UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR UNIDADE CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA DE CIÊNCIAS DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELECTROMECÂNICA EFEITOS TERAPÊUTICOS E APLICAÇÕES MÉDICAS DA ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA CARLOS MANUEL PEREIRA CABRITA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 2008 Dedicado à memória de James Clerk Maxwell (Edimburgo, 13 de Junho de 1831 – Cambridge, 5 de Novembro de 1879) e a Nikola Tesla (Similjan, Sérvia, 10 de Julho de 1856 – New York, 7 de Janeiro de 1943). Ao primeiro, porque representa um dos expoentes máximos da capacidade intelectual da humanidade e, ao deduzir as suas equações, fez confluir entre si os fenómenos eléctricos e magnéticos, dando origem ao electromagnetismo, que, por sua vez, permitiu o nascimento no seio da ciência da indústria determinante da nossa civilização – exactamente a indústria electrotécnica. Ao segundo, porque, ao inventar o motor trifásico de indução e o transformador, e ao prever as comunicações sem fios, é muito justamente considerado o fundador da indústria electrotécnica. i PREFÁCIO Assim como o carvão representou a base energética da Primeira Revolução Industrial, a Electricidade é o combustível invisível da vida moderna. O aumento descomunal da utilização da electricidade prova, indubitavelmente, que a energia eléctrica tem um papel essencial na nossa sociedade, ao ponto de ser impensável imaginar-se o quotidiano actual sem se ter acesso a essa fonte energética. Sem dúvida que as tecnologias associadas ao electromagnetismo têm vindo a tornar a nossa vida bastante mais fácil, podendo afirmar-se que, por exemplo, a vida familiar e pessoal seria impossível sem a existência de electrodomésticos e dos equipamentos multimédia de lazer. Por outro lado, o desenvolvimento das telecomunicações e dos sistemas informáticos tem vindo a permitir a comunicação fácil e directa entre pessoas individuais, grupos e colectividades, sejam elas citadinas ou rurais. Todavia, a par de todas estas vantagens e benefícios altamente significativos, a electricidade apresenta os seus próprios riscos, muitos deles de extrema gravidade, como sucede com as electrocussões por contacto directo ou indirecto com condutores ou cabos eléctricos. Adicionalmente, a utilização da energia eléctrica resulta na geração de campos eléctricos e de campos electromagnéticos, ou seja, de campos electromagnéticos, que, ao cabo e ao resto, representam forças naturais invisíveis e encontram-se presentes sempre que exista electricidade. Contudo, os campos electromagnéticos são parte integrante e essencial da nossa vida, devido à sua presença em numerosas aplicações, o que obriga a uma exposição permanente que poderá conduzir ao aparecimento de efeitos biológicos nocivos e adversos. Poder-se-á afirmar que, desde o nascimento da indústria electrotécnica, nos finais do Século XIX, os seres vivos encontram-se rodeados de campos electromagnéticos criados pela própria humanidade, devido ao rápido desenvolvimento das centrais e redes de transporte de energia eléctrica, da rádio e da televisão, do radar, das comunicações celulares, dos electrodomésticos, dos equipamentos multimédia, e dos computadores, entre toda uma panóplia de sistemas que seria exaustivo descrever. ii A influência dos campos electromagnéticos em sistemas biológicos nasceu praticamente com Hipócrates, e tem vindo a ser estudada através da história, com muito mais realce, como não poderia deixar de ser, nos tempos modernos, devido aos efeitos nocivos eventualmente causados pelas antenas de comunicações e pelas linhas de alta tensão de transporte de energia eléctrica. Estes estudos continuarão a ser realizados e, por serem bastante complexos, obrigarão à constituição de equipas multi e inter-disciplinares, onde participarão médicos, biomédicos, engenheiros, biólogos, técnicos de saúde pública, técnicos de ambiente, e gestores de avaliação de situações de risco. Apesar dos potenciais riscos para a saúde, derivados da exposição a campos electromagnéticos, estes mesmos campos electromagnéticos são aproveitados não só para fins terapêuticos – estimulação magnética transcraniana; regeneração de fracturas ósseas por meio de campos eléctricos e de campos magnéticos; eliminação de tumores cancerígenos através de hipertermia, de eléctrodos de rádio-frequência, e de radioterapia –, mas também como meio de diagnóstico através da imagiologia – radiologia, tomografia computorizada, angiografia, urologia, mamografia, e ressonância magnética. A unidade curricular a que se destina este segundo livro de apoio, representa exactamente um bom exemplo da miscigenação entre medicina, biomedicina e engenharia electrotécnica, e apresenta os seguintes objectivos, a seguir discriminados: • Descrição e compreensão dos fenómenos inerentes ao espaço electromagnético, através das quatro equações de Maxwell, que englobam em si todas as leis relacionadas com a electrostática, a corrente eléctrica, o campo magnético variável, e a indução electromagnética. • Descrição sucinta das fontes geradoras de campos eléctricos, de campos magnéticos, e de radiação de rádio-frequência. • Descrição e compreensão dos mecanismos de acção dos campos electromagnéticos sobre os sistemas biológicos. • Descrição e compreensão das bases para a modelização matemática relacionada com a absorção da energia dos campos electromagnéticos por parte dos sistemas biológicos. iii • Descrição e compreensão dos efeitos biológicos dos campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência e das rádio-frequências. • Descrição e análise dos efeitos terapêuticos dos campos electromagnéticos. • Descrição das medidas a adoptar, como prevenção das acções nocivas dos campos electromagnéticos. • Enumeração da regulamentação de segurança e de protecção, internacional assim como de diversos países, contra a exposição a radiações. Por outro lado, com a aprovação na unidade curricular em questão, os alunos adquirirão as seguintes competências profissionais, técnicas e científicas: • Capacidade para descrever os fenómenos inerentes ao campo electromagnético, através da recorrência às equações de Maxwell. • Capacidade para definir as vias a seguir conducentes à modelização matemática relacionada com a absorção da energia da rádio-frequência e dos campos electromagnéticos de muito baixa frequência por parte dos sistemas biológicos. • Capacidade para enumerar e discernir os tipos de equipamentos, industriais, domésticos, e utilizados em electromedicina, emissores de radiação electromagnética. • Capacidade para descrever e enumerar os mecanismos e os efeitos da radiação electromagnética nos sistemas biofísicos. • Conhecimento das publicações internacionais – livros e revistas científicas e técnicas –, que expõem e divulgam os mais recentes resultados de investigação sobre este tema. • Conhecimento das regras e linhas de acção internacionais, de protecção contra os efeitos nocivos da exposição às radiações electromagnéticas. • Capacidade para formar e integrar equipas multidisciplinares com médicos e engenheiros electrotécnicos, com a finalidade de procurarem soluções técnicas com vista à protecção contra a exposição a radiações. iv • Capacidade para promover e desenvolver estudos, individualmente e em equipa, que procurem relacionar determinados tipos de doenças e anomalias com a exposição a radiações. • Capacidade para elaborar relatórios técnicos, que descrevam e explicitem os modos de assinalar os equipamentos potencialmente perigosos, assim como as medidas preventivas a adoptar. • Capacidade para integrar equipas de projecto de unidades hospitalares, onde existam equipamentos de electromedicina, com a finalidade de melhor localizar esses equipamentos. • Capacidade para participar em equipas de projecto e manutenção de equipamento electromédico. No que respeita à estrutura organizativa deste livro, ele contém cinco capítulos, onde se abordam, de uma forma aprofundada, os seguintes assuntos: Capítulo 1. Electromagnetismo Define-se campo eléctrico e apresentam-se alguns aspectos relacionados com a electrostática. Define-se igualmente campo magnético e, da mesma forma, apresentam-se alguns aspectos do estudo da magnetostática. Como base da origem dos campos electromagnéticos, expõe-se ainda o fenómeno da indução electromagnética, descoberto e comprovado praticamente em simultâneo pelo americano Joseph Henry e pelo inglês Michael Faraday, no Século XIX. Por outro lado, na medida em que reúnem em si todos os fenómenos do campo eléctrico e do campo magnético, estudam-se as quatro equações de Maxwell na forma integral, que é a de mais simples compreensão e, na sua sequência, cita-se a energia electromagnética, definindo-se e apresentando-se o vector de Poynting. Continuando com a teoria do electromagnetismo, estabelece-se a relação entre os campos electromagnéticos e a radiação, apresentando-se o espectro das frequências, expondo-se ao mesmo tempo os conceitos de radiação não-ionizante e de radiação ionizante. A terminar, descrevem-se as interacções entre os campos electromagnéticos e os materiais biológicos mais importantes – as células e os tecidos humanos. v Capítulo 2. Penetração do Campo Eléctrico e do Campo Magnético nos Tecidos Biológicos No que respeita à exposição a campos electromagnéticos de frequências reduzidíssimas, sobretudo em corrente contínua e em corrente alternada à frequência comercial de 50 Hz, devido ao facto da energia dos fotões ser extremamente reduzida, é possível separar entre si o campo eléctrico e o campo magnético. Como tal, e atendendo ainda a que os efeitos biofísicos destes dois campos são diferenciados, com base no electromagnetismo apresenta-se neste capítulo um estudo analítico relativo ao campo eléctrico estacionário (invariante no tempo), ao campo eléctrico quase estacionário (alternado sinusoidal, a frequências muito próximas de 50 Hz), ao campo magnético estacionário, e ao campo magnético quase estacionário, com a finalidade de se quantificar os respectivos rácios entre os campos incidentes (campos externos) e os campos absorvidos (campos internos), demonstrandose que, de um modo geral, que os campos absorvidos representam apenas uma fracção ínfima dos campos incidentes. Ainda com o objectivo de desfazer alguns mitos populares e jornalísticos sem quaisquer fundamentos científicos, apresentam-se, em termos comparativos, os níveis de exposição a campos eléctricos e magnéticos relativos a linhas de alta tensão, a instalações eléctricas de distribuição em baixa tensão, e a electrodomésticos. Por outro lado, e devido às recentes polémicas e contestações que se têm vindo a acentuar relativamente à exposição a campos eléctricos e magnéticos emitidos por linhas de alta tensão, apresentam-se igualmente diversos resultados respeitantes aos níveis de exposição a esses campos, em função da distância a linhas de alta e muito alta tensão. Capítulo 3. Bioelectromagnetismo Os efeitos nocivos da exposição a campos electromagnéticos encontram-se directamente relacionados com os mecanismos de interacção entre esses campos e os tecidos biológicos. Como tal, estudam-se as propriedades eléctricas dos materiais biológicos, descrevendo-se os modelos microscópico e macroscópico. Estuda-se ainda em detalhe os mecanismos de propagação, vi através das Equações de Maxwell, e de absorção das ondas electromagnéticas de rádio-frequência nos tecidos biológicos – condução térmica, radiação, convecção, e transpiração, apresentando-se como exemplificação as características eléctricas de diversos materiais biológicos, como sejam os músculos, a gordura, a água, o sangue, e os tumores cancerígenos. Capítulo 4. Dosimetria dos Campos Electromagnéticos Incidentes Na prática, torna-se essencial saber determinar os níveis de exposição a radiações de rádio-frequência, não só do ponto de vista teórico mas também sob a óptica experimental. Assim sendo, apresentam-se as metodologias de cálculo teórico da densidade de potência em locais muito próximos da fonte emissora assim como em locais afastados, e da intensidade dos campos electromagnéticos. Descrevem-se igualmente, de forma pormenorizada, as técnicas de medição habituais e normalizadas – tempo médio de exposição, valores médios espaciais, locais com frequências múltiplas –, complementando-se as exposições teóricas através de exemplos práticos. Por outro lado, atendendo a que a exposição a antenas de transmissões celulares tem vindo a ser alvo de polémicas, tal como as linhas de alta tensão, descreve-se em pormenor todo um conjunto de procedimentos de segurança a adoptar no que respeita à instalação dessas antenas. Capítulo 5. Dosimetria dos Campos Electromagnéticos Internos Na sequência dos estudos teórico-práticos desenvolvidos no Capítulo 2, apresenta-se neste capítulo a taxa de absorção específica SAR, assim como a descrição pormenorizada de todos os parâmetros associados, como sejam a polarização, a frequência, a dimensão e a forma dos objectos sujeitos a radiação, e as propriedades eléctricas dos tecidos biológicos. Descrevem-se igualmente as técnicas teóricas e experimentais de dosimetria dos campos internos, assim como, em termos particulares, da dosimetria associada aos telefones celulares, apresentando-se alguns resultados obtidos experimentalmente. Para finalizar, descrevem-se os procedimentos respeitantes à vigilância das emissões em estações de transmissões celulares. vii Capítulo 6. Efeitos Terapêuticos da Energia Electromagnética Diversos estudos experimentais de biologia confirmam que os campos electromagnéticos de frequência extremamente reduzida, podem ter um profundo efeito numa gama variada de sistemas biológicos, incluindo fracturas ósseas e osteoporose. Por outro lado, a característica que aqueles campos electromagnéticos apresentam de induzirem efeitos biofísicos, parece residir no conteúdo da informação da própria forma de onda, daí que se possa talvez justificar em parte a sensibilidade dos sistemas biofísicos a esses campos, motivada pela interacção com os mecanismos de controlo presentes nas células. Todavia, esses mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, ainda estão por explicar, continuando o debate acerca dos perigos potenciais do valor terapêutico dos campos electromagnéticos de reduzida intensidade, até que esses mecanismos sejam clarificados. Apesar disso, a energia electromagnética é utilizada, de um modo cada vez mais intensivo, com fins terapêuticos, no tratamento de fracturas, da osteoporose, e da esclerose múltipla, como se descreve neste capítulo. Por outro lado, descrevem-se igualmente os efeitos terapêuticos relacionados com o aquecimento derivado da energia das radiações de rádio-frequência, no tratamento e ablação de determinados tipos de tumores e carcinomas, expondo-se ainda as modernas técnicas de radioterapia, baseadas na utilização de protões de hidrogénio e de iões de carbono. Capítulo 7. Aplicações Médicas da Energia Electromagnética A imagiologia é uma das especialidades clínicas que mais depende da ciência física e da tecnologia em engenharia, e encontra-se directamente relacionada com o aproveitamento dos campos electromagnéticos como meio de diagnóstico fiável e seguro. Assim sendo, neste capítulo apresentam-se alguns conceitos relacionados com a radiação e a sua medição e protecção, sob a óptica clínica, e descrevem-se as bases físicas das diferentes técnicas, como sejam a radiologia convencional, a fluoroscopia, a radiografia digital, a angiografia, a tomografia computorizada, a ressonância magnética, a medicina nuclear, e a mamografia, apresentando-se diversos equipamentos. viii Bibliografia Este livro complementa um outro, por nós realizado e indicado na bibliografia, e, devido à elevada quantidade e variedade de temas abordados e expostos, parecem-nos ser suficientes para que os alunos compreendam toda a problemática relacionada com os efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos, assim como das suas aplicações médicas e terapêuticas. Quanto aos restantes livros citados, contêm uma enorme variedade de assuntos interessantíssimos, apresentados na maioria das situações com uma profundidade científica notável, e poderão pontualmente contribuir para a formação especializada dos alunos, daí que se aconselhe que, no seu processo de auto-aprendizagem complementar, sejam consultados, na medida em que poderão esclarecer dúvidas e, ao mesmo tempo, indicar linhas orientadores de investigação futura. ix ÍNDICE CAPÍTULO 1. ELECTROMAGNETISMO 1 1.1. GRANDEZAS E UNIDADES 1 1.1.1. Grandezas Escalares e Vectoriais 1 1.1.2. Sistema de Unidades 2 1.2. CAMPO ELECTROMAGNÉTICO 3 1.2.1. Grandezas do Campo 3 1.2.2. Campo Eléctrico 5 1.2.3. Campo Magnético 12 1.3. INDUÇÃO ELECTROMAGNÉTICA 16 1.4. EQUAÇÕES DE MAXWELL 18 1.5. ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA 23 1.6. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E RADIAÇÕES 24 1.7. ESPECTRO DAS FREQUÊNCIAS ELECTROMAGNÉTICAS 27 1.7.1. Radiação Não Ionizante 28 a) Campos Electromagnéticos de Frequência Extremamente Reduzida 28 b) Radiação de Rádio-Frequência 29 c) Radiação Óptica Não Coerente 29 1.7.2. Radiação Ionizante 31 a) Raios X 32 b) Raios Gama 32 1.8. MATERIAIS BIOLÓGICOS 33 1.8.1. Células 33 1.8.2. Tecidos 35 1.9. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E RISCOS PARA A SAÚDE 36 CAPÍTULO 2. PENETRAÇÃO DO CAMPO ELÉCTRICO E DO CAMPO MAGNÉTICO NOS TECIDOS BIOLÓGICOS 43 2.1. CAMPO ELÉCTRICO ESTACIONÁRIO 43 2.2. CAMPO ELÉCTRICO QUASE ESTACIONÁRIO 47 x 2.3. CAMPO MAGNÉTICO ESTACIONÁRIO 50 2.4. CAMPO MAGNÉTICO QUASE ESTACIONÁRIO 52 2.5. CAMPOS ELÉCTRICOS E MAGNÉTICOS EM LINHAS DE TRANSPORTE DE ENERGIA 55 CAPÍTULO 3. BIOELECTROMAGNETISMO 61 3.1. INTRODUÇÃO 61 3.2. PROPRIEDADES ELECTROMAGNÉTICAS DOS MATERIAIS BIOLÓGICOS 61 3.2.1. Modelo Microscópico 62 3.2.2. Modelo Macroscópico 63 3.3. PROPAGAÇÃO ATRAVÉS DE MATERIAIS BIOLÓGICOS 68 3.4. ABSORÇÃO EM MATERIAIS BIOLÓGICOS 72 CAPÍTULO 4. DOSIMETRIA DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS INCIDENTES 75 4.1. INTRODUÇÃO 75 4.2. CÁLCULOS TEÓRICOS 76 4.2.1. Densidade de Potência 76 a) Região próxima da fonte 77 b) Região afastada da fonte 78 4.2.2. Intensidade do Campo 4.3. TÉCNICAS DE MEDIÇÃO 79 80 4.3.1. Tempo Médio de Exposição 81 4.3.2. Valores Médios Espaciais 83 4.3.3. Locais com Frequências Múltiplas 84 4.4. PROCEDIMENTOS DE SEGURANÇA 85 CAPÍTULO 5. DOSIMETRIA DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS INTERNOS 88 5.1. INTRODUÇÃO 88 5.2. TAXA DE ABSORÇÃO ESPECÍFICA SAR 89 xi 5.2.1. Tipos de SAR e Parâmetros Associados 89 a) Polarização 89 b) Frequência 90 c) Dimensão e Forma dos Objectos 91 d) Propriedades Eléctricas dos Tecidos 93 5.2.2. Estimativa da SAR 93 5.3. DOSIMETRIA TEÓRICA 95 5.4. DOSIMETRIA EXPERIMENTAL 96 5.5. DOSIMETRIA EM TELEFONES CELULARES 96 5.5.1. Potência Transmitida 96 5.5.2. Investigações sobre a SAR 97 5.5.3. Sensação de Calor 98 5.5.4. Procedimentos de Precaução 98 5.6. VIGILÂNCIA DE ESTAÇÕES CELULARES DE BASE 100 CAPÍTULO 6. EFEITOS TERAPÊUTICOS DA ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA 106 6.1. INTRODUÇÃO 106 6.2. ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA TMS 109 6.3. MAGNETO-ENCEFALOGRAFIA MEG 110 6.4. TRATAMENTO DE FRACTURAS ÓSSEAS 111 6.5. TRATAMENTO DA OSTEOPOROSE 115 6.6. TRATAMENTO DA ESCLEROSE MÚLTIPLA 117 6.7. TRATAMENTO DE DISTÚRBIOS DO SISTEMA NEUROLÓGICO 119 6.8. HIPERTERMIA 121 6.8.1. Hipertermia Local 125 6.8.2. Hipertermia Regional 128 6.8.3. Hipertermia de Corpo Inteiro 129 6.8.4. Hipertermia Extracelular 130 6.8.5. Equipamentos de Aquecimento 131 a) Técnicas 131 b) Dispositivos Externos de Rádio-Frequência 131 c) Dispositivos Externos de Radiação Electromagnética 132 xii d) Dispositivos Interesticiais e Intracavidades 133 e) Dispositivos baseados em Nanotecnologia 134 6.8.6. Hipertermia e outras Terapêuticas 134 a) Hipertermia e Radiação 135 b) Hipertermia e Quimioterapia 135 c) Hipertermia e Radioquimioterapia 136 d) Hipertermia e Terapia Genética 136 6.8.7. Estado Actual e Tendências Futuras 137 6.9. ABLAÇÃO POR RÁDIO-FREQUÊNCIA 139 6.9.1. Aplicações Clínicas 139 6.9.2. Considerações Técnicas 141 6.9.3. Vantagens Clínicas 143 6.9.4. Limitações e Complicações 143 6.10. ABLAÇÃO POR MICROONDAS 145 6.10.1. Aplicações Clínicas 145 6.10.2. Considerações Técnicas 147 6.10.3. Vantagens Clínicas 148 6.10.4. Limitações e Complicações 149 6.11. RADIOTERAPIA 151 6.12. TERAPIA DE PARTÍCULAS 153 6.13. EFEITOS SECUNDÁRIOS 157 6.13.1. Fisiologia dos Tecidos 157 6.13.2. Resposta Celular 159 6.13.3. Efeitos Imunológicos 159 6.13.4. Resposta Cardiovascular 160 6.13.5. Resposta do Sistema Nervoso 160 6.13.6. Efeitos Cancerígenos 161 CAPÍTULO 7. APLICAÇÕES MÉDICAS DA ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA 162 7.1. INTRODUÇÃO 162 7.2. BASES FÍSICAS 163 7.2.1. Radiação a) Medição da Radiação 163 163 xiii b) Protecção contra as Radiações 7.2.2. Radiologia 165 167 a) Tubo de Raios X e Radiologia Convencional 167 b) Fluoroscopia 168 c) Radiografia Digital 169 7.2.3. Tomografia Computorizada 171 7.2.4. Ressonância Magnética 173 7.2.5. Medicina Nuclear 176 7.3. ANGIOGRAFIA DIAGNÓSTICA 178 7.4. MAMOGRAFIA 180 7.5. TOMOGRAFIA COMPUTORIZADA 183 7.6. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA 187 7.7. OBSERVAÇÕES FINAIS. ECOGRAFIA 189 7.8. TECNOLOGIA TERAHERTZ 193 BIBLIOGRAFIA 196 ANEXO. REGULAMENTOS DE SEGURANÇA 201 A.1. FREQUÊNCIAS EXTREMAMENTE REDUZIDAS 201 A.1.1. Institute of Electrical and Electronics Engineers IEEE 205 A.1.2. National Radiological Protection Board NRPB 205 A.1.3. International Commission on Nonionizing Radiation Protection ICNIRP 206 A.1.4. Normas Suecas 207 A.1.5. Normas Alemãs 209 A.1.6. American Conference of Governmental Industrial Hygienists ACGIH 209 A.1.7. Restrições 211 A.2. RADIAÇÃO DE RÁDIO-FREQUÊNCIA 213 A.2.1. Norma ANSI/IEEE C95.1 214 A.2.2. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 1966 215 A.2.3. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 1974 215 A.2.4. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 1982 215 A.2.5. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 1992 216 A.2.6. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 2005 218 A.2.7. Relatório NCRP nº 86 – 1986 218 A.2.8. Relatório NCRP nº 86 – 1993 219 xiv A.2.9. Normas ACGIH 220 A.2.10. Normas da FCC 221 A.2.11. Normas Canadianas 222 A.2.12. Normas Japonesas 224 A.2.13. Normas Chinesas 224 A.2.14. Normas Australianas e Neo-Zelandezas 224 A.2.15. Normas Russas e da Europa de Leste 225 A.2.16. Normas da IRPA 227 A.2.17. Normas da ICNIRP 227 A.2.18. Norma CENELEC EN 50392 : 2004 228 A.2.19. Regulamentação na União Europeia 228 A.2.20. Factores de Segurança 231 A.2.21. Taxa de Absorção Específica 231 xv CAPÍTULO 1. ELECTROMAGNETISMO 1.1. GRANDEZAS E UNIDADES Ao longo deste livro de apoio, utilizam-se frequentemente as expressões Campo Electromagnético e Radiação, que convém explicitar em termos dos seus significados físicos. Assim sendo, o Espaço Electromagnético, definido pela primeira vez pelo cientista escocês James Clerk Maxwell, representa todo o espaço físico onde, por sua vez, em todos os seus pontos se manifestam fenómenos eléctricos e magnéticos, quantificados essencialmente através dos vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético, sendo o Campo Electromagnético a interacção entre esses dois vectores. Como exemplo pode-se citar o caso de um simples motor eléctrico que equipa um electrodoméstico em que, no interior dos seus condutores, existe um campo eléctrico e, no seu circuito magnético nos troços no ferro e no ar, manifesta-se a existência de um campo magnético. Por outro lado, sob determinadas circunstâncias que serão descritas ao longo do texto, os campos electromagnéticos produzem ondas, que radiam a partir das suas fontes, daí a existência do vocábulo Radiação Electromagnética ou simplesmente Radiação. Como exemplo evidente, tem-se a radiação provocada pelas antenas de comunicações móveis e de rádio e televisão. Como se verá um pouco mais à frente, a interacção entre os campos eléctrico e magnético é descrita através das denominadas Equações de Maxwell, que permitem estudar e analisar todos os fenómenos, estáticos e variáveis no tempo, que se manifestam no espaço electromagnético. 1.1.1. Grandezas Escalares e Vectoriais Como é sabido da matemática e da física, uma grandeza que tem apenas magnitude e sinal algébrico, é designada por grandeza escalar ou simplesmente por escalar, como sucede por exemplo com o tempo t, a massa m, a potência P, e a energia W. Por outro lado, as grandezas que, além de possuírem magnitude, são ainda caracterizadas por apresentarem uma direcção e um sentido, são designadas por grandezas vectoriais ou simples- 1 r r mente por vectores. É o caso, por exemplo, da velocidade V , da força F , e do r vector densidade de fluxo eléctrico D . Como é habitual e do conhecimento geral, os vectores serão sempre representados em itálico encimados por um pequeno segmento com uma seta na sua extremidade direita, enquanto que o seu módulo, ou magnitude, será sempre representada pelo mesmo símbolo, r mas sem o segmento superior – por exemplo, B representa o vector densidade de fluxo magnético, enquanto que B é o seu módulo. Saliente-se que, no estudo do campo electromagnético, utilizam-se diversas grandezas escalares e vectoriais, como se verá de seguida. 1.1.2. Sistema de Unidades Na prática, a medição de qualquer grandeza física deverá sempre ser expressa através de um número seguido por uma unidade, unidade essa que é uma normalização através da qual uma dimensão pode ser expressa numericamente. Os sistemas de unidades são usualmente definidos através de siglas, que têm como significado as iniciais das unidades das suas grandezas fundamentais, tendo coexistido até há relativamente poucos anos, três sistemas de unidades: • Sistema CGS: grandezas fundamentais – comprimento, massa, tempo unidades – centímetro, grama-massa, segundo • Sistema prático ou gravitatório MKpS: grandezas fundamentais – comprimento, peso, tempo unidades – metro, kilograma-peso, segundo • Sistema MKS: grandezas fundamentais – comprimento, massa, tempo unidades – metro, kilograma-massa, segundo Note-se que o sistema MKS, introduzido por Giorgi em 1901, representa exactamente o Sistema Internacional de Unidades SI, adoptado universalmente com as siglas MKSA, devido à introdução da sigla A que representa a unidade Ampére da grandeza fundamental intensidade da corrente eléctrica. Este 2 sistema recomenda ainda que os múltiplos e os submúltiplos de todas as unidades sejam escritos em passos (steps) de 103 e de 10-3. 1.2. CAMPO ELECTROMAGNÉTICO 1.2.1. Grandezas do Campo Como o seu próprio nome indica, o campo electromagnético é um espaço físico onde coexistem, em interacção, campos eléctricos e campos magnéticos, podendo ser criados artificialmente, por exemplo, em sistemas de produção, transporte e utilização de energia eléctrica, através dos geradores, dos transformadores, das linhas aéreas ou dos cabos subterrâneos de transporte, das instalações eléctricas de baixa tensão domésticas e industriais, e por todos os receptores que utilizam essa energia, tendo esses campos origem na existência e no movimento de cargas eléctricas. Convém igualmente salientar que os campos electromagnéticos criados artificialmente encontram-se sempre presentes onde quer que existam equipamentos eléctricos, sejam electrodomésticos, motores eléctricos, antenas, ou equipamentos médicos. No nosso meio ambiente, existem igualmente campos electromagnéticos, de origem natural, como o próprio campo magnético terrestre, as tempestades com trovoadas, e as conhecidas auroras boreais, provocadas pela interacção entre o vento solar e o campo magnético do planeta. Apesar do campo electromagnético existir, não é possível ver nem sentir de forma directa a existência de campos eléctricos e de campos magnéticos, sendo no entanto possível medi-los e avaliá-los. Por exemplo, um simples condutor de uma instalação eléctrica doméstica em baixa tensão, sujeito a uma diferença de potencial que origine um movimento de cargas eléctricas no seu interior, será sede não só de um campo eléctrico devido ao movimento das cargas mas também de um campo magnético concêntrico – ou seja, este condutor, assim como todo o espaço envolvente, representam um espaço electromagnético. A energia electromagnética, artificialmente gerada por equipamentos e que se propaga através de ondas, interage não só com outros equipamentos geradores de ondas similares, podendo provocar anomalias – daí a importância crescente dos estudos sobre incompatibilidades electromagnéticas (veja-se a influência dos telefones celulares sobre os pacemakers cardíacos) –, mas 3 também sobre os sistemas biológicos, daí que seja essencial a compreensão de alguns conceitos físicos, que se apresentam seguidamente, para que se possa analisar e entender os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os materiais biológicos. Apesar das investigações iniciais dessa interacção se terem centrado essencialmente nos efeitos resultantes das exposições a campos de elevada intensidade, os estudos actuais debruçam-se cada vez mais sobre todas as possibilidades, incluindo a influência de campos electromagnéticos muito reduzidos. Apesar de, no espaço electromagnético, coexistirem campos eléctricos e campos magnéticos, muito provavelmente os efeitos biofísicos provocados por estes dois tipos de campos serão bastante diferenciados. Quanto às grandezas que caracterizam o campo electromagnético, elas são as seguintes, tanto vectoriais como escalares: • r Vector densidade de fluxo eléctrico ou vector deslocamento eléctrico D , de módulo densidade de fluxo eléctrico ou deslocamento eléctrico D. r • Vector densidade de corrente J , de módulo densidade de corrente J. • Vector densidade de fluxo magnético B , de módulo densidade de fluxo r B. • r Vector intensidade do campo eléctrico E , de módulo intensidade do campo eléctrico E. • r Vector intensidade do campo magnético H , de módulo intensidade do campo magnético H. • Constante dieléctrica, ou permitividade, do meio (material) dieléctrico ε. O seu valor no vazio é ε0 = 8,854 x 10-12 farads/metro (F/m). • Condutividade eléctrica do meio (material) condutor σ. • Permeabilidade magnética do meio (material) magnético μ. O seu valor no vazio é μ0 = 4 π x 10-7 henries/metro (H/m). Outra constante importante utilizada em electromagnetismo, é a velocidade de propagação das ondas electromagnéticas no vazio (velocidade da luz no vazio), c = 3 x 108 metros/segundo (m/s). Na disciplina científica electromagnetismo, é canónico efectuar-se o estudo da electrostática (cargas eléctricas e 4 campo eléctrico invariantes no tempo), da corrente eléctrica estacionária (corrente contínua, em que as grandezas intervenientes são invariantes no tempo), da magnetostática (campo magnético gerado por corrente contínua, sendo as grandezas intervenientes igualmente invariantes no tempo), e dos campos eléctricos e magnéticos variáveis no tempo. Como se verá um pouco mais à frente, estes estudos têm todos eles como base as 4 Equações de Maxwell, que serão apresentadas de uma forma generalizada, mas que, para cada estudo concreto, são particularizadas. Um outro aspecto importante, para que se fique com a noção clara de que existem similaridades entre a electrostática, a corrente eléctrica estacionária e a magnetostática, consiste exactamente na apresentação dessas similaridades não só entre grandezas vectoriais mas também entre grandezas escalares, como se mostra no quadro 1.1. Estudo Grandezas vectoriais Grandezas escalares Electrostática E D ε Corrente Estacionária E J σ Magnetostática H B µ Quadro 1.1 – Grandezas características do campo electromagnético e similaridades entre elas. 1.2.2. Campo Eléctrico Como é sabido, o átomo é electricamente neutro, sendo constituído por um núcleo com protões, isto é, cargas eléctricas positivas, e por electrões, ou seja cargas eléctricas negativas, que, em número igual aos protões, giram em órbitas em torno do núcleo. Estas cargas eléctricas encontram-se presentes no vácuo, no ar e no interior de condutores – quando os electrões se movimentam no interior dos condutores e cabos eléctricos, tem-se a conhecida corrente eléctrica; porém essas cargas podem-se movimentar no espaço de um local para outro, criando assim a denominada electricidade estática, cujos efeitos são por nós conhecidos, como por exemplo quando os nossos cabelos se dispõem de uma forma erecta perante um objecto electrizado ou quando se “apanha” um pequeno choque eléctrico ao tocar-se na estrutura metálica de um 5 automóvel. Outro exemplo típico, natural, consiste nas trovoadas, em que as nuvens, ao movimentarem-se na atmosfera, ficam carregadas fortemente com cargas eléctricas, devido ao atrito com o ar. Sempre que existam cargas eléctricas em movimento no interior de um condutor, ou quando há cargas eléctricas de sinal contrário, separadas entre si, existirá um vector intensidade do campo eléctrico E, que permite definir e avaliar a diferença de potencial, ou tensão eléctrica, U, devida a essa separação de cargas. Esta tensão, entre dois pontos do espaço ou entre dois pontos de um condutor, pontos esses que se encontram, genericamente, aos potencias eléctricos absolutos V1 e V2, é definida matematicamente como r sendo a circulação do vector intensidade do campo eléctrico E entre esses dois pontos, ou seja: U =V1 −V2 = r r ∫s E • ds sendo ds o vector de definição do caminho de circulação do vector campo eléctrico. Se estes dois vectores forem colineares, isto é, se tiverem a mesma direcção e o mesmo sentido, como sucede entre as armaduras paralelas de um condensador plano ou no interior de um condutor eléctrico, ao resolver-se o integral obtém-se: U = V1 − V2 = E s sendo s, em metros (m), a distância entre os pontos 1 e 2. Esta tensão eléctrica, expressa em joules/coulomb (J/C), equivalente em termos dimensionais ao volt (V), representa o trabalho necessário para mover uma unidade de carga eléctrica entre aqueles dois pontos 1 e 2. Como se constata, através da última expressão, quanto mais elevada for a tensão eléctrica ou quanto mais próximas estiverem as cargas entre si, mais intenso será o campo eléctrico, cuja intensidade tem como unidade o newton/coulomb (N/C), dimensionalmente equivalente ao volt/metro (V/m). Basicamente, os campos eléctricos podem ser representados de uma forma gráfica, como se mostra na figura 1.1, considerando apenas uma única carga (a), em que as linhas de força do vector campo eléctrico são radiais, ou então considerando duas armaduras planas, paralelas, carregadas com cargas eléctricas de sinais contrários (b). 6 Figura 1.1 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico: (a) – devidas a uma única carga eléctrica (b) – devidas a duas armaduras paralelas (condensador). Por sua vez, na figura 1.2 mostra-se o campo eléctrico na zona envolvente do coração humano, destacando-se as linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico assim como as linhas equipotenciais, isto é, as linhas cujos pontos se encontram todas elas ao mesmo potencial. Note-se que se têm duas cargas eléctricas iguais, mas de sinal contrário, constituindo o que se designa por dipolo eléctrico. Figura 1.2 – Linhas de força do campo eléctrico e linhas equipotenciais no coração humano. Por outro lado, observa-se ainda que as linhas equipotenciais são perpendiculares às linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e, além disso, quanto mais próximas essas linhas equipotenciais se encontram das respectivas cargas mais elevado é o valor do potencial eléctrico. 7 Este facto deve-se à seguinte expressão: r E = − ∇V em que ∇ é um operador vectorial diferencial, conhecido da análise matemática, representando ∇V o gradiente do potencial eléctrico V. Por conseguinte, esta expressão diz-nos, por um lado, que as linhas equipotenciais são perpendiculares às linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico, e, por outro, que o vector intensidade do campo eléctrico tem o sentido dos potenciais eléctricos decrescentes. Nas figuras 1.3 e 1.4 são visíveis estas constatações. Figura 1.3 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e linhas equipotenciais, entre duas cargas iguais (140 pC), mas de sinais contrários. 8 Figura 1.4 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e linhas equipotenciais, entre duas cargas iguais (140 pC), e com o mesmo sinal. Relativamente à figura 1.3, conclui-se que cargas eléctricas com sinais contrarios repelem-se, enquanto que, como se pode ver na figura 1.4, cargas com o mesmo sinal atraem-se. Se, em lugar de cargas eléctricas, se tivessem por exemplo condutores eléctricos rectilíneos percorridos por correntes eléctricas invariantes no tempo, com a mesma intensidade, circulando com sentidos contrários ou com o mesmo sentido, os mapas apresentados seriam rigorosamente iguais, com a única diferença de que, em lugar da carga eléctrica Q, expressa em coulombs (C), se teria a intensidade de corrente eléctrica I, cuja unidade é o ampere (A), dimensionalmente idêntica ao coulomb por segundo (C/s). Saliente-se que este fenómeno, de atracção ou de repulsão entre condutores percorridos por correntes eléctricas, foi pela primeira vez descoberto e explicado pelo físico e matemático francês André-Marie Ampére, em 1820. 9 Do exposto anteriormente, constata-se assim que, quanto mais próximo nos encontrarmos de linhas áreas de transporte de energia eléctrica, de alta e muito alta tensão, por exemplo 110 - 220 - 750 kV, mais intensos são os campos eléctricos, daí os eventuais riscos inerentes da exposição a esses campos eléctricos. Na figura 1.5 mostram-se as linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico electrostático, bem como as respectivas linhas equipotenciais, no espaço abaixo de uma nuvem de trovoada, carregada de cargas eléctricas. Nesta mesma figura desenhou-se uma figura humana assim como uma trincheira no solo, constatando-se, por um lado, que o campo eléctrico no fundo da trincheira é inferior a 2000 V/m, enquanto que, na cabeça do humano, é sensivelmente igual a 100000 V/m. Por conseguinte, durante a trovoada, o risco de electrocussão do humano, ao manter-se em pé, é elevadíssimo, ao passo que, se se deitar no chão da trincheira, é praticamente nulo (veja-se o conselho que se encontra escrito na filactera). Este desenho comprova cientificamente os sábios conselhos populares, a adoptar em campo aberto durante as trovoadas, adquiridos empiricamente mas contudo correctos, de que nunca se deve ficar em pé ou abrigarmo-nos debaixo de árvores, durante aquele tipo de intempéries. Figura 1.5 – Mapa das linhas de força do campo eléctrico electrostático (verticais), e das equipotenciais (horizontais, na perpendicular), debaixo de uma núvem de trovoada. 10 Por sua vez, na figura 1.6 mostram-se os campos eléctricos e as equipotenciais electrostáticas da atmosfera, numa situação de céu pouco nublado e com condições propícias ao aparecimento de trovoadas, sendo de salientar que o solo e a electrosfera constituem um enorme condensador de armaduras paralelas. As nuvens mais carregadas (cumulo-nimbus), propícias ao desencadear de trovoadas, comportam-se como um potente gerador de cargas eléctricas, que vão carregando aquele condensador, deslocando-se as cargas eléctricas positivas para a electrosfera e as cargas negativas para a parte inferior dessas nuvens, concluindo-se que o campo eléctrico é bastante intenso. Em contrapartida, quando as condições climatéricas são amenas (céu limpo, nuvens fracto-cumulus), os campos eléctricos são bastante reduzidos, e dirigem-se exclusivamente para o solo. Figura 1.6 – Campo eléctrico e equipotencias na atmosfera, em condições de céu pouco nublado e de aparecimento de trovoadas. Em electrostática, se se tiver um meio dieléctrico com uma constante dieléctrica, ou permitividade, ε, em F/m, onde existam cargas eléctricas estáticas, a relação entre a intensidade do campo eléctrico E (V/m) e a densidade de fluxo eléctrico, ou deslocamento eléctrico, D (C/m2), é dada pela seguinte expressão vectorial: r r D =ε E 11 Note-se que D representa uma medida do campo eléctrico em termos da carga eléctrica equivalente por unidade de superfície. Por outro lado, na prática, os materiais dieléctricos são os materiais isolantes utilizados em electrotecnia. Nas situações em que os vectores densidade de fluxo eléctrico e intensidade do campo eléctrico são colineares, pode-se escrever: D =ε E Quanto à constante dieléctrica, é ainda usual definir-se a constante eléctrica relativa εr, adimensional, tomando como referência a constante dieléctrica do vazio, ou seja: εr = ε ε0 Para a maioria dos materiais biológicos, os valores desta constante relativa situa-se entre 1 (como para o vácuo) e cerca de 80. Conforme se salientou anteriormente, o movimento de cargas eléctricas no interior de um condutor, origina o aparecimento de uma corrente eléctrica. Assim sendo, a relação entre a intensidade do campo eléctrico e a densidade de corrente no interior do meio condutor, é expressa através da seguinte expressão: r r J =σ E sendo a condutividade eléctrica do meio (material) condutor σ expressa em amperes/volt/metro (A/V/m), dimensionalmente equivalente a 1/ohm/metro (1/Ω/m). Havendo colinearidade entre os dois vectores, pode-se ainda escrever: J =σ E 1.2.3. Campo Magnético No sub-capítulo anterior, o campo eléctrico foi estudado por meio de uma força de carácter eléctrico entre cargas, que actua sobre uma linha estabelecida entre essas cargas. Com o movimento de cargas eléctricas, outro tipo de força é exercida ao longo dessa linha entre cargas. 12 Esta força é representada através do vector intensidade do campo magnético r H , o qual é devido às cargas eléctricas em movimento no espaço ou no interior de condutores. Este vector, cujo módulo é H, expresso em amperes/metro (A/m), é perpendicular à direcção da corrente eléctrica, e descreve círculos concêntricos em torno do eixo longitudinal do condutor, como se esquematiza na figura 1.7. Por conseguinte, sempre que existam condutores percorridos por correntes eléctricas, estacionárias ou variáveis no tempo, existirão igualmente campos magnéticos no espaço envolvente, também estacionários ou variáveis no tempo. Ou seja, quem estiver próximo de linhas aéreas ou subterrâneas de transporte de energia, ou mesmo em instalações domésticas ou industriais, estará exposto a campos magnéticos e, consequentemente, aos seus possíveis efeitos adversos. Figura 1.7 – Linhas de força circulares do vector intensidade do campo magnético, originadas pela corrente eléctrica que circula no interior do condutor. Por conseguinte, existem campos magnéticos significativos gerados por centrais eléctricas, linhas de transporte de energia, subestações eléctricas, transformadores, catenárias de linhas ferroviárias eléctricas, painéis e anúncios eléctricos, motores, e electrodomésticos, campos esses que facilmente penetram noutros materiais, incluindo os tecidos humanos. Em geral, os campos electromagnéticos são bastante intensos junto às fontes que lhes dão origem, e diminuem bastante à medida que nos afastamos dessas fontes. Por outro lado, as pessoas não sentem directamente a presença dos campos electromagnéticos, todavia, quando a sua intensidade é elevada, podem causar uma sensação visual tremeluzente, temporária, denominada magnetophosphenes, que desaparece assim que a fonte do campo magnético é removida. 13 Quando um campo magnético, caracterizado pelo vector intensidade do campo magnético, penetra através de uma superfície seccional de um meio (material) magnético, de permeabilidade μ, como se esquematiza na figura 1.8, o vector densidade de fluxo magnético através dessa superfície é dado pela seguinte expressão: r r B=μH em que a densidade de fluxo é expressa em webers/metro quadrado (Wb/m2), unidade esta que é equivalente ao tesla (T), em homenagem ao físico e engenheiro Nikola Tesla. Existindo colinearidade entre os dois vectores, pode-se ainda escrever: B=μH Tal como em relação à constante dieléctrica, é usual definir-se a permeabilidade magnética relativa, tomando como base a permeabilidade magnética absoluta do vazio, ou seja: μr = μ μ0 Do ponto de vista do seu comportamento face aos campos magnéticos, os materiais são classificados em 3 categorias distintas: • Materiais diamagnéticos: A sua permeabilidade relativa é ligeiramente inferior à unidade, como é o caso do bismuto (0,99983), da prata (0,99998), e do cobre (0,999991). • Materiais paramagnéticos: A sua permeabilidade relativa é ligeiramente superior à unidade, como é o caso do ar (1,0000004), do alumínio (1,00002), e do palladium (1,0008). • Materiais ferromagnéticos: A sua permeabilidade relativa é bastante elevada, como é o caso do níquel (600), do ferro (5000), e do supermalloy (1000000). Na prática, os materiais são classificados em não-ferromagnéticos (diamagné- ticos e paramagnéticos), uma vez que a sua permeabilidade relativa se pode considerar igual à unidade, isto é, μr = 1, e em ferromagnéticos, com μr >> 1. 14 O fluxo magnético φ, expresso em webers (Wb), através de uma superfície de área S, expressa em metros quadrados (m2), conforme se representa na figura 1.8, é definido como sendo a totalidade da densidade de fluxo magnético através dessa superfície S. Supondo que as linhas de força do vector densidade de fluxo magnético são perpendiculares à superfície, tem-se: φ =BS = μ H S B área S Figura 1.8 – Linhas de força do vector densidade de fluxo magnético B através de uma superfície de área S. Como exemplificação, esquematiza-se na figura 1.9 o espectro das linhas de força do campo magnético gerado por um magneto permanente rectilíneo. Figura 1.9 – Distribuição de linhas de força do campo magnético, de um magneto permanente. 15 1.3. INDUÇÃO ELECTROMAGNÉTICA A magnetostática, como se compreende, representa o estudo do campo magnético com origem na corrente eléctrica estacionária, isto é, na corrente contínua. Como tal, todas as grandezas intervenientes, eléctricas e magnéticas, são invariantes no tempo. A magnetostática abrange igualmente o estudo dos materiais magnéticos permanentes, que possuem um campo magnético também ele invariante no tempo, não havendo a presença de correntes eléctricas estacionárias. Todavia, quando um condutor ou um enrolamento eléctrico se encontram sob a acção de um campo magnético estacionário no tempo, esse condutor ou esse enrolamento permanecerão inertes, isto é, não será gerada qualquer força electromotriz e, consequentemente, corrente eléctrica estacionária. Contudo, em 1831, em Londres, o físico inglês Michael Faraday descobriu que os campos magnéticos variáveis no tempo geram correntes eléctricas em circuitos fechados, também variáveis no tempo, desde que esses circuitos se encontrassem sujeitos à acção desses campos magnéticos. Este mesmo fenómeno, conhecido por indução electromagnética, foi igualmente constatado, quase em simultâneo mas de uma forma independente, pelo físico americano Joseph Henry, em Albany, no Estado de New York. Na prática, esse fenómeno é conhecido universalmente por Lei de Indução de Faraday, lei esta que é considerada como das mais importantes da história da humanidade, na medida em que representa a base teórica e científica para a construção, por exemplo, de geradores, motores, transformadores, e fornos de indução. Faraday, na sua investigação, concluiu que a intensidade da corrente induzida no circuito fechado é proporcional não ao fluxo que abraça, mas sim à taxa de variação negativa desse mesmo fluxo em ordem ao tempo. Para melhor compreensão, considere-se uma espira de condutor eléctrico, de forma rectangular, com um comprimento total s e com uma área total S, conforme se esquematiza na figura 1.10, sujeita à acção de um campo magnético variável no tempo, caracterizado pelo fluxo φ, perpendicular à superfície. Atendendo a que o campo magnético é variável no tempo, gera-se um vector intensidade do campo eléctrico no interior do condutor da espira, de módulo E também 16 variável no tempo, sendo assim a força electromotriz induzida na espira, f.e.m., variável no tempo, dada pela expressão: E ind = ∫s r r E • ds = E s φ S s Eind Figura 1.10 – Esquematização da Lei de Indução de Faraday. Por outro lado, o valor instantâneo desta f.e.m. é também dado pela seguinte expressão, que traduz, na sua forma original, a Lei de Indução de Faraday: E ind = − dφ dt Como o valor instantâneo do fluxo magnético φ, através da totalidade da superfície S da espira, é dado por: φ =BS ter-se-á, finalmente: E ind = − d (BS ) dt Analisando esta expressão geral da lei de indução, conclui-se o seguinte: • Se B for invariante no tempo, e se a espira for mecanicamente indeformável (S constante), a f.e.m. induzida é nula. 17 • Se B for variável no tempo e se a espira não se deformar, existe f.e.m. induzida, que tem a designação de f.e.m. estática ou de transformação, e é característica dos transformadores eléctricos. E ind = − S • dB dt Se B for invariante no tempo, mas se a superfície da espira for variável ou se rodar em torno do seu eixo de simetria longitudinal, existe f.e.m. induzida, que se designa por f.e.m. dinâmica ou de rotação, e representa a base da existência de geradores e motores eléctricos de corrente contínua e de corrente alternada. E ind = − B • dS dt Se B for variável no tempo e, em simultâneo, se a superfície da espira for variável ou se rodar em torno do seu eixo de simetria longitudinal, existe f.e.m. induzida, com as duas parcelas anteriores – estática e dinâmica. É característica dos motores de corrente contínua a trabalharem em corrente alternada, como é o caso dos pequenos motores que equipam diversos electrodomésticos. E ind = − S dB dS −B dt dt 1.4. EQUAÇÕES DE MAXWELL Como se estudou anteriormente, um campo eléctrico produz sempre um campo magnético e, inversamente, um campo magnético variável no tempo produz sempre um campo eléctrico. Esta interacção entre os campos eléctricos e os campos magnéticos dá origem a uma região do espaço físico designada por campo electromagnético, em que todos os seus fenómenos são traduzidos matematicamente pelas 4 Equações de Maxwell que, na forma diferencial, apresentam o seguinte aspecto, considerando os campos variáveis no tempo: 18 r r ∂B ∇×E = − ∂t r r r ∂D ∇×H = J + ∂t r ∇ •B = 0 r ∇ •D = ρ Nestas equações, e como já se salientou anteriormente, ∇ é um operador vectorial, representando ∇ • um produto interno ou escalar (divergência), e ∇ x um produto externo ou vectorial (rotacional). Por outro lado, ρ representa a densidade de cargas eléctricas estáticas em volume, expressa em coulombs por metro cúbico (C/m3). A primeira destas equações relaciona o rotacional do campo eléctrico num ponto do espaço com a variação da densidade de fluxo nesse mesmo ponto do espaço. Fisicamente, esta equação mais não é que a forma diferencial da lei de indução de Faraday. A segunda equação relaciona o rotacional do vector intensidade do campo magnético num ponto do espaço, com a densidade de corrente nesse mesmo ponto, compreendendo o segundo membro duas parcelas, representando a primeira o vector densidade de corrente de condução num meio condutor, e a segunda, a densidade de corrente de deslocamento num meio dieléctrico (lei de Ampére). As correntes de deslocamento surgem em qualquer dieléctrico desde que exista uma variação com o tempo do campo eléctrico. Note-se que as cargas eléctricas que se movimentam livremente no interior de um material sob a acção de um campo eléctrico designam-se por cargas livres, e que, sob a acção desse campo, deslocam-se livremente nos condutores, dando origem às correntes eléctricas de condução. Por outro lado, as cargas ligadas são cargas eléctricas que fazem parte da estrutura de alguns materiais e que são mantidas em determinadas posições por acção das forças de coesão moleculares, sendo o número de cargas ligadas positivas igual ao número de cargas ligadas negativas. Os materiais assim caracterizados são designados 19 por dieléctricos, ou materiais isolantes. Deste modo, quando um material isolante fica sujeito à acção de um campo eléctrico, as cargas ligadas positivas deslocar-se-ão no sentido dos potenciais decrescentes, enquanto que as cargas ligadas negativas se deslocarão no sentido contrário, isto é, dos potenciais crescentes, gerando assim as correntes de deslocamento eléctrico. Por conseguinte, devido à acção do campo eléctrico as cargas ficarão distribuídas à superfície do material, como sucede nos condensadores. Quanto à terceira equação, ela exprime a continuidade do fluxo magnético, isto é, diz-nos que as linhas de força do campo magnético fecham-se sobre si próprias (lei de Gauss para o campo magnético). Finalmente, a quarta equação relaciona a divergência do vector densidade de fluxo eléctrico com a densidade volumétrica de cargas estáticas (lei de Gauss para o campo eléctrico). Adicionalmente, existem ainda mais 3 expressões, já expostas e analisadas anteriormente, e que representam as denominadas equações de constituição dos meios (materiais), respectivamente isolantes, condutores e magnéticos: r r D =ε E r r J =σ E r r B=μH sendo de salientar que a segunda das equações representa a Lei de Ohm na forma diferencial. Se se particularizarem as Equações de Maxwell para a electrostática, para a corrente eléctrica estacionária, e para a magnetostática, obtêm-se, respectivamente, as seguintes equações: • Electrostática – como não existem correntes de condução e campos magnéticos, tem-se: r ∇×E = 0 r ∇ •D = ρ r r D =ε E 20 • Corrente Eléctrica Estacionária – como não existem correntes eléctricas de deslocamento nem campos magnéticos, tem-se: r ∇×E = 0 r r J =σ E • Magnetostática – como não existem correntes de deslocamento nem campos eléctricos, e a densidade de fluxo é invariante no tempo, tem-se: r r ∇×H = J r ∇ •B = 0 r r B=μH No estudo da corrente eléctrica estacionária, isto é, da corrente contínua, existe uma outra equação vectorial afim, r ∇•J =0 que explicita que as linhas de força do vector densidade de corrente são contínuas, fechando-se sobre si próprias. Ou seja, num circuito eléctrico não se verificam perdas na intensidade de corrente – por exemplo, se um determinado receptor necessitar de uma intensidade de corrente de 10 A para poder funcionar, quando se aplica aos terminais desse receptor a respectiva tensão eléctrica, a corrente que circulará nos condutores de ligação terá sempre a mesma intensidade, quer seja medida no condutor a montante ou no condutor a jusante desse receptor. Nas suas investigações, Maxwell concluiu que a luz mais não era que uma onda de propagação, composta de electricidade e magnetismo, predizendo assim a existência de ondas electromagnéticas a propagarem-se à velocidade da luz. O próprio Albert Einstein baseou-se nos trabalhos de Maxwell, prematuramente desaparecido, e que poderia ter desenvolvido a teoria da relatividade. Sem dúvida que o seu trabalho foi, a todos os títulos, notável e merecedor do Prémio Nobel, se tal já existisse no seu tempo. 