O SIGNIFICADO DA METAFÍSICA COMO SISTEMATIZAÇÃO DO SABER E SEU VÍNCULO COM A IDEIA DE FORMAÇÃO DA HUMANIDADE PELA CULTURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A UNIDADE DA ÉTICA COM A ESTÉTICA. Área de conhecimento predominante: Filosofia Moderna Subárea: Teoria Estética (Filosofia da Arte) Palavras-chave: Metafísica; Sistematização do Saber; Formação; Estética; Ética; Filosofia da Arte. RESUMO O presente projeto foi desenvolvido a partir de pesquisa sobre a Filosofia da Natureza de Schelling, com bolsa de iniciação científica concedida pelo CNPq de duração de 1 ano, a qual sendo renovada por mais um ano possibilitou a complementação dos estudos do referido autor no que diz respeito à sua Filosofia da Arte. O amplo estudo realizado sobre a Filosofia da Natureza e a Filosofia da Arte de Schelling permitiu a visualização do tema da possibilidade de sistematização do saber, no qual um mesmo saber está expresso nas disciplinas específicas: o saber absoluto que é saber do absoluto; ideia a partir da qual, tanto na Filosofia da Natureza quanto na Filosofia da Arte, torna-se possível entender o saber como construção de si, construção simultânea do sujeito e do objeto do saber, pelo que o Absoluto (Eterno Ato de Conhecimento) se torna consciência de si (no homem, na cultura, na história mediante movimento de autoformação) e não só uma inteligência inconsciente (natureza, visão de mundo). Com base nisso, a proposta de retomada do ideal metafísico socráticoplatônico e sua conexão com o sentido de formação do homem, ou a formação mesma (Paideia, Bildung, Kultur, Cultura, Educação) tanto ideal (supra-estrutura social) quanto real (infra-estrutura social) nos pareceu viável para chegarmos ao desencobrimento do sentido histórico da metafísica mesma como projeto de sistematização do saber ou de constituição sistemática do todo da ciência. Como o homem é esse ente especial que produz a ciência e se autoproduz ou se autoforma mediante o saber sistematizado, que é veiculado mediante os meios de difusão do conhecimento, sobretudo nas instituições de ensino em seus diversos graus de escolaridade, e como essa autoformação da Humanidade se processa na transmissão do saber às futuras gerações, a ideia da auto-organização da natureza na Filosofia da Natureza de Schelling e da tomada de consciência da natureza universal individuada na espécie humana poderá nos fornecer uma possível sustentação de que, pela Filosofia da Arte de Schelling, o elo do sistema do saber é possível; sendo esse elo o elemento fundante da realidade universal que se expõe em todos os âmbitos específicos do saber, de tal modo que a sistematização do saber é revelada em seu sentido original como metafisica imanente, como o transcender mesmo da liberdade humana para o saber de si e para sua autoformação deveniente. São esses pressupostos que nos levarão a considerar uma possível unidade metafísica e imanente da Ética com a Estética e a perguntar sobre a possibilidade de uma Educação Estética do Homem. INTRODUÇÃO Ao introduzirmos o tema do projeto a ser desenvolvido em uma dissertação de mestrado, orientamo-nos por uma pergunta: é possível um projeto de "Educação Estética do Homem", como propunha Schiller? Porém talvez não seja objetivo nosso responder afirmativamente ou negativamente a esta pergunta, e sim vislumbrar uma construção possível de sentido da metafisica como sistema do saber, a qual viabilize a constatação de que, de um modo ou de outro, a constituição do saber pelo progresso histórico da ciência, portanto da humanidade, já tem se constituído em sua prática teórica e em sua dinâmica de produção de conhecimento e de tecnologias como um processo de autoformação do homem no seio da cultura. Ademais, procuramos pensar a possibilidade metafísica de uma educação estética do homem a partir da filosofia de Schelling no que diz respeito à ideia do sistema do saber universal, que exprime o Absoluto como objeto do saber e como sujeito do mesmo saber que se constrói em torno a este objeto, de tal modo que a integração do saber nas diversas disciplinas da Filosofia seja vislumbrada em sua possibilidade pela Filosofia da Arte. Mas como as diversas disciplinas no sistema do saber exprimem o mesmo conteúdo imanente, isto é, o Absoluto, então uma Filosofia da Natureza e uma Filosofia da Arte se constituem como modos de um único saber, o mesmo ocorrendo