A CARTOGRAFIA NO CURRÍCULO PROPOSTO PARA A GEOGRAFIA ESCOLAR E SUA AUSÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS DE SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Laura Reis/Universidade Federal de Uberlândia [email protected] Sérgio Luiz Miranda/Universidade Federal de Uberlândia [email protected] O presente trabalho visa discutir a formação de professores das séries iniciais do ensino fundamental para a abordagem dos conteúdos de Cartografia segundo as atuais orientações metodológicas e propostas curriculares de Geografia para essa fase da escolarização. Essa discussão é feita a partir de dados e resultados obtidos no trabalho desenvolvido como iniciação científica vinculado ao projeto de pesquisa intitulado “Abordagens da cartografia na formação e no trabalho de professores para o ensino de Geografia nas séries iniciais”. O referido trabalho foi realizado no período de agosto de 2008 a julho de 2009, tendo sido cadastrado no Programa Institucional de Apoio à Iniciação Científica – PIAIC, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia. O projeto no qual se desenvolveu o trabalho de iniciação científica está sendo desenvolvido em uma escola municipal da cidade de Uberlândia-MG com a participação de quatro professoras regentes de classes de terceira série-quarto ano do ensino fundamental. A pesquisa que está sendo realizada busca compreender como os conteúdos de cartografia foram abordados na formação inicial das educadoras, identificar as necessidades reais do ensino e possibilidades para superar dificuldades verificadas para a abordagem dos conteúdos de cartografia na concretização do currículo de geografia com foco no estudo do espaço local, conforme propõem as atuais orientações curriculares. O referido projeto é entendido como um trabalho em cooperação, sendo desenvolvido através da elaboração, aplicação em classe e avaliação de atividades de ensino em colaboração com as professoras, incluindo o acompanhamento dessas atividades de ensino em aula. Também foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com as professoras, individualmente, e entrevistas abertas do tipo discussão de grupo nas reuniões realizadas na escola com essas professoras, das quais algumas vezes participam também uma coordenadora pedagógica da escola e outra do Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz, da Secretaria de Educação do Município – CEMEPE, além de três pesquisadores da universidade e dois estagiários de Iniciação Científica. A pesquisa teve sua motivação surgida em um curso de formação continuada para professores das séries iniciais do ensino fundamental oferecido no CEMEPE em parceria com o Laboratório de Ensino de Geografia – Legeo, do Instituto de Geografia da UFU, realizado no segundo semestre do ano de 2007 e no primeiro semestre do ano de 2008. Durante as duas edições do curso (MIRANDA e OLIVEIRA, 2008a e 2008b), nas conversas com os professores participantes observamos que, pelos seus relatos, em geral os professores das séries iniciais das escolas municipais de Uberlândia pouco ou nada abordam dos conteúdos de cartografia no ensino de geografia. Essa observação gerou um questionamento sobre os motivos da ausência de tais conteúdos nas práticas de ensino de geografia desses professores e sobre possíveis alternativas para a superação dessa situação, tomando-se esse questionamento como foco principal para a realização dessa pesquisa. Neste artigo trataremos especificamente da abordagem da Cartografia e de metodologias e conteúdos específicos do ensino de Geografia na formação inicial das professoras participantes da pesquisa a partir dos dados obtidos em entrevistas com as mesmas. Em relação aos conteúdos específicos de ensino a serem considerados, tomamos as propostas curriculares oficiais que a escola emprega como referenciais e o programa de ensino seguido pelas professoras para a série com a qual trabalham. As necessidades e dificuldades apontadas referem-se principalmente a materiais apropriados para tratar do espaço local no ensino e aos conhecimentos específicos de Cartografia, o que remete para os cursos de formação docente, os quais não contemplam esses conhecimentos e suas metodologias de ensino. Considera-se que essas constatações, por um lado, podem contribuir para explicar a ausência da Cartografia no ensino de Geografia para as séries iniciais e as lacunas na formação básica também dos alunos em relação a esses conhecimentos curriculares e, por outro lado, apontam para a necessidade de se garantir uma formação docente mais bem adequada nessa área. Esse será então o percurso escolhido para essa apresentação do trabalho, iniciando pelo desenvolvimento geral da pesquisa e seus procedimentos metodológicos e abordando, na sequência, o tratamento dado à questão do currículo, os resultados obtidos e, nas considerações finais, as principais contribuições do trabalho realizado e suas implicações. 