XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental I-107 - AVALIAÇÃO DA AERAÇÃO DE EFLUENTES DE LAGOAS FACULTATIVAS POR ESCADA (ESTUDO DE CASO) Antonio Eduardo Giansante(1) Engenheiro Civil pela Escola de Engenharia Mauá. Mestre em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP). Doutor em Hidráulica e Saneamento na EESC/USP. Consultor do DAE Jundiaí. Prof. Titular do Centro Universitário Nove de Julho. Endereço(1): Rua Basílio da Cunha, 70 - Aclimação - São Paulo - SP - CEP: 01544-000 - Brasil - Tel: (11) 5083-8471 - e-mail: [email protected] RESUMO O estado dos corpos d’água receptores que atravessam as áreas urbanas é em geral bastante ruim, devido à falta de sistemas de esgotos sanitários - SES, de forma que há um grande aporte de cargas poluidora e contaminante. Em alguns casos, mesmo quando há SES implantados, os cursos d’água também se apresentam degradados, porque a carga poluidora remanescente presente no efluente da estação de tratamento pode ser elevada em face da sua capacidade de assimilá-la. Essa situação é bastante presente nas cidades do interior do Estado de São Paulo, pois estas foram muitas vezes construídas nos espigões locais, dificultando tanto a captação de águas como a diluição e a depuração dos esgotos sanitários tratados. Nesse contexto, as escadas de aeração posicionadas à jusante de unidades de tratamento de esgotos podem contribuir significativamente para elevar a concentração de oxigênio dissolvido - OD presente no efluente, o que implicará significativa melhora na sua qualidade, desde que a escada seja dimensionada corretamente. Este artigo tem por objetivo apresentar e analisar os resultados da campanha de monitoramento efetuada no período janeiro e fevereiro de 2.000 na escada situada à jusante da segunda lagoa facultativa da estação de tratamento de Rubião Jr. O monitoramento foi feito em cooperação entre a operadora de saneamento local e a universidade que desenvolve pesquisas nessa área. Assim, busca-se comprovar que o estado de qualidade do corpo receptor só não é pior em função da existência dos degraus da escada que, pela turbulência provocada, permitem um aumento razoável do teor de oxigênio dissolvido. Procurou-se, neste estágio da pesquisa em andamento, avaliar a real capacidade de aeração das escadas, de modo que esse dispositivo possa ser aplicado de forma consistente em outros locais, a partir das diretrizes obtidas neste artigo. As campanhas, ainda que não exaustivas, e a análise decorrente já possibilitaram verificar a potencialidade do uso das escadas como dispositivos de aeração, conforme de maneira a aumentar a concentração de OD do efluente lançado no corpo receptor, melhorando as suas condições de mistura e de autodepuração. Desde que bem projetada, inclusive considerando os diferentes regimes hidráulicos como o fluvial, o crítico e o torrencial, a escada tem potencial para se constituir em importante dispositivo de reaeração de efluentes, diminuindo o custo de implantação de emissários de esgotos tratados, de maneira a reduzir o custo das ETEs. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento de Esgotos, Sistema de Lagoas, Efluente de Lagoa Facultativa, Aeração Por Escada. INTRODUÇÃO Tem-se constituído num grande problema ambiental a concentração de oxigênio dissolvido dos efluentes de lagoa facultativa em função das suas características e as do corpo receptor. Conforme VIDAL e TREMAROLI ( 1983), a concentração de OD atinge valores elevados durante o dia, mesmo superiores à de saturação, quando há luz solar e, portanto, fotossíntese, mas é igual a zero durante períodos determinados na madrugada, quando não há fotossíntese. Esse fenômeno faz com que se deva verificar as condições de mistura e de autodepuração do corpo receptor para a situação crítica, i.