com a Filosofia do Homem, da História ou da Cultura, esta considerada como Fenomenologia do Espírito, na qual se expõe o ethos do homem na dinâmica de sua autoformação espiritual através do evolver histórico do saber de si da Humanidade enquanto sujeito ético, isto é, enquanto sujeito que delibera sobre suas ações e produções nos diversos níveis do saber. O problema do sentido da metafísica de que trataremos na dissertação já nos encaminha para isso através da possível solução da dicotomia kantiana entre uma Razão Pura Teórica e uma Razão Pura Prática ou entre a sensibilidade (Estética) e a racionalidade (Ética); e isso a partir da consideração da resolução da dialética entre uma inteligência inconsciente e uma inteligência consciente pela Filosofia da Arte (da Natureza, da Mitologia, da Identidade, da Religião etc.) de Schelling. Pois o problema do conflito entre necessidade e liberdade ocorre para a inteligência consciente (homem), e não para a inconsciente (natureza em geral), na medida em que a natureza mesma, no homem, ainda não evolveu até o saber de si do absoluto na história ou no devir mesmo do espírito; daí o idealismo alemão aparecer como uma nova metafísica socrático-platônica pela proposta de Schelling de uma teoria imanentista das ideias, em sentido platônico, como determinações ideais ou potências do Absoluto, que nelas se expõe mediante o sistema integrado do saber nas Filosofias que são uma só Filosofia da exposição do Universo na forma da Arte, da Natureza, da História etc1. Detectamos que o problema moderno da cisão entre o sensível o suprassensível é uma herança platônica da Filosofia Transcendental de Kant como Crítica da Razão Pura em seus usos Teórico e Prático, de modo que o âmbito próprio da produção estética pela arte, cuja essência procuramos compreender pela Filosofia da Arte de Schelling e de sua inserção no todo orgânico do saber universal, e o da deliberação ética pela deontologia (ciência dos valores éticos como postulados práticos para regular o dever-ser da ação humana) foram compreendidos em uma relação de subordinação da ideia estética do belo à ideia ética do bem. A procura por uma autonomia da arte levará Hegel a fazer a crítica da Educação Estética do Homem de Schiller como herança da dicotomia e da subordinação referidas advinda de Kant2. Uma vez que todo esse problema entre sensibilidade e razão nos foi herdado de Kant pela problematização moderna da metafisica ou da possibilidade desta tão somente como filosofia crítica em sentido transcendental, a labuta especulativa de nossa pesquisa precisará realizar uma problematização histórica da metafísica mediante a vinculação da noção de “sistema do saber”, fornecida pelo idealismo alemão, em sua possível vinculação de significado com a “metafísica” em sentido clássico socrático-platônico. Assim, o ideal clássico socrático-platônico de busca pelo saber (amor pelo saber ou filosofia) como busca pelo que é em si e por si mesmo bom, belo e justo nos parece mostrar a fundamentação do sistema do saber ou da metafisica em sua conexão essencial com a noção de formação (Bildung) ou educação (Paideia) pela cultura (Kultur). Essa problematização da metafísica nos leva ao esforço de sustentação do sistema da Filosofia Geral e das filosofias particulares (ontologias regionais) como partes integrantes do sistema do Saber Absoluto; esta noção nos é fornecida pelo idealismo alemão, particularmente o de Schelling, cuja compreensão como metafísica da transcendência imanente do Absoluto pela sua Filosofia da Natureza e pela sua Filosofia da Arte nos permite sustentar a tese de que a ideia estética do belo e a ideia ética do bem são uma e a mesma e de que, portanto, metafisicamente não há qualquer conflito ou cisão entre Razão e Sensibilidade, Ética e Estética. Tal cisão ocorre somente quando a Arte não procura mais a Beleza da forma, a ideia do belo, tal como a Ética também não procura mais a forma do Bem; isto é o fim da metafísica ou a dissolução da possibilidade de sistematização do saber. 1 2 Cf. SCHELLING. 2001, (p.28-32). Cf. GONÇALVES. 