1. O desenvolvimento geral da pesquisa e os procedimentos metodológicos A pesquisa foi realizada com quatro professoras que ministram aulas em classes de terceira série/quarto ano em uma escola municipal de Uberlândia. Os pesquisadores acompanharam as professoras no desenvolvimento de atividades de ensino em colaboração durante o período de março a junho de 2009, buscando identificar lacunas no conhecimento das professoras em relação aos conteúdos de cartografia que integram o currículo de geografia da terceira série/quarto ano do ensino fundamental e suas causas. Partiu-se da consideração de que os professores das séries iniciais das escolas municipais enfrentam dificuldades com esses conteúdos, motivo pelo qual não ensinam cartografia no currículo de geografia, de acordo com relatos dos próprios professores que participaram de um curso de formação continuada sobre cartografia nas séries iniciais, conforme já mencionado. Para identificar aquelas lacunas e compreender suas causas, procurou-se primeiro identificar os conteúdos de ensino propostos para o currículo de geografia da terceira série/quarto ano e, dentre esses, aqueles especificamente de cartografia, tanto nas propostas curriculares adotadas pelas escolas quanto nas práticas das professoras para, em seguida, verificar se e como esses conteúdos específicos e suas metodologias de ensino foram tratados nos cursos de formação inicial das professoras. Assumimos, assim, uma perspectiva que tem a formação inicial como momento-chave, fundamental para a produção do conhecimento necessário para o trabalho docente, conforme demonstrado por Dermeval Saviani (1997). Segundo os diferentes saberes docentes necessários para os professores desenvolverem o trabalho educativo, apresentados por esse mesmo autor, nesse trabalho são enfocados principalmente os chamados conhecimentos disciplinares, relativos aos conhecimentos específicos da disciplina ensinada, no caso, a Geografia, mas também os conhecimentos didático-curriculares, aqueles que dizem respeito às formas mais apropriadas para ensinar os conteúdos curriculares, envolvendo, portanto, os procedimentos didáticos e as metodologias de ensino. A pesquisa teve início com algumas reuniões realizadas na própria escola que visavam a observação do plano de trabalho e programas de ensino das professoras para que pudéssemos conhecer os conteúdos que abordariam referentes ao ensino de cartografia de acordo com seus planos de trabalho durante o ano letivo, além de proporcionar uma discussão a respeito da aplicação de algumas atividades utilizando materiais que abordam o espaço local principalmente, tendo sempre como base os programas de ensino das mesmas. Conforme a pesquisa avançou e através do acompanhamento de atividades em sala de aula por parte dos pesquisadores, tornou-se possível a observação do modo como as professoras abordam os conteúdos de cartografia durante suas aulas e tornouse cada vez mais evidente o conhecimento deficiente das mesmas em relação aos conteúdos que envolvem a cartografia, delimitados para a terceira série/quarto ano do ensino fundamental. Concomitante às discussões sobre as atividades e o acompanhamento durante a realização das mesmas em sala de aula, foram realizadas discussões abertas em grupo nas quais as professoras puderam explicitar os pontos negativos e positivos das atividades englobando toda a realização do projeto até então. Posteriormente foram realizadas entrevistas individuais semi-estruturadas na própria escola com o auxílio de gravações em áudio, visando o conhecimento mais aprofundado da realidade de cada educadora no que tange à formação inicial das mesmas, para o melhor entendimento das causas das dificuldades referentes ao ensino de cartografia apontadas e observadas mais especificadamente durante o acompanhamento da aplicação das atividades em sala de aula. Tais procedimentos caracterizam o uso de técnicas como a entrevista e a observação participante, que foram as técnicas elegidas como mais adequadas para desse trabalho de acordo com os objetivos propostos. Nesse sentido, a respeito da técnica de entrevista, Cruz Neto (1994, p. 57) aponta que: Através dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada. Suas formas de realização podem ser de natureza individual e/ou coletiva. Nesse sentido, a entrevista, um termo bastante genérico, está sendo por nós entendida como uma conversa a dois com propósitos bem definidos. Num primeiro nível, essa técnica se caracteriza por uma comunicação verbal que reforça a importância da linguagem e do significado da fala. Já, num outro nível, serve como um meio de coleta de informações sobre um determinado tema científico. Através desse procedimento, podemos obter dados objetivos e subjetivos. No que se refere à observação realizada em sala de aula visando principalmente detectar dificuldades e necessidades reais das professoras, entendida como parte integrante e de extrema importância para a concretização dos objetivos do trabalho, concordamos ainda com o mesmo autor quando diz que: A técnica de observação participante se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos. O observador, enquanto parte do contexto de observação, estabelece uma relação face a face com os observados. [...] A importância dessa técnica reside no fato de podermos captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real (CRUZ NETO, 1994 p.59). Durante toda a investigação se utilizou o diário de campo como um instrumento fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, sobretudo em sala de aula, proporcionando a realização de registros de dados descritivos oriundos da observação participante. A respeito desse instrumento de registro, Pelissari (1998) comenta que o diário de campo é um instrumento individual e tem importância primordial para os relatórios do pesquisador, já que nele são realizados os apontamentos referentes ao que foi observado durante o trabalho. As técnicas e os instrumentos mencionados comuns nas pesquisas educacionais com as chamadas abordagens qualitativas, de acordo com André (2003) e Ludke e André (1986). Seguindo ainda essas autoras, foram utilizados procedimentos dos estudos de caso para tratar da formação docente e das práticas das professoras em relação ao ensino de cartografia, procurando, em cada caso particular, identificar necessidades e dificuldades enfrentadas e suas origens, que podem explicar a ausência da cartografia no currículo real de geografia das séries iniciais do ensino fundamental. 2. O referencial curricular e os conteúdos do ensino Nas primeiras reuniões realizadas na escola foi definido um plano de trabalho semanal da equipe para o desenvolvimento de atividades de ensino em colaboração com as professoras, obedecendo a rotina de trabalho da escola e tendo como referência o programa de ensino que as professoras seguem com suas classes de terceira série/quarto ano. Após o planejamento escolar, no início do ano letivo o programa de ensino das professoras foi organizado em forma de apostila, uma coletânea de materiais e informações sobre Uberlândia que abarca conteúdos curriculares de história e geografia. Essa apostila, denominada pela escola de “História e Geografia: conhecimentos integrados”, foi organizada pela coordenação pedagógica da escola a partir de outros materiais desse tipo que circulam pelas escolas municipais e que foram apresentados por duas professoras à coordenadora. Alguns desses materiais são provenientes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, do CEMEPE ou de jornais locais, mas a maioria não tem fonte nem autoria identificadas. Esse material é utilizado pelas quatro professoras participantes da pesquisa como programa de ensino de Geografia e História, com os conteúdos selecionados e já organizados numa dada sequência, e como material didático para as aulas, com a reprodução de cópias da apostila para cada aluno. No referido material pode se observar muitos textos longos, mapas que se repetem e outros com alguns erros, além de alguns tópicos com solicitações e questões para o aluno responder. Tais problemas devam-se talvez por se tratar de uma coletânea de materiais de fontes variadas, selecionados e reunidos dentre aqueles muitos utilizados pelos professores de diferentes escolas com a intenção de contemplar os conteúdos de ensino definidos pelas propostas curriculares oficiais. A escola com a qual se trabalhou, bem como as demais da rede municipal de ensino, adota como referencial curricular as Diretrizes Básicas do Ensino de Geografia de Uberlândia (UBERLÂNDIA, 2003). Nesse documento oficial, para a terceira série/quarto ano são propostos, basicamente, os