SUMÁRIO # 18.1 © Monika Linek VETERINARY 2008 - 10$/10€ A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia A Veterinary Focus é publicada em inglês, francês, alemão, chinês, holandês, italiano, polaco, português, espanhol, japonês, grego e russo. Ilustração da capa: Hiperqueratose epidérmica e infundibular severas. Conhecimento e Respeito... Pelagens felinas e caninas: diversidades raciais na textura e no comprimento p. 02 Pascale Pibot Como abordar... O prurido no gato p. 04 Andrea Cecilia Wolberg e Alejandro Blanco Como tratar... Adenite sebácea em cães p. 12 Monika Linek Avanços na abordagem de feridas em pequenos animais p. 17 Steven Swaim e Mark Bohling Utilização da serologia em dermatologia canina e felina p. 24 Pascal Prélaud Abordagem da dermatite atópica p. 32 Tim Nuttall Ponto de vista Royal Canin... Nutrição, saúde da pele e qualidade da pelagem p. 40 Fabienne Dethioux Guia destacável... Interpretar lesões cutâneas primárias p. 47 Richard Harvey ALEMANHA ARGENTINA AUSTRÁLIA ÁUSTRIA BAHREIN BÉLGICA BRASIL CANADÁ CHINA CHIPRE COREIA CROÁCIA DINAMARCA EMIRADOS ÁRABES UNIDOS ESLOVÉNIA ESPANHA ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ESTÓNIA FILIPINAS FINLÂNDIA FRANÇA GRÉCIA HOLANDA HONG-KONG HUNGRIA IRLANDA ISLÂNDIA ISRAEL ITÁLIA JAPÃO LETÓNIA LITUÂNIA MALTA MÉXICO NORUEGA NOVA ZELÂNDIA POLÓNIA PORTO RICO PORTUGAL REINO UNIDO REPÚBLICA CHECA REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL REPÚBLICA ESLOVACA ROMÉNIA RÚSSIA SINGAPURA SUÉCIA SUIÇA TAILÂNDIA TAIWAN TURQUIA Visite a biblioteca científica para uma selecção de artigos da Veterinary Focus CONHECIMENTO E RESPEITO Veterinary Focus, Vol 18 n° 1 - 2008 Descubra os volumes mais recentes da Veterinary Focus no site IVIS: www.ivis.org Consultores Editoriais • Drª Denise A. Elliott, BVSc(Hons), PhD, Dipl. ACVIM, Dipl. ACVN Comunicações Científicas, Royal Canin, EUA • Drª Pascale Pibot, DVM, Directora de Publicações Científicas, Royal Canin, França • Drª Pauline Devlin, BSc, PhD, Directora-Assistente Veterinária, Royal Canin, RU • Drª Karyl Hurley, BSc, DVM, Dipl. ACVIM, Dipl. ECVIMCA Assuntos Académicos Globais, WALTHAM • Drª Franziska Conrad, DVM, Scientific Communications, Royal Canin, Alemanha • Drª Julieta Asanovic, DVM, Dipl. FCV, UBA, Scientific Communications, Royal Canin, Argentina Editor • Dr. Richard Harvey, PhD, BVSc, DVD, FIBiol, MRCVS Secretário Editorial • Laurent Cathalan [email protected] • Ellinor Gunnarsson Ilustração • Youri Xerri Revisão editorial para outras línguas : • Drª Imke Engelke, DVM (Alemão) • Drª María Elena Fernández, DVM (Espanhol) • Drª Eva Ramalho, DVM (Português) • Drª Paola Oppia, DVM (Italiano) • Drª Margriet Bos, DVM (Holandês) • Prof. Dr. R. Moraillon, DVM (Francês) Publicado por: Buena Media Plus CEO: Bernardo Gallitelli Morada: 85, avenue Pierre Grenier 92100 Boulogne – França Telefone: +33 (0) 1 72 44 62 00 Impresso na União Europeia ISSN 0965-4577 Circulação: 100,000 cópias Depósito legal: Março 2007 Publicado por Aniwa S. A. S. As autorizações de comercialização dos agentes terapêuticos para uso em animais de companhia variam muito a nível mundial. Na ausência de uma licença específica, deve ser considerada a publicação de um aviso de prevenção adequado, antes da administração de tais fármacos. CONHECIMENTO E RESPEITO © Y. Lanceau Pelagens felinas e caninas: diversidades raciais na textura e no comprimento Por Pascale Pibot, DVM A raça Bosque da Noruega possui uma pelagem muito densa que oferece um bom isolamento e impermeabilidade. P ara um gato ou um cão, a • Os pêlos secundários mais finos e leves são dominantes na pelagem pelagem serve como isoladum Caniche. Colocados topo a mento térmico, barreira de topo, um grama de pêlos secundáprotecção da pele (contra a desidrarios alcançaria até 980 metros tação e ataques externos) e como enquanto que um grama exclusivameio de comunicação. Para um dono, mente de pêlos primários, que são a pelagem do seu animal é claramente muito mais espessos, alcançariam um dos seus mais belos atributos. Ao até apenas 690 metros. fazer selecções de raças, o Homem contribuiu para produzir uma maior • Pelo contrário, o Yorkshire Terrier não apresenta pelagem secundária variedade de diferentes pelagens. ou sub-pêlo. Apenas um único Uma pelagem específica pêlo longo sai de cada folículo. • O Schnauzer possui uma pelagem para cada raça dura que consiste numa protecção As raízes dos pêlos originam-se rígida que é longa o suficiente para em cavidades designadas folículos a sua textura ser percepcionada, e pilosos. Normalmente, a pelagem uma pelagem secundária densa. consiste numa mistura de pêlos longos e relativamente espessos • A opulência da pelagem é o maior trunfo da raça Shih Tzu. A sua (pêlos primários), que é a pelagem pelagem é densa e longa, com um de cobertura, e de pêlos curtos e denso sub-pêlo. mais finos (pêlos secundários), que constituem o sub-pêlo. Nos gatos, • Apesar de existirem gatos/cães ‘nús’ com apenas uma fina lanugem, existem cerca de 10 a 15 pêlos como o Sphinx ou o Xoloitzcuintle secundários para cada pêlo primário, (raça Mexicana), a grande maioria enquanto que nos cães existem, por das raças é classificada como de norma, 3 a 5 pêlos secundários. A pêlo curto, pêlo semi-longo e pêlo maioria dos gatos possui pêlo liso, longo. embora haja alguns – como o Cornish Rex – que possui pêlos ondulados ou encaracolados. Densidade da pelagem Em comparação com outras espécies, Nos cães, existem muito mais varia- os gatos apresentam uma pelagem ções. Por exemplo: densa, possuem entre 800 a 1600 2 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 pêlos por centímetro quadrado, o que é quase o dobro em relação aos cães. As raças adaptadas aos climas frios (como o gato Bosque da Noruega) possuem uma pelagem particularmente densa que oferece um bom isolamento e impermeabilidade. De entre os exemplares caninos, a estrutura da pelagem do Labrador Retriever é única. É uma pelagem forte e densa, permitindo ao Labrador suportar águas geladas. Quando recolhem a caça no campo, os Labradores têm de enfrentar arbustos e matas que podem cortá-los e, deste modo, a sua densa pelagem ajuda-os a prevenir estas lesões. Comprimento do pêlo Os Persas representam um exemplo extremo do crescimento piloso. Os seus pêlos podem crescer até um comprimento de 20cm ao nível do pescoço. Se colocados em linha recta, a soma dos pêlos de um Persa poderia medir até cerca de 370km! Entre as outras raças caninas, o Yorkshire Terrier é também admirado pela sua impressionante longa pelagem: normalmente de 12 a 22cm de comprimento e, por vezes, acima © Y. Lanceau © Y. Lanceau de 37cm em cães de exposição, comparado com 1 a 2cm num cão de pêlo curto. Qual a velocidade de regeneração de um folículo? Existem três fases principais durante o ciclo do folículo piloso, cuja duração é geneticamente determinada: • fase de crescimento (anagénese): os pêlos crescem a uma taxa de 7.5 - 9mm por mês. • fase intermédia (catagénese): o bulbo piloso regride gradualmente. • fase de repouso (telogénese): o pêlo está ancorado apenas por umas raízes de queratina antes de cair. Os cães e os gatos expostos à luz natural estão sujeitos ao ciclo natural da muda, com o máximo de perda de pêlo no início do Verão e mínimo no início do Inverno. Este ciclo permite ao animal apresentar a pelagem mais comprida e densa possível quando está muito frio e a mais leve possível quando a temperatura está realmente elevada. Os gatos que passam a maior parte do seu tempo dentro de casa, em interior, estão, consequentemente, expostos a uma temperatura e luz praticamente constantes, perdendo os seus pêlos de modo constante ao longo do ano. Um gato de interior despende cerca de 30% das suas horas activas à higiene da sua pelagem. Consequentemente, eliminam os pêlos ingeridos através das fezes. A quantidade de pêlo eliminado durante o ano é, no mínimo, de 100g para um gato adulto de pêlo curto de 4kg. O Yorkshire Terrier é uma das raras raças, juntamente com o Bichon Maltês, o Caniche Miniatura, o Shih Tzu e o Lhasa Apso, que não faz a muda do pêlo e cujos pêlos crescem continuamente (de 10 a 15mm por mês). A fase de anagénese é dominante: o que significa que os pêlos são similares aos cabelos dos humanos e necessitam de ser cortados regularmente. Graças à sua longa pelagem, o Yorkshire Terrier apresenta um comprimento de pêlo cerca de 3 vezes superior (medido de topo a topo) a um cão com pêlo semi-longo com a mesma massa corporal. © Y. Lanceau Segundo os padrões felinos, os Persas são a única raça de gatos com pêlo longo. A pelagem de um Caniche necessita de ser cortada regularmente devido ao seu crescimento contínuo. Porque motivo os cães e os gatos eriçam os pêlos? Os pêlos podem ser er içados através da contracção dos pequenos músculos erectores dos pêlos que conectam os folículos pilosos à superfície inferior da epiderme. Ao eriçar os seus pêlos, o gato/cão adopta um aspecto ameaçador de modo a intimidar o seu adversário, sendo este um Homem, um gato ou um cão. Num gato, a pelagem eriçada torna-se mais impressionante quando este arqueia o dorso e se posiciona de lado. Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 3 COMO ABORDAR... O prurido no gato Andrea Cecilia Wolberg, DVM Alejandro Blanco, DVM Cidade Autónoma de Buenos Aires, Argentina Cidade Autónoma de Buenos Aires, Argentina A Drª Andrea Cecilia Wolberg licenciou-se em Medicina Veterinária na Universidade de Buenos Aires (UBA) em 1984. Completou um curso de pós-graduação na universidade onde leccionava simultaneamente e licenciou-se como oradora autorizada da UBA em 1995. Trabalhou como Professora Assistente na Clínica de Pequenos Animais na Faculdade de Ciências Veterinárias da Universidade Nacional no Centro da Província de Buenos Aires (UNCPBA). Trabalha actualmente como Professora Assistente na Clínica de Pequenos Animais na Faculdade de Ciências Veterinárias da UBA, onde é Regente do Departamento de Dermatologia no Hospital Universitário anexado à mesma faculdade. A Drª Andrea Wolberg exerce igualmente clínica privada e, em particular, dermatologia de pequenos animais. O Dr. Alejandro Blanco licenciou-se em Medicina Veterinária na Faculdade de Ciências Veterinárias na Universidade de Buenos Aires (UBA) em 1986. Completou um curso de pós-graduação na universidade onde simultaneamente leccionava e licenciou-se como orador autorizado da UBA em 1996. Tem leccionado no Hospital Veterinário da UBA desde 1987 e é Responsável pelas Nomeações Práticas na Clínica de Pequenos Animais na Faculdade de Ciências Veterinárias da UBA. Desde 2001, o Dr. Alejandro Blanco é o Responsável pelo Departamento de Pacientes Externos de Dermatologia na Faculdade Veterinária de Buenos Aires. Introdução O prurido em gatos é um verdadeiro desafio diagnóstico. Em concordância com as suas características comportamentais, os gatos tendem a coçar-se quando não estão a ser obser vados pelos seus donos, tornando-se difícil determinar com exactidão se o gato se tem lambido ou não. É igualmente difícil diferenciar entre hábitos de higiene intensa e lambedura excessiva devido a prurido. Para complicar ainda mais, as reacções cutâneas em gatos podem ser o resultado de estados afectivos. Em resumo, as afecções cutâneas apresentam uma miríade de causas. O objectivo deste artigo é o de apresentar uma abordagem diagnóstica desenvolvida para auxiliar os clínicos a estabelecer diagnósticos definitivos, ou praticamente definitivos, de prurido em gatos e 4 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 determinar a terapêutica mais apropriada para os seus pacientes. Padrões de reacção cutânea associada ao prurido em gatos Existem 4 padrões clássicos de reacção cutânea em gatos pruríticos (Tabela 1): 1. Complexo do granuloma eosinofílico felino 2. Alopecia bilateral simétrica 3. Prurido na cabeça e no pescoço 4. Dermatite miliar felina 1. Complexo do granuloma eosinofílico felino O complexo do granuloma eosinofílico felino manifestase sob 3 formas: - Úlceras indolores - Placas eosinofílicas - Granulomas eosinofílicos Tabela 1. Padrões de reacção cutânea em gatos e possíveis causas no gato prurítico Padrões de reacção cutãnea Possíveis causas Complexo do granuloma eosinofílico felino - Dermatite alérgica à picada da pulga - Alergia alimentar - Hipersensibilidade por picada de mosquito Alopecia simétrica bilateral - Dermatite alérgica à picada da pulga - Alergia alimentar - Atopia felina - Dermatofitose - Alopecia psicogénica Prurido na cabeça e no pescoço - Sarna notoédrica - Sarna otodécica - Alergia alimentar - Atopia felina - Dermatite alérgica à picada da pulga - Dermatofitose - Pênfigus foliáceo Dermatite miliar felina - Dermatite alérgica à picada da pulga - Dermatofitose - Alergia alimentar - Atopia felina - Demodecose As manifestações supracitadas estão agrupadas sob a designação de complexo do granuloma eosinofílico por partilharem determinadas características, incluindo uma resposta positiva ao tratamento com corticosteróides e etiologia desconhecida (embora tenham tendência para serem associadas com reacções de hipersensibilidade). Contudo, nem todas são pruríticas. O prurido é uma característica principal das placas eosinofílicas e das picadas de mosquito. As placas eosinofílicas são caracterizadas por lesões granulomatosas avermelhadas focais ou múltiplas, redondas ou ovais e que ulceram com frequência. Ocorrem na superfície cutânea do abdómen, zonas interiores das coxas, axilas e espaços interdigitais. As áreas afectadas tendem a ficar húmidas devido à lambedura intensa, pois as lesões são altamente pruríticas. Os diagnósticos diferenciais devem incluir doenças cutâneas neoplásicas e granulomas de origem infecciosa (Figura 1). As evidências histológicas são diagnósticas (infiltrados eosinofílicos no tecido). A hipersensibilidade à picada de mosquito é caracterizada pela presença de pápulas crostosas e diversos graus de edema na superfície do nariz, orelha e zonas Figura 1. Placa eritematosa em relevo na axila esquerda dum gato atópico de raça indeterminada. Figura 2. Pápulas crostosas no nariz de um gato com hipersensibilidade à picada de mosquito. pré-auriculares. O prurido é moderado a severo e os sintomas desaparecem uma vez bem sucedida a eliminação dos mosquitos do ambiente do gato (Figura 2). Um estudo alérgico deve ser o primeiro teste a realizar para determinar a etiologia das lesões. As alergias mais comuns em gatos são a dermatite alérgica à picada da pulga, a alergia alimentar e a atopia felina. Dermatite alérgica à picada da pulga A dermatite por alergia à picada da pulga é uma reacção alérgica induzida pelos antigénios presentes na saliva da pulga Ctenocephalides felis. A condição é classificada como hipersensibilidade de tipo 1 e de tipo 4, embora as reacções de hipersensibilidade não tenham ainda sido completamente definidas nos gatos (1). A alergia à pulga pode ocorrer em gatos de qualquer idade, sexo ou raça (2,3) e as lesões cutâneas resultantes são variáveis. Está associada a prurido moderado a severo. O diagnóstico é feito por associação dos sinais clínicos, pela presença quer de pulgas, como de fezes de pulga no corpo do gato (embora estas sejam por vezes difíceis de encontrar, uma vez que o prurido induz excessiva Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 5 COMO ABORDAR... Figura 3. Alopecia nas regiões lombares e sagradas de um gato com dermatite alérgica à picada da pulga. Figura 4. Eritema, descamação e crostas num gato com prurido intenso devido a alergia alimentar (o gato foi tosquiado antes da fotografia). lambedura), e pelo desaparecimento de sintomas quando o controlo das pulgas é conseguido. A resposta à corticoterapia é favorável (Figura 3). Alguns exemplos: Proteínas •borrego •veado •porco Alergia alimentar A alergia alimentar é causada por uma reacção imunológica a determinadas proteínas presentes no alimento. Os principais tipos de reacções de hipersensibilidade envolvidos são os do tipo 1, tipo 3 e tipo 4. É a segunda alergia mais comum em gatos e pode ocorrer em animais de qualquer idade ou sexo, embora os gatos Siamês e Burmês exibam uma certa predisposição (4). O principal sinal clínico é um prurido ligeiro a severo e, em determinados casos, podem surgir reacções dermatológicas e gastroenterológicas (diarreia e vómito). Pode apresentar-se como qualquer uma das formas agrupadas sob a designação de complexo do granuloma eosinofílico, como prurido na face, cabeça e pescoço, alopecia simétrica autoinduzida, ou dermatite miliar (Figura 4). As lesões aparecem como resultado da fricção de coçar e, ao contrário dos cães, as infecções por bactérias e leveduras são raras. Estima-se que 20 a 30% das alergias alimentares estão associadas à atopia e à alergia à picada da pulga. A resposta ao tratamento com corticóides é variável (5). O diagnóstico é confirmado através de testes alérgicos alimentares, que consistem na eliminação de todos os alimentos e suplementos conhecidos que o animal tenha consumido ao longo da vida e na prescrição de uma dieta de eliminação (caseira ou comercial) que deve ser cumprida de modo rigoroso durante um mínimo de 8 semanas e, por vezes, até às 10 semanas. A dieta deve consistir de 2 ingredientes (uma fonte proteica e uma fonte de carbohidratos) aos quais o paciente nunca tenha sido exposto. 