2001, (p.55-62). OBJETIVO(S) E JUSTIFICATIVA(S) Os objetivos do projeto, bem como sua justificativa, na medida em que se trata de um projeto de Filosofia, limitam-se ao âmbito próprio do pensamento puro especulativo e conceitual, sem qualquer viabilidade pragmática utilitária; não que isto seja um objetivo menor, conquanto seja objetivo derivado a que o projeto não volta suas intenções. Na verdade, o único objetivo deste projeto é buscar movimentar alguns elementos ou conteúdos filosóficos capazes de, a nosso ver, viabilizar uma construção teórica argumentativa em prol da tese de que o sentido histórico da metafísica é a possibilidade da sistematização da ciência e de que isto é essencialmente vinculado à constituição da cultura humana, pelo devir do saber, como autoformação (educação) do homem. Isso feito, acreditamos que o projeto se justifica em sua ambição talvez não necessariamente inovadora do pensamento filosófico, mas reveladora de um sentido possível da própria metafísica ou da filosofia em seus primórdios, um sentido ou significado que buscaremos mostrar nesta tese e que, a nosso ver, sempre se manteve em vigor no processo do progresso do saber, portanto no devir histórico da humanidade, ainda que tal vigor tenha se mantido oculto no operar puro e simples dos acontecimentos do movimento histórico do pensamento especulativo e da ciência em geral. É exatamente tal obnubilação das origens e dos fins da prática científica que condiciona a insistência errante do pensamento metafísico na dicotomia transcendente/imanente, coisa-em-si/fenômeno, suprassensível/sensível, encaminhando a dissolução da unidade sistemática do saber metafísico na instauração de ciências específicas autônomas, separando assim os âmbitos da Ética e da Estética e forçando ou uma tentativa fracassada de subordinação de um ao outro, o que supõe já a separação de um e de outro, ou o abandono completo de uma unidade sistemática daqueles dois âmbitos citados; unidade sistêmica do saber sem a qual não conseguimos vislumbrar uma possibilidade efetiva de Educação Estética do Homem. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA (FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA) A Filosofia da Natureza de Schelling nos fornece o conceito de natureza em geral ou Universo. Um saber que se constrói em torno a este objeto se mostra como saber universal da natureza em geral e é capaz de situar o próprio sujeito desse saber no interior do mesmo como tomada de consciência de si da natureza universal, na medida em que esta se individua no espírito (na obra humana que se processa na história e se autoforma na cultura). Assim, a Física Dinâmica ou Filosofia da Natureza de Schelling se nos mostra como uma metafísica da imanência da natureza e do espírito, cuja transcendência vem a ser o elemento do devir que funda, de maneira abissal, a autoformação do espírito na história e na cultura em analogia ao processo de auto-organização da matéria na natureza. E ainda, a noção de sistematização do saber como articulação da unidade entre a natureza e o espírito pela arte permitirá a suposição da conexão intrínseca entre Ética e Estética mediante uma problematização do sentido da metafísica, cujo fim é vislumbrar seu significado como vínculo do saber em geral com a noção de formação do homem, o ente que sabe; essa problematização ocorre na medida em que nos antecipamos a possíveis críticas em uma confrontação dialógica com pensadores que problematizaram, à sua maneira, a metafísica e a história da metafisica. Assim, pela compreensão do vínculo do sentido formativo da atividade de sistematização do saber em geral com a metafísica clássica em sentido socrático-platônico pensamos fazer uma leitura do idealismo de Schelling como metafísica da imanência do espírito e da natureza pela arte, motivo pelo qual pensamos fundamentar a tese da unidade da Ética com a Estética, da Racionalidade e com a Sensibilidade e da possibilidade de uma Educação Estética do Homem. Segundo a Filosofia da Natureza de Schelling, a ideia se encontra presente de maneira objetiva na natureza; e nesta coexistem duas atividades, a saber: a ideal (construção consciente do objeto mediada por conceitos a exprimir-se na ciência) e a real (intuição imediata e inconsciente da natureza a exprimir-se em uma visão de mundo). A intuição intelectual é responsável pela reunião de ambas atividades na autopercepção do espírito, que se torna ciente de si pela intuição intelectual. Ocorre que a Filosofia da Arte de Schelling vislumbrará a arte como atividade do espírito em que inteligência inconsciente e consciente se unificam em uma mesma ação, que se expressa em obras (as obras de