seguintes conteúdos temáticos: Espaço Geográfico de Vivência da Criança Cidadã em Uberlândia: O mapa de Uberlândia: o município e seus distritos; a cidade e seus bairros; As diferenças e semelhanças sociais na ocupação e utilização do espaço na cidade e no campo; A cidade/município que se quer viver; A cidade/município ideal; o que se sonha; A cidade/município possível; o Plano Diretor; O que se pode fazer para que a cidade/município real se transforme na cidade/ município possível. Quanto ao espaço da produção em Uberlândia nos dias de hoje, são propostos para a produção na cidade: As atividades industriais O comércio Os serviços ligados ás diversas atividades sociais Outras atividades econômicas E para o espaço da produção no campo: As relações cidade-campo A produção econômica no campo Relacionado à Malha Hidrográfica do Município de Uberlândia, as Diretrizes contemplam: O rio Uberabinha e seus afluentes; Os principais córregos que correm pela cidade; As nascentes que estão dentro do perímetro urbano e zona rural; Como esses córregos estão sendo utilizados? Como as nascentes estão sendo utilizadas? Como poderia se usar melhor os espaços próximos aos córregos? As Diretrizes Básicas do Ensino de Geografia do Município de Uberlândia enfatizam a importância do ensino da cartografia nas séries iniciais do ensino fundamental através de uma “alfabetização cartográfica”, o que também é destacado nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs de Geografia para os dois primeiros ciclos (1.a a 4.a séries) do ensino fundamental (BRASIL, 1997), o qual aborda o espaço geográfico tomando o lugar e a paisagem local como conceitos geográficos articuladores dos conteúdos curriculares. As Diretrizes Básicas do Ensino de Geografia do Município de Uberlândia também delineiam os conteúdos propostos a partir do espaço local, como se pode notar nos temas elencados acima conforme proposto nas referidas Diretrizes para a terceira série/quarto ano. É possível identificar aproximações entre o que é proposto nas Diretrizes Básicas do Ensino de Geografia (UBERLÂNDIA, 2003) e o programa de ensino adotado pelas professoras, no caso, a coletânea de materiais reunidos numa apostila, no que se refere ao ensino de geografia. Na tentativa de cumprir todos os conteúdos propostos nas Diretrizes, a coletânea adotada pelas professoras como programa de ensino utiliza mapas, gráficos, figuras, imagens, recortes de jornais, textos, entre outros. Após uma apreciação da mesma foi observado que ela aborda conteúdos como: o mapa do município de Uberlândia; a importância dos mapas; a divisão político-administrativa do município de Uberlândia com seus distritos; os municípios vizinhos; as atividades industriais; a relação da indústria e o meio ambiente; o uso dos recursos naturais; a relação das indústrias e a qualidade de vida na cidade; o comércio no município; alguns serviços ligados às atividades sociais; zona urbana e zona rural e as relações entre cidade e campo. Para contemplar todos esses conteúdos, na apostila organizada pela escola são utilizados vários mapas, dados e textos especialmente, abrangendo muitos conteúdos propostos nas Diretrizes, mas comprometendo o entendimento do que é abordado devido à faixa etária de escolarização a que se destina esse material. São utilizados mapas para os quais os alunos não são preparados previamente para compreendê-los e muitos textos com informações densas demais, o que também requer do aluno conhecimentos prévios para o nível de complexidade das informações abordadas. A elaboração de uma coletânea de materiais na forma de apostila se constitui em uma alternativa utilizada pela escola para trabalhar os conteúdos propostos e não se restringir apenas ao uso dos livros didáticos comerciais disponíveis no mercado, os quais não trazem os conteúdos e materiais que as professoras necessitam para tratar do espaço local. Com isso, tem-se aquela diferenciação entre o currículo oficial, que é apresentado através das diretrizes educacionais, leis, planos, orientações, entre outros, e o currículo real, aquele que é executado e concretizado de fato no cotidiano escolar. De forma geral esse último sofre alterações devido à adaptação do currículo oficial para melhor atender a realidade da escola, caracterizando a participação da mesma na elaboração do currículo ao selecionar conteúdos visando a transmissão do conhecimento e a aprendizagem dos alunos. A respeito do currículo real e do oficial, Sampaio (1998, p.10) diz: Resultante de todas as discussões e decisões negociadas, o currículo formal – previsto, documentado, recomendado, que sofreu várias reelaborações - servirá como grande parâmetro para organizar a ação no ambiente da escola, mas não será exatamente replicado, repassado ou distribuído para os alunos, isso porque a escola não executa simplesmente decisões curriculares tomadas fora dela; também elabora seu currículo, que é mais do que o recorte de cultura organizado para ser distribuído na escola. O currículo real, aquele que se desenvolve na escola, toma forma e corpo na prática pedagógica. O currículo formal é transformado e reorganizado para adequar-se à realidade da escola [...]