21 Como informação complementar, que consideramos importante, na figura 1.11 mostra-se o campo magnético terrestre, simétrico, enquanto que, na figura 1.12, se pode observar a deformação causada pela radiação solar (vento solar). Figura 1.11 – Campo magnético terrestre, simétrico. Figura 1.12 – Deformação do campo magnético terrestre, devido à acção da radiação solar. 22 1.5. ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA É sabido, da teoria dos circuitos eléctricos, que a potência P, expressa em watts (W), é igual ao produto da tensão eléctrica U, em volts (V), pela intensidade da corrente eléctrica I, em ampéres (A). Como a potência representa a taxa de variação da energia em jogo na unidade de tempo, a sua unidade (W) corresponde ao joule por segundo (J/s). Na prática, é também usual considerar-se a densidade de potência, isto é, a densidade de fluxo de potência, expressa em watts por metro quadrado (W/m2), e que representa a distri- buição de potência por uma determinada área. O fenómeno da energia electromagnética poder ser transmitida através do espaço sem se recorrer a meios materiais condutores, é uma das ferramentas de progresso mais importantes das modernas sociedades. Por conseguinte, há que contabilizar a potência tendo em atenção esse fenómeno, o que é feito r através do vector de Poynting P , definido através do produto externo ou vectorial dos vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético, associados a uma onda de energia electromagnética: r r r P = E ×H A sua unidade é o (V/m) x (A/m) = (W/m2), sendo a sua direcção a da onda electromagnética. Este vector, perpendicular ao plano definido pelos vectores campo eléctrico e campo magnético, representa a densidade de potência vectorial instantânea associada aos campos electromagnéticos num determinado ponto, sendo função do tempo na medida em que o campo eléctrico e o campo magnético são igualmente variáveis no tempo. Por outro lado, a integração do vector de Poynting ao longo de uma superfície fechada conduz à potência total que flui através dessa superfície (teorema de Poynting). Atendendo a que a energia electromagnética está associada directamente aos r r vectores E e H , existe um efeito sobre as partículas atómicas carregadas electricamente, sobretudo os electrões, devido às suas massas serem reduzidíssimas. Adicionalmente, todas as partículas carregadas, que estejam em movimento, possuem um campo eléctrico e um campo magnético a elas associados. Por conseguinte, existe uma interacção entre os campos electromagnéticos exteriores e os campos electromagnéticos associados a essas par- 23 ticulas em movimento, resultando não só na alteração do campo eléctrico e do campo magnético das partículas, mas também no aumento da sua energia cinética. A absorção de energia por um meio (material) é definida como sendo a taxa específica de absorção, conhecida universalmente por specific absorption rate SAR, e que é igual ao quociente entre a taxa de energia transferida e a massa do material, sendo a sua unidade o watt por kilograma (W/kg). Para um campo electromagnético forçado, de forma sinusoidal, a SAR é dada pela seguinte expressão, para cada ponto do material: SAR = ( σ + ω ε ) sendo E2 υ ω a frequência angular eléctrica do campo (rad/s), e υ a densidade de massa do material, em kg/m3. A SAR total de um corpo é obtida por média aritmética dos valores das SAR calculados para todos os pontos do corpo. Atendendo a que o vector de Poynting resulta do produto vectorial entre os vectores campo eléctrico e campo magnético, constata-se que, para que esse vector não seja nulo, ou seja, para que a potência transmitida através do campo electromagnético exista, as direcções dos campos eléctrico e magnético não podem ser paralelas, sendo essa potência máxima quando os campos forem perpendiculares. Na prática, a potência transmitida é igualmente nula quando um dos campos não existe, como sucede na vizinhança de cargas eléctricas estáticas, devido à não existência de campo magnético. 1.6. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E RADIAÇÕES r r Para campos electromagnéticos variáveis no tempo, os vectores E e H são dependentes entre si, podendo contudo ser independentes em determinadas situações. Na prática, para frequências de 20 - 30 kHz e superiores, os campos eléctricos e magnéticos não podem ser entendidos separadamente, ou seja, deverão ser estudados como um todo, que é a onda electromagnética. Estas ondas, previstas por Maxwell, através das suas equações, e tendo sido pela primeira vez investigadas pelo físico alemão Heinrich Hertz, podem propagar-se livremente no espaço e com perdas através dos materiais biológicos. 24 As ondas electromagnéticas de baixa frequência (tempo de período e comprimento de onda elevados) são usualmente referidas como sendo campos electromagnéticos, enquanto que as ondas electromagnéticas de muito alta frequência (tempo de período e comprimento de onda muito reduzidos) são designadas por radiação electromagnética ou simplesmente por radiação. Como se salientou anteriormente, as ondas electromagnéticas contêm um campo eléctrico E e um campo magnético H, perpendiculares à direcção de propagação das ondas, como se esquematiza na figura 1.13, propagação essa que, no vácuo e aproximadamente no ar, se faz à velocidade da luz, isto é, a c = 300 000 000 m/s, sendo a velocidade de propagação mais reduzida noutros materiais como por exemplo os tecidos biológicos. Quanto mais reduzido é o comprimento de onda, mais elevada é a quantidade de energia que é transferida para objectos similares em dimensão ao comprimento de onda. Figura 1.13 – Onda electromagnética, com os seus campos eléctrico e magnético, a deslocar-se ao longo do eixo z. Todas estas ondas são caracterizadas pelo tempo de período T, em segundos, pela frequência f, em hertzs, e pelo comprimento de onda λ, em metros, sendo usual exprimir a frequência apenas em hertzs para as ondas de muito reduzida frequência, como por exemplo na produção, distribuição e utilização de energia eléctrica, enquanto que, para as ondas de radiação electromagnética, ou seja, de muito alta frequência, se utilizam os múltiplos kilohertz (1 kHz = 103 Hz), 25 Megahertz (1 MHz = 106 Hz), e Gigahertz (1 GHz = 109 Hz). Por exemplo, as ondas de rádio AM (modulação de amplitude, Amplitude Modulation) têm uma frequência de 1 MHz e um comprimento de onda de cerca de 300 metros, enquanto que as microondas utilizam uma frequência de 2,45 GHz, à qual corresponde um comprimento de onda de 12 cm. Note-se que a frequência da onda é, como se torna evidente, bastante superior à frequência da modulação da sua amplitude. A frequência e o tempo de período encontram-se relacionados através da seguinte expressão: T= 1 f enquanto que o comprimento de onda no vazio (e, aproximadamente, no ar), está relacionado com a frequência por meio da seguinte expressão: λ= c f As ondas electromagnéticas consistem em minúsculos corpúsculos de energia, que são os fotões, sendo a energia de cada fotão proporcional à frequência da onda, de acordo com a seguinte expressão: Energia (e V) = h f representando o primeiro membro essa energia, em electrões volts (eV), e h a constante de Planck, com o valor de 4,135667 x 10-15 eVs. Recorde-se que o electrão volt é a variação de energia potencial a que fica sujeito um electrão quando se movimenta de um ponto ao potencial V para outro ponto ao potencial V+1 volt. Por outro lado, a quantidade de energia de um fotão por vezes torna-o como que uma onda, enquanto que noutras, mais como uma partícula – é um fenómeno que, na física, tem a designação de dualidade onda- partícula da luz. Como exemplo desta dualidade, os fotões de baixa energia das ondas de rádio-frequência comportam-se mais como se fossem ondas, enquanto que os fotões de alta energia dos raios X se assemelham mais a partículas. 26 1.7. ESPECTRO DAS FREQUÊNCIAS ELECTROMAGNÉTICAS A evolução do espectro das frequências electromagnéticas nasceu com as descobertas de Maxwell, Hertz e Marconi, espectro esse que, actualmente, tem a configuração classificativa que se expõe na figura 1.14. Figura 1.14 – Espectro das frequências electromagnéticas. 27 Este espectro, que exemplifica para cada gama alguns equipamentos e sistemas típicos, estende-se das extremamente reduzidas frequências (extremely low-frequency ELF) e muito reduzidas frequências (very-low frequency VLF), à radiação de rádio-frequência (radio frequency radiation RFR), à radiação infravermelha (infrared radiation IR), à luz visível, à radiação ultravioleta (ultraviolet UV), aos raios X, e aos raios gama de frequências que excedem 1024 Hz. Por outro lado, este espectro está ainda dividido em duas zonas – radiação não ionizante, e radiação ionizante, encontrando-se a separação sensivelmente na zona da radiação ultravioleta. 1.7.1. Radiação Não Ionizante Esta radiação é caracterizada pelo facto de não possuir energia suficiente para causar a ionização em sistemas vivos. As fontes naturais – sol, radiação das estrelas, outras fontes cósmicas –, são muito poucas e extremamente fracas. Em contrapartida, com a explosão do desenvolvimento da engenharia electrotécnica, a densidade de energia electromagnética criada pelo homem é incomensuravelmente mais elevada que a energia electromagnética proveniente daquelas fontes naturais. Em geral, o sector não-ionizante do espectro das frequências electromagnéticas encontra-se dividido em três gamas principais: a) campos electromagnéticos de frequência extremamente reduzida, b) radiação de rádio-frequência, c) radiação óptica não coerente. a) Campos Electromagnéticos de Frequência Extremamente Reduzida Estes campos englobam todos aqueles cujas frequências não ultrapassam 3 kHz. Para esta gama de frequências, os comprimentos de onda no ar são bastante elevados – 6000 km a 50 Hz e 5000 km a 50 Hz – e, além disso, os campos eléctricos e magnéticos são independentes uns dos outros, sendo igualmente medidos separadamente. Estes campos são normalmente gerados por equipamentos de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, por equipamentos de comunicações estratégicas globais com submarinos imersos na água condutora, por toda a variedade de electrodomésticos e de equipamentos de escritório, por comboios eléctricos, por equipamento informático, e por motores eléctricos. Saliente-se que esta gama de frequências não é propícia para ser utilizada em 28 telecomunicações, devido à severa limitação de largura de banda e às dificuldades de se gerar energia através de antenas de dimensões razoáveis. b) Radiação de Rádio-Frequência Esta radiação, que é constituída por ondas electromagnéticas que se propagam no ar e no vácuo, e cujas frequências se situam entre 3 kHz e 300 GHz, são utilizadas em radar, comunicações por satélite, em rádio e televisão, em navegação aérea e marítima, em comunicações móveis sem fios, e em comunicações móveis celulares. A banda de frequências compreendida entre 30 kHz e 500 kHz, é designada por banda de baixa frequência (low-frequency LF), sendo utilizada essencialmente nas comunicações aéreas e marítimas. A banda de médias frequências (medium frequency MF), com comprimentos de onda inferiores a 200 metros, é normalmente utilizada por rádio-amadores, sendo a banda de altas frequências (high-frequency HF), entre 3 MHz e 30 MHz, aplicada nas comunicações internacionais tradicionais, por satélite. As bandas VHF e UHF, situadas entre 30 MHz e 3GHz, são especialmente utilizadas nas comunicações móveis sem fios, nas comunicações móveis celulares, e nas comunicações por satélite, encontrando-se as frequências das comunicações móveis celulares situadas nas gamas 800-900 MHz e 1700-2200 MHz. A frequência de 2,45 GHz é reservada para aplicações industriais, médicas e científicas, e para fornos microondas. Por outro lado, as frequências acima de 3 GHz são divididas em duas categorias – super altas frequências (3 GHz a 30 GHz) e extra altas frequências (30 GHz a 300 GHz) –, sendo utilizadas em radar, comunicações por rádio, e em serviços baseados em satélites. c) Radiação Óptica Não Coerente Conforme se pode constatar do espectro da figura 1.14, a fronteira entre este tipo de radiação e a radiação de rádio-frequência situa-se na zona dos comprimentos de onda de aproximadamente 1 mm. A radiação óptica é outra componente do espectro de frequências electromagnéticas em relação à qual os olhos humanos são bastante sensíveis, e compreende a radiação ultravioleta (UV) e a radiação infravermelha (IV). 29 Os raios ultravioletas (comprimentos de onda entre 5 nm e 380-400 nm), como é sabido, encontram-se presentes na luz solar, sendo igualmente gerados por diversas fontes artificiais, como por exemplo as lâmpadas e os monitores de TV e de computadores e, como é do domínio público, podem originar reacções fotoquímicas que conduzem a queimaduras graves e mesmo a cancros de pele (melanomas), quando a exposição é prolongada como sucede com os banhistas nas praias, com os trabalhadores rurais e com os trabalhadores da construção civil. Contudo, em doses de exposição muito reduzidas, têm efeitos benéficos na medida em que são responsáveis pela produção de vitamina D3, essencial à vida humana para se evitar o raquitismo. Por outro lado, estes raios, na sua maior parte, são retidos pela camada de ozono, que constitui uma protecção natural essencial contra os raios ultravioletas, daí a grande preocupação com a sua redução, vulgo “buracos de ozono” em linguagem popular. A região da radiação ultravioleta compreende, por sua vez, três sub-regiões classificadas em função dos valores dos comprimentos de onda e dos respectivos efeitos biológicos: • Ultravioletas A (UVA), com comprimentos de onda entre 400 nm e 315 nm, que originam fenómenos de fluorescência em diversas substâncias. • Ultravioletas B (UVB), com comprimentos de onda entre 315 nm e 280 nm, que são os mais perigosos que atingem a terra através dos raios solares. • Ultravioletas C (UVC), com comprimentos de onda inferiores a 280 nm, e que ocorrem na radiação emitida por arcos eléctricos de soldadura, não existindo contudo na luz solar que atinge a terra na medida em que são absorvidos pelo ar. Quanto à luz visível, recebida pelos olhos, que a transformam em impulsos interpretados pelo cérebro, abrange uma gama muito estreita de frequências, estando o seu comprimento de onda compreendido entre 400 nm e 740 nm. Por exemplo, o arco-íris, que tanta beleza nos transmite, representa uma parte da luz visível. Finalmente, a radiação infravermelha (IV), com comprimentos de onda situados entre 750 nm e 1 nm, inclui a radiação térmica, como sucede com o carvão em 30 combustão, que não emite luz mas sim IVs, os quais são sentidos como calor. Saliente-se que muitas das fontes emissoras de ultravioletas ou de luz visível, emitem também, provavelmente, infravermelhos. Estas fontes podem ser classificadas em naturais, como é o caso do sol, e em artificiais, caso das lâmpadas de descarga, as chamas, as lareiras, e os aquecedores eléctricos. A radiação infravermelha, tal como a ultravioleta, é subdividida em três bandas de acordo com os seus efeitos biológicos: • Infravermelhos A (IVA), com comprimentos de onda entre 0,78 μm e 1,4 μm. • Infravermelhos B (IVB), com comprimentos de onda entre 1,4 μm e 3 μm. • Infravermelhos C (IVC), com comprimentos de onda entre 3 μm e 1000 μm. 1.7.2. Radiação Ionizante Esta radiação comporta uma energia suficiente para conseguir remover electrões das suas órbitas atómicas, transformando os átomos em iões, daí a sua designação. Como exemplo de fonte de radiação ionizante, têm-se os núcleos de átomos instáveis que, para se tornarem mais estáveis, esses núcleos emitem partículas sub-atómicas e fotões de alta energia. Incluídos neste tipo de radiação, têm-se os raios X, os raios gama, e os raios cósmicos. Esta radiação de alta frequência, superior a 1015 Hz, é caracterizada por apresentar comprimentos de onda reduzidos e elevada energia, e pode causar alterações no equilíbrio químico das células, com consequências graves para os materiais genéticos. A radiação ionizante contém taxas elevadas de energia nos seus quanta de energia individuais – por exemplo, 12 eV ou mais –, tendo assim a capacidade de expelir electrões das órbitas atómicas, daí que seja extremamente perigosa para os seres vivos – cria radicais livres, aumentando assim os riscos de anomalias cromossómicas que poderão conduzir ao aparecimento de cancros. Note-se que, quando um átomo possui um número de electrões (cargas eléctricas negativas) nas suas órbitas, igual ao número de protões (cargas eléctricas positivas) do seu núcleo, a sua carga eléctrica total é nula, sendo 31 assim electricamente neutro. Todavia, quando adquire electrões a sua carga eléctrica total será negativa, tendo-se assim iões negativos e, no caso de perder electrões, ter-se-ão iões positivos, na medida em que a sua carga eléctrica total será positiva. Além disso, enquanto que os átomos, por serem electricamente neutros, não são nocivos, os iões, devido ao seu desequilíbrio eléctrico, são muito mais activos quimicamente que os átomos, daí que a radiação dita atómica – raios alfa, beta e gama –, é extremamente perigosa, podendo causar gravíssimos problemas de saúde a médio e longo prazo, em várias gerações, e causar a morte ao fim de muito pouco tempo. Veja-se as consequências das explosões atómicas em Hiroshima e Nagasaki, assim como do grave acidente na central atómica de Chernobyl. a) Raios X Estes raios, também designados por raios Roentgen, em homenagem ao seu descobridor, têm um comprimento de onda situado entre 10-9 m e 10-11 m, possuem energia elevada, e têm um largo poder de penetração, sendo produzidos quando os electrões situados num tubo de vácuo reagem com os átomos de metais pesados, usualmente o tungsténio. Os raios X possuem a capacidade de penetrarem nos tecidos vivos, assim como em diversos metais, daí as suas aplicações em electromedicina (radiografias), e em engenharia na inspecção de fendas superficiais em veios e em cordões de soldadura. Como fontes naturais, tem-se o sol assim como as restantes estrelas. b) Raios Gama Possuem os comprimentos de onda mais reduzidos do espectro das frequências electromagnéticas, situados entre 10-10 m e 10-14 m e, simultaneamente, são os que têm mais energia, sendo gerados por átomos rádioactivos e em explosões nucleares, apresentando um poder de penetração bastante superior ao dos raios X. Todos os elementos radioactivos criados pelo homem, como por exemplo o césio 137 e o plutónio 239, são fontes artificiais de raios gama. Estes raios conseguem atravessar totalmente o corpo humano ou serem absorvidos pelos tecidos, causando por conseguinte a morte de células em todo o corpo. Contudo, o facto de possuírem a capacidade de matarem células vivas, é aproveitado pela medicina oncológica para, em doses 32 muito reduzidas, eliminarem as células cancerosas – quimioterapia e radioterapia. 1.8. MATERIAIS BIOLÓGICOS Para que se possa não só analisar os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e o corpo humano, mas também compreender todos os efeitos indesejáveis desses campos, efeitos esses que, esporadicamente, também se designam por “poluição eléctrica ou electromagnética”, é fundamental conhecerem-se as características, ainda que de forma sucinta, das células e dos tecidos que compõem o nosso corpo. 1.8.1. Células Todos os seres humanos são formados por um conjunto de biliões de células vivas, que se agrupam entre si originando os nossos diversos órgãos, com a finalidade de desempenharem as funções vitais da vida humana. Como se sabe, existem células de diversas formas e tamanhos – por exemplo, as células musculares podem ter alguns milímetros de comprimento, enquanto que as células nervosas podem ter um comprimento superior a um metro –, tendo comummente apenas alguns mícrons de diâmetro. As células são constituídas, de uma forma geral, por uma fina membrana, que envolve toda a célula, pelo citoplasma, que é como que uma matéria gelatinosa encerrada na célula, e pelo núcleo. Contudo, nem todas as células possuem um núcleo. Por exemplo, algumas células musculares possuem vários, enquanto que as células que constituem os glóbulos vermelhos do sangue não possuem nenhum. No interior do citoplasma existem diversos tipos de pequenas estruturas designadas por organelos (organelles), com uma dimensão que varia de algumas fracções do mícron até um mícron, consequentemente com uma dimensão similar aos comprimentos de onda de determinadas ondas electromagnéticas, e que são responsáveis por determinadas funções metabólicas. As células biológicas, além de serem estruturas muito complexas, possuem ainda cargas eléctricas de elevada energia, que podem alterar a sua orientação e o seu movimento, quando sujeitas à acção de campos eléctricos exteriores, como se ilustra na figura 1.15, onde se constata que, devido ao campo eléctrico 33 E, as cargas eléctricas positivas alteram a sua distribuição, concentrando-se fortemente na zona da célula mais próxima da acção desse campo. Por conseguinte, as interacções entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos são analisadas através das células, mais concretamente através das interacções com a membrana celular, com o citoplasma, e com o núcleo. Figura 1.15 – Estrutura eléctrica da célula humana, e influência da acção de um campo eléctrico exterior (a) – distribuição de cargas eléctricas, em situação normal (b) – redistribuição de cargas eléctricas, devido ao campo eléctrico E O núcleo das células contém a maioria da informação hereditária contida nos genes e nos cromossomas, sendo os genes, como é sabido, constituídos pelo ácido desoxiribonucleico ADN (deoxyribonucleic acid DNA), que apresenta a forma de uma hélice. Quando uma célula se reproduz, utiliza toda a informação armazenada no material genético do núcleo, sendo este material codificado como uma longa sequência de diferentes moléculas orgânicas existentes no ADN que, por sua vez, controla muitas das actividades celulares através da sintetização de proteína, que, por sua vez, recorrendo às moléculas de ácido ribonucleico ARN (ribonucleic acid RNA), sintetizadas pelo ADN, transfere informação através do citoplasma das células, em três fases: • Transcrição: Formação do “mensageiro” ARN a partir do ADN. • Translação: Síntese da proteína, através do “mensageiro” ARN. • Replicação: Duplicação do ADN. 34 As células crescem, alteram-se e reproduzem-se através de um processo contínuo, denominado mitose (mitosis), que começa no núcleo através da duplicação e igual distribuição de cromossomas, e apresenta quatro fases: • Profase (prophase): Os cromossomas aparecem fora do ADN, desaparecendo a membrana à volta do núcleo. • Metafase (metaphase): Os cromossomas alinham-se ao longo do plano equatorial. • Anafase (anaphase): Os cromossomas separam-se. • Telofase (telophase): As células dão origem a duas novas células. As células sem núcleo não se conseguem dividir, enquanto que outras dão origem aos embriões. Uma vez que a mitose compreende diversos processos que podem ser afectados pela exposição a campos electromagnéticos, é dada uma grande importância no que respeita aos cuidados a ter pelas grávidas, relativamente a essa exposição. O estudo dos efeitos dos campos electromagnéticos sobre as diversas actividades dos cromossomas durante as quatro fases da mitose, deverá representar uma área muito importante de investigação, na medida em que, conhecendo-se os mecanismos de interacção, será possível combater os efeitos nocivos daqueles campos sobre o organismo humano. 1.8.2. Tecidos Os tecidos humanos são materiais biológicos que resultam do agrupamento de células entre si, ou da sua combinação com outros materiais, havendo quatro tipos básicos: • Tecidos epiteliais (epithelial tissues): Consistem em células com membranas simples ou múltiplas, e desempenham as funções de protecção e de regulação das secreções e absorções de materiais. • Tecidos conectivos (connective tissues): Consistem em células de materiais não vivos, tais como fibras e substâncias gelatinosas, e suportam e ligam os tecidos celulares ao esqueleto. Compreendem muitas das substâncias que asseguram a importante tarefa de 35 transportar materiais entre células. Como exemplos têm-se os ossos e as cartilagens. • Tecidos musculares (muscular tissues): Consistem em células com 1 nm a 40 nm de comprimento e até 40 μm de diâmetro. • Tecidos nervosos (nervous tissues): São utilizados para as actividades sensoriais, de controlo e de governo do corpo humano, consistindo em células nervosas com longas projecções, análogas a linhas de transmissão, que enviam toda a informação não só ao sistema nervoso central, oriunda dos receptores dispostos ao longo do corpo humano, mas também do sistema nervoso central aos músculos, órgãos, e glândulas. 1.9. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E RISCOS PARA A SAÚDE Será que a exposição a campos electromagnéticos acarreta riscos mais ou menos graves para a saúde? Apesar das evidências cada vez em maior número e cada vez mais baseadas em investigações científicas credíveis, parece não existir uma resposta concisa e concreta a essa pergunta, talvez por representar uma questão que tem levantado alguma controvérsia, técnica e científica, e mesmo pública. Os campos electromagnéticos são o exemplo flagrante de um produto criado e desenvolvido pela tecnologia, e que é utilizado diariamente por ser essencial e imprescindível à vida quotidiana actual, apesar dos eventuais riscos que possam acarretar. A discussão pública deve-se não só ao aumento de conhecimentos por parte do público em geral e da sua consciencialização para os problemas ambientais, mas também ao papel que os meios de comunicação social têm vindo a assumir, tendendo essa discussão para a seguinte questão crucial, que consiste em avaliar se os riscos que se correm compensam todos os benefícios colhidos. Sem dúvida que a utilização da energia eléctrica significa haver campos electromagnéticos criados pelo homem, desde as residências particulares, os locais de trabalho quer sejam escritórios ou fábricas, os meios de transporte quer sejam rodoviários ou ferroviários, e o próprio meio ambiente devido às telecomunicações e a antenas de outros sistemas, tendo os níveis de radiação vindo a ser considerados como normais. Todavia, a controvérsia que tem vindo a ser gerada assenta no pressuposto de que esses níveis são perigosos, 36 podendo causar um sem número de doenças e anomalias, mais ou menos graves, incluindo o cancro. Durante bastante tempo, em épocas já ultrapassadas, as grandes preocupações da opinião pública diziam respeito aos riscos inerentes aos operadores de radar e à utilização de fornos microondas em ambientes residenciais e, presentemente, as grandes preocupações e discussões situam-se nas telecomunicações, mais concretamente, nas comunicações celulares. Presentemente, aceita-se que os modernos fornos microondas são inofensivos, enquanto que, em relação aos radares, foram identificados alguns efeitos térmicos tendo sido adoptadas medidas de precaução. À medida que a tecnologia das comunicações celulares se tem vindo a desenvolver, popularizando a utilização de telemóveis, a ideia dos efeitos nocivos sobre a saúde está a constituir um foco de investigação, na medida em que não existem muitos estudos científicos sobre a incidência na saúde pública deste novo equipamento, e a informação existente é relativamente escassa. Para muitos investigadores, os resultados obtidos confirmam as observações realizadas durante anos acerca dos efeitos das radiações de baixa energia sobre os sistemas vivos – acreditam que a exposição a pequenas quantidades de energia de radiação tem o mesmo efeito que uma dose massiva de químicos. O problema permanente nesta controvérsia sobre os riscos da exposição a campos electromagnéticos, consiste no conhecimento limitado acerca do facto que campos muito específicos interagindo com o corpo humano possam ter efeitos nocivos sobre a saúde. Estes efeitos variam de pessoa para pessoa, havendo umas bastante mais afectadas que outras, devido às suas diferenças naturais físicas e bioquímicas. Esta controvérsia tem sido polarizada essencialmente por dois grandes grupos – o primeiro é constituído por todos aqueles que protestam, muitas vezes sem quaisquer bases científicas, porque acreditam que os efeitos dos campos e da radiação electromagnética é nociva para a saúde, enquanto que o segundo engloba os industriais e os investigadores de novos equipamentos, que não acreditam na existência daqueles efeitos nocivos. À parte destes dois grupos, encontram-se os investigadores científicos que, de boa fé, têm vindo a desenvolver trabalho honesto e sério com a finalidade de se comprovar ou não a nocividade para a saúde humana 37 da exposição a campos electromagnéticos. Presentemente, os resultados obtidos não só através da modelização de determinados efeitos biofísicos mas também de resultados epidemiológicos, permitem concluir que, de facto, há riscos, uns maiores que outros, assim como consequências gravosas para os seres vivos. A concluir este capítulo e como curiosidade bastante significativa, apresentam-se de seguida os resultados obtidos pelo Engº José Manuel Santos, publicados na Revista Electricidade 157/158, de Novembro/Dezembro de 1980, com o sugestivo título alguns dados sobre campos electromagnéticos e suas implicações biológicas, respeitando esse estudo a técnicos envolvidos directamente em linhas aéreas e equipamentos de transporte de energia eléctrica em alta e muito alta tensão. Devido à procura, sempre crescente, de energia eléctrica, o transporte de grandes potências tem vindo a ser realizado com níveis de tensão cada vez mais elevados (Alta Tensão e Muito Alta Tensão), da ordem de 700 kV, 1500 kV e 2000 kV, por questões do ponto de vista económico no sentido de se minimizarem as perdas no transporte. Por outro lado, desde a década de 1970, do século passado, que os estudos sobre os efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos relacionados com o aparecimento dessas linhas de transporte, foram intensificados nos Estados Unidos e na então ainda União Soviética, tendo sido identificados três efeitos qualitativos: • Efeitos neurofisiológicos produzidos pelas correntes eléctricas, como consequência da variação no tempo (sinusoidal com uma frequência de 50 Hz) da indução electromagnética. • Influência directa nos processos biológicos do organismo humano, tais como a acção nos processos das hormonas e dos enzimas, e a acção no desenvolvimento ósseo. • Efeitos fisiológicos e psicológicos produzidos por pequenas descargas que se verificam quando as pessoas, sujeitas a determinado potencial eléctrico, tocam objectos a potenciais diferentes. Parece não haver dúvidas quanto aos efeitos nocivos dos campos electromagnéticos sobre as funções cerebrais. Nos anos 70, o Brain Research Institute of the University of Califórnia Los Angeles, procedeu a ensaios 38 utilizando campos eléctricos compreendidos entre 7 V/m e 100 V/m, tendo obtido os seguintes resultados: • Para um campo de 7 V/m, à frequência de 7 Hz, o tempo de resposta variou de 0,4 s para animais previamente condicionados à resposta em intervalos de tempo de 5 s. • Para um campo de 7 V/m, à frequência de 10 Hz, curiosamente não se detectaram variações no tempo de resposta. • Para campos de 100 V/m obtiveram-se tempos de resposta variáveis, permanecendo os efeitos por intervalos de tempo significativos. Ainda nos anos 70, concluiu-se laboratorialmente através de ensaios realizados nos Estados Unidos e na União Soviética, que as capacidades cognitivas são afectadas após uma exposição contínua de 24 horas a um campo magnético de 10-4 T à frequência de 50 Hz, tendo-se verificado ainda que, em testes de rapidez de resposta, as pessoas apresentaram um desempenho muito fraco. Entre 1966 e 1970 foram realizados estudos bastante importantes e completos, na União Soviética, com a finalidade de investigar e quantificar os efeitos dos campos electromagnéticos das linhas de muito alta tensão, no que respeita à fisiologia e comportamento humano. Nessa linha, foram examinados 45 trabalhadores de uma subestação de 500 kV, devido a queixas e reclamações frequentes, motivadas pelos seguintes sintomas: • Dor de cabeça permanente. • Apatia. • Sonolência. • Disrupção nos sistemas digestivo e cardiovascular. Além disso, um terço desses trabalhadores, com idades compreendidas entre 30 e 40 anos, queixaram-se de fraqueza sexual verificada 8 meses após o início do seu trabalho naquela subestação. Os exames médicos resultaram no seguinte diagnóstico: • Patologia neurológica em 28 trabalhadores. • Descontrolo funcional do sistema nervoso central em 26 trabalhadores. • Deficiências na tensão arterial em 11 trabalhadores. 39 • A intensidade máxima dos campos eléctricos na subestação era de 27 kV/m. As conclusões gerais deste diagnóstico foram as seguintes: 1. Dados estatísticos • Número total de trabalhadores da subestação: 45 (41 homens e 4 mulheres). • Distribuição de idades: menos de 30 anos – 10 entre 30 e 40 anos – 29 mais de 40 anos – 6 • Experiência profissional na subestação: menos de 1 ano – 9 entre 1 e 3 anos – 25 mais de 5 anos – 11 • Tempos de exposição aos campos electromagnéticos: pessoal da manutenção – mais de 5 horas por dia pessoal de serviço – menos de 2 horas por dia 2. Potenciais eléctricos, campos e correntes medidos na subestação • Próximo do equipamento em serviço, ligado à linha de transporte de energia: Valor máximo Valor médio • Tensão (kV) 26 14 - 18 Campo eléctrico (kV/m) 14,5 7,8 - 10 Corrente (µA) 230 115 - 125 Próximo do equipamento fora de serviço, desligado para intervenções de manutenção: Valor máximo Valor médio Tensão (kV) 4 2 Campo eléctrico (kV/m) 2,2 1,1 Corrente (µA) 35 15 40 3. Sintomas clínicos • Dores de cabeça, sonolência e sensação de fadiga: 41 trabalhadores. • Descontrolo na actividade dos sistemas digestivo e cardiovascular: 4 trabalhadores. • Fraqueza sexual: 1/3 dos homens com idades compreendidas entre 30 e 40 anos. 4. Resultados dos exames médicos • Distúrbios neuro-patológicos: 28 trabalhadores. • Descontrolo funcional do sistema nervoso central: 6 trabalhadores. • Doenças cardiovasculares: arteriosclerose – 3 trabalhadores bradicardia – 12 trabalhadores taquicardia – 5 trabalhadores hipotensão – 7 trabalhadores hipertensão – 4 trabalhadores 5. Resultados dos electrocardiogramas • Sinus-bradicardia: 14 trabalhadores. • Actividade anormal do sistema circulatório e ventricular: 10 trabalhadores. • Variações difusas do miocárdio: 5 trabalhadores. Como consequência destes resultados, sem dúvida altamente significativos apesar de terem já cerca de 40 anos, a União Soviética elaborou os seus regulamentos de segurança e protecção nessa matéria, sendo de destacar os seguintes artigos: • Ninguém poderá estar exposto a campos eléctricos de intensidade superior a 25 kV/m, sem que existam barras de protecção para isolamento ou atenuação desses mesmos campos para um limite máximo de 5 kV/m. 41 • Para um campo eléctrico de intensidade 25 kV/m, o tempo máximo consecutivo de exposição é de 5 minutos. • Para um campo eléctrico de 10 kV/m, a permissão de permanência máxima consecutiva é de 180 minutos. • Para campos com intensidades inferiores a 5 kV/m, não existe limite máximo de tempo de exposição. Para terminar, saliente-se ainda que se demonstrou, igualmente nos anos 70, que a taxa de absorção específica das radiações electromagnéticas de alta frequência depende fortemente da orientação do campo eléctrico em relação à maior dimensão do corpo humano, como se mostra na figura 1.16, para um campo eléctrico vertical e uma densidade de potência incidente igual a 10 mW/m2. Figura 1.16 – Distribuição da taxa de absorção específica SAR (W/kg), de radiação de alta frequência, para uma densidade de potência de 10 mW/m2. 42 CAPÍTULO 2. PENETRAÇÃO DO CAMPO ELÉCTRICO E DO CAMPO MAGNÉTICO NOS TECIDOS BIOLÓGICOS 2.1. CAMPO ELÉCTRICO ESTACIONÁRIO Considerem-se 2 meios homogéneos e isotrópicos, 1 e 2, caracterizados respectivamente pelas suas permitividades (ou constantes dieléctricas) ε1 e ε2, e pelas suas condutividades eléctricas σ1 e σ2, separados por uma fronteira plana, como se mostra na figura 2.1. O meio 1 poderá ser considerado como sendo o ar, o meio 2 como um tecido biológico humano, e a fronteira de separação como a pele que reveste o tecido biológico. Por outro lado, como se mostra ainda na figura 2.1, as linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico E1, do vector deslocamento eléctrico (ou densidade de fluxo eléctrico) D1, assim como do vector densidade de corrente eléctrica J1, no meio 1 (ar), ao incidirem na fronteira de separação (pele) segundo um ângulo de inclinação α1, sofrem um fenómeno de refracção ao penetrarem no tecido biológico, sendo assim desviados no interior do meio 2 segundo um ângulo de inclinação α2. r E1 r D1 meio 1 (ar) ε1 σ 1 ε2 σ 2 r J1 fronteira (pele) r Et 2 r J2 α1 r E n1 r D2 r E2 α2 r Et 1 meio 2 (tecido biológico) r E n2 Figura 2.1 – Refracção dos vectores intensidade do campo eléctrico E, deslocamento eléctrico (ou densidade de fluxo eléctrico) D, e densidade de corrente eléctrica J, ao penetrarem nos tecidos biológicos, considerando o ar e os tecidos como meios homogéneos e isotrópicos. 43 É sabido, do estudo da electrostática, que se tem uma continuidade das componentes tangenciais do vector intensidade do campo eléctrico, ou seja: Et 1 = Et 2 Por outro lado, se a densidade superficial de cargas eléctricas na fronteira de separação for ρS, tem-se, através do teorema de Gauss: Dn1 − Dn 2 = ρS Atendendo ainda a que os dois meios são isotrópicos, pode-se escrever: Dn1 = ε1 En1 Dn 2 = ε 2 En 2 vindo assim, por substituição: ε1 En1 − ε 2 En 2 = ρS Adicionalmente, para correntes eléctricas estacionárias, isto é, invariantes no tempo (corrente contínua), tem-se: J n1 = J n 2 e, atendendo a que os dois meios são isotrópicos, isto é: J n1 = σ 1 En1 J n 2 = σ 2 En 2 virá ainda: σ 1 En1 = σ 2 En 2 Por conseguinte, tem-se assim, para grandezas estacionárias: Et 1 = Et 2 ε1 En1 − ε 2 En 2 = ρS σ 1 En1 − σ 2 En 2 = 0 44 Atendendo ainda à figura 2.1, podem-se escrever as seguintes relações trigonométricas: Et 1 tg α1 = tg α 2 = En1 Et 2 En 2 vindo assim: tg α1 Et 1 En 2 E σ = = n2 = 1 tg α 2 Et 2 En1 En1 σ2 ou seja, por simplificação: tg α1 = σ1 tg α 2 σ2 Na prática, como se podem considerar os seguintes valores: • material 1 (ar) : σ1 = 10-13 S/m • material 2 (tecido biológico): σ2 = 10-1 S/m virá, em termos numéricos comparativos: tg α1 = 10 −12 tg α 2 Se o campo eléctrico exterior incidir perpendicularmente à pele, tem-se α1 ≅ 0o (≅ 0,5º), ou seja: tg (0,5o ) = 10 −12 tg α 2 tg α 2 = 1010 α 2 ≅ 90o constatando-se assim que o vector intensidade do campo eléctrico E2 é praticamente paralelo à pele, o que é o mesmo que dizer-se que o campo eléctrico exterior sofre uma refracção sensivelmente igual a 90º ao penetrar nos tecidos biológicos. 45 Fazendo agora: En1 ≈ E1 = Eexterno En 2 ≈ Einterno (campo incidente) (campo absorvido) virá: σ 1 Eexterno ≈ σ 2 Einterno Einterno Eexterno = σ 1 10 −13 ≈ = 10 −12 σ 2 10 −1 concluindo-se deste modo que a intensidade do campo eléctrico interno, no tecido biológico, é insignificante. Na figura 2.2, extraída de um artigo científico publicado na revista Bioelectromagnetics nº 1, pp. 117-129, em 1980, ilustra-se esquematicamente os valores das densidades de corrente geradas nos tecidos biológicos humanos, do porco e do rato, quando sujeitos a um campo eléctrico vertical, estacionário, respectivamente com as intensidades de 180 kV/m, 67 kV/m e 37 kV/m. Note-se que essas densidades de corrente são devidas às correntes eléctricas que circulam nos tecidos, com origem nos campos eléctricos internos. Como se constata, os seus valores são insignificantes, notando-se que são mais elevados nas zonas de menor secção, como sucede no pescoço, nas pernas, e sobretudo nas articulações. Figura 2.2 – Densidades de corrente nos tecidos biológicos do homem, do porco, e do rato, quando sujeitos a campos eléctricos verticais estacionários. 46 Por outro lado, se se atender à configuração física humana (vertical, alongada e estreita), e do rato (baixa e comprida), facilmente se conclui que este último se encontra sujeito a uma maior dose de linhas de força do campo eléctrico, isto é, para a mesma intensidade do campo eléctrico externo, o campo eléctrico interno no corpo do homem será bastante inferior, ou, como corolário, para se ter a mesma intensidade do campo eléctrico interior no homem e no rato, a intensidade do campo eléctrico exterior a que o rato deverá estar sujeito é bastante menor que a do corpo humano. No estudo teórico que se desenvolveu anteriormente, considerou-se que os tecidos biológicos são homogéneos e isotrópicos, todavia, na prática, tal não sucede, como se demonstra através da figura 1.2, apesar dos valores indicados terem sido estimados apenas teoricamente. 2.2. CAMPO ELÉCTRICO QUASE ESTACIONÁRIO Esta designação física e electrotécnica, de quase estacionário, diz respeito a grandezas variáveis no tempo, de uma forma alternada sinusoidal, com uma frequência extremamente reduzida, como sucede por exemplo com a tensão eléctrica e com a intensidade da corrente eléctrica, nas redes de distribuição de energia em baixa tensão a 50 Hz. Para melhor compreensão da notação simbólica utilizada, considere-se então uma tensão eléctrica e uma intensidade de corrente eléctrica, cujos valores instantâneos u e i são alternados sinusoidais. Por conseguinte, pode-se escrever, respectivamente: u= i= 2 U sin ω t 2 I sin ( ω t − ϕ ) sendo U e I os respectivos valores eficazes, ω = 2 π f a frequência angular eléctrica, f a frequência, t o tempo, e ϕ o ângulo de desfasamento entre a sinusóide da corrente e a sinusóide da tensão. Em termos de notação simbólica, estas duas grandezas podem ser representadas através de variáveis complexas, designadas por fasores, tendo-se assim, respectivamente, para o fasor da tensão (ou tensão eficaz complexa), e para o fasor da corrente (ou corrente eficaz complexa): 47 U =U e j0 I = I e− jϕ sendo j = − 1 . Regressando então ao estudo dos campos eléctricos, e tendo ainda em atenção a figura 2.1, pode-se escrever, em termos de fasores: ε1 En1 − ε 2 En 2 = ρS σ 1 En1 − σ 2 En 2 = − j ω ρS Combinando estas duas equações, obtém-se: σ 2 + j ω ε2 E σ 1 + j ω ε1 n 2 En1 = Como se tem, para os mesmos materiais, isto é, para o meio 1 (ar) e para o meio 2 (tecido biológico), respectivamente: • σ1 = 10-13 S/m • σ2 = 10-1 S/m • ε1 = 10-11 F/m • ε2 = 10-5 F/m virá, para a frequência f = 50 Hz: ω = 2 π × 50 = 314 rad/s En1 = 10 −1 + j × 314 × 10 −5 10 −13 + j × 314 × 10 E ≈ −11 n 2 10 −1 + j × 3 × 10 −3 10 −13 + j × 3 × 10 −9 En 2 Atendendo ainda a que se tem: σ 2 >> ω ε 2 σ 1 << ω ε1 pode-se escrever: En1 ≈ σ2 σ En 2 = − j 2 En 2 ω ε1 j ω ε1 48 Por conseguinte, ao substituírem-se valores ter-se-á: En1 ≈ − j 10 −1 314 × 10 −11 En 2 = − j × 3 × 107 En 2 ou seja: Einterno En 2 = ≈ 3 × 10 −8 En1 Eexterno concluindo-se igualmente que a intensidade do campo eléctrico absorvido é insignificante. No ábaco da figura 2.3 (U.S. Office of Technology Assessment. Biological Effects of Power Frequency Electric and Magnetic Fields. U.S. Government Printing Office, Washington, DC, Background Paper OTA-BP-E-53, 1989), mostram-se os níveis de exposição ao valor eficaz da intensidade do campo eléctrico, em função da distância, para linhas de transporte de alta tensão a 500 kV, para linhas e instalações eléctricas de distribuição em baixa tensão, e para equipamentos eléctricos de uso geral, como por exemplo electrodomésticos. Note-se, como curiosidade, que, para distâncias inferiores a cerca de 0,5 m, o nível de exposição aos electrodomésticos é bastante superior ao que se verifica com as instalações eléctricas de baixa tensão. Figura 2.3 – Valor eficaz da intensidade do campo eléctrico em função da distância, para linhas de alta tensão, instalações de distribuição em baixa tensão, e electrodomésticos. 49 2.3. CAMPO MAGNÉTICO ESTACIONÁRIO Tal como sucedeu relativamente à incidência do campo eléctrico, considerem-se 2 meios homogéneos e isotrópicos, 1 e 2, caracterizados respectivamente pelas suas permeabilidades magnéticas μ1 e μ2, como se mostra na figura 2.4. O meio 1 poderá ser considerado como sendo o ar, o meio 2 como um tecido biológico humano, e a fronteira de separação como a pele que reveste o tecido biológico. Por outro lado, como se mostra ainda na figura 2.4, considere-se ainda genericamente que as linhas de força do vector intensidade do campo magnético H1, assim como do vector densidade de fluxo magnético B1, no meio 1 (ar), ao incidirem na fronteira de separação (pele) segundo um ângulo de inclinação α1, sofrem um fenómeno de refracção ao penetrarem no tecido biológico, sendo assim desviados no interior do meio 2 segundo um ângulo de inclinação α2. r H1 r B1 meio 1 (ar) μ1 μ2 α1 r Hn1 r Ht 1 fronteira (pele) r Ht 2 r B2 r α2 H2 meio 2 (tecido biológico) r Hn 2 Figura 2.4 – Refracção dos vectores intensidade do campo magnético H e densidade de fluxo magnético B, ao penetrarem nos tecidos biológicos, considerando o ar e os tecidos como meios homogéneos e isotrópicos. Considerando a não existência de correntes eléctricas na fronteira entre os dois meios, as componentes tangenciais do vector intensidade do campo magnético são contínuas, podendo-se assim escrever: Ht 1 = Ht 2 50 Por outro lado, atendendo ao teorema de Gauss, a componente normal do vector densidade de fluxo magnético é contínua através da fronteira entre dois meios, ou seja: Bn1 = Bn 2 mas como se tem ainda: Bn1 = μ1 Hn1 Bn 2 = μ2 Hn 2 então, por substituição, virá: μ1 Hn1 = μ2 Hn 2 Da figura 2.4, por sua vez, obtêm-se as seguintes relações: tg α1 = tg α 2 = Ht 1 Hn1 Ht 2 Hn 2 donde, por combinação: μ tg α1 Ht 1 Hn 2 H = = n2 = 1 tg α 2 Ht 2 Hn1 Hn1 μ2 tg α1 = μ1 tg α 2 μ2 Na prática, como a maioria dos tecidos biológicos tem uma permeabilidade magnética igual à do vazio, tem-se μ1 ≅ μ2 ≅ μ0, isto é: tg α1 ≈ tg α 2 α1 ≈ α 2 Por conseguinte, conclui-se que: • não há refracção das linhas de força do campo magnético ao incidirem nos tecidos biológicos. 51 • considerando Bn1 = Bexterno e Bn2 = Binterno, como se tem Bn1 = Bn2, então Binterno = Bexterno, ou seja, não existe atenuação à penetração das linhas de força do campo magnético nos tecidos biológicos. • não existe indução de correntes eléctricas nos tecidos, na medida em que a intensidade dos campos magnéticos é invariante no tempo. 2.4. CAMPO MAGNÉTICO QUASE ESTACIONÁRIO Contrariamente aos campos magnéticos estacionários, quando a sua intensidade varia no tempo, ao penetrarem nos tecidos biológicos, irão gerar correntes eléctricas, igualmente variáveis no tempo, induzidas com base na lei de Faraday, como se demonstra seguidamente. Considere-se então a figura 2.5, onde se representa uma linha de força do vector densidade de fluxo magnético B, e um circuito eléctrico fechado, de forma circular com raio r e perímetro L. Adicionalmente, S representa a área da superfície circular limitada pelo circuito eléctrico e que é atravessada pelo campo magnético, E o vector intensidade do campo eléctrico induzido no circuito, e σ a condutividade eléctrica do material condutor de que é feito o circuito. r B σ r dL L S dS dS r r E Figura 2.5 – Esquematização da lei de indução de Faraday – interacção entre um campo magnético variável no tempo e um circuito eléctrico fechado. De acordo com a lei de indução de Faraday, tem-se: r r ∫ E • dL = − ∫ L S ∂B dS ∂t 52 Considerando que o valor instantâneo da densidade de fluxo (módulo do vector densidade de fluxo) é alternado sinusoidal, isto é: 2 B ef sin ω t B= obtém-se, para a integração da equação de Faraday: ∫ E dL = − ∫ L 2 B ef ω cos ω t d S S E L = − 2 ω B ef cos ω t S E × 2 π r = 2 ω B ef sin (ω t − E= π 2 )×π r 2 2 π ω r B ef sin (ω t − ) 2 2 Por conseguinte, o valor eficaz da intensidade do campo eléctrico induzido é dado através da seguinte expressão: E ef = ω r B ef 2 Por outro lado, como o valor eficaz da densidade de corrente que circulará no circuito fechado é: J ef = σ E ef virá finalmente, por substituição: J ef = σ ω r B ef 2 Considerando um tecido biológico, tem-se σ = 10-1 S/m. Assim sendo, para um circuito com r = 10-1 m, virá, para a frequência de 50 Hz (ω = 314 rad/s): E ef = 15,7 B ef J ef = 1,57 B ef Por exemplo, para se obter uma densidade de corrente de 10-3 A/m2, seria necessário uma densidade de fluxo com o valor: 53 B ef 10 −3 = = = 0,64 × 10 −3 T = 0,64 mT 1,57 1,57 J ef a qual induziria um campo eléctrico com a seguinte intensidade: E ef = 15,7 B ef = 15,7 × 0,64 × 10 −3 = 10 × 10 −3 V/m = 10 mV/m Considerando que se teria Einterno = Eef = 10 mV/m, se se tiver em conta que se está em presença de um campo interno de 50 Hz, para se conseguir ter esta intensidade, seria necessário que o valor eficaz do campo externo tivesse o seguinte valor: E externo = E interno 3 ×10 -8 = 10 ×10 −3 3 ×10 −8 ≈ 300 ×10 3 V/m = 300 kV/m Figura 2.6 – Valor eficaz da densidade de fluxo magnético em função da distância, para linhas de alta tensão, instalações de distribuição em baixa tensão, e electrodomésticos. No ábaco da figura 2.6 (U.S. Office of Technology Assessment. Biological Effects of Power Frequency Electric and Magnetic Fields. U.S. Government Printing Office, Washington, DC, Background Paper OTA-BP-E-53, 1989), mostram-se os níveis de exposição ao valor eficaz da densidade de fluxo magnético, em função da distância, para linhas de transporte de alta tensão a 500 kV, para linhas e instalações eléctricas de distribuição em baixa tensão, e para equipamentos eléctricos de uso geral, como por exemplo electro- 54 domésticos. Note-se, como curiosidade, que, para distâncias inferiores a cerca de 1 m, o nível de exposição aos electrodomésticos é bastante superior ao que se verifica com as linhas de transporte de energia e com as instalações eléctricas de baixa tensão. Todavia, tal como sucede com a exposição a campos eléctricos (figura 2.3), o nível dessa exposição diminui muito rapidamente com a distância. Relativamente aos electrodomésticos, é de salientar que os relógios digitais, na maioria das situações devido ao seu deficiente projecto eléctrico e electrónico, podem originar níveis de exposição da ordem de 100 μT, na sua proximidade, e, se se atender a que esses relógios se encontram sobre as mesas de cabeceira dos quartos de dormir, durante a noite a cabeça fica exposta permanentemente a níveis elevados de campo magnético, níveis esses superiores ao nível médio verificado normalmente nas habitações. Outra situação curiosa, ocorre com as incubadoras, onde os níveis de exposição a campos magnéticos se situam entre 0,23 μT e 4,4 μT, com uma média aritmética de 1,0 μT. Ora, muitos destes valores são consideravelmente superiores aos existentes em áreas residenciais situadas nas proximidades de linhas aéreas de transporte de energia. 