6 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Carbohidratos •batata doce •batata •tapioca Uma opção diagnóstica é uma dieta comercial com proteína hidrolisada, caso uma dieta de preparação caseira não seja possível. Apesar das dietas comerciais com proteína hidrolisada não serem a ferramenta diagnóstica de primeira escolha, por não permitirem a detecção de reacções adversas aos aditivos alimentares, são sempre uma excelente opção para o tratamento (6) (Nota do editor: na realidade, as reacções adversas ao alimento, são uma ocorrência extremamente rara). Se o prurido se resolveu no final da dieta de eliminação, deve ser realizada uma dieta de provocação até o alergénio responsável ser identificado. Os testes alérgicos intra-dérmicos e in vitro não têm valor diagnóstico para as alergias alimentares. As evidências histológicas podem apontar para uma reacção de hipersensibilidade mas não confirma as reacções adversas ao alimento. O padrão observado é uma dermatite perivascular superficial ou profunda com predominância de mastócitos e eosinófilos (7). Nalguns casos, tem sido observada uma foliculite mural (8). Atopia felina A atopia felina é uma condição hereditária que é caracterizada pela predisposição para as reacções de hipersensibilidade seguidas da exposição aos alergénios ambientais (9). Os alergénios que afectam os gatos O PRURIDO NO GATO Figura 5. Gato atópico com prurido intenso na cabeça e no pescoço que causou lesões ulcerativas. Figura 6. Alopecia bilateral severa num gato com alopecia psicogénica. com maior frequência são os ácaros do pó, particularmente o Dermatophagoides farinae (10) e, numa menor extensão, o pólen, as escamas cutâneas e o bolor. Os mecanismos imunológicos envolvidos na patogénese da atopia felina são as células de Langerhans, os eosinófilos, os mastócitos, os linfócitos T CD4+ e vários tipos de anticorpos de imunoglobulina (Ig) E (11). A afecção pode ocorrer em gatos com idades compreendidas entre os 6 meses e os 3 anos, e o principal sinal é o prurido moderado a severo (Figura 5). Pode causar quaisquer uma das reacções descritas acima, bem como, edema dos lábios e do mento. Os sinais não dermatológicos como rinite, tosse e dispneia (asma) podem igualmente ser observados nalguns pacientes. tratamento com corticóides, o próximo passo é o controlo dos diferentes factores de predisposição às reacções de hipersensibilidade (contaminantes (bactérias), ecto e endoparasitas). Os testes alérgicos de diagnóstico não apresentam utilidade em gatos, e os testes intra-dérmicos são difíceis de interpretar devido à natureza da pele do gato e aos fracos resultados positivos observados. Os testes serológicos não foram aprofundados em gatos e os seus resultados não se correlacionam com os dos testes intra-dérmicos. Contudo, a eficácia da terapêutica de hiposensibilização, embora baixa, é similar quando baseada em testes intra-dérmicos e in vitro. Os níveis de IgE específica não variam entre gatos saudáveis e gatos atópicos (12). A atopia é essencialmente diagnosticada com base nas evidências clínicas (anamnese, sinais, resposta aos corticosteróides). Uma vez que a atopia felina coexiste frequentemente com outras alergias, é necessário excluir todas as alergias antes de estabelecer um diagnóstico definitivo. Procedimento a adoptar quando um gato apresenta prurido e uma forma de complexo do granuloma eosinofílico Se a placa eosinofílica é confirmada por sinais histológicos e as lesões cutâneas respondem bem ao Se a causa subjacente é a dermatite alérgica à picada da pulga, as lesões serão eliminadas por completo se for implementado com sucesso um programa de controlo de pulgas (que trate o paciente, o ambiente e qualquer outro animal que viva no mesmo ambiente). Caso os sintomas regressem, é necessário realizar o diagnóstico de alergia alimentar para confirmar ou excluir a hipersensibilidade alimentar. Do mesmo modo, é necessário realizar uma dieta de eliminação durante 8 a 10 semanas, após as quais existem 3 cenários possíveis: • Desaparecimento do prurido e das lesões, confirmando que o gato apresenta uma alergia alimentar. Neste caso, deve ser prescrita uma dieta de provocação. O que envolve a reintrodução gradual de alimentos e suplementos alimentares que faziam parte da dieta normal do gato. A reintrodução de um novo alimento ou suplemento é feita isoladamente a cada 2 semanas até ser identificado o alergénio responsável (regresso de prurido) e eliminado da dieta do gato. • Melhoria parcial do prurido e das lesões, indicando que o gato é alérgico a algo de outra origem que não a alimentar (por exemplo, atopia felina). • Nenhuma melhoria clínica, indicando que o gato ou apresenta outro tipo de alergia (atopia felina) ou possui um complexo do granuloma eosinofílico idiopático. 2. Alopecia simétrica bilateral Os gatos com alopecia simétrica apresentam perda de pêlo em ambos os flancos. De um modo geral, não existem causas subjacentes para estas lesões e o Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 7 COMO ABORDAR... Figura 7. Pápulas crostosas na cabeça e na orelha de um gato com sarna notoédrica. Figura 8. Alopecia, eritema e descamação no pescoço de um gato com demodecose. principal sinal é o prurido. O diagnóstico diferencial, neste caso, deve incluir alopecia psicogénica (Figura 6), neurodermatite e alopecia simétrica felina (idiopática). Sarna notoédrica Procedimento a adoptar quando um gato apresenta prurido e alopecia simétrica Uma vez excluída a presença de pulgas e revistos os hábitos sanitários e alimentares, deve ser instituído o mesmo procedimento como o descrito acima para o complexo do granuloma eosinofílico para descartar a dermatite por alergia à picada da pulga, alergia alimentar ou atopia. Este procedimento é necessário porque a alopecia simétrica tende a ser causada por reacções de hipersensibilidade. O diagnóstico de alopecia psicogénica ou neurodermatite pode ser confirmado com base na história e na resposta ao tratamento (o prurido persiste apesar do tratamento com corticóides). A sarna notoédrica é uma doença contagiosa que causa prurido intenso. É causada pelo ácaro Notoedres cati, que afecta maioritariamente gatos. A lesão primária consiste numa pápula crostosa na cabeça e no pescoço (Figura 7), mas as lesões podem dispersar-se para zonas mais distantes do corpo, tais como os dígitos anteriores e posteriores devido ao contacto através do acto de coçar. As lesões podem também surgir no períneo, isto porque os gatos têm a tendência para dormir enrolados. As manifestações secundárias incluem alopecia, crostas e escoriações, variando de níveis de severidade. É relevante obter informação acerca dos hábitos do animal e possível contacto com outros gatos. Quando ácaros e/ou ovos são observados em esfregaços cutâneos pode ser feito um diagnóstico definitivo. 3. Prurido na cabeça e no pescoço Sarna otodécica O prurido na cabeça e no pescoço pode estar presente com diversos graus de severidade, variando desde alopecia ligeira e eritema até lesões erosivas, ulceradas ou crostosas na fronte, zonas pré-auriculares, orelhas, cabeça e pescoço. Dependendo da causa, pode tratar-se duma lesão primária. A sarna otodécica é uma condição contagiosa e prurítica causada pelo Otodectes cynotis. Não é específica dos gatos. Afecta frequentemente animais provenientes de criadores ou de vida em comunidade. Manifesta-se como uma otite externa e produz uma secreção ceruminosa escura, cuja cor pode variar de ambar a preto. A lesão primária é uma pápula crostosa, mas devido à sua localização (dentro do canal do ouvido externo) e ao coçar pelo gato, existe frequentemente perda de pêlo na orelha, pescoço e cabeça. Podem igualmente estar presentes lesões noutras partes do corpo para onde os ácaros tenham migrado. O diagnóstico é confirmado quando é observado um ácaro (a olho nú, através de lupa ou microscópio óptico) nos exsudados ou raspagens de pele (caso o gato tenha desenvolvido lesões). As possíveis causas incluem: - Parasitas: sarna notoédrica, sarna otodécica, demodecose; - Alergias: dermatite alérgica à picada da pulga, alergia alimentar, atopia, hipersensibilidade à picada de mosquito; - Infecções: dermatofitose; - Afecções auto-imunes: pênfigus foliáceo; - Distúrbios psicogénicos. 8 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 O PRURIDO NO GATO clínicas são variáveis e pleomórficas (14) e, embora pouco comum, o prurido pode existir. As lesões podem ser localizadas ou difusas e podem caracterizar-se por vários níveis de alopecia, eritema e descamação. Em gatos, a doença afecta normalmente a face, a cabeça, o pescoço e os membros, apesar do tronco poder estar igualmente envolvido, com alopecia simétrica ou uma erupção de pequenas pápulas crostosas (dermatite miliar) (Figura 9). Um diagnóstico definitivo pode ser feito quando se obtém o resultado positivo de uma cultura fúngica ou quando as lesões recuperam após terapêutica específica. O exame histológico da pele utilizando colorações especiais (ácido-Schiff periódico (PAS), prata metenamina de Gomori) é, por vezes, necessário para observar os esporos de dermatófitos. Figura 9. Eritema, crostas e descamação num gatinho com dermatofitose. Demodecose felina A demodecose felina pode ser causada pelo Demodex cati ou Demodex gatoi. O Demodex cati, vive nas estruturas pilosebáceas e causa lesões cutâneas localizadas que podem afectar a face (áreas préauriculares, áreas perioculares e mento) e o pescoço. As lesões podem, no entanto, ser também generalizadas e envolver o tronco e os membros, para além da cabeça e do pescoço (Figura 8). A forma generalizada da doença tende a estar associada a doença sistémica grave. As lesões incluem alopecia, eritema, descamação e crostas. A intensidade do prurido é variável. As manifestações clínicas causadas pelo Demodex gatoi, um ácaro de cauda curta que vive à superfície da pele, são semelhantes às observadas na sarna notoédrica ou nas afecções de hipersensibilidade com prurido severo e com lesões secundárias (alopecia, crostas, descamação). As áreas mais frequentemente afectadas são a cabeça, o pescoço e os cotovelos. A alopecia simétrica pode também ser observada em determinados casos. Esta condição é contagiosa. A observação de ácaros em esfregaços de pele confirma a demodecose devido quer a Demodex cati ou Demodex gatoi. Procedimento a adoptar quando um gato apresenta prurido e um padrão lesional que afecta a cabeça e o pescoço Tendo em conta as possíveis causas de dermatofitose e depois de obtida uma anamnese rigorosa focando nos sinais clínicos, nos factores ambientais, nos hábitos alimentares, etc., é essencial investigar a presença de ácaros em raspagens cutâneas superficiais e profundas, de pulgas e fezes de pulgas no corpo do gato. Quando se suspeita de dermatofitose, devem obter-se amostras de pêlos e escamas de pele para exame directo e cultura fúngica. Se os resultados forem positivos, o animal afectado, o seu ambiente e quaisquer outros animais que vivam nesse ambiente devem ser tratados com agentes anti-fúngicos específicos. Se os resultados forem negativos, deve ser implementado um programa de controlo e de prevenção de pulgas e devem ser tratados os sintomas. Caso existam, as infecções secundárias devem também ser tratadas e administrados medicamentos antipruríticos (corticóides e anti-histamínicos) até desaparecimento dos sintomas. Caso haja remisssão das lesões, mas recidiva da condição, está indicado o Dermatofitose A causa mais comum de dermatofitose em gatos é o Mycrosporum canis (13). A infecção ocorre como resultado do contacto directo com um animal afectado ou com o seu ambiente (cama, jaula, escova, etc.). Os esporos de dermatófitos conseguem sobreviver no ambiente durante muitos meses. A condição é altamente contagiosa e pode afectar humanos. As manifestações Figura 10. Pápulas crostosas num gato com dermatite miliar. Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 9 COMO ABORDAR... Anamnese Exame físico CGE ASB Confirmar com sinais histológicos Tricograma Controlar factores de predisposição (bactérias, pulgas, endoparasitas) DMF PCP Raspagens cutâneas (Notoedres, Otodectes, Cheyletiella, Demodex) Pêlos partidos Citologia (bactérias) Controlar factores de predisposição (bactérias, pulgas, endoparasitas) Controlo de pulgas Persistência de prurido Tratar os sintomas pruríticos Persistência de prurido Persistência de prurido Tratar os sintomas de prurido Suprimir os sintomas de prurido* Se recidivar Se recidivar Persistência de prurido Dieta de exclusão Dieta de exclusão Alopecia psicogénica (+) (-) (+) Atopia Alergia alimentar - Teste CGE idiopático intradérmico Teste serológico Alergia alimentar (-) Atopia *ex: com 5-10mg prednisolona em dias alternados durante 7 a 10 dias. Se o prurido é transitório este tratamento é curativo. Se, como a tabela sugere, o prurido recidiva, despistar alergia alimentar, etc., e se a resposta falhar considerar doença psicogénica. Figura 11. Abordagem diagnóstica para um gato com prurido. Abreviaturas: CGE, complexo do granuloma eosinofílico; ASB, alopecia simétrica bilateral; PCP, prurido na cabeça e no pescoço; DMF, dermatite miliar felina. procedimento diagnóstico de identificação de alergias (ver a secção: “Procedimento a adoptar quando um gato apresenta prurido e um complexo de granuloma eosinofílico’’ na página 7 deste artigo). 4. Dermatite miliar felina A dermatite miliar felina (Figura 10) consiste num padrão de reacção cutânea que apresenta uma grande variedade de diferentes causas (Figura 11). Apresentase como uma erupção de lesões pápulo-crostosas no dorso do animal, na área lombar, na região caudal dos membros posteriores e no pescoço. As afecções secundárias incluem alopecia, escoriações e crostas cuja severidade varia com a intensidade do prurido (o qual depende da causa subjacente). 10 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Causas de dermatite miliar felina: - Alergias: dermatites por alergia à picada da pulga, alergia alimentar, atopia - Parasitas: sarna notoédrica, sarna otodécica, queiletiose - Infecções: dermatofitoses, pioderma - Distúrbios nutricionais: deficiência em ácidos gordos essenciais - Desordens idiopáticas Queiletiose O ácaro mais frequentemente responsável por queiletiose é o ácaro Cheyletiella blakei. Vive na camada de queratina da epiderme e não penetra no folículos pilosos. O curso da doença é geralmente mais lento em gatos do que em cães, uma vez que uma grande quantidade de escamas O PRURIDO NO GATO infectadas são eliminadas pela higiene realizada pelos gatos. Uma vez contraída, a doença parece ser altamente prurítica, causando alopecia e descamação severas. Alguns gatos desenvolvem pápulas crostosas difusas no dorso (dermatite miliar). O diagnóstico baseia-se na identificação de ácaros em esfregaços cutâneos superficiais ou exame microscópico de pêlos e escamas obtidos utilizando um pente para pulgas. Podem ser igualmente utilizadas impressões por fita adesiva transparente para detectar ácaros adultos ou ovos. O método de identificação mais fiável parece ser o pente para pulgas, embora possa falhar em 58% dos gatos (15). Pioderma superficial felino O pioderma superficial é raro em gatos. É geralmente secundário a distúrbios pruríticos (dermatite por alergia à picada da pulga, alergia alimentar, atopia felina, sarna notoédrica), doenças sistémicas (vírus da imunodeficiência felina), ou terapia imunossupressora (tratamento oncológico, corticóides, etc.) (16). As bactérias mais frequentemente isoladas são o Staphylococcus intermedius, S. stimulans e S.aureus. As lesões características variam desde alopecia localizada (com ou sem eritema) a pápulas, pústulas, erosões, úlceras e crostas. O diagnóstico é baseado no exame citológico de lesões bacterianas. As amostras devem ser obtidas por esfregaços de aposição no caso de lesões erosivas e fita adesiva transparente no caso de pápulas crostosas. Procedimento a adoptar quando um gato apresenta prurido e o padrão lesional é consistente com dermatite miliar felina Como referido anteriormente, a dermatite miliar felina é multifactorial. Deste modo, é necessário obter uma anamnese rigorosa que inclua informação dos sinais clínicos e sistémicos, do ambiente do animal, do contacto com outros animais, da dieta (qualidade), dos tratamentos prévios e respectivas respostas, da condição geral de saúde e do controlo de endoparasitas e de ectoparasitas. Como a principal causa de dermatite miliar felina é a dermatite por alergia à picada da pulga, as primeiras etapas do diagnóstico devem incluir a verificação da presença de pulgas e a observação da resposta às medidas de controlo das pulgas. Os esfregaços cutâneos devem também ser realizados nas primeiras consultas para despistar a presença de ácaros. Se necessário, a dieta do animal deve ser corrigida. Com a existência de determinadas lesões, devem ser realizados exames citológicos para determinar se existe um pioderma superficial, uma vez que requere terapêutica antibiótica específica (tal como mencionado anteriormente, o pioderma é raro nos gatos). Caso se suspeite de dermatofitose, devem ser realizados uma série de testes diagnósticos (observação directa de pêlos e escamas, exame com lâmpada de Wood, cultura fúngica). Isto é importante mesmo se o prurido não pareça ser particularmente problemático. É igualmente essencial ter em conta que a dermatofitose é uma condição altamente contagiosa e que pode afectar humanos. Se a condição recidivar, se o prurido persistir e se todas as condições anteriores foram excluídas, é indicado o procedimento para identificação de alergias (ver a secção: “Procedimento a adoptar quando um gato apresenta prurido e uma forma de complexo granuloma eosinofílico’’ na página 7 deste artigo). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lewis DT, Ginn PE, Kunkle GA. Clinical and histological evaluation of immediate and delayed flea antigen intradermal skin test and flea bite sites in normal and flea-allergic cats. Vet Derm 1999; 10: 29-37. 2. Scott DW, Miller WH, Griffin CE (eds). Mueller & Kirk’s Small Animal Dermatology, 6th ed. WB Saunders, Philadelphia 2001. 3. Buerger RG. In Kirk´s Current Veterinary Therapy XII. WB Saunders Philadelphia 1995, pp. 631-634. 9. Mac Donald JM. Food allergy. In: Griffin CE, et al. Current Veterinary Dermatology. 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Desde 1996 o seu principal interesse tem sido a dermatologia veterinária e desde 2001 exerceu numa clínica privada de referência dermatológica em Hamburgo. Estudou para o seu Diploma em Dermatologia Veterinária e depois da sua residência em Zurique obteve o Diploma em 2005. A Drª Linek publicou diversos artigos e é uma oradora de renome nacional. A adenite sebácea é uma doença cutânea pouco comum que tem sido descrita mais frequentemente nos cães, embora tenha sido relatada a sua ocorrência noutros animais, tais como gatos e coelhos (1,2,3). As descrições de uma doença similar em humanos são escassas. A característica principal da doença é uma infiltração inflamatória associada a uma destruição das glândulas sebáceas. As glândulas sebáceas são glândulas holócrinas alveolares (Figura 1), que estão ligadas a cada folículo piloso e presentes nos mamíferos em toda a pele coberta por pêlos. As glândulas abrem através de um ducto no infundíbulo do canal folicular (unidade pilosebácea). A secreção oleosa (sebo) forma uma emulsão de superfície juntamente com a secreção sudorípara e os lípidos epidérmicos e difunde-se por toda a superfície do estrato córneo. As principais funções desta emulsão são a manutenção da suavidade 12 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 e flexibilidade da pele, retenção da humidade e manutenção de uma hidratação adequada. Actua, igualmente, como barreira física e química contra potenciais patogénios. O conteúdo difere entre os mamíferos. Nos cães e nos gatos os lípidos epidérmicos são predominantemente colesterol livre, ésteres esteróis e diésteres de cera, e contêm menos triglicéridos e esqualeno do que nos humanos (4). Etiologia A adenite sebácea, in senso stricto, é uma doença cutânea idiopática rara. É mais frequentemente observada em Caniches e Akitas, para os quais foi proposta uma hereditariedade de tipo autossómico recessivo (3,5). É também encontrado em Vizslas, Pastores Alemães e Hovawarts e tem sido diagnosticada em várias outras raças, bem como em cães de raça indeterminada (6,7). A patogénese exacta é ainda desconhecida. As explicações recentes incluem: • um defeito estrutural primário nas glândulas sebáceas (e no seu ducto) responsável por derrame e, consequentemente, reacção do tipo corpo estranho. • uma anomalia no metabolismo lipídico que afecta igualmente a produção de sebo. • um defeito primário de cornificação conduzindo a inflamação e atrofia da glândula sebácea e do ducto (4). Figura 1. Glândula sebácea, histopatologia com coloração HE. (Ampliação de 400x) Figura 2. Hiperqueratose epidérmica e infundibular severas. (Ampliação de 400x) Figura 3. Cilindros foliculares: queratina aderente às hastes dos pêlos. Estudos imunohistoquímicos demonstraram que a maioria da população celular envolvida na adenite sebácea (AC) são células dendríticas MHC-Classe II positiva e Células T CD4+CD8+, que são conhecidas por serem células efectoras nas doenças auto-imunes de mediação celular (7,8). Não foram detectadas células B nem autoanticorpos contra as glândulas sebáceas. A hipótese de que a AS é uma doença autoimune de mediação celular é ainda mais confirmada pela diminuição de células T e macrófagos durante o tratamento imunomodelador com ciclosporina (8). branca prateada e as escamas que aderem às hastes dos pêlos, formando os designados cilindros foliculares (Figura 3). Os cilindros foliculares são, muito provavelmente, o resultado da escassez de sebo na zona infundibular do folículo piloso onde ocorre a queratinização epitelial da baínha externa da raiz. A destruição secundária da glândula sebácea com hiperqueratose