deus ínfimo e pecador da Trimurti, simboliza a procriação, o nascimento e Vishnu simboliza a conservação), o colar dos mortos, juntamente com o Lingam, símbolo da geração, o qual conseguintemente aqui aparece para compensar a destruição; o 12 que significa que nascimento e morte são pela sua essência correlativos que se neutralizam e se compensam a seu turno. (Shopenhauer, 1788-1860, não paginado) Schopenhauer usa a simbologia das três deidades para expressar o movimento que se opera na vida no que concerne à criação, manutenção e destruição. Ao se remeter à Shiva, que porta consigo um colar dos mortos, representando a destruição e um objeto fálico, o Lingam, que representa a fertilidade, o autor nos mostra que pela mitologia hindu, essa deidade representa a vida e morte como fenômenos complementares, por portar um objeto que representa a morte e um outro que representa a vida. Assim, o filósofo considera também que a morte se assemelha ao sono cotidiano e afirma que ele não difere da morte quanto à duração do momento, mas quanto à duração do futuro, que implica em não mais acordar. “A morte é um sono de que o adormecido por esquecimento não foi despertado: tudo o mais desperta, ou antes, permanece desperto” (ibdem). O autor compara ainda o nascimento ao processo de alimentação, visto que este traz nutrição ao indivíduo; seu par oposto seria então o processo de excreção, no qual nos dispomos do que não é mais necessário, sendo assim um processo comparado à morte. Schopenhauer desloca a posição central e egocêntrica do homem como ser principal nos reinos da natureza ao mostrar uma dura perspectiva na qual ele afirma que a vontade de viver e o conjunto da natureza não são perturbados pela morte do ser individual, pois a natureza se interessa não pelo indivíduo, mas pela espécie. O autor compara o fenômeno de nascer e morrer com o processo de desenvolvimento de uma planta, que nasce, cresce, dá frutos e morre, mas conserva a espécie através das sementes; os fenômenos que incluem vida e morte fazem parte de seu ciclo, mas as características da espécie não se perdem, pois há um movimento da vontade de viver no sentido de conservar a espécie. Assim, segundo o filósofo, o indivíduo não tem valor para a natureza e nem poderia tê-lo, pois é um ponto num tempo e espaço infinito que compreende um número de indivíduos também infinito. Nesta perspectiva, a natureza tende a conservar a espécie, mas abandona o indivíduo, que está destinado a uma perda certa. Retomando uma concepção que pode ser associada à 13 “corrente platônica”, Schopenhauer considera que na natureza há permanência invariável da forma (dos indivíduos) com a destrutibilidade dos indivíduos e constância da espécie. O autor considera que a forma do fenômeno da vontade, a forma da vida ou da realidade é o presente, não o futuro ou o passado, que são puras abstrações. O presente é um momento imóvel e acompanhará a todos pela existência, como numa circunferência na qual o futuro é parte que sobe rumo ao topo do círculo, o passado a que desce e o presente uma reta tangente que não é arrastada pelo giro do passado e do futuro, mas que acompanha a tudo, sendo, portanto, permanente. Segundo Schopenhauer, a convicção da morte inquieta o homem em intervalos de tempo quando é evocada à sua mente esta realidade. Para superar esses temores, ele considera de grande importância o poder reflexivo, que leva à consciência de que o indivíduo é ele próprio a natureza e o mundo, uma vez que ele é expressão da vontade de viver. Essa consciência impediria então, a tortura pelo sentimento de uma morte iminente. O autor, ao mostrar que a morte é uma parte necessária da vida, considera que devemos cultivar uma atitude de satisfação frente à morte, pois é insensato desejar a perpetuação de nossa individualidade. Segundo ele, o que tememos na morte não é a dor, mas a destruição do indivíduo “e como o indivíduo é a vontade de viver em qualquer objetivação, todo o seu ser se rebela contra a morte” (Schopenhaeur 1788-1860, não paginado). Assim, o conhecimento filosófico da essência do mundo ajudaria o homem a vencer os temores da morte, na medida em que a reflexão dominasse os sentimentos mais imediatos, como o sentimento de medo da morte. Nessa perspectiva, amar a vida profundamente seria uma solução para o temor à morte: Um homem que estivesse fortemente penetrado pela verdade que estabeleci, mas que, ou por experiência própria, ou por capacidade superior da mente, não estivesse em estado de reconhecer que o fato da vida é um contínuo sofrimento; que, ao