VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Relações entre uso e ocupação das terras, ampliação de areais e redução da biodiversidade do cerrado em solos arenosos do estado de São Paulo Autores: Ms. Cristiano Capellani Quaresma1 e Dr. Archimedes Perez Filho2 1 - UNICAMP – SP – Brasil – e-mail: [email protected] 2 - UNICAMP – SP – Brasil – e-mail: [email protected] Introdução Os Neossolos Quartzarênicos são solos areno-quartzosos, profundos, altamente drenados, que apresentam estrutura em grãos simples, caráter distrófico e acidez elevada. Tais solos apresentam problemas de erosão, principalmente, quando desprovidos de cobertura vegetal, sendo expostos à ação eólica e ao agravamento da escassez de materiais agregadores. Uma das formas de degradação das terras, existentes em áreas de solos arenosos, ocupadas ou que já o foram por vegetação de cerrado, no estado de São Paulo, tratase da formação de areais. Tal processo, apesar de possuir gênese físico/natural, pode ser acelerado pelo sistema antrópico, por meio do uso e ocupação das terras. O entendimento de tal mecanismo torna-se fundamental ao planejamento e uso racional de tais terras frágeis, com vistas à redução de impactos e ao estabelecimento de maior equilíbrio entre os sistemas antrópicos e os geossistemas. Solos do Oeste do Estado de São Paulo O Oeste Paulista corresponde a cerca de 40% do estado de São Paulo- Brasil, sendo caracterizado por solos derivados de rochas do Grupo Bauru, ocorrendo, no entanto, nas proximidades da faixa limítrofe com a Depressão Periférica Paulista, tal como no município de Luis Antônio, solos derivados do Grupo São Bento. Segundo Salomão (1994), as principais classes de solos encontradas no Oeste Paulista são o Latossolo Vermelho-Amarelo, Argissolo Vermelho-Amarelo e Argissolo Vermelho, sendo que todos apresentam textura média ou arenosa/média. Além disso, torna-se importante mencionar as áreas de ocorrência de Neossolos Quartzarênicos, os quais, segundo Guerra e Botelho (2003), caracterizam-se como solos areno-quartzosos, profundos, altamente drenados, bastante arenosos, apresentando estrutura em grãos simples, caráter distrófico e acidez elevada. 1 Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais Os Neossolos Quartzarênicos são solos que possuem menos de 15% de minerais da fração argila em sua composição textural. Além disto, são pobres em nutrientes, tendo a fração areia, predominantemente, composta por quartzo, que apresenta alta resistência ao intemperismo. Estes solos estão relacionados no estado de São Paulo aos arenitos das Formações Pirambóia e Botucatu, da seção Mesozóica da Bacia do Paraná, de origem eólica em ambiente desértico, ocorrendo também sobre arenitos do Grupo Bauru, que datam do Cretáceo. Solo e Cerrado Quaresma (2008), ao estudar a vegetação de cerrado no município de Luis Antônio/SP – Brasil, constatou significativa relação entre as fitofisionomias existentes e as características granulométricas dos solos. Segundo Ribeiro e Walter (1998), atualmente, há três acepções técnicas para o termo cerrado: a primeira o considera como bioma, de predomínio no Brasil Central; a segunda, como cerrado no sentido restrito, ou stricto sensu, representando um tipo fitofisionômico presente na formação savânica, que, segundo os autores, é definido pela composição florística e pela fisionomia, devendo-se levar em consideração tanto a estrutura como as formas de crescimento dominantes; a terceira acepção, adotada pelo presente trabalho, seria a do cerrado no sentido amplo, ou lato sensu, reunindo as formações savânicas e campestres do bioma, incluindo desde o cerradão, que segundo o autor, tratar-se-ia de uma formação florestal, ao campo limpo, sendo definido pela composição florística e pela fisionomia, sem considerações sobre a estrutura. O cerrado recebeu, por um longo período de tempo, o nome de campo seco, uma vez que fora considerado