arte como produtos da liberdade humana, esta como finalidade da necessidade da natureza). Desse modo, pensamos que a arte unifica a liberdade subjetiva e a necessidade objetiva na obra humana, isto é, na autoformação do espírito como edificação do mundo da cultura. A consideração da analogia entre o jogo-articulação das potências do espírito e o jogo de forças dialéticas presente na natureza (expansão/retração), nos leva a considerar que: o espírito se expande rumo ao mundo objetivamente real em sua positividade fenomênica no exercício de sua potência teórica (Razão Pura em seu uso teórico) a fim de constituir uma experiência possível sobre a natureza como produto (fenômeno para a consciência pura transcendental mediante a constituição da experiência de objetos pela articulação das categorias do entendimento com os dados das formas puras da intuição sensível de espaço e de tempo). Contudo, o espírito também se retrai da objetividade exterior pura e simples ou da necessidade objetiva da natureza como representação fenomênica (como produto finito); essa retração do espírito para si mesmo em sua idealidade subjetiva constitui a negatividade do espírito e é índice de seu caráter de transcendência. O espírito transcende o real como dado fenomênico e vai “além dele”, isto é, se move além da experiência possível a fim de possibilitar o aparecimento de uma nova figura do saber, portanto uma nova figura de si mesmo como sujeito e objeto do saber que se processa ou se autoforma na história por meio de seu devir fenomenológico, como ciência da experiência da consciência. Esta se mostra na figura do Absoluto quando chega a ser saber de si, isto é, quando se sabe a totalidade ou a unidade da identidade e da diferença entre o subjetivo e o objetivo. Essa negatividade do espírito é índice de sua liberdade, isto é, de sua potência prática (Razão Pura em seu uso prático) e delimita as possibilidades do ethos do espírito que se apresenta e se autoforma na história como devir da consciência, cujo fenômeno é o todo da cultura. Essa negatividade do espírito se nos afigura como o que Heidegger denomina a transcendência do ser-aí (Da-Sein), a liberdade do ser-no-mundo (In-der-Welt-Sein). Com isso pensamos ser possível uma articulação metafisica da Filosofia da Natureza com a Filosofia do Espírito, na medida em que a metafisica seja o sistema do saber imanente à natureza pensada como substância universal, em cujo movimento de auto-organização da matéria a idealidade transcendental do saber já está presente como possibilidade de chegar a ser ciente de si (Selbstbewusstsein), pela cultura, como Sistema Universal da Razão (Lógos) do mundo natural e histórico, estes respectivamente como objetos das ciências da natureza (Naturwissenschaften) e das ciências do espírito (Geisteswissenschaften). Na Filosofia do Espírito de Hegel, o ser que não sabe é propriamente o ser inconsciente (Unbewusste), ao passo que o ser que sabe é o ser consciente (Bewusstsein), isto é, a consciência mesma. Contudo, é o pensamento de Schelling sobre o sistema do saber universal, posto que o Universo mesmo se exponha idealmente como objeto das filosofias particulares, que nos permite vislumbrar a unidade do sistema do saber (da natureza e do espírito) na Filosofia da Arte, posto que a arte seja considerada a produtividade que reúne a atividade da inteligência inconsciente com a da inteligência consciente, como se lê no §19 da Primeira Seção da Filosofia da Arte de Schelling: Necessidade e liberdade se relacionam como inconsciente e consciente. A arte se baseia, por isso, na identidade da atividade consciente e inconsciente3. Na Crítica da Faculdade do Juízo4, a última das críticas de Kant, o sistema da razão se encontra completo, mas fragmentado: o uso teórico da razão visa à constituição da experiência objetiva de fenômenos através da articulação entre as categorias puras do entendimento e as formas da intuição sensível de espaço e de tempo, os juízos objetivos de conhecimento constituindo-se como enunciações das leis necessárias da natureza como fenômeno; o uso prático da razão visa à regulação da ação moral, independente do mundo objetivo dos fenômenos, pela lei do princípio autônomo da liberdade que se enuncia no imperativo categórico. Mas além do juízo prático moral subjetivo e do juízo de conhecimento teórico objetivo, há o juízo estético acerca do