contrário, estivesse satisfeito com a vida e se encontrasse nela perfeitamente à vontade e que refletindo a sangue-frio desejasse que a vida lhe durasse indefinidamente ou recomeçasse incessantemente; um homem, enfim, que possuísse suficientemente o ardor da vida para pagar-lhe as alegrias ao preço das moléstias e dos tormentos aos quais está sujeita, esse “pousaria com pé seguro sobre o solo bem batido da eterna máquina rotunda” e não teria 14 coisa alguma a temer: munido da consciência que lhe infundimos, com vista indiferente veria chegar a morte sobre as asas do tempo; fitá-la-ia qual miragem mentirosa, qual impotente fantasma, feito para espantar os débeis, mas que não tem poder sobre quem sabe que é aquela mesma vontade de que o mundo inteiro é a objetivação ou a cópia, sobre quem sabe que para sempre lhe foi assegurada a vida, como também o presente, forma real e única do fenômeno da vontade; nenhum passado e nenhum futuro infinito em que ele não existisse poderia intimidá-lo, pois que ele os consideraria como vazia miragem, como o tecido de Maya; a morte será tanto por ele temida, quanto a noite pelo Sol. (Schopenhaeur 1788-1860, não paginado) Para o filósofo alemão, vida e morte são ambas partes de uma mesma coisa: da vontade de viver. Para ele, vida e morte são partes complementares de um mesmo evento, por tanto, elas formam uma unidade. A vontade de viver, como foi dito, seria uma força inerente à natureza, que colocaria todas as coisas em incessante movimento. Como a vida quer viver, a morte ocorreria fatalmente, mas não superaria a vontade de vida que se manteria frente a todas as coisas. Schopenhauer é um dos filósofos que mexe na estrutura tradicional do pensamento ocidental, inserindo em sua obra elementos que retiram a fixidez de conceitos oriundos no racionalismo. O filósofo teve grande influência oriental em sua obra e por isso cita três grandes divindades hindus: Brahma, o criador de tudo, Vishnu, o preservador da ordem e Shiva, o destruidor, que ao dançar, destrói o que já cumpriu sua função. As três divindades juntas preservariam o curso natural das coisas, mostrando que morte e nascimento são partes de um todo comum. Derren Aronofsky e Ari Handel, autores da história que originou o filme, parecem ter lido Schopenhauer em algum momento para escrever o argumento e roteiro de seu filme. O que assistimos ao longo de todo o filme é a luta do médico Tommy para não deixar que Izzi morra pelo câncer. Paralelamente, o conquistador busca a Fonte da Vida, para salvar a rainha da morte que a cerca através da perseguição do inquisidor. Por fim, no globo cristalino, o Yogi reluta em aceitar que a árvore está morrendo. As três histórias dialogam ao longo do filme, mostrando uma busca das personagens por se evitar a morte. Com o 15 desenvolvimento da história vamos compreendendo que a morte é algo que faz parte do fenômeno da vida, assim como diz Schopenhauer, e não uma doença, como afirma Tommy. A simbologia presente nos mitos de Shibaba e da árvore fonte da vida remete à idéia de que a vida deseja viver, e que mesmo com o fato da morte, esse impulso, essa força continua em movimento. Além da base filosófica semelhante, a concepção do filme comunga com Schopenhauer de outra forma no que concerne à “orientalidade”. O personagem que mora no globo cristalino traja-se com um Yogi. Tem a cabeça raspada e utiliza um Dochi, traje oriental característico, além de praticar meditação e Tai-chi-chuan. Numa concepção dialética da existência, como Schopenhauer aproxima vida e morte, ele dissolve o paradoxo irreconciliável entre as duas, mostrando que os dois fenômenos formam um todo, assim como luzes e sombras são partes da mesma coisa. A sombra existe em função da luz. Em torno dessa concepção o filme mostrará incessantemente uma estética que ressalta o diálogo entre luz e escuridão. Sombras e luz: a estética do filme “Não ouse sentir piedade da Espanha. Soa tempos de trevas, mas cada sombra mesmo profunda é ameaçada pela luz da manhã”. Assim diz a rainha espanhola ao Cavaleiro, quando este duvida das esperanças que ainda restam ao país. Numa produção cinematográfica em que o texto/ argumento, a estética e a dramatização estão em harmonia, todos esses elementos estarão interligados, visando atingir o objetivo de transmitir uma mensagem, uma concepção. O filme busca ressaltar a proximidade entre vida e morte, sombras e luz durante todo o tempo. Isso é expresso em sua fotografia, na composição visual que mostra sempre uma fotografia na qual se ladeiam luzes e sombras, construindo um clima de