por alguns autores como uma vegetação adaptada às condições de clima seco, dada a sua ocorrência, muitas vezes, em regiões que apresentam longos períodos de estiagem, e às características da própria vegetação, a qual se manifesta espacialmente de forma esparsa, apresentando troncos tortuosos, caules revestidos por cascas espessas e folhas coriáceas brilhantes ou revestidas por inúmeros pêlos (FERRI, 1963). Desta forma, trabalhos que se baseiam na “Teoria dos Refúgios Florestais”, tais como o de Ab’Sáber, (1979) e (VIADANA, 2002), relacionam o cerrado a uma vegetação adaptada à ambientes de escassez de água. 2 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 No entanto, trabalhos pioneiros de Rawitscher et alli (1943), realizados em várias partes do estado de São Paulo, contradisseram a noção de que o cerrado fosse uma vegetação de predomínio em áreas de escassez de água. As conclusões destes autores se basearam nas características de fitoespécies de cerrado, tais como ausência de sinais de murchamento, mesmo no auge da seca, presença de folhas de grandes dimensões e ocorrência abundante de floração e brotação anteriormente aos períodos anuais de chuvas. Além destas, foi observada, na maioria das espécies, a presença de estômatos abertos durante todo o dia, favorecendo a livre transpiração das mesmas, inclusive nos períodos de seca. Além das características da vegetação, os autores observaram que os solos sob cerrado possuíam grande profundidade e abundância de água disponível para as plantas em suas várias camadas durante todo o decorrer do ano, exceção da camada superficial, não ultrapassando cerca de dois metros de profundidade, que poderia apresentar-se com pouca água durante a estação seca. Com relação à percolação da água ao longo do perfil do solo, verificaram que esta se processava de maneira lenta e gradual, de tal forma que o conteúdo de água armazenada no solo, acima do lençol freático, pôde ser calculado como equivalente à soma das precipitações de três anos médios. Tais observações referentes ao solo reforçaram a afirmação de que a água não fosse fator limitante da vegetação de cerrado, uma vez que raízes de grande parte das espécies atingem grandes profundidades, alcançando às vezes o lençol freático e quando não, ainda assim são capazes de alcançar profundidades em torno de dez metros, onde a abundância de água tende a ser elevada. Freitas e Silveira (1977) confirmaram que, nas áreas de ocorrência de vegetação de cerrado, seriam dominantes os Latossolos distróficos, textura média ou argilosa, seguidos das Areias Quatzosas distróficas, associados ou não a outros solos, e em parcelas menos expressivas, a Laterita Hidromórfica, os solos litólicos e o Latossolo Roxo (QUEIROZ NETO, 1982). Queiroz Neto (1982) apontou o estudo realizado pela Comissão de Solos (in: BRASIL, 1960), o qual afirmou que a baixa fertilidade do solo é principal causa da existência do cerrado em determinadas áreas do estado de São Paulo. Com base em análises físicoquímicas de perfis de solo do estado de São Paulo e do Brasil Central, esse estudo demonstrou que o aparecimento da vegetação de cerrado se deve, estritamente, a características pedológicas. Os solos sob cerrado teriam iniciado seu processo evolutivo sobre material mineralogicamente mais pobre, sendo, em geral, velhos, com minerais de argila quase todos destruídos e possuindo baixo poder de adsorção de 3 Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais cátions. Tais características qualificariam tais solos como incapazes de sustentar florestas. Erosão em Neossolos Quartzarênicos As áreas de Neossolos Quartzarênicos, ocupadas ou que já o foram por vegetação de cerrado no estado de São Paulo – Brasil, são as que apresentam maiores problemas de erosão quando desprovidas de cobertura vegetal, uma vez que ocorrem maior exposição de tais solos a erosão eólica e agravamento da escassez de materiais