V Simpósio Catarinense de Astronomia Chapecó, 22 e 23 de julho de 2016 ASTROFOTOGRAFIA – ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Samuel Dias Müller1 Palavras-chave: astronomia amadora, astrofotografia, captura e processamento de imagens. Introdução A astrofotografia pode ser definida como um tipo específico de fotografia, focado na captura de objetos com interesse astronômico, tais como planetas, estrelas, aglomerados, nebulosas, galáxias ou mesmo grandes áreas do céu. Recentemente a astrofotografia tem se tornado um hobby popular entre fotógrafos e astrônomos amadores, principalmente devido ao barateamento e disseminação de câmeras profissionais e semi-profissionais, bem como de telescópios com boa qualidade. O presente resumo expandido tem por objetivo apresentar as diferentes técnicas de captura e processamento de objetos astronômicos, além dos equipamentos necessários para a prática da astrofotografia, focando aspectos introdutórios desta mistura de arte e ciência. Desenvolvimento Considerações Iniciais Na atualidade, a astrofotografia amadora se divide em diferentes tipos, cada um com equipamentos próprios, bem como técnicas e modos de captura e processamento específicos, que devem ser harmonizados. A utilização da técnica ou equipamento equivocado poderá não trazer resultados, ou trazê-los em qualidade abaixo da esperada. Tipos de Astrofotografia Quanto ao seu tipo, a astrofotografia pode ser dividida em ao menos cinco grupos: de grande campo, de céu profundo, planetária, lunar e solar. A astrofotografia de grande campo (widefield) trata-se da captura de grandes partes do céu, na qual podem ser registrados em uma única imagem diversos objetos astronômicos, a Via Láctea, ou até mesmo todo o céu noturno. É feita através de câmeras fotográficas e lentes de curto alcance, de até aproximadamente 135mm, utilizando-se de tripé fixo ou de montagens equatoriais motorizadas. A astrofotografia de céu profundo (DSO) é focada na captura de objetos singulares ou grupos em um campo muito reduzido. Normalmente é realizada através de câmeras com lentes objetivas de longo alcance (notadamente de 200mm ou mais) ou acopladas a telescópios, devidamente fixadas em montagens equatoriais motorizadas e preferencialmente guiadas eletronicamente. A astrofotografia de céu profundo pode ainda ser executada mediante o uso de filtros, de banda larga ou estreita, que serão posteriormente melhor apresentados. 1 Astrofotógrafo amador, NEOA-JBS. E-mail: [email protected] V Simpósio Catarinense de Astronomia Chapecó, 22 e 23 de julho de 2016 A astrofotografia planetária é o registro de planetas dentro do sistema solar. É efetuada preferencialmente com câmeras planetárias especializadas ou webcams adaptadas, acopladas a telescópios, e preferencialmente utilizando-se de montagem equatorial motorizada. A astrofotografia lunar é voltada exclusivamente para o registro de nossa lua. Trata-se de um dos objetos mais versáreis em termos de captura, podendo ser efetuado com todos os tipos de câmeras, utilizando-se de lentes de longo alcance ou telescópios. Pode ainda ser efetuada a captura de uma área específica, como crateras ou vales, ou de todo o disco lunar. Por fim, a astrofotografia solar é restrita a captura de imagens do Sol, e podem ser subdivididas em dois tipos: luz visível e H-alpha. Na captura de luz visível, é utilizado um filtro sobre um telescópio ou lente de longo alcance, que bloqueia quase toda a luz advinda do sol, deixando passar entre 0,00016% e 0,00001% de seu brilho. Neste subtipo podemos capturar os objetos da fotosfera solar, como as manchas, fáculas e granulações da superfície do sol. Em contrapartida, na captura em H-alpha se utilizam telescópios especificamente projetados para a captura desta linha de emissão do Sol, os quais possuem filtros que transmitem uma frequência muito pequena da luz solar, de 0,5 a 0,7 ângström (1 ângström equivale a 0,00000001 cm). Através deste tipo de imagens pode-se registrar a cromosfera, na qual se encontram as proeminências, praias, filamentos, além de outras camadas das manchas solares. Equipamentos Utilizados Considerado por alguns astrofotógrafos como o principal equipamento, a montagem é sem dúvida um item que deverá receber atenção especial, bem como um bom investimento. Montagens subdimensionadas podem tornar totalmente inviável a atividade da astrofotografia, sempre, é claro, dependendo do projeto a que se dispõe. A montagem nada mais é do que a