2.5. CAMPOS ELÉCTRICOS E MAGNÉTICOS EM LINHAS DE TRANSPORTE DE ENERGIA Como se tem vindo a assistir publicamente, a problemática dos potenciais efeitos nocivos causados pela exposição a campos eléctricos e magnéticos emitidos por linhas aéreas de transporte de energia em alta e muito alta tensão, encontra-se na ordem do dia, apesar de, por um lado, se citarem de facto estudos epidemiológicos concretos, que indiciam a existência causa-efeito relativamente a determinadas anomalias na saúde, e por outro, se especular sem quaisquer argumentos técnicos e científicos, à boa maneira do “diz que disse”, muito característico da nossa população. O caso das radiações emitidas por equipamentos informáticos e por telefones celulares é, na maioria das situações, mais gravoso, todavia ninguém quer ou pensa deixar de utilizar esses equipamentos, na medida em que colhem directamente, no dia a dia, os seus benefícios – veja-se a situação para- 55 digmática das antenas celulares, ou seja, ninguém as quer ver instaladas por perto, contudo todos querem comunicar por telemóvel com o melhor sinal possível, berrando raios e coriscos quando tal não acontece. Por outro lado, as figuras 2.3 e 2.6 são bastante elucidativas no que respeita aos electrodomésticos, contudo, alguém pensa em deixar de os utilizar? Quanto às linhas aéreas, uma vez que apenas transitam ao longo dos espaços urbanos e rurais, do ponto de vista psicológico representam o bode expiatório na medida em que não conferem in situ um benefício directo às populações que se manifestam contra a sua instalação. Para uma melhor elucidação, mostra-se na figura 2.7 os valores medidos da densidade de fluxo magnético em função da distância, para uma linha de transporte de energia eléctrica de alta tensão em corrente contínua, constituída por dois cabos submarinos afastados entre si de 20 metros, no norte da Europa. Saliente-se que o interesse da utilização do transporte de energia eléctrica em corrente contínua de alta e muito alta tensão, tem vindo a aumentar de forma significativa, devido não só ao desenvolvimento dos conversores electrónicos de potência, mas também por serem necessários apenas dois condutores em lugar de três, como sucede no transporte trifásico. Este sistema, designado por HVDC (High Voltage Direct Current), com tensões de ± 1100 kV é utilizado já na Europa, Ásia e América do Norte, sendo de realçar que o transporte de energia é realizado através de cabos submarinos entre a Suécia, Finlândia, Dinamarca, Alemanha e Polónia. Como se constata da figura 2.7, a densidade de fluxo é mais elevada a 2 m acima dos cabos, sendo o máximo atingido, como é natural, junto aos dois cabos. Por outro lado, a 10 m acima, as densidades de fluxo são bastante inferiores às do campo magnético terrestre. Por sua vez, na figura 2.8 mostram-se os valores da intensidade do campo eléctrico em função da distância, para linhas de transporte trifásicas de 400 kV, 220 kV, e 130 kV, indicando-se esquematicamente a configuração dos postes assim como os valores das distâncias entre condutores e entre condutores e o solo. Como se pode observar, o valor máximo da intensidade do campo eléctrico situa-se junto aos condutores e, como não poderia deixar de ser, quanto mais alto é o nível da tensão nominal, mais elevadas são as intensidades do campo eléctrico, para a mesma distância dos condutores. 56 Um aspecto curioso a constatar, consiste no facto da intensidade do campo eléctrico não variar directamente com o nível da tensão, exemplificando-se numericamente para os valores máximos daquela intensidade: 400 kV / 220 kV = 1,82 (5,4 kV/m / 3,8 kV/m = 1,42); 400 kV / 130 kV = 3,08 (5,4 kV/m / 1,8 kV/m = 3); 220 kV / 130 kV = 1,69 (3,8 kV/m / 1,8 kV/m = 2,11). Figura 2.7 – Densidades de fluxo em função da distância, para uma linha HVDC constituída por dois cabos submarinos, e para uma corrente de 1333 A. Figura 2.8 – Intensidade do campo eléctrico em função da distância, para linhas aéreas trifásicas de transporte de energia a 400 kV, 220 kV, e 130 kV. Na figura 2.9 mostram-se os valores da densidade de fluxo em função da distância, para quatro linhas trifásicas de transporte, constatando-se, para a 57 linha de tensão mais elevada, que a 200 m de distância a densidade de fluxo tem o valor de 0,1 μT, bastante inferior, curiosamente, ao que se verifica em incubadoras. Figura 2.9 – Densidade de fluxo magnético em função da distância, para linhas aéreas trifásicas de transporte de energia a 400 kV, 220 kV, 130 kV, e 20 kV, para intensidades de corrente respectivamente de 1200 A, 500 A, 350 A, e 300 A. Finalmente, na figura 2.10 mostra-se, para uma linha trifásica de 220 kV, como se consegue reduzir drasticamente a densidade de fluxo magnético em função da distância, utilizando-se diferentes configurações de postes, ou seja, de instalação e disposição dos condutores. A configuração (A), que é aquela que conduz a densidades de fluxo mais elevadas, em contrapartida é a mais simples do ponto de vista técnico e, simultaneamente, a mais económica, o mesmo sucedendo um pouco com a configuração (B), que apresenta custos todavia mais elevados devido à maior altura dos postes. Quanto à configuração (C), que é significativamente a melhor em termos da emissão de campos magnéticos representa, contudo, a solução tecnicamente mais complicada e, ao mesmo tempo, a mais cara, na medida em que duas das fases são repartidas por dois condutores, obrigando ainda à utilização de um maior número de isoladores por poste (11 contra 3). 58 Ao comparar-se entre si as configurações (A) e (C), sem dúvida que as diferenças são notáveis. Por exemplo, no centro das linhas tem-se respectivamente 8,5 μT e 1,0 μT, ou seja um rácio de 8,5, e, a uma distância de 20 m, tem-se 2,7 μT contra 0,2 μT, isto é, um rácio de 13,5. Figura 2.10 – Exemplos de redução da densidade de fluxo magnético em função da distância, para uma linha aérea trifásica de transporte de energia, utilizando diferentes configurações de instalação. Um outro aspecto importante no que respeita à exposição a campos magnéticos, diz respeito ao transporte ferroviário de passageiros, sendo de destacar que, no interior das carruagens, assim como das locomotivas e automotoras, coexistem várias gamas de frequências, associadas aos motores de tracção, 59 aos conversores electrónicos de potência, aos sistemas electrónicos de regulação e comando dos conversores, aos sistemas electrónicos de regulação da iluminação e da climatização, e ainda aos sistemas de comunicações. No ábaco tridimensional da figura 2.11 relacionam-se, para cada tipo de material circulante eléctrico em corrente monofásica, os valores da densidade de fluxo com as gamas de frequência respectivas. Nesta figura tem-se NEC - U.S. Amtrak Northeast Corridor, TR-07 - German Transrapid Maglev System, TGV Train a Grande Vitesse, e NJT - New Jersey Transit. Figura 2.11 – Densidades de fluxo em função das diversas gamas de frequência, em material ferroviário de corrente monofásica (1 mG = 0,1 μT). Constata-se que o material circulante americano NEC é o que apresenta as emissões mais significativas, nas gamas de frequência das correntes de tracção e das correntes de sinalização. Por outro lado, as emissões geradas pelo comboio de alta velocidade francês TGV, ao circular nas linhas electrificadas em corrente monofásica a 50 Hz são relativamente moderadas, e acontecem igualmente naquelas gamas de frequência. Curiosamente, no material circulante não eléctrico, existe uma emissão residual na gama de frequência 50-60 Hz, devido aos motores eléctricos de tracção, assim como na gama das correntes de sinalização. 60 CAPÍTULO 3. BIOELECTROMAGNETISMO 3.1. INTRODUÇÃO O bioelectromagnetismo é uma vastíssima área interdisciplinar que engloba física, engenharia, medicina, e biomedicina, com a finalidade de investigar, entender, e explicar os fenómenos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, existindo actualmente um grande número de trabalhos científicos publicados, que contribuem de forma positiva para a compreensão desses fenómenos de interacção. Esta área tem vindo a assumir um interesse crescente, devido à rápida expansão do desenvolvimento de equipamentos eléctricos e electrónicos, sobretudo de grande consumo, equipamentos esses geradores de campos electromagnéticos que poderão potencialmente colocar em risco a saúde pública. O objectivo deste sub-capítulo consiste em apresentar em detalhe os conceitos básicos, os princípios e as características dos campos eléctricos e magnéticos, assim como da forma como interagem com os materiais biológicos. 3.2. PROPRIEDADES ELECTROMAGNÉTICAS DOS MATERIAIS BIOLÓGICOS O conhecimento básico das propriedades únicas dos materiais biológicos e da sua variabilidade entre os sistemas vivos, poderá providenciar uma base de conhecimentos para a exploração dos mecanismos de interacção. Contudo, esse conhecimento é reduzidíssimo quando comparado com o que se sabe acerca das características dos materiais não vivos, como o cobre ou o alumínio. É sabido que a estrutura atómica e molecular dos materiais, e o seu compor-tamento, são os responsáveis pelas características macroscópicas desses materiais, que, em termos de electromagnetismo, são usualmente a permitividade ou constante dieléctrica ε, a condutividade eléctrica σ, e a permeabilidade magnética μ, permitindo avaliar, respectivamente, as suas propriedades isolantes, condutoras e magnéticas. 61 Contrariamente aos materiais inertes, isto é, não vivos, em que se consideram apenas as suas características macroscópicas, no que respeita aos materiais biológicos, devido à sua elevada complexidade, estudam-se os seus modelos microscópico e macroscópico, como se apresenta seguidamente. 3.2.1. Modelo Microscópico É do conhecimento da física das partículas que, de acordo com o modelo atómico de Niels Bohr, os átomos são constituídos por electrões (cargas negativas), que se movimentam em órbitas em volta do núcleo, que é constituído por protões (cargas positivas) e neutrões (sem carga eléctrica), sendo a carga eléctrica global igual a zero, ou seja, os átomos são electricamente neutros, uma vez que o número de electrões é igual ao número de protões. Como se frisou anteriormente, são os átomos que contribuem para a diferenciação das propriedades eléctricas e magnéticas dos materiais. Ainda de acordo com o modelo de Bohr, a força de atracção entre cargas eléctricas de sinais contrários é compensada pela força centrífuga associada ao movimento dos electrões, que mantêm assim órbitas estáveis. Atendendo a que toda a matéria é constituída por cargas eléctricas positivas e negativas, a acção de campos eléctricos e magnéticos exteriores exercem sempre algum tipo de influência sobre a estrutura atómica da matéria, seja sobre os átomos electricamente neutros, seja sobre os electrões livres, sendo esta interacção existente em materiais inertes e em materiais biológicos. A um nível microscópico, todos os tecidos são constituídos por células e por fluidos extracelulares, sendo as células compostas por duas partes distintas – a interior, com o núcleo e o citoplasma, e a exterior, com a membrana. Por conseguinte, devido à membrana, a célula poderá ser entendida como um isolador eléctrico, daí que praticamente todas as correntes induzidas nos tecidos por campos eléctricos de baixa frequência circulem nos espaços exteriores às células, no fluído extracelular, que possui uma elevada condutividade. Atendendo ainda a que o citoplasma possui também uma elevada condutividade, a célula poderá ser entendida como um circuito RC, em que o citoplasma condutor, de resistência R, se encontra ligado em série com a membrana, de capacidade C. 62 3.2.2. Modelo Macroscópico Neste modelo, considera-se a totalidade do material biológico, como um todo, exposto à acção de campos electromagnéticos, requerendo esta aproximação o completo conhecimento das características eléctricas e magnéticas de todos os materiais biológicos, para que se possam utilizar as equações de Maxwell. Na prática, existem duas grandezas básicas que contribuem para a caracterização eléctrica dos materiais: • A energia eléctrica dissipada, que é o resultado do movimento (ou transporte) das cargas eléctricas no interior do material, ou seja, da condução de corrente eléctrica. Esta dissipação, também designada por perdas de energia por efeito de Joule, representa a consequência da conversão de energia eléctrica em energia térmica, como consequência das colisões que se sucedem durante o movimento das cargas eléctricas. • A energia eléctrica armazenada, que é o resultado do que acontece com as cargas que se encontram a armazenar energia quando ficam sujeitas a uma força exterior que as faz mover de uma posição de equilíbrio para outra posição de equilíbrio oposta. Este fenómeno é designado por polarização dieléctrica, e ocorre, por exemplo, no material dieléctrico de um condensador – quando se aplica uma diferença de potencial entre as duas armaduras metálicas paralelas, gera-se um campo eléctrico que se dirige, vectorialmente, da armadura que se encontra a um potencial positivo para a armadura com potencial negativo. Esta força exterior vai actuar na estrutura do dieléctrico, deslocando-se as cargas positivas para a armadura negativa, e as negativas, para a armadura positiva. Quanto aos materiais biológicos, vistos sob um ângulo macroscópico, as suas propriedades eléctricas podem ser sumariadas através dos seguintes dois parâmetros: • Condutividade eléctrica σ, que caracteriza o movimento das cargas eléctricas livres (corrente eléctrica de condução), nos materiais condutores quando sujeitos à acção de um campo eléctrico. 63 • Permitividade ε, que caracteriza o movimento das poucas cargas eléctricas livres (corrente de deslocamento), no interior dos materiais isolantes quando sujeitos à acção de um campo eléctrico. Adicionalmente, em ligação com os mecanismos de interacção, as ondas de radiação de rádio-frequência RFR deslocam-se no interior dos seguintes três tipos de materiais biológicos: • Suspensões de células e de moléculas de proteínas. • Suspensões similares num estado condensado, tais como os músculos e os tecidos de órgãos como o fígado, os rins e o coração. Estes tecidos possuem um teor elevado de água, cerca de 70 %, e um conteúdo macromolecular de cerca de 25 % em peso. • Tecidos com um teor reduzido de água, como os tecidos adiposos (gordura), e os ossos. As propriedades eléctricas dos materiais biológicos e a frequência de operação determinam os mecanismos de interacção com a radiação electromagnética, sendo esses materiais considerados como dieléctricos possuindo uma estrutura heterogénea. Por conseguinte, tem-se assim: ε ,, = σ ω ε0 sendo ω = 2π f a frequência angular eléctrica (radianos por segundo). Considerando um regime alternado sinusoidal, isto é, que os campos electromagnéticos são alternados sinusoidais, a permitividade será representada por um complexo, da forma: ε * = ε 0 ( ε , − j ε ,, ) em que ( ε , − j ε ,, ) representa a permitividade relativa complexa, ε , a sua parte real, também designada por constante dieléctrica relativa, e ε ,, a sua parte imaginária. Fisicamente, ε , é uma medida da quantidade de polarização relativa que ocorre para um dado campo eléctrico, enquanto que ε ,, é uma medida simultânea do atrito associado com a mudança de polarização, e da deslocação das cargas eléctricas. 64 Como se esquematiza na figura 3.1, os valores da constante dieléctrica e da condutividade variam significativamente com a frequência, no caso concreto da figura no que respeita aos músculos e aos tecidos adiposos. Na prática, constata-se que a permitividade dos tecidos biológicos depende do tipo de tecido (isto é, pele, músculos, gordura), do conteúdo de água, da temperatura, e da frequência dos campos electromagnéticos. Figura 3.1 – Variação das propriedades eléctricas dos músculos e do tecido adiposo (gordura) com a frequência. Por outro lado, a permitividade e a frequência podem igualmente determinar qual o grau de penetração da radiação electromagnética no corpo humano, fenómeno este que é quantificado através da grandeza profundidade de penetração Dp. Para materiais com propriedades homogéneas, e com uma incidência perpendicular à sua superfície de radiação RFR, a profundidade de penetração é definida como sendo a distância para a qual a densidade de potência absorvida tem um valor igual a 13,534 % do seu valor na superfície de incidência. Todavia, a amplitude dos campos eléctrico e magnético, para essa distância, diminui para 36,788 % do seu valor naquela superfície de incidência. Em termos de quantificação, a profundidade de penetração da energia electromagnética, isto é, da energia dos fotões, é dada pela seguinte expressão: 65 Dp = 1 α sendo α a constante de atenuação do material, expressa em nepers por metro. Em materiais biológicos, os valores da profundidade de penetração variam de uma pequena fracção de milímetro para frequências elevadas de radiação RFR, a alguns centímetros para tecidos com um elevado conteúdo de água, a frequências de alguns megahertzs, e a valores mais elevados para tecidos com um baixo teor de água. Os quadros 3.1 a 3.5 apresentam em detalhe as propriedades dos músculos, dos tecidos adiposos (gordura), dos tumores, da água, e do sangue, em função da frequência de radiação RFR. Note-se que λ0 representa o comprimento de onda da radiação no ar (praticamente igual ao seu valor no vazio). Em linhas gerais, os fotões de menor energia (frequências reduzidas) são os que mais penetram nos tecidos biológicos. Ou seja, para a mesma frequência, a profundidade de penetração é máxima na água, logo seguida pelo tecido adiposo, sendo mínima, por ordem decrescente, no sangue, nos tumores, e nos músculos. Adicionalmente, constata-se que a atenuação é significativa, na medida em que os comprimentos de onda nos tecidos são substancialmente mais baixos que no vácuo (ou seja, no ar). Uma outra técnica para se determinarem as propriedades dieléctricas dos tecidos biológicos consiste em utilizar um modelo paramétrico, na gama de 10 Hz a 100 GHz, proposto em alguns trabalhos científicos já publicados. f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 27 100 200 300 433 750 915 1500 2000 2450 3000 2307,69 1111,11 300,00 150,00 100,00 69,28 40,00 32,79 20,00 15,00 12,24 10,00 160,0 113,0 72,0 57,0 54,0 53,0 52,0 51,0 49,0 48,1 47,0 46,0 864,0 339,0 159,0 90,0 72,2 42,5 36,9 31,5 21,2 18,3 16,2 13,6 0,62 0,51 0,88 1,00 1,20 1,22 1,54 1,60 1,77 2,03 2,20 2,27 101,26 72,45 27,02 16,59 11,78 8,91 5,26 4,40 2,80 2,13 1,76 1,46 19,65 16,22 6,76 4,86 3,80 4,09 2,66 2,50 2,18 1,87 1,70 1,63 Quadro 3.1 – Propriedades eléctricas dos músculos. 66 f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 27 100 200 300 433 750 915 1500 2000 2450 3000 2307,69 1111,11 300,00 150,00 100,00 69,28 40,00 32,79 20,00 15,00 12,24 10,00 25,00 20,00 7,50 6,00 5,70 5,60 5,60 5,60 5,55 5,55 5,50 5,40 8,4 3,4 3,4 2,3 1,9 1,6 1,3 1,1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,01 0,01 0,02 0,03 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 0,09 0,10 0,10 455,33 247,57 106,96 60,18 41,28 28,99 16,79 13,79 8,46 6,35 5,21 4,30 449,40 473,40 79,88 52,47 39,29 33,40 23,66 22,87 16,95 14,29 13,27 12,52 Quadro 3.2 – Propriedades eléctricas do tecido adiposo (gordura). f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 27 100 200 300 433 750 915 1500 2000 2450 3000 2307,69 1111,11 300,00 150,00 100,00 69,28 40,00 32,79 20,00 15,00 12,24 10,00 205,0 180,0 101,0 78,0 74,0 63,0 61,0 60,0 59,0 57,0 56,0 55,0 1273,85 606,67 196,38 109,80 78,60 64,02 47,04 39,93 26,04 22,77 20,72 17,88 0,92 0,91 1,09 1,22 1,31 1,54 1,96 2,03 2,17 2,53 2,82 2,98 84,40 55,12 23,65 14,55 10,48 7,93 4,81 4,03 2,55 1,95 1,61 1,33 15,99 11,92 6,25 4,55 3,92 3,05 2,28 2,15 1,95 1,64 1,45 1,36 Quadro 3.3 – Propriedades eléctricas dos tumores. f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 27 100 200 300 433 750 915 1500 2000 2450 3000 2307,69 1111,11 300,00 150,00 100,00 69,28 40,00 32,79 20,00 15,00 12,24 10,00 78,3 78,3 78,3 78,3 78,3 78,3 78,3 78,3 77,9 77,9 76,6 75,8 0,32 0,34 0,40 0,90 1,19 1,55 2,84 3,80 5,70 7,20 8,80 11,00 0,00 0,00 0,00 0,01 0,02 0,04 0,12 0,19 0,47 0,80 1,20 1,83 260,79 125,57 33,90 16,95 11,30 7,83 4,52 3,71 2,26 1,70 1,40 1,15 20596,53 9333,50 2142,04 476,02 240,01 127,67 40,23 24,62 10,00 5,94 3,94 2,56 Quadro 3.4 – Propriedades eléctricas da água. 67 f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 100 300 433 915 2450 2307,69 300,00 100,00 69,28 32,79 12,24 200,0 73,0 63,0 62,0 60,0 58,0 1523,08 216,00 72,00 52,13 27,54 15,65 1,10 1,20 1,20 1,25 1,40 2,13 78,32 24,45 11,23 8,19 4,13 1,59 14,41 5,50 3,99 3,63 3,05 1,94 Quadro 3.5 – Propriedades eléctricas do sangue. Relativamente ao corpo humano, a energia de RF é absorvida de uma forma mais eficiente a frequências próximas da frequência natural de ressonância do corpo, ou seja, como a essas frequências a absorção é praticamente máxima, será também máximo a quantidade de calor gerado. Para frequências muito baixas, inferiores a 1 MHz, os materiais biológicos absorvem muito pouca energia, podendo essa absorção ser significativa a frequências de ressonância próximas de 70 MHz a 80 MHz, no caso do homem, se o corpo se encontrar isolado da terra. Caso se encontre ao potencial da terra, essa frequência é de 35 MHz a 40 MHz. Para a situação de uma mulher, isolada da terra, este valor sobe para 80 MHz. Para crianças com cerca de 5 anos de idade, a sua frequência de ressonância é normalmente mais elevada que as dos adultos, sendo a taxa de absorção específica SAR de cerca de 0,3 W/kg para uma taxa de absorção de radiação da ordem de 1 mW/cm2. Por conseguinte, a dimensão do corpo determina qual a frequência que origina a maior taxa de absorção de radiação electromagnética. 3.3. PROPAGAÇÃO ATRAVÉS DE MATERIAIS BIOLÓGICOS A propagação de ondas electromagnéticas em materiais biológicos pode ser estudada física e matematicamente através das Equações de Maxwell, definindo correctamente quais as fronteiras apropriadas. Assim sendo, e atendendo a que estas equações são bastante difíceis de resolver, para se simplificar um pouco assume-se que um meio biológico é infinitamente extenso, livre de cargas, isotrópico, e homogéneo. Note-se que um meio é isotrópico se ε é uma constante escalar, ou seja, se ambos os vectores deslocamento eléctrico r r D e campo eléctrico E são colineares. Por outro lado, é homogéneo quando ε, μ, e σ são constantes (ver figura 3.2). 68 Figura 3.2 – Corpo biológico sujeito a radiação electromagnética. Para este meio, têm-se assim as equações de Maxwell: r r ∂B ∇×E = − ∂t r r r ∂D ∇×H = J + ∂t r ∇ •B = 0 r ∇ •D =0 Com a finalidade de se resolverem estas equações em ordem aos vectores campo eléctrico e campo magnético, pode-se escrever: r r ∂ ∇ ×( ∇ ×E ) = − μ ( ∇×H ) = ∂t ∂ =−μ ∂t r ⎛ r ⎞ E ∂ ⎜ σ E +ε ⎟= ⎜ ⎟ t ∂ ⎝ ⎠ r r ∂E ∂2 E −ε μ =−μσ ∂t ∂t2 Continuando a utilizar o cálculo vectorial, como se tem: r r r ∇ ×( ∇ ×E ) = ∇ ( ∇ • E ) − ∇2 E ao utilizar-se a equação anterior, virá: 69 2 ⎛ 2 ⎜ ∇ −μσ ∂ −με ∂ ⎜ ∂t ∂t2 ⎝ ⎞ r ⎟E = 0 ⎟ ⎠ Do mesmo modo, eliminando o vector intensidade do campo eléctrico entre as Equações de Maxwell, e seguindo uma metodologia idêntica, obtém-se: 2 ⎛ 2 ⎜ ∇ −μσ ∂ −με ∂ ⎜ ∂t ∂t2 ⎝ ⎞ r ⎟H = 0 ⎟ ⎠ Por conseguinte, ambos os vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético obedecem à seguinte equação, denominada equação da onda: 2 ⎛ 2 ⎜ ∇ −μσ ∂ −με ∂ ⎜ ∂t ∂t2 ⎝ r ⎞⎛ E ⎞ ⎛ 0 ⎞ ⎟⎜ r ⎟ = ⎜ ⎟ ⎟ ⎜ H ⎟ ⎜⎝ 0 ⎟⎠ ⎠⎝ ⎠ Assumindo que a intensidade do campo eléctrico e a intensidade do campo magnético são grandezas alternadas sinusoidais, tem-se, respectivamente: ∂ = jω ∂t ∂2 ∂t 2 =− ω2 Quanto à equação da onda, pode-se escrever ainda: r r ∇2 E + γ 2 E = 0 sendo: γ 2 =ω 2μ ε − j ω μ σ = ⎛ σ = ω 2 μ ε 0 ⎜⎜ ε , − j ωε ⎝ = ω2 c 2 ⎞ ⎟⎟ = ⎠ ( ε , − j ε ,, ) 70 em que c representa a velocidade da luz no vácuo, e γ a constante de propagação da onda, dada por: γ =α + j β sendo α a constante de atenuação, e β a constante de fase, expressa em radianos por metro. Estas constantes características das ondas são determinadas através das seguintes expressões: 2c α= ω ⎛ ε 1+ ⎜ , ⎜ ε ⎝ ,, ⎞ ⎟ ⎟ ⎠ 2 ⎞ ⎟ + 1⎟ ⎟ ⎠ 1/ 2 2c β= ω No caso particular de se ter ⎛ ,⎜ ε ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ ,⎜ ε ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ ε ,, 1+ ⎜ , ⎜ ε ⎝ 2 ⎞ ⎞ ⎟ ⎟ − 1⎟ ⎟ ⎟ ⎠ ⎠ 1/ 2 ε ,, ≤ 1, virá, respectivamente: ε, α= ω μ ε ⎛⎜ ε ,, ⎞⎟ 2 ⎜⎝ ε , ⎟⎠ ⎡ β = ω μ ε ⎢ 1+ 0,125 ⎢ ⎣ 2 ⎛ ε ,, ⎞ ⎤ ⎟ ⎥ ⎜ ⎜ ε, ⎟ ⎥ ⎠ ⎦ ⎝ Por sua vez, o comprimento de onda no interior do meio é determinado através da seguinte expressão: λ= 2π β No caso da onda de radiação ser uma onda plana e uniforme, polarizada linearmente, e incidindo no meio segundo a direcção do eixo coordenado z, os vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético, que têm as suas direcções respectivamente segundo o eixo x e segundo o eixo 71 y, e cujos valores instantâneos Ei e Hi são alternados sinusoidais, apresentam, respectivamente, as seguintes expressões: r r E = E i e −α z e j (ω t − β z ) a x r r H = H i e −α z e j (ω t − β z ) a y tendo-se Ei = η Hi, em que η representa a impedância do material biológico, dada pela seguinte expressão: η= ⎡ 2 ⎤ ⎛ ε ,, ⎞ ⎛ ε ,, ⎞ μ ⎢ 1 − 0,378 ⎜ , ⎟ + j 0,5 ⎜ , ⎟⎥ ⎜ ε ⎟⎥ ⎜ ε ⎟ ε ⎢ ⎠ ⎠ ⎝ ⎝ ⎣ ⎦ Quanto ao valor instantâneo do vector de Poynting, virá: Pi = E i × H i 3.4. ABSORÇÃO EM MATERIAIS BIOLÓGICOS Os tecidos biológicos, sob a acção de radiação RFR, comportam-se como soluções de electrólitos que contêm moléculas polares, interagindo essa radiação com esses tecidos através de condução iónica – oscilação das cargas livres –, e da rotação das moléculas polares de água e da relaxação das proteínas. A energia de RF absorvida é transformada em energia cinética adquirida pelas moléculas, que se traduz na prática por um aquecimento dos tecidos sujeitos a radiação, processando-se a transferência do calor gerado no corpo humano para o meio envolvente através dos seguintes mecanismos: • Condução térmica. É um processo no qual a transferência de calor se faz por difusão molecular, apresentando os tecidos uma baixa condutividade térmica. • Radiação térmica. Corresponde ao calor perdido pela superfície do corpo humano, devido à radiação. • Convecção. É um processo no qual o calor é transferido pela acção conjunta do movimento das moléculas e da sua difusão. 72 • Transpiração. Representa o calor perdido através do suor gerado na superfície do corpo, sendo a taxa de dissipação dependente da tensão arterial, da velocidade do vento, da temperatura exterior, e da humidade do ar. Este mecanismo é controlado através do sistema nervoso central, que recebe sinais dos diversos locais termosensíveis existentes no interior do organismo. Como se pode observar na figura 3.3, para uma determinada profundidade de penetração da radiação RFR, quanto menor for a frequência maior se torna a potência absorvida. Por outro lado, nota-se ainda que, para uma mesma potência absorvida, a profundidade de penetração é tanto maior quanto mais reduzida for a frequência. Interessa ainda realçar que, para frequências iguais ou superiores a 30 GHz, não mostradas no ábaco, a profundidade de penetração fica confinada apenas às camadas exteriores da pele. Figura 3.3 – Potência de absorção nos músculos em função da profundidade de penetração para diversas frequências. Nos estudos relativos aos riscos para a saúde humana inerentes à exposição a campos electromagnéticos, e conforme se salientou já anteriormente, o nível de radiação deverá ser essencialmente avaliado através da SAR – specific absorption rate (taxa de absorção específica), expressa em W/kg. Por outro 73 lado, para campos alternados sinusoidais, o valor médio da potência absorvida por unidade de volume é calculado pela expressão: Pa = σ E 2 sendo σ a condutividade eléctrica, e E o valor eficaz do campo eléctrico em cada ponto do material biológico. 74 CAPÍTULO 4. DOSIMETRIA DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS INCIDENTES 4.1. INTRODUÇÃO A dosimetria consiste em duas partes – a primeira envolve a avaliação dos campos incidentes (também designados por campos externos), os quais são gerados por determinadas fontes, podendo ser medidos, sem a presença do objecto, ou calculados através da informação da fonte, enquanto que a segunda representa a avaliação dos campos internos (igualmente designados por campos internos), isto é, dos campos no interior dos objectos, os quais podem igualmente ser medidos ou calculados. As contribuições da engenharia na área dos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos, tem vindo a tornar possível a avaliação da intensidade desses campos assim como da densidade de potência devida à exposição a uma fonte de campos electromagnéticos, e comparar os valores experimentais obtidos com os limites recomendados pelas normas de segurança. Contudo, importa salientar que nem sempre é possível avaliar os níveis de radiação RFR (radiação de rádio-frequência) nos locais abrangidos pela radiação, devido ao facto de que os campos de RF são absorvidos, reflectidos, ou refractados pelos objectos, de um modo aleatório. Os cálculos teóricos são adequados para algumas situações, enquanto que as medições por vezes provam ser menos dispendiosas e, ao mesmo tempo, mais conclusivas, essencialmente em locais sujeitos a radiações provenientes de diversas fontes. Por estas razões, as medições no terreno das radiações de RF são realizadas para se assegurar a conformidade com as recomendações normalizadas, com o objectivo de se prevenirem situações de sobre-exposições que possam a curto, a médio e a longo prazo causar problemas de saúde. As medições tornam-se igualmente necessárias não só quando os valores calculados teoricamente se encontram muito próximos do limiar da sobreexposição, mas também quando os campos são distorcidos devido à reflexão em vários objectos. 75 4.2. CÁLCULOS TEÓRICOS Estes cálculos são usualmente realizados em vários pontos sujeitos a radiação RF, podendo assim a força do campo ser estimada antes das respectivas medições. Saliente-se que, para que se possam efectuar os cálculos teóricos, torna-se necessário conhecer as características da antena radiante. Na prática, é possível determinar a densidade de potência provável na proximidade da antena, recorrendo-se a simples equações já conhecidas. Muitas das situações onde essa densidade de potência deverá ser elevada localizam-se nas zonas próximas da antena, variando a densidade de potência inversamente com a distância a que se encontram da antena. Por outro lado, nas regiões já afastadas da antena, onde o feixe se propaga de uma forma normalizada, a densidade de potência diminui inversamente com o quadrado da distância à antena. Comparando a zona próxima da antena (near-field region) com as zonas mais afastadas (far-field region), sucede que a densidade de potência nas zonas afastadas diminui muito mais rapidamente que nas zonas próximas. Na figura 4.1 mostram-se, esquematicamente, as zonas próxima e afastada da fonte emissora de radiação, sendo de salientar que a linha de fronteira entre estas duas regiões se designa por crossover point. Figura 4.1 – Regiões próximas e afastadas de uma fonte de radiação. 4.2.1. Densidade de Potência O cálculo da densidade de potência poderá representar o melhor exercício para a predição da radiação de RF, cálculo este que é efectuado através da seguinte expressão: 76 Densidade de potência = Potência radiada Área de impacto a) Região próxima da fonte A densidade de potência numa zona próxima de uma antena vertical (figura 4.2), é determinada utilizando um contorno cilíndrico – radiação circular. Ou seja, considera-se que a potência radiante emanada a partir da antena se processa de uma forma equitativa através de uma superfície cilíndrica cujo eixo de simetria coincide com a antena. Figura 4.2 – Região próxima de uma antena vertical. A área do cilindro colocado em torno da antena é assumida como estando uniformemente carregada pela potência radiada a partir da antena, não havendo igualmente radiação de potência de RF através da base e do topo desse cilindro. Note-se que a densidade de potência concentrada no cilindro corresponde, teoricamente, à densidade média de potência num corpo humano situado muito próximo da antena e com uma altura igual à do cilindro. A expressão seguinte, designada como modelo cilíndrico, permite determinar a densidade de potência Pd sobre a superfície do cilindro, em W/m2: Pd = Pt 2π d l sendo Pt a potência da antena, em W, d a distância, em metros, da superfície do cilindro ao centro da antena, e l, em metros, a altura do cilindro, que é igual à altura da antena. Como facilmente se constata, a densidade de potência corresponde à potência da antena por unidade de superfície da área periférica do cilindro. 77 b) Região afastada da fonte Nas regiões afastadas da antena, a distribuição da radiação não se altera com a distância, sendo a densidade máxima de potência radiada uma função do ganho da antena. Para uma fonte de radiação, suposta concentrada num ponto, e considerada como sendo um meio isotrópico, a densidade de potência representa a distribuição da potência emitida por esse ponto, Pt (W), sobre uma superfície esférica com um raio d (m) igual à distância à antena, sendo assim aquela densidade de potência calculada pela seguinte expressão: Pd = Pt 4π d 2 Para uma antena direccional, esta potência é definida como sendo: Pd = Pt Gt 4π d 2 em que Gt representa o ganho da antena. Para melhor compreensão, mostra-se na figura 4.3 a relação entre a potência transmitida e a potência recebida num sistema de comunicações sem fios. Figura 4.3 – Potência transmitida e recebida num sistema de comunicações sem fios. Na prática, utiliza-se o termo EIRP – equivalent isotropic radiated power (potência isotrópica equivalente radiada), para designar o produto: EIRP = Pt Gt sendo esse termo um parâmetro que permite definir as capacidades da antena para transmitir radiação de RF. 78 Por outro lado, por vezes a potência é expressa em termos da ERP – effective radiated power (potência efectiva radiada), em lugar da EIRP, sendo a ERP referida a uma antena dipolar de meia onda em lugar de um radiador isotrópico. Por conseguinte, pode-se escrever, sendo o factor 1,64 o ganho da antena dipolar relativamente ao radiador isotrópico: Pd = Pt Gt 4π d 2 = EIRP 4π d 2 = 1,64 ERP 4π d 2 Quando se pretende avaliar o campo próximo de uma superfície, tal como o solo ou o telhado de uma habitação, deverá assumir-se que existe reflexão das ondas, resultando numa quadruplicação da densidade de potência equivalente, tendo-se então: Pd = 4 Pt Gt 4π d 2 = Pt Gt πd 2 = EIRP π d2 No caso de antenas de radiodifusão e de televisão, em FM, tendo em atenção a reflexão no solo, assume-se que a densidade de potência é majorada por um factor igual a 2,56, vindo assim, para este tipo de antenas: Pd = 2,56 EIRP 4π d 2 = 1,05 ERP π d2 Considerando agora uma antena receptora com um ganho Gr, a potência recebida Pr é determinada através da seguinte expressão: ⎛ λ Pr = Pt Gt Gr ⎜⎜ ⎝ 4π r ⎞ ⎟⎟ ⎠ 2 sendo λ (m) o comprimento de onda, e r (m) a distância à antena. 4.2.2. Intensidade do Campo A intensidade do campo eléctrico numa antena receptora encontra-se relacionada com a potência recebida Pr, considerando-se o facto de que a potência recebida corresponde ao produto da área efectiva de abertura da antena pela densidade de potência. Em termos de quantificação, a intensidade do campo eléctrico E (V/m), é calculado pela seguinte expressão: 79 E= Pr η 0 Ae sendo Ae (m2) a área efectiva de abertura da antena, e η0 a impedância intrínseca do vácuo, com o valor de 377 Ω. Na prática, nas zonas afastadas da fonte tem-se: η0= E H sendo H a intensidade do campo magnético, em A/m. Adicionalmente, o valor eficaz da intensidade do campo eléctrico a uma distância d de uma fonte com uma potência isotrópica equivalente radiada EIRP segundo o eixo principal do feixe, é calculado através da seguinte expressão: ( 30 EIRP )0,5 E= d 4.3. TÉCNICAS DE MEDIÇÃO Antes de se proceder às medições dos parâmetros e grandezas associados às radiações de RF em determinados locais ocupacionais, públicos, ou residenciais, é essencial classificar esses locais para que se tome conhecimento prévio dos limites de exposição recomendados pelas normas respectivas. Na figura 4.4 ilustra-se, em termos de diagrama de blocos, quais os componentes básicos de um sistema de medição de radiações de RF. Figura 4.4 – Sistema de medição de radiações de RF. Veja-se seguidamente alguns procedimentos relativos à análise e tratamento de dados obtidos através das respectivas medições: 80 4.3.1. Tempo Médio de Exposição Os valores eficazes médios de um conjunto de medições, relativamente à intensidade do campo eléctrico e à intensidade do campo magnético, são determinados respectivamente pelas seguintes expressões: 1/2 n ⎡ ⎤ 1 2 E=⎢ ∑ Ei Δt i ⎥ ⎣ tempo médio de exposição i = 1 ⎦ n ⎡ ⎤ 1 2 H =⎢ ∑ H i Δt i ⎥ ⎣ tempo médio de exposição i = 1 ⎦ 1/2 Nestas expressões, n representa o número de intervalos de tempo Δti em relação aos quais se mediram os respectivos valores eficazes da intensidade do campo eléctrico Ei e da intensidade do campo magnético Hi. Adicionalmente, os valores médios da densidade de potência e da taxa específica de absorção SAR são determinados respectivamente através das seguintes expressões: P= SAR = n 1 ∑ Pi Δt i tempo médio de exposição i = 1 n 1 ∑ SAR i Δt i tempo médio de exposição i = 1 sendo Pi e SARi os valores respectivamente da densidade de potência e da taxa de absorção específica associados a cada um dos n intervalos de tempo de medição Δti. Note-se ainda que se tem, nas quatro expressões anteriores: n tempo médio de exposição = ∑ Δt i i =1 Para melhor compreensão, considerem-se os seguintes dois exemplos numéricos práticos: 81 Exemplo 1 Para uma frequência de radiação de 3 GHz, os trabalhadores de uma determinada empresa de telecomunicações são autorizados a sofrer uma exposição média equivalente a 10 mW/cm2, durante um período máximo de 6 minutos. Na prática, para que tal seja respeitado, devem-se verificar, por exemplo, as seguintes 3 situações possíveis: • sofrerem uma radiação de 20 mW/cm2 durante 3 minutos consecutivos ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 3 minutos restantes, ou seja: P = (20 mW/cm2 x 3 min) + (0 mW/cm2 x 3 min) = 60 mW/cm2 / 6 min = = 10 mW/cm2 • sofrerem uma radiação de 15 mW/cm2 durante 4 minutos consecutivos ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 2 minutos restantes, ou seja: P = (15 mW/cm2 x 4 min) + (0 mW/cm2 x 2 min) = 60 mW/cm2 / 6 min = = 10 mW/cm2 • sofrerem uma radiação de 15 mW/cm2 durante 3 minutos consecutivos ou alternados, e 5 mW/cm2 durante os outros 3 minutos restantes, ou seja: P = (15 mW/cm2 x 3 min) + (5 mW/cm2 x 3 min) = (45+15 mW/cm2) / 6 min = = 10 mW/cm2 Exemplo 2 Para uma frequência de radiação de 100 MHz, o público em geral não deverá sofrer uma exposição média equivalente a 2 mW/cm2, durante um período máximo de 30 minutos. Na prática, para que tal seja respeitado, devem-se verificar, por exemplo, as seguintes 3 situações possíveis: • sofrer uma radiação de 4 mW/cm2 durante 15 minutos consecutivos ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 15 minutos restantes, ou seja: 82 P = (4 mW/cm2 x 15 min) + (0 mW/cm2 x 15 min) = 60 mW/cm2 / 30 min = = 2 mW/cm2 • sofrer uma radiação de 3 mW/cm2 durante 20 minutos consecutivos ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 10 minutos restantes, ou seja: P = (3 mW/cm2 x 20 min) + (0 mW/cm2 x 10 min) = 60 mW/cm2 / 30 min = = 2 mW/cm2 • sofrer uma radiação de 3 mW/cm2 durante 15 minutos consecutivos ou alternados, e 1 mW/cm2 durante os outros 15 minutos restantes, ou seja: P = (3 mW/cm2 x 15 min) + (1 mW/cm2 x 15 min) = = (45+15 mW/cm2) / 30 min = = 2 mW/cm2 4.3.2. Valores Médios Espaciais Esta técnica é normalmente utilizada para a determinação dos valores das intensidades do campo eléctrico E e do campo magnético H, assim como da densidade de potência P, para a globalidade do corpo humano, a partir das medições efectuadas em diversos pontos do corpo, recorrendo-se respectivamente às seguintes expressões: ⎡1 n ⎤ E = ⎢ ∑ E i2 ⎥ ⎣ n i =1 ⎦ 1/2 ⎡1 n ⎤ H = ⎢ ∑ H i2 ⎥ ⎣ n i =1 ⎦ P= 1/2 1 n ∑ P n i =1 i sendo n o número de locais onde as medições Ei, Hi e Pi foram efectuadas. 83 4.3.3. Locais com Frequências Múltiplas Nas situações em que a radiação é originada por fontes de diversas frequências, em primeiro lugar deverá ser verificada a seguinte inequação: fn ∑ Rf ≤ 1 f1 sendo f1 a menor banda de frequência, fn a maior banda de frequência, e Rf o valor relativo respeitante ao limite de exposição, valor este que é determinado respectivamente através das seguintes expressões, a primeira para a intensidade dos campos eléctrico e magnético, e a segunda para a densidade de potência: ⎛ valor medido da intensidad e do campo à frequência f Rf = ⎜⎜ ⎝ intensidad e do campo correspondente ao limite de exposição, para f Rf = ⎞ ⎟⎟ ⎠ 2 valor medido da densidade de potência à frequência f densidade de potência correspondente ao limite de exposição, para f Como facilmente se pode constatar, através da primeira expressão, se o valor deste parâmetro for superior à unidade, os valores medidos estarão acima dos limites máximos de exposição recomendados pelas normas de segurança. Por conseguinte, o valor relativo global, que se obtém pela soma dos valores relativos para cada frequência, representa um indicador do limite de exposição. Exemplo Num determinado local de trabalho, mediram-se os seguintes valores associados à radiação RFR para diferentes frequências: • Intensidade do campo magnético de 0,2 A/m a 13 MHz. • Intensidade do campo eléctrico de 20 V/m a 250 MHz. • Densidade de potência de 1 mW/cm2 a 2,45 GHz. Por outro lado, os regulamentos de segurança aconselham os seguintes limites de exposição, para aqueles parâmetros, dentro das gamas de frequência apontadas: 84 • Intensidade do campo magnético: 1,25 A/m, na banda 3 – 30 MHz. • Intensidade do campo eléctrico: 27,5 V/m, na banda 100 – 300 MHz. • Densidade de potência: 1,63 mW/cm2, na banda 300 – 3000 MHz. Por conseguinte, recorrendo-se às expressões anteriores obtêm-se os seguintes valores relativos, respectivamente para a intensidade do campo magnético, intensidade do campo eléctrico, e densidade de potência: ⎛ 0,2 R1 = ⎜⎜ ⎝ 1,25 2 ⎞ ⎟⎟ = 0,02656 ⎠ 2 ⎛ 20 ⎞ ⎟⎟ = 0,528 R 2 = ⎜⎜ ⎝ 27,5 ⎠ R3 = 1 = 0,613 1,63 Quanto ao valor global, tem-se: R = R1 + R2 + R3 = 1,168 (> 1) Por conseguinte, o local encontra-se sujeito a um nível de radiação global que é superior aos limites de exposição recomendados. Note-se um facto extremamente importante que sucede com este exemplo – os níveis de exposição medidos são todos eles inferiores, separadamente, isto é, para cada uma das gamas de frequência, aos limites recomendados pelas normas de segurança, todavia, em termos globais, o local apresenta riscos acrescidos por se ter R > 1. 4.4. PROCEDIMENTOS DE SEGURANÇA Para que se possa garantir a máxima segurança possível no que respeita à exposição a radiações RFR, isto é, para que os limites máximos recomendados pelas normas de segurança não sejam ultrapassados no local, em zonas de trabalho, públicas e residenciais, e ainda para que os técnicos de telecomunicações, em particular, não sofram riscos desnecessários, devem-se cumprir as seguintes directivas: 85 • As antenas devem ser colocadas a uma altura pelo menos de 2 metros acima da cabeça, para se reduzir as densidades de potência nas zonas próximas dos telhados. Em telhados onde existam diversas antenas, instalá-las a alturas inferiores a 2 metros contribui para a redução das densidades de potência nas zonas muito próximas das antenas. • As antenas deverão ser montadas em braços com 1 a 2 metros de comprimento, em vez de serem instaladas directamente nas respectivas torres, para se evitar um elevado nível de exposição nos técnicos que se encontrem a trabalhar nas torres, por qualquer motivo. • Reduzir a potência da antena, para limitar a exposição cumulativa de radiações de RF. • Deve-se elaborar um regulamento de segurança e normas de conduta para os trabalhadores que tenham que se deslocar às antenas para trabalhos de manutenção. A potência deverá ser reduzida, e dever-se-á dar uma atenção especial aos casos em que o trabalhador tenha de atravessar zonas de campos electromagnéticos de elevada radiação. • A combinação da radiação emitida por diversas antenas pode gerar níveis de exposição que excedam os limites recomendados, daí que seja aconselhável recolocando as antenas noutros locais. • Aumentar a distância entre as antenas, para se reduzir a densidade de potência global do local. • Deverão ser tomadas precauções de segurança em relação aos técnicos de manutenção, devendo ser mantida uma distância mínima de 1 metro, no sentido de se evitarem exposições perigosas. • Os técnicos de telecomunicações que exerçam a sua actividade primordialmente junto de antenas, deverão fazer-se acompanhar de monitores pessoais que, nos casos em que a radiação ultrapassa os limites recomendados, emitam imediatamente um sinal sonoro de alarme bem audível. • Nos casos em que, após a verificação de todos os requisitos de segurança, continuarem a existir riscos acrescidos devidos a exposições acima dos limites, os técnicos de telecomunicações deverão utilizar um equipamento pessoal de protecção, como é o caso de fatos especiais, 86 para reduzir o nível de radiação RF, redução essa que poderá ir até 10 dB. • Todos os trabalhadores deverão ser sujeitos a acções de formação periódicas, no sentido de estarem permanentemente actualizados no que respeita à regulamentação e às normas de segurança relativas à exposição a radiações de RF. Este aspecto é bastante importante, competindo igualmente não só aos fabricantes de equipamentos de telecomunicações, especialmente de telefones celulares, mas também aos operadores e às entidades reguladoras, informar convenientemente o grande público sobre todos estes aspectos da radiação electromagnética, contribuindo para a desmistificação de ideias pré-concebidas. 87 CAPÍTULO 5. DOSIMETRIA DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS INTERNOS 5.1. INTRODUÇÃO Este tipo de dosimetria foi originalmente desenvolvido para as radiações ionizantes, sendo baseado na relação entre a dose (energia absorvida por unidade de massa) e o efeito biológico. Atendendo a que a energia absorvida se encontra directamente relacionada com os campos electromagnéticos internos, isto é, no interior do objecto – não confundir com os campos electromagnéticos incidentes na superfície do objecto, e que foram analisados no capítulo anterior –, a dosimetria é interpretada, nesta situação, como uma maneira de determinar os campos electromagnéticos no interior do corpo biológico. Saliente-se que os campos internos, muito mais que os campos incidentes e as correntes induzidas, são os responsáveis pelas interacções com os sistemas vivos, independentemente dessas interacções desenvolverem fenómenos térmicos ou não-térmicos. Os campos incidentes e os campos internos diferem, em função da dimensão e da forma do objecto, das propriedades eléctricas, da orientação dos campos internos em relação aos campos incidentes, e da frequência. Por outro lado, se um efeito biológico está relacionado directamente com os campos internos, poder-se-á estabelecer uma relação de causa-efeito em termos apenas desses campos, e não dos campos incidentes. A dosimetria considera as medições ou a determinação por cálculo dos campos internos, da densidade das correntes induzidas, da absorção específica SA, da taxa de absorção específica SAR, em objectos como por exemplo modelos, animais, humanos, ou mesmo partes do corpo humano, expostos a radiações RFR, não esquecendo que é bastante difícil caracterizar inteiramente a propagação dos campos electromagnéticos no corpo humano, devido à complexidade e ao carácter não homogéneo dos tecidos biológicos. A dosimetria interna pode ser dividida em duas categorias: • Dosimetria macroscópica, em que os campos electromagnéticos são determinados como uma média em relação a algum volume do espaço, como em células matemáticas, que são de dimensões reduzidas. Por 88 exemplo, é assumido que o campo eléctrico numa determinada célula de 1 mm tem o mesmo valor em qualquer ponto dentro de um volume de 1 mm3 da célula, o mesmo sucedendo com o campo magnético. • Dosimetria microscópica, em que os campos são determinados a um nível celular microscópico, ou seja, as células matemáticas em relação às quais se determinam os campos, têm uma dimensão microscópica. 5.2. TAXA DE ABSORÇÃO ESPECÍFICA SAR Como se definiu já anteriormente, a SAR é quantificada em mW/cm2, e representa a absorção da energia dos campos e da radiação electromagnética quando incidem sobre um corpo biológico, por parte desse mesmo corpo. 