agregadores, como a argila e a matéria orgânica. A degradação desta região é demonstrada pela presença de feições erosivas de grande porte e também por perda de fertilidade dos solos. Tais fatos se devem à alta suscetibilidade de tais solos à erosão, visto serem bastante arenosos, e às formas de uso e ocupação empregadas (Catarino, 1995). Dentre os principais processos erosivos verificados está à formação de ravinas e voçorocas, que segundo Guerra (1999), pode ser explicada a partir da exposição dos solos, por meio da retirada da cobertura vegetal, aos primeiros efeitos das gotas de chuva (efeito splash), gerando desagregação e selamento dos solos, com conseqüente formação de poças, fluxo laminar e posterior fluxo linear, resultando em incisões. Estágios avançados dos processos acima podem ser encontrados no município de São Pedro (QUARESMA e PEREZ FILHO, 2006). Outro processo de degradação das terras verificado em tais áreas do estado trata-se da formação de areais. De modo geral, areais são paisagens que se formam sobre unidades litológicas frágeis (depósitos arenosos) em áreas com baixas altitudes e declividades, tais como naquelas que apresentam como substrato a Formação Botucatu, de origem eólica em ambiente desértico (Juro-Triássico do Mesozóico). Sobre tal substrato houve deposição de sedimentos não consolidados de constituição física arenosa, originados de deposições hídricas e eólicas. Em tais depósitos, principalmente neste último, é que usualmente ocorre a formação de areais (SUERTEGARAY, 1987). A formação de areais em terras ocupadas, ou que já o foram, por vegetação de cerrado no estado de São Paulo, embora possa ser acelerada pelo sistema antrópico, possui gênese físico/natural. Isto se deve ao fato de serem terras derivadas de paleoambiente semi-árido ou semi-úmido, que mais recentemente sofreram processo de retomada das condições de clima úmido, porém insuficientes para mascarar os 4 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 vestígios da paisagem pretérita, conferindo, assim, à paisagem atual a qualidade de frágil (QUARESMA, 2008). O entendimento das interferências oriundas da ação antrópica, pelo uso e ocupação das terras, na ampliação e aceleração do processo de arenização torna-se de fundamental importância para ações que visem o uso racional, a redução da degradação e a conservação de tais áreas. Objetivo O presente trabalho tem por objetivo comprovar que interferências oriundas da ação antrópica conduzem a alterações que dificultam o processo de regeneração da vegetação de cerrado stricto sensu e aceleram os processos de degradação das terras, em especial em áreas caracterizadas por solos arenosos. Material e Método Com a finalidade de realizar o objetivo apresentado anteriormente, foram realizados trabalhos de campo na Estação Ecológica de Jataí, localizada no município de Luiz Antônio, situada na região nordeste do estado de São Paulo (Figura 1). Figura 1 – Localização da Estação Ecológica de Jataí (EEJ), município de Luis Antônio/SP. Fonte: (TOPPA, 2004). A Estação limita-se a sul-sudoeste pelo rio Mogi-Guaçu, abrangendo assim uma planície de inundação, onde existem 15 lagoas; além disso, limita-se a sul-sudeste pelo córrego do Cafundó e por pequenas, médias e grandes propriedades, a oeste e norte- 5 Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais noroeste pelo córrego Boa Sorte, a norte-nordeste pela fazenda América e finalmente a leste pela Estação Experimental de Luis Antônio. Em termos de biodiversidade, segundo Santos et alii, (1995), a Estação possui grande diversidade de habitat, que se distribui nos ambientes verdadeiramente aquáticos como rios, córregos e lagoas, passando por banhados e formações periodicamente alagáveis, até as formas de vegetação totalmente livres de inundações. Grande parte de sua cobertura vegetal atual pode ser considerada secundária, devido ao processo de uso e ocupação