O agronegócio: realidade e fantasia rondando o país.

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0 agronegócio: realidade e fantasia rondando o país.
Por Guilherme C. Delgado
No último governo do presidente Fernando Henrique, começou-se a
esculpir uma entidade que pouco a pouco foi ganhando ares de ídolo para as
elites rurais, agroindústrias, acadêmicas e burocráticas: o chamado agronegócio.
Em nome dele, montou-se um Programa de eixos de desenvolvimento territoriais e
todo o aparato da pesquisa agropecuária do Estado lhe foi posto a serviço ( a
EMBRAPA). Afrouxou-se a política fundiária do Estado (foram mantidos os índices
de produtividade dos anos 70 para efeito da “aferição de função social” de
propriedade), e praticamente se paralisou a Reforma Agrária. Já no final do
governo, houve dois presentes – como a modernização da frota agrícola -, e o
mais importante de todos, a mudança do Regime Cambial.
No governo atual, em nome do agronegócio e por muitas vias, continua-se
a gerar providências e surpresas. Adota-se a excepcionalidade à produção de
transgênicos; bloqueou-se a legislação da biosegurança; paralisou-se a Reforma
Agrária; e adiou-se a solução para a terra indígena (Raposa/Serra do Sol em
Roraima é um exemplo), que ainda espera homologação da demarcação.
Uma vertente da violência criminosa eliminou os fiscais do Ministério do
Trabalho que verificavam ilícitos trabalhistas nas fazendas de Unaí-MG. Isto
evidentemente não pode ser atribuído ao agronegócio legal, mas a criminalidade
que se associa ao mito, e o faz porque se sente imune e impune.
Ora, uma entidade como esta precisa ser mais bem identificada, pois, pelo
que se percebe, muito poder e atributos lhes estão sendo creditados ou debitados,
sem que sequer se possa saber de quem se trata. Atribui-se ao Ministro da
Agricultura o título paralelo de Ministro do Agronegócio e este o ostenta com
desenvoltura. Sabe-se que, em nome deste mítico (o agronegócio), a propaganda
oficial dedica maciças mensagens de associação do agronegócio com a alta
tecnologia, o desenvolvimento e, porque não dizer, na linguagem popular, “a
salvação da lavora”.
Para quem estuda de longa data a relação capital e agricultura no Brasil, é
este o meu caso, não a que ter ilusões. A realidade do agronegócio brasileiro é, na
verdade, uma grande contradição, porque realiza a associação do grande capital
agroindustrial e financeiro com a grande propriedade fundiária, perseguindo um
projeto de expansão agrícola e territorial (lucro + renda da terra) de caráter
fortemente excludente: dos índios, da Reforma Agrária, do emprego da força do
trabalho não qualificada, do meio ambiente protegido, da função social da
propriedade fundiária etc.
Mas, dirão os economistas, o agronegócio é responsável pelo equilíbrio
externo, gerando as divisas que nos suprem de dólares para pagar o déficit na
conta corrente com o exterior. Isto é verdade. Mas é verdade também que, por
esta estratégia com que o agronegócio se viabiliza, e que lhe confere tanto poder
na conjuntura, a economia nacional não sai do lugar. Significa dizer que, cresce o
agronegócio, mas esse crescimento precisa ser compensado pelo decréscimo de
outrem.
Dentro do modelo atual de ajuste macroeconômico, os dólares que entram
pelas exportações, transformados em Reais, não podem se propagar para o
conjunto da economia, gerando um autêntico efeito de impulsão sobre a demanda
interna. Isto afetaria para menos o saldo comercial externo, via pressão
importadora, comprometendo o serviço da dívida externa. A maneira de evitar o
efeito de impulsão é enxugar a liquidez da economia, coisa que se casa feito mão
à luva com os métodos do “ajuste constrangido” que nos é reposto pela política
econômica atual.
Macroeconomias a parte, o velho tripé – pata de boi, esteira do trator, rifle
do jagunço – que pavimentou a “modernização conservadora” do período militar
poderá ser relançado nu e cru, se, à sociedade, se impuserem todos os ônus e, à
elite, todos os bônus deste estranho negócio no agro.
Guilherme C. Delgado é economista do IPEA.
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