. Essa reorganização dos saberes a serem ensinados é também fruto de negociações, opções, decisões que envolvem os educadores e viabilizam a proposta pedagógica nas condições reais da escola. Em cada escola essas condições estão presentes e interferem na realização do currículo, impondo cortes, simplificações e ritmo de desenvolvimento aos conteúdos e, ao mesmo tempo, introduzindo aprendizagens implícitas, que tanto podem favorecer quanto impedir a realização das intenções educativas declaradas pelos educadores. 3. Os conteúdos específicos do ensino de geografia e cartografia para as séries iniciais na formação e na prática das professoras Quanto à formação das professoras, foi possível obter informações mais detalhadas e precisas através das entrevistas individuais realizadas com as mesmas. Com o auxílio de gravações em áudio e os apontamentos escritos realizados durante as entrevistas, foram registrados dados sobre a formação inicial e continuada das professoras e relações com suas práticas no ensino de geografia segundo suas próprias declarações. A partir da análise do que foi relatado pelas professoras foi possível obter informações importantes para a investigação acerca da razão da cartografia ser pouco presente no currículo real de geografia na faixa de escolarização enfocada na pesquisa, ou seja, nas séries iniciais do ensino fundamental. Para, a partir de cada um dos quatro casos analisados, compor um quadro sobre a questão investigada, destacamos das entrevistas com cada uma das professoras os pontos abaixo, considerados mais relevantes para os objetivos da pesquisa e que revelam tanto aspectos ímpares de cada caso particular quanto comuns entre esses e, possivelmente, outros casos. Quanto à formação inicial, a professora Ana Beatriz1 possui na formação de nível médio o curso técnico em contabilidade e no nível superior a graduação em Pedagogia, ambos cursados em um município de Goiás. O curso de Pedagogia teve duração de quatro anos, sendo concluído em 1991, no qual não foram oferecidas metodologias de ensino de Geografia para as séries iniciais e tampouco disciplinas onde a metodologia de ensino de cartografia tenha sido abordada. De acordo com a educadora, “na faculdade não tivemos didática de geografia, somente de matemática, ciências e português, nada específico de geografia e cartografia”. Já em relação aos cursos de formação continuada ela acrescenta: “fiz curso de formação continuada somente no Cemepe, mas nenhum voltado para a Geografia. Os cursos que participei eram voltados para produção de textos e jogos relacionados ao ensino de matemática para as séries iniciais”. Ao comentar sobre a contribuição desses cursos para a sua prática pedagógica, ela relatou que os mesmos não acrescentaram muitas informações: “Na verdade, todos eles fizeram uma revisão do que eu já tinha visto na faculdade. Acrescentar mesmo, foi pouca coisa”. Já a educadora Maria Rita cursou magistério de nível médio na rede estadual do município e Pedagogia em uma faculdade particular também do município de 1 Foram utilizados nomes fictícios aqui para preservar a identidade das entrevistadas. Uberlândia, concluindo este último curso no ano de 2008. Quanto à abordagem dos conteúdos e metodologias para o ensino de Geografia e cartografia, afirmou que “foram bem superficiais os conteúdos tratados em Geografia, e quanto à cartografia não há nada sobre escala ou assuntos relacionados à ela, somente cópias de mapas”. Em relação aos cursos de formação continuada ela acrescenta que não participou de nenhum nos anos anteriores e o primeiro que está fazendo é o do projeto a que se vincula esta pesquisa, sobre o qual ela acrescenta: “este curso é o primeiro que estou fazendo, tanto de modo geral quanto voltado para a Geografia, e estou aprendendo muito sobre os conteúdos de Geografia porque na faculdade a parte de Geografia é muito