de suas terras ocorrido no pós década de 50 e mais acentuadamente no pós década de 60 do século passado. Segundo Toppa (2004), no ano de 2000, mais de 60% da área da Estação Ecológica de Jataí apresentava-se sob a fitofisionomia cerradão, seguida pela de cerrado em regeneração (19,52%) e pela floresta mesófila semidecídua (13,60%). Apesar de localizar-se no interior do Planalto Ocidental Paulista, o qual “... Situa-se essencialmente sobre rochas do Grupo Bauru...” (IPT, 1981), a área de estudo, segundo Mapa Geológico de Estado de São Paulo (IPT, 1981), possui, predominantemente, rochas relacionadas ao Grupo São Bento de origem Mesozóica. Isto se explica pelo fato da área estar situada no limite da transição do referido Planalto com a Depressão Periférica Paulista, possuindo, assim, aspectos semelhantes a esta última unidade morfoescultural. Desta forma, a área de estudo caracteriza-se por possuir depósitos fluviais e de planícies de inundação, pertencentes à Formação Pirambóia; Arenitos eólicos avermelhados de granulação fina a média com estratificações cruzadas, pertencentes à Formação Botucatu; Intrusões básicas tabulares, além de sedimentos aluvionares, do Cenozóico, encontrados nas proximidades do Rio Mogi Guaçu. Os solos de maior expressão espacial no interior da EEJ, baseando-se em Oliveira et alli (1982), são: Areias Quartzosas Profundas (AQ-1) - Álicas, A moderado e excessivamente drenada: “Neossolos Quartzarênicos” (EMBRAPA, 1999); Latossolo Vermelho Escuro (LE-1 – Unidade Dois Córregos e LE-2 – Unidade Hortolândia) – Álicas, A moderado e textura média: “Latossolos Vermelhos” (EMBRAPA, 1999); Latossolo Roxo (LRd-1) - Distrófico, A moderado, textura argilosa ou muito argilosa, conhecida como Unidade Barão Geraldo: “Latossolos Vermelhos” (EMBRAPA, 1999); Além da presença pouco expressiva de solos Hidromórficos: “Neossolos Flúvicos” (EMBRAPA, 1999) e solos Litólicos: “Neossolos Litólicos” (EMBRAPA, 1999). 6 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 O cruzamento de dados de cartas topográficas de escala 1:10.000, fotografias aéreas pancromáticas de escala aproximada de 1:25.000 e trabalhos de campo, permitiu a seleção de três pontos, para a realização de coletas de amostras e medições de temperatura de solos (Figura 2). Figura 2 – Pontos selecionados. Estação Ecológica de Jataí. Fonte: Trabalho de Campo (dezembro de 2007). [Cristiano Capellani Quaresma e Archimedes Perez Filho] Todos os pontos representados pela figura 2 sofreram remoção da cobertura original de cerrado lato sensu, principalmente a partir de 1960, apresentando-se atualmente como áreas em processo de regeneração. Entretanto, podem ser verificadas diferenças significativas em relação ao porte e densidade da vegetação em cada um dos pontos selecionados. O ponto P1 trata-se de Cerradão, fitofisionomia caracterizada por maior densidade e porte da vegetação, com espécies podendo atingir entre 10m e 12m de altura, algumas entre 18m e 20m. Os pontos P2 e P3 apresentam cobertura vegetal de cerrado stricto sensu, porém com nítidas diferenças. Assim, pode-se perceber o desenvolvimento de células de areais no primeiro ponto e espécies de maior porte e densidade no ponto P3. Para identificação das características físicas dos solos, foram realizadas coletas de amostras dos mesmos, utilizando-se trado tipo holandês, na profundidade (020cm). Em seguida, estas amostras foram encaminhadas ao Laboratório de Solos da Faculdade de Engenharia Agrícola da UNICAMP, para a execução de análises físicas pelo método da pipeta, que fornece as classes granulométricas e que possibilita a classificação textural, a partir da terra fina seca ao ar (< 2mm). Tais resultados foram referenciados no método Camargo (1986) e EMBRAPA (1997). 