5.2.1. Tipos de SAR e Parâmetros Associados Genericamente, existem dois tipos de SAR. O primeiro, designado por SAR média no corpo inteiro, é definida como sendo a energia total transferida para o corpo, por unidade de tempo, dividida pela sua massa total. Quanto ao segundo tipo, tem-se a SAR para partes específicas do corpo humano, que requerem, em determinadas circunstâncias, uma atenção especial, como sucede com a cabeça, com o tronco, e com os membros superiores e inferiores – esta SAR localizada é usualmente aplicada para se avaliar a exposição emitida por pequenos equipamentos electrónicos e de telecomunicações, como é o caso dos telemóveis em contacto com a cabeça. Os valores da taxa de absorção específica referentes a materiais biológicos, dependem de diversos parâmetros associados à exposição – propriedades dos campos incidentes, tais como a frequência, a modulação, a amplitude, e a direcção dos seus componentes; distribuição espacial das propriedades dieléctricas e térmicas do sistema, incluindo as do local e a sua localização dentro do objecto; configuração do material e sua orientação relativamente aos campos incidentes. a) Polarização A polarização de uma onda electromagnética representa a direcção das linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico. Saliente-se que no corpo humano completo, a SAR média varia em função da orientação do campo 89 eléctrico incidente em relação ao corpo. Por outro lado, no que respeita a objectos com uma simetria circular, podem-se considerar três tipos de polarização: E, H e K, como se ilustra na figura 5.1: • A polarização E corresponde a ter-se o vector intensidade do campo eléctrico paralelo ao eixo principal do corpo. • A polarização H corresponde a ter-se o vector intensidade do campo magnético paralelo ao eixo principal do corpo. • A polarização K corresponde a ter-se o vector representativo do sentido de propagação da onda (vector perpendicular aos vectores E e H), paralelo ao eixo principal do corpo. Figura 5.1 – Polarização E (a), polarização H (b), e polarização K (c). b) Frequência Para todos os três tipos de polarização, a SAR varia aproximadamente com o quadrado da frequência, para baixas frequências, salientando-se que, para a polarização E, o seu valor máximo ocorre na banda de 70 MHz a 80 MHz. Na figura 5.2 mostra-se a variação da taxa de absorção específica em função da frequência, relativa a um homem médio exposto no vácuo a uma onda plana, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, para os três tipos de pola-rização. Para um corpo humano masculino em contacto com radiação RF dirigida ao solo, a frequência de ressonância é de 30 MHz a 40 MHz, frequência essa para a qual a potência absorvida é poucas vezes superior àquela que corresponde ao produto da área da secção recta do corpo pela 90 densidade de potência incidente. Com uma polarização E, para frequências superiores à de ressonância, a SAR associada à totalidade do corpo humano varia aproximadamente com 1/f e, para valores inferiores, é proporcional a f 2. Figura 5.2 – Taxa de absorção específica SAR em função da frequência, relativa ao modelo de um homem médio exposto no vácuo a uma onda plana, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, para os três tipos de polarização. c) Dimensão e Forma dos Objectos Como se pode constatar através da figura 5.3, a SAR depende não só da dimensão mas também da forma dos objectos, no caso concreto da figura, o corpo humano, o macaco, e o rato, todos sujeitos a uma exposição a radiação RF com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, e com uma polarização do tipo E. Como se pode observar, para uma mesma taxa de absorção específica, isto é, para o mesmo efeito biológico, a frequência necessária para que ele se verifique nos macacos e nos ratos, é significativamente superior à do corpo humano. Constata-se igualmente que o valor máximo da SAR é o mais baixo no homem e o mais elevado no rato, acontecendo no homem a uma frequência mais baixa que nos outros dois seres vivos. Como curiosidade, nota-se que as curvas relativas ao homem e ao macaco são muito próximas uma da outra, o que se justifica pelo elevado número de características fisiológicas seme- 91 lhantes, enquanto que a curva do rato é bastante diferente. Esta figura mostra assim que, provavelmente, os mecanismos de interacção nestes três seres vivos são substancialmente diferentes, sendo de salientar que a SAR no corpo humano é normalmente afectada pela existência de outros corpos e objectos, na medida em que uma elevada intensidade de radiação se distribui não só pelo corpo humano em questão, mas também pelos outros corpos e objectos situados na sua vizinhança. A presença de uma superfície plana reflectora, utilizada como chão, provoca a redução da frequência de ressonância do corpo podendo conduzir a valores elevados da SAR na totalidade do corpo, para frequências de ressonância reduzidas. Por exemplo, se o corpo humano for colocado sobre um plano perfeitamente condutor, a sua frequência de ressonância nessas condições será sensivelmente igual a metade da sua frequência de ressonância no vazio. Como sucede na prática com o solo que se pisa, que não é um condutor eléctrico perfeito, a frequência de ressonância do corpo é mais baixa que aquela que se verifica no vazio, contudo não igual a metade. Figura 5.3 – Taxa de absorção específica SAR em função da frequência, relativa ao modelo esferoidal de um homem, de um macaco, e de um rato expostos a uma onda plana, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, para a polarização E. 92 Note-se ainda que a frequência de ressonância é alterada pela introdução de materiais isolantes entre o corpo e o solo, como por exemplo a utilização de calçado de borracha ou de tapetes de protecção, utilizados por trabalhadores de empresas de electricidade e de telecomunicações. d) Propriedades Eléctricas dos Tecidos Como já se referiu anteriormente, os cálculos teóricos assim como as medições no terreno da taxa de absorção específica SAR, dependem largamente das propriedades eléctricas do corpo, no que respeita ao seu comportamento quanto à radiação electromagnética, sendo essas propriedades para os tecidos humanos especificadas em termos de permitividade e de condutividade eléctrica. Por sua vez, estes parâmetros dependem da frequência, temperatura e distribuição dos tecidos no interior do corpo humano, assim como do instante que se considere. Além disso, as propriedades eléctricas dependem igualmente dos níveis da actividade física e metabólica, da anatomia, da saúde, e da idade. 5.2.2. Estimativa da SAR Como se salientou já por diversas vezes, a SAR relativa ao corpo humano não é mensurável de uma forma fácil, na prática, contudo pode ser determinada empiricamente ou teoricamente, a despeito das limitações das metodologias utilizadas. Basicamente, a SAR representa a medida da taxa à qual a energia é absorvida pelo corpo, podendo assim ser definida como a derivada em ordem ao tempo da absorção específica (SA), que corresponde ao incremento da energia dW absorvida por uma massa incremental dm inserida no interior de um volume elementar dV, cujo material tem uma densidade ρ, ou seja: SA = dW dW = dm ρ dV sendo esta grandeza expressa em joules por kilograma (J/kg). Por conseguinte, a taxa de absorção específica SAR, em W/kg ou em mW/g, é dada pela seguinte derivada: SAR = d SA d dW = dt dt ρ dV 93 Esta taxa de absorção pode igualmente ser definida como a potência absorvida por unidade de massa de um sistema biológico, e ser representada em termos da intensidade do campo eléctrico E, expresso em V/m, da condutividade eléctrica σ, expressa em S/m, e da densidade do tecido, expressa em kg/m3, através da seguinte expressão: SAR = σ E2 ρ A integração da SAR sobre um volume de tecido que contenha uma determinada massa, corresponde assim à potência absorvida por esse mesmo volume de tecido, sendo esta grandeza, para um dado tecido biológico, expressa em mW/g médios para 1 g ou 10 g, dependendo do que se encontra estipulado na norma de segurança adoptada. Adicionalmente, a taxa inicial de aumento de temperatura no corpo, desprezando as perdas de calor, é directamente proporcional à SAR, ou seja: dT SAR = dt C em que T (oC) representa a temperatura, t (s) o tempo, e C (J/kg/oC) a capacidade calorífica do corpo. Note-se que esta capacidade calorífica é definida como sendo a energia em joules que é necessária para elevar de 1 oC a tem-peratura de 1 kilograma de massa do corpo. Como é sabido, alguns efeitos biológicos, sobretudo os que têm implicações significativas na saúde humana, podem ser relacionados com a indução de calor, daí que o conhecimento do aquecimento originado pelas radiações RFR seja mais importante como indicador analítico que a SAR, podendo o aquecimento ΔT (oC) de tecidos biológicos sujeitos a radiação ser determinado através da seguinte expressão: ΔT = SA h x 4180 sendo h = 0,85 a capacidade calorífica relativa. 94 5.3. DOSIMETRIA TEÓRICA Os campos eléctricos e magnéticos internos induzidos no corpo humano como consequência da exposição a radiação RFR podem ser, em determinadas circunstâncias simplificativas, determinados por meio das equações de Maxwell. Todavia, devido às grandes dificuldades matemáticas inerentes à resolução dessas equações, devido ao facto dos tecidos biológicos serem materiais anisotrópicos e não homogéneos, torna-se necessário recorrer-se a várias técnicas analíticas e numéricas. Quanto às técnicas analíticas, usualmente recorre-se a um dos seguintes modelos: • Modelo planar multicamadas, em que o corpo humano é entendido como um meio estratificado constituído por lâminas dieléctricas isotrópicas e homogéneas, com uma geometria plana. • Modelos esférico, cilíndrico, e elipsoidal, em que o corpo humano ou partes dele, são entendidos como uma esfera, um cilindro, ou um elipsóide de um meio dieléctrico isotrópico e homogéneo. • Modelo de blocos, em que o corpo humano ou parte dele é modelizado como sendo a agregação de um conjunto de células independentes em material dieléctrico. A escolha do modelo mais aconselhável depende da frequência de operação, dos objectivos do estudo, da parte do corpo a ser investigado, e da simplicidade pretendida na formulação analítica. Por exemplo, no que respeita à dosimetria associada aos telefones celulares, a frequência de operação é muito reduzida face às dimensões do corpo humano, especialmente se se considerar a coluna vertebral, os ombros, as costas, o peito ou as coxas, daí que se deva escolher o modelo planar. Quanto aos métodos numéricos, utilizados com bastante assiduidade devido às dificuldades inerentes aos métodos analíticos, permitem efectuar a modelização precisa de todo o corpo humano ou de partes dele, com a finalidade não só de determinar os parâmetros e grandezas associados às radiações, mas também de simular diferentes situações de exposição em ordem a analisar-se as variações desses parâmetros e grandezas. Os mais utilizados baseiam-se no método dos elementos finitos bi e tridimensionais. 95 5.4. DOSIMETRIA EXPERIMENTAL Apesar das técnicas de análise teórica actualmente aplicadas, conferirem um grau de confiança bastante elevado aos valores dosimétricos obtidos, é aconselhável sempre que possível a realização de medições no terreno, não só para corroborar os resultados teóricos, mas também e sobretudo nas situações em que não se dispõe desses resultados teóricos. Se, por um lado, a determinação analítica dos valores da SAR é bastante complexa, a sua medição é igualmente problemática. Basta pensar-se que, para se traçar um mapa de valores de SAR no corpo inteiro ou em partes dele, seria necessário submeter o corpo a radiações RFR de diversas frequências e de diferentes níveis de exposição, assim como instalar sensores no interior do corpo, isto é, nos tecidos, ossos, órgãos, e sangue, o que seria impraticável. Na prática, utilizam-se modelos, denominados phantom models, que são materiais sintéticos equivalentes aos tecidos humanos e que permitem assim simular os materiais biológicos, sendo as medições das intensidades dos campos eléctricos e magnéticos internos realizadas através de sensores, mostrando-se na figura 5.4 um ensaio dos efeitos da radiação emitida por telefones celulares sobre os tecidos da cabeça, utilizando um phantom. Figura 5.4 – Esquematização de um sistema de medição da SAR. 5.5. DOSIMETRIA EM TELEFONES CELULARES 5.5.1. Potência Transmitida A exposição a radiação de RF emitida por telefones celulares é significativa, devido à presença da antena de emissão/recepção do próprio telefone muito 96 próxima da cabeça do utilizador, sendo comum a questão que se tem vindo a levantar com grande insistência, e que consiste na dúvida se essa exposição origina ou não riscos mais ou menos graves para a saúde humana. A resposta a esta dúvida encontra-se directamente relacionada com a potência transmitida pelos telefones celulares, que depende do próprio sistema celular assim como do construtor. Como resultado das medições efectuadas em telefones europeus oriundos de 16 construtores diferentes, concluiu-se que a mais baixa SAR média para 10 g de tecido foi de 0,28 W/kg, enquanto que a mais elevada foi 1,33 W/kg, tendo estes valores sido normalizados para uma antena com uma potência de entrada de 0,25 W. Um outro estudo experimental realizado com um phantom, permitiu concluir que a SAR na cabeça dos utilizadores de telefones celulares com kit de mãos livres, é 60 % a 96 % inferior aos valores medidos nas cabeças dos utilizadores convencionais, o que se explica pelo afastamento dos telefones em relação à cabeça. 5.5.2. Investigações sobre a SAR Seguidamente divulgam-se os resultados de alguns estudos teóricos e experimentais, que utilizaram respectivamente modelos computacionais e phantoms, para a determinação de valores indicativos para a taxa de absorção específica: • 0,09 W/kg a 0,29 W/kg de SAR em 1 g de tecido; 0,04 W/kg a 0,17 W/kg em 1 g de tecido cerebral; 0,5 mW/kg a 1,1 mW/kg em todo o corpo. Ensaio realizado com dez telefones celulares de diferentes construtores. • 1,9 W/kg em 10 g de material sintético líquido equivalente ao tecido cerebral humano, num modelo phantom cilíndrico da cabeça, exposto a um telefone celular de 0,6 W operando a 900 MHz; SARs de 3,5 W/kg e 2,5 W/kg no interior da cabeça, respectivamente a 5 mm e a 10 mm de profundidade. • SAR de 1,4 W/kg (valor bastante elevado) em telefones antigos com antenas amovíveis e com a antena recolhida; com a antena estendida, aquele nível reduziu-se significativamente. 97 5.5.3. Sensação de calor Quando se utiliza um telefone celular poderá ocorrer uma sensação de calor localizada na orelha e nos tecidos adjacentes da cabeça, devido à radiação emitida pelo telefone, ao aquecimento da bateria, e à concentração de radiação nos tecidos. Num estudo realizado com um modelo de cabeça humana, e utilizando a máxima potência de transmissão de 600 mW, foram determinadas SARs no olho do lado do telefone numa gama entre 0,007 W/kg e 0,21 W/kg, e no cérebro, em pontos muito próximos da zona de contacto do telefone, encontraram-se valores entre 0,12 W/kg e 0,83 W/kg. Quanto ao aquecimento, a temperatura do olho sofreu um aumento máximo de 0,022 oC para uma SAR de 0,21 W/kg, enquanto que a temperatura do cérebro aumentou de 0,034 oC para uma SAR de 0,83 W/kg. Num ensaio realizado com voluntários, obtiveram-se temperaturas nas suas orelhas em contacto com telefones celulares activos, entre 37 oC e 41 oC para telefones analógicos, e entre 36 oC e 39 oC para telefones digitais. 5.5.4. Procedimentos de Precaução O organismo norte-americano Food and Drug Administration (FDA) recomenda aos construtores de telefones celulares os seguintes procedimentos, em vigor desde Outubro de 1999: • Desenvolver investigação sobre os possíveis efeitos biológicos da exposição a radiações RFR emitidas por telefones celulares. • Os telefones celulares devem ser projectados de forma a que a única radiação que emitam seja apenas a estritamente necessária para o seu funcionamento. • Estabelecer um clima de cooperação entre construtores com o objectivo de informar o mais possível o público, sobre o que se conhece relativamente aos efeitos da radiação emitida por telefones celulares. O organismo britânico The Independent Expert Group on Mobile Phones (IEGMP), elaborou as seguintes recomendações, dirigidas essencialmente aos operadores de telecomunicações e às empresas de comercialização de produtos celulares: 98 • Deverão notificar as autoridades locais acerca das futuras instalações de antenas e de estações de comunicações móveis. • Deverão evitar a instalação desses equipamentos na proximidade de escolas. • Deverão disponibilizar toda a informação possível aos consumidores, para que estes possam saber, por exemplo, quais os níveis de radiação a que se encontram sujeitos ao utilizarem celulares. • Deverão desencorajar a utilização de celulares por parte de crianças. Como conclusão, deverão observar-se os seguintes procedimentos, em relação à utilização de telefones celulares: • Evitar longos períodos de conversação. A redução do uso de celulares representa mesmo a melhor opção. • Eliminar o seu uso por parte de crianças, para se evitarem possíveis efeitos adversos no desenvolvimento do sistema nervoso, ainda em crescimento. • Evitar o seu uso em locais onde o sinal é fraco. Por exemplo, a utilização em espaços fechados, ao envolver sinais fracos a partir da estação de base, potenciará a exposição de forma significativa na medida em que a intensidade do sinal que será necessária originará uma forte ligação à antena mais próxima. • Manter a sua antena o mais afastada possível da cabeça. • Manter o telefone afastado do corpo quando se encontra inactivo. Transportá-lo num bolso da camisa ou das calças, ou numa carteira suspensa do cinto, não é uma atitude correcta, a não ser que se encontre totalmente desligado. Quando transportado no bolso da camisa, a sua radiação poderá eventualmente causar alterações no ritmo cardíaco normal, e, ao ser transportado no bolso das calças ou no cinto, a medula óssea dos ossos da bacia assim como os testículos e o aparelho reprodutor feminino estarão sujeitos desnecessariamente a radiação RFR. Apesar de não existir ainda um suporte científico que permita afirmar peremptoriamente que a radiação emitida por telefones celulares origina efeitos 99 adversos na saúde humana, a melhor atitude a adoptar consiste exactamente em, por um lado, as autoridades sanitárias obrigarem os construtores e operadores a cumprirem determinadas recomendações e informar a opinião pública e, por outro, respeitar essas recomendações à letra. 5.6. VIGILÂNCIA DE ESTAÇÕES CELULARES DE BASE O rápido desenvolvimento da indústria de comunicações móveis celulares, tem vindo a resultar na instalação de um número cada vez mais elevado de antenas de emissão e recepção (base transceiver stations BTSs), as quais são instaladas em torres, telhados, ou mesmo nas paredes de edifícios. Estas antenas representam o núcleo de células de um sistema celular, daí a sua designação. Usualmente, a sua potência de transmissão situa-se entre 20 W e 50 W, sendo dependente do tipo de BTS. Na prática, as células de maior dimensão podem ser “partidas” em células de menor dimensão, as quais poderão também ser “partidas” em células ainda de menor dimensão, conseguindo-se assim diminuir a potência de célula para célula. Esta divisão permite classificar as células em três tipos: macrocélulas, microcélulas, e picocélulas. As macrocélulas representam a estrutura principal da rede de estações, tendo as suas BTSs potências de saída de algumas dezenas de watt, comunicando com telefones até cerca de 30 km. As microcélulas são utilizadas para melhorar a rede principal, especialmente quando a rede se encontra congestionada, sendo instaladas em diferentes locais, como por exemplo aeroportos, estações de caminhos de ferro, e grandes superfícies comerciais. Quanto às BTSs para as picocélulas, têm uma potência de saída reduzida (alguns watts), ainda mais baixa que a das microcélulas, e são quase sempre instaladas no interior de edifícios. Como se sabe, a densidade de potência emitida a partir das antenas diminui com o inverso do quadrado da distância à antena e, por conseguinte, a exposição ao nível do solo na vizinhança das torres das antenas é relativamente baixa quando comparada com a exposição muito próximo da antena. A instalação de antenas BTS causa frequentemente uma apreensão significativa por parte do público, sobretudo por residentes em áreas muito 100 próximas, devido aos receios inerentes aos potenciais riscos que a radiação poderá causar na sua saúde. Além disso, conforme se esquematiza na figura 5.5, o público poderá ficar submetido a radiações emitidas por diversas fontes, em determinadas circunstâncias, podendo a exposição resultante ultrapassar largamente os limites máximos de segurança recomendados. Figura 5.5 – Exposição a radiações de RF emitidas por diversas antenas emissoras/receptoras BTS. Por outro lado, devido à atenuação inerente aos edifícios, os níveis da densidade de potência no seu interior são, normalmente, 10 a 20 vezes inferiores aos níveis verificados no exterior, para distâncias similares às antenas. Todavia, em locais específicos como por exemplo os telhados dos edifícios, e dependendo da distância às antenas, os níveis de exposição são usualmente superiores aos níveis máximos de segurança recomendados. Por conseguinte, o acesso a esses locais deverá ser restringido, assim como também deverão ser medidos e controlados, os níveis da densidade de potência nas divisões dos prédios localizadas imediatamente no piso abaixo dos telhados, sendo ainda de salientar que o nível de radiação nessas divisões depende fortemente dos materiais utilizados na construção. Adicionalmente, e como se esquematiza na figura 5.6, o nível da densidade de potência na parte traseira das antenas é centenas de vezes inferior ao que se verifica nos locais situados à sua frente. Quer este facto significar que as divisões do prédio que se encontram localizadas na parte de trás das antenas têm níveis de exposição extremamente reduzidos, muitíssimo inferiores aos limites aconselháveis. 101 Figura 5.6 – Condições de radiação RFR nas imediações de uma antena emissora/receptora BTS. Com o objectivo de se cumprir com a regulamentação em vigor acerca dos limites máximos de segurança recomendados no que respeita à exposição a radiações de RF, os operadores de telecomunicações deverão avaliar se os seus equipamentos, de facto, estão ou não dentro desses limites, aceites como sendo de segurança. Figura 5.7 – Componentes de uma antena emissora/receptora BTS. Considere-se então a figura 5.7, onde se esquematizam os vários componentes de uma base transceiver station BTS. No capítulo 4, relativo ao estudo da dosimetria dos campos electromagnéticos incidentes, apresentou-se a seguinte expressão: Pd = Pt Gt 4π d 2 102 em que Pd representa a densidade de potência sobre uma determinada superfície, em W/m2, Pt a potência da antena, em W, d a distância da superfície ao centro de radiação da antena, em metros, e Gt o rácio de ganho da antena. Como se tem: Gt = 10 G / 10 sendo G o ganho da antena em dB, virá ainda, por substituição: Pd = Pt 10 G / 10 4π d 2 Por conseguinte, como se têm N transmissores virá para a densidade total: Pd = N Pt 10 G / 10 4π d 2 Por outro lado, considerando as perdas óhmicas totais do sistema, em dB: P = perdas no feeder + perdas no combiner + perdas nos cables a expressão anterior poderá ser reescrita na seguinte forma: Pd = N Pt 10 ( G − P ) / 10 4π d 2 Por conseguinte, se Pd representar o nível máximo da densidade de potência no ar, recomendado pelas normas de segurança, a distância mínima de segurança à antena será assim: d min = N Pt 10 ( G − P ) / 10 4π Pd Exercício Determinar a distância mínima de segurança de uma antena BTS, de acordo com a regulamentação em vigor, para um técnico de uma empresa de telecomunicações, de acordo com as seguintes especificações: • frequência de operação: 900 MHz 103 • densidade de potência máxima de exposição, para locais ocupacionais, e para a frequência de 900 MHz, de acordo com a regulamentação em vigor: Pd = 30 W/m2 • potência máxima transmitida pela antena: Pt = 50 W • ganho da antena: G = 16 dB • perdas totais do sistema: P = 4 dB • número de transmissores: N = 4 Por substituição de valores, obtém-se: d min = 4 × 50 ×10 ( 16 − 4 ) / 10 = 2,9 metros ( ≈ 3 metros) 4π × 30 De um modo geral, atendendo aos estudos realizados, as medições efectuadas em locais próximos de BTSs têm mostrado que os níveis de exposição em locais públicos se encontram muito abaixo dos limites máximos de segurança recomendados pelas normas em vigor. Todavia, pode suceder que os técnicos de empresas de telecomunicações fiquem temporariamente sujeitos a níveis de radiação superiores a esses limites máximos, sobretudo quando se encontram a trabalhar em telhados ou muito próximo de antenas. Como exemplo ilustrativo, alguns trabalhos de campo, no que respeita à medição dos níveis de radiação emitida por antenas de sistemas celulares, obtiveram os seguintes resultados: • Em relação a uma antena com uma altura de 45 metros, a densidade de potência encontrada ao nível do solo, junto à base da antena, foi de 0,00002 mW/cm2 para cada canal de rádio, correspondendo a 0,002 mW/cm2 para os 96 canais, tendo os valores máximos sido medidos entre 18 m a 25 m da base da antena. A 90 m de distância, os níveis encontrados foram inferiores a 0,0001 mW/cm2. • O estudo anterior, de origem americana, foi corroborado por estudos realizados na Finlândia, onde, a 50 metros de antenas BTS, mediram-se níveis inferiores a 0,010 mW/cm2, incluindo em pontos situados directamente no feixe hertziano. Todavia, medições realizadas directamente em feixes emitidos por antenas direccionais GSM com 12 canais, 104 conduziram a valores inferiores a 1 mW/cm2 a uma distância de 10 m, e inferiores a 0,010 mW/cm2, para 30 m. Por conseguinte, os níveis de exposição em telhados poderão ser superiores aos limites máximos recomendados pelas normas de segurança. • Num estudo realizado em Vancouver, no Canadá, relativamente a antenas BTS de sistemas de comunicação rádio pessoais, obtiveram-se, para a densidade de potência, os valores de 0,00016 mW/cm2 (antenas situadas ao longo das ruas), 0,0026 mW/cm2 (antena situada no telhado), e menos que 0,00001 mW/cm2 (longe das antenas), valores esses bastante abaixo dos limites de segurança recomendados, o que permitiu concluir da ausência de riscos dos utentes das cinco escolas envolvidas neste estudo. • No Reino Unido, as medições realizadas em 118 locais situados nas imediações de 17 BTSs, obtiveram valores de 0,00083 mW/cm2 a 60 m de uma antena localizada no telhado de uma escola, tendo os valores medidos nas salas interiores sido mais reduzidos que os encontrados no exterior. 105 CAPÍTULO 6. EFEITOS TERAPÊUTICOS DA ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA 6.1. INTRODUÇÃO Como se escreveu no prefácio, o pai do bioelectromagnetismo é Hipócrates, que tentou, pela primeira vez, curar cancros mamários através da exposição à radiação electromagnética do sol. 2000 anos mais tarde, já no século XVIII, Luigi Galvani tentou tratar tumores, aneurismas e hemorragias através da aplicação de energia eléctrica aos tecidos humanos, e, em 1840, Recamier e Pravaz mostraram um método de destruição de células cancerígenas no útero, por meio da utilização de electricidade, prática essa que rapidamente se tornou uma aplicação usual, tendo Fabre-Paloprat e Petrequin efectuado estudos importantes sobre esta matéria. Pichard, em 1946, alertou para o seu uso exagerado. Devido aos estudos de Helmholtz, Kelvin e Hertz, passou a utilizar-se a corrente alternada sinusoidal e, em 1869, Joubert mediu o grau relativo das contracções musculares em ligação a correntes de alta frequência em batráquios, enquanto que, em 1891, o francês d’Arsonval (1851-1940) ultrapassou o estádio da utilização das correntes eléctricas contínuas nos tecidos, ao proceder a experiências de auto-indução utilizando bobinas de excitação cilíndricas que envolviam o corpo dos seus pacientes. Em mais de 2500 experiências, constituídas por sessões de 20 minutos em que a corrente de excitação tinha uma intensidade de 450 mA, d’Arsonval demonstrou ser possível conseguir melhorias em doentes com reumatismo e artrites. Outros cientistas contemporâneos de d’Arsonval, como foi o caso de Nikola Tesla (1856-1943) e de Thomson (1853-1937) contribuíram para o desenvolvimento dos efeitos terapêuticos das ondas electromagnéticas de rádio-frequência. A partir de 1926, as técnicas cirúrgicas passaram a incluir esses efeitos terapêuticos em operações sensíveis ao cérebro, ao fígado, e à próstata, para tratar hemorragias e para controlar a multiplicação precária de células. Conforme se discriminou, de uma forma detalhada, em capítulos anteriores, o espectro de frequências tem início na frequência zero, isto é, nos fenómenos 106 associados à corrente contínua (grandezas estacionárias, ou seja, invariantes no tempo), e termina na banda da radiação electromagnética dos raios gama, da ordem de 1021 Hz (1012 GHz). Na sociedade actual, existem bastantes fontes emissoras de campos electromagnéticos, encontrando-se a espécie humana, em geral, exposta não só à influência dos campos naturais, como é o caso do campo magnético terrestre, mas também à influência dos campos electromagnéticos e da radiação criados pelo próprio homem, como resultado da sua evolução tecnológica e científica, na procura do seu bem estar social. Todavia, a proliferação de campos electromagnéticos com as mais variadas frequências – dos 50 Hz associados aos sistemas electroprodutores e de transporte e utilização de energia eléctrica, até às centenas de GHz dos sistemas de comunicações sem fios –, originou, na opinião pública, sobretudo na última década, uma tomada de consciência acerca da existência ou não de potenciais riscos para a saúde derivados da exposição a esses campos electromagnéticos, essencialmente emitidos por linhas aéreas de transporte de energia eléctrica em alta e muito alta tensão, e por antenas e telefones celulares. Por outro lado, apesar do grande volume de trabalhos de investigação teóricos e experimentais que têm vindo a ser realizados, no que respeita à explicação dos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, não existe ainda uma justificação científica universalmente aceite para esses mecanismos de interacção, devido às causas já expostas em capítulos anteriores. Adicionalmente, os desenvolvimentos mais recentes no domínio da engenharia médica tais como a imagiologia de ressonância magnética e a estimulação magnética transcraniana, têm igualmente levantado questões da mesma índole, ou seja, se os campos magnéticos de elevada densidade, da ordem de 1 tesla, exercem ou não alguma influência na saúde. Em contrapartida, os campos magnéticos de fraca densidade – entre 1 mT e 200 mT –, têm vindo a ser utilizados com fins terapêuticos, num número crescente de aplicações, como por exemplo na redução da dor, na reparação de tecidos, no tratamento do cancro e da artrite reumatóide, como se verá mais adiante. 107 Como resultado dos estudos efectuados sobre os efeitos biológicos dos campos electromagnéticos, tem vindo a acontecer um desenvolvimento notável nas aplicações médicas desses campos, incentivado pelo aperfeiçoamento da tecnologia dos magnetos supercondutores de elevada intensidade de campo. Essas aplicações médicas incluem por exemplo a estimulação magnética transcraniana (Transcranial Magnetic Stimulation TMS), que estimula o córtex cerebral humano com uma resolução espacial da ordem do milímetro, através de uma bobina de excitação colocada sobre o crânio, o sistema de interferência supercondutora quântica (Superconducting Quantum Interference Device SQUID), que permite obter imagens tridimensionais das funções cerebrais através da imagiologia de ressonância magnética (Magnetic Ressonance Imaging MRI), a imagiologia de ressonância magnética funcional (functional Magnetic Ressonance Imaging fMRI), e a magneto-encefalografia (MagnetoEncephaloGraphy MEG). As técnicas de TMS associadas às técnicas de imagiologia representam um elevado potencial de aplicações nas ciências do cérebro e da neuropsiquiatria clínica. Saliente-se, para melhor compreensão relativamente à TMS, que, quando se faz circular uma corrente de elevada intensidade na bobina de excitação durante 0,1 ms a 0,2 ms, é induzido um campo magnético de 1 T. Os recentes desenvolvimentos das tecnologias não invasivas de medição das funções cerebrais, tais como a MEG e a fMRI, têm vindo a contribuir para o rápido progresso da investigação em ciências cerebrais, tornando possível as discussões e análises dessas funções, em termos das actividades psicomotoras e associadas ao raciocínio – alegria, prazer, felicidade, êxtase, raiva, fúria, ódio, cólera, tristeza, melancolia, ansiedade. Outras investigações recentes demonstraram que a acção de campos magnéticos originam alterações magnéticas na coagulação sanguínea, assim como na orientação dos biopolímetros, o que introduz novos aspectos nas aplicações biomagnéticas na regulação dos sistemas vivos e dos materiais biológicos. Relativamente a outros órgãos fundamentais do corpo humano, como é o caso dos pulmões e do coração, são também utilizadas, respectivamente, técnicas de magneto-pneumografia (MagnetoPneumoGraphy MPG), e de magneto-cardiografia (MagnetoCardioGraphy MCG). 108 6.2. ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA TMS Esta técnica, não invasiva, consiste em aplicar, localmente no crânio, uma estimulação magnética dirigida ao cérebro, através de um campo magnético pulsante com uma densidade muito elevada, da ordem de 1 T, induzido durante 150 µs por uma corrente de grande intensidade ao circular na bobina de excitação colocada na cabeça do paciente. Esse campo induz assim correntes de Foucault no cérebro, correntes essas que excitam o sistema nervoso, tendo contribuído, nas primeiras aplicações datadas de finais da década de 1980, para a criação de mapas funcionais da área do córtex associada à actividade motora relacionada com as mãos e com os pés. Os desenvolvimentos recentes dos aparelhos TMS estereotácteis de estimulação cerebral navegada (Navigated Brain Stimulation NBS), permitem obter, de uma forma não invasiva, o mapeamento da representação espacial e temporal de qualquer actividade cerebral que reaja a estímulos magnéticos, como as actividades sensoriais, motoras, cognitivas, e a linguagem. Apesar da TMS poder causar alguns problemas, como por exemplo os distúrbios funcionais do cérebro, com as consequentes lesões, existem grandes expectativas no sentido dessa técnica contribuir para uma nova era nas ciências do cérebro, sendo os efeitos terapêuticos das curas e correcções de doenças e distúrbios neurológicos possivelmente a sua grande área de aplicação médica. Existe uma evidência muito acentuada de que a expressão de determinados genes assim como algumas funções cerebrais, sofrem uma alteração como resposta à TMS repetitiva, podendo contribuir de uma forma benéfica para o tratamento de desordens afectivas assim como da doença de Parkinson. Além disso, poderá contribuir igualmente para restaurar danos cerebrais, ao interagir com a expressão genética. Saliente-se que a TMS não causa qualquer tipo de dor, e não requer uma invasão física do corpo, podendo vir a ser adoptada como meio de diagnóstico e terapêutico. Na investigação das funções cerebrais, a aplicação da estimulação magnética para o bloqueio temporário ou para a modificação do processo de informação facultativa, assim como do processo cognitivo de diversos sistemas sensoriais, poderá ser utilizada para identificar a localização e a ligação das cadeias das funções cerebrais. Ou seja, se a estimulação 109 magnética pode efectivamente bloquear e modificar vários sistemas sensoriais, será com toda a certeza vantajosa para o tratamento da dor. A investigação sobre a compensação e a reconstrução magnética das funções neuronais em redor de neurónios com danos, poderá conduzir ao desenvolvimento de várias aplicações de estimulação baseada em campos magnéticos, incluindo o tratamento da depressão, a prevenção da demência, e o tratamento magnético por impulsos, mais seguro e mais efectivo, que substituirá a terapia electroconvulsiva de corrente (Current Electroconvulsive Therapy ECT). 6.3. MAGNETO-ENCEFALOGRAFIA MEG Esta técnica consiste na medição dos campos magnéticos de muito baixa densidade, da ordem de 10-13 T, gerados pelas correntes neuronais, campos esses detectados através da SQUID. A MEG consegue detectar as funções cerebrais com uma resolução temporal da ordem do milissegundo, e com uma resolução espacial não invasiva da ordem do milímetro, sendo assim fundamental para a investigação das funções cerebrais como a memória e a cognição. Através dos resultados obtidos associados com a memória de curta duração, a cognição, e a rotação mental, conseguiu-se já, em 1991, construir dois modelos no sentido de explicar cientificamente o funcionamento do cérebro – o modelo dipolar de corrente, e o modelo de distribuição das fontes eléctricas intracerebrais –, assim como estimar a localização de várias funções do cérebro durante o processo de informação. A fonte eléctrica de uma reacção visual evocada, com aproximadamente 150 ms de latência, localizada no córtex visual primário, foi descrita relativamente bem através do modelo dipolar de corrente, enquanto que o modelo de distribuição das fontes eléctricas intracerebrais é mais usual na estimação da fonte eléctrica incidente para uma rotação mental com uma latência de aproximadamente 180 ms ou um pouco superior. A imagiologia baseada na MEG permitiu ainda a realização de estudos interessantes relacionados com a linguagem e com o entendimento de melodias musicais, realizados no final da década de 1990 e em 2005. Os estudos relacionados com a linguagem tiveram como objectivo a examinação das características temporais e topográficas das actividades neuronais associadas à compreensão da língua japonesa e da língua coreana, enquanto que as experiências com música tiveram como finalidade analisar não só o modo 110 como a actividade cerebral se reflectia na audição de notas musicais sucessivas, mas também como essa actividade variava em função do treino e experiência musical dos ouvintes. A MEG, dentro de muito pouco tempo, será possivelmente uma técnica essencial na investigação das funções cerebrais, como complemento de uma outra técnica igualmente não invasiva, e que já é utilizada há dezenas de anos – a electroencefalografia EEG –, que apresenta uma resolução temporal da ordem do milissegundo e permite a localização das funções cerebrais e de eventuais anomalias, através da captação dos sinais eléctricos emitidos pelo cérebro. As aplicações médicas futuras incluem a detecção de ataques epilépticos, a medição de ondas electromagnéticas muito fracas associadas à existência de tumores e de doenças vasculares cerebrais, assim como a medição da actividade eléctrica cerebral induzida por campos electromagnéticos de extremamente reduzida frequência emitidos por fontes exteriores. 6.4. TRATAMENTO DE FRACTURAS ÓSSEAS Entre 1900 e 1960, enquanto que o interesse na electroterapia se encontrava em recessão, em contrapartida desenvolveram-se gradualmente os modernos princípios da fisiologia neuromuscular, incluindo claramente uma função essencial para a estimulação eléctrica. Como resultado, os maiores avanços deram-se nas últimas três décadas desse período, tendo-se expandido a electro-terapêutica à potencial correcção de tecidos e órgãos com membranas excitadas electricamente, como por exemplo os nervos e os músculos, tendose hoje em dia o coração, o diafragma, a espinal medula, e os músculos paralizados, a serem estimulados electro-terapeuticamente. Por outro lado, a descoberta das propriedades electromecânicas dos tecidos ósseos permitiu concluir que a adaptação mecânica dos ossos poderá ser interpretada em termos dos seus potenciais electromecânicos, teoria esta proposta por um cientista japonês, já no longínquo ano de 1957, e à qual propôs a designação de propriedade piezoeléctrica dos ossos. Como consequência, foi estabelecido que esse efeito piezoeléctrico surge apenas quando se aplica uma força tangencial (ou de cisalhamento) às fibras ósseas de colagénio, tornando-as escorregadias entre elas. 111 Em termos gerais, as propriedades eléctricas das substâncias biológicas podem ser divididas em dois grupos: • Propriedades activas, que descrevem a capacidade das substâncias biológicas para gerar campos e potenciais eléctricos – cérebro, sistema nervoso, coração, nervos, e músculos. • Propriedades passivas, que caracterizam as reacções das substâncias biológicas quando são estimuladas exteriormente através da aplicação de campos eléctricos e magnéticos – ossos, pele, e tendões. Na realidade, os ossos são materiais compósitos e heterogéneos, com estruturas diferentes entre si e mesmo dentro de cada osso próprio, tendo como consequência que o seu módulo de elasticidade (ou módulo de Young), é variável de ponto para ponto, variando este parâmetro com a orientação devido ainda à anisotropia do osso. Do ponto de vista eléctrico, provou-se que num osso que se encontre num estado cantiléver, isto é, com uma fractura perpendicular ao seu eixo, gera-se um potencial negativo no lado do osso que se encontra em compressão, e um potencial positivo no lado oposto, que se encontra em tracção. Na sequência desta constatação, existem resultados experimentais que provam que, ao induzirem-se correntes eléctricas da ordem do microampére, poder-se-á acelerar a formação de novo material ósseo, próximo do eléctrodo negativo, tendo ainda sido observado que a acumulação de cargas eléctricas negativas no lado côncavo de um osso defeituoso, por exemplo curvado ou torto, origina a sua regeneração, devido à remoção de material ósseo proveniente do lado convexo, onde se verifica a acumulação de cargas eléctricas positivas. Ou seja, este processo regenerativo corresponde, em termos similares, ao fenómeno electrolítico, sobejamente conhecido. É exactamente este fenómeno que permite, através da estimulação eléctrica, contribuir potencialmente para o tratamento de problemas ósseos – fracturas, defeitos, e atrasos no desenvolvimento –, osteonecrose, pseudoartrose, e osteoporose. Outros trabalhos de investigação mostram que o material biológico que compõe os ossos é um material ferroeléctrico, isto é, magnetoeléctrico, com uma estrutura constituída por dipolos que são susceptíveis de se reorientarem como resultado de um estímulo eléctrico aplicado exteriormente. Como conse112 quência, a força mecânica gerada no osso origina uma rotação dos dipolos, provocando por sua vez um deslocamento de cargas eléctricas, deslocamento esse que é tanto maior quanto mais elevado for o estímulo exterior. Deste modo, existirá uma concentração de cargas eléctricas de sinais contrários em ambos os lados do osso. De uma forma geral, existem três tipos de terapêuticas clínicas associadas à estimulação eléctrica, com o objectivo de assistir e acelerar o tratamento de fracturas ósseas: • Através de eléctrodos. A implantação destes eléctrodos, sendo uma técnica invasiva, requer uma intervenção cirúrgica que abre a porta para potenciais infecções. Adicionalmente, ocorre todo um conjunto de fenómenos eléctricos na superfície dos eléctrodos, como a electrólise e a indução de forças electromotrizes parasitas, cuja intensidade depende da tensão utilizada, do material do eléctrodo, e das suas características superficiais. No ânodo, geram-se situações de corrosão electroquímica, mesmo com intensidades de corrente muito reduzidas, existindo outros inconvenientes como sejam a impossibilidade de não se conhecerem previamente todos os trajectos por onde circulará a corrente de estimulação, e a utilização de cátodos com uma superfície significativa, ou de vários cátodos, quando as dimensões anatómicas são grandes. • Através de campos eléctricos com ligação capacitiva, Capacitively Coupled Coupled Electric Fields (CCEF). Esta técnica não invasiva consiste em aplicar externamente sobre a pele, no local da fractura, dois eléctrodos planos, aos quais se aplica uma diferença de potencial reduzida, de alta frequência, que dará origem a um campo eléctrico entre as placas, semelhante ao de um condensador, e que irá estimular electricamente os tecidos ósseos na zona da fractura, acelerando a sua regeneração. • Através de campos electromagnéticos pulsantes, Pulsed ElectroMagnetic Fields (PEMF). Esta técnica, de indução ou ligação magnética, igualmente não invasiva, por conseguinte não indutora de potenciais infecções pós-cirúrgicas, consiste em aplicar bobinas de 113 excitação sobre a pele do paciente, de forma a envolver a zona da fractura. Quando essas bobinas são excitadas através de uma corrente eléctrica, aplicada sob a forma de impulsos, gera-se um campo electromagnético de indução, o qual, por sua vez, dará origem a uma corrente eléctrica de reduzida intensidade que irá estimular os tecidos ósseos na zona da fractura. Figura 6.1 – Dispositivo de campos electromagnéticos pulsantes (PEMF). Saliente-se que, para ambas as técnicas não invasivas (CCEF e PEMF), o objectivo é gerar uma corrente eléctrica de baixa intensidade que estimule electricamente as células ósseas com o objectivo de promover a regeneração de fracturas. Todavia, a diferença reside no modo de obtenção – na CCEF tem-se uma corrente de carácter capacitivo, gerada por duas placas (armaduras) situadas na pele entre a fractura, enquanto que na PEMF se tem uma corrente de carácter indutivo, gerada por duas bobinas de excitação situadas fisiologicamente como as armaduras do sistema capacitivo. Nos Estados Unidos, a taxa de sucesso da CCEF situa-se entre 70 % e 77 %, enquanto que a da PEMF se encontra num intervalo de 72 % a 87 %. A utilização de técnicas não invasivas na cura de fracturas ósseas, representa um procedimento bastante mais limpo, no sentido de não carecer de cirurgias e das suas potenciais infecções pós-operatórias, mas também mais económico 114 em termos de saúde pública, na medida em que é uma terapêutica muito simples, para um tipo de ocorrência cada vez mais frequente. Evidentemente que, no que respeita a fracturas expostas, é inevitável a cirurgia correctiva, sendo a estimulação eléctrica extremamente útil na cura de fracturas não expostas, e na recuperação de pós-operatórios que sofreram aquele tipo de fracturas ou que, em resultado das operações, o processo de união óssea não esteja a decorrer como seria esperado. Para se avaliar a dimensão social deste problema, no que respeita à saúde pública, ocorrem cerca de 5,6 milhões de fracturas só nos Estados Unidos, das quais entre 5 % a 10 % não são curadas convenientemente. 6.5. TRATAMENTO DA OSTEOPOROSE Os ossos são constituídos por dois componentes, isto é, os componentes corticais e trabeculares, os quais, no seu conjunto, conferem aos ossos a sua dureza e robustez. Em termos de caracterização, o osso cortical é um tecido denso e compacto, enquanto que o osso trabecular é poroso e esponjoso, e tem uma estrutura rendilhada similar a uma colmeia, sendo metabolicamente mais activo que o osso cortical, daí ser mais sensível aos factores associados ao aumento ou à diminuição da massa óssea. Por definição, a osteoporose é uma doença metabólica da estrutura óssea, irreversível, sendo caracterizada pela redução da massa dos ossos e pela sua alteração estrutural, aumentando de forma significativa a sua fragilidade. Em termos microscópicos, o tecido trabecular fragiliza-se, aumentando o seu rendilhado devido à fragilização do tecido e à sua perfuração. No que respeita ao tecido cortical, aumenta igualmente a sua fragilidade sobretudo em idosos. Na prática, a robustez mecânica dos ossos afectados pela osteoporose reduz-se drasticamente, tornando-se muito mais frágeis e susceptíveis de sofrerem fracturas, quando comparados com os ossos considerados normais. A etiologia da osteoporose é heterogénea e multifactorial, devendo ser dividida em duas áreas – desmineralização óssea e fracturas: • O esqueleto humano existe num estado dinâmico de balanço entre a formação óssea e a reabsorção óssea. Por conseguinte, a osteoporose pode ser devida a uma diminuição da formação óssea ou a um aumento 115 da reabsorção, ou seja, por outras palavras, a osteoporose é devida à perda daquele balanço, com a consequente desmineralização e a perda de massa óssea, conduzindo frequentemente a fracturas. • O valor máximo da massa óssea, usualmente definido, em termos clínicos, como sendo a mais elevada densidade óssea que um indivíduo atinge como resultado do normal desenvolvimento do seu esqueleto, desempenha um papel fundamental, crítico, na determinação das fracturas dos ossos. Adicionalmente, existem outros factores como sejam as características das quedas sofridas pelos pacientes, as micro-fracturas recorrentes, a geometria dos ossos, o seu teor de medula, e a relação entre as quantidades de tecidos corticais e trabeculares, que são igualmente muito determinantes para a ocorrência de fracturas. A osteoporose representa actualmente talvez a enfermidade de maior dimensão, em termos de saúde pública, sobretudo nos países mais desenvolvidos, devido essencialmente ao aumento da esperança média de vida. Por exemplo, nos Estados Unidos esta doença afecta cerca de 25 milhões de pessoas e é a responsável directa por cerca de 1,5 milhões de fracturas por ano, que incluem 700 mil fracturas da coluna, 250 mil fracturas da bacia, 250 mil fracturas do antebraço, e 300 mil fracturas em outros locais dos membros superiores e inferiores. Em termos económicos, os custos directos e indirectos são elevados, com tendência para aumentar. Ainda relativamente aos Estados Unidos, esses custos são estimados em 10 biliões de dólares por ano. Extrapolando os valores actuais para os próximos dez anos, calcula-se que, no grupo etário de indivíduos do sexo feminino com uma idade igual ou superior a 45 anos, o número de fracturas seja de 5,2 milhões, as perdas de produção sejam iguais a 2 milhões de “pessoas x ano”, e os custos médicos directos ascendam a 45 biliões de dólares. Atendendo a esses valores, é pertinente que a gestão do problema da osteoporose e das fracturas consequentes, compreenda toda uma acção concertada que inclui o diagnóstico, a prevenção e o tratamento, no sentido da sua detecção precoce. Em termos gerais, a prevenção desta doença inicia-se com a educação do público, assim como dos médicos responsáveis pelos cuidados primários de saúde, na medida em que a redução da massa 116 óssea é um fenómeno lento e gradual, daí que a osteoporose seja considerada uma doença silenciosa. O risco de desenvolvimento desta doença pode ser reduzido seja pelo aumento máximo possível da massa óssea até à idade crítica, que se situa entre os 30 e os 40 anos, seja pela diminuição da taxa de redução de tecido ósseo. A adopção destas medidas passa inevitavelmente pela prática de um modo de vida saudável – alimentação rica em cálcio, proteínas, e vitamina D, actividade desportiva regular, não fumar, evitar o consumo de bebidas alcoólicas, e evitar o consumo de cafeína. Em termos clínicos, a grandeza que melhor reflecte os riscos de fractura é a densidade mineral óssea ou densitometria óssea (bone mineral density BMD), sendo medida pelos seguintes métodos: • Absorsiometria de raios X de dupla energia (dual-energy x-ray absorptiometry DXA), que é uma das técnicas mais utilizadas, por ser precisa, sensível, e rápida, expondo os pacientes a doses de radiação muito reduzidas. • Tomografia periférica computorizada, densitometria de raios X de simples e de dupla energia, absorsiometria radiográfica, e ultrasons. Saliente-se que cada uma destas técnicas apresenta o diagnóstico mais completo e optimizado em função do local e da zona onde se pretende medir a BMD – a DXA é a mais aconselhável para medir a BMD na coluna, no fémur, e na totalidade do corpo; a tomografia periférica computorizada para o rádio; a densitometria de raios X de simples energia para a coluna; a densitometria de raios X de dupla energia para o rádio; e os ultrassons para o calcanhar, a rótula, e a tíbia. Tal como sucede há cerca de 25 anos com a regeneração de fracturas e defeitos ósseos, conseguida através da estimulação magnética (PEMF), a utilização desta técnica representa um potencial modo de tratamento não invasivo e não farmacológico da osteoporose, tendo sido já levadas a cabo diversas experiências com algum sucesso. 6.6. TRATAMENTO DA ESCLEROSE MÚLTIPLA Estima-se que entre 10 % a 20 % dos pacientes de esclerose múltipla apresentam um percurso crónico progressivo, caracterizado por uma degradação 117 progressiva, irreversível, que tem o seu início tendencialmente numa idade avançada, e que apresenta tipicamente em primeiro lugar distúrbios motores envolvendo a capacidade de mobilidade e a fraqueza dos membros inferiores, assim como uma incidência elevada de deficiências cognitivas. Quando a doença se manifesta em idades inferiores a 35 anos, os primeiros sintomas, de natureza sensorial, podem ser precocemente detectados através de um prognóstico correctamente elaborado. Em contrapartida, quando os sinais são já de origem motora, incluindo fraqueza, espasmos, e sintomas cerebelares, não houve prognóstico ou então esses sinais foram mal interpretados. Ou seja, quando os sintomas cerebelares ou piramidais surgem dentro de 5 anos após o início da doença, tudo indicia que existiu deficiência no prognóstico, sendo de salientar que esses sintomas são mais graves no homem que na mulher. Presentemente, não existe nenhuma modalidade de tratamento farmacológico que tenha demonstrado efeitos benéficos a longo prazo relativamente aos sintomas da esclerose múltipla, não existindo igualmente modalidades terapêuticas específicas que retardem e invertam a esclerose múltipla progressiva. Na prática, muitos dos sintomas podem ser geridos e atenuados recorrendo-se a fármacos – os espasmos e convulsões são atenuados com baclofen ou com diazepam, a fadiga crónica consegue responder ao tratamento com amantadina, a dor pode ser tratada com amitriptilina ou com carbamazepina, e a incontinência urinária pode ser controlada através de uma cateterização intermitente e/ou da administração de medicamentos anticolinérgicos. Em contrapartida, tem vindo a demonstrar-se clinicamente que a aplicação transcortical de campos electromagnéticos da ordem do picotesla (10-12 T), representa a modalidade mais segura e altamente eficiente para o tratamento sintomático da esclerose múltipla, e é presentemente a única terapia que tem de facto provado que conduz a melhorias e ao retrocesso do decurso clínico em doentes diagnosticados com esclerose múltipla progressiva. Por outro lado, o controlo da euforia, da depressão e da instabilidade emocional, torna-se mais problemático, na medida em que a maioria dos pacientes não reage eficazmente a uma medicação antidepressiva. A utilização de placebos é ineficaz, na medida em que se provou que a aplicação falsa de campos magnéticos em pacientes, em ocasiões separadas, não produziu quaisquer efeitos clínicos. Somente a aplicação de campos magnéticos é que 118 originou mudanças fisiológicas rápidas, como a redução da tensão arterial e da pulsação, relaxamento, sonolência, e arrefecimento das extremidades. Além disso, é improvável que as melhorias nos sintomas se devam apenas a um retrocesso espontâneo. De um modo subjectivo, em relação a um paciente, foi constatado que o tratamento magnético produziu melhorias relativas entre 50 % a 60 %, resultado esse que foi suportado por pesquisas neurológicas objectivas. Adicionalmente, alguns dos sintomas sentidos pelo paciente, como vertigens intermitentes, fadiga, dores de cabeça, disfunções da vesícula, depressão, e disfunções sexuais, foram melhorados com a aplicação desse tratamento, tendo sido igualmente reportadas melhorias na sintomatologia cerebelar. Todavia, não deixa de ser intrigante do ponto de vista científico, como é que a aplicação a esse paciente de um campo magnético de 7,5 pT, externo, e de curta duração, foi capaz de ter originado uma melhoria tão significativa nos sintomas da sua esclerose múltipla progressiva, tanto mais que não reagiu a um placebo magnético, como se salientou atrás. A resposta a esta estimulação magnética cerebral externa atesta a sensibilidade do cérebro humano a campos magnéticos da ordem do pT e, potencialmente, como conclusão, a campos magnéticos ambientais. Como conclusão, poder-se-á afirmar que este método de tratamento, não invasivo, se se provar a sua eficácia num conjunto significativo de pacientes, poderá constituir uma modalidade clínica eficaz no controlo e recessão da esclerose múltipla progressiva. 