clínica semelhante (Figura 2) pode ocorrer na demodecose generalizada, leishmaniose, granulomatose severa, foliculite histiocítica e outras condições (9). Sinais clínicos São mais afectados os cães jovens adultos de meia-idade e não foi ainda relatada qualquer predisposição sexual (2,5). As características clínicas, distribuição e severidade da AS variam entre as diferentes raças de cães. Contudo, são característica constante a caspa Nos cães de pêlo longo, sendo os exemplos mais extensivamente estudados o Caniche, o Akita e o Samoyedo, o primeiro sinal de doença é a projecção de um cilindro queratinoso de tipo ramificado a partir do folículo piloso, cobrindo a haste do pêlo com detritos queratinosos aderentes (3,5). Nos Caniches, a doença começa, mais frequentemente, na zona dorsal do focinho e na região temporal, disseminando para a zona dorsal do pescoço e tórax. Nos Akitas e nos Hovawarts surge uma alopecia multifocal simétrica e mais extensa (Figura 4) (3,8). Caracteriza-se pela quebra das hastes dos pêlos e está associada a um aspecto generalizado de pelagem baça e quebradiça. As lesões começam na cabeça, pavilhão auricular, zona dorsal do pescoço e cauda (Figura 5) estendendo-se até à linha média dorsal. a Figura 4a e 4b. Cão de raça Hovawart com adenite sebácea. a. antes do tratamento com ciclosporina. b. após o tratamento com ciclosporina. b Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 13 COMO TRATAR... matosa em redor das glândulas sebáceas. Os sebócitos são destruídos e podem já não ser detectados nas secções histológicas. Contudo, tanto os folículos pilosos como as glândulas sudoríparas apócrinas não são afectados pela inflamação. O infiltrado inflamatório consiste de histiócitos, linfócitos e neutrófilos (7,8). Figura 5. A designada «cauda vermelha» com placas aderentes e alopecia no Hovawart da Figura 4. Nesta fase existe pouco prurido. À medida que a doença progride, pode generalizar-se sendo frequente nesta fase a foliculite bacteriana secundária com prurido e mau odor. Os Pastores Belgas e os Hovawarts (observações do autor) têm frequentemente otite externa (Figura 6) com descamação seca e aderente no canal auricular. O curso clínico pode piorar e melhorar sem sazonalidade aparente. Os cães de pêlo curto, como os Vizslas, têm uma apresentação clínica notavelmente diferente. As lesões tendem a ser nodulares com áreas arciformes e coalescentes de alopecia conferindo à pelagem uma aparência de ‘comido de traça’ e descamação fina e não aderente predominantemente no tronco (2,6). Ocorre, igualmente, edema facial cíclico, sendo que alguns autores sugerem que esta forma de AS constitui uma doença independente (2). A adenite sebácea felina apresenta-se como alopecia anular multifocal e escamas aderentes. Um estudo descreveu a condição em coelhos domésticos (2). Diagnóstico Nas raças de pêlo curto as alterações histiocíticas são menos descritas (9). Em fases avançadas da doença, as glândulas sebáceas são completamente destruídas e a reacção inflamatória torna-se dispersa. Pode ocorrer telogenização dos folículos pilosos ou atrofia folicular. Se estiver presente uma infecção estafilocócica secundária pode observar-se foliculite supurativa ou furunculose. Tratamento Considerando que a AS é uma doença cutânea que não tem impacto na condição geral, caso o pioderma secundário seja evitado, o tratamento deve ter em conta os aspectos individuais da facilidade, segurança, necessidades de monitorização e custos. O objectivo do tratamento é a restituição da funcionalidade da barreira cutânea. O que inclui a remoção do excesso de escamas, evitar infecções secundárias, melhorar a qualidade da pelagem e promover o crescimento do pêlo. Actualmente, a AS não pode ser curada sendo necessário tratamento a longo prazo. Têm sido publicados uma variedade de protocolos de tratamento (6,8,10-13). Na opinião do autor, consegue-se um tratamento bem sucedido com o uso regular de champôs anti-seborreicos seguidos de banhos de óleo tópicos alternando com sprays umectantes. O diagnóstico de AS pode ser suspeitado com base nos sinais, na história e no exame físico. Os diagnósticos diferenciais incluem seborreia primária e dermatite seborreica, dermatite responsiva à vitamina A e ictiose, mas também demodecose e dermatofitose generalizada. Nas formas mais nodulares deve ser considerada a foliculite bacteriana e a furunculose. Para o diagnóstico é necessária uma biopsia cutânea. As anomalias histopatológicas nos cães com AS são variáveis, e o seu carácter difere de acordo com a cronicidade da doença. Na fase inicial, existem células inflamatórias perifoliculares discretas ao nível do istmo dos folículos pilosos (2,9) (Figura 7). Numa fase posterior, encontra-se mais frequentemente uma reacção inflamatória ganulomatosa a piogranulo- 14 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Figura 6. Escamas secas na zona côncava da orelha e do canal auricular externo. ADENITE SEBÁCEA EM CÃES • A administração de corticóides em dosagens antiinflamatórias ou imunossupressivas tem sido descrita como eficaz nalguns cães de pêlo curto, apesar de não demonstrar efeito nos outros (2,11). • Os retinóides sintéticos têm sido utilizados pelas suas propriedades anti-inflamatórias, pelos seus efeitos de diferenciação nos queratinócitos e inibitório nas glândulas sebáceas (6,10). Foram também apontados como eficazes nos Vizslas, mas menos noutras raças. A dose recomendada é de 1mg/kg administrada por via oral uma ou duas vezes por dia, com melhoria constatada ao fim de cerca de 6 semanas. A partir deste momento a frequência de administração pode ser reduzida. Figura 7. Infiltrado inflamatório perifolicular que obstrui a glândula sebácea. (Ampliação de 400x) O protocolo típico de tratamento seria o seguinte: Etapa 1:- Banho aplicando um produto combinado de enxofre e ácido salicílico; - Deixar o champô actuar durante um mínimo de 10 minutos; - Durante este tempo, realizar uma ligeira massagem para ajudar a remover uma parte significativa das escamas; - Enxaguar abundantemente e secar bem por contacto com uma toalha. Etapa 2: - Banho com qualquer óleo de banho suave contendo óleo mineral (genericamente óleo para bébé). Este é friccionado na pelagem e deixado a actuar durante 2 horas (os cães podem usar uma t-shirt durante este tempo para evitar a conspurcação do ambiente). Etapa 3: - Remover o óleo com um banho final de um champô de limpeza e antimicrobiano, ex. Sebomild® (Virbac). Etapa 4: - Aplicação final de amaciador ou de uma mistura de propilenoglicol e água (concentração final de 50-70% de propilenoglicol), que actua como umectante. Esta mistura pode ser adicionalmente aplicada no tempo entre os banhos de óleo mais intensos. Os intervalos de tratamento no início são de uma a duas vezes por semana, mas podem ser alargados para uma vez a cada 2 semanas após a recuperação clínica. Os tratamentos sistémicos foram seleccionados para travar o processo inflamatório ou para melhorar o processo de diferenciação. • A vitamina A foi experimentada num estudo, administrada por via oral numa dose de 10,000 até 30,000UI resultando em melhorias clínicas visíveis ao fim de 3 meses (12). Os clínicos devem ter em conta que tanto os corticóides, como os retinóides estão associados a efeitos adversos quando administrados a longo prazo e, por isso, não devem constituir o tratamento de escolha, particularmente se forem apenas parcialmente eficazes. • A administração de óleo de peixe em doses elevadas parece melhorar os sinais clínicos (13). • O tratamento da AS com ciclosporina, na dose de 5mg/kg uma vez por dia, foi descrito como um tratamento eficiente, bem tolerado e seguro (8). A ciclosporina reduz com sucesso o infiltrado inflamatório perifolicular, que destrói as glândulas sebáceas e aumenta a percentagem de folículos pilosos com glândulas sebáceas. O tratamento parece ser mais eficaz na fase inicial, enquanto ainda existe inflamação (Figura 8), do que nos casos crónicos em que todas as glândulas sebáceas já desapareceram e já não persiste inflamação. O que sugere que as glândulas sebáceas só podem ser regeneradas quando ainda não sofreram destruição completa. O quadro clínico, a descamação, a alopecia e a qualidade da pelagem melhoram ao fim de 4 meses sem qualquer tratamento tópico adicional. Após este período a frequência de administração pode ser reduzida. A ciclosporina pode também ser adjuvante na melhoria clínica através da indução da anagénese, ou crescimento piloso (8). Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 15 ADENITE SEBÁCEA EM CÃES Os resultados preliminares de um estudo ainda não publicado demonstram que a recuperação clínica é acelerada por determinado tratamento tópico. Curiosamente, o tratamento tópico intenso (como o descrito anteriormente) parece ser capaz de induzir resultados clínicos similares ao tratamento sistémico com ciclosporina. Uma vez que é necessário o tratamento a longo termo, é importante garantir que o protocolo terapêutico não seja demasiado exigente, ao ponto de haver escasso cumprimento (como pode ser o caso dos donos defrontados com o protocolo de tratamento tópico descrito) e garantir que não provoque efeitos secundários graves, como no caso de tratamentos por longos períodos de tempo com doses altas de glucocorticóides. Figura 8. Microfotografia ilustrando um infiltrado inflamatório denso na glândula sebácea (linfócitos, macrófagos, neutrófilos). (Ampliação de 400x) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Dunstan RW, Hargis AM. The diagnosis of sebaceous adenitis in Standard Poodle dogs. In: Bonagura JD, ed. Kirk’s Current Veterinary Therapy XII. Philadelphia, WB Saunders Co 1995, pp. 619–622. 2. Scott DW, Miller WH Jr, Griffin CE. Sebaceous adenitis. In Small Animal Dermatology. Mueller and Kirk´s Small Animal Dermatology. 6th ed. Philadelphia, WB Saunders Co, 2001, pp. 738–742. 3. 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Desde 1969 até à data presente, o Dr. Swaim progrediu de Investigador Associado para Professor Jubilado do Colégio de Medicina Veterinária de Auburn. Obteve nomeação conjunta com o Departamento de Ciências Clínicas e o Centro de Investigação Scott-Ritchey. O seu trabalho recente incidiu em neurologia e neurocirurgia. Desde 1975 até à data actual, o trabalho de investigação do Dr. Swaim tem sido dedicado à abordagem de feridas em pequenos animais. Introdução À semelhança de todas as áreas da medicina e da cirurgia, a abordagem das feridas tem assistido nos últimos anos, a avanços quer na ciência, como na arte dos cuidados de feridas. Estes avanços passam pelas terapêuticas, materiais e métodos que são utilizados no tratamento e na reconstrução de tecidos lesados. Quando considerada do ponto de vista da medicina comparativa, alguns dos avanços aplicam-se à abordagem de feridas tanto nos animais como nos humanos. Não será possível abranger todos os avanços no maneio de feridas; assim, o presente artigo apresenta alguns dos mais significativos aspectos nesta área. O Dr. Bohling licenciou-se na Universidade da Califórnia, Davis e trabalhou em prática alimentar animal (vacas e aves) até 1992, quando começou a exercer clínica privada de pequenos animais. Realizou um internato em medicina e cirurgia de pequenos animais em 1999. Em 2001, o Dr. Mark Bohling iniciou a sua residência em cirurgia de pequenos animais na Universidade de Auburn, onde se tornou estagiário do Dr. Swaim. Desde 2005 está na faculdade da Universidade do Tennessee na secção de cirurgia de pequenos animais. Os interesses clínicos e de investigação do Dr. Bohling são a cirurgia reconstrutiva e o tratamento de feridas, particularmente na espécie felina. Terapêuticas Ao longo do tempo, tem havido o instinto de colocar substâncias em feridas com o objectivo de melhorar a sua cicatrização. Recentemente, tem-se assistido ao reaparecimento da utilização e da compreensão dos mecanismos de acção de alguns antigos substitutos de tópicos vulnerários, sendo estes a aplicação de açúcar e de mel nas feridas (1). Têm sido desenvolvidas outras terapêuticas para aumentar o processo de cicatrização em animais e pessoas. Estes incluem um composto de tripeptídeo de cobre; acemanano, um derivado do açúcar manose; um polissacarídeo D-glucose; produtos derivados de plaquetas e quitosano, uma substância derivada do exosqueleto de crustáceos (1) (Tabela 1). Açúcar e mel O açúcar tem uma grande osmolalidade e afecta a cicatrização ao reduzir o edema, atrair os macrófagos, acelerar a formação da crosta necrótica, fornecer energia Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 17 às células e promover o tecido de granulação saudável. O mel tem acção semelhante no tratamento de feridas, com actividade antimicrobiana proveniente do peróxido de hidrogénio. As propriedades hidrofílicas destes 2 compostos justificam a monitorização reservada dos níveis de hidratação, electrólitos e de proteína quando utilizados em feridas de grandes dimensões (1). Complexo de tripeptídeo de cobre Um complexo de tripeptídeo de cobre parece estimular a neurovascularização, epitelização, deposição de colagénio e contracção de feridas. Investigações de tipo caso-controlo demonstraram o aumento da cicatrização de feridas abertas em cães e feridas isquémicas abertas em ratos (1,2). Acemanano Um derivado do açúcar manose, o acemanano, parece actuar como factor de crescimento na estimulação dos Tabela 1. Selecção de estimulantes de cicatrização de feridas (1) Ingrediente Açúcar Nome da marca Acção Osmolalidade, redução do edema, atracção de macrófagos, crosta necrótica, energia celular, promoção do tecido de granulação Redução de edema, atracção de macrófagos, crosta necrótica, energia celular, promoção do tecido de granulação Mel Complexo tripeptídeo de cobre Iamin Neovascularização, epitelização, deposição de colagénio, contracção Acemanano CarraVet, Carrasorb Estimulação de macrófagos, proliferação de fibroblastos, Neovascularização, epitelização, deposição de colagénio MaltodextrinaPolissacarídeo D-glucose Intracell Atracção de células polimorfonucleares, linfócitos e macrófagos, energia celular, hidrofílica, crosta necrótica Epitelização, neovascularização, contracção Produtos de plaquetas Quitina Ultrasan 18 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Melhoria da função celular inflamatória, aumento dos factores de crescimento, incremento dos fibroblastos, aumento do tecido de granulação macrófagos para produzir a interleucina 1 (IL-1) e o factor de necrose tumoral (TNF-α ) (1). O resultado é a maior proliferação fibroblástica, o aumento da neovascularização, o incremento do crescimento epidérmico e a melhoria da deposição de colagénio. (3) Um estudo caso-controlo demonstrou que as feridas em almofadas plantares tratadas com acemanano eram significativamente menores ao fim de 7 dias do que as feridas tratadas com antibioterapia tripla ou as feridas sem qualquer tratamento (1). Maltodextrina - Polissacarídeo D-glucose A maltodextrina é um polissacarídeo D-glucose com ácido ascórbico. Está disponível sob a forma de pó hidrofílico e gel, que funciona como quimiotáctico para as células polimorfonucleares, linfócitos e macrófagos, as quais aumentam o nível de factores de crescimento necessários na cicatrização (1,3). Pode também fornecer energia às células para promover a cicatrização (3). Esta terapêutica tem sido responsabilizada por atenuar o tecido necrótico, penetrar nas irregularidades das feridas, não ser tóxico, não apresentar absorção sistémica e ser eficaz em feridas infectadas e não infectadas (1). A investigação de um autor (SFS) demonstrou que se algo tem efeito na cicatrização, tem o seu efeito mais pronunciado nos primeiros 7 dias de utilização. Fazendo uso deste facto, os autores utilizaram um regime alternado durante 7 dias de três das terapêuticas acima descritas (acemanano, polissacarídeo D-glucose e complexo tripeptídeo de cobre) no tratamento de feridas difíceis, ex: feridas profundas e extensas, feridas extensas com exposição de osso e feridas crónicas. O tratamento inicia-se com uma forma congelada e desidratada de acemanano, seguida de tratamento com polissacarídeo D-glucose e depois o complexo tripeptídeo de cobre. Caso o tratamento se extenda para além de 21 dias, os últimos 2 são utilizados em padrão de alternância durante 7 dias. Quando utilizado numa ferida crónica, é imperativo que a causa da não cicatrização seja determinada e resolvida antes da utilização de estimulantes da cicatrização de feridas. Empiricamente, o regime teve tendência para manter a cicatrização das feridas a progredir rapidamente. A questão surge no que respeita ao hipotético efeito produzido por 1) utilização de ambas as terapêuticas e 2) combinação de outras terapêuticas (uso alternado ou simultâneo). Constituindo, deste modo, potenciais projectos para investigação futura. Produtos de plaquetas Os produtos derivados de plaquetas apresentam AVANÇOS NA ABORDAGEM DE FERIDAS EM PEQUENOS ANIMAIS potencial na cicatrização de feridas devido ao elevado número de factores de crescimento existentes em elevadas concentrações nas plaquetas activadas. A aplicação tópica de produtos derivados de plaquetas em feridas não cicatrizantes em pessoas, conseguiu aumentar a epitelização, contracção e neovascularização. A aplicação experimental em feridas de equinos de um gel plasma homólogo rico em plaquetas produziu efeitos semelhantes (1). É possível que as terapêuticas derivadas de plaquetas sejam igualmente eficazes em cães e gatos. Existe uma relação fisiológica de proteases, de inibidores das proteases, de factores de crescimento e de citoquinas presentes a cada fase da cicatrização. Os glóbulos brancos, juntamente com as suas enzimas, permanecem na ferida sem serem absorvidos e podem realizar a sua Tabela 2. Selecção de tipos de pensos (1,2) Penso Teor de exsudado para utilização Quitosano Espuma de poliuretano (MRD)* Moderado a elevado O quitosano é um polissacarídeo que contém a glucosamina como um ingrediente activo. É derivado da quitina, extraído do exosqueleto de crustáceos. Quando aplicado em feridas, aumenta a função celular inflamatória, fornece diversos factores de crescimento e estimula os fibrobalastos. O resultado é a promoção de tecido de granulação e aceleração da cicatrização, tal como verificado num grupo experimental de cães (1,4). Absorvente; pode administrar-se medicamento se préhumidificado; não adesivo; pode ser utilizado na cicatrização inicial e final; estimula o desbridamento autolítico, tecido de granulação e epitélio Película de poliuretano (MRD)* Nenhum a muito reduzido Não absorvente; não adesivo; utilizado em cicatrização final; estimula o epitélio Hidrocolóides (MRD)* Reduzido a moderado Absorção limitada; estimula o desbridamento autolítico, angiogénese, síntese de colagénio, epitélio; aderência perilesional Hidrogéis (MRD)* Nenhum a moderado Podem fornecer (feridas secas) ou absorver fluidos (feridas com drenagem baixa a moderada); estimula o desbridamento autolítico, tecido de granulação e epitélio Colagénio hidrolisado de bovino Moderado a elevado Hidrofílico; estimula o epitélio; pode ajudar a limpar o interior da ferida com antibióticos sistémicos Pensos de matriz extracelular Reduzido Quimiotáctico para células de reparação; antibacteriano; promove o tecido de granulação; substituído por tecido sítio-específico Pensos antimicrobianos biguanida de polihexametileno Moderado Antibacteriano; os organismos não desenvolvem resistência Materiais Esta secção será dedicada a alguns dos avanços experimentados nos materiais de penso de feridas (Tabela 2). De um modo geral, a filosofia de «ocultar para