é, OD igual a 0 mg/l do efluente de lagoa facultativa e vazão média das mínimas de sete dias consecutivos, para um período de retorno de 10 anos (Q7,10) para o corpo receptor. Essa situação tem implicado dificuldades para o licenciamento de Estações de Tratamento de Esgotos Sanitários - ETE no interior do Estado de São Paulo, porque grande parte das cidades foram construídas ao longo dos espigões naturais locais, por onde se construíram as ferrovias, de maneira que os corpos d’água receptores drenam bacias muito pequenas, com respectiva baixa vazão mínima, ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1 XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental incapaz de depurar e diluir os esgotos tratados provenientes de lagoas. Em face dessa dificuldade, foi implantada na ETE de Rubião Jr., operada pela SABESP, uma escada que visa aerar o efluente da lagoa facultativa local, visando obter parâmetros referentes à escada, possibilitando o seu uso em outras estações depuradoras no interior paulista. O trabalho foi executado em colaboração com a SABESP que efetuou as campanhas de monitoramento de variáveis como OD e demanda bioquímica de oxigênio - DBO, dentre outras, na chegada do esgoto bruto, após a lagoa anaeróbia, após as facultativas 1 e 2, antes de se misturarem, e a montante da escada e a jusante desta, já tendo sido misturado o efluente tratado da ETE com a água proveniente de uma pequena nascente local, contribuinte do corpo receptor. As campanhas, ainda que não exaustivas, já possibilitaram verificar a potencialidade do uso das escadas como dispositivos de aeração, aumentando a concentração de OD do efluente lançado no corpo receptor, melhorando as suas condições de mistura e de autodepuração. Desde que bem projetada, inclusive considerando os diferentes regimes hidráulicos como o fluvial, o crítico e o torrencial, a escada tem potencial para se constituir em importante dispositivo de reaeração de efluentes, diminuindo consideravelmente o custo de implantação de emissários de esgotos tratados, de maneira a reduzir o custo das ETEs. REVISÃO CONCEITUAL Para uma melhor compreensão dos conceitos utilizados, inicialmente aqui se apresenta uma revisão da literatura, já que os conceitos envolvidos o requerem. A capacidade de autodepuração de um curso d’água refere-se mais especificamente ao potencial assimilador de carga orgânica, avaliada pela demanda bioquímica de oxigênio - DBO, que o corpo receptor tem. Quando uma fonte lança matéria orgânica em um rio, caso de um efluente tratado de uma lagoa facultativa, as bactérias de vida livre, pertencentes ao ecossistema aqüático, vão paulatinamente a consumindo. Esse processo biológico é aeróbio, pois na degradação da matéria orgânica há consumo do oxigênio dissolvido na água, diminuindo o seu teor. Normalmente um curso d’água tem dissolvida uma quantidade de oxigênio que corresponde a sua concentração de saturação - CS. As fontes de oxigênio são a atmosfera e as algas. Quanto à primeira fonte, há transferência de oxigênio atmosférico, que é abundante, para a água, de forma que esta o tem na quantidade máxima quando não poluída. A concentração máxima de OD na água é função da temperatura e pressão atmosférica local, por sua vez, função da altitude. A 20º C, o corpo receptor do efluente deveria ter uma concentração igual a 8,5 mg/l. As algas constituem a segunda fonte de OD, em função da reação de fotossíntese. A aeração depende do montante da mistura turbulenta, o qual se relaciona com a velocidade do escoamento e com o volume total de água exposta à superfície, localizada na interface ar - água, conforme mostrou GIANSANTE (1985). O mesmo princípio se aplica quando se tem escada de aeração. Os degraus adequadamente dimensionados provocam uma turbulência nas águas em queda, aumentando a superfície exposta à atmosfera e a assimilação de oxigênio. BUTTS e EVANS (1983) estudaram vários pequenos córregos que tinham no seu curso pequenas represas, com respectivos vertedouros, sejam de parede espessa ou delgada. Identificaram 9 classes diferentes dessas estruturas e quantificaram a aeração por estas provocada, em função também da qualidade das águas e da altura total de queda das águas. A aeração é dada pela seguinte equação: r = Cs - Cu = 1 + 0,38.a.b.h.( 1 - 0,11.h ).( 1 + 0,046.T) Cs - Cd equação (1) Onde: a = fator de qualidade da água ( varia de 0,65 para rios fortemente poluídos a 1,8 para os limpos); b = coeficiente de tipo de vertedouro ( varia de 0,05 para tomadas de água superficiais de descarregadores de fundo a 1,05 para os de parede delgada); h = desnível geométrico, m; T = temperatura da água, °C; ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2 XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental Cs = concentração de saturação do OD na água, mg/l, Cu = concentração de OD na água no topo da escada, mg/l, Cs = concentração de OD na água no pé da escada, mg/l, r = taxa de reaeração. Para a escada da ETE Rubião Jr., o vertedouro é do tipo parede espessa, de maneira que o respectivo coeficiente é igual a 0,80. Já Von Sperling (1987) determinou para as cascatas naturais da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a seguinte equação empírica: Ce = Co + k.