6.7. TRATAMENTO DE DISTÚRBIOS DO SISTEMA NEUROLÓGICO Durante mais de 40 anos, era prática corrente utilizar-se a terapia de electrochoques no tratamento de doenças e anomalias do foro psiquiátrico, sendo os seus principais inconvenientes não só a necessidade de se aplicar anestésicos, mas também a deterioração das faculdades cognitivas dos pacientes. A despeito da eficiência deste método clínico, a terapia que se veio a impor consistiu na administração gradual de medicamentos, com efeito nos receptores neuronais, terapia essa que é exclusiva actualmente. Contrariamente aos electrochoques, a estimulação magnética transcraniana (TMS) induz um estímulo eléctrico altamente localizado numa determinada 119 região do cérebro, e com uma diferença de potencial muitíssimo mais reduzida, tendo-se constatado recentemente que esta terapêutica poderá ser utilizada no tratamento da depressão. Nesta técnica de TMS, faz-se circular uma corrente de elevada intensidade, por impulsos, através de uma bobina de excitação instalada tangencialmente ao couro cabeludo e centrada na parte superior da cabeça. Essa corrente eléctrica, variável no tempo, induz, por sua vez, um campo magnético de intensidade relativamente elevada, também variável no tempo, e com uma direcção perpendicular ao plano da bobina, ou seja, perpendicular à cabeça do paciente. Como esse campo magnético é variável no tempo, através da lei de indução de Faraday será gerado um campo eléctrico nos tecidos cerebrais, que se traduzirá pelo aparecimento de uma corrente eléctrica que circulará nesses tecidos. Saliente-se que, como as linhas de força do campo magnético atravessam totalmente o crânio, o dimensionamento da estimulação é facilmente executado, na medida em que essas linhas contribuem praticamente todas elas para a indução das correntes de estimulação cerebrais. Além disso, esta terapêutica não implica qualquer dor ou outra sintomatologia para os pacientes. A terapêutica TMS foi originalmente desenvolvida como um meio de diagnóstico para a investigação de distúrbios neurológicos, particularmente o funcionamento fisiológico das funções motoras. Contudo, esta metodologia também permite a examinação não invasiva das funções superiores do cérebro, isto é, a atenção, a memória, e a fala. Em trabalhos de investigação publicados a partir de 1996, foi reportado que os pacientes com doença de Parkinson e com enxaquecas podem beneficiar da terapêutica TMS, terapêutica esta que, aplicada repetitivamente, pode conduzir a melhorias em doentes com depressão, com psicoses obsessivas e compulsivas, e com stress pós-traumático. A patofisiologia dos distúrbios psiquiátricos deve ser conceptualizada em termos de uma disfunção dos circuitos neuronais e dos neurónios a um nível celular e molecular, sendo a TMS aconselhável para a investigação desses mecanismos biológicos. As correntes induzidas nos tecidos cerebrais têm os seus circuitos perpendiculares à direcção do campo eléctrico induzido, ou seja, paralelos ao 120 plano da bobina de estimulação, e, sendo essa bobina instalada tangencialmente ao escalpe, esses circuitos são paralelos à superfície cortical do cérebro, resultando numa activação dos elementos neuronais orientados horizontalmente, isto é, paralelos àquela superfície cortical. Esta activação suporta a hipótese de que, pelo menos com estimulações de baixa intensidade, são activadas as células pitamidais, contudo estas estimulações dependerão certamente da intensidade das próprias estimulações, da orientação da bobina, da condutividade dos tecidos, e da orientação das fibras nervosas. 6.8. HIPERTERMIA A hipertermia do cancro (hyperthermia treatment HT) é um tratamento no qual a temperatura local de um tecido ou da totalidade do corpo, é elevada até um determinado nível terapêutico, com o objectivo de erradicar tumores cancerígenos. Esta terapêutica tem vindo a ser aplicada em combinação com a quimioterapia, na medida em que o aquecimento aumenta a permeabilidade das membranas celulares, potenciando assim o efeito de alguns medicamentos. Atendendo a que a gama de temperaturas se deve situar entre 42 oC e 45 oC – a temperaturas inferiores o efeito da HT é mínimo, enquanto que, para valores superiores, as células normais podem danificar-se –, o principal problema da HT consiste na geração e no controlo da temperatura nos tumores, sendo a cera quente, o ar aquecido, a água quente, e a radiação infravermelha os métodos usualmente utilizados para o aquecimento da totalidade do corpo, enquanto que, para o aquecimento de áreas localizadas, utilizam-se os ultrassons, o sangue aquecido, os campos electromagnéticos de rádio-frequência, e as microondas. Na hipertermia de RF, a temperatura final dos tumores depende essencialmente da energia calorífica depositada, que depende de forma complexa da frequência do campo magnético, ou seja, da frequência das correntes induzidas, da intensidade dessas correntes, da polarização dos campos aplicados, da geometria e das dimensões do equipamento médico utilizado no aquecimento, da dimensão dos tumores, da sua profundidade, da sua geometria, e das suas propriedades dieléctricas. A energia electromagnética utilizada na HT é usualmente classificada como rádio-frequência RF, na gama entre 3 kHz e 300 GHz, ou como energia de 121 microondas, na banda entre 300 MHz e 300 GHz. Em diatermia, a frequência RF mais usual situa-se entre 13,56 MHz e 27,12 MHz, enquanto que, na terapêutica HT, se utilizam microondas de 433 MHz na Europa, e 433, 915, e 2450 MHz nos Estados Unidos. As frequências acima de 2450 MHz não são utilizadas, devido ao seu reduzido poder de penetração nos tecidos. Saliente-se que, para aquecimentos de profundidade reduzida (entre 2 cm e 5 cm), e bem localizados, normalmente utiliza-se a frequência intermédia de 915 MHz, e, para o tratamento de tumores localizados a profundidades superiores a 5 cm, torna-se necessário utilizar campos electromagnéticos com maior capacidade de penetração, daí que a frequência aplicada seja mais reduzida, estando compreendida entre 5 MHz e 30 MHz. Na prática clínica, para se produzir calor bem focalizado em profundidade, nos tumores, utiliza-se uma matriz de antenas RF dispostas ao longo de um cilindro, como se mostra na figura 6.2, para o tratamento de tumores no tronco e nos membros inferiores. A variação da radiação RF em fase e em amplitude controla a incidência do calor assim como a sua intensidade e a sua profundidade de penetração. Como se pode observar na figura, além do cilindro com as antenas, que constitui o equipamento HT propriamente dito, a paciente encontra-se monitorizada permanentemente através de um sistema de imagiologia de ressonância magnética, de modo a que se possam observar as variações de temperatura e as alterações químicas dos tecidos sujeitos a tratamento. Figura 6.2 – Equipamento de hipertermia para tratamento do cancro. A terapêutica HT é uma técnica bastante complexa, e deverá ser manipulada apenas por pessoal médico e auxiliar bastante experiente, na medida em que a 122 escolha do equipamento mais adequado depende da localização e da vascularidade do tumor e dos tecidos adjacentes, assim como condições físicas em que o paciente se encontra. No sentido de se aprofundar um pouco mais o significado da terapia térmica, saliente-se que este tipo de terapia é comummente classificado em três categorias diferenciadas, consoante não só os níveis de temperatura utilizados no tratamento, mas também o tempo de duração desse tratamento: • Diatermia. Consiste no aquecimento dos tecidos até uma temperatura de 41 oC, sendo uma fisioterapia normalmente utilizada no tratamento de perturbações reumáticas. • Hipertermia. A temperatura localizada em determinadas partes do corpo, ou na totalidade do corpo, é elevada a um nível bastante acima do normal, isto é, entre 41 oC e 45 oC, com a finalidade do tratamento de alguns tipos de cancro, por vezes em associação com outros métodos terapêuticos, como é o caso da radioterapia e da quimioterapia para se acelerar e melhorar os resultados obtidos. • Ablação Térmica. A temperatura de utilização é superior a 45 oC, com a finalidade de se destruírem as células situadas em secções localizadas de tumores cancerígenos. Esta técnica terapêutica, como se verá em detalhe no sub-capítulo 6.9, encontra-se vocacionada para o tratamento de cancros, em urologia para o tratamento de hiperplasias benignas da próstata, e em cardiologia para a estimulação cardíaca. Adicionalmente, os efeitos do calor dependem da temperatura atingida pelos tecidos, temperatura essa que, por sua vez, é função da energia térmica total aplicada, da taxa de remoção do calor, e da sensibilidade térmica específica dos tecidos. Os mecanismos associados às lesões e à destruição térmica directa assim como à termo-sensibilidade envolvem interacções complexas no interior do tecido tumoral, ao nível celular e sub-celular, sendo de salientar que a membrana celular representa o componente mais vulnerável às lesões e à destruição através do calor. Por outro lado, estudos realizados in vitro e in vivo demonstraram que a temperatura de destruição das células tumorais é inferior à da destruição das células normais, isto é, sãs, mostrando-se no quadro 6.1 os efeitos da temperatura nos tecidos biológicos. 123 Gama (oC) Duração Efeitos físicos Efeitos biológicos < – 50 > 10 min congelação destruição celular completa 0 – 25 > 10 min permeabilidade decrescente diminuição da perfusão sanguínea, diminuição do metabolismo celular, morte por hipotermia 30 – 39 sem limite sem alterações sem alterações 40 – 46 30 – 60 min alterações nas propriedades ópticas dos tecidos aumento da perfusão sanguínea, indução de termo-tolerância, morte por hipertermia 47 – 50 >10 min necrose, coagulação desnaturação proteica > 50 2 min necrose, coagulação morte das células 60 – 140 segundos coagulação, ablação desnaturação proteica, ruptura das membranas, contracção das células 100 – 300 segundos vaporização contracção das células, formação de bolhas de vapor extracelulares > 300 fracção de segundo carbonização, geração de fumos carbonização Quadro 6.1 – Efeitos da temperatura nos tecidos biológicos. A termoterapia é normalmente implementada como uma técnica minimamente invasiva, em alternativa às técnicas cirúrgicas tradicionais, no tratamento de doenças benignas e do cancro, assim como no tratamento de lesões desportivas e na regeneração e modificação de tecidos biológicos. Na prática, os termos técnicos ablação térmica, coagulação térmica, hipertermia, e termoterapia, são empregues para descrever a utilização de calor, ou seja, de energia calorífica, para modificar ou destruir tecidos biológicos, de uma forma directa. Como complemento, apresenta-se no quadro 6.2 a gama das terapias térmicas, salientando-se os níveis de temperatura, a duração do tratamento, os mecanismos biológicos, e os resultados obtidos. Saliente-se que a ablação térmica e a hipertermia com temperaturas moderadas devem ser entendidas, na prática, não como terapias alternativas uma da outra, mas sim como sendo formas complementares de terapias térmicas, isto é, nenhuma destas terapêuticas tem como finalidade principal substituir a outra. 124 Termoterapias Crioterapia Diatermia (hipertermia de baixa temperatura) Hipertermia de temperatura moderada Ablação térmica (hipertermia de alta temperatura) Temperatura < – 50 oC 40 – 41 oC 42 – 45 oC > 50 oC Duração > 10 min 6 – 72 horas 15 – 60 min 4 – 6 min Mecanismo transição entre congelação e descongelação, disrupção das membranas celulares aumento da corrente sanguínea nos tecidos, aumento do metabolismo aumento da corrente sanguínea nos tumores, aumento do nível de oxigenação das células, aumento da sensibilidade das células à radioterapia desnaturização proteica, coagulação, ablação, vaporização Resultados destruição física imediata das células reparação acelerada dos tecidos morte das células morte imediata das células Quadro 6.2 – Esquematização das termoterapias. 6.8.1. Hipertermia Local O sucesso da hipertermia como uma modalidade de tratamento reside na localização exacta da energia calorífica no interior do tumor cancerígeno, sem causar danos térmicos nos tecidos biológicos envolventes, considerados sãos. Na hipertermia local, o objectivo consiste em aumentar principalmente a temperatura dos tumores, mantendo a temperatura dos tecidos sãos envolventes, utilizando modalidades externas ou interesticiais. O calor é assim aplicado numa área reduzida, representando este tipo de hipertermia uma terapêutica eficiente no tratamento do cancro, e que obedece a um simples princípio básico: Se se conseguir um aumento de temperatura até 42 oC no interior de um tumor cancerígeno, durante 1 hora, as células do tumor serão destruídas, atendendo ainda a que os tumores malignos, por apresentarem uma circulação sanguínea deficiente, conferem-lhes uma maior sensibilidade às variações de temperatura. A hipertermia local é conseguida através de aplicadores de rádio-frequência, de microondas, ou de ultrassons, de diferentes tipos – guias de onda, espirais, de 125 lâminas de corrente –, colocados na superfície dos tumores superficiais, por meio de um bolbo de contacto, sendo a profundidade de penetração dependente da frequência e das dimensões do aplicador, situando-se normalmente entre 3 cm e 4 cm. De um modo geral, os sistemas de hipertermia local são constituídos por um gerador de ondas electromagnéticas, por um sistema computorizado de controlo e regulação da temperatura, pelo aplicador, pelo bolbo de contacto, e por uma sonda de temperatura, como se esquematiza na figura 6.3. Gerador de energia electromagnética Computador Aplicador Bolbo Pele Tumor Sonda (termistor) Figura 6.3 – Sistema de hipertermia local. O aquecimento de áreas reduzidas, usualmente até 50 cm2, com a finalidade de tratar tumores que se encontram localizados na pele ou imediatamente abaixo dela, até uma profundidade de 4 cm, é, actualmente, fácil de se conseguir, utilizando uma hipertermia local externa ou então em combinação com a radioterapia. Esta técnica de hipertermia local externa é utilizada para o tratamento de pacientes com tumores ou metástases superficiais cutâneos ou 126 subcutâneos, como é o caso de melanomas superficiais recorrentes, de cancros superficiais nas paredes do tórax, e das metástases nodais da coluna cervical, associadas a cancros na cabeça e no pescoço. Habitualmente, o calor é aplicado através de ondas de energia electromagnética de alta frequência, geradas numa fonte exterior ao corpo humano. A hipertermia local endocavitária é utilizada como meio terapêutico para o tratamento de tumores localizados em cavidades ou em zonas próximas, no corpo humano, como é o caso dos tumores gastrointestinais (recto, esófago), dos tumores ginecológicos (vagina, útero), dos tumores genitourinários (próstata, bexiga), e dos tumores pulmonares (traqueia, brônquios). O aquecimento, que é bastante localizado, é conseguido através de eléctrodos que são directamente introduzidos nas cavidades em questão. Uma outra técnica de hipertermia local, a hipertermia local interesticial, é utilizada para o tratamento de tumores que se encontram a uma certa profundidade no corpo humano, como sucede, por exemplo, com os tumores cerebrais. O equipamento usado inclui diversos tipos, consoante a técnica em que se baseiam – utilização de energia de rádio-frequência, a 0,5 MHz; utilização de microondas, entre 300 MHz e 2450 MHz, instalando pequenas antenas nos tumores através de orifícios minúsculos; utilização de implantes ferromagnéticos que aquecem por meio de correntes induzidas; utilização de tubos de água aquecida; utilização de raios laser. Esta técnica permite que os tumores sejam aquecidos até temperaturas mais elevadas que aquelas que se conseguem com técnicas de aquecimento exterior, havendo ainda a vantagem suplementar de se conseguir controlar melhor a distribuição de calor. Todavia, é uma terapêutica invasiva, com as dificuldades inerentes à aplicação de tratamentos repetitivos. Sob anestesia, as antenas, de espessura finíssima, são introduzidas no corpo, com a finalidade de depositarem a energia electromagnética suficiente para o aquecimento pretendido. Para o tratamento de regiões de dimensão superior à profundidade de penetração da energia electromagnética correspondente à frequência utilizada, a taxa de absorção específica SAR requerida normalmente não é conseguida através de uma única antena, sendo empregues matrizes de antenas. Saliente-se ainda que a colocação das antenas é controlada em tempo real através de equipamentos de imagiologia, para que não se verifiquem desvios em relação ao local. 127 6.8.2. Hipertermia Regional Esta terapêutica é especialmente indicada para pacientes com tumores já em fase de desenvolvimento avançado, e situados em zonas relativamente profundas, como sucede por exemplo com os carcinomas da pélvis e do abdómen. Comparativamente com a hipertermia local, a aplicação desta técnica de hipertermia regional é bastante mais complexa, devido à larga variação no respeita às propriedades físicas e fisiológicas dos tecidos abrangidos, sucedendo que a aplicação da energia electromagnética se processa não só, essencialmente, às áreas tumorais, mas também, como consequência, aos tecidos sãos envolventes. Perante esta situação, o controlo do calor aplicado aos tumores é possível apenas quando a dissipação de calor através da corrente sanguínea nos tecidos sãos, é superior à dissipação nos tecidos tumorais. Esta terapêutica é aplicada usualmente em combinação com a radioterapia, no tratamento de tumores da pélvis, e de carcinomas do recto, da coluna cervical, da vesícula, e da próstata. Como se salientou, a maior dificuldade associada a esta terapêutica reside no aquecimento dos tumores, aquecimento esse que se deve processar exclusivamente nos tumores e não nos tecidos vizinhos, sãos. Como tal, têm vindo a ser desenvolvidos equipamentos médicos de aquecimento, que permitem realizar a deposição da energia electromagnética exclusivamente nos tumores, com a particularidade desse aquecimento ser feito exteriormente, sem técnicas invasivas, denominando-se essa terapêutica por hipertermia regional de profundidade. Este tipo de hipertermia regional é conseguido através de aplicadores externos constituídos por quatro pares de antenas dipolares, dispostas em anéis que se colocam à volta dos pacientes, sendo este equipamento designado comercialmente por Sigma-60. Outro tipo de equipamento comercial, da última geração e designado por Sigma-Eye, é constituído por três anéis contendo cada um deles quatro pares de antenas dipolares planas. Uma outra terapêutica consiste na denominada hipertermia regional de perfusão, em que se extrai sangue dos pacientes afectados por carcinomas, sangue esse que é aquecido exteriormente, efectuando-se depois a respectiva transfusão para os órgãos afectados. É uma técnica que poderá ser utilizada no tratamento de cancros nos membros superiores e inferiores, assim como de 128 melanomas e de cancros noutros órgãos, como por exemplo no fígado e nos pulmões. Em contraste com as terapêuticas de aquecimento externo, este tipo de hipertermia apresenta riscos consideráveis tais como o aparecimento de neuropatias e de amputações dos membros. Contudo, como contrapartida, a hipertermia regional de perfusão, feita de forma isolada em membros assim como de forma interperitoneal, a diferentes temperaturas, conduz a taxas de resposta bastante mais eficientes que as verificadas com tratamentos convencionais à base de quimioterapia. Num futuro muito próximo, como resultado das investigações que têm vindo a ser realizadas, será igualmente possível utilizar esta terapêutica no tratamento de cancros nos ovários, em conjunção com a quimioterapia, e na cavidade peritoneal (abdómen, intestinos, estômago, e fígado), através de hipertermia regional de perfusão contínua, em que a temperatura nessa cavidade será mantida entre 41 oC e 42 oC. 6.8.3. Hipertermia de Corpo Inteiro As primeiras tentativas de aplicação desta terapêutica remontam a 1890, terapêutica essa que, funcionando a temperaturas limites de 42 oC, representa uma condição patofisiológica distinta e complexa, e que apresenta um impacto tremendo no metabolismo dos tecidos biológicos, na corrente sanguínea, no funcionamento dos órgãos, e na regeneração de tecidos. Por exemplo, o metabolismo basal de um ser humano com um peso médio de 70 kg é de 85 W a uma temperatura de 37 oC, duplicando a 42 oC, ou seja, se se considerar um isolamento térmico perfeito (dissipação de calor nula – acumulação no corpo humano de toda a energia calorífica por ele produzida), em 180 minutos, isto é, em 3 horas, a temperatura subiria de 37,5 oC até 42 oC. Na prática, este tipo de hipertermia, associada à radioterapia e à quimioterapia, é utilizada não só no tratamento de cancros malignos, já na fase de possuírem metástases, mas também no tratamento de tumores nos ossos, e da própria SIDA. Esta hipertermia deve ser aplicada apenas a pacientes cujo estado geral de saúde apresente boas condições e, quando combinada com a administração de outros medicamentos, deve-se, em primeiro lugar, verificar a segurança dessa administração. Normalmente, devem-se administrar sedativos ou mesmo anestesia geral aos pacientes, controlando-se permanentemente os seus sinais vitais, a temperatura corporal, e as funções cardíacas. 129 Tecnicamente, existem três métodos para se conseguir atingir as temperaturas pretendidas – por condução térmica, sendo o aquecimento processado exteriormente; por indução extracorporal, em que se retira sangue do paciente, que é aquecido até 42 oC, efectuando-se imediatamente a seguir, enquanto se encontra a essa temperatura, a sua transfusão para o paciente; por indução de energia electromagnética. A tolerância, por exemplo, do fígado e do tecido cerebral, limita a temperatura máxima ao intervalo 41,8 – 42,0 oC, podendo, contudo, essa temperatura ser mantida por várias horas. Adicionalmente, o aquecimento poderá ser acompanhado através de fontes de calor tais como a imersão em líquidos aquecidos, o ar quente, os cobertores aquecidos, ou as câmaras de aquecimento, do tipo das incubadoras. 6.8.4. Hipertermia Extracelular Como se descreveu anteriormente em pormenor, a hipertermia convencional consiste em aquecer os tecidos malignos até uma determinada temperatura, aquecimento esse que se encontra circunscrito apenas à região tumoral, com a finalidade de se destruir as respectivas células malignas, sendo a temperatura de tratamento o principal parâmetro técnico e fisiológico a controlar. Contudo, têm surgido algumas discussões científicas relacionadas com este processo, na medida em que não se conhecem ainda em pormenor quais os mecanismos biofísicos de interacção entre os tecidos biológicos e o armazenamento e a condução de calor. Na sequência dessas dúvidas, surgiu a hipertermia extracelular, também designada por electro-hipertermia ou por oncotermia, que consiste em aquecer os tecidos envolventes das células, através de campos eléctricos induzidos, sendo a absorção da energia calorífica processada através do líquido extracelular. Este tipo de hipertermia é baseada assim na transferência de energia, com ligação capacitiva, a uma determinada frequência, e que é primeiramente absorvida pela matriz extracelular, devido à impossibilidade de penetrar na membrana celular. Assim sendo, e contrariamente à temperatura na hipertermia convencional, a energia térmica absorvida, isto é, a dose térmica, representa o parâmetro principal a ser controlado, na medida em que essa energia origina a mudança em muitos dos processos energéticos nos tecidos e na sua fisiologia. 130 6.8.5. Equipamentos de Aquecimento Como se depreendeu anteriormente, os sistemas clínicos de hipertermia operam com o objectivo de elevar a temperatura de determinados tecidos, localizados, utilizando radiação de ultrassons (ondas de frequência na gama entre 2 MHz e 20 MHz), ou radiação electromagnética. A maioria dos equipamentos são de utilização externa, devendo ser eficientes, fiáveis, seguros, e que assegurem de uma forma correcta e precisa a quantidade de energia transferida e, consequentemente, a temperatura atingida pelos tecidos em tratamento. a) Técnicas Devido essencialmente aos grandes desenvolvimentos que se têm verificado no domínio da engenharia electrotécnica e informática, com reflexos significativos no que respeita aos equipamentos médicos de terapia e de diagnóstico, tornou-se possível construir aplicadores de hipertermia que funcionam à base de ultrassons, de radiação electromagnética de rádio-frequência, e de radiação electromagnética de microondas. Para que esses aplicadores sejam integralmente não invasivos, evitando-se a introdução de termistores directamente nos tecidos tumorais em tratamento, a hipertermia é aplicada em associação com a imagiologia de ressonância magnética, com a finalidade de se monitorizar permanentemente as temperaturas atingidas. b) Dispositivos Externos de Rádio-Frequência As investigações iniciais sobre a utilização de ondas electromagnéticas de rádio-frequência tiveram lugar em 1891, graças aos trabalhos de d’Arsonval, que demonstrou que essas ondas atravessam os tecidos biológicos, originando um aumento de temperatura mas sem provocarem qualquer excitação neuromuscular. Estas observações conduziram, a meio da década de 1900, à utilização médica da electrocauterização e da diatermia. Modernamente, para se elevar a temperatura de tumores profundos e com uma dimensão considerável, utilizam-se dispositivos que geram campos electromagnéticos de rádio-frequência, na gama de 10 MHz a 120 MHz, e com comprimentos de onda que são mais longos que a dimensão do corpo humano. O objectivo consiste assim em gerar um campo eléctrico alternado sinusoidal 131 no interior do tecido biológico em tratamento e, atendendo à diferença significativa de resistência eléctrica entre o eléctrodo metálico mergulhado no tecido e o próprio tecido, o campo eléctrico induzido origina a agitação dos iões existentes no tecido tumoral, iões esses que imediatamente se distribuirão em torno do eléctrodo. Esta agitação iónica gera calor, devido aos choques e aos atritos existentes entre os iões energizados, conseguindo-se assim o aumento de temperatura desejado, sendo essa temperatura permanentemente controlada através da regulação da dose de radiação electromagnética emetida pelo sistema de hipertermia. Um outro equipamento em franca expansão, utilizado no tratamento dos carcinomas da próstata e da mama, utiliza a radiação electromagnética de microondas, nas frequências de 434 MHz, 915 MHz, e 2450 MHz, emitidas por meio de antenas, sendo a temperatura controlada através de sensores sem contacto directo com os tecidos, o que transforma esta terapêutica numa técnica não invasiva. c) Dispositivos Externos de Radiação Electromagnética Estes dispositivos baseiam-se nos efeitos capacitivos e indutivos para gerarem a energia térmica suficiente para aquecerem os tecidos em tratamento até às temperaturas pré-definidas. Os dispositivos capacitivos são constituídos por um gerador de rádio-frequência, um medidor de potência, um conjunto de aplicadores com eléctrodos, um sistema de controlo de temperatura, um conjunto de cabos eléctricos de ligação, e um dispositivo para colocar mecanicamente todo o sistema no paciente. A energia electromagnética é transmitida do gerador ao paciente, através de cabos coaxiais ligados a dois eléctrodos que são colocados em lados opostos do corpo do paciente, permitindo a variação da posição destes eléctrodos transmitir a energia através de diferentes ângulos e em diferentes locais. Estes equipamentos operam a frequências de 13,56 MHz e de 27,12 MHz, funcionando os dois eléctrodos como as armaduras de um condensador, sendo os tecidos a tratar o respectivo material dieléctrico. O campo eléctrico criado nos tecidos tumorais dá origem, por sua vez, a uma corrente eléctrica de deslocamento que irá agitar os iões do tumor, gerando assim energia calorífica derivada dos choques entre eles e do atrito inerente à sua movimentação. 132 Quanto aos dispositivos indutivos, são essencialmente constituídos por um gerador de rádio-frequência, um medidor de potência, um ou mais aplicadores com bobinas de indução, um sistema de controlo de temperatura, um conjunto de cabos eléctricos de ligação, e um dispositivo para colocar mecanicamente todo o sistema no paciente. Deste modo, como o campo magnético gerado pelo dispositivo é alternado sinusoidal, isto é, variável no tempo, serão induzidas correntes eléctricas, igualmente variáveis no tempo, nos tecidos em tratamento, provocando o seu aquecimento por efeito de Joule. Estes equipamentos operam a frequências de 13,56 MHz, 27,12 MHz, e de 40 MHz, sendo especialmente aconselháveis para a terapia de tumores profundos, acima de 5 cm, devido à elevada capacidade de penetração destas ondas electromagnéticas de indução. d) Dispositivos Interesticiais e Intracavidades Em 1976 foi sugerido que a aplicação de correntes eléctricas de rádio-frequência entre dois eléctrodos de aço inoxidável poderia ser utilizada para gerar temperaturas elevadas em tumores profundos, situados a 3 ou mais centímetros da pele, sendo este basicamente o princípio que preside à concepção e construção destes dispositivos de hipertermia. Por conseguinte, estes dispositivos, invasivos, consistem num gerador eléctrico e num conjunto de antenas ou de eléctrodos que são implantados directamente, de forma interesticial, nos tumores a tratar, que se encontram acessíveis, sendo aplicada uma tensão alternada sinusoidal entre pares de eléctrodos com a finalidade de criar correntes eléctricas que provoquem o aquecimento dos tecidos por efeito de Joule. Esta técnica apresenta a vantagem de maximizar a temperatura do tumor, ao mesmo tempo que minimiza os riscos de danos nos tecidos sãos envolventes. Quanto aos dispositivos intracavidades, o seu princípio é rigorosamente o mesmo, com a diferença de que os eléctrodos são colocados em cavidades fisiológicas, para se ter acesso a tumores mais profundos, isto é, não acessíveis. Quando comparados com os sistemas interesticiais, os dispositivos intracavidades representam a versão interior dos dispositivos superficiais, mas aplicados nas cavidades apropriadas do corpo humano, minimizando a quantidade de tecido são situado entre o aplicador e o tumor, assim como os potenciais danos causados pelo seu eventual aquecimento. 133 e) Dispositivos baseados em Nanotecnologia Conforme ficou patente ao descreverem-se as diversas terapêuticas e os vários equipamentos associados à hipertermia, o maior problema relacionado com o tratamento por hipertermia diz respeito à dificuldade inerente a conseguir-se uma distribuição homogénea da energia calorífica em todo o tecido carcinogénico a ser tratado. Esta especificidade limita por vezes a utilização deste tipo de terapêutica, na medida em que, por um lado, essa não homogeneidade na distribuição do calor poderá conduzir a um tratamento pouco eficaz e, por outro, poderá verificar-se um sobreaquecimento dos tecidos normais que rodeiam o tumor, podendo eventualmente danificá-los. A terapia do cancro baseada em nanotecnologia, também designada por hipertermia de fluído magnético ou por terapia nanocancerígena, representa uma forma de hipertermia interesticial, com a vantagem de se poder seleccionar a quantidade de calor depositada no tumor, de forma a conseguir-se não só uma distribuição homogénea desse calor, mas também a protecção dos tecidos sãos envolventes. É uma das primeiras aplicações da nanotecnologia em medicina, e baseia-se no aquecimento por indução de nanopartículas de óxido de ferro, depositadas no interior dos tumores, sob a acção de um campo magnético variável no tempo. Os materiais utilizados deverão apresentar um baixo nível de toxicidade, assim como um momento magnético de saturação bastante elevado no sentido de se minimizar as doses requeridas para se alcançar as temperaturas pretendidas, sendo normalmente empregue a magnetite (Fe3O4), uma vez que apresenta um elevado ponto de Curie, um elevado ponto de saturação, e, em testes clínicos, provou ter uma toxicidade muito reduzida. Esta terapêutica tem vindo a ser aplicada no tratamento de tumores cerebrais, de melanomas, do cancro nos rins, e do cancro na língua. 6.8.6. Hipertermia e outras Terapêuticas A hipertermia tem vindo a ser utilizada, como se constata, no tratamento de tumores resistentes de diversos tipos, todavia com resultados ainda não totalmente satisfatórios. Em muitas situações, consegue-se erradicar totalmente os tumores, contudo poderá suceder que voltem a desenvolver-se posteriormente ao tratamento. Além disso, muitos tumores encontram-se em zonas por vezes inacessíveis, tornando-se ineficaz a utilização dos diversos tipos de 134 hipertermia, e, adicionalmente, a distribuição do calor apresenta-se como sendo bastante não homogénea. Como tal, o maior contributo em termos de eficiência que se consegue obter através da utilização da hipertermia, consiste em associá-la a outras terapêuticas, mais convencionais, como é o caso da radioterapia, da quimioterapia, e da radioquimioterapia. a) Hipertermia e Radiação Os efeitos sinergéticos que se conseguem obter através desta combinação, mostram que se obtêm resultados mais completos e duradouros que os que são obtidos com a utilização isolada da radioterapia, em tumores superficiais. Este fenómeno justifica-se pelo facto da hipertermia causar um aumento da corrente sanguínea, o que, por sua vez, resulta num aumento da oxigenação dos tecidos, conduzindo a um incremento temporário da rádio-sensibilidade dos tecidos em tratamento, facilitando e potenciando assim a aplicação da radioterapia. Biologicamente, a hipertermia apresenta dois diferentes tipos de interacção com a radiação. O primeiro, conduz a um efeito, como se descreveu, de rádio-sensibilização. Contudo, se bem que este seja o efeito mais proeminente da associação entre a hipertermia e a radioterapia, sucede que o aumento da rádio-sensibilidade se verifica não só nos tumores mas também nos tecidos normais envolventes, o que poderá não ser muito eficiente no tratamento a não ser que a temperatura no tumor seja bastante mais elevada que nos tecidos envolventes. Quanto ao segundo tipo de interacção, a hipertermia exibe um efeito citotóxico directo, podendo assim um tratamento térmico moderado, aplicado de forma isolada, destruir selectivamente células tumorais. Em termos gerais, a aplicação conjunta de hipertermia e de radioterapia tem vindo a provar, clinicamente, as suas vantagens no tratamento oncológico, constatando-se ser mais eficiente que a utilização isolada da radioterapia no tratamento de determinados tipos de tumores. b) Hipertermia e Quimioterapia A prática clínica demonstra que se torna impossível utilizar a quimioterapia no tratamento de tumores sólidos e profundos, sem se incorrer no aparecimento de efeitos tóxicos secundários que afectam outros órgãos do corpo humano, 135 devido à injecção dos agentes químicos na corrente sanguínea, agentes esses que atingem os tumores devido à deterioração dos vasos situados na vizinhança dos tumores. Por outro lado, diversos estudos clínicos têm demonstrado que um aumento da temperatura das células, induzida através da absorção de energia electromagnética de rádio-frequência, aumenta consideravelmente a eficiência da quimioterapia no tratamento de tumores malignos, na medida em que não se torna necessário aumentar a dosagem dos agentes químicos a injectar na corrente sanguínea. c) Hipertermia e Radioquimioterapia A radioquimioterapia é uma terapêutica que combina entre si a aplicação simultânea de radioterapia e de quimioterapia, sendo utilizada em pacientes com cancro do recto, tendo-se constatado que a eficácia desta terapia é reforçada pela aplicação simultânea de hipertermia com a finalidade de aquecer os tumores e potenciar assim a eficiência tanto da radioterapia como da quimioterapia. d) Hipertermia e Terapia Genética Pode-se definir a terapia genética como sendo um tratamento no qual se introduz material genético numa célula, com a finalidade de se aumentar ou modificar as suas funções. Isto resulta na fabricação de proteínas, as quais são directamente terapêuticas ou então interagem com outras substâncias no sentido de exercerem um efeito terapêutico. Por outro lado, para se conseguir tratar um cancro com uma eficiência elevada, o material genético deverá exercer o seu efeito exclusivamente sobre o tumor, ou em células associadas, e nunca sobre as células normais, e muito menos eliminar a resposta imunitária do organismo, fundamental para o sucesso da terapia. Na prática, conseguem-se atingir estes objectivos combinando a terapia genética com a hipertermia de corpo inteiro, contribuindo esta hipertermia para a dilatação dos vasos sanguíneos do tumor, no sentido de fazer com que um maior número de liposomas o atinjam para que forneçam o seu conteúdo em ADN às suas células cancerígenas. Esta sequência biofísica aumenta a quantidade de proteína criada pela incorporação de ADN, reforçando o sistema imunitário, que enviará células especializadas para os tumores com a missão de os destruir. 136 6.8.7. Estado Actual e Tendências Futuras A hipertermia representa uma terapêutica oncológica emergente e em franco desenvolvimento, sendo, sem dúvida, uma modalidade eficiente no tratamento do cancro, como o provam os resultados clínicos obtidos até agora, resultantes da sua aplicação isolada, ou em combinação com outras terapêuticas oncológicas – radioterapia, quimioterapia, radioquimioterapia, e terapia genética. O seu desenvolvimento futuro passa pela investigação biomédica no sentido de se justificarem plenamente os mecanismos de interacção entre a absorção de energia calorífica por parte dos tecidos cancerígenos e a sua destruição. De facto, apesar de se ter demonstrado em testes in vitro que a hipertermia das células conduz à sua destruição, não se conseguiu ainda encontrar uma explicação científica para os mecanismos biofísicos que relacionam a hipertermia com os danos e a destruição dessas células. Adicionalmente, a expansão e a consolidação da hipertermia como uma terapêutica clínica primária, passa igualmente pelo desenvolvimento das tecnologias de termometria e de aquecimento com base na energia derivada da radiação electromagnética de rádio-frequência. Evoluções recentes, no domínio da instrumentação, permitem já que a transmissão e a absorção da energia electromagnética se realize de uma forma bastante precisa, segura e fiável, sendo utilizadas técnicas de ultrassons, de rádio-frequência, e de microondas, mostrando-se no quadro 6.3 as características principais destas três tecnologias – vantagens, desvantagens, e domínios de aplicação. É de recordar que a eficiência da hipertermia encontra-se directamente relacionada com a temperatura atingida pelos tecidos cancerígenos durante o respectivo tratamento, assim como com a duração do próprio tratamento e com as características biofísicas das células e dos tecidos, daí que se deva investir fortemente no desenvolvimento de sistemas de controlo de temperatura, de forma a assegurar-se que os níveis pretendidos de calor possam ser atingidos, mantidos e devidamente localizados, de forma rigorosa, no interior dos tumores. Por outro lado, a utilização de meios informáticos poderosos permitem actualmente a elaboração de ferramentas de cálculo numérico, baseadas em elementos finitos, que proporcionam uma análise completa e rigorosa, a duas e três dimensões, da distribuição da temperatura não só nos tumores mas também nos tecidos normais envolventes. 137 Como conclusão, pode-se afirmar que a hipertermia não é ainda uma terapêutica totalmente desenvolvida, existindo ainda alguns problemas a resolver. Contudo, não existem dúvidas de que se irá afirmar como um tratamento de referência em termos de oncologia. Técnicas Vantagens Desvantagens Aplicações Ultrassons Boa focalização nos tecidos. Inexistência de queimaduras nos tecidos adiposos. Aquecimento possível entre 5 e 10 cm de profundidade, com um simples transdutor, e até 20 cm com múltiplos transdutores. Temperatura fácil de medir e de controlar. Áreas aquecidas de reduzida dimensão. Ausência de penetração nas interfaces entre os tecidos e o ar. Tratamento de tumores superficiais, e de tumores regionais profundos (lesões superficiais, cancros no cérebro e no pescoço, e lesões nas extremidades). Rádio-frequência Instrumentação simples. Blindagem não necessária. Área de tratamento elevada. Eléctrodos não limitados em dimensão. Dificuldade de controlo dos campos eléctricos. Somente nas áreas onde o tecido adiposo é fino se podem utilizar sistemas capacitivos. Hipertermia regional, com aplicadores externos. Tratamento de grandes tumores superficiais no pescoço, nos membros superiores e inferiores, no cérebro, no tórax, e no abdómen. Microondas Tecnologia bastante avançada. Possível aquecer grandes volumes. Existência de antenas para colocação em cavidades do corpo. Existência de diferentes tipos de aplicadores. Inexistência de queimaduras em tecidos adiposos. Calor não localizado em profundidade. Penetração limitada a frequências elevadas. Medição da temperatura complexa. Possíveis efeitos na saúde dos operadores. Necessária blindagem magnética nas salas de tratamento, excepto para a frequência médica reservada (915 MHz). Tratamento de tumores superficiais na mama, nos membros superiores e inferiores, na próstata, e no cérebro. Quadro 6.3 – Comparação entre as técnicas de hipertermia. 138 6.9. ABLAÇÃO POR RÁDIO-FREQUÊNCIA 6.9.1. Aplicações Clínicas A ablação de rádio-frequência (rádio frequency ablation RFA) é uma técnica de electrocauterização que permite a destruição de tecidos por meio de correntes eléctricas, sendo usual a sua utilização em cirurgia, onde se recorre a correntes de alta frequência para se cauterizar pequenos vasos sanguíneos com o objectivo de se estancarem hemorragias. Desde os anos 80 do século passado que a RFA tem vindo a ser adoptada como um método eficaz para a geração de coagulação necrótica induzida termicamente em tumores, seja através de aproximação sub-cutânea com imagem guiada, ou através da introdução cirúrgica de eléctrodos nos próprios tecidos. Com esta terapêutica, os tumores necróticos perdem volume e desaparecem ao longo do tempo. Contrariamente à hipertermia, onde a temperatura dos tumores é elevada a valores inferiores a 45 oC, na RFA utilizam-se campos eléctricos de RF, entre 375 kHz e 500 kHz, com a finalidade de se produzirem correntes iónicas nos tecidos e, consequentemente, perdas por efeito de Joule, que elevem as temperaturas desses tecidos a, pelo menos, 50 oC. Para temperaturas entre 50 oC e 52 oC, a necrose das células é atingida entre 4 a 6 minutos, enquanto que, para temperaturas superiores a 60 oC, é atingida em poucos segundos. Todavia, as temperaturas superiores a 100 oC devem ser evitadas, para se prevenir o sobreaquecimento dos tecidos, a sua vaporização, e a sua carbonização, fenómenos estes que aumentam a impedância dos tecidos, resultando numa ablação reduzida. Na prática, a energia de RF deverá ser introduzida através da colocação dos eléctrodos no centro do tumor e, para a sua destruição adequada, todo o volume da lesão cancerígena deverá ser submetido a temperaturas citotóxicas de 50 o C a 100 o C durante 4 a 6 minutos. Com eléctrodos unipolares, conseguem-se coagular tecidos com diâmetros de apenas 1,6 cm, enquanto que, com eléctrodos multipolares, a eficácia relativa à distribuição do calor é bastante mais elevada, conseguindo-se coagulações até 7 cm de diâmetro, na medida em que se consegue induzir correntes num volume muito maior de tecido. 139 Adicionalmente, as variações de temperatura são monitorizadas através de termopares embebidos nos tecidos, ou então através das variações de potência da fonte, que se encontram directamente relacionadas com as variações de impedância e de corrente nos tecidos. Apesar dos grandes benefícios inerentes a esta terapêutica, é ainda bastante problemático atingir lesões de grande dimensão, devido à baixa condutividade dos tumores e aos efeitos térmicos dos vasos sanguíneos próximos. Por conseguinte, no sentido de se alargar a área de influência dos eléctrodos de ablação, têm-se vindo a utilizar métodos complementares com o objectivo de se modificar as características biológicas dos tecidos, que incluem: • Injecção de compostos salinos ou outros, para se aumentar a condutividade eléctrica dos tecidos e, consequentemente, a sua condutividade térmica. • Injecção de compostos salinos, apenas durante a aplicação do tratamento com os eléctrodos de ablação. • Redução da circulação e do caudal sanguíneos, através de oclusão. • Controlo e modulação da circulação sanguínea através da administração de medicamentos adequados. Demonstrou-se igualmente, em termos práticos, que a aplicação da terapêutica RFA associada à quimioterapia ou à quimioembolização, torna-se mais eficaz do que aplicada individualmente. Quanto às aplicações clínicas da RFA, descrevem-se os resultados obtidos, nos Estados Unidos, mais relevantes: • Cancro do fígado. Em 15 anos de utilização, os resultados obtidos com 3000 pacientes tratados mostram uma eficácia elevada da RFA per-cutânea em tumores de pequena dimensão (< 3 cm), uma ablação completa em 70 a 75 % de tumores entre 3 cm e 5 cm, e 25 % em tumores de maior dimensão. • Cancro do rim. A RFA é uma técnica bastante eficiente na ablação de tumores inferiores a 3 cm, e, os resultados obtidos com pacientes tratados com esta terapêutica, sugerem uma taxa de sucesso entre 70 % a 90 %. 140 • Ossos. A RFA tem sido utilizada, por mais de dez anos, no tratamento do osteoma osteóide, que é uma lesão benigna ligeiramente dolorosa. O eléctrodo é instalado no osso, no local da lesão, sendo activado durante 4 a 6 minutos, para uma temperatura de 90 oC. A taxa de sucesso das ablações simples é de 91 % a 94 %, com um acompanhamento de longo prazo, podendo fazer-se a ablação das recorrências mais tarde, através de um segundo procedimento. Os resultados obtidos com um grupo de 38 pacientes, para um período de 12 a 66 meses, mostraram um sucesso clínico primário e secundário respectivamente de 78,9 % (30/38 pacientes), e de 97 % (35/36 pacientes). • Cancro da mama. A utilização da RFA como terapêutica complementar do tratamento deste tipo de cancro é ainda muito incipiente. Contudo, reportou-se, por histologia, a coagulação necrótica em 96 % de pacientes, a seguir a uma intervenção cirúrgica. 6.9.2. Considerações Técnicas Como se salientou anteriormente, a ablação por rádio-frequência representa uma terapêutica que utiliza uma corrente eléctrica alternada sinusoidal de elevada frequência, situada na gama 375 – 500 kHz, com o objectivo de induzir um aquecimento electromagnético nos tecidos até atingirem o seu ponto de coagulação térmica, com vista a destruí-los, sendo de destacar o facto desta terapia de ablação ser a mais comum nos Estados Unidos. Em termos tecnológicos, os geradores de energia de rádio-frequência têm a sua potência nominal limitada a 200 W, estando em fase de investigação e desenvolvimento a construção de geradores para 150 W. A capacidade dos aplicadores de rádio-frequência em provocarem a ablação de tecidos, depende da condução da energia electromagnética assim como da convecção do calor pelo sangue, devendo a temperatura ser superior a 60 oC, durante um intervalo de tempo situado entre 3 a 5 minutos. Esta técnica é mais vantajosa que outras que utilizam a energia electromagnética para o aquecimento dos tecidos, como por exemplo a hipertermia convencional, onde os tratamentos são realizados com temperaturas na gama de 40 – 44 oC, durante 30 min a 60 min, ou a terapia térmica com microondas, na gama 45 – 55 oC. 141 A primeira geração de eléctrodos monopolares foi introduzida em 1990, tendo sido utilizados na ablação de lesões hepáticas até 10 cm de diâmetro. Actualmente, utilizam-se eléctrodos percutâneos, sendo a sua introdução controlada em tempo real através de equipamentos imagiológicos, como a tomografia computorizada, a ressonância magnética, ou a ultrassonografia, para que a sua colocação nos tecidos a destruir seja a pretendida previamente. Tendo em atenção que se pretende realizar a termoablação não só de tumores de pequena dimensão mas também de grande dimensão, torna-se necessário utilizar, para estes últimos, eléctrodos múltiplos. Saliente-se que, por exemplo, para o tratamento de um tumor com 3 cm de diâmetro é necessário criar uma zona de ablação com 5 cm de diâmetro. Na prática, a ablação é realizada com o emprego simultâneo de vários eléctrodos, como se mostra na figura 6.4. Ablação de RF Eléctrodos Figura 6.4 – Sistema de ablação de RF com eléctrodos simultâneos. O equipamento de ablação pode igualmente possuir vários eléctrodos, mas com uma activação um por um, através de um equipamento de comutação múltipla, como se esquematiza na figura 6.5. Este sistema permite tratar simultaneamente vários tumores, reduzindo substancialmente o tempo de utilização do aparelho. Ablação de RF Eléctrodos Figura 6.5 – Sistema de ablação de RF com vários eléctrodos, com uma activação um por um, através de um comutador. Tal como sucede com a hipertermia, recorrendo-se a ferramentas informáticas baseadas no método dos elementos finitos, é possível definir e analisar a 142 distribuição da energia electromagnética assim como das temperaturas em toda a zona da ablação, permitindo optimizar todo o tratamento. . 6.9.3. Vantagens Clínicas A ablação de RF, que é uma técnica médica minimamente invasiva, representa actualmente a terapêutica de termoablação mais aceite na esmagadora maioria dos países, provavelmente devido não só à sua competência para provocar a destruição de tumores de uma forma fiável, isto é, com uma deposição de energia electromagnética bem focada no local pretendido e com um controlo de temperatura notável, mas também porque apresenta uma excelente relação entre o diâmetro dos eléctrodos e a dimensão do tecido a destruir. Saliente-se ainda que esta técnica médica é especialmente indicada para pacientes que não podem ser submetidos a intervenções cirúrgicas convencionais, assim como para pacientes afectados por tumores cancerígenos que não reagem às terapias oncológicas tradicionais. A ablação de RF é uma terapêutica que tem vindo a mostrar, com sucesso, as suas enormes potencialidades no tratamento de diversos tumores, localizados em órgãos fundamentais do corpo humano, como é o caso do fígado, dos pulmões, dos rins, da mama, do cérebro, e da próstata. Adicionalmente, a utilização de ablação de RF tem vindo a aumentar na correcção de taquicardias e arritmias cardíacas, assim como na eliminação e controlo da apneia do sono. Para a primeira das práticas clínicas, têm vindo a ser desenvolvidos eléctrodos de diversas configurações e tipos – pontas de prova manuais, cateteres, pontas de prova com extremidade irrigada –, enquanto que, no que se refere à segunda prática, o objectivo consiste em actuar no palato, no sentido de reduzir o seu tecido de forma a conferir aos pacientes uma maior estabilidade na sua respiração. 