curar» (do inglês, «conceal and it will heal») já não é, de todo, aplicável. Os materiais de penso actualmente disponíveis interagem com os tecidos das feridas para aumentar a sua cicatrização. Serão descritos três pensos/ materiais/ técnicas – pensos de retenção de humidade, pensos de colagénio e pensos de matriz extracelular. Pensos de retenção de humidade O processo cicatricial é melhorado quando a humidade é retida por um penso numa ferida. O mecanismo está relacionado com a taxa de transmissão de vapor de água (MVTR – moisture vapor transmission rate). Concluiu -se que quando a MVRT é baixa, i.e. quando há retenção de humidade, existe uma forte correlação com uma evolução positiva da cicatrização da ferida, estando as outras variáveis constantes. As taxas de infecção tendem igualmente a ser menores com uma MVRT menor (5). Assim, os pensos de retenção de humidade (MRD – moisture retention dressings) estão indicados na abordagem de feridas abertas. Iões de prata Alguns dos motivos pelos quais os MRD apresentam um efeito positivo no processo cicatricial devem-se ao facto de induzirem proliferação e função celular nas fases de inflamação e de reparação, as quais são melhoradas por um ambiente húmido. Acção Amplo espectro de actividade antimicrobiana, incluindo alguns fungos *Pensos de retenção de humidade Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 19 função de desbridamento autolítico. A oclusão da ferida fornece uma barreira contra as bactérias exógenas, previne a dissecação tecidular e permite uma melhor concentração na ferida de antibiótico administrado por via sistémica. A baixa tensão de oxigénio num penso oclusivo diminui o pH, detém o crescimento bacteriano, favorece a síntese de colagénio e a neovascularização. Os pensos de retenção de humidade não aderem à superfície da ferida, e assim não são dolorosos na remoção. Adicionalmente, graças à sua natureza impermeável, previnem a entrada de urina e doutros fluidos (5). Uma potencial desvantagem dos MRD é o facto de o excesso de retenção de humidade poder resultar na agressão dos tecidos perilesionais sob a forma de maceração (amolecimento da pele) e escoriação (lesão cutânea devido ao excesso de enzimas proteolíticas no fluido lesional) (5). Alguns MRD incluem espumas e películas ou filmes de poliuretano, hidrocolóides e hidrogéis. Cada um tem propriedades conducentes à melhoria do processo cicatricial. As espumas de poliuretano são altamente absorventes e foram desenvolvidas para feridas com níveis moderados a elevados de exsudado, prevenindo assim, a maceração e a escoriação (6). Absorvem o excesso de fluido, enquanto mantêm um ambiente húmido. A sua propriedade absortiva pode ser utilizada para absorção de medicamentos líquidos a serem administrados directamente na ferida (5). Estes pensos têm a vantagem de poderem ser utilizados tanto na fase inicial (inflamação) como na fase final (reparação ou epitelização) da cicatrização. Não aderem à ferida e promovem a formação de tecido de granulação saudável. As películas de poliuretano são finas, semi-oclusivas flexíveis e não absorventes. Como tal, estão indicadas para feridas com pouco ou nenhum exsudado, ou seja, feridas na fase de reparação do processo cicatricial para promover a epitelização. Deve ter-se o cuidado de verificar se não há acumulação de fluidos passíveis de causar danos na pele perilesional. Uma desvantagem deste tipo de pensos é que o crescimento do pêlo interfere na aderência do perímetro do penso (5,6). Uma forma comum de penso colóide é um filme ou película feita de uma combinação de componentes absorventes e elastómeros. Estes interagem com os fluidos da ferida para formar um gel adesivo que confere um 20 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 ambiente húmido à ferida. Estão indicados em feridas com teor baixo a moderado de exsudado. Os hidrocolóides estimulam o desbridamento autolítico durante a fase inflamatória da cicatrização e promovem a angiogénese, síntese de colagénio e a epitelização na fase de reparação (5,6). Aquando da remoção do penso de hidrocolóide surge um gel amarelo purulento que se forma sobre a ferida e cuja aparência e odor fazem recear uma infecção. Contudo, quando este é removido, surge o tecido saudável subjacente (1,5). Embora os hidrocolóides sejam inicialmente recomendados para a fase de reparação, num estudo com cães comprovou-se de certa forma que a porção do penso aderente à pele perilesional pode retardar a contracção da ferida. Assim, a sua utilização na fase final da cicatrização deve ser feita com cuidado (5). Os hidrogéis são géis de água ou à base de glicerina que podem absorver o fluido da ferida enquanto fornecem água para rehidratar os tecidos. São benéficos no tratamento de escaras e tecidos desidratados com formação de crosta. Nas feridas necróticas, promovem desbridamento autolítico, tecido de granulação e epitelização. A utilização primária dos hidrogéis é nas feridas com teor baixo a moderado de drenagem, por exemplo, nas feridas nas fases finais de cicatrização (1,5). Estudos com canídeos demonstraram que os hidrogéis melhoram a contracção de feridas nos membros, mas atrasam a contracção das feridas no tronco (5). Pensos de colagénio O colagénio é um componente normal da fase de reparação do processo de cicatrização. No entanto, a colocação de colagénio exógeno sob a forma de películas, pós e géis é utilizada no tratamento de feridas. Um estudo sobre cicatrização em cães avaliou os efeitos de um penso de colagénio bovino hidrolisado, sob forma de pó, em feridas abertas (7). As feridas tratadas com o colagénio apresentaram significativamente mais epitelização ao fim de 7 dias do que as feridas de controlo. Este facto foi atribuído à natureza hidrofílica do colagénio captando fluidos que atravessam a ferida e assim a mantêm limpa e fornecem um ambiente húmido. Tendo isto em conta, este tipo de tratamento pode ser benéfico nos tratamentos iniciais de feridas contaminadas ou infectadas para captar os fluidos antibióticos ao longo da ferida quando o animal está a receber antibioterapia sistémica. Pensos de matriz extracelular Os pensos de matriz extracelular (ECM – extracellular matrix dressings) são pensos estéreis biodegradáveis e acelulares derivados da matriz da submucosa do intes- ©Cook Biotech, Inc. Photos courtesy of Smiths Medical PM, Inc. SurgiVet®, exclusive worldwide distributor of Vet BioSISt™. AVANÇOS NA ABORDAGEM DE FERIDAS EM PEQUENOS ANIMAIS Figura 1. Micrografia electrónica de varrimento do esqueleto duma matriz extracelular dum penso de cicatrização derivado de submucosa intestinal suína. tino delgado (Figura 1), ou da bexiga de suínos (1,5). Estes pensos fornecem proteínas estruturais, factores de crescimento, citoquinas e seus inibidores em proporções fisiológicas numa ultraestrutura tridimensional. Este esqueleto actua como uma estrutura indutora de tecido de substituição (8). À medida que o esqueleto dos pensos ECM é destruído pelas células mononucleares, os produtos de degradação são quimiotácticos para as células de reparação; estimulam a angiogénese e possuem propriedades antibacterianas (5). O resultado final é o desenvolvimento de tecidos sítio-específicos (8) (ou seja, tecidos que se encontram do mesmo modo como foram colocados), com a maioria das células endoteliais e fibroblastos a surgirem da medula óssea dos animais, i.e. células estaminais (9). A utilização de pensos ECM requere algumas técnicas especiais. A superfície da ferida deve ser cuidadosamente desbridada. Deve estar limpa de medicamentos tópicos, agentes de limpeza e exsudado. Os pensos EMC podem ser fenestrados para permitirem alguma drenagem. Coloca-se um penso de retenção de humidade (MRD) não-adesivo ou absortivo sobre o penso ECM, seguido da aplicação secundária e terciária de camadas de gaze. Quando os pensos são removidos, ao fim de 3-4 dias, o penso ECM é deixado no local com o seu centro em degradação sobre a ferida e é colocada uma outra porção sobre este, seguida da colocação externa de gaze. Após 2 a 3 aplicações deste modo o penso ECM é descontinuado (o tecido sítio-específico já foi estabelecido) e o tratamento da ferida continua com o penso apropriado (1,5). Pensos antimicrobianos Os pensos que contêm agentes antimicrobianos estão cada vez mais a ser utilizados e avaliados na Medicina Veterinária. Dois destes pensos são o polihexametileno biguanida (PHMB – polyhexamethylene biguanide) e os pensos de iões de prata. O polihexametileno biguanida Figura 2. Existem disponíveis várias combinações sofisticadas de pensos para o tratamento de feridas abertas. Exemplificação da composição de um penso que consiste numa almofada de espuma de poliuretano com impregnação de prata e revestimento de alginato de cálcio. A combinação de diversos pensos como este permite abranger as necessidades da ferida num só produto. é um agente da mesma família da clorhexidina que destabiliza as membranas citoplasmáticas das bactérias. Os organismos não conseguem desenvolver resistência a estes químicos. Um estudo in vitro avançou que pensos impregnados com PHMB diminuíram ou eliminaram a proliferação de bactérias patogénicas, isoladas de cães e gatos num hospital veterinário universitário, quer no interior como por baixo do penso impregnado (5). Os autores têm tido sucesso no tratamento de feridas infectadas com pensos primários ou secundários de PHMB. Os iões de prata estão a ser utilizados no tratamento de feridas infectadas (10). Apresentam um espectro de actividade antimicrobiana muito amplo incluindo alguns organismos fúngicos. Os pensos libertadores de prata estão disponíveis sob a forma de gazes, rolos de gaze, adesivos fracos, hidrocolóides, hidrogéis e alginatos (Figura 2) (5). Métodos À semelhança do que aconteceu com os medicamentos e os materiais, existiram também desenvolvimentos nos métodos utilizados para tratar e reconstruir as feridas dos animais. A informação que se segue é relativa a quatro destes métodos – uso de omento para melhorar a cicatrização, técnicas para transpor pele, técnicas para esticar a pele e oclusão assistida por vácuo. Devido ao limite de espaço não é possível entrar em detalhe quanto ao aspecto técnico destes procedimentos; assim, apresenta-se um sumário de cada. Flaps de omento Os flaps de omento podem ser utilizados para contribuir para a drenagem e circulação, cobrir defeitos de tecidos moles, incrementar a cicatrização, controlar as Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 21 Estes flaps são especialmente úteis para feridas nos membros distais e nas patas. Contudo, têm 3 principais desvantagens. São consumíveis com o tempo, requerem cirurgia microvascular especializada e requerem instrumentos específicos (13). Expansão de pele Figura 3. Flap de padrão axial na zona toracodorsal para oclusão de uma ferida grande no antebraço. Após uma semana de pós-operatório a cicatrização decorreu sem incidentes. aderências e combater as infecções. Estimulam a formação de tecido de granulação e permitem antecipar a oclusão da ferida com enxertos ou flaps de pele. Estes flaps são especialmente úteis para feridas crónicas não cicatrizantes nas zonas do tórax, do abdómen, inguinal e axilar (11). Depois de expor o omento e criar um flap de omento, ele é transposto por via subcutânea para o local da ferida. A técnica de oclusão da ferida mais apropriada (oclusão directa, enxerto, flap) é utilizada em combinação com este flap para a oclusão. Transposição de pele A oclusão cirúrgica de feridas envolve sempre, de algum modo, a transposição de pele. O que implica mover pele local, ou utilizar enxertos ou flaps de pele. Os flaps de pele têm a vantagem de permanecerem com suporte sanguíneo através de um pedículo durante todo o tempo de cicatrização. Duas técnicas que têm sido benéficas na transposição de grandes quantidades de pele como flaps têm sido a utilização de flaps de padrão axial e a cirurgia microvascular, que fornece um suporte vascular à pele transposta. Os flaps de padrão axial são flaps de pele que possuem uma artéria e veia cutâneas directas e ao longo do comprimento do flap de modo a assegurar o suporte sanguíneo duma porção extensa de pele, enquanto cicatriza uma ferida (Figura 3). Existem inúmeros flaps de padrão axial e as referências e indicações destes flaps têm sido bem descritas na literatura (12). A cirurgia reconstrutiva microvascular requere a colheita do(s) tecido(s) autogéneo(s) com um pedículo vascular persistente de um local dador. É transferido para um leito receptor e a circulação é restabelecida por anastomose microvascular da artéria e veia dadoras para a artéria e veia da área receptora. Assim, é criado um flap microvascular livre. 22 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Os cães e os gatos apresentam a vantagem de possuírem pele abundante nas porções superiores do corpo. É extremamente benéfico na oclusão de feridas grandes no tronco. No entanto, há situações em que existe grande escassez de pele no tronco e existem grandes feridas nos membros, onde aqui a pele é mais escassa. Têm sido desenvolvidas técnicas através das quais a pele pode ser expandida para fechar estas feridas. As bandas de expansão podem ser usadas para expandir pele em volta de uma ferida, de modo a poder fechá-la. São fixadas almofadas de pele autoadesivas com VelcroTM na pele em volta da ferida. Num dos lados da ferida anexam-se correntes de ligação elásticas que se conectam ao VelcroTM e são estiradas até se ligarem às almofadas de pele do outro lado da ferida. Estas correntes são ajustadas a cada 6 a 8 horas durante 24 a 96 horas até ter sido recrutada pele suficiente para a oclusão da ferida. Estas são geralmente utilizadas para feridas no pescoço e no tronco (11,12). Outra técnica para o estiramento da pele no pescoço e tronco é a utilização de suturas «andantes». Suturas absorvíveis são colocadas sob a pele em cada lado da ferida de modo a que gradualmente avance/«ande» com a pele sobre a ferida (11,12,13). Esta técnica estica a pele e fecha a ferida no mesmo período de tempo. Duas técnicas para expandir a pele no membro distal são as pré-suturas e a sutura contínua de colchoeiro, ou em ‘U’, horizontal ajustável. São colocadas suturas de tipo Lambert na pele em volta da ferida, com pré-suturas, de modo a que atravessem a ferida. Os nós são feitos sob tensão e deixados durante 12-24 horas. Depois da pele esticar, a pele expandida é utilizada para fechar a ferida (12,13,14). A sutura de colchoeiro ou ‘U’ horizontal ajustável (Figura 4) é uma sutura contínua intradérmica com mono-filamento que percorre todo o comprimento da ferida. Em cada extremidade coloca-se um dispositivo composto por um botão de coser e um pequeno chumbo de pesca. A cada intervalo de 24 horas aumenta-se a tensão nas extremidades da sutura para aproximar os bordos da ferida. Após a aplicação da tensão, esta é suportada pelos pequenos chumbos de pesca contra os botões (11,13,14). AVANÇOS NA ABORDAGEM DE FERIDAS EM PEQUENOS ANIMAIS A oclusão assistida por vácuo tem recebido considerável atenção na abordagem de feridas em humanos, estando também a ser utilizada na Medicina Veterinária (15). É utilizada em feridas agudas traumáticas, feridas crónicas não cicatrizantes, úlceras de pressão, feridas com avulsão de pele (degloving), enxertos de pele, flaps de pele, abdómens abertos, feridas complexas perineais e ginecológicas, fístulas enterocutâneas e defeitos do crânio (15). Neste tratamento é criado um sistema fechado sobre a ferida com um tubo ligado a um aparelho de vácuo. Aplica-se sucção contínua ou intermitente sobre a ferida (16). Este tipo de tratamento promove a formação do tecido de granulação e neovascularização com aumento do fluxo sanguíneo. Remove, também, o excesso de fluido e o edema, e reduz a contagem bacteriana. As forças micromecânicas aplicadas na ferida podem ser um factor igualmente importante na indução da proliferação celular e na cicatrização da ferida (17). No futuro A área da abordagem das feridas e da cirurgia reconstrutiva continuará, indubitavelmente, a avançar quer na Medicina Humana, quer na Medicina Veterinária. À medida que as investigações na engenharia de tecidos e na medicina celular aumentam, encontrarão aplicação no tratamento de feridas. Continuarão a existir estudos de natureza de medicina comparativa, com descobertas em animais que beneficiarão tanto os animais como os ©(Scardino MS, Swaim SF, Henderson RA, et al.. Enhancing wound closure on the limbs. Comp Cont Educ Pract Vet 1996; 18: 919-933) Veterinary Learning Systems, Yardley, Pennsylvania. Oclusão assistida por vácuo Figura 4. Pode utilizar-se uma sutura de colchoeiro ou em ‘U’ horizontal ajustável para reduzir mais rapidamente a área de ferida aberta e assim acelerar a oclusão final por cicatrização de segunda intenção. humanos. Um dos autores (SFS) tem estado envolvido neste tipo de estudos, focando-se numa proteína vasodilatadora recombinante encontrada na saliva da mosca preta que se demonstrou promissora por causar vasodilatação local e assim melhorar a cicatrização de feridas (18). Noutro estudo realizado, investigaram os efeitos da redução da pressão de partículas de gel de silicone subdérmicas no alívio da pressão palmar/plantar (19). Respectivamente, estes estudos podem ser aplicados no tratamento de feridas crónicas em animais e em pessoas (por exemplo, úlceras diabéticas em humanos), (18) e na prevenção de calosidades digitais dolorosas em galgos, bem como na prevenção de calosidades plantares e úlceras em diabéticos humanos (19). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Krahwinkel DJ, Boothe HW. 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Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 23 Utilização da serologia em dermatologia canina e felina Princípio das técnicas serológicas São utilizadas inúmeras técnicas (Tabela 1, Figura 1). Os principais testes feitos em clínica são baseados no ensaio imuno-enzimático em fase sólida (ELISA) e imunocromatografia (IC) (Figura 2), e as técnicas de laboratório baseiam-se no ensaio de imunofluorescência indirecta (IFA), ELISA e aglutinação (látex ou GV, glóbulos vermelhos) (Figura 3). Pascal Prélaud, DVM, ECVD, DESVD Podem ser detectados diferentes isotipos de imunoglobulinas, dependendo da técnica ou anti-soro utilizado. O Dr. Prélaud licenciou-se na Escola Veterinária Nacional de As IgM são normalmente detectadas na técnica IFA, Toulouse. Fundou e geriu um laboratório de patologia clínica utilizando um anti-IgM-FITC, e em todos os casos de em Paris durante 20 anos (CERI). Exerce a sua prática numa aglutinação por látex. As IgG são detectadas pela clínica de referência (dermatologia), desde 1987, em Paris maioria das técnicas. Para a detecção de IgE, as técnicas e em Nantes e é agora associado duma nova clínica mais sensíveis são utilizadas com ELISA ou com o veterinária de referência, em Paris. O Dr. Pascal Prélaud é sistema biotina-avidina. O ensaio radio-imunoabsorvente presidente honorário do Grupo Francês de Dermatologia (RIA) e a bioluminescência não são utilizados na prática (GEDAC). A maioria do seu trabalho é dedicada às doenças veterinária para serologia, mas principalmente, para imunológicas, otologia e dermatologia felina. É membro do doseamentos hormonais. Clínica Veterinária de Referência, Paris, França grupo de trabalho internacional sobre dermatite atópica canina. O Dr. Prélaud é autor de inúmeros artigos e livros em dermatologia canina e felina. A serologia baseia-se na utilização de anticorpos para detectar anticorpos circulantes (imunoglobulinas) ou antigénios. Amplamente utilizado no diagnóstico de doenças infecciosas é, actualmente, substituído com frequência pela detecção de ADN e ARN de agentes infecciosos através de técnicas de biologia molecular, como a reacção em cadeia de polimerase (PCR, rt-PCR). Contudo, a detecção de anticorpos pode ter algumas vantagens face às técnicas de PCR, e muitas avaliações diagnósticas recorrem às técnicas serológicas especialmente para o diagnóstico de doenças imunomediadas. 