estrutura mecânica na qual se suporta o telescópio. Em sua essência, ela pode ser dividida em azimutal ou equatorial, ainda que existam subdivisões. Na montagem azimutal, o eixo principal alinha-se com o azimute, o que permite uma movimentação no sentido vertical do tubo ou câmera, enquanto que um segundo eixo permite a movimentação horizontal. É uma montagem de uso mais facilitado onde, a grosso modo, pode-se movimentar o tubo do telescópio (ou a câmera com lentes) para qualquer direção mediante a movimentação de ambos os eixos, para o norte, sul, leste e oeste. No entanto, este mesmo aspecto que facilita seu uso é o que lhe incapacita para a astrofotografia na maioria das modalidades, já que não permite um acompanhamento preciso do céu, devido a necessidade de movimentação em dois eixos. Em contrapartida, as montagens equatoriais eliminam estas dificuldades ao necessitar da movimentação de um único eixo para acompanhamento de corpos celestes, desde que devidamente alinhada ao polo sul celeste. Isto porque, diferentemente da azimutal, a montagem equatorial possui um eixo primário (denominado eixo polar) montado precisamente em paralelo ao eixo terrestre, enquanto que seu eixo secundário permite a movimentação no sentido da declinação (eixo de declinação). Em termos simples, um dos eixos da montagem é alinhado com o respectivo polo terrestre, enquanto que o segundo eixo permite compensar o movimento de rotação do planeta, acompanhando o movimento aparente dos astros. V Simpósio Catarinense de Astronomia Chapecó, 22 e 23 de julho de 2016 Partindo da premissa de que a estabilidade do objeto a ser fotografado está diretamente ligada a melhores resultados, a montagem equatorial surge praticamente como uma necessidade à astrofotografia amadora. Em segundo lugar no grau de importância estão as câmeras. É possível a utilização de diversos modelos, tais como câmeras point-and-shoot, de celular, Digital Single Lens Reflex (DSLR), Mirrorless, Webcams adaptadas, câmeras planetárias dedicadas ou até mesmo câmeras CCD refrigeradas. Cada tipo de câmera possuirá uma técnica e modo de captura específicos sendo que, em termos genéricos: Câmeras de celular e câmeras point-and-shoot podem ser utilizadas para fotos simples da lua ou de planetas, em modo afocal, técnica mais simples e com resultados mais modestos; Câmeras DSLR, Mirrorless e CCDs refrigeradas são utilizadas principalmente na captura de imagens de grande campo e de céu profundo, podendo ainda ser utilizadas para capturar imagens lunares e solares. Em menor escala, são utilizadas para a captura de planetas, ainda que não sejam a melhor opção devido ao grande sensor que possuem. Webcams adaptadas e câmeras planetárias dedicadas, utilizadas para captura de imagens planetárias, lunares e solares. Diferentemente das demais, esta modalidade de astrofotografia utiliza a captura em vídeo, posteriormente transformando os respectivos frames em uma única imagem estabilizada. As câmeras, em especiais as planetárias dedicadas e as CCDs refrigeradas, podem ainda ser subdivididas em coloridas ou monocromáticas. As lentes fotográficas contam também como um bom acessório de uso astrofotográfico. Elas poderão ser utilizadas para astrofotografia de grande campo (lentes de curto e médio alcance, até em torno de 135mm), de céu profundo (lentes de maior distância focal), e em menor escala para imagens lunares. A qualidade da lente é diretamente vinculada aos resultados que poderão ser obtidos, já que lentes de baixa qualidade poderão trazer defeitos à imagem como aberrações cromáticas, coma, ou até mesmo manchas. O Conjunto do Tubo Ótico (Optical Tube Assembly - OTA), é o tubo do telescópio, onde estão acomodadas as lentes e/ou espelhos, responsáveis pela captura de luz. O funcionamento básico de um telescópio se dá pelo uso de uma objetiva, na forma de lente ou espelho, responsável pela captação de uma grande quantidade de luz, que é focalizada em um único ponto. Dois aspectos do OTA são relevantes e determinantes ao seu melhor uso para certos tipos de astrofotografia, quais sejam, o tamanho da objetiva e a distância focal. O tamanho da objetiva nada mais é do que o diâmetro da lente ou espelho primário do telescópio, responsável pela captação da luz e a nitidez da imagem. A distância focal, por sua vez, é o ponto onde a luz captada pela objetiva é focalizada. Quanto menor a distância focal, menor o aumento da imagem. Quanto maior a distância focal, maior o aumento. Para