penumbra. Essa oposição começa pelo vestuário de Tommy e Izzi. Tommy está sempre vestido com roupas pretas ou cinza escuro, ao contrário de Izzi, que veste roupas claras. Tommy parece estar o tempo todo envolto em sombras. Seu laboratório permanece na penumbra com alguns pontos de luz amarelo-dourada advindos da iluminação da sala. Por vezes ele caminha em corredores sendo iluminado por luzes com essa coloração. Aliás, durante todo o filme as cenas são compostas por luzes na tonalidade 16 amarelo-dourada como se fossem estrelas na escuridão do espaço. Três cenas particularmente dramáticas expressam essa estética de luz e sombras. A cena em que o Conquistador vai encontrar a rainha em seu castelo; a cena na qual Izzi visita a exposição sobre os Mayas; o desfecho, quando Tommy se desintegra indo para a nebulosa. Na primeira cena, o Conquistador é chamado a entrar na sala da Rainha espanhola. Uma pesada porta de cor escura se abre e vemos o Conquistador, também vestido com trajes escuros, caminhando rumo ao centro da sala. Muitas velas pendem do teto, sustentadas por suportes cristalinos; vemos colunas em estilo marroquino e a câmera mostra uma visão lateral do Conquistador caminhando em direção à Rainha. Ele parece estar entrando num templo. A penumbra da sala é criada pelo contraste com os pequenos pontos de luz da velas suspensas, que sugerem estrelas dependuradas no teto. O Conquistador conversa então com a Rainha que tem seu rosto intensamente iluminado por uma luz branca, ressaltando-lhe os olhos e lábios, dando-lhe um aspecto transcendental. A luz neste momento sugere a grandeza e pureza da rainha, que mesmo cercada pelo inquisidor ainda guarda esperanças e promete casamento ao Conquistador caso ele encontre a Árvore da Vida. Todo o filme é plasticamente belíssimo e também pelo seu clima melancólico evocação de um amor que transcende a matéria, mas uma cena específica torna isso mais forte. Izzi vai visitar a exposição “Divine Words”, a câmera mostra as escadas que conduzem ao ponto central da exposição no qual se encontra o livro com o mito do Grande Pai. Existe um foco de luz branca que vai do teto ao chão em frente ao mostruário do livro. Izzi e Tommy se localizam em baixo do foco de luz e a moça começa a contar o mito ao médico, dizendo que o mito representa a morte como um ato de criação. Crianças passam em frente ao casal, o que sugere uma oposição entre a iminência da morte de Izzi e o frescor da vida das crianças que por ali passavam. Tommy, vestido de preto, se apressa e sai para pegar o carro no estacionamento. Izzi, vestida de branco e, é mostrada pela câmera, olhando para Tommy. O caderno de anotações cai de sua mão, ela é mostrada intensamente iluminada _ assim como a rainha espanhola quando o Conquistador vai visitá-la _ olhando para o ponto superior de luz. A câmera retorna ao olhar de Tommy, volta para o rosto de Izzi fazendo um close-up em seus olhos, o que mostra um “diálogo silencioso” entre os dois, e se afasta mostrando no conjunto da cena o fundo da exposição, com letreiros luminosos escritos “Divine Words”, o foco de luz iluminando Izzi desmaiando e Tommy segurando-a. A montagem de 17 planos, ao mostrar os olhares dos dois personagens, sobretudo quando Izzi olha para o alto, torna a cena muito plástica e dramática ao mesmo tempo, mostrando cada uma das partes que compõe o plano como se fossem quadros e criando um diálogo entre os personagens e o cenário. Quando volta do hospital no qual Izzi está internada, Tommy caminha em meio a andaimes de uma construção. Não ouvimos outro som além dos de seus passos, parecendo sugerir que o médico está imerso na própria realidade, em seu próprio mundo. Ao fundo avistamos os letreiros em vermelho escritos “Divine Words”. Isso parece sugerir que Izzi havia dito palavras de sabedoria quando se remeteu à morte como um ato de criação. Mesmo Tommy sendo indiferente ao que foi dito, as “palavras divinas”, palavras silenciosas, uma vez que a cena não tem som, o perseguem pelo seu caminho até que o silêncio da cena é rompido por um carro que avança sobre Tommy. A terceira cena citada acima compõe o desfecho do filme. Após o Conquistador beber a seiva da Árvore da Vida ele é tomado por fortes dores e convulsões, e de sua ferida nascem flores brancas perfumadas que brotam por todo o corpo, fazendo-o morrer “de tanta vida”. Na seqüência, no globo cristalino, Tommy coloca o anel em seu dedo, aludindo ao reforço do amor que tinha por Izzi e rompe a bolha indo em direção à nebulosa num caminho luminoso, formado por círculos de