24 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Figura 1. São comercializados inúmeros kits de diagnóstico serológico de doenças infecciosas para utilização em clínica e em laboratório. Tabela 1. Técnicas serológicas Técnica Vantagens Limitações Exemplo Imunofluorescência indirecta (IFA) Simples, vários antigénios, adaptabilidade a diferentes espécies Variações entre laboratórios, não adaptável a trabalho de grande escala Leishmaniose, ANA*, toxoplasmose, erlichiose, anaplasmose, neosporose, borreliose Ensaio imuno-enzimático em fase sólida (ELISA) Pode ser desenvolvido como kit comercial ou de uso em clínica Limitado a alguns antigénios FeLV, FIV, leishmaniose, erlichiose, dirofilariose, Sarcoptes scabiei Imunocromatografia Simples Ausência de controlo positivo, não adaptado a amostragem múltipla FeLV, FIV, leishmaniose, erlichiose, dirofilariose Aglutinação látex Simples Leitura por vezes difícil Criptococose, factores reumatóides, brucelose Electrosinerese Especificidade Laboratório especializado Aspergilose *Anticorpo anti-nuclear Interpretação A presença de anticorpos circulantes indica exposição prévia a um antigénio. Não é um marcador de doença sistemático. A imunização pode ser observada em cães e gatos saudáveis e a serologia não apresenta um bom valor diagnóstico se não existir uma clara diferença entre a população saudável e a população doente (ex: toxoplasmose, borreliose, neosporose). Quando existe uma sobreposição entre ambas as populações, é necessário definir um limiar de positividade, o qual consiste num compromisso entre a sensibilidade e a especificidade (i.e. leishmaniose, IgE alergo-específica). Se existe uma notória diferença entre ambas as populações, a serologia é uma ferramenta diagnóstica muito eficaz (ex: criptococose, aspergilose, anticorpos antinucleares, sarna sarcóptica). Os resultados falsosnegativos podem ser observados na sequência de um tratamento de corticosteróides a longo prazo. PCR, cultura ou serologia? Actualmente, existem três formas de diagnosticar uma doença infecciosa: - isolamento directo: citologia, histologia, cultura; - isolamento do ADN ou ARN por técnicas de PCR ou rt-PCR; - isolamento de anticorpos específicos: serologia. Quando o isolamento directo é fácil (fungos, bactérias, maioria dos parasitas) não é útil a utilização de técnicas como a serologia ou PCR. No entanto, se o isolamento for difícil, estas técnicas são primordiais. As técnicas de PCR são muito sensíveis se utilizada a sonda correcta. Contudo, esta elevadíssima sensibilidade pode limitar a interpretação quando a presença de determinado agente infeccioso não é patológica (i.e. leishmaniose numa área endémica). A técnica de PCR requer um laboratório especializado e os seus custos são maiores do que a Positiva Figura 3. Aglutinação látex de Cryptococcus positiva. Negativa Figura 2. Teste positivo com utilização da técnica de imunocromatografia (leishmaniose). Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 25 Tabela 2. Indicações para PCR e serologia em dermatologia canina e felina Exame directo ou cultura PCR + + + + +/+ - + + + + + Ectoparasitas Fungo Bactéria Micobactéria Rickettsia Protozoário Vírus burgdorferi (IFA) não apresentam valor diagnóstico na dermatologia. Quando há suspeita de manifestação cutânea desta doença deve utilizar-se a técnica PCR. Serologia Malassezia -* - ** + + - * Excepto para a sarna sarcóptica. ** Excepto para a criptococose. maioria dos testes serológicos. É por este motivo que os testes serológicos constituem as principais técnicas para diagnosticar muitas doenças na dermatologia canina e felina (Tabela 2). Doenças infecciosas e fúngicas Têm sido estudadas em cães com dermatite atópica ou com dermatite por Malassezia recorrente, as IgG e IgE específicas para Malassezia. Estes cães apresentam níveis superiores de anticorpos para Malassezia, quando comparados com uma população de cães saudáveis. Foram desenvolvidas diferentes técnicas ELISA utilizando extractos alergénicos de Malassezia pachydermatis. No entanto, as técnicas serológicas não parecem ser tão fidedignas como os testes intradérmicos (1). Para além disto, as indicações para este tipo de ensaio ainda não são muito claras, na medida em que a imunoterapia da Malassezia, com base nos tais testes, ainda não foi estudada. Os testes intradérmicos com extracto imperfeito podem constituir uma abordagem mais simples e segura para a identificação de cães com forte reacção alérgica a estas leveduras. Viral Foram desenvolvidos inúmeros kits de utilização em clínica e no laboratório para o diagnóstico de infecções retrovirais no gato. Estes baseiam-se em técnicas ELISA ou imunocromatografia para a detecção de anticorpos circulantes (FIV) e antigénios (antigénio p27 do FeLV). As suas especificidade e sensibilidade são muito altas. Podem ser utilizados para diagnosticar infecção retroviral associada a uma dermatite infecciosa. Contudo, quando se suspeita de uma dermatite viral, as técnicas de PCR aplicadas a biopsias cutâneas são mais exactas para as infecções retrovirais e outras infecções virais, incluindo a calicivirose e herpesvirose felinas, o papilomavírus, a esgana e a parvovirose caninas. Erlichia, Anaplasma Raramente a serologia é utilizada na Europa para a infecção por Rickettsia, excepto nos casos de suspeita de imunodeficiência adquirida (ex: celulite bacteriana generalizada, demodecose generalizada adulta). As técnicas IFA são as técnicas mais exactas desenvolvidas para o diagnóstico de formas crónicas da doença. Os kits de ELISA desenvolvidos para a serologia de Erlichia canis são suficientemente sensíveis para serem utilizados em áreas endémicas, onde a reinfestação está frequentemente associada a uma elevada resposta de anticorpos. Bartonella, Borellia Apesar de terem sido desenvolvidas técnicas de diagnóstico para infecção por Bartonella sp. e Borellia 26 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Dermatofitose Mesmo que as técnicas serológicas tenham sido desenvolvidas para o diagnóstico de infecção por dermatófitos, esta abordagem não é nem eficiente (falta de sensibilidade, seropositividade persistente), nem recomendada (2,3). Um diagnóstico definitivo de dermatofitose é conseguido através de cultura fúngica, pois constitui a única forma de identificar os dermatófitos prejudiciais. Micose profunda e subcutânea Podem ser utilizados diversos testes serológicos no diagnóstico de micoses subcutâneas e sistémicas (ex: detecção antigénica para Crytococcus sp.) (Tabela 3). Contudo, o diagnóstico definitivo destas micoses em dermatologia é melhor conseguido por citologia, histopatologia e cultura (laboratório especializado em micologia) e, nalguns casos, por técnicas de imunohistoquímica ou de PCR. Nos casos de criptococose e aspergilose sistémicas, as técnicas serológicas semiquantitativas podem ajudar a monitorizar animais tratados (ex: diminuição de títulos) (Figura 4). Protozoários Leishmaniose A Leishmaniose é uma causa frequente de doença cutânea na área Mediterrânica e a serologia é a técnica mais amplamente utilizada para a obtenção dum diagnóstico definitivo. A maioria dos laboratórios utiliza UTILIZAÇÃO DA SEROLOGIA EM DERMATOLOGIA CANINA E FELINA Tabela 3. Testes serológicos utilizados no diagnóstico de micoses Sensibilidade Especificidade Micose Teste serológico Aspergilose Electrosinerese (soro) baixa elevada TC – tomografia computorizada Criptococose elevada elevada Citologia, histopatologia, cultura PCR para C.neorformans Esporotricose Aglutinação látex (soro, CSF – fluido cerebroespinhal, urina) - Blastomicose ELISA (Ag ou Ac) elevada baixa Citologia, histopatologia, imunohistoquímica, cultura Histoplasmose Aglutinação látex baixa baixa Citologia, histopatologia, imunohistoquímica, cultura, PCR Coccidioidomicose Imunoprecipitação baixa baixa Citologia, histopatologia, cultura Pitiose ELISA elevada elevada Citologia, histopatologia, cultura, PCR Lagenidiose ELISA baixa baixa Citologia, histopatologia, cultura, PCR Melhores métodos diagnósticos Citologia, histopatologia, cultura clínicos forem amplamente sugestivos, pode ser realizada a serologia para confirmar o diagnóstico; noutros casos, podem ser realizadas as biopsias cutâneas de modo a encurtar o diagnóstico diferencial (Figuras 5 e 6). A elevada sensibilidade da técnica PCR é interessante para estudos epidemiológicos, mas é demasiado elevada para ser utilizada como primeira escolha no diagnóstico de leishmaniose clínica. Os resultados falsos-positivos são raros com a serologia, uma vez que não há reacções cruzadas com outros organismos. A serologia negativa pode ser observada quando os organismos são facilmente isolados, como na forma papular e nodular da doença. Neosporose Figura 4. Electrosinerese positiva de uma serologia de Aspergillus fumigatus. Notar os múltiplos arcos. técnicas IFA, ou ELISA, fornecendo resultados semiquantitativos. Os kits para realização na clínica baseiam-se em ELISA e em IC, detectando títulos elevados de anticorpos. Assim, um resultado negativo neste tipo de testes num animal que apresenta sinais compatíveis com leishmaniose deve ser sempre verificado por técnica laboratorial. Os sinais clínicos de leishmaniose são variados e a serologia pode ser positiva em cães duma zona endémica, sem leishmaniose clínica. É por este motivo que, se os sinais A serologia da neosporose no cão pode ser conseguida através de técnicas IFA (VMRD) ou técnicas ELISA adaptadas (proveniente de kits de bovino). Estas técnicas são extremamente sensíveis e específicas. No entanto, a interpretação não pode ser realizada fora do contexto clínico, na medida em que inúmeros cães saudáveis podem ser seropositivos (10 a 20% na maioria dos países Europeus). A forma cutânea da neosporose é diagnosticada na sequência do isolamento de taquizoítos nas biopsias de pele ou na aspiração por agulha fina. A diferenciação dos taquizoítos de Toxoplasma gondii pode ser conseguida através da imuno-histoquímica ou PCR em biopsias cutâneas. Toxoplasmose Os sinais cutâneos de toxoplasmose podem dever-se Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 27 Ectoparasitas Sarna sarcóptica Figura 5. Leishmaniose num Yorkshire Terrier: o diagnóstico diferencial inclui, no mínimo, linfoma epiteliotrófico, dermatofitose, leishmaniose e demodecose. directamente à infecção da pele (dermatite nodular) ou a infecção secundária (úlceras causadas por vasculite, acessos parciais mimetizando o prurido). A serologia é útil, na medida em que um resultado negativo apresenta um elevado valor preditivo negativo. Contudo, os elevados níveis de IgG não apresentam valor diagnóstico. O diagnóstico de toxoplasmose pode ser conseguido através de serologia IgM positiva e/ ou isolamento do organismo (citologia, histopatologia, PCR). A sarna sarcóptica é uma das principais causas de prurido severo e, por vezes, de prurido moderado a crónico. A serologia pode constituir uma alternativa diagnóstica útil, uma vez que é difícil o isolamento do organismo. As técnicas serodiagnósticas para a sarna sarcóptica foram desenvolvidas para suínos na Suécia, onde a doença é endémica. A adaptação deste teste serológico à espécie canina conduziu à comercialização de um kit ELISA. As suas sensibilidade (85%) e especificidade (90%) são elevadas quando se comparam cães saudáveis com cães acometidos com sarna sarcóptica (4). Porém, na prática, este teste é utilizado em casos de prurido crónico como diagnóstico de exclusão de sarna sarcóptica (Figura 7). Estes cães são, frequentemente, tratados com corticóides e diversas terapêuticas acaricidas. Nestes cães, a eficácia desta técnica é desconhecida e observam-se frequentemente resultados na zona cinzenta. No entanto, mesmo após um longo período com corticoterapia, a serologia é ainda positiva quando há bastantes parasitas. Doenças imunológicas Doenças cutâneas auto-imunes Anticorpos antinucleares Os anticorpos antinucleares são observados em níveis Lesões moderadamente sugestivas Lesões bastante sugestivas Biopsias cutâneas (citologia) Serologia Não sugestivo Sugestivo Positiva Negativo ou zona cinzenta Isolamento do organismo PCR Pele, linfonodo, medula óssea Negativa Positiva LEISHMANIOSE Figura 6. O papel da serologia e PCR no diagnóstico de leishmaniose cutânea no cão. 28 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Figura 7. Sarna sarcóptica. Caso não se consigam isolar os parasitas, a serologia para Sarcoptes scabiei pode ajudar a definir um diagnóstico de sarna sarcóptica. UTILIZAÇÃO DA SEROLOGIA EM DERMATOLOGIA CANINA E FELINA elevados em 97 a 100% dos casos de lúpus sistémico, e este teste constitui o pilar fundamental da doença (5). Observam-se, na maioria dos casos severos, títulos elevados que diminuem durante o tratamento. Estes anticorpos apresentam diferentes especificidades antigénicas (Tabela 4) conduzindo a diversas vertentes da imunofluorescência. Os anti-ADN são raros e os anti-Sm e anti-tipo 1 são extremamente sugestivos de lúpus sistémico. A principal técnica serológica utilizada é a IFA que utiliza o fígado de rato ou células Hep 2 como substrato (Figura 8). De um modo geral, os títulos superiores a 1/160 são considerados como elevados. O diagnóstico de lúpus sistémico baseia-se na observação de, pelo menos, 4 critérios diagnósticos (Tabela 5), uma vez que os anticorpos antinucleares podem ser observados noutras doenças com estimulação policlonal do sistema imunitário (i.e. leishmaniose, dirofilariose), ou nalguns cães saudáveis (Pastor Alemão). Tabela 4. Especificidade de anticorpos anti-nucleares observada no lúpus sistémico canino (5) 100% <3% 66% 40% 16% 8% 20% 9% 4% 0% Anticorpos anti-nucleares totais Anti-ADN Anti-histonas Anti-ANE* Anti- Sm Anti-RNP Anti-tipo 1 Anti-tipo 2 Anti-SSA Anti-SSB Outros anticorpos anti-nucleares 6% 18% Anti-HMG 1 Anti- HMG 2 *ANE: antigénios nucleares extraíveis. (ENA: extractible nuclear antigens). Anticorpos anti-desmogleína Os auto-anticorpos envolvidos no desenvolvimento de pênfigus foliáceo (anti-desmogleína 1) e pênfigus vulgar (anti-desmogleína 3), podem ser utilizados como ferramenta diagnóstica. Têm sido desenvolvidas várias técnicas, desde IFA em pele e esófago até ELISA altamente específica. No entanto, estas técnicas estão consagradas aos princípios da investigação laboratorial e a sensibilidade desta abordagem é fraca até à data. Endocrinopatia auto-imune A detecção de anticorpos anti-tiroxina e tiroglobulina pode ser interessante no diagnóstico de tireoidite autoimune, uma vez que se trata da principal causa de hipotiroidismo no cão. Muitas técnicas são baseadas em ELISA ou hemaglutinação e são específicas do cão. Estes testes podem ajudar a classificar o hipotiroidismo, mas não são úteis na prática clínica. Não podem ser considerados no diagnóstico precoce de hipotiroidismo. A principal indicação deste tipo de serologia é a observação de grandes discrepâncias entre a tiroxinemia e os sinais clínicos: níveis elevados de T4 livre (FT4) com sintomas de hipotiroidismo. Estas discrepâncias podem ser devidas a anticorpos anti-T4 quando se usa uma técnica competitiva. Os anticorpos anti-T4 do paciente bloqueiam os anticorpos marcados conduzindo a um resultado que revela um nível elevado de FT4. Nestes casos, a dosagem de FT4 deve ser controlada com uma técnica de equilíbrio de diálise. Doenças cutâneas alérgicas É vastamente utilizada a dosagem de IgE alergo- Figura 8. IFA positiva para anticorpos anti-nucleares em fígado de rato (cão com lúpus eritematoso sistémico). específica, mais comumente designada por teste alérgico in vitro. Contudo, as suas indicações e limites reais são, com frequência, desconhecidos e os laboratórios comerciais prometem, frequentemente, um desempenho diagnóstico nem sempre realista. Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 29 Tabela 5. Critérios AAR* adaptados ao diagnóstico do lúpus canino (5) Definição Critérios Eritema Localizada na pele exposta à luz (face) Lúpus cutâneo Despigmentação, eritema, úlceras (face, nariz, lábios, pálpebras) Fotosensibilidade Agravamento das lesões após exposição solar Úlceras bucais Boca e faringe Artrite 2 ou mais articulações sem deformação Inflamação grave Efusão pleural e pericárdica estéril Sinais renais a) proteinúria >0.5g/L ou b) cilindrúria ou hematúria microscópica ou hemoglobinúria Sinais do sistema nervoso central a) convulsões ou b) alterações comportamentais Sinais hematológicos a) anemia hemolítica com reticulose ou b) leucopenia (<3,000/mm3) ou c) linfopenia (<1,000/mm3) ou d) trombocitopenia (<100,000/mm3) Sinais imunológicos a) anticorpos anti-histona ou b) anticorpos anti-Sm ou anti-tipo 1 ou c) linfopenia CD8+ Anticorpos anti-nucleares Títulos IFA elevados *Associação Americana de Reumatologia (American Rhematoide Association). A única indicação do teste alérgico em dermatologia é a selecção de alergénios para imunoterapia aero-alergoespecífica no cão (6). Não apresenta valor diagnóstico para outros alergénios (alimentar (7,8)), não permite o diagnóstico de doença alérgica e não tem valor diagnóstico no gato nem no cavalo. Os níveis de IgE felinos são, de facto, idênticos em gatos saudáveis e em gatos com doenças cutâneas alérgicas em todas as técnicas utilizadas (anti-IgE policlonal, anti-IgE monoclonal ou Fcε rI) (9,10). Na prática, o diagnóstico das doenças cutâneas alérgicas é baseado em critérios epidemiológicos e clínicos, e não no resultado de testes alérgicos (Tabela 6) (11). Por exemplo, a observação de prurido e lesões dorso-lombares é mais eficiente para o diagnóstico de hipersensibilidade à picada da pulga do que qualquer teste alérgico! anti-IgE é habitualmente discutida, apesar de não ser o principal critério de qualidade duma dosagem de IgE. Na realidade, a sensibilidade e especificidade analíticas da técnica não apresentam correlação com a sensibilidade e especificidade diagnósticas. Por exemplo, a IgE monoclonal ou a Fcε rI recombinante humana (hα Fcε rI) são reactivas com baixa afinidade (22). Dado que a ligação com a IgE é fraca, é necessário recorrer a um maior tempo de incubação ou a uma menor diluição do soro. Estes procedimentos podem aumentar o risco de ligação inespecífica e de menor especificidade da técnica. Por estes motivos, em termos práticos, um policlonal pode ser tão eficaz como um reactivo monoclonal ou FcεrI. A qualidade da técnica depende do modo como estes reactivos são utilizados. Limites técnicos Anti-IgE canina As técnicas de Ig baseiam-se no mesmo princípio e utilizam um soro anti-IgE canino (Figura 9) com elevada sensibilidade técnica (i.e. avidina-biotina), uma vez que a concentração de IgE é muito baixa, em comparação com outros isotipos. A especificidade da 30 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 As principais dificuldades na determinação de IgE alergo-específicas são: a qualidade dos extractos alergénicos, a necessidade de controlos para cada alergénio e a definição de um limiar de positividade para cada alergénio. De facto, muitos laboratórios utilizam um controlo negativo (conjunto de soros provenientes UTILIZAÇÃO DA SEROLOGIA EM DERMATOLOGIA CANINA E FELINA Tabela 6. Principais critérios de diagnóstico da dermatite atópica 1. Idade de instalação entre os 6 meses e os 3 anos 2. Prurido sensível a esteróides 3. Otite externa bilateral 4. Eritema perioral ou queilite 5. Pododermatite anterior bilateral de cães saudáveis ou de cães atópicos com testes cutâneos negativos) e um controlo positivo até 3 alergénios. No entanto, a fixação de IgE é extremamente variável, dependendo de cada alergénio. Esta é a razão pela qual, é possível a interpretação para os aeroalergénios comuns para os quais se utiliza controlo positivo, mas não para os outros. Os níveis de IgE aero-alergoespecífica são superiores em cães atópicos, mas existe uma grande diferença entre a população saudável e a população atópica. Se o limiar de positividade é demasiado baixo, a técnica é demasiado sensível e o valor preditivo do teste é fraco. Se o limiar é elevado o suficiente para limitar resultados falsospositivos, o valor preditivo positivo do resultado é correcto, mas na maioria dos casos, a sensibilidade é baixa (70 a 40%, dependendo dos alergénios). Figura 9. Os reactivos anti-IgE utilizados nas técnicas in vitro não são o fundamental da qualidade da dosagem. Conclusão À semelhança de qualquer outro teste laboratorial, os testes serológicos devem ser utilizados quando existe suspeita de uma doença específica. A interpretação será sempre difícil quando a serologia é utilizada como teste de rastreio avaliado fora do contexto clínico e das informações epidemiológicas. A serologia não deve ser abandonada em preferência das técnicas PCR, uma vez que as duas são complementares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Farver K, Morris DO, Shofer F, et al. Humoral measurement of type-1 hypersensitivity reactions to a commercial Malassezia allergen. Vet Derm 2005; 16: 261-268. 