6.9.4. Limitações e Complicações As limitações da terapêutica de ablação de RF encontram-se directamente relacionadas com o mecanismo físico da sua forma de operação. Em particular, a corrente eléctrica que é gerada no sistema e que circula no seu eléctrodo, sendo injectada nos tecidos, é omnidireccional, fazendo com que a energia electromagnética depositada nesses tecidos varie inversamente com a potên143 cia 4 da distância radial ao eléctrodo ( P ≈ 1 / r 4 ). Ou seja, a deposição é má- xima junto ao eléctrodo, diminuindo acentuadamente nos tecidos que se encontram mais afastados. Por conseguinte, uma das mais significativas limitações reside na extensão da necrose induzida. Ou seja, a dimensão dos tumores potencialmente tratáveis é limitada, devido ao facto do volume activamente aquecido ser, por sua vez, limitado a poucos milímetros do elemento activo, isto é, do eléctrodo. Na prática, poder-se-á dizer que os tecidos que se encontram na vizinhança do eléctrodo são aquecidos de uma forma praticamente directa, enquanto que os mais afastados são aquecidos tenuamente, através de condução térmica, bastante atenuada. Consequentemente, o diâmetro da zona de ablação não deve exceder 4 cm, a não ser que o eléctrodo seja introduzido mais que uma vez, em zonas diferentes do tecido tumoral, até que se verifique a sua necrose completa. Por outro lado, na medida em que a ablação de RF é uma terapêutica de elevada complexidade, os centros clínicos onde esta prática é utilizada deverão dispor de todos os meios clínicos necessários, assim como de operadores altamente especializados, que conheçam em profundidade não só as bases físicas do processo mas também todos os mecanismos de aplicação. Tal como sucede com outras terapêuticas de ablação, a ablação de RF comporta alguns riscos, contudo apresenta uma taxa de complicações extremamente reduzida, situada entre 0 e 12 %. As principais complicações resumem-se às seguintes situações: • Taxas de repetição local elevadas, particularmente no tratamento de tecidos afectados com um diâmetro médio superior a 3 cm. • Dificuldades acrescidas na ablação de tumores situados na vizinhança de vasos sanguíneos, devido à diminuição drástica do calor na corrente sanguínea local. • Dificuldade de obtenção de imagens de eventuais lesões originadas pela própria terapêutica. • Confirmação do aparecimento (com taxas extremamente reduzidas), de células tumorais nas zonas sujeitas à ablação de RF, como é o caso de abcessos hepáticos, hemorragias peritoniais, úlceras gástricas, aneurismas nas artérias hepáticas, e embolias pulmonares. 144 6.10. ABLAÇÃO POR MICROONDAS Esta terapêutica representa o mais recente desenvolvimento em oncologia, na ablação de tumores cancerígenos. Enquanto que as frequências utilizadas na terapia de ablação de RF se situam na banda compreendida entre 375 kHz e 500 kHz, na ablação por microondas, como o seu próprio nome indica, a energia electromagnética é emitida para os tecidos a tratar através de microondas por meio de guias de onda ou de antenas, nas frequências de 915 MHz ou de 2,45 GHz. Como o seu comprimento de onda é significativamente mais reduzido que o das ondas de RF, é possível dirigir e focalizar a energia no interior dos tecidos, por radiação directa a partir de um pequeno aplicador. 6.10.1. Aplicações Clínicas Estas aplicações incluem o tratamento de diversos tipos de carcinomas, como é o caso dos cancros no fígado, no pulmão, na próstata, e nos rins, sendo de salientar que as microondas são também actualmente utilizadas na correcção de doenças cardíacas e do aparelho circulatório, assim como de disfunções uterinas. No que respeita à sua aplicação em cardiologia, uma das terapêuticas utilizada é designada por Microwave Balloon Angioplasty MBA (Angioplastia com Balão de Microondas ABM), e representa uma técnica cirúrgica de reparação dos vasos sanguíneos, cujas paredes contenham placas de colesterol depositado, consistindo na instalação de um cateter sob a forma de balão no interior dos vasos com deficiências, como se esquematiza na figura 6.6, podendo o balão ser construído com diâmetros situados entre 0,5 mm e 50 mm e com um comprimento qualquer. A sua introdução no organismo até à artéria onde irá ficar instalado processa-se através de uma pequena incisão a realizar no pescoço ou na perna, sendo depois transportado pela corrente sanguínea do paciente. Este cateter sob a forma de balão é cheio com um líquido que apresenta boas características de compressibilidade. Por conseguinte, o líquido bombeado para o interior do balão irá provocar a dilatação deste até um diâmetro várias vezes superior ao seu diâmetro normal, fazendo com que as placas de colesterol depositadas nas paredes interiores da artéria sejam bastante comprimidas contra essas paredes, para que a circulação sanguínea se possa processar sem estrangulamentos, sendo de seguida esvaziado o 145 balão. Na prática, este movimento de enchimento/dilatação e esvaziamento/contracção do balão, é assegurado através de uma antena de microondas instalada no interior do cateter, antena essa do tipo dipolar e helicoidal, que tem como função aquecer o fluído intra-cateteriano, para originar a sua dilatação. Saliente-se que a grande vantagem desta técnica consiste em evitar-se a cirurgia convencional de reparação vascular, para se retirar as placas de colesterol ou para se realizar um bypass. Paredes da artéria Balão (cateter) Sangue Cabo coaxial Antena de microondas Líquido compressível Figura 6.6 – Esquematização do sistema Microwave Balloon Angioplasty. Outra aplicação das microondas em cardiologia consiste na correcção de taquicardias e de arritmias, através de ablação cardíaca, sendo a taxa de sucesso da ordem de 75 % a 95 %, consoante a anomalia a corrigir. Os cateteres a utilizar são introduzidos através das veias ou de artérias, até à zona do coração onde se verifica a existência das anomalias do ritmo cardíaco que se pretende corrigir. Saliente-se, no entanto, que esta técnica de ablação é aplicada em conjunção com estudos electrofisiológicos de diagnóstico, invasivos, com a finalidade de se identificar a origem da formação dos impulsos eléctricos anormais. A utilização de ablação de RF na correcção deste tipo de anomalias do ritmo cardíaco, operando a frequências entre 100 kHz e 10 MHz, e utilizando um cateter eléctrico com cerca de 2,6 mm de diâmetro, tem vindo a apresentar um sucesso notável, contudo, a utilização de microondas é mais vantajosa, na medida em que a energia electromagnética associada a estas ondas permite a 146 ablação de tecidos situados a grande profundidade, devido a permitir o aquecimento de áreas consideráveis, recorrendo-se a antenas monopolares e helicoidais, mostrando-se na figura 6.7 a constituição de um cateter utilizado na ablação por microondas para a correcção de arritmias cardíacas. Balão Cateter Isolamento Antena de microondas Figura 6.7 – Cateter de termoablação por microondas. 6.10.2. Considerações Técnicas Como é sabido, a energia electromagnética associada às microondas origina efeitos biofísicos destrutivos, conforme se salientou no primeiro dos nossos livros dedicados a este tema. Contudo, esta característica é aproveitada exactamente para a termoablação de tumores cancerígenos, assim como para a correcção de algumas anomalias do foro cardíaco e do aparelho reprodutor feminino, como se salientou já anteriormente. Tecnicamente, é possível utilizar as miroondas para a destruição de tecidos situados a grande profundidade, e com diâmetros médios até 2,5 cm, com a grande vantagem face à ablação de RF, de que os tempos de duração dos tratamentos se situam entre 1 min a 5 min. Além disso, devido à elevada capacidade de penetração das microondas, é possível destruir os tumores cancerígenos de uma forma mais eficaz e uniforme, mesmo na vizinhança de vasos sanguíneos. Por outro lado, enquanto que na ablação por RF a energia electromagnética depositada nos tecidos diminui em função da potência quádrupla da distância radial ao respectivo eléctrodo ( P ≈ 1 / r 4 ), na ablação por microondas essa deposição diminui apenas com o quadrado dessa distância ( P ≈ 1 / r 2 ). Por conseguinte, para a 147 mesma distância do eléctrodo e para a mesma potência de aquecimento, a energia depositada e, consequentemente, a temperatura dos tecidos é mais elevada na ablação por microondas, o que torna o tratamento mais eficaz. Presentemente, os sistemas de ablação por RF estão tecnicamente mais desenvolvidos que os de ablação por microondas, devido à sua eficiência, à sua segurança em aplicações percutâneas e cirúrgicas, e à facilidade da sua utilização. Contudo, além dos inconvenientes já apontados da ablação por RF face à ablação por microondas, sucede que uma das dificuldades da RF reside no facto de ser necessário injectar uma corrente eléctrica nos tecidos, ao passo que as microondas geram calor exclusivamente através de radiação pura. Quanto às antenas utilizadas nos cateteres, são monopolares ou dipolares, e com forma helicoidal, tendo os cateteres a constituição que se apresentou anteriormente. 6.10.3. Vantagens Clínicas Conforme se salientou anteriormente, enquanto que as frequências utilizadas na terapia de ablação de RF se situam na banda compreendida entre 375 kHz e 500 kHz, na ablação por microondas, como o seu próprio nome indica, a energia electromagnética é emitida para os tecidos a tratar através de microondas por meio de guias de onda ou de antenas, nas frequências de 915 MHz ou de 2,45 GHz. Como o seu comprimento de onda é significativamente mais reduzido que o das ondas de RF, é possível dirigir e focalizar a energia no interior dos tecidos, por radiação directa a partir de um pequeno aplicador. Quanto às suas aplicações, elas incluem o tratamento de diversos tipos de carcinomas, como é o caso dos cancros no fígado, no pulmão, na próstata, e nos rins, sendo de salientar que as microondas são também actualmente utilizadas na correcção de doenças cardíacas e do aparelho circulatório, assim como de disfunções uterinas. A utilização de ablação de RF na correcção de anomalias do ritmo cardíaco, tem vindo a apresentar um sucesso notável, contudo, a utilização de microondas é mais vantajosa, na medida em que a energia electromagnética associada a estas ondas permite a ablação de tecidos situados a grande profundidade, devido a permitir o aquecimento de áreas consideráveis, recorrendo-se a antenas monopolares e helicoidais, evitando-se assim as 148 tradicionais correcções cirúrgicas, isto é, a desobstrução de vasos e artérias, e a realização de bypass’s. Tecnicamente, é possível utilizar as miroondas para a destruição de tecidos situados a grande profundidade, e com diâmetros médios até 2,5 cm, com a grande vantagem face à ablação de RF, de que os tempos de duração dos tratamentos se situam entre 1 min a 5 min. Em linhas gerais, as principais vantagens clínicas da termoablação por microondas, comparativamente com as outras terapias de termoablação, são as seguintes: • Conseguem-se atingir temperaturas bastante elevadas no interior dos tumores cancerígenos. • A deposição da energia electromagnética no interior dos tecidos é conseguida directamente através da radiação, e não por meio de eléctrodos percorridos por corrente eléctrica. • Consegue-se a ablação de tumores profundos, assim como de tumores de grande dimensão. • Consegue-se a ablação eficiente de tumores localizados na vizinhança de vasos sanguíneos. • Os tempos de tratamento são bastante mais reduzidos. 6.10.4. Limitações e Complicações Como se descreveu anteriormente, a ablação por microondas oferece os mesmos benefícios da ablação por RF, apresentando contudo um conjunto de vantagens notáveis, que se traduzem num elevado desempenho, especialmente próximo de vasos sanguíneos. Na prática, existem ainda alguns problemas técnicos a resolver, para que esta terapêutica se possa impor sem restrições em oncologia, no tratamento de carcinomas, assim como em cardiologia: • Existência de perdas significativas no cabo coaxial de ligação da antena. • O calor desenvolvido no cabo coaxial durante o fornecimento da energia electromagnética poderá provocar danos consideráveis nos materiais dieléctricos e no próprio material do cateter. 149 • Ausência de uma antena unidireccional que possa irradiar a energia electromagnética para o interior dos tecidos em tratamento, e não para a corrente sanguínea ou para os depósitos de sangue, no caso da ablação cardíaca. Esta condição é essencial para prevenir a própria operação do cateter, acima da gama das propriedades dieléctricas do sangue e do tecido cardíaco. • Complexidade de dimensionamento das antenas, dimensionamento esse que limita a forma de microonda a ser gerada, dificulta a eficiência na transferência de energia, e conduz a uma reflexão de potência e a uma dissipação de energia no cabo de transmissão e na antena, no interior do cateter. No que respeita a complicações clínicas secundárias, as respectivas taxas são mais elevadas que as verificadas com outras termoterapias, sendo de assinalar a recorrência dos tumores após 6 meses do términus do tratamento, o aparecimento de febre, de hematomas subcutâneos, de abcessos, e de falhas hepáticas. É de salientar que um estudo realizado no Japão e publicado em 2002, considerou 72 pacientes possuidores de 94 tumores, no seu conjunto, a serem tratados com RF e com microondas, tendo-se obtido um tratamento terapêutico completo de 46 tumores (96 %) em 48 tratados com ablação de RF, e de 41 (89 %) em 46, tratados com ablação por microondas. A termoablação é uma terapêutica relativamente recente, que depende de forma significativa dos desenvolvimentos que se irão verificar quer em medicina e biomedicina, assim como no domínio da engenharia e da bioengenharia, sendo actualmente as seguintes as linhas orientadoras em que se baseia a investigação em curso: • Modelização a duas e três dimensões das características eléctricas e térmicas dos tecidos biológicos, através da utilização de programas informáticos baseados em elementos finitos. • Modelização do comportamento térmico do sangue e dos vasos sanguíneos. • Determinação da frequência e da energia electromagnética, que são os parâmetros associados à destruição térmica dos tecidos, para 150 diferentes tipos de tecidos – por exemplo hepáticos, mamários, dos rins, da próstata, e cardíacos. • Desenvolvimento tecnológico dos eléctrodos e dos geradores. • Compreensão dos mecanismos de interacção entre a energia electromagnética e os tecidos biológicos, no sentido de se conseguir uma necrose tecidular eficiente. Finalmente, para melhor compreensão, descrevem-se no quadro 6.4 os mecanismos, as vantagens e as desvantagens das terapêuticas de ablação por RF e por microondas. Técnicas Mecanismos Vantagens Desvantagens Rádio-frequência Aquecimento dos tecidos através de corrente eléctrica fornecida por eléctrodos. Dimensionamento e construção simples e eficazes. Existente praticamente em todo o mundo, sendo uma prática generalizada. Capacidade para o tratamento de uma grande diversidade de tumores. Extensão limitada de necrose induzida. As zonas de ablação não devem exceder 4 cm de diâmetro, a não ser que se repita o tratamento com o reposicionamento do eléctrodo. Necrose incompleta na ablação próxima de vasos sanguíneos. Microondas Aquecimento dos tecidos através da propagação de microondas. Conseguem-se temperaturas elevadas. Utilizado essencialmente em países da Ásia (Japão e Coreia do Sul). A zona de tecido que se consegue aquecer é bastante maior. Taxa mais elevada de complicações clínicas surgidas a posteriori do tratamento. Quadro 6.4 – Comparação entre as terapêuticas de ablação por RF e por microondas. 6.11. RADIOTERAPIA Como se salientou em capítulos anteriores, as ondas electromagnéticas, que se podem também designar por radiação electromagnética, são classificadas em dois grandes grupos, consoante a gama de frequências e a energia associada a cada fotão: 151 • Radiação não-ionizante, que compreende as ondas de frequência reduzidíssima, a radiação de rádio-frequência, a radiação infravermelha, a luz visível, e parte da radiação ultravioleta, estando a frequência compreendida entre 0 Hz (corrente contínua) e 3x1017 Hz (3x108 GHz), e a correspondente energia dos fotões entre 0 eV e 1200 eV. Como esta energia é reduzida, os fotões não têm capacidade para extrair electrões das órbitas atómicas dos materiais onde penetram, mantendo-se assim os átomos electricamente neutros. • Radiação ionizante, que compreende parte da radiação ultravioleta, os raios X e os raios gama, estando a frequência compreendida sensivelmente entre 3x1017 Hz (3x108 GHz) e 3x1022 Hz (3x1013 GHz), e a correspondente energia dos fotões entre 1200 eV e 12,4x107 eV. Como estas energias são extremamente elevadas, os fotões têm capacidade para extrair electrões dos átomos dos materiais onde penetram, transformando assim esses átomos em iões. Note-se que a separação entre radiação não-ionizante e radiação ionizante é comummente aceite encontrar-se na linha divisória situada na região ultravioleta, linha essa para a qual se tem um comprimento de onda no vácuo λ = 1 nm = 10-9 m, daí que se tenha, na fronteira, respectivamente os seguintes valores de frequência e da energia dos fotões da radiação: f = c / λ = 3x108 (m/s) / 10-9 (m) = 3x1017 Hz eV = h f = 4,135667x10-15 (eVs) x 3x1017 (Hz) ≅ 1200 eV Como é sabido, os raios X possuem um elevado poder de penetração, sendo utilizados em imagiologia médica, em equipamentos de angiografia diagnóstica e de intervenção vascular e cerebral, de fluoroscopia, de mamografia, de tomografia, de urologia, e de radiografia. Por outro lado, os raios gama são gerados por átomos radioactivos, e podem destruir as células vivas dos tecidos onde penetram. Contudo, esta sua característica é aproveitada em oncologia para o tratamento do cancro, destruindo, através de doses muito reduzidas, as células cancerígenas, sendo esta terapêutica designada por radioterapia, mostrando-se na figura 6.8 um equipamento médico de aplicação dessa terapia. 152 Figura 6.8 – Equipamento oncológico de radioterapia. 6.12. TERAPIA DE PARTÍCULAS Como é sabido, e apesar de se verificarem algumas excepções, a probabilidade de se contrair cancro aumenta com a idade, sendo uma das preocupações actuais das autoridades sanitárias, sobretudo em países desenvolvidos, devido exactamente não só ao aumento considerável da esperança média de vida mas também pelos hábitos de vida que, numa franja significativa da população, não são os mais adequados para se assegurar uma existência isenta de problemas de saúde. Na prática, o tratamento de tumores cancerígenos tem vindo a ser realizado através de dois processos: • Quimioterapia, que consiste na utilização adequada de radionúclidos, administrados aos pacientes, com a finalidade de destruir as células cancerígenas, destruição essa conseguida pela retenção prolongada dos radiofármacos nos tecidos alvo. Este requisito é normalmente previsto e analisado através de um estudo prévio de diagnóstico, que deve ser realizado antes da administração deste tipo de actividade terapêutica. Além das aplicações terapêuticas em casos benignos – por exemplo, hipertiroidismo e artrite reumatóide –, este tipo de tratamento é também utilizado nas situações malignas, sendo a mais importante o carcinoma da tiróide, onde se tem vindo a aplicar, há mais de 50 anos, o radioisótopo iodo-131. Outras aplicações desta técnica incluem o tratamento de doenças mieloproliferativas, com o fósforo-32, de tumores derivados da crista neural, e o tratamento paliativo de metástases 153 ósseas – carcinomas da próstata e da mama –, utilizando-se o estrôncio-89, o rénio-186 ou o samário-153. • Radioterapia, em que os tecidos cancerígenos são bombardeados através de feixes concentrados de fotões de elevada energia, como sucede com a radiação gama, com uma energia fotónica da ordem de 18 MeV. Nos últimos dez anos, graças aos esforços de investigação que têm vindo a ser desenvolvidos pela multinacional Siemens, em parceria com hospitais, centros de investigação, e universidades alemãs e americanas, a radioterapia sofreu avanços notáveis, tendo sido desenvolvidos equipamentos de radioterapia que utilizam protões de hidrogénio, com uma energia de 135 MeV. Adicionalmente, os radiologistas que desenvolvem investigação neste tipo de terapêutica constataram que a utilização de iões pesados de carbono, com uma energia de 250 MeV, como o provam estudos realizados no Japão, conduziram a resultados significativos no que respeita ao tratamento de tumores oculares, da próstata, do pescoço, e da cabeça, daí que a utilização deste tipo de partículas seja já aceite com bastante confiança. A grande vantagem desta nova terapêutica, designada por terapia de partículas, quando comparada com a radiologia oncológica convencional com bombardeamento de fotões, reside essencialmente no facto de se dosear com uma elevada precisão a quantidade de radiação necessária a concentrar no tecido tumoral, poupando os tecidos sãos envolventes, como se mostra na figura 6.9. Conforme se pode constatar, na radiologia clássica a dose máxima é atingida nos tecidos sãos, muito próximos da superfície da pele, ou seja, a uma profundidade reduzida, enquanto que, com protões de hidrogénio e iões de carbono, essa dose máxima é sempre atingida no interior do tecido tumoral, sendo bastante mais reduzida nos tecidos sãos adjacentes. Por outro lado, atendendo ainda a que as energias são significativamente mais elevadas na terapia de partículas, o feixe de radiação é bastante mais eficiente. A situação expressa no ábaco exposto na figura 6.9, é conseguida na prática, no equipamento projectado e desenvolvido pela Siemens, equipamento esse que se mostra na figura 6.10, através da utilização de tecnologia extremamente 154 avançada, nos domínios não só da física das partículas mas também da engenharia electrotécnica, electrónica, mecânica e electromecânica. Saliente-se que esse equipamento contém um acelerador linear de partículas, assim como um sistema de posicionamento altamente sofisticado, que permite localizar e circunscrever a área tumoral com uma precisão inferior a um milímetro, e ainda um outro sistema de scanning, designado por pencil beam scanning (caneta de rastreio do feixe), que permite visualizar toda a operação tridimensionalmente (figura 6.11). Figura 6.9 – Dose relativa de radiação em função da profundidade de penetração, e do tipo de partícula. Do ponto de vista clínico, a terapia de partículas apresenta as seguintes vantagens: • Tratamento de tumores resistentes à radiologia convencional. • Tratamento de tumores profundos, sem sujeitar os tecidos sãos envolventes a doses significativas de radiação. • Tratamento de tumores situados muito próximo de órgãos vitais. • Probabilidade reduzidíssima de desenvolvimento de cancros secundários nos tecidos envolventes dos tumores, devido à concentração de radiação quase exclusivamente no tecido tumoral. 155 • Tratamento de tumores pediátricos, pelos mesmos motivos. Figura 6.10 – Equipamento Siemens de terapia de partículas. Figura 6.11 – Esquematização do princípio de funcionamento do equipamento Siemens de terapia de partículas. 156 6.13. EFEITOS SECUNDÁRIOS Como se pode facilmente constatar através da grande variedade de assuntos tratados anteriormente, a energia electromagnética apresenta a propriedade de induzir calor nos tecidos biológicos, devido à sua absorção por esses mesmos tecidos, sendo essa característica aproveitada com fins terapêuticos para a destruição de tumores cancerígenos utilizando não só técnicas de termoablação, mas também técnicas baseadas no bombardeamento de fotões e de protões. Enquanto que a termoablação (hipertermia, ablação por RF, ablação por microondas) utiliza ondas electromagnéticas não-ionizantes, a radioterapia e a terapia de partículas utilizam ondas electromagnéticas, vulgo radiações, ionizantes. Relativamente aos efeitos secundários causados pela radiação ionizante, são bem conhecidos, e incluem a destruição e a proliferação de células, conduzindo rapidamente ao desenvolvimento de carcinomas. Ou seja, essa radiação é, por um lado, utilizada precisamente para a destruição de células cancerígenas, contudo, poderão, por sua vez, originar a destruição e a reprodução de células normais, envolventes dos tumores, contribuindo para a indução de novos tumores. Quanto aos efeitos secundários originados pela termoterapia, apresentam características diferentes, devido ao carácter não-ionizante das ondas, características essas que se descrevem seguidamente, de uma forma sucinta. 6.13.1. Fisiologia dos Tecidos De um modo geral, o calor, isto é, a energia calorífica, que se traduz por um aumento de temperatura, origina numerosas alterações na fisiologia dos tecidos biológicos, tais como o aumento da perfusão sanguínea, da permeabilidade vascular, e da actividade metabólica, sendo, do ponto de vista fisiológico, a corrente sanguínea o parâmetro mais importante neste contexto, na medida em que é, através do sangue, que a maior parte da energia calorífica acumulada nos tecidos se dissipa. Ou seja, pode-se afirmar que a irrigação sanguínea dos tecidos exerce uma acção fundamental no que respeita ao aquecimento desses tecidos, e, quanto mais reduzido for o caudal de sangue mais fácil se torna proceder a esse aquecimento, na medida em que a energia calorífica se manterá durante mais tempo na massa tecidular. 157 Na prática, alguns tumores sólidos podem apresentar, no que respeita ao caudal sanguíneo, valores bastante mais elevados que os que se verificam nos tecidos sãos. Todavia, quando se comparam entre si os níveis de irrigação nos tumores e nos tecidos sãos, sucede que essa irrigação nos tecidos tumorais é geralmente primitiva e caótica, resultando na existência de áreas privadas de nutrientes, com um reduzido teor de oxigenação, e altamente acidificadas, sendo as células existentes nesta situação mais sensíveis aos efeitos citotóxicos do calor. De um modo geral, a toxicidade associada às terapêuticas baseadas no calor é baixa, representando as eventuais queimaduras típicas os efeitos tóxicos mais sensíveis, mas com uma reduzida incidência, podendo essas queimaduras serem evitadas através da adopção das técnicas de aplicação mais aconselháveis. Os riscos primários das termoterapias são devidos não só ao aumento da temperatura geral do corpo, mas também ao aumento da temperatura de determinados órgãos específicos, uma vez que a regulação térmica do organismo humano é crítica, devido ao facto de diversas estruturas celulares assim como de vários mecanismos metabólicos poderem ser bastante afectados por mudanças de temperatura. De um modo geral, os humanos que gozem de boa saúde conseguem tolerar temperaturas até 40 oC, contudo, entre 42 oC e 43 oC começa a dar-se a morte das células. Apesar dos mecanismos de interacção entre a subida de temperatura e o comportamento dos tecidos biológicos não se encontrarem ainda devidamente esclarecidos, sabe-se, no entanto, que, quando a temperatura aumenta, aumenta igualmente o movimento molecular no interior das células, dos tecidos, e dos órgãos. Por sua vez, esse aumento do movimento molecular origina um aumento na taxa das reacções químicas fisiológicas. Como consequência, se essas reacções químicas se processam de tal forma que o metabolismo se torne instável, este poderá sofrer alterações. Quando a exposição ao calor é curta, as alterações metabólicas são transitórias e moderadas, não originando danos fisiológicos graves e irreversíveis. Atendendo a que a exposição a ondas electromagnéticas, como sucede nas práticas clínicas de termoterapia, podem originar hipertermias, torna-se necessário delinear se alguns dos potenciais efeitos biofísicos observados são 158 específicos dessa exposição directa, ou se resultam da hipertermia induzida indirectamente por aquela exposição. 6.13.2. Resposta Celular Quando a temperatura das células aumenta, verifica-se a existência de alteações na sua actividade, nas membranas, na síntese de macromoléculas, no ciclo celular, na reparação do ADN, assim como um aumento da sua proliferação. Na região hipertérmica acima da sua temperatura máxima de proliferação, existem três respostas celulares significativas para as termoerapias: citotoxicidade, radiosensibilização, e termotolerância, sendo estas mudanças devidas às alterações na estrutura molecular das células, induzidas por aumentos de temperatura, e envolvem a inibição do ADN, do ARN, e da síntese de proteínas. Diversos estudos científicos têm concluído sobre a existência de efeitos adversos da hipertermia nos testículos de adultos em algumas espécies, incluindo ratos e humanos. Esses efeitos compreendem a redução de peso e de volume dos testículos, acompanhada por períodos temporários de infertilidade parcial ou total. Adicionalmente, a qualidade do esperma também se altera, verificando-se uma redução na sua mobilidade e, consequentemente, na fertilização. Outros estudos mostram a existência de reacções imunológicas dependentes da temperatura, em leucócitos humanos. 6.13.3. Efeitos Imunológicos Relativamente ao tratamento clínico oncológico do cancro, deve-se ter em atenção que o sistema imunológico poderá sofrer alterações induzidas pela hipertermia a que fica sujeito. De acordo com um trabalho científico publicado em 2006, é enfatizado que a resposta ao stress térmico, no que respeita às potenciais alterações do sistema imunológico, não deverá representar uma questão a ser analisada uma única vez, de forma pontual, mas sim durante um determinado período de tempo, que se iniciará com a exposição a uma fonte de calor, e que se deverá estender por vários dias de recuperação. Adicionalmente, a resposta das células tumorais e a sua susceptibilidade aos efeitos imunológicos é fortemente dependente do modelo do sistema, da amplitude, da duração do stress térmico, e do tempo de recuperação após a exposição. 159 6.13.4. Resposta Cardiovascular Os distúrbios cardiovasculares induzidos pelo calor são bastante comuns e vulgares, sobretudo em pessoas não habituadas a temperaturas elevadas e em idosos, onde os riscos de enfartes do miocárdio e de acidentes vasculares cerebrais são significativamente elevados. Outro grupo de risco, além das crianças, é constituído por pacientes que padecem de doenças e distúrbios cardíacos graves, ou que se encontrem a consumir determinados tipos de medicamentos. Como é sabido, quando a temperatura do corpo aumenta, o equilíbrio térmico natural é assegurado através do sistema circulatório, aumentando o caudal de sangue, assim como através da transpiração. Contudo, estas respostas fisiológicas aumentam o trabalho do coração e originam perdas de sal e de água, podendo prejudicar a eficiência biológica do corpo humano, sobrecarregando o coração, e causando uma hemoconcentração que poderá conduzir a acidentes vasculares cerebrais. A exposição a ondas electromagnéticas em níveis considerados como seguros, isto é, recomendados pelas normas de segurança em vigor, não é perigosa, na medida em que o calor induzido é equivalente a cerca de 10 % do que é gerado através do metabolismo basal, o mesmo não se podendo concluir quando os níveis de exposição são elevados, ou quando a exposição é demasiadamente prolongada. 6.13.5. Resposta do Sistema Nervoso O sistema nervoso é particularmente sensível ao calor, havendo a possibilidade de se verificarem danos e alterações na morfologia nervosa, no que respeita à condução dos estímulos e às funções das fibras nervosas. Muitos dos estudos clínicos realizados, relativamente aos efeitos da hipertermia sobre os nervos, têm-se focalizado na resposta aos choques térmicos, que se caracteriza pela indução transitória de proteínas de choque térmico (heat-shock proteins HSPs), as quais desempenham um papel de mecanismo de reparação e de protecção. Os dados obtidos permitem concluir que a dose térmica máxima sem causar complicações evidentes, após hipertermia localizada em regiões do sistema nervoso central, situa-se entre 40 – 60 minutos a 42 – 42,5 oC, ou então 10 – – 30 minutos a 43 oC. 160 6.13.6. Efeitos Cancerígenos Descreveram-se já, anteriormente, os efeitos indesejáveis originados pela termoterapia, sendo de destacar o aparecimento, se bem que com taxas reduzidíssimas, de abcessos hepáticos, hemorragias peritoniais, úlceras gástricas, aneurismas nas artérias hepáticas, embolias pulmonares, hematomas subcutâneos, e abcessos. No nosso primeiro livro apresentaram-se os resultados obtidos, assim como as respectivas conclusões, de um número relativamente elevado de estudos clínicos e epidemiológicos, com relevância causa-efeito no que respeita aos mecanismos de interacção entre a exposição a campos electromagnéticos e os potenciais riscos de desenvolvimento de determinados tipos de cancro. Todavia, pela sua natureza, os resultados são controversos, apesar de terem sido reportadas situações em que efectivamente se constatou o aparecimento de anomalias e doenças graves, como sucedeu no final de 2007 com um estudo epidemiológico que concluiu que os utilizadores de telefones celulares, por períodos médios iguais ou superiores a 22 horas mensais, correm elevados riscos de contra´rem cancro nas glândulas salivares. A carcinogénese, como é sabido, compreende uma sequência de quatro passos: iniciação, promoção, conversão maligna de células, e progressão tumoral. Se bem que a hipertermia, por si só, não seja carcinogénica, pode, contudo, promover o desenvolvimento de tumores quando a sua origem reside na absorção de energia electromagnética. A controvérsia sobre se a radiação electromagnética poderá ou não iniciar o desenvolvimento de cancros, continua cada vez mais acesa, atraindo sobre si uma elevada atenção, não só por parte do público em geral mas também na literatura médica científica. Alguns relatórios, contraditórios, sugerem que o tratamento por hipertermia pode não só funcionar como um meio bloqueador ao desenvolvimento de cancros, mas também como um promotor, dependendo do regime de tratamento. 161 CAPÍTULO 7. APLICAÇÕES MÉDICAS DA ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA 7.1. INTRODUÇÃO Sem dúvida que a imagiologia representa a especialidade médica que mais depende da tecnologia, tendo sofrido uma rápida evolução nos últimos anos, devido essencialmente aos grandes desenvolvimentos verificados não só na engenharia electrotécnica e na informática, mas também na medicina e na biomedicina. O seu papel é fundamental no diagnóstico e no tratamento de diversas doenças e anomalias de saúde, sendo ainda de salientar que todos os equipamentos actualmente existentes são fruto do trabalho de cooperação inter-disciplinar de engenheiros electrotécnicos, engenheiros electrónicos, engenheiros informáticos, engenheiros mecânicos, médicos, biomédicos, bioengenheiros, físicos, designers, e ergonomistas. Por outro lado, a física da imagiologia representa o processo global de criação, geração e visualização de imagens de diagnóstico clínico, e abrange todas as modalidades da imagiologia médica, ou seja, a Radiografia, a Fluoroscopia, a Mamografia, a Angiografia, a Tomografia Computorizada (TC), a Ressonância Magnética (RM), a Medicina Nuclear, e a Ecografia. O estudo deste ramo da física é fundamental para se adquirir um conjunto de conhecimentos técnicos e operacionais, que se discriminam seguidamente: • Definição dos parâmetros de qualidade de imagem, que incluem o ruído, a resolução espacial, e o contraste. • Influência das técnicas de imagiologia sobre a qualidade da imagem. • Selecção e avaliação dos equipamentos existentes no mercado, no que respeita à sua capacidade para realizar os exames médicos previamente especificados, à dose de radiação, e aos riscos associados à exposição à radiação por parte dos pacientes e do pessoal médico hospitalar que irá operar esses equipamentos. • Modos de especificação dos problemas e das avarias surgidas com as imagens e com o normal desempenho dos equipamentos, e sua 162 comunicação aos físicos, biomédicos, e técnicos de manutenção e instalação, com vista à reposição dos padrões normais. 7.2. BASES FÍSICAS 7.2.1. Radiação Na maior parte dos equipamentos de imagiologia, as suas técnicas baseiam-se nos campos electromagnéticos de elevada frequência, isto é, na radiação electromagnética, já suficientemente estudada ao longo dos capítulos anteriores. Como é sabido, esta radiação é constituída por partículas que se deslocam à velocidade da luz no vazio e, aproximadamente, no ar, sendo designadas por fotões, e abrange as ondas de rádio e televisão, as microondas, os infravermelhos, a luz visível, os ultravioletas, os raios X, e os raios gama. Saliente-se que o funcionamento da radiologia convencional, da angiografia, da Tomografia Computorizada, e da Ressonância Magnética, é baseado na radiação electromagnética, como se discriminará ao longo deste capítulo. a) Medição da Radiação Em termos médicos de radiologia e imagiologia, a par das grandezas já definidas e explicitadas em capítulos anteriores, é usual utilizarem-se as seguintes definições e grandezas, mais específicas: • Exposição – é um termo utilizado para exprimir a intensidade da radiação de um feixe de raios X, e mede a capacidade dessa radiação para ionizar o ar, sendo fisicamente definida como a carga eléctrica total libertada por unidade de massa do ar, quando todos os electrões libertados pelas interacções com os fotões são totalmente parados pelo ar. A sua unidade tem sido habitualmente o roentgen (R), todavia, no Sistema Internacional SI passou a ser o coulomb por kilograma (C/kg), tendo-se, em termos de conversão, 1 R = 2,58 x 10-4 C/kg. • KERMA (Kinetic Energy Released in the Medium) – representa, como o seu próprio nome indica, a energia cinética libertada no meio, sendo definido como a energia cinética transferida dos neutrões e fotões (partículas electricamente neutras) para os protões e electrões 163 (partículas electricamente carregadas, respectivamente com carga positiva e com carga negativa), quando a radiação interage com a matéria. A sua unidade SI é o joule por kilograma (J/kg). • Dose absorvida D – quantifica a quantidade de energia de radiação E absorvida por unidade de massa M do meio absorvente, tendo-se assim: E=DxM A sua unidade no antigo sistema CGS é o rad (radiation absorbed dose), e é igual a 100 ergs de energia depositada por grama, enquanto que no sistema SI, é o gray (Gy), que é igual a 1 joule de energia depositada por kilograma, tendo-se, por conseguinte, 1 Gy = 100 rad ou 1 rad = 10 mGy. • Factor-f – representa o factor de conversão entre a exposição e a dose absorvida, sendo determinado pela relação entre a dose absorvida D e a exposição X, ou seja, representa o factor de conversão de roentgen para rad, sendo assim: D=fX Saliente-se que, para energias de raios X utilizadas em diagnóstico, o factor-f é sensivelmente igual à unidade, e para os ossos está situado entre 4 e 1. • Transferência Linear de Energia (Linear Energy Transfer LET) – é definida como sendo a energia absorvida pelo meio por unidade de distância atravessada, e é expressa em keV/mm. Evidentemente que, quanto mais elevado for o valor da LET, maior será a dose de radiação e, por conseguinte, mais elevados serão os riscos de exposição no que respeita aos possíveis danos biológicos. • Dose equivalente H – é utilizada para quantificar os danos e os efeitos biológicos resultantes da deposição da radiação ionizante nos tecidos, sendo aplicada essencialmente na protecção contra a exposição às radiações. É definida como sendo o produto entre a dose absorvida D e o factor de qualidade (quality factor QF) da radiação, ou seja: H = D x QF 164 No antigo sistema de unidades CGS, bastante utilizado em Física, a unidade de H é o rem (radiation equivalent man), e, no actual sistema SI, a unidade é o sievert (Sv), tendo-se 1 Sv = 100 rem, e 1 rem = 10 mSv. Note-se que o factor de qualidade QF depende dos valores da LET – para fontes de baixa radiação, isto é, com um valor de LET reduzido (electrões, partículas beta, raios X, e raios gama), tem-se QF = 1; contrariamente, para fontes de elevada radiação, ou seja, com um LET elevado (protões, neutrões, partículas alfa), o QF pode atingir o valor 20. Na imagiologia de diagnóstico assim como na medicina nuclear, a radiação que compreende os raios X, os raios gama, e as partículas beta, tem valores baixos de LET e um factor de qualidade igual à unidade, tendo todas essas radiações aproximadamente os mesmos valores de exposição, de dose absorvida, e de dose equivalente, em unidades CGS (1 R ≅ 1 rad ≅ 1 rem). Saliente-se que, apesar de se ter para estes tipos de radiação as igualdades aproximadas R ≅ D ≅ H, as unidades são diferentes, sendo também fisicamente diferentes os significados de cada uma dessas grandezas. Na prática, estas grandezas são conhecidas como sendo os R’s da radiologia, ou seja, a exposição (R) refere-se à capacidade da radiação em ionizar o ar, a dose absorvida (rad) refere-se à energia absorvida, e a dose equivalente (rem) representa a medida dos efeitos biológicos que poderão resultar da energia absorvida. b) Protecção contra as Radiações A protecção contra as radiações é normalmente concebida e implementada com o objectivo de se evitar a ocorrência de efeitos determinísticos, isto é, previamente conhecidos, e de se minimizar os riscos da radiação estocástica, ou seja, da radiação cujos níveis de risco são conhecidos estatisticamente – diminuindo a dose de radiação. Em radiologia, os procedimentos principais a adoptar para se controlar a exposição às radiações incluem as seguintes metodologias: • Redução do tempo de exposição. Para se assegurar que os utilizadores se encontram sujeitos a doses de radiação aquém dos limites consi- 165 derados como os máximos admissíveis em termos de segurança, assim como para se monitorizar as práticas de segurança, utilizam-se aparelhos de monitorização pessoais, normalmente por períodos de um mês. Por outro lado, os sistemas de dosimetria pessoal mais comuns são os de dosimetria por filme e os de dosimetria por TLD (Thermoluminescent Dosimetry), sendo a primeira a mais utilizada. O aparelho é constituído por uma caixa de dimensões reduzidas que contém um pedaço de filme situado entre dois filtros e, após a exposição a radiações, o filme é processado sendo medida a densidade para se estimar a dose baseada na energia média dos fotões, sendo a dose mínima detectável de sensivelmente 0,2 mSv = 20 mrem. No outro aparelho alternativo, de TLD, é utilizado um cristal especial em que os electrões da rede cristalina, normalmente de fluoreto de lítio, são excitados quando se encontram expostos às radiações, emitindo luz, sendo essa quantidade de luz utilizada para estimar a dose de radiação, cujo nível mínimo detectável se situa, como no aparelho anterior, em 0,2 mSv = 20 mrem. • Aumento da distância da fonte da radiação, isto é, do afastamento da fonte, procedimento este que é normalmente seguido pelo pessoal médico hospitalar especialistas em radiologia, e que operam com os diversos equipamentos. • Utilização de blindagem e de colimadores. A blindagem dos técnicos de radiologia é obtida por meio da utilização de uma barreira protectora em chumbo, na medida em que, devido à sua elevada densidade e ao seu elevado número atómico, apresenta uma grande capacidade de absorção de radiação ionizante. Adicionalmente, a utilização de aventais em chumbo reduz os níveis de exposição às radiações de um factor sensivelmente igual a 10. Quanto às salas de radiologia, a sua blindagem é conseguida através da colocação de barreiras, com uma disposição adequada às características da sala. Saliente-se que estas barreiras são usualmente instaladas pelos próprios construtores dos equipamentos médicos, na medida em que, na sua oferta comercial, a instalação é realizada tipo “chave na mão”. 166 7.2.2. Radiologia a) Tubo de Raios X e Radiologia Convencional A imagiologia através de raios X processa-se com base na absorção da radiação ionizante constituída por raios X, por parte dos tecidos do corpo humano, dando origem a imagens formadas por sombras. Essa radiação é gerada quando os electrões de alta energia são travados pela matéria, sendo, na prática, produzida num tubo com a configuração exposta na figura 7.1. O tubo de raios X é constituído por uma ampola de vidro evacuada, isto é, onde se fez o vácuo, e onde se encontra um ânodo (eléctrodo positivo) e um cátodo (eléctrodo negativo). No cátodo geram-se electrões através de um filamento de tungsténio com uma resistência eléctrica elevada, e que é aquecido a uma temperatura superior a 2200 oC, por meio de uma corrente eléctrica com uma intensidade de 4 A. Esses electrões são acelerados em direcção ao ânodo devido à aplicação de uma alta tensão eléctrica, de 30 kV a 150 kV, entre o ânodo e o cátodo, chocando os electrões num alvo em tungsténio situado no ânodo, sendo assim travados e originando então os raios X. Por sua vez, estes raios saem da ampola através de uma janela em vidro transparente a esses raios, sendo finalmente colimados por meio de placas de chumbo, com o objectivo de limitar e dirigir o feixe. Figura 7.1 – Esquematização de um tubo de raios X, com todos os seus componentes físicos. 167 Para se aumentar o número de fotões de raios X gerados, é necessário aumentar o número de electrões libertados do cátodo, o que se consegue, por sua vez, através do aumento da intensidade da corrente eléctrica que circula no filamento de tungsténio do cátodo. Adicionalmente, para se aumentar a energia dos fotões deve-se aumentar a tensão eléctrica entre o ânodo e o cátodo. Saliente-se que, quer a regulação da intensidade do feixe (corrente no cátodo), quer a regulação da energia da radiação (tensão ânodo-cátodo), são procedimentos definidos pela técnica de execução, em função de cada caso concreto de diagnóstico. Para se obter as imagens, os raios X atravessam completamente a zona do corpo a ser observada, sendo a radiação absorvida em quantidades diferenciadas consoante os tipos de tecido corporal. Contudo, a obtenção da imagem não é directa, isto é, em tempo real, na medida em que tem que ser captada através da impressão de uma película fotográfica sensível aos raios X, e que terá que ser revelada posteriormente para poder então ser visualizada. b) Fluoroscopia A fluoroscopia é uma técnica moderna de radiologia, que permite obter imagens pelos mesmos princípios dos raios X, todavia, essas imagens não são captadas em películas mas sim convertidas em luz visível através de um intensificador de imagem, sendo mostradas num ecrã ou num monitor de raios catódicos, em tempo real, isto é, instantaneamente enquanto decorre o exame. Na figura 7.2 mostra-se fotograficamente um equipamento de fluoroscopia, utilizado para exames gastro-intestinais, genito-urinários, e para radiografias de rotina. Um outro campo onde se utiliza a fluoroscopia é a cirurgia, na medida em que se torna imprescindível visualizar em tempo real o decorrer das intervenções, mostrando-se na figura 7.3 um equipamento de imagiologia, que permite não só fazer o acompanhamento cirúrgico, mas também armazenar e visualizar as imagens obtidas nos exames pré-operatórios. Por sua vez, na figura 7.4 mostra-se uma imagem fluoroscópica de uma intervenção cirúrgica ortopédica, em que a reconstituição de uma fractura óssea se processou através da introdução de uma prótese interna constituída por dois parafusos metálicos de reforço. 168 Figura 7.2 – Equipamento Siemens de fluoroscopia, para exames gastro-intestinais, genito-urinários, e para radiografias de rotina. Figura 7.3 – Equipamento Siemens de fluoroscopia, para acompanhamento imagiológico cirúrgico. c) Radiografia Digital Este tipo de radiografia funciona com os mesmos princípios da fluoroscopia, contudo as imagens finais, além de poderem ser visualizadas num ecrã são também digitalizadas, podendo assim ser armazenadas na memória de um computador, com a finalidade de poderem ser trabalhas, posteriormente à sua obtenção através do exame radiológico. Este tipo de radiografia digital não apresenta as limitações típicas dos pixels, associadas à Tomografia Compu169 torizada e à Ressonância Magnética, na medida em que as imagens não são determinadas por computador mas sim obtidas directamente, apresentando assim uma melhor resolução. A única potencial limitação, facilmente resolúvel, diz respeito à memória de armazenamento, que tem que ser bastante elevada. Nas figuras 7.5 e 7.6 mostram-se dois equipamentos de radiografia digital, o primeiro para aplicações gerais, e o segundo, para exames urológicos. Figura 7.4 – Imagem fluoroscópica de uma intervenção cirúrgica ortopédica, com a utilização de prótese intra-tecido ósseo. Figura 7.5 – Equipamento Siemens para radiografia digital. 170 Figura 7.6 – Equipamento Siemens para radiografia digital urológica. Quanto à angiografia digital de subtracção, o seu princípio de funcionamento é similar ao da radiografia digital, contudo utiliza um contraste de elevada absorção, que é injectado através de um cateter nos vasos sanguíneos que se pretende que sejam analisados e estudados. Saliente-se que a angiografia nasceu em 28 de Junho de 1927, quando o Prof. Egas Moniz realizou a primeira arteriografia cerebral, após ter puncionado a carótida de um indivíduo do sexo masculino, e, no ano seguinte, o Prof. Reynaldo dos Santos realizou a primeira aortografia abdominal, através da punção directa da aorta, tendo igualmente realizado as primeiras arteriografias periféricas. Nas figuras 7.7 e 7.8 mostram-se dois equipamentos de angiografia diagnóstica e de intervenção, respectivamente para aplicações vasculares e cerebrais. 7.2.3. Tomografia Computorizada Esta técnica de imagiologia funciona exactamente com base no mesmo princípio dos raios X tradicionais, sendo no entanto as imagens tratadas, processadas e reconstruídas através de um computador, que permite converter a informação obtida da radiação transmitida ao paciente em imagens seccionais. Nesta tecnologia, um feixe fino de raios X é rodado em torno do eixo de simetria da secção do paciente que se encontra a ser examinado, por 171 exemplo a cabeça, sendo a imagem reconstruída matematicamente a partir da intensidade do feixe de radiação emitido, em função do ângulo de captação. Evidentemente que essa reconstrução tem como suporte a utilização de algoritmos informáticos bastante complexos, integrados nos respectivos equipamentos. Figura 7.7 – Equipamento Siemens de angiografia diagnóstica e de intervenção vascular. Figura 7.8 – Equipamento Siemens de angiografia diagnóstica e de intervenção cerebral. 172 Inicialmente, com o advento desta técnica, conseguiam-se obter apenas imagens axiais, ou então com ligeiros ângulos a partir da posição axial, daí a designação antiga de Tomografia Axial Computorizada TAC. Presentemente, com a utilização da TC Espiral, que varre um volume maior de partes do corpo humano, é já possível obterem-se imagens noutros planos, daí que a designação actual desta técnica seja apenas de Tomografia Computorizada TC, mostrando-se na figura 7.9 um destes equipamentos. Figura 7.9 – Equipamento Siemens de tomografia computorizada. 7.2.4. Ressonância Magnética Como é sabido, o corpo humano, sendo matéria, é constituído por átomos, dos quais uma grande proporção é de hidrogénio, átomos estes que são constituídos, por sua vez, apenas por um protão e por um electrão giratório. Ou seja, como se tem uma única carga positiva e uma única carga negativa, se se atender ainda a que os núcleos atómicos rodam sobre si próprios, então esses núcleos comportam-se como pequenos magnetos permanentes. Quando esses pequenos magnetos permanentes são colocados sob a acção de um campo magnético, alinham-se com esse campo e rodam em torno do seu eixo, isto é, em torno das linhas de força do vector intensidade do campo magnético, movimento este semelhante ao movimento de rotação de um pião, e que é designado por precessão, dependendo a rapidez do movimento directamente da intensidade do campo magnético. 