7 Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais Em cada um dos pontos selecionados, estabeleceu-se um dia de medição de temperatura por mês, ao longo do ano de 2007, em quatro horários distintos (6:00 h, 12:00 h, 18:00 h e 0:00 h). Utilizando termômetros digitais de leitura direta, obteve-se, em cada dia de medição, valores de temperaturas ambientes (a um metro de altura em relação ao solo) e de duas camadas superficiais dos solos (0-10cm e 10-20cm), para cada um dos três pontos selecionados. Os dados foram utilizados na elaboração de gráficos capazes de demonstrar as variações diuturnas máximas, médias e mínimas das temperaturas verificadas. Resultados e discussões Os resultados das análises das amostras de solo podem ser verificados a partir da tabela 1. Pontos Amostras P1 P2 P3 0-20cm 0-20cm 0-20cm Análise: Granulometria (método da pipeta) - % Areia Muito Grossa Grossa Média Fina Muito Fina Areia Total Argila Silte 0 2,3 11 18 11,5 43 41,9 15 0 0 9,4 66 18,8 94,4 1,5 4,1 0 3 29,9 42 14,5 89,1 8,3 2,6 Tabela 1 – Resultado de análise granulométrica em amostras de solos (0 – 20cm de profundidade): Pontos 1, 2 e 3. Conforme os dados apresentados na tabela acima, pode-se verificar que o ponto P1 recoberto por vegetação mais robusta apresenta solo de textura argilosa (superior a 35% de argila). Os pontos P2 e P3 apresentaram textura arenosa (mais de 85% de areia). Os dados permitem verificar forte relação entre granulometria, porte e densidade da vegetação de cerrado. Assim, no primeiro ponto, a maior presença de argila, fração importante ao desenvolvimento vegetal, pode ser responsável pela maior velocidade de regeneração, bem como pelo maior porte da vegetação instalada. No ponto P3 o baixo percentual de argila (8,3%) não permitiu o desenvolvimento de fitofisionomia de cerradão, mas sim de cerrado stricto sensu. Entretanto sua regeneração se processou de forma mais eficiente do que no ponto P2, onde se verificou o menor percentual de argila (1,5%), o que poderia estar relacionado à presença de solo exposto, ou célula de areais. 8 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Como se sabe, para que haja germinação de sementes, além das condições próprias das mesmas (perfeitas e maduras), são necessários também outros fatores, tais como luz solar adequada, arejamento e faixa de temperatura adequada no solo. Assim, cada espécie possui uma temperatura ótima para a sua germinação e, conforme Reichardt (1985), a temperatura do solo é um importante fator no desenvolvimento e crescimento da vegetação, uma vez que afeta a germinação das sementes, o desenvolvimento das raízes e da planta, a atividade dos microorganismos, a difusão dos solutos e gases, as reações químicas e outros processos importantes. Quaresma e Perez Filho (2005), ao realizarem medições em campo, apontaram para variações diuturnas de temperatura nos primeiros 20cm de solos arenosos desnudos, ou sob fisionomia de cerrado em regeneração, que atingiram valores duas vezes superiores às variações obtidas em solos de mesmas propriedades recobertos por fitofisionomias mais densas, tais como o cerradão. Os resultados das medições de temperatura realizadas no presente trabalho permitem corroborar o estudo acima. Os gráficos 1, 2 e 3 referem-se a variação diuturna da temperatura no mês de fevereiro de 2007. Para cada ponto, foram calculadas as variações diuturnas máxima, mínima e média, para a temperatura ambiente e dos solos em profundidades 0-10cm e 10-20cm. ºC Variação Temperatura dos Ambiente 30 25 20 15 10 5 0 26,7 20 21,4 15,4 13,8 5,9 9 P1 11,5 9,8 P2 P3 Pontos Selecionados Variação Máxima Variação Mínima Variação Média Gráfico 1 – Variação de Temperatura Ambiente em pontos selecionados. O gráfico 1 permite verificar que o ponto P1 apresentou menor variação diuturna da temperatura ambiente, o que pode ser facilmente explicado pelo porte e densidade da vegetação, que sendo superiores aos demais pontos, inibi a radiação direta solar, bem como conserva maior umidade no ambiente. 