( Cs - Co) equação (2) Onde: Ce = concentração de OD efluente da cascata, mg/l; Co = concentração de OD afluente da cascata, mg/l; Cs = concentração de saturação de OD, mg/l; k = coeficiente de eficiência, que é dado pela equação 3. k = 1 - 1,343. H-0,128. ( Cs - Co)-0,903 equação (3) Onde: H = altura da queda livre, m. Finalmente Giansante (1998) apresentou o efeito que as pequenas corredeiras do córrego Jacaré, Itatiba, São Paulo, tem sobre a reaeração das suas águas, aumentando a concentração do OD medido em vários pontos. Verificou-se que o coeficiente de reaeração - k2 chega a valores superiores a 10 dia-1, enquanto que o mais aceito é que seu valor seja inferior a 3 dia-1. Esses estudos mostram que aeração provocada por pequenas cascatas, corredeiras e mesmo vertedouros tem sido estudada por vários autores, principalmente em função da necessidade de quantificar mais exatamente a capacidade de autodepuração dos córregos que possuem essas características quando são corpos receptores de efluentes de ETEs, de maneira a propor soluções compatíveis com as exigências ambientais. O trabalho desses autores serviu de referência para o estudo efetuado e que é detalhado a seguir, após uma breve discussão dos materiais e métodos utilizados. MATERIAIS E MÉTODOS Os pontos monitorados foram sete, conforme o quadro 1. Quadro 1: pontos monitorados. Ponto 1 2 Local Afluente Efluente ETE anaeróbia 3 Efluente facultativa 1 4 Efluente facultativa 2 5 Montante da contribuição da nascente 6 7 Jusante da Jusante escada contribuição da nascente O ponto 1 mostra as características do esgoto bruto; o 2, o afluente da lagoa anaeróbia, uma única para as duas facultativas que trabalham em paralelo; os pontos 3 e 4 situam-se exatamente nas estruturas hidráulicas de saída das lagoas facultativas 1 e 2, antes de se misturarem, servindo para avaliar a eficiência de cada uma destas. O ponto 5 mostra a qualidade das águas provenientes da nascente situada na área da ETE, antes de receber o efluente tratado, vindo da mistura das lagoas facultativas 1 e 2, e, finalmente, o ponto 7 está no pé da escada, a poucos metros do lançamento no corpo receptor. Devido a problemas de execução não foi possível separar a contribuição da nascente da originada das lagoas, de maneira a analisar somente a aeração ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3 XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental desse efluente. Contudo, mesmo aumentando a concentração de OD após a mistura no topo da escada, ainda sim se constatou um aumento dessa concentração após a escada de aeração. As características analisadas das amostras coletadas nos pontos apresentados são: pH, DBO5, DQO, nitrogênio amoniacal, e resíduos total, volátil e fixo, além dos não filtráveis, voláteis e fixos, bem como os sedimentáveis para todos os pontos. Para os pontos 5 e 6 foram também determinados os coliformes totais e fixos. A concentração de OD foi determinada para os pontos 3, 4, 5, 6 e 7. As amostras foram coletadas e analisadas pelo laboratório da Divisão de Controle Sanitário da Unidade de Negócio do Médio Tietê da SABESP, de acordo com padrões estabelecidos. Os procedimentos de análise laboratorial estão de acordo com as diretrizes do Standard Methods. As variáveis foram selecionadas em função da disponibilidade de equipamento e do pessoal responsável pelas coletas. Além das características descritas, foram ainda anotados o horário de coleta e as temperaturas do ar e da amostra. RESULTADOS A escada é composta por sete degraus consecutivos, totalizando uma altura de 4,30 m. A extensão é de 15 m. Essas características geométricas, juntamente com as baixas declividades dos canais de montante e de jusante, fizeram com que o regime hidráulico predominante fosse o fluvial, exceto nas proximidades de cada queda, onde passava para crítico e após torrencial, voltando à fluvial no próximo degrau, depois de um pequeno ressalto hidráulico. A altura normal do escoamento é baixa, cerca de 7 cm, bem como, estima-se a turbulência. Neste texto, apresenta-se somente os resultados das análises efetuadas nos pontos 1, 4, 5, 6 e 7, para as características de OD, DBO e DQO, objeto principal (quadro 2) do artigo. Quadro 2: Características médias das águas estudadas na ETE -Rubião Jr. Ponto OD DBO DQO pH T 0 C (mg/l) (mg/l) (mg/l) 304,5 797,5 6,3 22 