2. Peano A, Rambozzi L, Gallo MG. Development of an enzyme-linked immunosorbant assay (ELISA) for the serodiagnosis of canine dermatophytosis caused by Microsporum canis. Vet Derm 2005; 16: 102-107. 3. Zrimsek P, Drobnic Kosorok M. Diagnostic value of ELISA tests for the detection of specific antibodies in cats and rabbits with dermatophytosis. Food Techn Biotechn 2002; 40: 171-175. 4. Lower KS, Medleau LM, Hnilica K, et al. 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Tim Nuttal, BSc, BVSc, CertVD, PhD, CBiol, MIBiol, MRCVS Hospital Universitário de Pequenos Animais, Universidade de Liverpool, Leahurst, Cheshire, RU O Dr. Tim Nuttal licenciou-se na Universidade de Bristol, em 1992. Após três anos a exercer clínica geral, integrou a Universidade de Edimburgo, onde obteve o seu RCVs CertVD e um doutoramento em dermatite atópica. O Dr. Nuttal integrou a Universidade de Liverpool, em 2001, e é Orador Sénior em Dermatologia Veterinária. A clínica de dermatologia na Universidade de Liverpool tem um programa de investigação activo na dermatite atópica e nas infecções microbianas. A dermatite atópica (DA) é uma doença multifactorial que envolve alergias, defeitos da barreira cutânea, infecções microbianas e outros factores predisponentes. Obtêm-se melhores resultados se for utilizada mais do que uma abordagem terapêutica. No entanto, o tratamento deve ser especificamente adaptado aos problemas clínicos individuais, temperamento, possibilidades económicas, etc. Os donos devem ser informados de que o tratamento é, provavelmente, para toda a vida do animal, sendo importante confirmar o diagnóstico (consultar em baixo). Foram recentemente aceites duas teorias para o tratamento a longo prazo: 1. O tratamento deve manter um animal em remissão e não deve ser utilizado de modo intermitente para o controlo das recidivas. As recidivas que afectam a qualidade de vida, necessitam de uma terapêutica 32 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Diagnóstico da dermatite atópica - Anamnese – dermatite responsiva a esteróides, de carácter recidivante e crónico. A maioria dos casos inicia-se entre os 6 meses e os 3 anos de idade. - Sinais clínicos – prurido e eritema difuso que afecta as orelhas, focinho, olhos, superfícies flexoras, extremidades podais e parte ventral do corpo. São comuns as infecções recorrentes bacterianas e por Malassezia. As lesões crónicas incluem alopecia, liquenificação e hiperpigmentação. - Exclusão de ectoparasitas através de pêlos depilados, fitas adesivas, raspagens cutâneas, ensaio terapêutico e/ou serologia de Sarcoptes scabiei. - Ausência de resposta durante um ensaio alimentar de 6 semanas, com uma dieta comercial ou caseira com selecção duma proteína nova para o animal ou com uma dieta hidrolisada hipoalergénica. - Os testes alérgicos não são necessários para o diagnóstico. Na verdade, cerca de 10 a 20% dos cães atópicos apresentam resultados negativos para os testes intradérmicos e serológicos. O que foi recentemente designado por dermatite tipo-atópica. Factores predisponentes Ectoparasitas A DA é habitualmente complicada por pulgas e Neotrombicula. Os cães atópicos podem também infectar-se por Sarcoptes. A demodecose pode estar associada a imunossupressão, particularmente no hiperadrenocorticismo iatrogénico. Infecções microbianas As infecções secundárias devem ser identificadas e tratadas com prontidão. A terapia tópica pode reduzir as populações microbianas e as recidivas de infecções. A imunossupressão pode resultar em infecções, mas o controlo da inflamação geralmente reduz a colonização e infecção por Malassezia e estafilococos. Contudo, os cães mais susceptíveis ao pioderma, podem beneficiar duma terapêutica antibiótica intermitente a longo prazo. Stress O stress pode exacerbar as dermatites inflamatórias humanas, e o mesmo pode ser verdade para os animais. Existem evidências que indicam que a terapêutica comportamental e as feromonas possam ser adjuvantes. Efeitos ambientais As doenças de pele podem ser pioradas por temperaturas e humidades excessivas, superfícies irritantes e soluções de limpeza, etc. Os donos mais atentos comentam, com frequência, estas associações. Melhorar a barreira cutânea A dieta e a pele Muitos animais atópicos melhoram de modo inespecífico após os ensaios alimentares. Provavelmente, devido às dietas utilizadas que apresentam elevada qualidade, são enriquecidas em ácidos gordos essenciais (AGE) e possuem uma única fonte proteica. Como é o caso das dietas de controlo de sensibilidades e das dietas hidrolisadas hipoalergénicas, afectando assim a barreira cutânea e/ ou o sistema imunitário cutâneo. Os nutrientes que se consideram mais importantes são: • Zinco – diminui a inflamação; • Ácidos gordos essenciais de cadeia longa ómega 3 – alteram os eicosanóides e diminuem a inflamação; • Inositol, colina, histidina, ácido pantoténico, nicotinamida – melhoram a formação da barreira lipídica; • Aloé vera e curcumina – aumentam a regulação dos fibroblastos, a síntese dos proteoglicanos, a produção de TGF-β‚ e diminuem a inflamação. Na opinião do autor, a informação não publicada proveniente de estudos aleatórios cruzados demonstra que as dietas Eukanuba Dermatosis FP e Royal Canin Skin Support melhoram significativamente os sinais clínicos em cães atópicos. Terapêutica tópica O tratamento tópico apresenta inúmeras vantagens, apesar de requerer muito tempo. A remoção física dos alergénios é provavelmente adjuvante. A hidratação pode ser prolongada através da utilização de champôs e amaciadores humidificantes. Estes podem, igualmente, melhorar a barreira lipídica da pele. A aveia coloidal pode também exercer uma acção anti-prurítica directa. A gama Allermyl® da Virbac contém ácido linoleico (que melhora a barreira lipídica da pele), vitamina E e monooligossacarídeos (que podem reduzir a produção de TNF-α e prevenir a adesão microbiana) e piroctona olamina (que modula a flora da pele). Os quitosanos e os micro-esferulitos ajudam a prolongar a retenção e a actividade da pele e da pelagem. Outros produtos tópicos que podem ser adjuvantes em casos individuais incluem os produtos de limpeza auricular e os champôs antimicrobianos ou anti-descamação. O equilíbrio exacto dos efeitos desejados varia entre indivíduos, assim, é de prever a necessidade de experimentar diferentes produtos e/ ou alternar entre champôs antimicrobianos e emolientes. Ácidos gordos essenciais Inúmeros ensaios clínicos e estudos avaliaram os AGE ómega 3, em particular o ácido eicosapentaenóico (EPA) e o docosahexaenóico (DHA), e o AGE ómega 6 ácido gama-linolénico (GLA). A suplementação pode resultar em níveis plasmáticos alterados e incorporação nas membranas celulares, que por sua vez, pode conduzir à formação de menos leucotrienos e prostaglandinas inflamatórias e à melhoria da barreira lipídica cutânea. No entanto, estudos recentes não verificaram alterações consistentes no plasma, gordura subcutânea ou AGE cutâneos na sequência da suplementação em cães atópicos e saudáveis, não tendo também verificado nenhuma correlação com a resposta clínica (1-3). Os resultados clínicos têm sido variáveis em ensaios controlados e não se provou nenhuma relação entre a eficácia e o rácio AGE ómega 3/ ómega 6, embora as doses superiores pareçam ser mais eficazes. Estudos recentes demonstraram que as dietas de elevada qualidade, enriquecidas com AGE são benéficas na DA canina, apesar de ainda se desconhecer quanto deste efeito se deve à actividade anti-inflamatória e à melhoria da barreira cutânea (4). Terapêutica alergoespecífica A terapêutica alergoespecífica é apenas apropriada em animais com sensibilidades identificadas. O objectivo dos testes alérgicos não é a confirmação do diagnóstico, mas a identificação dos alergénios para os poder evitar e realizar a imunoterapia. Evitar os alergénios As medidas para evitar os alergénios podem resultar Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 33 numa redução significativa da exposição aos ácaros do pó das casas (5). Se o evitar dos alergénios resulta em melhoria clínica significativa ou não, é ainda controverso, embora um estudo não controlado tenha demonstrado que o evitar do alergénio se revelou benéfico na DA canina (6). Imunoterapia alergoespecífica (ASIT – allergen specific immunotherapy) A ASIT envolve a administração gradual de quantidades crescentes de alergénio por via subcutânea. O mecanismo de acção é desconhecido, mas crê-se que a administração de doses elevadas de alergénio através de uma via não habitual (i.e. subcutânea, em vez de O protocolo exacto varia muito, mas geralmente, implica administrações repetidas durante alguns dias até 1 a 2 semanas. Uma vez atingida a dose completa, o intervalo entre administrações pode ser alargado. Um protocolo rápido, em que a evolução inicial de indução é feita num único dia, demonstrou recentemente num pequeno grupo de cães, ser tão eficaz como a ASIT convencional (7). Relatórios recentes descrevem também o início com uma dose completa (tratamento mono-dose). Não foram observados efeitos secundários em nenhum dos casos, apesar dos cães terem sido pré-medicados com um anti-histamínico. As vacinas de precipitado de alumínio apresentam um efeito de depósito e requerem administração menos frequente. Os adjuvantes de alumínio potenciam as respostas da IgE em animais experimentais, mas não foram demonstradas em cães diferenças de eficácia entre as vacinas de precipitado de alumínio e as aquosas. Existem relatórios de eficácia melhorada com dose baixa de ASIT, mas um estudo controlado não encontrou contudo qualquer diferença na eficácia entre dose baixa e o precipitado de alumínio convencional de ASIT (8). Se a ASIT se revela bem sucedida, o intervalo entre as administrações pode ser alargado. O aumento do prurido antes da administração seguinte indica que o intervalo é demasiado longo. O intervalo deve igualmente variar ao longo do ano, especialmente em animais com sensibilidade ao pólen. Alguns cães podem ser afastados do tratamento, mas a maioria requer a manutenção das administrações a cada 1 a 2 meses. Figura 1. Um caso raro de angioedema na sequência de imunoterapia alergoespecífica num Boxer atópico. intra-dérmica) possa induzir tolerância. Vários estudos (se bem que na maioria abertos ou retrospectivos) demonstraram que 50 a 60% dos cães apresentam melhoria superior a 50% na sequência de ASIT. Os resultados mais favoráveis parecem ocorrer com o tratamento precoce, apesar de ser necessário um ensaio de 9 a 12 meses para avaliar a resposta em cada caso. Os animais que realizam ASIT requerem monitorização cuidada, de modo a controlar infecções microbianas e outros factores predisponentes, a receber tratamento anti-inflamatório sempre que necessário e ajustar a dose e/ou frequência de acordo com a resposta clínica (Figura 1). 34 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 A realização de um novo teste pode revelar novas sensibilidades em cães com testes iniciais negativos, cães com idade < a 12 meses no momento do teste original, se houve resposta fraca à ASIT ou se uma boa resposta não é mantida. Os efeitos adversos são raros. As reacções no local de injecção e o choque anafilático são extremamente raros, embora alguns dermatologistas aconselhem a administrar as primeiras 5 a 6 doses na clínica. O prurido após a administração indica que a dose é demasiado elevada, apesar de reacções moderadas poderem ser controladas através de anti-histamínicos. Terapêutica anti-inflamatória A terapêutica anti-inflamatória é utilizada quando há necessidade de controlar prurido residual e inflamação. Praticamente todos os atópicos requerem tratamento a ABORDAGEM DA DERMATITE ATÓPICA Figura 2a e 2b. Um Pastor Alemão severamente atópico antes (a) e depois (b) do tratamento com ciclosporina. a curto e médio prazo, mas a dose, frequência e/ ou potência dos medicamentos podem ser reduzidos, caso outros tratamentos sejam bem sucedidos a longo prazo. Ciclosporina A ciclosporina suprime as células T, que têm sido implicadas na patogénese da DA canina. Inibe, também, outras células fundamentais nas reacções inflamatórias alérgicas, como os mastócitos e os eosinófilos. O que resulta em efeitos profundos na apresentação antigénica, produção de IgE, actividade das células mononucleares e desenvolvimento de lesões inflamatórias. Apesar das doses utilizadas na DA canina, a ciclosporina é mais imunomoduladora do que propriamente imunossupressiva (Figura 2). A ciclosporina é rapidamente absorvida e distribuída. Nos cães, a sua biodisponibildade varia entre 15 a 60% para cada indivíduo e não é afectada pela ingestão de alimentos. Existe uma pequena correlação entre os níveis baixos e a eficácia, e os ajustamentos das dosagens são feitos mais de acordo com a resposta clínica do que através da monitorização dos níveis plasmáticos. O metabolismo processa-se via sistema citocromo P450. Várias drogas podem diminuir o metabolismo, nomeadamente, o itraconazol e o cetoconazol, os quais aumentam as concentrações plasmáticas, eficácia e probabilidade dos efeitos adversos (Figura 3). O fenobarbital aumenta o metabolismo e diminui os níveis plasmáticos. b A ciclosporina é administrada na DA canina numa dose de 5mg/kg SID. Os estudos controlados demonstram que é pelo menos tão eficaz como a prednisolona (9,10), embora possa demorar 2 a 3 semanas para ser visível. Podem ser inicialmente co-administrados glucocorticóides para atingir uma remissão mais rápida. Aproximadamente, um terço dos cães tratados requer dosagem diária, um terço em dias alternados, e um terço duas vezes por semana de modo a manter a remissão. Utilizar a ciclosporina integrada num programa de abordagem pode ser mais rentável do que considerá-la isoladamente. O efeito nos resultados dos testes intra-dérmicos e serológicos é considerado mínimo, apesar das informações disponíveis serem ainda escassas. Dados sugerem que a ciclosporina não afecta a resposta à ASIT mais do que qualquer outro glucocorticóide, embora ainda não tenham sido realizados estudos controlados. A ciclosporina é bem tolerada pela maioria dos cães. Os problemas mais frequentes são a anorexia transitória e o vómito. O vómito persistente é pouco comum, mas pode ser evitado através da administração do medicamento com alimento e/ ou administrando um protector gastrointestinal, como o sucralfato ou os agentes bloqueadores do receptores H2, como a ranitidina. Outros efeitos adversos menos frequentes Figura 3a e 3b. Efeitos adversos da ciclosporina: hirsutismo (a) e hiperplasia gengival (b). a b Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 35 b linfoma e neoplasias cutâneas. A dermatite linfoplasmocítica tem sido observada na sequência de doses >20mg/kg e existe apenas um registo de linfoma num cão mais idoso após o tratamento de furunculose anal. Estes não foram, no entanto, registados em cães atópicos (11). A inibição sobre a função das células T-helper e a activação das células-β‚ pode afectar a resposta à vacinação. Alguns autores defendem a suspensão do tratamento até 2 semanas antes e depois da vacinação, embora possa conduzir ao agravamento da condição cutânea. Os prós e os contras, para cada caso individualmente, devem ser discutidos com o dono. Tacrolimus a Figura 4a e 4b. Um West Highland White Terrier antes (a) e depois (b) do tratamento com Phytopica™. incluem hirsutismo, aumento da queda de pêlo e alopecia transitória, hiperplasia gengival, papilomatose, diarreia, claudicação e tremores musculares, bem como eritema e edema das orelhas. Estes efeitos são extremamente dependentes da dose e são reversíveis. A nefropatia, hepatopatologia e hipertensão observadas em humanos não têm sido registadas em cães, excepto com doses >20mg/kg. A imunossupressão é uma preocupação potencial. Em particular, a inibição da imunidade de mediação celular pode resultar em infecções de bactérias e protozoários, dermatofitose e demodecose. Contudo, na prática, o risco parece ser muito pequeno e a maioria dos cães atópicos sofrem menos infecções secundárias, do que seria de esperar, durante o tratamento. Os pacientes felinos e humanos em tratamento a longo prazo, apresentam um pequeno risco de desenvolverem 36 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 O tacrolimus tem um mecanismo de acção semelhante ao da ciclosporina. Em dois ensaios, a utilização de um unguento de tacrolimus a 0,1% conduziu a uma melhoria na ordem dos 50%, em 70-75% dos cães atópicos com lesões localizadas (12, 13). Os níveis plasmáticos permaneceram constantemente baixos e não se observaram efeitos adversos, senão o apenas ligeiro auto-trauma imediatamente após a aplicação. Phytopica™ A Phytopica™ consiste num composto derivado da Rehmannia glutinosa, Paeonia lactifora e Glycyrrhiza uralensis que quando utilizada num estudo preliminar, melhorou a DA canina (14). Num recente ensaio aleatório, duplo-cego e controlado por placebo com 120 cães, a aplicação de Phytopica™ (200mg/kg/dia) demonstrou ser um tratamento não-esteróide eficaz, seguro e palatável para a DA canina. Contudo, o efeito foi modesto, com a maioria dos cães a atingir uma melhoria de 20-50% dos sinais clínicos (15). As respostas são tipicamente visíveis ao fim de quatro semanas (Figura 4). Os efeitos adversos traduzem-se por distúrbios gastrointestinais auto-limitantes, como diarreia e vómito. ABORDAGEM DA DERMATITE ATÓPICA Representa um melhor perfil de segurança do que os que têm sido descritos com outras terapêuticas antiinflamatórias (16). Glucocorticóides Os corticosteróides, sintetizados no córtex da adrenal, possuem actividade glucocorticóide (anti-inflamatório e gluconeogénico) e mineralocorticóide (equilíbrio ácidobase e hídrico). Os glucocorticóides são, em simultâneo, as drogas mais utilizadas e mais abusadas na dermatologia veterinária. São económicos, fáceis de administrar e de elevada eficácia, mas estão associados a uma enorme abundância de efeitos colaterais (17,18). Em doses farmacológicas