DISCURSO DE SAUDAÇÃO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE

Propaganda
DISCURSO DE SAUDAÇÃO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE
FILOSOFIA – À MINISTRA E PRESIDENTE DO PRETÓRIO
EXCELSO – DRA ELLEN GRACIE NORTHFLEET – Carlos Nejar@
Rio de Janeiro, 29/03/08
Exmo Senhor Presidente, Prof. Ricardo Moderno, ilustres
autoridades, acadêmicas e acadêmicos, nobre público.
Exma. Ministra do Supremo: Ellen Gracie Northfleet:
Poucas vezes esta Casa se viu reunida por
momento tão jubiloso, ainda que tenha em muitos outros,
hospedado filósofos insignes, personalidades extraordinárias que se
destacaram pelo saber ou pela pesquisa. Poucas vezes – repitoporque não sei se é o bom ou mau entendimento que mantém um
livro vivo, contudo o que mantém viva esta Academia de Filosofia é
a capacidade inusitada de ver - e num universo de números –
guardar intacta a percepção do valor. E é assim que se sobressai a
ímpar figura da Ministra Ellen Gracie Northfleet na esfera jurídica e
na esfera de uma consciência, que só se cristaliza no bem comum.
Carioca, filha de Brigadeiro da Aeronáutica,
formando-se em ciências jurídicas e sociais, iniciadas no Rio,
através da Faculdade da Guanabara e concluídas na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (1970), com pós-graduação em
Antropologia Social (1982), começou sua fulminante carreira na
Procuradoria da República, em seus vários graus, até compor o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (1989), onde exerceu a
presidência oito anos depois. Disciplinada e precisa, foi professora
de Direito Constitucional na Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
em S. Leopoldo e bolsista da Fundação Fulbrigh, dos Estados
Unidos, ligada à American University. Alçando-se para a Suprema
Corte, em 14 de dezembro de 2000, elegeu-se para a chefia dessa
Emérita Instituição, em 15 de março de 2006. E descabe esquecer:
pertence ao ramo brasileiro da International Law Association.
Como se verifica pelo brilho dessa breve biografia,
nossa homenageada tem-se devotado ao amor à lei, que a ciência
do direito lhe legou, à obediência à Carta Magna, numa época de
barbáries particulares e gerais, unidos a especioso senso de justiça
prática, que é uma bússola no meio das teorizações, quando muitos
1
estão sequiosos de esperança, sendo ela a primeira que nasce.
Arrostando o desafio do Judiciário: o de se reestruturar, retirando de
sua máquina o nepotismo e o apadrinhamento, com a coragem de
cortar, inclusive as remunerações que ultrapassavam o teto. E
como ela própria afirma, em recente Entrevista à Veja (12.3.2008):
“Não se faz democracia com pensamento único. Enquanto a tensão
entre os poderes for pontual, ela será saudável. E é isso que
acontece no Brasil”.
Pragmática , não teme as polêmicas, sem derrogar
sua paixão pela “carpintaria administrativa que permitirá “superar os
gargalos do processo (a expressão é sua) e se modernizar. Sim,
sua saga generosa de um Judiciário ágil e autônomo, mistura-se
às léguas de seu destemor e experiência. Com a alma cheia de
andanças, como no puro canto do “payador” argentino, Atahualpa
Yupanqui:”
“A sombra de meu cavalo
junto ao rio divisei.
E se enrolavam na alma,
as léguas que nele andei”.
E se a felicidade não é leveza, nem se mede em
quilômetros de água, ainda que tenha às vezes a sombra de um
viajeiro cavalo, a idéia de justiça, que advém de Aristóteles, é a
completa virtude e excelência, vinculada a uma ética, que o nosso
contemporâneo, Norberto Bobbio defende. E nós nos alegramos,
Ministra Ellen, porque vossas atitudes têm encarnado justiça e
ética. Desde quando assumistes a Egrégia Corte Superior, e à sua
Presidência, neste País, todas as grandes reivindicações da
sociedade, no que tange à luta contra a corrupção e abuso de
poder, com integridade e plenitude no juízo, vêm sendo por vós
acolhidas, impondo o Pretório Excelso como árbitro imparcial, em
patamar de confiança e admiração do povo.