173 Por outro lado, quando o campo magnético a que se submetem os núcleos de hidrogénio apresenta uma frequência exactamente igual à frequência da sua precessão, frequência essa que se encontra na banda das ondas de rádio, os núcleos conseguem absorver a energia do campo, ou seja, dá-se um fenómeno de ressonância, invertendo os núcleos o seu sentido de rotação, passando a ficar alinhados em sentido contrário ao do campo magnético. Quando o campo magnético de RF é desligado, os núcleos deixam de absorver energia do campo magnético, passando então a ser eles próprios a emitir radiação, radiação esta que é captada por uma antena que a transforma num sinal de corrente eléctrica, que irá assim permitir a construção da imagem pretendida. Saliente-se que cada tecido do corpo humano, devido à sua composição química diferente e ao seu estado físico, reemite a radiação absorvida a uma taxa diferente, denominada tempo de relaxação do tecido. A codificação espacial necessária à obtenção das imagens resulta da utilização de gradientes, isto é, de variações, da intensidade do campo magnético o que faz com que cada núcleo tenha uma frequência de precessão única, correspondente a uma determinada localização no tecido sob observação. Como a reemissão da energia absorvida pelos núcleos de hidrogénio se processa de uma forma exponencial e depende da temperatura dos tecidos e da intensidade do campo magnético, e, além disso, como cada tecido apresenta uma estrutura molecular e morfológica próprias, o tempo de reemissão varia de tecido para tecido, o que permite obter imagens com um contraste entre os vários tecidos observados. Os avanços recentes no que respeita à velocidade de aquisição de sinais, com a técnica de Imagem Eco Planar (Eco Planar Imaging EPI), permitem obter imagens cardíacas em tempo real. Além da imagiologia pura, a RM permite a obtenção de espectros químicos localizados, devido à variação da frequência de precessão dos núcleos de hidrogénio inseridos em moléculas diferentes. Atendendo a que, na RM, se têm núcleos submetidos a campos magnéticos, e ainda a que esses núcleos absorvem radiação em ressonância, esta técnica de imagiologia foi inicialmente designada com Ressonância Magnética Nuclear, passando modernamente a ser nomeada apenas como Ressonância Magnética, devido às conotações negativas do vocábulo nuclear. 174 É ainda de salientar que a RM se tem vindo a transformar na tecnologia de eleição em imagiologia, devido não só às complexas técnicas que utiliza, mas também pelo facto de permitir obter informações biológicas tanto anatómicas como funcionais, nos domínios da angiografia, difusão, perfusão, e funcionamento cerebral, sendo de momento a única técnica que permite a caracterização química dos tecidos. Na figura 7.10 apresenta-se um equipamento de ressonância magnética de 1,5 T. Note-se que, na prática, para que se consiga excitar os núcleos dos átomos de hidrogénio, os campos magnéticos a utilizar nos equipamentos de RM apresentam densidades de fluxo bastante elevadas, cujos valores normalizados são 1,5 T e 3 T. Para que se tenha uma ideia desta ordem de grandeza, as densidades de fluxo nos circuitos magnéticos de grandes máquinas eléctricas situam-se entre 0,90 T e 0,95 T. Figura 7.10 – Equipamento Siemens de ressonância magnética de 1,5 T. Saliente-se que, apesar da TC e da RM resultarem da interferência da energia com a matéria, as suas géneses são completamente diferentes, daí que seja natural que as expressões iconográficas não apresentem quaisquer semelhanças e, consequentemente, também as semiologias, que incluem como é óbvio a interpretação, sejam também bastante diferentes. Por um lado, a TC resulta da interferência entre a radiação ionizante X e a nuvem electrónica dos átomos, enquanto que na RM essa interferência processa-se entre uma 175 radiação não-ionizante de rádio-frequência e os protões dos núcleos atómicos do hidrogénio. 7.2.5. Medicina Nuclear Esta medicina é caracterizada pela utilização de metodologias complementares de diagnóstico, minimamente invasivas, e que, para a sua execução, requerem apenas uma simples administração intravenosa de um radiofármaco. Adicionalmente, as doses de radiação absorvidas pelos pacientes são, de um modo geral, similares ou inferiores às das técnicas radiológicas convencionais, com raios X. A medicina nuclear, daí a sua designação, utiliza substâncias radioactivas com fins diagnósticos ou, com menor frequência, com objectivos terapêuticos. No caso da terapêutica, possibilita o tratamento por meio da interacção que se estabelece entre o paciente e as radiações recebidas, enquanto que, no caso das aplicações diagnósticas, as substâncias radioactivas fornecem informações relativas ao comportamento biológico através da detecção externa das radiações emitidas. De um modo geral, as técnicas radiológicas dependem das alterações da estrutura e da morfologia dos tecidos biológicos, para se detectar a existência de anomalias e de doenças, enquanto que as imagens geradas pela técnica de medicina nuclear, imagens essas designadas por cintigrafias, devem ser interpretadas como imagens funcionais, que poderão desempenhar uma acção importante na detecção precoce das doenças, na medida em que as disfunções precedem as alterações morfológicas. Os métodos radioisotópicos são baseados na utilização de traçadores radioactivos cujo comportamento bioquímico e fisiológico é idêntico ao da substância estável, e, sendo administrados em quantidades muito reduzidas, não provocam mudanças nos processos fisiológicos, permitindo assim o estudo das funções sem haver alteração dessas mesmas funções. A câmara gama, que se mostra na figura 7.11, é o equipamento mais utilizado em medicina nuclear, permitindo a obtenção de imagens planares e tomográficas. Esta câmara é essencialmente constituída por um sistema de detecção de raios gama – por exemplo, um cristal de iodeto de sódio activado com tálio –, convenientemente colimado, assim como por outros dispositivos de 176 processamento dos impulsos eléctricos obtidos como consequência da interacção das radiações gama com o cristal detector. Figura 7.11 – Câmara gama de medicina nuclear Siemens, com dois detectores e tecnologia SPECT – TC. Além das funcionalidades tomográficas, as câmaras gama possibilitam igualmente o tratamento informático dos dados obtidos, permitindo a detecção, o registo, a análise, e a quantificação das alterações que se verificam na distribuição e troca de constituintes dos tecidos biológicos, em órgãos ou outras regiões do corpo, em observação no exame nuclear. A exploração da quantificação das alterações tem vindo a contribuir, de modo significativo, para a valorização das aplicações clínicas deste tipo de medicina, como por exemplo a ventriculografia de radionúclidos, a cintigrafia renal, e a quantificação em Tomografia por Emissão Fotónica Simples (Single Photonic Emission Computerized Tomography SPECT), e em Tomografia por Emissão de Positrões (Positrons Emission Tomography PET). Na figura 7.12 mostra-se um outro equipamento de medicina nuclear, com tecnologia PET – TC. As imagens cintigráficas obtidas são não só funcionais, mas também quantificativas, o que se traduz na obtenção de mais-valias no que respeita às informações adicionais relacionadas com os processos fisiológicos. A obtenção de imagens de um modo dinâmico possibilita a visualização dos movimentos do traçador radioactivo, independentemente desses movimentos serem de natureza passiva (circulação sanguínea, difusão), ou de natureza activa (secreções, excreções). 177 A localização e a dinâmica das substâncias radioactivas administradas nos tecidos biológicos encontram-se relacionadas com determinadas actividades e funções biológicas, daí que se consigam obter imagens com informações funcionais e anatómicas, em simultâneo. A medicina nuclear tem-se vindo a desenvolver essencialmente devido aos grandes progressos verificados nos sistemas de aquisição e processamento de dados, englobando sinais e imagens. Figura 7.12 – Equipamento de medicina nuclear Siemens, com tecnologia PET – TC. A tendência actual aponta para a adopção de equipamentos não só como aquele que se mostra na figura 7.11, em que, através de um simples registo se fundem imagens funcionais, obtidas por meio de uma câmara gama, com imagens morfológicas, conseguidas através da Tomografia por Emissão Fotónica Simples SPECT (sistema SPECT – TC), mas também da Tomografia por Emissão de Positrões PET, utilizada em equipamentos como o que se mostra na figura 7.12 (sistema PET – TC). 7.3. ANGIOGRAFIA DIAGNÓSTICA Esta técnica nasceu em 1927, com o Prof. Egas Moniz, mais tarde Prémio Nobel da Medicina, ao realizar a primeira arteriografia cerebral e, no ano seguinte, foi a vez do Prof. Reynaldo dos santos efectuar a primeira aortografia 178 abdominal. Todavia, foi só em 1953 que Seldinger desenvolveu um novo método de angiografia por via percutânea transfemoral, o que representou um passo muito significativo para o progresso e expansão deste meio de diagnóstico. Em termos evolutivos, a angiografia diagnóstica inicial continha unicamente informações analógicas, ou seja, informações das imagens de uma forma contínua, com a apresentação das várias áreas de enegrecimento, ao passo que, na angiografia de subtracção digital as imagens analógicas são digitalizadas, isto é, tornadas descontínuas. Neste processo de conversão, a imagem é, em primeiro lugar, gerada no equipamento de televisão por meio de um intensificador de imagem, sendo esta imagem analógica de vídeo digitalizada de seguida através de um conversor analógico-digital, com a finalidade de ser memorizada e tratada por computador. Uma das primeiras imagens digitais obtidas, por conseguinte ainda antes da injecção do líquido de contraste no paciente, irá servir de máscara, ou seja como base de referência para as imagens seguintes a obter no exame. Essa máscara é então subtraída das imagens subsequentes obtidas no exame, portanto após a injecção do líquido de contraste, daí que se irá visualizar apenas o percurso do vaso sanguíneo por onde circula o contraste. É exactamente devido a esta subtracção que este meio de diagnóstico se designa por angiografia de subtracção digital. Adicionalmente, a administração intra-arterial do contraste iodado permite, através da sua concentração, que se atinja um bom aproveitamento da intensificação electrónica do contraste na geração das imagens, como se mostra na figura 7.13. Comparativamente com a angiografia analógica de diagnóstico clássica, a angiografia intra-arterial de subtracção digital apresenta o seguinte conjunto de vantagens: • Utilização de uma menor quantidade de líquido de contraste. • Menor concentração do líquido de contraste. • Possibilidade de se utilizarem cateteres de pequeno calibre. • Custos de utilização mais reduzidos (número de películas, meios de contraste, arquivos). 179 • Tempos de exame mais reduzidos, o que possibilita a realização de um maior número de exames por unidade de tempo, rentabilizando mais rapidamente o investimento com a aquisição do equipamento. Figura 7.13 – Angiografia de subtracção digital da carótida. Enquanto que a angiografia convencional era utilizada apenas na avaliação e análise das estruturas vasculares e no diagnóstico de tumores no rim, fígado e pâncreas, a moderna angiografia digital é aplicada no diagnóstico de: • Lesões isquémicas. • Lesões traumáticas. • Hemorragias. • Tumores. • Anomalias vasculares congénitas. • Transplantes. • Aneurismas. • Lesões venosas. 7.4. MAMOGRAFIA O cancro da mama representa actualmente a doença maligna que mais afecta a mulher e, apesar da sua incidência ter vindo a aumentar, a taxa de mortalidade, que se manteve estável até 1995, encontra-se em decrescimento, 180 possivelmente devido à maior utilização do rastreio mamográfico, fruto das campanhas de saúde pública que têm vindo a ser realizadas. De acordo com estudos epidemiológicos realizados, as mulheres com idade compreendida entre 40 e 49 anos deverão efectuar o rastreio anualmente, enquanto que, acima dos 50 anos, esse rastreio deverá ser realizado bienalmente. Em termos anatómicos, a base da mama adulta situa-se entre a 2ª e a 6ª costelas, na linha clavicular média, e encontra-se quase totalmente sobre o músculo grande peitoral, estendendo-se o tecido mamário desde o bordo lateral do externo até à linha axilar anterior e à axila. Por outro lado, a espessura da pele situa-se entre 0,5 mm e 2 mm, encontrando-se, imediatamente por baixo dela, a fáscia superficial que divide a mama em duas regiões – região superficial e região profunda. Adicionalmente, a glândula é fixa à fáscia e aos músculos peitorais por meio dos ligamentos de Cooper, que são cordões fibrosos que se estendem da derme profunda ao tecido mamário subjacente. Macroscopicamente, a mama é formada por 15 a 20 segmentos ou lobos, incluindo cada lobo os lóbulos e os ductos excretores que drenam, através do ducto lactífero, no mamilo. Em termos de composição geral, os seios apresentam-se em quatro padrões: • Mama adiposa, que é essencialmente hipertransparente. • Mama com densidades fibroglandulares dispersas, e que apresentam uma densidade intermédia. • Mama com tecido mamário denso e heterogéneo. • Mama com tecido mamário muito denso. Este padrão, assim como o anterior, é caracterizado pela hipotransparência, que faz diminuir a sensibilidade da mamografia no que respeita a detecção de pequenas lesões, o que justifica a realização de estudos clínicos complementares, através da recorrência à ultrassonografia (ecografia). Saliente-se que o padrão mamário varia não só com a idade mas também com o estado hormonal da mulher, apresentando as mulheres em idade jovem uma densidade elevada, enquanto que, na idade pós-menopausa e na ausência de terapêutica hormonal, a mama tem características adiposas. A utilização da radiologia no diagnóstico mamário teve o seu início em 1913, quando o médico cirurgião alemão Albert Salomon realizou a primeira mamo181 grafia. A partir dessa data, e devido à complexidade técnica deste tipo de exame clínico, a sua imagiologia específica tem vindo a sofrer uma evolução tecnológica notável, existindo actualmente equipamentos bastante complexos que permitem efectuar todo o tipo de exames, com uma minúcia e um grau de precisão elevadíssimos. A mamografia continua a ser, ainda hoje, o meio de diagnóstico gold standard, como afirma a Doutora Isabel Ramos, Professora Catedrática da Faculdade de Medicina da Faculdade do Porto, no estudo das patologias mamárias. Contudo, apesar da elevadíssima sofisticação dos equipamentos existentes, a qualidade do exame depende ainda bastante da utilização mais adequada desses equipamentos, assim como da experiência de quem realiza o exame. Na figura 7.14 mostra-se um equipamento moderno de mamografia, digital, que permite a visualização de imagens em tempo real, o diagnóstico de eventuais anomalias, a realização de biopsias, e o processamento e tratamento posterior das imagens obtidas. É caracterizado ainda pela sua elevada resolução não só espacial mas também do contraste das imagens, e possui um tubo de raios X construído com o ânodo em tungsténio e molibdénio, que assegura uma dose de radiação cerca de 50 % inferior à dos equipamentos de raios X convencionais. Figura 7.14 – Equipamento Siemens de mamografia digital. Além disso, como se esquematiza na figura 7.15, a intensidade do feixe de raios X adapta-se automaticamente ao padrão mamário, aumentando assim o rigor dos exames, tornando-os menos dependentes das intervenções dos 182 radiologistas. Após um exame mamográfico, em primeiro lugar deve-se avaliar a qualidade desse exame e, em seguida, efectuar os seguintes procedimentos clínicos: • Determinar a composição geral da mama. • Analisar a existência ou não de lesões. • Confirmar se a(s) lesão(ões) é(são) reais. • Localizar essas lesões, se de facto existirem. Figura 7.15 – Regulação automática da intensidade do feixe de raios X em função do padrão mamário. 7.5. TOMOGRAFIA COMPUTORIZADA A tomografia computorizada (TC), resulta da evolução tecnológica natural da imagiologia radiológica convencional baseada nos raios X que, devido à sua elevada energia, tem a capacidade de atravessar corpos e objectos. A TC foi inicialmente descrita em 1973 por Godfrey Hounsfield, investigador dos laboratórios Thorn-EMI, num artigo científico publicado na revista inglesa British Journal of Radiology, e consiste na reconstrução, através de métodos computacionais, dos dados obtidos por varrimentos sucessivos de uma mesma região do corpo humano, com radiação X, com uma alteração sucessiva das posições relativas entre o feixe da radiação e o objecto em exame. Por conseguinte, as imagens assim obtidas representam, cada uma delas, um corte localizado, ou seja, uma fatia axial, com uma espessura compreendida entre 1 mm e 10 mm, daí a designação inicial desta técnica – Tomografia Axial Computorizada 183 (TAC). Para melhor compreensão, apresenta-se na figura 7.16 uma imagem no plano axial do tórax. Figura 7.16 – Corte de TC no plano axial do tórax. Em termos de blocos funcionais, os equipamentos de TC são normalmente constituídos pelos seguintes módulos: • Gerador de alta tensão, para a alimentação ânodo-cátodo do tubo gerador de raios X. • Conjunto mesa/gantry, estando o tubo de raios X, os sistemas de detecção da radiação, e os conversores analógico-digitais inseridos no gantry. • Computador, que assegura a gestão de todo o sistema assim como o processamento digital dos dados recolhidos. • Consola de operação e de visualização das imagens. • Sistema de armazenamento das imagens. Os equipamentos actuais encontram-se equipados com 600 a 800 detectores dispostos lado a lado, e emitem feixes de radiação em leque, o que evita a existência de movimento de translação e torna mais rápida a aquisição de dados. Além disso, para cobrirem toda a área do corpo humano sujeita a exame tomográfico, dispõem de um sistema de rotação síncrono “tubo de raios X – detectores”, ou de outro sistema alternativo, em que os detectores estão fixos, girando apenas o tubo. Já nos anos 90 do século passado, foram disponibilizados equipamentos com mais um grau de liberdade, em que, asso184 ciado ao movimento rotativo síncrono “tubo – detectores”, se tem igualmente o movimento longitudinal incremental da mesa onde se encontra o paciente, o que permite a aquisição de dados de uma forma contínua – aquisição helicoidal –, como se esquematiza na figura 7.17. Figura 7.17 – Aquisição de dados helicoidal. Atendendo a que esta aquisição é realizada em modo contínuo ao longo de uma espiral, os dados obtidos deixam de ter uma distribuição plana, ou seja, bidimensional, mas sim volumétrica, isto é, tridimensional. Esta técnica permite assim que, além da reconstrução clássica em cortes bidimensionais fatia a fatia, sejam ainda possíveis outras reconstruções, como a SSD (Surface Shaded Display), a MIP (Maximum Intensity Projection), e a mIP (minimum Intensity Projection), conseguindo-se assim a representação de superfícies sombreadas em volume e profundidade (SSD), assim como a representação de estruturas com um valor de voxel acima (MIP) ou abaixo (mIP) de um determinado limiar previamente seleccionado pelo radiologista. Para melhor entendimento, veja-se seguidamente quais os conceitos de pixel e de voxel. Para isso, considere-se a figura 7.18, em que se tem uma matriz de imagem (corte), com uma dada espessura e constituída por um determinado número de elementos rectangulares. Esta imagem genérica corresponde, grosso modo, à imagem reconstruída computacionalmente num equipamento de TC, sendo assim formada por um conjunto bidimensional de elementos – os elementos rectangulares –, que são designados por pixels (aglutinação de picture element), tendo cada um deles 185 um valor codificado para a sua representação numa escala a preto e branco. O pixel representa a base rectangular de um elemento de volume paralelepipedal, designado por voxel, correspondendo a altura desse paralelepípedo à espessura da imagem. Figura 7.18 – Matriz de imagem (corte) obtida na TC. A Tomografia omputorizada posiciona-se, em conjunto com a Ressonância Magnética, na moderna imagiologia, permitindo a disponibilização das imagens obtidas nos exames e o seu armazenamento digital, para que, posteriormente, possam ser processadas e enviadas electronicamente, sem perda de qualidade. Uma área de diagnóstico onde a TC se destaca são os estudos das estruturas vasculares, clinicamente designados por angio-TC, na medida em que representam uma associação da angiografia com a tomografia, sendo de salientar que a angio-TC é actualmente a técnica de diagnóstico do tromboembolismo pulmonar. Apesar de, actualmente, o peso da RM como técnica diagnóstica em termos morfológicos suplante a TC, sem dúvida que a TC resolve bastantes problemas clínicos que exigem uma resposta imediata e pouco onerosa, em relação à imagiologia. Além disso, existem situações clínicas exequíveis apenas por recorrência à TC, como sucede com as lesões ósseas e as calcificações, praticamente não identificáveis na RM. Por conseguinte, pode-se afirmar que a TC e a RM são técnicas de imagiologia complementares. 186 7.6. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA A par da Tomografia Computorizada, a Ressonância Magnética é a técnica de imagiologia que tem experimentado um dos maiores desenvolvimentos nos últimos anos, sendo a não utilização de radiação electromagnética ionizante assim como a sua excelente resolução espacial e de contraste, as suas principais vantagens. Como é do conhecimento geral, o corpo humano contém, na sua composição, uma percentagem muito significativa de água, ou seja, os átomos de hidrogénio são os que existem em maior número no corpo. Estes átomos são, por sua vez, constituídos apenas por um electrão, que tem carga eléctrica negativa, e por um núcleo onde existe também apenas um protão, que possui carga eléctrica positiva. Adicionalmente, o núcleo roda sobre si próprio, isto é, possui um spin, criando assim um pequeno campo magnético o que faz com que o protão seja semelhante a um pequeno magneto. Quando se submete o paciente à acção de um campo magnético, gerado através de uma onda de rádio-frequência, os protões giram em torno do seu eixo, movimento de rotação esse que se designa por precessão e cuja frequência depende da intensidade do campo magnético aplicado. Ao mesmo tempo, os protões irão alinhar-se com o campo, em paralelo ou em antiparalelo, existindo mais protões na primeira situação, na medida em que se trata de um nível menos energético, conduzindo à formação de um campo magnético do próprio paciente, e que apresenta uma direcção longitudinal em relação à direcção do campo exterior. Quando a onda magnética de RF tem a mesma frequência da precessão protónica, dá-se um fenómeno de ressonância, e os protões absorvem energia, saindo assim do nível de menor energia (paralelo), para o nível de energia mais elevada (antiparalelo), diminuindo desse modo a magnetização longitudinal. Ou seja, surge uma nova magnetização, transversal à direcção do campo magnético aplicado externamente. No passo seguinte, quando se desliga a radiação de RF externa, dá-se um aumento da magnetização longitudinal, uma vez que os protões vão perdendo a energia acumulada, regressando ao nível de menor energia. Esta relaxação longitudinal, que traduz o retorno progressivo dos núcleos ao seu estado natural à medida que vão libertando a energia acumulada, é descrita através de uma constante temporal T1 – tempo de relaxação –, que é tanto menor quanto 187 mais eficiente for essa libertação energética e vice-versa, sendo de salientar o facto dos tecidos adiposos, isto é, a gordura, apresentar o menor tempo de relaxação. A variação da magnetização transversal, que depende do grau de mobilidade entre moléculas, é descrita pelo tempo de relaxação T2, que é tanto maior quanto mais elevada for a mobilidade e vice-versa. No caso da água, como a mobilidade das suas moléculas é elevada, o tempo T2 é relativamente longo. No que respeita aos tecidos biológicos, os que são ricos em colagénio, fibras, e proteínas, apresentam um T1 baixo/intermédio, e um T2 baixo, enquanto que os tecidos ricos em água, como por exemplo o edema, as inflamações, as necroses, os quistos, as hemorragias, os tumores, têm um T1 baixo e um T2 elevado. Por conseguinte, patologias diferentes poderão apresentar sinais similares, como por exemplo um edema e um tumor, e, por outro lado, o mesmo processo patológico pode apresentar características de sinal diferentes, se houver alguma alteração nos tecidos. Por exemplo, se houver uma alteração da composição e estrutura de um tecido, como sucede com o aparecimento de tumores num tecido são, o sinal também se altera, permitindo assim a detecção da anomalia tecidular. A combinação da RM com a angiografia, isto é, com a administração de contraste, nomeadamente de quelatos de gadolínio, permite aumentar a capacidade de detecção e de caracterização das lesões, sendo estes contrastes de administração bastante segura e sem contra-indicações, mostrando-se na figura 7.19 uma angio – RM da aorta abdominal. Apesar das grandes potencialidades e dos progressos notáveis da RM, a sua utilização está contra-indicada na presença de material ferromagnético e em pacientes que tenham pacemakers implantados, mesmo estando inactivos. Note-se que, em pacemakers activos, o campo magnético aplicado pelo equipamento de RM provoca interferências electromagnéticas nos circuitos electrónicos do pacemaker, podendo conduzir não só ao aparecimento de frequências de funcionamento diferentes, mas também à sua imobilização, com consequências muito graves. Por outro lado, devido ainda às linhas de força do campo magnético de RM, tanto a estrutura metálica do pacemaker, activo ou inactivo, assim como as próteses metálicas ferromagnéticas, serão sede de 188 forças electromotrizes geradas com base na lei de indução de Faraday, que, por sua vez, darão origem a correntes de Foucault, que são correntes de curto-circuito de elevada intensidade, provocando aquecimentos muito perigosos nos tecidos biológicos circundantes. Figura 7.19 – Angio – RM, de uma prótese da aorta abdominal, com aquisição volumétrica ponderada em T1, e com contraste de gadolínio. A RM utiliza-se na imagiologia do sistema nervoso central, do tórax, do abdómen, da pélvis, do sistema músculo-esquelético, e em angiologia, sendo previsível que, além da realização de exames morfológicos, seja possível a realização de estudos funcionais. 7.7. OBSERVAÇÕES FINAIS. ECOGRAFIA Para melhor compreensão dos assuntos expostos nos Capítulos 6 e 7, relativamente às aplicações terapêuticas e às aplicações médicas dos campos electromagnéticos, apresenta-se no quadro 7.1 um resumo de todas as técnicas que se apresentaram, assim como as respectivas bases físicas. Nos textos anteriores, não se expôs o princípio físico de uma outra aplicação médica de imagiologia, que é a ecografia, na medida em que o seu funcionamento se baseia apenas nas ondas sonoras, mais concretamente nos ultrassons. 189 Técnicas Bases físicas Aplicações terapêuticas Estimulação Magnética Transcraniana Campo magnético Estimulação Eléctrica Óssea, por Eléctrodos (invasiva) Campo eléctrico Estimulação Eléctrica Óssea Capacitiva Campo eléctrico Estimulação Eléctrica Óssea Magnética Campo magnético Tratamento por Hipertermia Rádio-frequência Ablação de Rádio Frequência, por Eléctrodos (invasiva) Rádio-frequência Radioterapia Oncológica Fotões/radiação gama Terapia de Partículas Protões de hidrogénio, iões de carbono Aplicações médicas em imagiologia Radiografia Raios X Fluoroscopia Raios X Imagiologia Cirúrgica Raios X Angiografia Raios X Tomografia Computorizada Raios X Ressonância Magnética Rádio-frerquência Medicina Nuclear SPECT-TC e PET-TC / Câmara Gama Raios X, raios gama Mamografia Raios X Urologia Raios X Quadro 7.1 – Aplicações terapêuticas e aplicações médicas em imagiologia, dos campos electromagnéticos. Contudo, para se terminar este capítulo, apresenta-se uma descrição desta aplicação, dada a sua elevada importância na medicina actual. A ecografia, também designada por imagiologia de ultrassons, é uma técnica de diagnóstico por imagem baseada no fenómeno da interacção entre ultrassons e tecidos biológicos, ou seja, baseada na reflexão de ultrassons que se propagam no corpo. Os ultrassons utilizados em ecografia têm uma frequência superior a 20 kHz, ou seja, superior ao limite de frequência audível pelo ouvido humano, sendo gerados através do fenómeno piezoeléctrico, isto é, de conversão de impulsos eléctricos em impulsos mecânicos e vice-versa. A 190 velocidade do feixe ultrassónico depende do material atravessado (quadro 7.2), e os ecos gerados a partir das diferentes interfaces entre os tecidos, encontradas no trajecto desse feixe, retornam ao equipamento num intervalo de tempo que é proporcional à sua penetração na área em estudo. Tecidos Velocidades (m/s) Ar 340 Gordura 1450 Água 1540 Rim 1560 Sangue 1570 Músculo 1585 Cristalino 1620 Osso 3200 Metais > 4000 Quadro 7.2 – Velocidade dos ultrassons em diversos tecidos. A imagem ecográfica é assim constituída pelos efeitos acústicos derivados da interacção entre a onda sonora e o tecido biológico. Na ecografia diagnóstica, a frequência de emissão acústica apresenta os seguintes valores típicos: • 2 MHz – estudos cardíacos, transcranianos, e abdominais profundos. • 3,5 MHz – exames abdominais e pélvicos. • 5 MHz – exames abdominais e endocavitários. • 10 MHz – avaliação de estruturas superficiais, que incluem os vasos sanguíneos, e os tecidos moles, e exames endoscópicos. • Até 20 MHz e frequências superiores – estudos da pele, olhos e vasos sanguíneos. Os ultrassons, ao propagarem-se no interior do corpo humano, são reflectidos em cada interface entre dois tecidos, sendo uma parte da onda que é transmitida e outra que é reflectida. No quadro 7.3 mostra-se as percentagens da energia reflectida de uma onda acústica ultrassonora, que incide perpen-dicularmente à interface entre diversos tecidos biológicos e, para finalizar, apresenta-se na figura 7.20 um 191 equipamento de ecografia, e na figura 7.21 uma ecografia tridimensional do rosto de um bebé no ventre materno. Interface Músculo Fígado Sangue Osso Músculo ----- 0,02 0,1 41 Fígado 0,02 ----- 0,02 42 Sangue 0,1 0,02 ----- 43 Gordura 1,1 0,8 0,6 49 Quadro 7.3 – Percentagem da energia reflectida de uma onda de ultrassons. Figura 7.20 – Equipamento Siemens de ecografia. Figura 7.21 – Imagem ecográfica de um bebé em gestação. 192 7.8. TECNOLOGIA TERAHERTZ A radiação Terahertz, isto é, com uma frequência da ordem de grandeza do THz (1 THz = 1012 Hz), situa-se entre a radiação de microondas e a luz infravermelha, conforme se mostra no espectro de frequências da figura 7.22, ocupando a banda compreendida entre 0,3 THz e 20 THz. Esta região é, por vezes, designada por espaço THz (THz – gap), e representa uma das últimas bandas daquele espectro a ser explorada e investigada. Figura 7.22 – Distribuição das aplicações terapêuticas da energia electromagnética no espectro das frequências. 193 Esta radiação é não-ionizante, e tem vindo a ser objecto de investigação no sentido da sua aplicação médica em imagiologia, na medida em que os níveis da energia fotónica são reduzidos (1 – 12 meV), não se verificando desse modo a possibilidade da existência de danos nas células, que se limitarão apenas, quando muito, aos efeitos térmicos generalizados – é, por conseguinte, uma radiação não carcinogénica. Por exemplo, a energia dos fotões dos raios X situa-se na gama do keV, ou seja, sensi-velmente um milhão de vezes mais elevada A imagiologia clínica baseada na tecnologia terahertz apresenta algumas vantagens relativamente a outras técnicas de imagiologia, uma vez que providencia a obtenção de informação temporal e espectroscópica, que permite desenvolver imagens tomográficas tridimensionais, enquanto que as microondas e os raios X produzem apenas imagens com densidades diferentes. As respostas dos materiais biológicos – rotação, vibração e translação (moléculas, radicais, e iões) – quando sujeitos à radiação THz, permitem obter informações imagiológicas que se encontram ausentes nas imagens geradas por raios X e por ressonância magnética, atendendo a que aquela radiação consegue penetrar facilmente no interior da maioria dos materiais dieléctricos, os quais são opacos à luz visível e com pouco contraste aos raios X. Adicionalmente, a radiação THz apresenta um elevado grau de penetração. Contrariamente aos raios X, é uma radiação não-ionizante; contrariamente aos ultrassons, as imagens são obtidas sem contacto com os tecidos, e, comparativamente com a radiação infravermelha, a sua profundidade de penetração é mais elevada. Além disso, a deposição de energia nos tecidos biológicos é bastante menor que as das outras técnicas citadas. Uma das grandes esperanças no que respeita à generalização do uso desta moderna técnica de imagiologia, consiste na detecção precoce de doenças e de anomalias. As suas primeiras utilizações, por volta de 2003, foram a detecção de cáries dentárias e a examinação da pele para se avaliar a amplitude e a profundidade de queimaduras. Mais recentemente, tem sido aplicada na detecção e análise da extensão de carcinomas na subderme. Além da sua vocação para a detecção rigorosa de tumores na pele, como as ondas THz podem penetrar em plásticos e em tecidos (panos e trapos), pode ainda 194 ser utilizada para detectar objectos escondidos, bem como gases tóxicos e explosivos. Entre os desafios actuais que se colocam para tornar a imagiologia THz mais prática e acessível como aplicação médica da energia electromagnética, situa-se o desenvolvimento e aperfeiçoamento de guias de onda que permitam dirigir a radiação, de uma forma precisa, em direcção ao alvo pré-seleccionado. Quanto às suas desvantagens, são as seguintes: • Como a água e outros líquidos apresentam uma elevada taxa de absorção à radiação THz, esta situação limita a sensibilidade e a imagiologia de tecidos ricos em água, e inibe praticamente a transmissão em modo de imagem através de tecidos densos e espessos. • A instalação de um equipamento THz carece de um espaço considerável, sobretudo devido ao gerador laser ultrarápido. • O elevado custo do gerador laser, situado entre 70 mil e 140 mil euros, poderá impedir a generalização desta técnica. 195 BIBLIOGRAFIA 1. Livros [1] – John D. Kraus, “Electromagnetics”. McGraw-Hill International Editions, Electrical Engineering Series, fourth edition, New York, USA, 1991. [2] – Riadh W. Y. Habash, “Electromagnetic Fields and Radiation. Human Bioeffects and Safety”. Marcel Dekker, Inc., New York, USA, 2002. [3] – João Martins Pisco (coordenador), “Imagiologia Básica. Texto e Atlas”. Lidel – edições técnicas, Lisboa, Setembro de 2003. [4] – Peter Stavroulakis (editor), “Biological Effects of Electromagnetic Fields”. Springer-Verlag, Berlin, Germany, 2003. [5] – Frank S. Barnes, Ben Greenebaum (editores), “Biological and Medical Aspects of Electromagnetic Fields”. CRC Press, Taylor & Francis Group, Boca Raton, Florida, USA, 2007. [6] – Frank S. Barnes, Ben Greenebaum (editores), “Bioengineering and Biophysical Aspects of Electromagnetic Fields”. CRC Press, Taylor & Francis Group, Boca Raton, Florida, USA, 2007. [7] – Riadh W. Y. Habash, “Bioeffects and Therapeutic Applications of the Electromagnetic Energy”. CRC Press, Taylor & Francis Group, Boca Raton, Florida, USA, 2008. [8] – Carlos M. P. Cabrita, “Efeitos Biológicos dos Campos Electromagnéticos e da Radiação”. Edição do autor, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2008. Como se pode constatar, esta bibliografia encontra-se ordenada por ordem crescente do ano de publicação e, para o mesmo ano, por ordem alfabética do primeiro nome dos autores. A estrutura deste nosso livro de apoio, no que respeita aos conteúdos e às imagens e esquemas inerentes a todos os seus capítulos baseia-se essencialmente na ref. [8], complementando-a. A referência [1], que constitui desde sempre uma obra clássica do electromagnetismo, é bastante importante no que concerne ao estudo dos campos electromagnéticos, incluindo o campo magnético terrestre e a distribuição electromagnética na atmosfera, tendo contribuído para a escrita dos capítulos 1 e 2. As referências [2] e [7], que consideramos serem duas excelentes obras de referência no domínio dos efeitos biofísicos e das aplicações terapêuticas dos 196 campos electromagnéticos, contribuíram acentuadamente para a elaboração dos capítulos 1, 3, 4, 5, e 6. Quanto às referências [4], [5] e [6], contêm diversos trabalhos de investigação extremamente importantes, tendo contribuído para a elaboração dos capítulos 2 e 6, no que concerne respectivamente aos campos eléctricos e magnéticos externos e internos nos tecidos biológicos, e às aplicações médicas e terapêuticas da energia electromagnética. Por sua vez, a ref. [3], que é uma excelente obra de referência no domínio da imagiologia médica, foi essencial para a elaboração do capítulo 7, tendo nós utilizado diversas figuras existentes no seu conteúdo. Finalmente, importa referir que os livros [2], [4], [5], [6] e [7] apresentam um conjunto notável, e em grande quantidade, de referências bibliográficas que incluem livros, artigos científicos, e relatórios médicos. 2. Internet [1] – Siemens Medical Worldwide, http://www.medical.siemens.com [2] – General Electric, http://www.ge.com/index.htm A multinacional alemã Siemens, do sector eléctrico e electrónico, é actualmente o maior construtor mundial de equipamentos de electromedicina, sendo de grande importância consultar esta sua página na Internet, na medida em que representa uma fonte de conhecimentos extremamente completa e elucidativa sobre as aplicações médicas em imagiologia e terapêutica. A informação recolhida foi essencial para a elaboração de parte do capítulo 6 assim como do capítulo 7, não só em termos de texto escrito mas também das imagens ilustrativas. Adicionalmente, a empresa multinacional norte-americana General Electric, considerada a segunda maior empresa a nível mundial, é também um importante construtor de equipamentos de electromedicina. Apesar da sua gama não ser tão completa como a da multinacional alemã, torna-se igualmente imprescindível a consulta à sua página na Internet. Com base em Habash [2] e [7], apresenta-se seguidamente uma listagem de revistas científicas especializadas na investigação dos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos, assim como uma relação de diversos organismos estrangeiros, relacionados com este tema. 197 3. Revistas Científicas Advances in Electromagnetic Fields in Living Systems American Journal of Epidemiology American Journal of Public Health Annals of Biomedical Engineering Bioelectromagnetics Biomedical Radioelectronics Biophysical Journal British Medical Journal Cancer Causes and Control Compliance Engineering Computers in Biology and Medicine Electromagnetic Fórum Epidemiology EPRI Journal Health Physics IEEE Proceedings in Medicine and Biology Magazine IEEE Transactions on Antenna and Propagation IEEE Transactions on Biomedical Engineering IEEE Transactions on Electromagnetic Compatibility IEEE Transactions on Microwave Theory and Techniques International Journal of Radiation Biology Journal of Biological Chemistry Journal of Comparative Physiology Journal of Microwave Power Journal of the American Medical Association 198 Journal of Theoretical Biology Nature New England Journal of Medicine Physical Review Physics Today Proceedings of the National Academy of Sciences Public Health Radiation Research Science The Cancer Journal Transmission and Distribution World Wirelesseurope 4. Organismos Estrangeiros Organismos Califórnia EMF Program Coghill Research Laboratories Ltd Electric Words EM Bioprotection EM Facts Consultancy EMF Effects Países USA UK Endereços na internet www.dnai.com/~emf/ www.congresslab.demon. co.uk/ Australia www.electric-words.com/ USA www.emxgroup.com/ Austrália www.tassie.net.au/emfacts/ USA www.thwww.com/mrwizard/ wizardEMF.HTM EMF Guru USA www.emfguru.com/ EMF/RFR Bioeffects and Public Policy USA www.wave-guide.org/ F.A.C.T.S. USA www.flipag.net/nopoles/ 199 FEB Suécia www.feb.se/ Frequently Asked Questions on Cell Phone Antennas and Human Health USA www.mcw.edu/gcrc/cop/cell-phonehealth-FAQ/toc.html Frequently Asked Questions on Power Lines and Cancer USA www.mcw.edu/gcrc/cop/powerlinescancer-FAQ/toc.html Frequently Asked Questions on Static Electromagnetic Fields and Cancer USA www.mcw.edu/gcrc/cop/staticfields-cancer-FAQ/toc.html International EMF Project Suíça www.who.ch/emf/ Less EMF USA www.lessemf.com/emf-news.html Microwave News USA www.microwavenews.com/ NEFTA USA kato.theramp.net/nefta/ NRPB UK OSHA USA www.nrpb.org.uk/ www.osha-slc.gov/SLTC/ radiofrequencyradiation/ Powerwatch UK www.powerwatch.org.uk/ Radiation and Health Physics USA www.umich.edu/~radinfo/ RF Safe USA www.rfsafe.com/ RF Safety Program USA www.fcc.gov/oet/rfsafety/ SARData USA www.sardata.com/ SARTest UK www.sartest.com/ 200 ANEXO. REGULAMENTOS DE SEGURANÇA A.1. FREQUÊNCIAS EXTREMAMENTE REDUZIDAS De acordo com o espectro de frequências, existem dois tipos de campos electromagnéticos, classificados em função da gama de frequências. O primeiro tipo compreende as frequências extremamente reduzidas, situadas entre 0 (corrente contínua) e 3 kHz, e é designado usualmente na literatura técnica de expressão anglófona por ELF field, isto é, Extremely Low Frequency field. Quanto ao segundo tipo, compreende as frequências reduzidas, situadas entre 3 kHz e 30 kHz, e é comummente denominapo de VLF field, ou seja, Very Low Frequency field. Neste nível de frequências, o campo eléctrico e o campo magnético podem-se manifestar em simultâneo ou então separadamente, como se ilustra nos seguintes exemplos, tendo em atenção que o vector intensidade do campo eléctrico se encontra associado à tensão eléctrica, enquanto que o vector intensidade do campo magnético está directamente relacionado com a intensidade da corrente eléctrica e com os materiais magnéticos: • No caso de uma catenária em tracção eléctrica ferroviária, se se encontrar sob uma tensão de 25 kV, mas em vazio, isto é, sem corrente eléctrica a circular, nas suas imediações existirá unicamente campo eléctrico. • Na presença de uma máquina eléctrica a funcionar em vazio, isto é, praticamente sem corrente eléctrica, tem-se apenas, na sua vizinhança, um campo magnético, devido à influência do fluxo magnético gerado no seu circuito ferromagnético. • Nas imediações de um magneto permanente, uma vez que não existe corrente eléctrica, tem-se igualmente apenas a influência de um campo magnético. • Na vizinhança de linhas áreas de alta tensão, por exemplo a 400 kV, em que os seus cabos se encontram em carga, isto é, percorridos por correntes eléctricas, por exemplo 1500 A, existe a influência simultânea de um campo eléctrico e de um campo magnético. O mesmo sucede com os condutores em instalações eléctricas de baixa tensão. 201 Por conseguinte, o ser humano encontra-se quase permanentemente exposto à influência de campos electromagnéticos, devidos não só aos próprios electrodomésticos existentes nas zonas residenciais mas também às linhas de transporte de energia em alta e muito alta tensão. Nesta última situação, sucede que, por um lado, os campos eléctricos apresentam uma intensidade reduzida, mas, por outro, devido às elevadas intensidades de corrente, os campos magnéticos são já significativos. Adicionalmente, se bem que os campos eléctrico e magnético se possam manifestar em simultâneo, os potenciais efeitos nefastos para os tecidos biológicos encontram-se bastante mais relacionados com a exposição aos campos magnéticos que aos campos eléctricos, daí que, na prática, a atenção esteja muito mais concentrada para a influência associada aos campos magnéticos. Esta situação deve-se a que a blindagem aos campos magnéticos seja difícil de obter, e à sua facilidade em penetrarem facilmente nos tecidos biológicos e no interior de edifícios e habitações, contrariamente aos campos eléctricos, que apresentam uma elevada dificuldade de penetração na pele humana. Uma norma de segurança é um documento normalmente elaborado por um grupo de reconhecidos especialistas na área, oriundos não só do tecido industrial mas também do sector académico, com investigação desenvolvida e reconhecida na área de elaboração dessa norma. Esse documento deverá explicitar, relativamente ao assunto a que diz respeito, determinados níveis, designados por níveis de segurança, que têm como objectivo assinalar que, por exemplo, acima desses níveis existe risco para a saúde humana. É o caso da exposição a campos electromagnéticos, em que as normas, os regulamentos, e as linhas orientadores de segurança indicam os níveis máximos de exposição, acima dos quais poderão ocorrer riscos para a saúde. Como tal, a elaboração deste tipo de documentação pressupõe os seguintes passos: • Identificação dos perigos. • Leitura e análise sistemática e exaustiva de toda a documentação científica existente. • Selecção do nível de exposição mais adequado, abaixo do qual o meio envolvente se poderá considerar seguro, isto é, isento dos perigos identificados. 202 No caso da exposição a campos electromagnéticos, note-se que o nível máximo de exposição representa não uma linha exacta de separação entre perigo e segurança, mas sim um possível risco para a saúde humana, que é tanto mais elevado quanto maior for o afastamento por excesso em relação àquele nível. Saliente-se que as incertezas e indefinições inerentes à actividade das agências de normalização para conseguirem, de uma forma o mais consensual e segura possível, definir os níveis máximos de exposição mais aconselháveis em locais ocupacionais (locais de trabalho) e em locais residenciais, têm sido devidas à ausência de mecanismos de interacção, reconhecidos cientificamente, entre saúde humana e campos electromagnéticos. Por conseguinte, atendendo a que não existe uma linha exacta de separação entre risco e segurança, é usual na prática associar os níveis máximos de exposição recomendados, a um factor de segurança, também designado por factor de incerteza. Os primeiros regulamentos foram elaborados na União Soviética, em 1975, contudo a norma que conseguiu reunir um consenso mais alargado foi composta pelo Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), em 1991, norma essa aprovada em 1992 pelo American National Standards Institute (ANSI), com a referência ANSI C95.1-1992. Esta norma de segurança recomenda que a exposição média para cada período de seis minutos e para cada secção do corpo humano não deverá exceder 0,614 kV/m para campos eléctricos e 163 A/m (205 μT) para campos magnéticos. O objectivo destes níveis consiste em manter as intensidades das correntes induzidas no corpo humano bastante inferiores ao valor mais baixo correspondente à corrente de excitação das células electricamente excitáveis. Além desta norma, outras instituições de outros países têm vindo a trabalhar, há já bastante tempo, no sentido de estabelecerem a sua própria regulamentação de segurança. É o caso da Austrália, através do Australian Radiation Laboratory (ARL) e do National Health and Medical Research Council (NH & MRC), do Canadá, da Commonwealth of Massachusetts, da República Federal Alemã (FRG), da North Atlantic Treaty Organization (NATO), da United States Air Force (USAF), e da União Soviética (USSR). No quadro A.1, para todos estes regulamentos, mostram-se os níveis de segurança relativos à exposição a campos magnéticos em áreas ocupacionais (locais de trabalho) e em áreas 203 públicas, indicando-se, dentro de parêntesis, as datas de publicação e entrada em vigor dos regulamentos de segurança discriminados. Instituição / País Níveis de exposição (μT) Locais Locais ocupacionais públicos ANSI/IEEE (1992/1991) 205 205 Austrália: NH & MRC (1989) 500 100 Canadá (1989) 5,01 2,26 Com. of Massachusetts (1986) 1,99 ----- FRG (1986) 314 314 NATO (1979) 3,27 ----- USAF (1987) 1,99 1,99 USSR (1985) 1760 ----- Quadro A.1 – Normas de segurança e limites de exposição para campos magnéticos, adoptados por diferentes organismos e países. Como se constata, ao observar-se o quadro, os valores diferem significativamente de país para país – por exemplo, 1760 µT na União Soviética contra apenas 1,99 µT no Massachusetts, nos Estados Unidos –, devendo-se essas disparidades exactamente à situação de não existir ainda uma justificação científica universalmente comprovada e aceite no que respeita aos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biofísicos. Contudo, a maioria da regulamentação existente foi elaborada com base no que é actualmente reconhecido como válido cientificamente, no que respeita a esses mecanismos de interacção. Além dos organismos referidos anteriormente, outros mais têm vindo a encarar a elaboração de regulamentação nesta área, como é o caso da American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), do National Radiological Protection Board (NRPB) no Reino Unido, da International Commission on Nonionizing Radiation Protection (ICNIRP), do Swedish Radiation Protection Institute, da Health Canada, e da Australian Radiation Protection and Nuclear Safety Agency (ARPANSA), mostrando-se no quadro A.2 diversos valores de níveis máximos recomendados para o campo magnético, em locais públicos e ocupacionais. 204 Ano: Norma Limites de exposição 1992/1991: ANSI/ IEEE 205 μT ---------- 1993: NRPB 1600 μT a 50 Hz 1330 μT a 60 Hz ---------- 1998: ICNIRP 83,3 μT em locais públicos 420 μT em locais ocupacionais 1999: Suécia em terminais de computador ELF (5 Hz – 2 kHz): ---------- ≤ 0,2 μT VLF (2 kHz – 400 kHz): ≤ 0,025 μT 1999: Safety Code 6 (USA) 2,75 μT em locais públicos 6,15 μT em locais ocupacionais 2002: ARPANSA 3 kHz – 100 kHz: 6,1 μT em locais públicos 3 kHz – 100 kHz: 31,4 μT em locais ocupacionais Quadro A.2 – Normas de segurança e limites de exposição para campos magnéticos, adoptados por diferentes organismos. A.1.1. Institute of Electrical and Electronics Engineers IEEE Como se referiu anteriormente, o Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), estabeleceu uma norma em 1991, norma essa aprovada em 1992 pelo American National Standards Institute (ANSI), com a referência ANSI C95.1-1992. Esta norma de segurança recomenda que a exposição média para cada período de seis minutos e para cada secção do corpo humano não deverá exceder 0,614 kV/m para campos eléctricos e 163 A/m (205 μT) para campos magnéticos. O objectivo destes níveis consiste em manter as intensidades das correntes induzidas no corpo humano bastante inferiores ao valor mais baixo correspondente à corrente de excitação das células electricamente excitáveis. A.1.2. National Radiological Protection Board NRPB Este organismo britânico estabeleceu recomendações acerca dos níveis máximos do campo eléctrico e do campo magnético, para as frequências de 50 Hz e de 60 Hz, sem distinção entre locais ocupacionais e locais públicos em geral, como se mostra no quadro A.3. Os níveis aconselhados foram estabelecidos com base nas correntes induzidas no corpo humano, de 205 elevadas intensidades, não sendo relevantes para as preocupações da opinião pública relativamente ao desenvolvimento de doenças cancerígenas e outras anomalias de saúde. As limitações impostas resumem-se a uma densidade de corrente de 10 mA/m2 induzida na cabeça e no tronco. Gama de frequências Campo eléctrico (kV/m) Campo magnético (µT) 50 Hz 12 1600 60 Hz 10 1330 Quadro A.3 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, recomendados pela regulamentação do NRPB. A.1.3. International Commission on Nonionizing Radiation Protection ICNIRP Em 1989, o International Radiation Protection Association (IRPA) aprovou, interinamente, as linhas de conduta relativas à exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, preparadas pela sua International Commission on Nonionizing Radiation Protection (ICNIRP), estando os limites recomendados expostos no quadro A.4, para a frequência de 50 Hz. Exposição Campo eléctrico (kV/m) Campo magnético (µT) Locais ocupacionais Dia inteiro 10 0,5 Período curto (2 horas/dia) 30 5 Membros (braços/pernas) ----- 25 Locais públicos Dia inteiro 5 0,1 Poucas horas diárias 10 1 Quadro A.4 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, a 50 Hz, recomendados pelos organismos internacionais IRPA/ICNIRP. Saliente-se que estas recomendações resultaram de um trabalho de cooperação com a World Health Organization (WHO), assim como com o United Nations Environment Program (UNEP), sendo o seu objectivo a prevenção das correntes eléctricas induzidas nas células, assim como a 206 estimulação nervosa, que é sabido ocorrerem com níveis de campos eléctricos e magnéticos tipicamente superiores aos que se verificam em áreas residenciais e ocupacionais. É de notar que os limites apresentados foram estipulados unicamente para se evitarem riscos imediatos, não tendo sido considerados os riscos inerentes a exposições prolongadas, mesmo de nível reduzido, daí que, em Abril de 1998, o ICNIRP reviu as suas normas, passando a recomendar, para locais públicos em geral, um limite de 100 μT para 50 Hz, e 84 μT para 60 Hz, enquanto que, para os locais ocupacionais, os limites passaram a ser de 500 μT a 50 Hz e 420 μT a 60 Hz. Por sua vez, as normas australianas adoptaram as linhas de conduta do ICNIRP, sendo de 0,5 μT o limite para locais ocupacionais, para uma exposição de 8 horas, e acima de 5 μT para 2 horas de exposição. Para outros locais, o limite recomendado é de 0,1 μT. A.1.4. Normas Suecas A Suécia tem sido um dos líderes no estudo e desenvolvimento de regulamentação respeitante à ergonomia visual e às emissões de campos electromagnéticos em relação aos monitores de computadores (VDTs). A Direcção Nacional para a Saúde e Segurança Ocupacional e o Instituto Sueco de Protecção contra Radiações, MPR – Mät-och Provningsrådet –, foram encarregues da tarefa de investigar a necessidade da existência de regulamentação e das consequências da introdução de ensaios obrigatórios de VDTs, tendo sido introduzidos em 1987, de forma não obrigatória, procedimentos de ensaios. O método imposto, designado por MPR-I, especificava um máximo de 0,05 µT para campos magnéticos de muito baixa frequência, na gama entre 1 kHz e 400 kHz, a 50 cm de afastamento directo dos ecrãs. Todavia, como esse método foi considerado como sendo embaraçoso e difícil de avaliar, em Julho de 1991 foi criado um novo método, designado por MPR-II, que especifica níveis máximos inferiores a 0,25 µT para as emissões provenientes de campos magnéticos de reduzidíssima frequência na banda de 5 Hz a 2 kHz (banda 1), e máximos inferiores a 0,025 µT para as emissões de campos magnéticos de muito baixa frequência na banda de 2 kHz a 400 kHz (banda 2). 