nuvens. Em seguida ao ser “engolido” pela nebulosa, Tommy fica suspenso em seu interior e começa a se desintegrar em milhares de pontos incandescentes que jorram sobre a bolha na qual ele vivia, fazendo com que a árvore ressuscitasse, enchendo-se de folhas. Assim o autor parece mostrar que o mito de Shibalba se realizara e o círculo de vida e morte havia se fechado. Quando Tommy diz: “Vou morrer” e mergulha em direção à nebulosa, ele parece ter compreendido o que Izzi lhe falara sobre a morte como um ato de criação. Ao colocar o anel ele se reconcilia com a vida e com a esposa e então está pronto para ser absorvido pela nebulosa. Quando se desintegra, são seus restos luminosos que fazem a árvore rebrotar. Assim temos a metáfora de que através da morte a vida se refaz. Assim, diante das considerações de Schopenhauer, através do desfecho do filme, podemos nos perguntar: o filme expõe o fenômeno da morte como 18 ato de criação no sentido de uma reencarnação ou como um fenômeno que convive com a criação, como algo que compõe a vida? Conclusão The Fountain, ou A Fonte da Vida, é um filme que consegue costurar todos os elementos que compõem um filme: texto, fotografia, interpretação e trilha sonora. Todos esses aspectos caminham juntos rumo ao objetivo principal da história que parece ser o de mostrar uma compreensão da vida e da morte como partes do mesmo evento, e também a morte como caminho para o sublime. A estética expressará isso intercalando e mesclando sombra e luz amarelo-dourado. O filme tem poucas cenas externas e seus planos são bem elaborados tendo cortes muito sutis e fusões em branco e preto, sempre aproximando claro e escuro. Muitas vezes vemos nos cenários, figuras que remetem à mandalas orientais, figuras que se organizam em torno de um ponto central, características pela simetria harmônica e que teriam o poder de organizar a dispersão mental. O diretor trabalha muito com a luz, como elemento cenográfico e usa da concatenação de sons, ou da ausência dele para unir as cenas. A trilha sonora também se casa perfeitamente à concepção do filme e o argumento é bem estruturado, expressando isso nas falas dos personagens. A mescla de diferentes tempos no filme nos faz ver que os três momentos são partes da mesma idéia, embora nos deixe às vezes confusos, fazendo necessária uma observação mais atenta. Ao longo do filme todos os elementos se casam, expressando continuidade entre as cenas e reforçando a concepção do filme, como na cena em que após mostrar a batalha entre os exploradores espanhóis e os pagãos Maya, é mostrado um quadro de um templo Maya e um pássaro amarelo passa pela câmera, ou ainda quando Tommy anda atormentado pela cidade, ouvimos apenas seus passos, vemos os letreiros luminosos escritos “ Divine Words”, luzes amarelas dos carros e da chuva de faíscas de solda que caem do alto, sugerindo essa proximidade entre luz e sombras, criação e destruição. Assim vemos a preocupação do diretor em tornar casadas todas as idéias do filme e mostrá-las incessantemente ao longo de todo filme. Isto torna “A fonte da vida” um quadro sonoro em movimento que impressiona, emociona, e traz reflexões. 19 Através do filme compreendemos que temer a morte é um sentimento válido, mas também inútil. Como vimos, para Schopenhauer a vida é mantida pela força à qual ele chama de “vontade”, que põe todas as coisas em movimento. Essa “força”, “livre tendência”, não está preocupada com o indivíduo, mas com a espécie, de forma que a “idéia” de ser humano continue a existir. Estando destinados à morte, uma vez que esta é um fenômeno que encerra a síntese do processo vital, devemos tomar a reflexão como algo que nos ajude a lidar e afastar os sentimentos mais obscuros que noslevam à perturbação causada pela idéia da finitude. Devemos ter esperanças, uma vez que a vida é um processo de mortes e nascimentos. O filme ao qual analisamos a partir dos conceitos de Schopenhauer, assim como este autor, não afirma categoricamente a existência de um plano de existência posterior à morte, também não temos tal pretensão, uma vez que esta nos colocaria no campo da discussão sobre a crença espiritual ou religiosa. Esta “esperança” está no que Schopenhauer fala sobre um indivíduo que tivesse suficiente ardor e paixão pela vida ao ponto de “pagar-lhe as alegrias ao preço das moléstias e dos tormentos aos quais está sujeita”, não temesse coisa alguma, e afastado do medo veria a morte de forma indiferente, chegando “sob as asas do tempo” (Schopenhaeur 1788-1860, não paginado), tendo consciência do presente como única