9 Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais O ponto P2 se destaca como aquele que apresentou maiores variações de temperatura do que os demais. A ausência de cobertura vegetal produz efeito contrário ao verificado no ponto P1. No ponto P3, as variações intermediárias de temperatura são reflexos do porte e densidade, também intermediários da vegetação. ºC Variação Temperatura dos Solos (0-10cm) 12 10 8 6 4 2 0 9,8 6,8 7,5 3,1 1,4 0,3 1,2 1,1 P1 P2 2,5 P3 Pontos Selecionados Variação Máxima Variação Mínima Variação Média Gráfico 2 – Variação de Temperatura dos Solos (0-10cm). ºC Variação Temperatura dos Solos (10-20cm) 6 5 4 3 2 1 0 5,7 3,8 2,9 1,7 0,8 0,3 0,5 0,5 P1 P2 1,1 P3 Pontos Selecionados Variação Máxima Variação Mínima Variação Média Gráfico 2 – Variação de Temperatura dos Solos (10-20cm). Os gráficos 2 e 3, que representam as variações de temperatura nos solos, permitem verificar a grande disparidade e superioridade manifesta nas medições realizadas no ponto P2. A explicação para o fato se deve às características pedológicas e de cobertura. Por se tratar de uma área com solo arenoso, e, portanto, com baixa capacidade de armazenamento de água, em especial nos primeiros centímetros de profundidade, e por não possuir cobertura vegetal, que iniba a radiação direta solar, é compreensível a ocorrência das variações verificadas. 10 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Os dados observados no ponto P2, com valor sete vezes superior às maiores variações verificadas em P1 e cerca de três vezes maiores do que as verificadas em P3, permitem estabelecer relações entre o uso e ocupação da terra, redução na regeneração do cerrado e ampliação do processo de arenização. Conforme mencionado anteriormente, tais variações de temperatura causam ruptura no delicado equilíbrio das condições do ambiente germinativo das sementes do cerrado, prejudicando a sua regeneração e podendo provocar redução da sua biodiversidade. Além disso, a exposição de solos arenosos, ao inibir o desenvolvimento da vegetação, analisada segundo a abordagem sistêmica, permite a instalação de mecanismos de retro-alimentação, provocando ampliação dos areais pela ação dos ventos, formando um circuito e assim amplificando o início do processo, o que se manifesta em maior redução da vegetação de cerrado. Considerações Finais O presente trabalho contribui para o maior entendimento da dinâmica e degradação das terras ocupadas, ou que já o foram, por vegetação de cerrado. Os resultados permitiram verificar que a retirada da cobertura vegetal de cerrado pelo uso e ocupação das terras, com conseqüente exposição de solos de textura arenosa aos atributos do clima, em especial à radiação solar direta, faz aumentar as variações de temperatura diuturna nos primeiros 20cm do solo, dificultando a germinação de sementes, e, portanto, a fixação e regeneração da vegetação, o que acelera processos de degradação, tal como a formação de areais. Tais informações são de fundamental importância para o planejamento e uso racional de tais terras frágeis, que visem à redução de impactos e o estabelecimento de maior equilíbrio entre os sistemas antrópicos e os geossistemas. Referências Bibliográficas AB´SÁBER, A. 1979,‘Os mecanismos da desintegração das paisagens tropicais no Pleistoceno’. Inter-Fácies Escritos e Documentos, São José do Rio Preto, IBILCEUNESP, no. 4, CAMARGO, M. 1986, Metodologia de análises granulométricas. EMBRAPA, SP. 11 Tema 3- Geodinâmicas: entre os processos naturais e socio-ambientais CATARINO, J.A.P. ‘Atuação do Movimento S.O.S. rio Santo Anastácio no controle de erosão’ In: Anais do 5 Simpósio Nacional de Controle de Erosão, Bauru-SP, PP. 115118. EMBRAPA. 1999, Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Brasília: EMBRAPA Produções de Informações, 412 p. FERRI, M. G. 1963, ‘Histórico dos trabalhos botânicos sobre cerrado’. In Simpósio sobre o Cerrado. Ed. 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