inibem a expressão de genes que codificam uma variedade de moléculas envolvidas na imunidade e na inflamação, resultando numa rápida e profunda imunossupressão e diminuição da inflamação. A maioria das doses citadas dizem respeito à prednisolona (Tabela 1); a dose para os outros esteróides é calculada de acordo com a sua potência relativa. Os esteróides variam, igualmente, na sua actividade mineralocorticóide e duração de actividade, mas essa supressão sobre o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HPA) pode permanecer mais tempo do que o efeito terapêutico. Apenas a prednisolona e a metilprednisolona são adequadas para tratamento a longo-prazo e em dias alternados, uma vez que a duração da sua actividade implica uma recuperação do eixo HPA de pelo menos 12 horas. A formulação tem também impacto: os ésteres solúveis (como os succinatos e os fosfatos) têm uma actuação e uma duração de acção rápidas; os acetatos possuem um tempo de actuação e duração moderados; os acetonidos e dipropionatos são preparações depósito de longa duração. Os glucocorticóides são extremamente eficazes na DA canina, mas devem ser utilizados com precaução e, idealmente, como último recurso. A exploração de abordagens alternativas permite minimizar a dose e a frequência necessárias. Porém, a DA sazonal que requer 3 a 4 meses de tratamento a cada ano, pode ser normalmente controlada com sucesso resultando em poucos problemas. Podem ser administrados como programas rápidos (0.5-1.0mg/kg SID durante 3-5dias) no tratamento de recidivas inflamatórias em cães bem controlados com outra terapêutica. O tratamento tópico direcciona os esteróides para a pele afectada e evita a necessidade de tratamento sistémico. Os glucocorticóides tópicos podem ser utilizados quando a inflamação se restringe a zonas de pele relativamente nuas, dermatites piotraumáticas (‘’hot-spots’’) ou nas orelhas e nos olhos. Podem ser utilizados produtos mais potentes contendo betametasona, etc. inicialmente uma ou duas vezes ao dia, mas a hidrocortisona é preferível a longo-prazo em dias alternados. O Fuciderm® (contém betametasona) é uma boa escolha, uma vez que a formulação em gel permite uma rápida penetração e secagem. A terapêutica sistémica é necessária no caso de lesões mais severas ou dispersas. É administrada prednisolona na dose 0.5-1.0mg/kg SID até à remissão dos sintomas. Pode depois ser reduzida para a mesma dose em dias alternados (dia sim, dia não) e depois reduzir a dose em 50% a cada 7 a 14 dias decorridos, até estabelecer a dose mínima de manutenção; ou retirar gradualmente as doses dos dias alternados até estabelecer a dose mínima. As únicas drogas adequadas para tratamento a longo prazo são a prednisolona e a metilprednisolona, porém a Tabela 1. Potências relativas dos agentes glucocorticóides de utilização frequente Esteróide Dose relativa à prednisolona Efeito mineralocorticóide relativo à prednisolona Actividade (horas) Tratamento em alternância de dias Prednisolona 1 1 12-36 Sim Metilprednisolona 0.8 Mínimo 12-36 Sim Hidrocortisona 4 1.25 8-12 Não Cortisona 5 1 8-12 Não Triamcinolona 0.8 Nenhum 24-48 Não Dexametasona 0.13 Nenhum 36-72 Não Betametasona 0.13 Nenhum 36-72 Não Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 37 triamcinolona, betametasona e dexametasona podem ser utilizadas para conseguir a remissão em casos severos. As preparações injectáveis não devem ser utilizadas, excepto se absolutamente necessárias, uma vez que não podem ser retiradas, a dose não pode ser alterada, nem o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HPA) pode recuperar. Os glucocorticóides suprimem as reacções dos testes alergénicos intra-dérmicos, embora o efeito na serologia se acredite ser menos marcado. Actualmente, recomenda-se que sejam retirados antes do teste alérgico os glucocorticóides tópicos até pelo menos duas semanas, os glucocorticóides orais de acção rápida até no mínimo três semanas e os glucocorticóides injectáveis de longa duração até seis semanas no mínimo. Os cães com tratamento a longo prazo ou com hiperadrenocorticismo iatrogénico podem requerer tempos de suspensão superiores (Figura 5). Os glucocorticóides são frequentemente administrados com o intuito de controlar a inflamação durante a fase de indução da imunoterapia. O que não parece afectar a taxa de resposta, embora não hajam estudos controlados. Os efeitos adversos resultam da actividade glucocorticóide e mineralocorticóide, bem como da supressão do eixo HPA e da produção endógena de esteróides. Os efeitos colaterais mais frequentes incluem poliúria e polidipsia. O risco do desenvolvimento destes problemas pode ser reduzido através da metilprednisolona, que apresenta actividade mineralocorticóide muito menor. Outros efeitos secundários agudos incluem polifagia e aumento de peso (o qual pode ser controlado através duma dieta hipocalórica), polipneia e alterações comportamentais (incluindo apatia e, raramente, agressão). O estabelecimento de hiperadrenocorticismo a iatrogénico depende da dose e da duração, mas há uma enorme variação de tolerância entre indivíduos. A imunossupressão e as infecções secundárias são muito comuns no tratamento a longo prazo. A inibição da imunidade por mediação celular pode resultar em demodecose, dermatofitose e infecções por organismos intracelulares. A imunossupressão e as alterações na função da barreira cutânea resultam frequentemente em pioderma superficial. A produção de urina diluída é um factor que contribui para a cistite. Algumas destas infecções podem ser clinicamente inaparentes, uma vez que o tratamento com esteróides pode mascarar alguma da inflamação associada e sinais clínicos característicos, como prurido ou disúria. Sendo que a imunidade humoral é menos afectada, os animais podem desenvolver títulos adequados de anticorpos na sequência da vacinação. Por esta razão, o tratamento a curto prazo pode ser utilizado para controlar os sinais clínicos, caso a ciclosporina tenha de ser suspendida devido à vacinação de rotina. Aceponato de hidrocortisona O aceponato de hidrocortisona é um novo glucocorticóide diéster tópico para o tratamento de prurido em cães. Os glucocorticóides diésteres ultrapassam muitos dos efeitos adversos tradicionalmente associados ao tratamento com glucocorticóides sistémicos ou tópicos. São rapidamente absorvidos e exercem efeitos anti-inflamatórios potentes na epiderme e na derme superficial. O metabolismo da derme garante, contudo, que muito pouco composto activo atinja os tecidos mais profundos e a circulação, minimizando o adelgaçamento da pele e os efeitos sistémicos. A formulação tópica facilita cada vez mais a administração tópica. O volume reduzido da dose, o tamanho muito pequeno da gota e o b Figura 5a e 5b. Hiperadrenocorticismo iatrogénico na sequência de prednisolona sistémica (a) e betametasona tópica (b). 38 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 ABORDAGEM DA DERMATITE ATÓPICA veículo volátil ajudam a garantir a aplicação rápida e fácil, a penetração mesmo na pele com pêlos e secagem rápida com efeitos secundários cutâneos mínimos. O spray está formulado de modo a que dois sprays a 10cm de distância penetrem a pelagem e exerçam efeito terapêutico numa área de 10 x 10cm (i.e. área de pele do tamanho de um palmo). Estudo precoces (não publicados) demonstraram boa eficácia e segurança no tratamento a curto prazo de várias afecções pruríticas no cão, incluindo dermatite piotraumática e dermatite alérgica à picada da pulga. Um estudo piloto aberto e as evidências preliminares dum estudo aleatório, duplo-cego, controlado por placebo descobriram que Cortavance® foi eficaz e bem tolerado no controlo da DA canina. Um cão sofreu reacção de contacto, mas não se notaram efeitos adversos. Uma administração diária foi suficiente para induzir remissão, após a qual, uma proporção de cães pode ser mantido em tratamento em dias alternados. Contudo, a administração duas vezes por semana resultou em recidiva, na maioria dos cães. Anti-histamínicos Uma revisão alargada de ensaios clínicos (16) concluiu que não existe mais do que a evidência duma eficácia média para os anti-histamínicos de primeira-geração clemastina e uma combinação de clorfeniramina e hidroxizina, e a droga de segunda-geração (não sedativa) oxatomida. Pode, no entanto, existir alguma actividade sinérgica com os AGE e os glucocorticóides. Os efeitos adversos das drogas de primeira-geração são pouco frequentes e estão, geralmente, relacionados com sonolência. Os efeitos adversos das drogas de segundageração são mais frequentes e incluem distúrbios do tracto gastrointestinal e arritmias cardíacas. Outras opções terapêuticas Os inibidores da fosfosdiesterase melhoram a circulação sanguínea e a oxigenação periféricas e são imunomoduladoras. Há clara evidência da eficácia média da pentoxifilina (10mg/kg, BID ou TID) e eficácia média a alta da arofilina (1mg/kg BID) (16). A arofilina causou vómito frequente, mas não foram registados nenhuns efeitos secundários com a pentoxifilina. O misoprostol é uma prostaglandina E1 análoga que inibe a activação dos basófilos, mastócitos e eosinófilos, contornando a fase tardia das reacções inflamatórias. Dois estudos forneceram evidência de eficácia média na DA canina a 6-10µg/kg TID (16). O misoprostol foi bem tolerado com apenas sinais gastrointestinais menores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Mueller RS, Fettman MJ, Richardson K, et al. The effect of omega-3 fatty acid supplementation on cutaneous and plasma fatty acid concentrations in dogs with atopic dermatitis. Am J Vet Res 2005; 66: 868-873. 10. Steffan J, Alexander D, Brovedani F, et al. Comparison of cyclosporine A with methyl-prednisolone for treatment of canine atopic dermatitis: a parallel, blinded, randomized controlled trial. Vet Derm 2003; 14: 1-9. 2. Taugbol O, Baddaky-Taugbol B, Saarem K. The fatty acid profile of subcutaneous fat and blood plasma in pruritic dogs and dogs without skin problems. Can J Vet Res 1998; 62: 275-278. 11. Santoro D, Marsella R, Hernandez J. Investigation on the association between atopic dermatitis and the development of mycosis fungoides in dogs: a retrospective case-control study. Vet Derm 2007; 18: 101-106. 3. Saevik BK, Thoresen SI, Taugbol O. Fatty acid composition of serum lipids in atopic and healthy dogs. Res Vet Sci 2002; 73: 153-158. 12. Bensignor E, Olivry T. Treatment of localized lesions of canine atopic dermatitis with tacrolimus ointment: a blinded, randomized, controlled trial. Vet Derm 2005; 16: 52-60. 4. Taugbol BB, Vroom MW, Nordberg L, et al. A randomized, double-blinded, placebo-controlled multicenter study on the efficacy of a diet with high levels of eicosapentaenoic acid and gamma-linolenic acid in the control of canine atopic dermatitis. Vet Derm 2004; 15: 11-12. 5. Raffan E, Lawrence H, Henderson T, et al. 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In: Muller and Kirk's Small Animal Dermatology. Philadelphia, WB Saunders 2001, pp. 543-666. Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 39 PONTO DE VISTA ROYAL CANIN Nutrição, saúde da pele e qualidade da pelagem Fabienne Dethioux, DVM, MRCVS Centro de Investigação Royal Canin, Aimargues, França A Drª Fabienne Dethioux licenciou-se em 1983 na Universidade de Liège na Bélgica. Em 1984 iniciou a sua própria clínica veterinária na Bretanha onde exerceu durante 12 anos. Em 1996, a Drª Fabienne Dethioux partiu para a Inglaterra onde se tornou Directora Clínica de uma Associação de clínicos. Trabalhou depois como consultora independente enquanto se ocupava das emergências num hospital veterinário próximo de Windsor. Desde 1991, trabalhou como jornalista para diversos jornais veterinários Franceses e Ingleses e traduziu muitos artigos, livros e CD-Roms. Em 2003, integrou a equipa de comunicação científica da Royal Canin. O seu principal tema de interesse é a Dermatologia. Introdução A pelagem dum animal é o verdadeiro reflexo do equilíbio alimentar e do seu estado de saúde: quaisquer deficiências ou excessos terão, mais tarde ou mais cedo, consequências na aparência da pelagem. De facto, ouvimos muitas vezes as pessoas comentar: ‘pode dizer-se que é um cão saudável pela sua bela pelagem’, como resultado da sabedoria popular que faz o elo directo entre o estado geral de saúde do animal e o aspecto da sua pelagem. Qualquer que seja o critério para avaliar a beleza do pêlo (brilho, suavidade, 40 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 flexibilidade, oleosidade, etc.), a nutrição ajuda a manter as suas qualidades naturais, que são parte da herança genética do animal. Para além de fornecer de modo fisiológico as necessidades nutricionais relacionadas com o metabolismo cutâneo, a nutrição ajuda também a melhorar as defesas cutâneas contra as agressões externas e a restringir quaisquer processos inflamatórios, em determinadas patologias. Manutenção das qualidades naturais da pelagem Actualmente, as deficiências nutricionais estão raramente relacionadas com dermatoses. Esta é uma das vantagens da generalização de alimentos para animais produzidos de modo comercial e nutricionalmente equilibrados. Contudo, um desequilíbrio alimentar relacionado com a qualidade insuficiente dos ingredientes utilizados pode ainda, por vezes, ser responsável por determinadas deficiências em aminoácidos essenciais ou ácidos gordos essenciais. Crescimento do pêlo Função da proteína Cada pêlo, individualmente, é composto por cerca de 90% de proteínas: uma deficiência em proteínas ou uma deficiência em determinados aminoácidos pode acelerar a perda de pêlo, retardar o crescimento e conduzir a pêlo frágil e pelagem baça. Tem sido alegado que os processos metabólicos responsáveis pela síntese das proteínas necessárias para o crescimento piloso e a renovação celular podem atingir os 30% das necessidades proteicas diárias de um cão adulto (1). As proteínas mais críticas são as que fornecem maior quantidade de aminoácidos sulfurados (metionina, cisteína) que são vitais para a síntese de pêlo, e a principal proteína da pele, a queratina. Estes aminoácidos são abundantes nas fontes proteicas de origem animal e, raramente, estão ausentes dos alimentos de cães e de gatos, com excepção dos Fenilalanina Tirosina É igualmente importante ter em atenção a qualidade da proteína: primeiro, devido ao seu valor biológico, que está relacionado com uma ingestão suficiente de aminoácidos essenciais, e depois, devido à sua digestibilidade, da qual o animal depende para os seus benefícos nutricionais actuais. Feomelanina Função dos oligoelementos Se forem adicionados numa forma orgânica (i.e. quelados com aminoácidos) a absorção de minerais é significativamente melhorada. Assim, no caso de uma refeição contendo excesso de cálcio, que inibe a absorção de zinco, aumentam as perdas de zinco pelas fezes. Contudo, se o zinco se encontra na sua forma quelada, a assimilação permanece inalterada (2). Tirosinase Dopaquinona Cobre Eumelanina Os gatos albinos sofrem duma deficiência de tirosinase, o que explica a falta de melanina. Figura 1. Métodos de síntese de melanina através da fenilalanina. © Encyclopedia of Canine Clinical Nutrition, Royal Canin. Os oligoelementos são substâncias que actuam em concentrações muito baixas no organismo. Os mais directamente relacionados com as sínteses cutâneas são: o ferro, o zinco, o cobre e o iodo. A quantidade de oligoelementos adicionada à alimentação não corresponde à quantidade verdadeiramente disponível para o corpo. A taxa de absorção dos oligoelementos, frequentemente abaixo de 30%, depende do ambiente alimentar, uma vez que ocorrem interações entre os diferentes elementos: por exemplo, a absorção de cálcio compete com a absorção de zinco, cobre e iodo. Dopa a Síntese dos pigmentos do pêlo A cor do pêlo é o resultado duma acumulação de pigmentos designados por melanina no córtex piloso. Estes pigmentos são produzidos pelos melanócitos, que se desenvolvem durante a vida do embrião. Estão presentes na epiderme e na base do pêlo, próximo da papila dérmica. Os melanócitos produzem dois tipos de pigmentos: - eumelanina, uma família de pigmentos cuja cor varia entre preto a castanho; - feomelanina, variando de amarelo a vermelho. A melanogénese envolve diferentes aminoácidos: a fenilalanina e a tirosina são precursores da melanina (Figura 1). A cisteína é necessária para a produção de feomelanina (3). Um aporte insuficiente de tirosina resulta na alteração da cor: um gato preto adquire reflexos vermelhos e os © Encyclopedia of Canine Clinical Nutrition, Royal Canin. alimentos vegetarianos não suplementados. O cão parece ser menos susceptível a estas deficiências do que o gato. b Figura 2a e 2b. Influência do nível de tirosina alimentar na intensidade da cor numa pelagem preta. a. Uma dieta que não contém quantidade suficiente de tirosina e/ou fenilalanina para garantir uma síntese óptima de melanina torna a cor do pêlo avermelhada em gatos de pelagem preta. b. Estes cães consumiram a mesma alimentação durante 6 meses, na qual apenas variaram os níveis de tirosina e de fenilalanina (Tyr+Phe). Da esquerda para a direita, o nível (Tyr+Phe) é equivalente a 3.2vezes, 2.6vezes e 1.9vezes as necessidades estimadas pela AAFCO para o crescimento. O impacto da dieta é visível; existe uma intensidade preta marcada no animal da esquerda, enquanto que no da direita, o pêlo que agora cresce na zona tosquiada, apresenta-se com uma coloração avermelhada. Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 41 PONTO DE VISTA ROYAL CANIN gatos ruivos tornam-se mais claros (4,5) (Figura 2a). O mesmo fenómeno é observado em cães (6) (Figura 2b). pelagem brilhante (8). Uma deficiência resulta em pele seca e uma pelagem oleosa ao toque. O cobre é um factor vital que contribui para a estimulação de tirosinase, a enzima chave na síntese da melanina. A cor da pelagem requere, deste modo, a presença de cobre em quantidades suficientes para se manifestar. Minimizar o conteúdo em gordura de um alimento, na tentativa de prevenir ou tratar a obesidade, não deve significar a privação do animal de ácidos gordos essenciais, os quais o organismo é incapaz de sintetizar. A sua acção é processa-se em três níveis: recuperam o equilíbrio da composição do filme lipídico superficial, minimizando deste modo a desidratação da pele, desempenham uma função estrutural nas membranas celulares e modelam a síntese de mediadores inflamatórios. Qualidade do sebo O brilho da pelagem de um animal está relacionado com a composição do sebo, sendo o sebo uma mistura variável de ceras e lípidos segregados pelas glândulas sebáceas. O sebo actua, também, na prevenção do emaranhamento dos pêlos, ao facilitar a eliminação das escamas e tornar os componentes do pêlo mais flexíveis e elásticos. Contribui, igualmente, para a barreira epidérmica. Função dos ácidos gordos essenciais © Encyclopedia of Canine Clinical Nutrition, Royal Canin. Os lípidos que integram a composição do sebo são específicos das raças e das espécies, mas a produção e a qualidade do sebo são influenciadas pela dieta (7). Determinados nutrientes ajudam a melhorar significativamente a beleza da pelagem do cão. Este é notavelmente o caso dos ácidos gordos polinsaturados (PUFA – polynsaturated fatty acids) da série ómega 6, que existem em abundância nos óleos vegetais, e dos quais é precursor o ácido linoleico (Figura 3). Estes ácidos gordos são fulcrais para a manutenção de uma pele elástica e para a eficácia das defesas contra as agressões externas. O ácido linoleico em sinergia com o zinco e o ácido gama-linolénico (GLA) promove uma O equilíbrio correcto de PUFAs é obtido através da combinação de gorduras animais (por exemplo, aves), óleos de peixe e óleos vegetais (borragem e soja). A sua vulnerabilidade para a oxidação obrigou os fabricantes a monitorizar cuidadosamenre as fontes de PUFAs e a sua resistência à oxidação, bem como a melhorar os níveis de vitamina E na dieta de modo a protegê-los da agressão natural causada pelos radicais livres. Função da vitamina A A vitamina A (ou retinol) é uma vitamina lipossolúvel, que ajuda a regular a produção de sebo, apresenta uma enorme influência na queratinização e reduz a produção de escamas. É adjuvante no combate à seborreia e na descamação cutânea que frequentemente se forma após o acto de coçar (prurido). Actua em sinergia com o zinco e os aminoácidos sulfurados. ÁCIDOS GORDOS ÓMEGA 6 ÁCIDOS GORDOS ÓMEGA 3 Ácido linoleico C18:2 (n-6) Ácido α-linolénico C18:3 (n-3) Ácido γ-linolénico C18:3 (n-6) Ácido eicosatetraenóico C20:4 (n-3) Ácido dihomo γ-linolénico C20:3 (n-6) Ácido eicopentaenóico (EPA) C20:5 (n-3) Ácido araquidónico C20:4 (n-6) Ácido docosahexaenóico (DHA) C22:6 (n-3) Figura 3. Síntese hepática de ácidos gordos de cadeia longa ómega 3 e ómega 6 a partir dos seus respectivos precursores. 