E trabalhando em Porto Alegre com V. Exa., no
Conselho Penitenciário, quando representastes o Ministério Público
Federal e eu, o Estadual, tive o privilégio de consolidar uma
amizade que perdura até hoje (afirmava o teatrólogo romano,
Plauto:” quanto mais velho um homem, mais amigo ele é, “embora
não nos julguemos velhos, e sim, crianças cada vez mais sem
idade, como o orvalho que caminha de uma manhã à outra). E o
passado – dizia Proust – é fugaz e não se move do lugar. Mas a
Ministra Ellen Gracie se moveu.
2
Sim, desde a capital do Rio Grande, com lúcida
obstinação, palmilhando todas as etapas da Justiça Federal, foi
guindada a Brasília, movendo-se como a águia que estende suas
asas mais do que o ninho.
E saiu para a vocação de grandeza, saiu para
espantar e vencer. “Sem sair ninguém pode ser grande” –
admoestava o Pe. Antônio Vieira. “Saiu para ser grande e porque
era grande, saiu”. Com a sabedoria que veio da experiência e do
estudo, tendo a índole da eqüidade, que não se pesa em balança,
pesa dentro da natureza humana. E por se ter movido em
conhecimento, galhardia, brio, goza V. Exa. de um conceito que
poucos conquistaram neste País
Moveu-se para poder, hoje, exclamar com
Aristóteles: “Cada um gosta de sua obra”. E o Brasil, Exa., gosta de
sua obra, de seu espírito de liderança, da superior inteligência, o
dedicado empenho, sua severa ponderação e a simplicidade,
apanágio dos escolhidos. E fostes a primeira mulher a ser nomeada
ao Supremo Tribunal, demonstrando o espírito pioneiro, com
impacto comparável no mundo jurídico, ao da entrada de Rachel de
Queiroz na Casa de Machado, para o mundo das letras. Provando
quanto uma cidadã, munida de caráter e talento, alcança servir esta
Nação nos seus mais elevados postos. Num tempo obscuro, como
o que vivemos, em que alguns políticos deviam seguir a máxima de
André Malraux: “Não se faz política com moral, mas também não se
faz sem ela.”
Assim, Ministra Ellen, a boa fama e o nome que
granjeastes – não é sombra – como queria o poeta Lucano – é sol
para os dias futuros. Por serdes de uma estirpe que avança no
áspero e difícil. E a sombra dorme, sim, o sol sempre se acorda de
horizonte. Tal esta copla de Yupanqui no seu canto de vento:
“De lembranças e caminhos,
um horizonte abarquei.
Longe se foram meus olhos,
a rastrear o que passei.”
E se não é o poeta que faz a verdade – é a verdade
que o inventa – igualmente o julgador brota da verdade, não a cria.
E V.Exa. é naturalmente juíza, florescida, portanto, da verdade. A
Homero é dado cochilar, à justiça nunca. Porque se expande na
realidade, como a filosofia.
Por isso estais nesta Casa da Filosofia, Casa do
gaúcho e heróico Osório, patrono da Infantaria Brasileira, para
3
receberdes como homenagem ao vosso esforço de plasmar
coletivamente a justiça, o título Doutor Honoris Causa.
E é um Filósofo, dos mais proeminentes, o
Presidente desta Academia, Dr. João Ricardo Moderno, que vos
outorga, ciente de que o ápice do convívio humano é a realização
do Direito, fonte singular da filosofia, não apenas desvendando a
origem das coisas, mas as coisas da origem.
Salienta Lewis Caroll, o genial autor de Alice no
País das Maravilhas, falando do Capitão ou “Bellman” (sineiro) :”A
única coisa que ele sabia fazer no navio, era tocar o sino”.
Também eu, diante de vossa grandeza e de vossos
feitos, neste navio do destino, diante de quem levou tão alto a
função de julgar, vejo que a triunfante vida toda cabe neste sino de
alegria e tanjo, tanjo o sino comemorando os duzentos anos da
Casa da Suplicação, do Rio de Janeiro, neste mês e ano, quando
principiou no Brasil o Poder Judiciário, de que sois a mais elevada
autoridade, tanjo o sino do Vale com o rio do mesmo nome, onde
lecionastes, tanjo o sino do pampa, cujo solo foi por vós habitado, o
sino do coração tão nobre que em vós bate, o sino da honra
concedido a raros, o sino do mérito, o sino de uma humanidade que
resiste, o sino do reconhecimento, que não é só meu. Mas de todos.
-----------------------------------------------------------------------------------------@Carlos Nejar –Escritor . Da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de
Filosofia.
4
Download