Belo, do qual Kant trata na Analítica do Belo; pensando o particular no universal, esta forma de juízo encontra sua determinação a priori em uma necessidade subjetiva, isto é, em uma legalidade formal do juízo que é desinteressada e que agrada universalmente, sem conceitos e independente da experiência objetiva do juízo teórico de conhecimento. Uma vez que as ideias da razão como postulados práticos não encontram um correlato na experiência possível e que os conceitos puros do entendimento, em seu uso transcendental, não devem se referir às ideias como entidades transcendentes, mas aos dados da intuição sensível na constituição da experiência objetiva de fenômenos, então o juízo estético se põe como intermediário do reino do entendimento (categorias que constituem objetos da experiência) e do reino da razão (ideias sem correlato na experiência, mas com uso prático como postulados da ação moral). Contudo, o juízo estético é meramente contemplativo, em sua legalidade subjetiva formal, sem finalidade exterior a si mesmo e desprovido de conceitos, nem teórico nem prático. Talvez exatamente por isso o âmbito do juízo estético do belo, embora gozando de certa autonomia, será subordinado ao âmbito do bem ético na consideração do belo como símbolo do bem moral, uma vez que o bem poderá ser implantado como conteúdo objetivo da legalidade subjetiva meramente formal do juízo estético. Pois o reconhecimento do sentimento do sublime como parte característica do belo levará Kant ao vínculo de subordinação do estético com o ético, ou do belo ao bem (lembrando Platão em A República); a nosso ver e como procuraremos mostrar, um vínculo que 3 4 Cf. SCHELLING. 2001, p.47. Cf. MACEDO. 1987, pp. 35-37. não é de subordinação, mas de unidade do belo estético com o bem ético, que se expõe em ações belas advindas de uma formação da Cidade (Pólis) e do cidadão pela filosofia como busca pelo que é em si e por si mesmo bom, belo e justo. Exatamente esse ideal clássico da metafísica socrático-platônica de busca pelo que é em si e por si mesmo bom, belo e justo nos aponta para o sentimento do sublime como ponto de ligação do ético com o estético. Pois o sublime matemático aponta para a capacidade de a razão superar as medidas da experiência sensível de fenômenos, enquanto o sublime religioso aponta para a potência suprassensível da razão prática. Contudo é a caracterização da natureza como Absoluto pela metafísica imanente de Schelling que nos permite sustentar que não há um caráter de sertranscendente entre o âmbito suprassensível e o sensível, o ético e o estético. Na verdade, o ato de transcender os limites dados pela necessidade objetiva da natureza como fenômeno, esse ato da razão, advém da liberdade da natureza como produtividade infinita, que se individua no homem e chega a ser saber de si consciente pela autoformação deveniente do espírito na cultura. Assim, esse transcender constitui a penetração mesma no recôndito mistério da natureza como Eterno Ato de Conhecimento do Absoluto, que permanece no repouso imanente de seu próprio ser; um repouso que em momento algum se separa da finalidade ou da conformidade a fins do movimento de autoorganização da matéria ou da substância universal como unidade da própria natureza, esta como produtividade infinita e como produto finito (mundo dos fenômenos ou o fenômeno mesmo do mundo como totalidade cósmica desses fenômenos). Portanto, como delimitação do problema e como fundamentação teórica deste projeto, a consideração da unidade metafísica imanente entre Ética e Estética pelo desencobrimento do significado histórico da metafísica como sistematização do saber e seu vínculo possível com a noção de formação da humanidade pela cultura é a tese em prol de cuja sustentação nosso labor de pesquisa se dignificará a concretizar uma dissertação de mestrado. E isso porque, segundo nossa compreensão a partir de Schelling, uma Educação Estética do Homem é possível de ser pelo menos teoricamente compreendida a partir da conexão entre uma Filosofia da Natureza e uma Filosofia do Espírito pela Filosofia da Arte; a natureza e o espírito se re-únem pela arte, a educação estética é a formação do ethos humano em busca do belo, do bom e do justo na natureza mesma, por cujo bem o homem deve zelar a fim de preservar a sua cultura. Por isso tudo, pensamos concordar com Hegel quanto à noção de formação do espírito: “A presente Fenomenologia do Espírito apresenta esse devir da ciência em geral ou do saber. (...) A tarefa de conduzir o indivíduo da sua situação de incultura até o saber tinha de ser entendida no seu sentido universal e tinha de considerar o indivíduo universal, o Espírito consciente-de-si, no processo de sua formação. Pelo que diz respeito à relação dos indivíduos, cada momento no indivíduo universal se apresenta segundo o modo com que consegue alcançar a forma concreta e sua própria configuração. O indivíduo particular é o Espírito incompleto, uma figura concreta em cujo existir total uma determinidade tem a primazia, e na qual as outras estão presentes apenas com traços apagados. No Espírito que está mais elevado que um outro, o existir concreto inferior recaiu na condição de um momento que não aparece. O que antes era a coisa mesma é agora apenas um vestígio. Sua figura está coberta por um véu e tornou-se um simples perfil de sombra. O indivíduo, cuja substância é o Espírito num estágio mais elevado, percorre esse passado do mesmo modo como aquele que se dispõe a adquirir uma ciência superior percorre os conhecimentos preliminares, que há muito tem guardados em si, para tornar presente seu conteúdo. Evoca sua recordação sem, no entanto, ter neles seu interesse ou neles demorar. O indivíduo singular deve percorrer igualmente, segundo o seu conteúdo, os degraus da formação do Espírito universal, mas como figuras já abandonadas pelo Espírito, como estágios de um caminho que já foi aberto e aplainado. Vemos assim, com respeito a conhecimentos que em tempos passados ocupavam o espírito amadurecido dos homens, que eles desceram ao nível de conhecimentos, exercícios ou mesmo jogos de idade juvenil, e assim se reconhecerá no progresso pedagógico, esboçada como numa silhueta, a história da cultura mundial. Esse existir passado é já uma propriedade adquirida do Espírito universal que constitui a substância do indivíduo e, aparecendo assim como exterior a ele, constitui sua natureza inorgânica. Considerada a partir do indivíduo, a cultura consiste, segundo este modo de considerar, em que ele adquira o que se lhe apresenta, consuma em si sua natureza inorgânica e a tome como possessão sua. Considerado porém a partir do Espírito universal como substância, esse processo não significa senão que tal substância se dá a sua consciência-de-si e produz em si seu devir e sua reflexão. Assim como representa na sua atualização e na sua necessidade esse movimento de formação, assim a ciência representa igualmente na sua figuração o que já passou a momento e propriedade do Espírito."5 A ciência ou o saber é aquilo de que o Espírito deve se apropriar no movimento de sua formação, pois esta é o progredir mesmo do saber que se sabe objeto e sujeito do saber. Mas o saber universal da natureza e do espírito se nos mostra unificado não pela Ciência da Lógica de Hegel, mas pela Filosofia da Arte de Schelling, embora a Filosofia do Espírito de Hegel seja mais conhecida. Pois em Schelling a natureza não é só o espírito alienado de si, mas sim o espírito é a reflexão da natureza que vem a ser saber de si universal individuado na obra humana (o mundo da cultura). As potências da natureza se movem na dialética da expansão (luz) e da coesão (gravidade) da autoorganização da matéria e se tornam fenômeno na eletricidade e no magnetismo, cuja síntese é a formação dos corpos físicos e dos fenômenos químicos; o quimismo da matéria resultará na potência do organismo, o corpo vivo, como resultado do movimento da matéria que se organiza em um processo de sensibilidade, excitabilidade e reprodução; com isso, podemos pensar que a vida é a 5 HEGEL, F. W. Fenomenologia do Espírito, Prefácio. IN Obras Seletas. Nova Cultural: São Paulo, 1999. (pp.307-308). finalidade do movimento de auto-organização da matéria porque, desde sempre, a ideia ou ser da vida já se encontra pulsando (volitando) no interior da natureza ainda não formada em organismos; assim, podemos entender que a conformidade a fins ou lei do movimento universal da matéria é a vida, ou seja, a Razão Universal, em cujo ser já se encontra a verdade transcendental da ideia ética do bem e da ideia estética do belo, estas unificadas na formação do homem justo, cuja intelecção cabe ao homem vislumbrar ou não em suas produções técnicas, isto é, no labor de sua cultura. Assim como na natureza