superficial e não aprendemos a parte de mapas, cartografia e escala”2. A professora Marina iniciou o curso de magistério de nível médio em colégio particular e o concluiu em colégio estadual, ambos em Uberlândia. Em sua formação de nível superior fez o curso de Letras na Universidade Federal de Uberlândia, concluído em 1999, e pós-graduação na área de Pedagogia na mesma instituição. Sobre os conteúdos e metodologias de ensino de Geografia na sua formação inicial ela relatou: “não vimos nada de Geografia e nem de cartografia, tanto no magistério como no curso superior e nenhuma das disciplinas tratou da metodologia de cartografia”. Referente aos cursos de formação continuada, a professora já fez vários e nos dois últimos anos participou de cursos que focam a leitura e a construção da linguagem matemática, além de outros cursos sobre as diversidades textuais. A professora Fernanda cursou magistério de nível médio em escola estadual de outro município e posteriormente fez o curso de Normal Superior em faculdade particular no município de Uberlândia com conclusão no ano de 2005, além da especialização com foco em religião na mesma instituição. Sobre os conteúdos e metodologias de ensino de geografia tratados na formação inicial, ela diz: A noção de Geografia foi obtida realmente no curso de Normal Superior, no qual os conteúdos são direcionados para as séries iniciais, pois até então a Geografia que aprendi era decorar estados e capitais, 2 A pesquisa está sendo desenvolvida concomitante a um projeto de extensão do qual as quatro professoras também participam, consistindo em um curso de formação continuada no próprio local de trabalho. Intitulado “Formação continuada de professores em trabalho: atividades de ensino de geografia e interdisciplinaridade na concretização do currículo para séries iniciais na escola fundamental”, o projeto de extensão conta com financiamento da Pró-Reitoria de Extensão da UFU – PROEX, através do Programa de Extensão Integração Comunidade/UFU – PEIC. além de reproduzir mapas usando cadernos de desenho. O conhecimento que o Normal Superior proporcionou foi em relação aos conteúdos que devem ser trabalhados de primeira a quarta série (primeiro ao quinto ano) e como trabalhar para prender a atenção das crianças através de aulas mais dinâmicas. Ainda em relação ao Normal Superior foi relatado que nesse curso foram abordados pelo período de um ano os conteúdos de Geografia e Educação, tratando o conteúdo de Geografia de forma bem trabalhada e algumas noções de cartografia, sem, contudo, contemplar práticas de ensino específicas para os conteúdos e metodologias de ensino de cartografia. Observa-se que a professora Fernanda é a única entre as quatro participantes da pesquisa que já fez cursos de formação continuada com foco em conteúdos da área de ensino de Geografia e Cartografia, dentre os outros cursos dos quais participou. Quanto a esses cursos foram abordados principalmente assuntos que se relacionam ao ensino de história, a prática de teatro na escola, ensino de ciências, práticas pedagógicas de forma geral, cursos relacionados à abordagem de questões raciais, diversidades textuais focando os conteúdos de Português, além do curso de Geografia com enfoque no ensino de cartografia para as séries iniciais. Cada curso contribuiu de alguma forma para a prática pedagógica da mesma e a esse respeito foi relatado por ela: “a contribuição maior desses cursos foi que além do aprendizado de conteúdos em si, também adquiri uma prática para trabalhar dentro de sala de aula, pois não brincava e não realizada atividades dinâmicas com os alunos, e após participar dos cursos aprendi como diversificar as aulas e me tornei mais desinibida”. A partir desses relatos das professoras nas entrevistas individuais realizadas, temos esboçado um quadro sobre a formação inicial e continuada das mesmas. Observa-se que as quatro professoras têm curso superior na sua formação docente, inclusive duas com pós-graduação em nível de especialização. Nenhuma das quatro professoras possui curso de graduação em Geografia, sendo que duas cursaram Pedagogia, uma cursou Letras e outra professora cursou o Normal Superior. Já em relação à formação no ensino médio, apenas uma das entrevistadas não fez curso de magistério de nível médio, e sim de Contabilidade, optando depois pela graduação em Pedagogia. No entanto, nesses cursos de formação de professores, tanto de nível médio quanto superior, não foram contemplados conteúdos e metodologias de ensino de cartografia. Apenas