instância para a nossa realização. No filme Fonte da Vida encontramos essas “teses” defendidas por Schopenhauer, tanto em seu argumento, quando em sua estética. O filme nos fala acerca da morte como fator inevitável e natural, sobre a necessidade de uma boa relação com a vida pautada nos acontecimentos do presente_ o que não quer dizer que se voltar ao presente signifique irresponsabilidade na forma de analisar o passado e vislumbrar o futuro. Nesse sentido, as teses básicas do filme e do autor seriam a certeza e naturalidade da morte, a existência objetivada no presente, e a necessidade de reflexão e paixão pela vida, como forma de mantermo-nos incólumes frente à certeza da morte. Encaremos a existência como movimento, e não num padrão em que todas as coisas são controláveis e fixas. Desprovidos do ideal histórico de existência eterna, mas voltados ao presente, vivendo a exemplo dos rios que fluem, das árvores que geram e se vão, numa dança em que as coisas estão sendo e deixando de ser continuamente, amemos mais a vida, fazendo da curta existência a plenitude da realização. 20 Anexos Trilha sonora: um concerto à transcendência Falar de uma trilha sonora é algo um tanto difícil para alguém que não entende de composição musical. Contudo a sensibilidade, aguçada pelos ecos dramáticos do filme e dos instrumentos permitem entender o percurso que a trilha faz. A temática da reconciliação entre vida e morte sustenta todo o enredo do filme, que tem como seu desfecho a compreensão de Tommy de que a vida e a morte são partes da mesma coisa; as duas são iminentes, como considera Schopenhauer. Contudo o processo de compreensão dessa noção não perde seu aspecto doloroso, e por isso a trilha sonora, composta por Clint Mansel, expressa a agonia da iminência da morte e o êxtase da transcendência. A música “The Last Man”, é executada nos momentos de solidão de Tommy na esfera. Esta música remete ao lamento da solidão. Parece o fundo musical do lamento da Fênix, quando esta sente a morte se aproximando e a vida se esvaindo. Em alguns momentos de suspense ou ação é executada a música “Tree of life”, que mescla rock com um toque clássico que se faz presente através de um solo de violino. A música “Stay with me” inspira a reflexão, e é justamente pano de fundo para o momento após a morte de Izzi, no qual Tommy lembra de momentos felizes do casal e tatua um círculo feito com nanquim no lugar de sua aliança perdida. Contudo o grande desfecho musical se dá na música “Death is the road to awe”. Com mais de 0:8’ de duração, a música cobre toda a passagem, que vai do encontro da árvore pelo Conquistador na pirâmide Maya até o momento em que o “Yogi” mergulha em direção à nebulosa e se desintegra. A música evoca a iminência do porvir através de seu caráter de suspense, expressa nos momentos em que o conquistador está sendo tomado pelas flores. Torna se mais excitante e rápida no momento em que Tommy , dentro da bolha decide mergulhar. Isso se expressa pela mescla de influências das guitarras que dão “fúria” à música e dos violinos que conferem a ela um aspecto de dramaticidade. O cume da música ocorre após uma pequena pausa que é rompida por guitarras aceleradas, um coro dramático e o som de violinos arrematando a composição. Falar isoladamente de cada música seria talvez cometer uma agressão contra a trilha sonora do filme, assim não farei 21 isso. A trilha que parece oscilar entre a agonia e o êxtase expressa também o que Izzi dizia: a morte como um ato de criação, como o caminho para o sublime, e ao terminar a audição do cd com as canções temáticas podemos ter a sensação que ouvimos a um concerto à transcendência. Capa do álbum da trilha sonora do filme A Fonte da Vida - Trilha Sonora The Fountain - Soundtrack Music by Clint Mansell ft. Kronos Quartet & Mogwai 1. The Last Man 5. Death Is a Disease 9. Death Is the Road to 2. Holy Dread! 6. Xibalba Awe 3. Tree of Life 7. First Snow 10. Together We Will 4. Stay With Me 8. Finish It Live Forever 22 Bibliografia: Arnheim, Rudolf. A arte do cinema. Edições 70, LTDA., Lisboa. 1957. Marner, Terence. A realização cinematográfica. Edições 70: Lisboa, Potugal, 2007. Gaarder, Jostein et alli. O Livro das Religiões. Tradução Isa Mara Lando. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Schopenhauer, Arthur. O mundo como vontade e representação. Livro IV. Vida e Morte. Acrópolis, 2007. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/representacao4.html Consulta eletrônica: http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Fountain Acessado em 20/11/2008