42 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 NUTRIÇÃO, SAÚDE DA PELE E QUALIDADE DA PELAGEM 500microns 25microns Célula (queratinócito) Lípidos intercelulares As setas demonstram que para uma molécula de água escapar através da pele, o trajecto em volta das escamas é muito mais longo do que o trajecto directo, caso este existisse. © Encyclopedia of Canine Clinical Nutrition, Royal Canin. Epiderme exterior © P. Prélaud A barreira cutânea é composta por células sobrepostas contidas nas camadas lipídicas (ceramidas, ácidos gordos, colesterol), que inibe a perda excessiva de água e previne a entrada de agentes infecciosos e alergénios no organismo. Figura 5. A importância dos lípidos intercelulares para a função de barreira cutânea. Figura 4. Lesões escamosas formando placas aderentes num Coker Spaniel com dermatite responsiva à vitamina A. A dermatose responsiva à vitamina A é uma afecção rara observada exclusivamente no Cocker Spaniel (Figura 4). Os cães afectados apresentam uma pelagem baça, crostas espessas e cheiro nauseabundo. A pelagem apresenta-se oleosa, existe prurido e é frequente a otite externa. O exame histopatológico das amostras de biopsia revela hiperqueratose folicular exuberante. De um modo geral, esta afecção responde favoravelmente em poucas semanas a um tatamento por via oral contendo elevados níveis de vitamina A. Estudos recentes demonstram que em cães atópicos, a barreira cutânea é deficiente (9). Se esta evidência é análoga ou não à deficiência total ou parcial de filagrina que se verifica nos humanos é algo ainda desconhecido. O que se sabe é que a pele afectada possui um componente lipídico inadequado organizado entre as células (Figura 5). Como resultado, a pele não pode funcionar como uma barreira adequada e a água atravessa para o exterior enquanto que os micróbios e os alergénios atravessam mais facilmente para o interior. A função do Complexo ‘’Skin Barrier’’ TM A causa desta afecção é desconhecida, uma vez que cães que estão afectados não sofrem na maioria dos casos de carência alimentar em vitamina A. Reforço da eficácia da barreira cutânea Os lípidos intercelulares da epiderme, maioritariamente compostos por ceramidas, desempenham um papel fundamental na função da barreira cutânea. O estrato córneo canino apresenta uma espessura média de alguns 25microns. Estes lípidos e esta barreira celular não servem apenas para manter a hidratação ao limitar as perdas de água transepidérmicas, mas ajudam igualmente a proteger o organismo de químicos, alergénios e micróbios. A nutrição ajuda a melhorar a produção de ceramidas e, assim, a reforçar a função de barreira cutânea. Foram minuciosamente estudadas, pelo Centro de Investigação da Waltham, vinte e sete substâncias passíveis de apresentarem efeito benéfico sobre a função de barreira cutânea. Os critérios de selecção basearam-se na minimização das perdas de água transepidérmicas e na síntese de lípidos cutâneos (10). Foram finalmente escolhidos quatro vitaminas do complexo B e um aminoácido para a patente do complexo (Skin BarrierTM) (Tabela 1). O efeito benéfico da administração deste complexo a cães pode ser observado ao fim de, aproximadamente, 2 meses (11). Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 43 PONTO DE VISTA ROYAL CANIN Tabela 1. Composição do complexo Skin BarrierTM • Niacina (ou nicotinamida) é sintetizada a partir do triptofano, no cão. Em casos de deficiência, causa dermatite pruriginosa no abdómen e nos membros posteriores do cão. • O ácido pantoténico está envolvido como uma co-enzima em inúmeras vias de síntese, para além da síntese dos ácidos gordos. • A colina e o inositol trabalham em sequência e desempenham a função de construção de membranas celulares. A colina forma fosfolípidos quando combinada com o fósforo. • A histidina é vital para o crescimento e maturação das células epidérmicas. Tabela 2. Principais vitaminas hidrossolúveis do grupo B Tiamina B1 Riboflavina B2 Ácido patoténico (B5)* Piridoxina B6 Biotina (B8)* ou H Ácido fólico (B9)* Cobalamina B12 Niacina PP Colina *Abreviatura por vezes utilizada. Outras vitaminas do grupo B As vitaminas do grupo B constituem um família muito ampla de vitaminas hidrossolúveis (Tabela 2). Muito poucas são armazenadas pelo corpo sendo necessário um consumo regular. Em geral, uma alimentação equilibrada e uma flora bacteriana intestinal saudável garantem um aporte suficiente. O efeito pode, contudo, ser reduzido em casos de enterite severa ou crónica ou em casos de antibioterapia por períodos prolongados de tempo. Todas as vitaminas do grupo B ajudam, em diferentes níveis, a aumentar o lustro da pelagem do animal. Por exemplo, a biotina é essencial para a integridade da pele. Do mesmo modo, o ácido fólico é necessário para a produção de sub-unidades de ADN. Dada a multiplicação celular intensa nos folículos pilosos, um aporte insuficiente de ácido fólico conduz a uma perda de pêlo anormal. As leveduras de cerveja constituem uma fonte natural de vitamina B. Ácido gama-linolénico (GLA) O GLA é essencial para a produção de precursores na cascata de biossíntese progressiva de ácidos gordos ómega-6 que resultam na síntese de moléculas antiinflamatórias. Uma vez que os gatos são relativamente deficientes numa enzima particular, a delta-6 desaturase, cuja actividade consiste em converter o ácido linoleico em GLA, é importante introduzir uma fonte de GLA na sua dieta. O óleo de borragem é o único óleo que contém mais de 20% de GLA. A suplementação com óleo de borragem demonstrou ter aliviado alguma da inflamação associada às dermatites alérgicas (12). A eficácia do óleo de borragem é ainda melhorada quando é utilizado em combinação com óleos de peixe (13). Estes são fontes concentradas de EPA e de DHA, cujas propriedades inflamatórias são largamente utilizadas na dermatologia humana e veterinária. Ácidos gordos ómega 3 de cadeia longa Modulação da actividade inflamatória e minimização das suas consequências A inflamação e a automutilação subsequente podem danificar a integridade da epiderme e deteriorar a sua função de barreira, destacada anteriormente. De modo a influenciar este processo, as dietas com indicação dermatológica devem fornecer nutrientes que inibam a síntese do ácido araquidónico e dos seus derivados eicosanóides, os quais são responsáveis pelas manifestações inflamatórias. Entre estes merecem menção dois tipos de ácidos gordos (Figura 3): - Ácido gama-linolénico (GLA), da série ómega 6; - Ácidos gordos de cadeia longa ómega 3: ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA). 44 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 O valor do EPA e do DHA é explorado na abordagem da dermatite atópica e em gatos, nos casos de dermatite miliar felina (14). Após suplementação oral, a sua presença é detectada na pele (15). A suplementação ajuda a reduzir o prurido e melhora o índice clínico de cães atópicos (16). Outro estudo demonstrou que a administração de EPA/DHA ajuda a reduzir os níveis de corticóides necessários para o tratamento de cães atópicos (17). Contudo, a resposta clínica não depende do rácio ómega 6/ómega 3; contrariamente ao que por vezes se alega (18). As propriedades anti-inflamatórias dos ácidos gordos ómega 3 podem aumentar as preocupações quanto à sua NUTRIÇÃO, SAÚDE DA PELE E QUALIDADE DA PELAGEM capacidade de inibição da cicatrização de feridas, não sendo este o caso (19). Prevenir reacções alimentares indesejáveis O termo geral ‘’reacção cutânea adversa ao alimento’’ utilizado em textos ingleses refere-se aos sintomas cutâneos seguidos da ingestão dum alimento (ou dum aditivo alimentar, embora estes casos sejam muito raramente descritos na Medicina Veterinária). Definição de uma alergia alimentar O termo ‘’alergia alimentar’’ deve estar reservado para as reacções alimentares mediadas pela imunidade, enquanto que ‘’intolerância’’ alimentar se refere a uma resposta anormal à ingestão dum alimento, que não é imunológica (20) (Figura 6). Os alergénios alimentares são glicoproteínas hidrossolúveis com um peso molecular entre 10,000 e 60,000 daltons. São estáveis, excepto ao calor, ao tratamento com ácidos e à actividade proteásica. Qualquer fonte proteica actualmente presente nos alimentos de cães e de gatos (vaca, ave, peixe, ovo, leite, soja, etc.) pode conter alergénios. Soluções nutricionais para os alergénios alimentares A única forma fidedigna para excluir um componente alimentar numa reacção cutânea é colocar o animal numa dieta de eliminação. Embora alguns especialistas estipulassem que o diagnóstico se deveria basear numa alimentação de preparação caseira. Esta consistia numa fonte única de proteína e numa fonte única de carbohidratos, nenhuma das duas jamais ingeridas pelo animal (21). Actualmente, muitos especialistas aceitam que esta abordagem tem muitos obstáculos: antecedentes nutricionais do animal que nem sempre são conhecidos, dificuldade na obtenção de uma dieta equilibrada, falta de palatabilidade, constrangimentos de tempo para o dono do animal, etc. Os alimentos comerciais completos constituem, assim, uma solução amplamente preferível. A escolha faz-se entre alimentos baseados em proteínas raramente encontradas na alimentação de cães e gatos, e em dietas baseadas em proteínas hidrolisadas. Neste último caso, as proteínas são quebradas em pequenos polipéptidos, que não activam uma reacção/intolerância Hipersensibilidade Hipersensibilidade alérgica (mecanismo imunológico determinado ou fortemente suspeitado) IgE mediado Hipersensibilidade não alérgica (mecanismo imunológico excluído) Não IgE mediado Intolerância alimentar Atopia Sem atopia Picada de insecto Helmintes Indiscrição alimentar Células T; ex: dermatite de contacto Eosinófilos; ex: gastroenteropatia Envenenamento Idiossincrático Reacção farmacológica Medicação Outros Figura 6. Classificação das reacções de hipersensibilidade definidas pela Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica (EAACI – European Academy of Allergy and Clinical Immunology). Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 45 NUTRIÇÃO, SAÚDE DA PELE E QUALIDADE DA PELAGEM alérgica, uma vez que os epitopos não são reconhecidos. Cães experimentalmente sensibilizados a uma proteína (soja) não apresentaram reacção quando ingeriram a mesma fonte proteica hidrolisada (22). Uma dieta de eliminação deve ser administrada durante 6 semanas no mínimo e, por vezes, até 12 semanas de modo a atingir a remissão dos sintomas. O desafio subsequente com alimentos prévios (e recompensas do tipo biscoitos, etc.) deve resultar no relapso dos sinais clínicos algures entre algumas horas a 2 semanas mais tarde. O regresso a uma dieta de eliminação resulta novamente na resolução dos sinais clínicos e demonstra que a melhoria não foi apenas uma coincidência ou o resultado de uma alteração sazonal na exposição ao alergénio. Embora muitos donos de animais sejam relutantes à realização desta dieta de provocação, o conhecimento dos alergénios envolvidos na alergia permitirá ampliar as opções de escolha de alimentos que serão tolerados a longo prazo. A dieta de eliminação pode ser administrada a longo termo, apesar desta ser geralmente uma opção mais dispendiosa. No caso de alimentos preparados em casa, é preferível consultar um veterinário com conhecimentos em nutrição, de modo a garantir uma dieta completa e equilibrada. Conclusão A dieta desempenha uma função primordial no tratamento de muitos casos de dermatites. Em dermatologia, um exame ao animal deve assim incluir informações rigorosas acerca do alimento administrado. A correcção de quaisquer desequilíbrios alimentares (especialmente em relação aos ácidos gordos essenciais) é um factor da maior importância na abordagem terapêutica dum caso de dermatite. O tratamento de muitos casos de dermatite inclui a utilização de nutrientes que reforçam a barreira cutânea ou regulam o sistema imunitário ao actuarem como agentes anti-inflamatórios ou imunoestimulantes. No futuro, os avanços no conhecimento nutricional atribuirão indubitavelmente uma função cada vez mais importante à dieta, quer seja na prevenção, como na terapêutica das afecções cutâneas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Buffington CA. Nutrition and the skin. Proceedings of the 11th Kal Kan Symposium 1987, pp. 11-16. Cited In WALTHAM Focus, 9:2 1-7, Lloyd DH and Marsh KA Optimizing Skin and coat condition. 12. Qhoc KP, Pascaud M. Effects of dietary gamma-linolenic acid on the tissue phospholipids fatty acid composition and the synthesis of eicosanoids in rats. Ann Nutr Metab 1996; 40(2): 99-108. 2. Lowe JA, Wiseman J. A comparison of the bioavailability of three dietary zinc sources using four different physiologic parameters in dogs. J Nutr 1998; 128(12 Suppl): 2809S-2811S. 13. Sture GH, Lloyd DH. Canine atopic disease: therapeutic use of an evening primrose oil and fish combination. Vet Rec 1995; 137: 169-170. 3. Morris JG, Shiguang Y, Rogers QR. 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Vet Clin North Am Small Anim Pract 2006; 36: 175-184. 22. Puigdemont A, Brazis P, Serra M, et al. Immunologic responses against hydrolyzed soy protein in dogs with experimentally induced soy hypersensitivity. Am J Vet Res 2006; 67: 484-488. GUIA DESTACÁVEL Interpretar lesões cutâneas primárias Por Richard Harvey N a maioria dos casos, os cães não surgem no veterinário nas fases iniciais de doença de pele. Mais frequentemente, a doença já está presente durante algum tempo. Assim, os efeitos da auto-mutilação e a natureza da evolução da doença, resulta em lesões secundárias como crostas e escamas, alopecia e auto-traumatização. Considerando o Cocker Spaniel na Figura 1a, este cão apresentava uma história de 6 meses de dermatite progressiva com prurido moderado. Na consulta, os sinais mais óbvios eram a quase total alopecia e crostas – ambas lesões secundárias e de pouca ajuda diagnóstica. Contudo, a investigação cuidadosa, revelou a existência de algumas pústulas, como na Figura 1b. Estas pústulas eram lesões primárias de dermatite, neste caso, uma erupção causada por medicamento. Nalguns casos, o padrão das lesões secundárias pode sugerir um diagnóstico, apesar de não ser propriamente de valor diagnóstico definitivo. Neste sentido, as escoriações bilaterais no Rotweiller da Figura 2 foram consequência de hipersensibilidade por picada de pulga. hiperadrenocorticismo. As máculas podem preceder as pápulas em casos de pioderma. Em cães atópicos podem ser encontradas máculas eritematosas nas virilhas ou nos espaços interdigitais palmares e plantares. Pápulas As pápulas definem-se como pequenas elevações sólidas palpáveis e discretas na superfície da pele (Figura 4a). Algumas pápulas podem ser neoplásicas (Figura 4b). Mais frequentemente, e em particular nas virilhas, precedem as pústulas. As pápulas crostosas podem seguir as vesículas ou as pústulas. No cão com pioderma superficial, as pápulas crostosas ultrapassam numericamente as pústulas. O pioderma superficial é raro no gato e, nesta espécie, a causa subjacente mais comum de dermatite papular incrustada é a hipersensibilidade à picada da pulga (Figura 5). Nódulo Elevação sólida bem definida (Figura 6), superior a 1cm de diâmetro. Os nódulos estão tipicamente, embora não de modo exclusivo, associados a neoplasia. Pústula Lesões primárias Máculas Áreas de descoloração da pele, com menos de 1cm de diâmetro. São tipicamente eritematosas, embora possam ser hiperpigmentadas. A Figura 3 mostra máculas eritematosas convergentes num cão com Definida como uma pequena elevação bem definida contendo uma acumulação de pús. As pústulas (Figura 7) são as lesões primordiais do pioderma superficial, (apesar de frequentemente superadas em número por pápulas e pápulas crostosas) (Figura 8) e colaretes epidérmicos (Figura 9). As pústulas são Figura 2. Crostas mais ou menos simétricas e alopecia linear num Rotweiller com hipersensibilidade à picada da pulga. a b Figura 1a e 1b. Alopecia quase total e crostas num Cocker Spaniel com história pregressa de 6 meses. O exame cuidadoso do animal revelou a existência de algumas pústulas (Figura 1b). Vol 18 No 1 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 47 INTERPRETAR LESÕES CUTÂNEAS PRIMÁRIAS também lesões primárias do pênfigus foliáceo mas raramente são acompanhadas por colaretes epidérmicos nesta afecção. As pústulas são igualmente encontradas em associação com infecção secundária, como a demodecose. Erosão e úlcera As erosões são consideradas como superficiais, enquanto que as úlceras provocam erosão abaixo da camada basal, expondo a derme. Os granulomas acrais (Figura 11) apresentam-se como erosões características do membro distal. Comedões Os comedões (Figura 10) resultam da obstrução do orifício folicular por detritos e material sebáceo. De aspecto tipicamente negro, estão associados à acne felina, demodecose e hiperadrenocorticismo, em particular. Fístula A fístula (Figura 12) é uma manifestação de uma infecção profunda que atravessou a camada basal, ou de uma lesão dérmica (como a paniculite) que atravessou a pele. LESÕES PRIMÁRIAS Figura 3. Máculas eritematosas na região dorsal do pescoço dum cão com hiperadrenocorticismo. Figura 5. Pápulas crostosas no dorso dum gato, a apresentação mais comum de hipersensibilidade à picada da pulga. Figura 9. Colaretes epidérmicos, tipicamente associados a pioderma superficial. 48 / / Veterinary Focus / / Vol 18 No 1 / / 2008 Figura 4a. Pápula eritematosa na orelha dum cão, neste caso, um tumor mastocitocitário. Figura 6. Nódulo solitário que é típico, embora não em exclusivo, de um tumor. Figura 4b. Pápulas eritematosas no ventre dum cão com dermatite de contacto alérgica. Figura 7. Pústula solitária, bem formada. Geralmente associada a infecção bacteriana. As pústulas podem também seguirse à lesão por vegetação pontiaguda ou serem as lesões de doenças auto-imunes. Figura 11. Erosão é uma lesão na qual o epitélio é reduzido até à camada basal, se mais profundo trata-se de uma úlcera. Os Figura 10. Comedões num caso de hiperadrenocorticismo. granulomas acrais apresentam-se frequentemente como erosões do membro distal. Figura 8. Pioderma superficial num Pastor Alemão jovem que se caracteriza por presença de máculas e pápulas eritematosas, algumas pústulas e pápulas crostosas pós-inflamatórias. Figura 12. A formação de fístulas é frequentemente um sinal de pioderma profundo, paniculite, infecção micobacteriana atípica ou infecção fúngica profunda.