1 2,47 38 207,8 7,9 22 4 5,8 2,5 13,1 6,8 22 5 5,4 7,2 44 6,4 22 6 5,6 11,1 81 7,1 22 7 O quadro 2 mostra que consistentemente houve acréscimo na concentração de OD entre topo e o pé da escada. Embora esse valor seja baixo, cerca de 0,2 mg/l, alcançando até 0,5 mg/l numa das campanhas, o dispositivo que o provocou é uma escada sem qualquer mecanização, sem custos adicionais, exceto aqueles de construção. Os resultados obtidos na escada de reaeração da ETE de Rubião Jr. foram aplicados nos modelos matemáticos mencionados. Verificou-se que o modelo de BUTTS e EVANS (1983) apresentou valores bastante próximos dos encontrados nas campanhas de monitoramento, pois a taxa de reaeração calculada pela razão entre concentrações de OD foi igual a 1,062, enquanto que, considerando as características do efluente e também da escada, o seu valor é igual a 1,130, com um desvio de cerca de 6%, pouco significativo, considerando as condições locais. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4 XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Com base no trabalho realizado, concluiu-se que: Os resultados apontam para valores de aeração de cerca de 0,2 mg/l para o efluente tratado de uma lagoa facultativa, o que foi conseguido sem o uso de equipamentos mecânicos, num dispositivo de dimensões reduzidas e de baixo custo como a escada, além de aproveitar as condições favoráveis do relevo. Continuando as campanhas e utilizando simulações matemáticas, será possível verificar o potencial que as escadas tem para aerar efluentes tratados de lagoas facultativas, o que pode facilitar a seleção de locais para implantar futuras estações de tratamento de esgotos sanitários ou mesmo melhorar os níveis atuais de OD dos efluentes das lagoas em operação. A equação de BUTTS e EVANS (1983) mostrou uma coerência muito boa com os resultados encontrados através das campanhas de monitoramento, de forma que tem um potencial grande de utilização, lembrando porém, que mais monitoramentos devem ser efetuados para que não seja simplesmente empregada no projeto de escadas indiscriminadamente e sem critérios. Já a equação de Von Sperling (1987) não apresentou boa coerência, pois o resultado previsto teve um desvio de cerca de 50% em relação às campanhas de monitoramento, embora também indicasse um aumento na concentração de OD, mesmo que maior que a efetivamente conseguida pela escada. Provavelmente as condições em que foi obtida a equação são razoavelmente diferentes das que existem na ETE Rubião Jr. Recomenda-se que na construção dos canais de acesso às escadas sejam impostos regimes torrenciais, colocando estreitamentos ou soleiras de forma a provocar ressalto hidráulico, no qual há grande aeração. Outras recomendações são: procurar não misturar o efluente tratado com outras águas, pois estas podem alterar os resultados e efetuar as campanhas de monitoramento de preferência um pouco antes do amanhecer, pois é nesse período que se tem as menores concentrações de OD. Finalmente, para que seja possível efetivamente concluir o efeito das escadas na reaeração de efluentes tratados de lagoas, é necessário projetar e executá-las de acordo com o aqui sugerido, bem como monitorá-las continuamente. Isso se justifica pelo potencial que tem a escada para reaeração, conforme aqui mostrado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. BUTTS, T.A. & EVANS, R.L. Small Stream Channel Dam Aeration Characteristics, Journal of Environmental Engineering, Vol. 109, nº. 3, pag. 555-573. GIANSANTE, A.E. A Influência do Índice de Turbulência no Valor do Coeficiente de Reaeração dos Cursos D’Água Dissertação de Mestrado, EESC-USP, 1985. GIANSANTE,A.E. Avaliação da Capacidade de Autodepuração do Ribeirão Jacaré, Itatiba, São Paulo. 18O Congresso da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária ABES Foz de Iguaçu, Paraná, Setembro de 1997. PEAVY, H.S., ROWE, D.R. & TCHOBANOGLOUS,G. Environmental Engineering McGraw-Hill Book Co., New York, 1985. Rates, Constants, and Kinetics in Surface Water Quality Modeling (Second Editions), Environmental Protection Agency, EPA, Georgia, USA, 1985. SPERLING, M.V. Introdução à Qualidade das Águas e ao Tratamento de Esgotos DESA/UFMG, 1995, Belo Horizonte. VIDAL, W.L. & TREMAROLI, D. Aperfeiçoamentos hidráulicos no projeto de lagoas de estabilização, visando redução da área de tratamento: uma aplicação prática. CETESB. São Paulo. 1983. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5