207 Este método engloba igualmente normativas relativas à ergonomia visual (focagem, distorção de caracteres, tremura do ecrã), emissão de raios X, potencial electrostático, descargas electrostáticas, e campos eléctricos sinusoidais. Adicionalmente, a Confederação Sueca de Trabalhadores TCO, que representa mais de um milhão de empregados, considera que deveriam ser adoptados limites mais restritivos, da ordem de 0,2 µT para as emissões de campos magnéticos extremamente reduzidos, a 30 cm da parte da frente dos ecrãs e a 50 cm das restantes estrutura dos monitores, sendo a justificação baseada no facto de que níveis superiores a esse valor poderiam estar associados ao aumento do risco de cancro, assim como de que os utilizadores de computadores normalmente têm a sua cabeça, mãos e tórax a menos de 50 cm de distância. Note-se que as normas TCO mais recentes incluem também linhas de conduta relativas a consumos de energia, iluminância, tremura do ecrã, e utilização do teclado. Em termos resumidos, no quadro A.5 expõem-se os limites recomendados pelo MPR-II assim como pelo TCO, não só no que respeita a campos eléctricos mas também a campos magnéticos. Gama de frequências MPR-II TCO Campos eléctricos Campos estacionários ± 500 V ± 500 V ELF (5 Hz – 2 kHz) ≤ 25 V/m ≤ 10 V/m VLF (2 kHz – 400 kHz) ≤ 2,5 V/m ≤ 1 V/m Superiores a 400 kHz ----- ----- Campos magnéticos ELF (5 Hz – 2 kHz) ≤ 0,25 µT ≤ 0,2 µT VLF (2 kHz – 400 kHz) ≤ 0,025 µT ≤ 0,025 µT Superiores a 400 kHz ----- ----- ELF – campos eléctricos e campos magnéticos de reduzidíssima frequência VLF – campos eléctricos e magnéticos de muito baixa frequência Quadro A.5 – Normas de segurança e limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, utilizados na Suécia. É de salientar que alguns especialistas questionam a validade do limite de 0,025 µT para as emissões de campos magnéticos de muito baixa frequência, justificando a sua posição no facto de que estes campos contêm muito mais 208 energia que as emissões de campos magnéticos de reduzidíssima frequência. Esses especialistas mostram que, se os níveis de indução são utilizados para medir a quantidade de energia da radiação, então o nível de 0,25 µT para campos de reduzidíssima frequência corresponde a um nível de 0,001 µT para campos de muito baixa frequência. A.1.5. Normas Alemãs De acordo com a Lei Federal de Controlo da Poluição, os limites para os campos eléctricos e magnéticos para sistemas de transporte de energia eléctrica de tensão igual ou superior a 1000 V, são respectivamente 5 kV/m e 100 μT, para a frequência de 50 Hz, e 10 kV/m e 300 μT para a frequência de 16 2/3 Hz, utilizada nas linhas ferroviárias electrificadas. Em determinadas circunstâncias, especificadas nas normas, os limites para as densidades de fluxo podem ser excedidos em 100 % em períodos de curta duração, o mesmo sucedendo no que respeita aos limites dos campos eléctricos dentro de áreas reduzidas. A.1.6. American Conference of Governmental Industrial Hygienists ACGIH Nos Estados Unidos não existem ainda normas governamentais sobre a exposição a campos eléctricos e magnéticos, contudo, alguns estados têm as suas próprias linhas de conduta relativamente aos níveis de exposição a campos eléctricos nos terrenos circundantes de linhas aéreas de transporte de energia, a 60 Hz, em relação aos quais os proprietários dessas linhas aéreas têm garantia de direitos de construção não só de linhas mas também de centrais e de subestações (terrenos concessionados, designados como rightsof-way ROW na literatura técnica americana). Por outro lado, somente os estados de New York e da Florida fixaram os níveis máximos para exposição a campos magnéticos entre 15 μT e 25 μT, nos limites daqueles terrenos concessionados (edge of ROW), mostrando-se os níveis adoptados nos quadros A.6 e A.7. Estas recomendações tiveram como objectivo assegurar que as futuras linhas de transporte de energia não excederiam esses limites. Quanto aos restantes estados têm sido relutantes em estabelecer limites devido às incertezas inerentes a esses próprios limites. 209 Campo eléctrico (kV/m) Estados ROW Florida 8 (1) 10 (2) Minnesota 8 Montana 7 2 ----- (3) New Jersey ----- New York 11,8 11 (4) 7 (3) Oregon Edge of ROW 1 3 1,6 9 ----- (1) – para linhas aéreas em duplo circuito (69 – 230 kV) (2) – para linhas aéreas com um único circuito (500 kV) (3) – limite máximo para passagens aéreas superiores sobre as linhas (4) – para linhas de 500 kV, em determinados ROW Quadro A.6 – Limites de exposição para campos eléctricos, utilizados em alguns estados dos Estados Unidos. Estados Campo magnético (edge of ROW) (µT) Florida 15 (1) 20 (2) 25 (3) New York 20 (4) (1) – para linhas aéreas em duplo circuito (69 – 230 kV) (2) – para linhas aéreas com um único circuito (500 kV) (3) – para linhas de 500 kV, em determinados ROW (4) – para linhas de tensão superior a 230 kV Quadro A.7 – Limites de exposição para campos magnéticos, utilizados nos estados da Florida e de New York. Um organismo independente norte-americano, a American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), recomenda um limite de 614 V/m para exposição a campos eléctricos nos locais ocupacionais, para uma gama de frequências situada entre 30 kHz e 3000 kHz, e 205 μT para campos magné-ticos entre 30 kHz e 100 kHz. Como complemento, expõe-se no quadro A.8 os limites recomendados por esse organismo, para campos eléctricos e magnéticos a 60 Hz, em locais ocupacionais, sendo de destacar a preocupação com a saúde de trabalhadores com pacemakers cardíacos. 210 Frequência de 60 Hz Campo eléctrico (kV/m) Campo magnético (µT) Limites máximos 25 1 Trabalhadores com pacemakers ≤1 0,1 Quadro A.8 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, nos locais ocupacionais, recomendados pelo organismo americano ACGIH. A.1.7. Restrições A maioria dos limites expostos nas normas, recomendações, e linhas de orientação atrás apresentados são baseados nos mecanismos de interacção, já estudados e reconhecidos cientificamente, entre os campos electromagnéticos ELF e VLF e os tecidos biológicos, tendo os efeitos observados correspondido à excitação de nervos e músculos, induzida por campos electromagnéticos. Até à data, a restrição básica associada aos limites de exposição recomendados como seguros tem sido especificada em termos dos valores respeitantes às densidades de corrente induzidas como sendo a grandeza principal de aferição da interacção entre os campos electromagnéticos e o corpo humano, muito mais que os valores da intensidade dos campos eléctricos internos. Este critério tem como fundamento o facto de se conseguir avaliar muito mais facil-mente as densidades de corrente que as intensidades dos campos eléctricos. Todavia, alguns investigadores sugerem que devem ser os valores das intensidades dos campos eléctricos internos a utilizar como factor restritivo em futuras regulamentações a elaborar. Note-se que os campos eléctricos internos, sejam estacionários ou variáveis no tempo, originam a circulação de correntes nos tecidos, enquanto que, com a exposição a campos magnéticos têm-se duas situações distintas: se os campos forem estacionários, não haverá correntes induzidas, contudo se os campos forem variáveis no tempo, então existirão essas correntes. Adicionalmente, quer os campos eléctricos quer os campos magnéticos, sejam eles estacionários ou variáveis no tempo, interagem directamente com os sistemas eléctricos biológicos, como sucede com o cérebro, o coração, o sistema nervoso, e os músculos. 211 Um aspecto interessante e actual, que tem vindo a atrair a atenção do público e dos meios de comunicação social, diz respeito à exposição a linhas aéreas de transporte de energia eléctrica, com a especulação habitual criada e alimentada por quem desconhece inteiramente toda a problemática científica da interacção entre campos eléctricos e magnéticos e os tecidos biológicos. Como tal, no sentido de desmistificar todas as situações criadas, sem colocar em causa os potenciais riscos inerentes à exposição a campos electromagnéticos, apresentam-se seguidamente alguns factos concretos: • A intensidade dos campos eléctricos internos é extremamente mais reduzida, na ordem de 3 x 10-8 como se demonstrou no capítulo 2, em relação à intensidade dos campos eléctricos gerados directamente pelas linhas, daí que a sua influência, a curtas distâncias das linhas, se possa considerar praticamente nula. • Na vizinhança muito próxima das linhas, a densidade de fluxo pode atingir 10 μT para linhas de 380 kV e 30 μT para linhas de 765 kV, e 40 μT junto a subestações e centrais eléctricas. Em termos comparativos, é possível encontrar valores da ordem de 130000 μT em locais ocupacionais, e 60 μT nos assentos de carruagens em comboios eléctricos. • É possível encontrar densidades de fluxo de 24 μT em ROW de linhas aéreas, e valores bastante mais elevados, superiores a 100 μT, nos corredores situados no solo imediatamente acima de cabos enterrados. • Todavia, como a propagação das ondas electromagnéticas é bastante mais atenuada através do solo, a 30 m de linhas aéreas de alta tensão podem-se encontrar valores de 4 μT, e de 1 μT ou menos de cabos subterrâneos. • Apesar dos cabos representarem-se um risco potencial muito inferior ao das linhas aéreas, em zonas um pouco afastadas, não representa uma boa solução alternativa. Ou seja, atendendo à diferença de custos – 2:1 a 11 kV e 20:1 ou mais para 400 kV – é preferível escolher convenientemente o traçado das linhas aéreas. 212 A.2. RADIAÇÃO DE RÁDIO-FREQUÊNCIA O conceito de segurança, assim como de norma de segurança, no que respeita aos riscos à exposição de radiações electromagnéticas, requer uma análise bastante aprofundada, devido ao facto, por um lado, de não se conhecerem ainda em pormenor quais os mecanismos de interacção entre essas radiações e os tecidos humanos e, por outro, por serem contraditórios, em muitas situações, os resultados obtidos a partir de estudos humanos e epidemiológicos. Presentemente, existem já bastantes normas de segurança e linhas de conduta quanto aos limites máximos de exposição a radiações de RF (rádio-frequência), em ambientes industriais, todavia, a elaboração de regulamentação de segurança para todos os tipos de exposição, e para todo o espectro de frequências de RFR (radiação de rádio-frequência), não seria prático nem será provável que alguma vez seja estabelecida. Além disso, existem ainda muitas questões relacionadas com os parâmetros principais das radiações de RF, tais como a intensidade do campo, a duração de exposição, os efeitos da pulsação das ondas, a geometria das zonas expostas, e as técnicas de modulação, que requerem respostas concretas para que se possam definir quais os níveis de radiação acima dos quais poderão ocorrer riscos graves para a saúde. Por conseguinte, não é possível afirmar conclusivamente que a segurança à exposição a radiações esteja assegurada através da regulamentação e das normas existentes. Devido a esta situação, todos os organismos de normalização têm em conta uma margem relativamente larga de segurança, no sentido de, ao definirem os limites máximos de exposição, seja considerada aquela incerteza quantitativa. Os Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Rússia, e a Ásia-Pacífico, assim como algumas organizações internacionais, já elaboraram regulamentação e normas de segurança em relação aos efeitos das radiações RF, em número relativamente elevado, por contemplarem vários factores, como se verá seguidamente, tais como a frequência, a duração da exposição, a massa do corpo, e a periodicidade da exposição. Por exemplo, nos Estados Unidos são vários os organismos governamentais e não governamentais, que têm vindo a elaborar ou a participar na elaboração de regulamentação, tais como a American National Standard Institute (ANSI), o Institute of Electrical and Electronic 213 Engineers (IEEE), o National Council on Radiation Protection and Measurement (NCRP), a Occupational Safety and Health Administration (OSHA), o National Institute of Occupational Safety and Health (NIOSH), a American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), a Food and Drug Administration (FDA), a Environmental Protection Agency (EPA), a Federal Communications Commission (FCC), o Department of Defense (DOD), e a National Telecommunications and Information Administration (NTIA). Saliente-se, por outro lado, que estas normas são constantemente revistas e actualizadas, em função do aparecimento de novos dados, tornados públicos, que resultam de estudos científicos e epidemiológicos. As aplicações de rádio-frequência ocorrem numa vasta gama de frequências. Por exemplo, a transmissão de radiodifusão em AM faz-se na banda 5 – 16 kHz, em FM na banda 76 – 109 kHz, enquanto que as bandas de 58 – 132 kHz e 8,8 – 10,2 MHz são utilizadas em sistemas de identificação de rádio-frequência, de vigilância, e em outros dispositivos de segurança. Por outro lado, as comunicações celulares e pessoais utilizam frequências entre 800 MHz e 2 GHz, as comunicações sem fios funcionam até 5 GHz, e as microondas a 2,45 GHz. Adicionalmente, as interacções entre as radiações de rádio-frequência e os sistemas biológicos manifestam-se nos níveis molecular, sub-celular, celular, nos órgãos, assim como na totalidade do corpo humano. Biologicamente, os efeitos da RFR são classificados em três níveis: 1) efeitos de nível elevado (efeitos térmicos), 2) efeitos de nível intermédio (efeitos atérmicos), e 3) efeitos de nível reduzido (efeitos não térmicos). Ainda em relação à regulamentação que se apresenta, são utilizadas usualmente diversas grandezas para se explicitar os respectivos limites máximos de exposição: densidade de fluxo magnético para campos estáticos e VLF, densidade de corrente para frequências até 10 MHz, taxa de absorção específica SAR para frequências até 10 GHz, e densidade de potência para frequências entre 10 GHz e 300 GHz. A.2.1. Norma ANSI/IEEE C95.1 Estas normas de segurança têm sido as mais utilizadas nos Estados Unidos, tendo o seu historial remontado a 1940, quando das preocupações sentidas relativamente aos militares norte-americanos que operavam frequentemente 214 com equipamentos de radar, durante a segunda guerra mundial. Na década de 1950, e de acordo com dados empíricos, os cientistas atribuíram um factor de segurança com o valor 10, baseado numa exposição de 0,1 W/cm2, e tendo em conta um peso médio masculino de 70 kg e uma área de exposição de 3000 cm2, tendo este último valor sido corrigido, mais tarde, para 20000 cm2, assim como o valor da taxa de exposição, para 10mW/cm2, valor esse que representou a base para a recomendação C95.1, de 1966. Saliente-se que, em 1954, a General Electric recomendava para a densidade de potência de exposição o valor de 1 mW/cm2, enquanto que, em 1958, essa mesma empresa subiu esse nível para 10 mW/cm2. A.2.2. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 1966 Esta norma fixou para a densidade de potência o limite de 10 mW/cm2, para a protecção e segurança da saúde pública, sendo a gama de frequência de 10 MHz a 100 GHz. Quanto ao tempo médio de exposição contemplado, é de 6 minutos. A.2.3. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 1974 Esta recomendação resultou da actualização da C95.1 – 1966, com alterações mínimas, tendo o tempo médio de exposição para radiação contínua sido removido, e considerado apenas um tempo médio de exposição para campos modulados, fixado nos mesmos 6 minutos. Os limites para o campo eléctrico e para o campo magnético, na gama de frequência entre 10 MHz e 300 MHz são, respectivamente, de 200 V/m e 0,5 A/m, sendo a densidade de potência correspondente igual a 250 W/m2. Para frequências inferiores a 10 MHz, o limite de exposição recomendado é de 10 mW/cm2. A.2.4. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 1982 Esta norma baseou-se integralmente nos efeitos térmicos das radiações, para uma gama de frequências entre 10 MHz e 100 GHz, sendo os níveis de exposição recomendados de 10 mW/cm2, para uma duração superior a 6 minutos, e de 100 mW/cm2, para uma duração de 6 minutos. O limite de 10 mW/cm2 foi reduzido, em 1981, para 1 mW/cm2, na gama de frequências entre 30 MHz e 300 MHz, sendo ainda recomendado que a taxa de 215 absorção específica não ultrapasse 8 W/kg, e a taxa de potência média depositada, para todo o corpo, não seja superior a 0,42 W/kg. Estes valores baseiam-se nas densidades de potência expostas no quadro A.9, na gama entre 3 MHz e 100 GHz. Por outro lado, no que respeita à densidade de potência incidente, os níveis permissíveis são 1 mW/cm2 a 150 MHz, 1,5 mW/cm2 a 450 MHz, e 2,75 – 2,83 mW/cm2 para frequências entre 824 MHz e 850 MHz (banda utilizada em sistemas de telecomunicações celulares). Frequência (MHz) Campo eléctrico (V2/m2) Campo magnético (A2/m2) Densidade de potência (mW/cm2) 0,3 – 3,0 400000 2,5 100 3,0 – 30 4000 x (900/f 2) 0,025 x (900/f 2) 900/f 2 30 – 300 4000 0,025 1,0 300 – 1500 4000 x (f/300) 0,025 x (f/300) f/300 1500 - 100000 20000 0,125 5,0 f – frequência, em MHz Quadro A.9 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI/IEEE C95.1 – 1982. A.2.5. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 1992 De acordo com esta norma, os limites máximos permissíveis de exposição são dependentes da frequência e do tipo de local, como se mostra no quadro A.10. Como se pode constatar, os níveis mais baixos de exposição a campos eléctricos ocorrem a frequências entre 30 MHz e 300 MHz, e de exposição a campos magnéticos, entre 100 MHz e 300 MHz. Por outro lado, em locais ocupacionais, o campo eléctrico máximo ocorre entre 30 MHz e 300 MHz, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, enquanto que, para locais públicos, e para essa mesma gama de frequências, o seu valor é bastante mais reduzido (27,5 V/m contra 61,4 V/m), sendo a densidade de potência igualmente mais baixa (0,2 mW/cm2 contra 1,0 mW/cm2). Adicionalmente, no quadro A.11 mostram-se os níveis máximos recomendados para correntes induzidas por radiação de RF, nos pés de pessoas imersas em campos RF, ou em pessoas directamente em contacto com objectos carre-gados electricamente, como por exemplo veículos ou grades metálicas, para uma gama de frequências entre 3 216 kHz e 100 MHz, e para locais ocupacionais e locais públicos, sendo de salientar que a corrente máxima de contacto é igual à corrente máxima induzida em cada pé, para ambos os locais, o que, aliás, é pertinente. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Tempo médio de exposição (min) Locais ocupacionais 0,003 – 0,1 614 163 100 0,1 – 3,0 614 16,3/f 100 6 6 2 3,0 – 30 1824/f 16,3/f 900/f 6 30 – 100 61,4 16,3/f 1,0 6 100 – 300 61,4 0,163 1,0 6 300 – 3000 ----- ----- f/300 6 3000 – 15000 ----- ----- 10 6 15000 - 300000 ----- ----- 10 616000/f 1,2 Locais públicos 0,003 – 0,1 614 163 100 6 0,1 – 1,34 614 16,3/f 100 6 1,34 – 3,0 823,8/f 16,3/f 180/f 2 f 2/3 3,0 – 30 823,8/f 16,3/f 180/f 2 30 30 – 100 27,5 158,3/f 1,668 0,2 30 100 – 300 27,5 0,0729 0,2 30 300 – 3000 ----- ----- f/1500 30 3000 – 15000 ----- ----- f/1500 90000/f 2 15000 - 300000 ----- ----- 10 616000/f 1,2 f – frequência, em MHz Quadro A.10 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI/IEEE C95.1 – 1992. Esta regulamentação de segurança também especifica uma intensidade do campo eléctrico com o valor de 100 kV/m como sendo o limite máximo de exposição permitido (LME), em locais ocupacionais, para radiação RFR por impulsos, na gama de frequências situada entre 0,1 GHz e 300 GHz. Para um impulso de duração inferior a 100 ms, nessa gama de frequências, o valor de pico da LME é definido através da seguinte expressão: 217 (LME )pico = LME × tempo médio de exposição (s) 5 × duração do impulso (s) Para séries de mais de 5 impulsos, ou para uma duração dos impulsos superior a 100 ms, a expressão anterior tomará a forma: ∑ (LME )pico × duração do impulso (s) = LME × Frequência (MHz) Corrente máxima em ambos os pés (mA) tempo médio de exposição (s) 5 Corrente máxima em cada pé (mA) Corrente máxima de contacto (mA) Locais ocupacionais 0,003 – 0,1 2000f 1000f 1000f 0,1 - 100 200 100 100 Locais públicos 0,003 – 0,1 900f 450f 450f 0,1 - 100 90 45 45 f – frequência, em MHz Quadro A.11 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI/IEEE C95.1 – 1992, para correntes RF induzidas e de contacto, no corpo humano. A.2.6. Norma ANSI/IEEE C95.1 – 2005 Esta norma, que é a mais utilizada nos Estados Unidos da América, tem vindo a sofrer alterações sucessivas, sendo a última versão datada de 2005. Nesta última revisão, bastante completa, recomenda-se um limite máximo de 0,08 W/kg para a taxa de absorção específica média para a totalidade do corpo humano, em locais públicos, e 2 W/kg a 4 W/kg para algumas partes do corpo, como sejam os membros superiores e inferiores. Em termos de densidade de potência, os limites recomendados são 2 W/m2 na banda 30 – 400 MHz, 2 a 10 W/m2 na banda 400 – 2000 MHz, e 10 W/m2 acima de 2000 MHz. A.2.7. Relatório NCRP nº 86 – 1986 Este relatório, designado por Biological Effects and Exposure Criteria for Radio Frequency Electromagnetic Fields, foi elaborado pelo National Council on 218 Radiation Protection and Measurements, que é um organismo suportado pelo Congresso dos Estados Unidos, criado com a finalidade de desenvolver documentação e recomendações de segurança, relativamente aos efeitos das radiações ionizantes e não-ionizantes. Apresenta os resultados de uma avaliação extensiva da literatura disponível sobre os efeitos biológicos dos campos RF, apresentando-se no quadro A.12 os respectivos limites recomendados, baseados num valor máximo de SAR de 8 W/kg para exposição ocupacional, e um quinto desse valor, ou seja, 1,6 W/kg, para o público em geral. Este factor numérico, 1/5, é obtido considerando-se 168 horas por semana de exposição para o público em geral, e 40 horas por semana de exposição em locais ocupacionais. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Corrente de contacto (min) Locais ocupacionais 0,3 – 1,34 614 163 100 200 1,34 – 3,0 614 1,63 100 200 3,0 – 30 1824/f 4,89/f 900/f 2 200 100 – 300 61,4 0,163 1,0 ----- 300 – 1500 3,54 f f/300 ----- 1500 - 100000 194 5,0 ----- f / 106 0,515 Locais públicos 0,3 – 1,34 614 1,63 100 200 1,34 – 3,0 823,8/f 2,19/f 180/f 2 200 3,0 – 30 823,8/f 2,19/f 180/f 2 200 100 – 300 27,5 0,0729 0,2 ----- 300 – 1500 2,59 f f/1500 ----- 1500 - 100000 106 1,0 ----- f / 238 0,23 f – frequência, em MHz Quadro A.12 – Níveis de segurança recomendados pelo relatório NCRP nº 86. A.2.8. Relatório NCRP nº 86 – 1993 Este relatório, designado por A Practical Guide to the Determination of Human Exposure to Radiofrequency Fields, foi desenvolvido como um guia para as 219 pessoas que são responsáveis pela determinação das exposições a radiação RF, com menos conhecimentos sobre os seus princípios e práticas. Comparando os limites de densidade de potência impostos pelas recomendações ANSI e NCRP, uma das poucas diferenças reside no facto dos limites NCRP serem mais restritivos a altas frequências, por exemplo acima de 1,5 GHz. Por conseguinte, nas unidades industriais são seguidos os limites ANSI, enquanto que o público favorece mais as recomendações NCRP. A.2.9. Normas ACGIH Estas normas, elaboradas pelo organismo norte-americano American Conference of Governmental Industrial Hygienists, recomendam, para locais ocupacionais, que a SAR não seja superior a 0,4 W/kg, para um período de exposição de 6 minutos, e para uma gama de frequências entre 10 kHz e 300 GHz, mostrando-se no quadro A.13 os níveis de exposição recomendados. Frequência Campo eléctrico (V2/m2) Campo magnético (A2/m2) Densidade de potência (mW/cm2) 10 kHz – 3 MHz 377000 2,65 100 3 – 30 MHz 3770 x (900/f 2) 900 / (37,7f 2) 900/f 2 30 – 100 MHz 3770 0,027 1,0 100 MHz – 1 GHz 3770 x (f/300) (f/37,7) x 100 f/100 1 – 300 GHz 37700 0,265 10 f – frequência, em MHz Quadro A.13 – Níveis de segurança recomendados pela associação ACGIH. Atendendo a que estes limites são destinados a locais ocupacionais, baseiam-se assim na assumpção de que não existem crianças ou jovens nesses locais, permitindo uma densidade de potência incidente de 10 mW/cm2 para frequências superiores a 1 GHz, mantendo a mesma SAR de 0,4 W/kg para todo o corpo. Por outro lado, os 100 mW/cm2 recomendados na gama de 10 kHz a 3 MHz, é um nível que se poderá considerar seguro na base de que se refere igualmente à totalidade do corpo humano, apesar de poder resultar de choques eléctricos ou de queimaduras eléctricas de RF. 220 A.2.10. Normas da FCC Este organismo norte-americano, Federal Communications Commission, foi criado em 1934 como uma agência reguladora, com a finalidade de controlar e regular as comunicações rádio e por fios, tendo vindo a ser a responsável pelo licenciamento dos sistemas de comunicações nos Estados Unidos, daí estar igualmente envolvida de uma forma directa na segurança associada à utilização das tecnologias de comunicações. No quadro A.14 mostram-se os limites gerais recomendados, e no quadro A.15 os limites recomendados para a taxa específica de absorção SAR na totalidade do corpo humano ou em parte, para uma gama de frequências entre 100 kHz e 6 GHz. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Tempo médio de exposição (min) Locais ocupacionais 0,3 – 30 614 1,63/f 100 6 3 – 30 1824/f 4,89/f 900/f 2 6 30 – 300 61,4 0,163 1,0 6 300 – 1500 ----- ----- f/300 6 1500 - 100000 ----- ----- 5,0 6 Locais públicos 0,3 – 1,34 614 1,63 100 30 1,34 – 30 1824/f 2,19/f 180/f 2 30 30 – 300 27,5 0,073 0,2 30 300 – 1500 ----- ----- f/1500 30 1500 - 100000 ----- ----- 1,0 30 f – frequência, em MHz Quadro A.14 – Níveis de segurança recomendados pelo organismo FCC. Locais ocupacionais Locais públicos < 0,4 W/kg para todo o corpo < 0,08 W/kg para todo o corpo ≤ 8 W/kg para partes do corpo ≤ 1,6 W/kg para partes do corpo Quadro A.15 – Níveis de segurança recomendados pelo organismo FCC, para exposição localizada do corpo humano, na gama de 100 kHz a 6 GHz. 221 A alteração mais significativa desta norma em relação às anteriores, consiste no facto da SAR admissível para telefones celulares ser de 1,6 W/kg. Previamente, os telefones celulares poderiam exceder o limite máximo de exposição permitido (LME), se a sua potência radiante fosse inferior a 1,4 x 450/f, sendo f a frequência de operação em MHz. Para a maioria dos telefones celulares comercializados, essa potência radiante corresponde aproximadamente a um valor de 0,6 W. Relativamente aos limites recomendados expostos no quadro A.15 e, tal como em relação ao Relatório nº 86 – 1986 do National Council on Radiation Protection and Measurements, ao compararem-se os valores aconselháveis para locais públicos com os valores homólogos aconselháveis em locais ocupacionais, constata-se que a razão entre eles é igual a 1/5, devido ao facto de se considerar que a exposição para o público em geral é de 7 dias por semana x 24 horas por dia = 168 horas por semana, e para os locais de trabalho, de 5 dias por semana x 8 horas de trabalho por dia = 40 horas por semana, tendo-se assim a seguinte relação: SAR (locais públicos) = (40 / 168) x SAR (locais ocupacionais) A.2.11. Normas Canadianas O Ministério da Saúde Canadiano tem vindo a desenvolver diversas recomendações e normas de segurança com o objectivo de proteger os seus cidadãos contra os efeitos das radiações RFR, na gama de frequências entre 3 kHz e 300 GHz, tendo, em 1979, publicado o primeiro Safety Code 6, alterado sucessivamente em 1991, 1994 e 1999, mostrando-se no quadro A.16 os respectivos limites recomendados, limites esses definidos com base numa análise exaustiva realizada a todos os trabalhos de investigação realizados nos últimos 30 anos, relativos aos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos. Adicionalmente, apresenta-se no quadro A.17 os limites da SAR relativos a locais ocupacionais e a locais públicos, verificando-se a existência do factor 1/5 entre valores homólogos, devido aos factos apontados anteriormente, e no quadro A.18 apresentam-se os limites recomendados para as correntes induzidas e para as correntes de contacto, assim como os tempos médios de 222 exposição, também para locais ocupacionais e para locais públicos. Saliente-se que os valores expostos nestes quadros referem-se ao Safety Code 6. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Tempo médio de exposição (min) Locais ocupacionais 0,003 – 1 600 4,9 ----- 6 1 – 10 600/f 4,9/f ----- 6 10 – 30 60 4,9/f ----- 6 30 – 300 60 0,163 10 6 300 – 1500 3,54 f 0,5 0,0094 f 0,5 f/30 6 1500 – 15000 137 0,364 50 6 15000 - 150000 137 0,364 50 616000/f 1,2 150000 - 300000 0,354 f 0,5 9,4 x 10-4 f 0,5 3,33 x 10-4 f 0,5 616000/f 1,2 Locais públicos 0,003 – 1 280 2,19 ----- 6 1 – 10 280/f 2,19/f ----- 6 10 – 30 28 2,19/f ----- 6 30 – 300 28 0,037 2 6 300 – 1500 1,585 f 0,5 0,0042 f 0,5 f/150 6 1500 – 15000 61,4 0,163 10 6 15000 - 150000 61,4 0,163 10 616000/f 1,2 150000 - 300000 0,1584 f 0,5 4,21 x 10-4 f 0,5 6,67 x 10-5 f 616000/f 1,2 f – frequência, em MHz Quadro A.16 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6. Locais ocupacionais Locais públicos 0,4 W/kg para todo o corpo 0,08 W/kg para todo o corpo 8 W/kg para a cabeça, pescoço, tronco 1,6 W/kg para a cabeça, pescoço, tronco 20 W/kg para os membros 4 W/kg para os membros Quadro A.17 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6, para exposição localizada do corpo humano. Os níveis de exposição relativos aos locais públicos, definidos neste código normativo, são baseados em estudos inerentes aos efeitos térmicos, estudos 223 esses que demonstram uma tolerância às densidades de potência de exposição, para diversas rádio-frequências, antes da temperatura do corpo aumentar de 1 oC dentro de uma exposição de 30 minutos. Frequência (MHz) Correntes induzidas (mA) ambos os pés cada pé Correntes de contacto (mA) Tempo médio de exposição Locais ocupacionais 0,003 – 0,1 2000 f 1000 f 1000 f 1 seg 0,1 - 110 200 100 210 6 min Locais públicos 0,003 – 0,1 900 f 450 f 450 f 1 seg 0,1 - 110 90 45 45 6 min f – frequência, em MHz Quadro A.18 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6, para correntes RF induzidas e de contacto, no corpo humano. A.2.12. Normas Japonesas As suas normas baseiam-se em parâmetros biológicos tais como a SAR e as correntes induzidas no corpo humano, sendo os limites para a SAR de 0,4 W/kg para 6 minutos de exposição relativa a todo o corpo, e de 8 W/kg relativamente ao valor máximo local da SAR dentro de 1 g de tecido, excepto extremidades e pele, onde a SAR limite é de 25 W/kg para 1 g de tecido. A.2.13. Normas Chinesas Não existe muita informação relativa a trabalhos científicos publicados em conferências ou em revistas internacionais, acerca das radiações de RF e seus efeitos biofísicos, neste país. Contudo, pelo pouco que é divulgado, os limites máximos aconselháveis para locais públicos são extremamente mais restritivos que os recomendados nos Estados Unidos, tendo-se 5,0 V/m ou 6,6 µW/cm2, a 900 MHz. A.2.14. Normas Australianas e Neo-Zelandezas Na Austrália, a sua regulamentação recomendava, para as frequências na gama das comunicações celulares, e em locais públicos, um limite de 0,2 224 mW/cm2, valor este 2 a 6 vezes mais reduzido que os valores aconselháveis pelas normas americanas ANSI, ICNIRP e NCRP. Essa legislação foi revista, sendo os actuais limites de 0,45 mW/cm2 para 900 MHz e 0,90 mW/cm2 para 1800 MHz. Quanto à Nova Zelândia, em 1990 adoptou o limite máximo de exposição de 0,2 mW/cm2, sendo no entanto esse limite de 0,05 mW/cm2 nas cidades de Auckland e de Christchurch. A.2.15. Normas Russas e da Europa de Leste No quadro A.19 mostram-se os limites para o campo eléctrico e para o campo magnético, relativos a locais ocupacionais e a locais públicos, que se encontravam em vigor na União Soviética, antes da sua transformação política numa confederação de repúblicas independentes, notando-se a não existência de limites para o campo magnético em locais públicos. Para locais ocupacionais, e para a gama de frequências entre 300 MHz e 300 GHz, o limite máximo para a densidade de potência era de 1 mW/cm2, enquanto que, para locais públicos, era 100 vezes inferior, ou seja, 0,01 mW/cm2. Por sua vez, no quadro A.20 mostram-se os limites recomendados para locais ocupacionais e para locais públicos, estabelecidos a partir de 1996 na Rússia, continuando a não existir limites para o campo magnético em locais públicos. Quanto aos limites admissíveis para o campo eléctrico relativo a frequências de TV, tem-se: 48,4 MHz 5 V/m 88,4 MHz 4 V/m 192 MHz 3 V/m 300 MHz 2,5 V/m Para equipamentos de radar, na gama entre 150 MHz e 300 MHz, os limites são de 10 µW/cm2 nas zonas muito próximas, e de 100 µW/cm2 em zonas mais afastadas. Saliente-se que a ex-União Soviética foi dos primeiros países a detectar e a desenvolver investigação relativamente aos efeitos nocivos derivados da exposição a campos electromagnéticos, em todo o espectro de frequências de radiação não-ionizante. Como se pode observar no capítulo 1 225 deste livro, desde muito cedo que os efeitos da exposição a linhas de muito alta tensão concentraram a atenção das autoridades, no sentido de minimizarem os potencias riscos, elaborando regulamentação adequada. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Locais ocupacionais 0,06 – 1,5 50 5 1,5 – 3 50 ----- 3 – 30 20 ----- 30 – 50 5 ----- 300 - 300000 0,125 ----- Locais públicos 0,03 – 0,3 25 ----- 0,3 – 3 15 ----- 3 – 30 10 ----- 30 - 300 3 ----- Quadro A.19 – Níveis de segurança recomendados pelas normas da URSS. Locais ocupacionais Frequência (MHz) Campo eléctrico (V2/m2) Campo magnético (A2/m2) 0,03 – 3 20000 200 3 – 30 7000 ----- 30 – 50 800 0,72 50 - 300 800 ----- 300 MHz – 300 GHz 200 μW/cm2 Locais públicos Frequência Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) 30 kHz – 300 kHz 25 ----- 300 kHz – 3 MHz 15 ----- 3 MHz – 30 MHz 10 ----- 30 MHz – 300 MHz 3 ----- 300 MHz – 300 GHz 10 μW/cm2 Quadro A.20 – Níveis de segurança recomendados pelas normas da Rússia. 226 A.2.16. Normas da IRPA Este organismo internacional, International Radiation Protection Association, iniciou as suas actividades em 1964, sendo o seu propósito principal providenciar um meio de comunicação entre todos os países que se encontram a elaborar regulamentação e normas de segurança, para que possam trabalhar mais facilmente a partir de uma base científica já estabelecida. Em 1981 sugeriu que as densidades de potências não fossem superiores a 10 mW/cm2 em locais ocupacionais, ao longo de um dia completo de trabalho, recomendando valores mais reduzidos para os níveis de exposição em locais públicos. Em 1984, as suas recomendações foram revistas, sendo aconselhável, para esses locais e para frequências superiores a 10 MHz, não ultrapassar 0,4 W/kg para uma exposição de corpo inteiro durante 6 minutos. Quanto aos locais públicos, recomenda um limite 5 vezes inferior, isto é, de 0,08 W/kg, igualmente para uma exposição de corpo inteiro com uma duração máxima de 6 minutos. A.2.17. Normas da ICNIRP Este organismo internacional, criado em 1992, tem como missão coordenar os conhecimentos sobre a protecção à exposição aos vários tipos de radiações não-ionizantes, com a finalidade de desenvolver recomendações e normas de segurança que sejam reconhecidas e aceites internacionalmente. Em Abril de 1998 publicou as suas recomendações acerca dos limites a respeitar no que toca à exposição a radiações de RF numa gama de frequências até 300 GHz, limites esses baseados num conjunto relativamente alargado de estudos e relatórios científicos. As suas recomendações incluem um factor de redução de 5, no máximo valor da taxa de absorção específica SAR em locais públicos, comparativamente aos valores máximos a observar em locais ocupacionais, como sucede com outros regulamentos explicitados anteriormente. A razão desse factor de redução prende-se com o facto da forte possibilidade de existirem pessoas bastante sensíveis aos efeitos da radiação RFR, apesar de não haver provas científicas conclusivas. Para frequências até 1 kHz, em locais ocupacionais, a restrição relativa a campos eléctricos e magnéticos corresponde a uma densidade de corrente de 227 10 mA/m2, densidade esta que depende da frequência para valores superiores a 1 kHz. Para locais ocupacionais, e para frequências entre 100 kHz e 10 GHz, o limite recomendado é de 0,4 W/kg para uma exposição de corpo inteiro, sendo, para locais públicos, 5 vezes inferior, ou seja, de 0,08 W/kg. A.2.18. Norma CENELEC EN 50392 : 2004 Em Janeiro de 2004 o European Committee for Electrotechnical Standardization (CENELEC) publicou esta norma, no sentido de demonstrar a observância dos equipamentos eléctricos e electrónicos com as restrições básicas relacionadas com a exposição humana a campos electromagnéticos entre 0 Hz e 300 GHz. Esta norma considera os níveis de exposição do público em geral a campos eléctricos e magnéticos, assim como a correntes de contacto e a correntes induzidas. De um modo geral, aborda: 1) os critérios de observância, os métodos de avaliação, e os relatórios a elaborar, 2) a avaliação da observância dos limites aconselhados, 3) a definição das características dos equipamentos que devem ser tidas em atenção, 4) as fontes de frequências múltiplas, 5) as informações de segurança para o público, que deverão constar nos respectivos equipamentos. A.2.19. Regulamentação na União Europeia Em 8 de Junho de 1999, o European Union Health Council, com o suporte do governo do Reino Unido, estabeleceu recomendações com o objectivo de limitar as exposições a campos electromagnéticos, especialmente à radiação emitida por telefones celulares, propondo essas recomendações, para locais públicos, uma SAR de 0,2 W por 10 g de tecido da cabeça e 0,08 W/kg para todo o corpo. Veja-se seguidamente as recomendações estabelecidas por alguns dos países da União Europeia: • Bélgica. As suas normas aconselham, para a intensidade do campo eléctrico, limites de 21 V/m para 900 MHz e de 29 V/m para 1800 MHz. • Itália. Neste país, as normas impõem, para as frequências dos telefones celulares, uma densidade de potência de 0,10 mW/cm2 e, para as 228 situações onde a exposição exceda 4 horas por dia, esse limite deve ser reduzido para 0,010 mW/cm2. Por outro lado, as administrações regionais dispõem de poder para reduzir ainda mais aqueles limites, havendo regiões onde os limites são 4 vezes inferiores (0,0025 mW/m2). Por exemplo, o limite para as torres de transmissões celulares e de radiodifusão, é de 6 V/m ou 10 μW/cm2; para outras exposições de RF e de microondas é 100 μW/cm2 para frequências entre 3 MHz e 3 GHz e, para a gama entre 3 GHz e 300 GHz, é 400 μW/cm2. • Suécia. O nível permitido para a densidade de potência, a 900 MHz, e para locais públicos, é de 4,5 W/m2 ou de 41 V/m para o campo electrico, sendo os limites admissíveis para os locais ocupacionais cinco vezes superiores, como sucede nas normas americanas e canadianas. • Suíça. Para os transmissores de comunicações sem fios, o limite admissível é de 4 V/m (0,0042 mW/cm2) a 900 MHz, e de 6 V/m (0,0095 mW/cm2) a 1800 MHz. Para transmissores de radiodifusão e de TV, o limite de exposição está entre 3 V/m e 8,5 V/m (0,0024 mW/cm2 e 0,019 mW/cm2). • Reino Unido. Os limites referentes à exposição a radiação RFR são de 112 V/m e 0,57 mW/cm2 para 900 MHz, e de 194 V/m e 1 mW/cm2 para 1800 MHz, sendo os tempos médios de exposição de 15 minutos para todo o corpo, e de 6 minutos para uma exposição parcial. Em 29 de Abril de 2004, o Council of the European Parliament publicou a Directiva Comunitária 2004/40/EC, que se baseia nas restrições básicas do ICNIRP, e diz respeito fundamentalmente aos riscos potenciais, de curto prazo, a que se encontram sujeitos os trabalhadores, não considerando os efeitos de longa duração. Esta directiva diferencia os limites máximos de exposição dos valores das grandezas que são induzidas pelos efeitos da exposição. No quadro A.21 mostram-se os limites máximos aconselháveis, enquanto que no quadro A.22 encontram-se expostos os valores das grandezas induzidas. Esta diferenciação resulta do facto dos valores destas últimas grandezas serem mais facilmente calculáveis. Por conseguinte, se estes valores, expostos no quadro A.22, não forem excedidos, pode-se assumir que os limites do quadro A.21 também não foram excedidos. 229 Frequências Densidade de corrente na cabeça e no tronco (mA/m2) SAR média em todo o corpo (W/kg) SAR localizada na cabeça e no tronco (W/kg) SAR localizada nos membros (W/kg) Densidade de potência (W/m2) ≤ 1 Hz 40 ------ ------ ------ ------ 1 – 4 Hz 40 / f ------ ------ ------ ------ 4 – 1000 Hz 10 ------ ------ ------ ------ 1000 Hz – 100 kHz f / 100 ------ ------ ------ ------ 100 kHz – 10 MHz f / 100 0,4 10 20 ------ 10 MHz – 10 GHz ------ 0,4 10 20 ------ 10 GHz – 300 GHz ------ ------ ------ ------ 50 Quadro A.21 – Níveis de segurança recomendados pela Directiva Europeia 2004/40/EC. Frequências Intensidade do campo eléctrico (V/m2) Intensidade do campo magnético (A/m2) Densidade de potência para uma onda plana equivalente (W/m2) Corrente de contacto (mA) Corrente induzida nos membros (mA) 0,1 – 1 MHz 610 1,6 / f ------ 40 ------ 1 – 10 MHz 610 / f 1,6 / f ------ 40 ------ 10 – 110 MHz 61 0,16 10 40 100 110 – 400 MHz 61 0,16 10 ------ ------ 400 – 2000 MHz 3 f 1/2 0,008 f 1/2 f / 40 ------ ------ 2 – 300 GHz 137 0,36 50 ------ ------ Quadro A.22 – Níveis de segurança das grandezas induzidas recomendados pela Directiva Europeia 2004/40/EC. 230 A.2.20. Factores de Segurança Em termos científicos históricos, fixou-se inicialmente um factor de segurança igual a 10, baseado numa exposição de 0,1 W/cm2, valor este obtido tendo em atenção um indivíduo do sexo feminino com uma massa de 70 kg e com uma área superficial total de 3000 cm2. Posteriormente, concluiu-se não só que esta área superficial é bastante mais elevada, próxima de 20000 cm2, mas também que o efeito da radiação, correspondente àquele valor inicial, era 20 vezes mais elevado que o suportável pelo corpo humano, daí que o valor normalizado tivesse sido reduzido para 10 mW/cm2, ou seja, 10 vezes inferior. Saliente-se que este limite representou a base para a recomendação C95.1, de 1966. De um modo geral, as regulamentações e normas em vigor incluem logo à partida, na sua elaboração, um factor de segurança que conduz aos limites máximos apresentados, de uma forma em que esses limites correspondem a níveis de exposição bastante mais reduzidos que aqueles que efectivamente se verificam na realidade, em locais onde poderão ocorrer efeitos perigosos para a saúde humana. Como se compreende, os factores de segurança utilizados na elaboração da regulamentação reflectem as incertezas existentes no que concerne não só ao desconhecimento científico dos mecanismos de interacção entre a radiação electromagnética e os tecidos biológicos, mas também, como consequência, ao desconhecimento dos níveis exactos de radiação acima dos quais se manifestam efeitos potencialmente perigosos. Além disso, estes factores de segurança, cujos valores se podem situar entre 10 e 1000, são igualmente introduzidos no sentido de se ter em linha de conta a diferença de sensibilidade do organismo humano aos efeitos das radiações, ou seja, são atribuídos também com o objectivo de proteger as pessoas mais sensíveis aos campos electromagnéticos. Na prática, a maioria dos regulamentos e normas de segurança publicados adoptam, para o estabelecimento dos limites máximos de segurança em locais públicos, um factor de segurança com o valor 50. A.2.21. Taxa de Absorção Específica Como se salientou no capítulo 5, a SAR relativa ao corpo humano não consegue ser medida directamente. Na prática, contudo, pode ser determinada empirica ou teoricamente, a despeito das limitações das metodologias 231 utilizadas. Como se explicitou, este parâmetro representa a medida da taxa à qual a energia é absorvida pelo corpo, podendo assim ser definida como a derivada em ordem ao tempo da absorção específica (SA), que corresponde ao incremento da energia dW absorvida por uma massa incremental dm inserida no interior de um volume elementar dV, cujo material tem uma densidade ρ, ou seja: SA = dW dW = dm ρ dV sendo esta grandeza expressa em joules por kilograma (J/kg). Por conseguinte, a taxa de absorção específica SAR, em W/kg ou em mW/g, é dada pela seguinte derivada: SAR = d SA d dW = dt dt ρ dV Esta taxa de absorção pode igualmente ser definida como a potência absorvida por unidade de massa de um sistema biológico, e ser representada em termos da intensidade do campo eléctrico E, expresso em V/m, da condutividade eléctrica σ, expressa em S/m, e da densidade do tecido, expressa em kg/m3, através da seguinte expressão: σ E2 SAR = ρ A integração da SAR sobre um volume de tecido que contenha uma determinada massa, corresponde assim à potência absorvida por esse mesmo volume de tecido, sendo esta grandeza, para um dado tecido biológico, expressa em mW/g médios para 1 g ou 10 g, dependendo do que se encontra estipulado na norma de segurança adoptada. Adicionalmente, a taxa inicial de aumento de temperatura no corpo, desprezando as perdas de calor, é directamente proporcional à SAR, ou seja: dT SAR = dt C em que T (oC) representa a temperatura, t (s) o tempo, e C (J/kg/oC) a capacidade calorífica do corpo. 232 Note-se que esta capacidade calorífica é definida como sendo a energia em joules que é necessária para elevar de 1 oC a temperatura de 1 kilograma de massa do corpo. Por conseguinte, como se tem, respectivamente: SAR = σ E2 ρ SAR = C dT dt conclui-se assim que existem duas alternativas para o cálculo da SAR, ou seja, através da medição do valor da intensidade do campo eléctrico, ou da medição do valor da temperatura dos tecidos biológicos, cálculo esse que tem em consideração as propriedades electromagnéticas dos tecidos biológicos, como é o caso das suas constantes dieléctricas e das suas condutividades eléctricas, sendo de salientar que a fiabilidade dos valores obtidos, maioritariamente in vivo, depende das técnicas de medição utilizadas. Na prática, para melhor se caracterizar os potenciais efeitos térmicos da radiação electromagnética, definem-se e avaliam-se dois tipos de SAR: 1) o valor médio no corpo inteiro, e 2) o valor de pico local, quando a potência absorvida se encontra confinada a uma determinada região do corpo, como sucede com a cabeça quando se utiliza um telefone celular. O valor máximo da SAR no corpo inteiro ocorre para a frequência de ressonância, normalmente situada entre 60 MHz e 80 MHz, e que depende da dimensão do corpo e da sua orientação face aos campos eléctricos e magnéticos incidentes, ou seja, da sua orientação relativamente às ondas electromagnéticas incidentes. Ambos as variantes de SAR – corpo inteiro e partes localizadas –, são calculadas em termos de valores médios, para um determinado intervalo de tempo e para uma massa de tecido biológico, de forma cúbica, com 1 g ou com 10 g, sendo a SAR de 1 g a representação mais precisa da energia de RF localizada assim como a melhor medida da sua distribuição. Adicionalmente, a SAR localizada é baseada nas estimativas obtidas a partir da SAR média de corpo inteiro, considerando um factor de segurança de 20. Nos quadros A.23 a A.25 mostram-se, em termos comparativos, os níveis máximos recomendados da SAR, relativos a diversas normas. 233 Normas Gama de frequências SAR para o corpo inteiro Locais públicos Locais ocupacionais W/kg Tempo de exposição (min) W/kg Tempo de exposição (min) ARPANSA 100 kHz – 6 GHz 0,08 6 0,4 6 MCTJ (1) 100 kHz – 6 GHz 0,04 6 0,4 6 Safety Code 6 100 kHz – 10 GHz 0,08 6 0,4 6 ICNIRP 100 kHz – 6 GHz 0,08 6 0,4 6 FCC 100 kHz – 6 GHz 0,08 30 0,4 6 NRPB 100 kHz – 6 GHz 0,4 15 0,4 15 ANSI/IEEE 100 kHz – 6 GHz 0,08 30 0,4 6 (1) – Ministério dos Correios e Telecomunicações do Japão. Quadro A.23 – Valores da SAR para o corpo inteiro, para diversas normas de segurança. Relativamente aos valores da SAR para o corpo inteiro, constata-se o seguinte: • Para locais públicos, o valor predominante é 0,08 W/kg, exceptuando as normas japonesas MCTJ (0,04 W/kg), que são as mais seguras, e as inglesas NRPB que, com 0,4 W/kg, são as mais permissivas. • Para locais ocupacionais, o limite máximo admissível é o mesmo, isto é, 0,4 W/kg. • Para locais públicos, o tempo médio de exposição é de 6 minutos, exceptuando as normas americanas FCC e ANSI/IEEE, com 30 minutos, e as inglesas NRPB, com 15 minutos. • Para locais ocupacionais, todas as normas impõem 6 minutos de exposição, excepto as inglesas NRPB, com 15 minutos. • As normas inglesas NRPB, além de recomendarem o nível de SAR mais elevado, não diferenciam locais públicos de locais ocupacionais. • Por exemplo, comparando as normas mais rigorosas com a norma inglesa, tem-se, em termos comparativos, respectivamente: 234 (0,04 W/kg) x (6 minutos) = 0,24 W/kg x min (público) (0,4 W/kg) x (15 minutos) = 6,00 W/kg x min (público e ocupacional) (0,4 W/kg) x (6 minutos) = 2,40 W/kg x min (ocupacional) • O limite aceite para a SAR relativa ao corpo inteiro é 0,08 W/kg para locais públicos, e 0,4 W/kg para locais ocupacionais, valores esses baseados numa SAR de 4 W/kg, considerada como sendo o nível acima do qual se detectaram efeitos nocivos. Note-se que o factor de segurança adoptado é igual a 50 para o público, e de 10 para os locais ocupacionais. Note-se que, como foi salientado anteriormente, a razão entre os limites da SAR para locais públicos e locais ocupacionais, é igual a 1/5. Normas Gama de frequên cias SAR localizada na cabeça Locais públicos Locais ocupacionais W/kg Tempo de exposição (min) Massa média (g) W/kg Tempo de exposição (min) Massa média (g) ARPANSA 100 kHz – 6 GHz 2 6 10 10 6 10 MCTJ (1) 100 kHz – 6 GHz 2 6 10 8 6 10 Safety Code 6 100 kHz – 10 GHz 1,6 6 1 8 6 1 ICNIRP 100 kHz – 6 GHz 2 6 10 10 6 10 FCC 100 kHz – 6 GHz 1,6 ------ 1 8 6 1 NRPB 100 kHz – 6 GHz 10 6 10 10 6 10 ANSI/ IEEE 100 kHz – 6 GHz 1,6 30 1 8 6 1 (1) – Ministério dos Correios e Telecomunicações do Japão. Quadro A.24 – Valores da SAR localizada na cabeça, para diversas normas de segurança. 235 Normas Gama de frequên cias SAR localizada nos membros Locais públicos Locais ocupacionais W/kg Tempo de exposição (min) Massa média (g) W/kg Tempo de exposição (min) Massa média (g) ARPANSA 100 kHz – 6 GHz 4 6 10 20 6 10 MCTJ (1) 100 kHz – 6 GHz ------ ------ ------ ------ ------ ------ Safety Code 6 100 kHz – 10 GHz 4 6 10 20 6 10 ICNIRP 100 kHz – 6 GHz 4 6 10 20 6 10 FCC 100 kHz – 6 GHz 4 ------ 10 20 6 10 NRPB 100 kHz – 6 GHz 20 6 100 20 6 100 ANSI/ IEEE 100 kHz – 6 GHz 4 30 10 20 6 10 (1) – Ministério dos Correios e Telecomunicações do Japão. Quadro A.25 – Valores da SAR localizada nos membros, para diversas normas de segurança. Relativamente aos quadros A.24 e A.25, constata-se o seguinte: • Para a SAR localizada na cabeça, o limite mínimo de 1,6 W/kg sobre 1 g de tecido é aceite nos Estados Unidos, enquanto que o limite de 2 W/kg para 10 g de tecido, desenvolvido pelo ICNIRP é comum na Europa, Austrália, Japão e noutros países. Todavia, dizer-se qual destes dois limites é o mais seguro tem gerado alguma controvérsia. • Para a SAR localizada nos membros, os limites recomendados são iguais para todas as normas, exceptuando para a NRPB, que não diferencia locais públicos de locais ocupacionais. 236