uma das professoras teve contato com conteúdos e metodologias de ensino de Geografia, em geral, no curso de formação inicial de professor em nível superior, no caso, o curso Normal Superior, mas esse também não abordou metodologias e conteúdos específicos do ensino de cartografia. Também foi relatado pelas professoras que os cursos superiores que fizeram focaram principalmente os conteúdos que visam o ensino de Português e Matemática, em detrimento dos conteúdos de História e Geografia, que tiveram pouco enfoque nos seus cursos de graduação. Verificou-se que nos últimos cinco anos, três professoras têm freqüentado vários cursos de formação continuada, sendo que a que não os tem feito começou a ministrar aulas na rede municipal há menos tempo que as outras. A maioria dos cursos de formação continuada é disponibilizada pela prefeitura através da Secretaria de Educação do Município e ministrados no Cemepe – Centro Municipal de Estudos e Projetos Julieta Diniz, com algumas exceções que se referem aos cursos promovidos pela UFU - Universidade Federal de Uberlândia também em parceria com o Cemepe. Os cursos de formação continuada freqüentados pelas professoras variam segundo os horários que as mesmas possuem disponíveis, seus interesses e a oferta anual dos cursos, observando-se também que os mesmos têm duração mínima de dois meses em média, de acordo com as professoras. Nesse aspecto é importante destacar que, tal como se observa nas escolas e nos cursos de formação inicial de professores para as séries iniciais do ensino fundamental, a partir dos relatos das professoras, nos cursos de formação continuada também são priorizadas as áreas de matemática e alfabetização. 3.1 Necessidades e dificuldades vividas na prática pelas professoras Pode-se afirmar que, no geral, para os professores que possuem formação docente em outros cursos que não o de Geografia não é fácil trabalhar com os conceitos cartográficos. A partir dos relatos obtidos nas entrevistas, assim como durante as reuniões realizadas e o acompanhamento de atividades em sala de aula, foi possível saber das necessidades e dificuldades reais das professoras ao abordarem os conteúdos de geografia e cartografia. Além da formação recebida insuficiente para tratar dos conhecimentos específicos, foram apontadas outras causas que podem comprometer ou dificultar o ensino e, por conseguinte, a aprendizagem dos alunos, segundo as entrevistadas. As dificuldades enfrentadas pelas professoras, de forma geral, concentram-se nas metodologias e nos conteúdos específicos do ensino de cartografia, não contemplados na formação inicial das mesmas. Sendo assim, as professoras se sentem inseguras, pouco confiantes para ensinar tais conteúdos, devido aos conhecimentos insuficientes em relação aos mesmos. Isso faz com que, em geral, não trabalhem em aula os conteúdos de cartografia ou abordem os mesmos de forma superficial, não desenvolvendo no aluno os conhecimentos básicos esperados, reproduzindo nos mesmos as lacunas da sua formação docente. Foi relatado que devido a essas dificuldades dentro da disciplina de geografia e se referindo especialmente à cartografia, as professoras trabalham os mapas somente para dar ao aluno uma noção de localização, expondo os mapas e pedindo, por exemplo, para que os alunos localizem o município de Uberlândia no estado de Minas Gerais e este no Brasil. Aplicam atividades que utilizam mapas para serem coloridos pelos alunos de acordo com a legenda, nas quais as cores representam, por exemplo, a divisão político-administrativa, mas não discutindo o que realmente significa essa divisão, como se dá e porque ela acontece dessa forma. Desse modo, ficam comprometidos o ensino, e logo, a aprendizagem dos alunos, tanto dos significados dos conteúdos representados nos mapas e como dos mapas enquanto conteúdos de ensino. Além das dificuldades relativas aos conhecimentos específicos enfrentadas pelas professoras, decorrentes de um formação insuficiente, também foi relatado e pôde ser observado em outras situações na escola, anteriores às entrevistas, que para trabalharem os conteúdos de cartografia em sala de aula elas também enfrentam a falta de material didático apropriado, principalmente para a abordagem do espaço local, envolvendo o município e seus os distritos, os bairros que compõem a cidade, a zona urbana e a zona rural, os municípios vizinhos, entre outros temas que constituem os conteúdos centrais propostos para as séries iniciais pelas Diretrizes Básicas do Ensino de Geografia (UBERLÂNDIA, 2003) como referencial curricular oficial do Município e que a escola procura seguir, como citado anteriormente. Para cumprir o programa de ensino e na tentativa de suprir a falta desses materiais didáticos sem se prender ao uso restrito e exclusivo do livro didático, as professoras recorrem a materiais que circulam entre professores e escolas diferentes, nem sempre adequados para as necessidades didáticas do ensino, como aqueles reunidos na coletânea elaborada na escola com mapas, textos, reportagens, gráficos. Em suma, as dificuldades apresentadas se originam no modo como os conhecimentos foram abordados ou não na formação inicial das professoras e na falta de materiais didáticos apropriados que abordem os conteúdos do ensino relacionados ao espaço local através de diferentes linguagens e de forma adequada para o ensino e a aprendizagem nas séries iniciais da escola fundamental. Considerações finais Com as observações feitas na escola, a análise dos programas de ensino e das entrevistas com as professoras, foi possível constatar a importante influência da formação inicial na prática educativa das professoras no tocante aos conteúdos de cartografia especificamente. Foi observado que as educadoras não demonstram a mesma segurança ao discutirem o ensino de cartografia no currículo de geografia quando comparado a outros temas da disciplina. Fato que foi confirmado posteriormente com as entrevistas individuais, considerando que as participantes relataram também que os conhecimentos cartográficos envolvidos no currículo de geografia não são tratados pela maioria dos educadores das séries iniciais do ensino fundamental na maioria das escolas municipais de Uberlândia. Algumas dificuldades apontadas pelos professores para a concretização do currículo proposto estão ligadas aos conhecimentos específicos de cartografia e geografia e aos conhecimentos didático-curriculares, sendo que essas dificuldades são originadas nos modos como estes conhecimentos foram abordados ou não na formação inicial dos professores, fazendo com que os mesmos optem pelo uso do livro didático como principal ou único meio para o ensino em sala de aula. No entanto, diante das novas orientações metodológicas e propostas curriculares, os livros didáticos revelam uma limitação para tratar os conteúdos relacionados ao espaço local através de diferentes linguagens no ensino. Tem-se aí uma dificuldade para a concretização do currículo relacionada a materiais didáticos adequados para as necessidades curriculares. Em relação a esses materiais, as alternativas encontradas pelas escolas nem sempre atendem as exigências do conhecimento sistematizado pelas áreas, no caso, a Cartografia e a Geografia, e que serve de referência para os conteúdos curriculares, o que pode acabar comprometendo a legitimidade sócio-cultural e institucional dos conhecimentos escolares. Nas atuais orientações curriculares são propostos conteúdos, materiais e procedimentos metodológicos que por vezes se tornam de difícil aplicação por parte dos professores, pois os conhecimentos necessários para tal não foram contemplados na formação inicial desses docentes. Os professores chamados regentes de classe, que ministram aulas de diferentes áreas ou disciplinas para as séries iniciais do ensino fundamental, necessitam dominar conhecimentos que se referem aos mapas e às metodologias específicas necessárias para o ensino destes para que possam desenvolver os procedimentos metodológicos adequados ao aprendizado dos alunos. Por esse motivo não é difícil encontrar situações em que os conteúdos cartográficos não são tratados em sala de aula pelos professores, já que o mesmo possui uma formação deficiente e, portanto, o ensino dos conteúdos de cartografia é dificultado, o que, por conseguinte, prejudica a formação básica dos alunos. Essa situação, verificada a partir de quatro casos particulares em uma mesma escola, mas com indícios de que podem ser expressão de uma realidade bem mais ampla e comum, pode nos explicar, por um lado, uma possível causa da ausência dos conteúdos de cartografia no ensino de geografia nas séries iniciais da escola fundamental, e, ao mesmo tempo, indica a necessidade premente de buscar melhor qualidade para a formação docente na área para essa etapa da escolarização. REFERÊNCIAS: ANDRÉ, Marli Eliza D. A.. Etnografia da prática escolar. 9.a ed.. Campinas, SP: Papirus, 2003. BRASIL (País). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia. 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