ocorre, de acordo com Schelling, um processo de auto-organização da matéria universal, no devir da cultura ocorre um progresso de autoformação do espírito universal. As potências do espírito são: a razão teórica, em que sujeito e objeto estão separados e em conflito no conhecimento da natureza como fenômeno ou objeto (incognoscível, porém, como sendo em-si ou sujeito), o âmbito da necessidade; a razão prática em que sujeito e objeto já se encaminham para uma unificação pela liberdade da ação moral, isto é, da autonomia do sujeito humano; e a síntese entre ambas ocorre na arte como síntese da liberdade e da necessidade. É exatamente a ideia dessa síntese pela arte que nos move à argumentação em prol da tese deste projeto em uma dissertação de mestrado como considerações sobre a unidade entre a Ética e a Estética, pois o conflito entre a liberdade do espírito e a necessidade da natureza se resolve, também, na consideração da possibilidade metafísica de uma Educação Estética do Homem, isto é, da formação sensível do espírito ético pela arte. Não seria esse o sentido da função catártica da arte trágica da Grécia antiga, precisamente o alcance do equilíbrio de uma justa medida entre a liberdade da vontade e a necessidade objetiva do mundo dos fenômenos naturais e das obrigações sociais? METODOLOGIA A metodologia de pesquisa se resume ao exercício básico de reunião de uma bibliografia que forneça os dados ou conteúdos filosóficos determinados, cujo arranjo em um texto dissertativo constituirá a argumentação que será feita em prol da sustentação ou defesa da tese apresentada neste projeto. Enfim, o método da pesquisa será aquele caminho próprio de uma investigação teórica filosófica; muita leitura, fichamentos e resumos de textos que exercitem a escrita e o labor de interpretação. PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA DE PESQUISA Resumo de atividades para o primeiro ano de pesquisa: Primeiro Semestre da Pesquisa Reunir uma bibliografia geral e tentar dividi-la em bibliografia principal e secundária ou complementar, embora tal divisão não constitua, em princípio, uma necessidade. Isso já pressupõe alguma leitura prévia, o que permite o planejamento geral das atividades. Segundo Semestre da Pesquisa A bibliografia estando reunida, daremos início à leitura dos textos no sentido de coletar as informações de conteúdo conceitual que permitem, mediante uma determinada interpretação de sentido, a construção da argumentação que mostra a plausibilidade da tese. Com isso, é possível a concretização da tese em uma dissertação que já se encontra esboçada em quatro capítulos, quais sejam: Capítulo 1 - Esboço geral da ideia de projeto de constituição da formação (Paideia) integral do homem como fundamento da ciência primeira ou metafísica geral em sentido clássico socráticoplatônico; Capítulo 2 - Antecipação a possíveis críticas: confrontação dialógica com Immanuel Kant, Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger; Capítulo 3 - O mais antigo programa sistemático; Capítulo 4 A compreensão da metafísica ou da filosofia propriamente dita como formação do homem pela sistematização do saber em geral na Filosofia da Arte de Schelling. OBS: apenas o primeiro ano de pesquisa se encontra previamente planejado devido à possiblidade de, no decorrer da pesquisa, o projeto sofrer alterações. Além disso, estando este plano bem alicerçado, o restante do tempo de pesquisa será dedicado à construção ou organização do texto de tal modo que este possa ser apresentável em moldes academicamente adequados. BIBLIOGRAFIA ARISTÓTELES. Metafísica; ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale; tradução Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola, 2ª edição: junho de 2005. ________________. Política. São Paulo: Martin Claret. 2001 ________________. Política. Lisboa: Vega, 1998. BAUMGARTEN, Alexander Gottlieb. Estética: a lógica da arte e do poema; tradução de Miriam Sutter Medeiros. Petrópolis: Vozes, 1993. BELLO, Angela Alles. Culturas e religiões: uma leitura fenomenológica. Bauru, SP: EDUSC. 1998. BORNHEIM, Gerd. Introdução ao filosofar em bases existenciais / Gerd A. Bornheim. – 8. ed. – São Paulo: Globo, 1989. FICHTE, Johann Gottlieb. Obras Escolhidas. São Paulo: Abril Cultural. 1979 GONÇALVES, Márcia Cristina Ferreira. Filosofia da Natureza. 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