fins de facilitar a classificação de telescópios, utiliza-se a razão focal, conhecida pela divisão da distância focal pelo tamanho da objetiva. Segue-se, portanto, a fórmula “r = F / D”, onde r é a razão focal, F é a distância focal e D é o diâmetro da objetiva. Sendo assim, um telescópio contendo uma objetiva de 150mm de diâmetro e 750mm de distância focal, terá uma razão de 5, sendo denominado “f/5”. Já uma objetiva de 150mm de V Simpósio Catarinense de Astronomia Chapecó, 22 e 23 de julho de 2016 diâmetro porém com 1500mm de distância focal possuiria uma razão 10, ou seja, um OTA “f/10”. Ponto importante é que quanto maior a razão focal, maior o aumento, porém na mesma medida ocorre o escurecimento da imagem. Isso acaba tornando diferentes tipos de telescópios propícios para diferentes tipos de astrofotografia. Os telescópios podem ainda ser subdivididos em diversos tipos, sendo mais conhecidos os refratores, refletores e catadióptricos. Os planetas, como objetos de interesse astrofotográfico, são objetos extremamente pequenos (tanto que a olho nu são facilmente confundidos com estrelas). Em contrapartida, possuem um alto brilho (magnitude). Por este motivo, são bons objetos para serem registrados por telescópios com longa distância focal, já que o alto brilho não sofrerá tanto com os efeitos do escurecimento ao passo que a ampliação permitirá o registro de maiores detalhes do astro. Já os objetos de céu profundo passíveis de registro por equipamentos amadores, em sua grande maioria se tratam de objetos muito difusos, ou seja, com uma fraca magnitude. Em contrapartida, tendem a ser bastante grandes, alguns até mesmo aparentando ser maiores que a lua cheia (como a galáxia de Andrômeda), sendo mais favorável ao seu registro a menor ampliação trazida pela curta razão focal. Os filtros astronômicos são acessórios de grande ajuda, tanto para câmeras coloridas quanto monocromáticas, e utilizáveis em todos os tipos de astrofotografia. Assim, podem-se utilizar os filtros LRGB para composição de imagens coloridas em câmeras monocromáticas. No mesmo sentido, é comum a utilização de filtros de linha estreita, que permitem a passagem exclusiva dos principais comprimentos de onda que compõem os objetos de céu profundo. A estes comprimentos de onda são atribuídas configurações de cores falsas, sendo uma destas a denominada Hubble palette (HAWLEY). Outros filtros comumente utilizados são os de passagem de canais específicos do infravermelho e do ultravioleta, de densidade neutra, de redução da poluição luminosa, além dos filtros solares de luz visível. A astrofotografia de céu profundo é dependente de um correto acompanhamento do objeto celeste, o que é obtido em grande parte por intermédio de uma montagem equatorial motorizada. Porém, pequenas imperfeições na estrutura da montagem, ou até mesmo um leve desalinhamento com o polo sul, fará com que esse acompanhamento não seja extremamente preciso, ocorrendo leves movimentações após alguns segundos a minutos. Para correção deste problema pode-se utilizar a guiagem eletrônica. Trata-se de um procedimento de no qual um segundo telescópio ou luneta, normalmente de tamanho inferior, é utilizado na mesma montagem e equipado com uma segunda câmera que, conectada a um computador, envia as respectivas correções para a motorização da montagem. Com isso, o tempo de acompanhamento preciso do objeto é irrestrito, o que contribui na melhor captura de objetos. Como dito anteriormente, a distância focal é fator preponderante no aumento da imagem, especialmente em termos de astrofotografia. No entanto, é possível o aumento da distância focal em telescópios de curta razão focal, utilizando-se para tanto de lentes Barlow ou extensores focais. Utilizando-se destes acessórios é possível, por exemplo, aumentar em duas, três, quatro ou até cinco vezes a distância focal do telescópio, bem como a razão focal. Exemplificativamente, um telescópio de 150mm e distância focal de 750mm (f/5), utilizando-se de uma lente Barlow V Simpósio Catarinense de Astronomia Chapecó, 22 e 23 de julho de 2016 que multiplique por cinco vezes a distância focal, passará a contar com 3.750mm de distância focal, e uma razão f/25. Outra espécie de acessório que realiza a mesma função é o adaptador para projeção positiva. Trata-se de simples adaptador no qual é possível acomodar uma ocular de telescópio de curta razão focal em seu interior, sendo que a distância entre a ocular e o sensor proporcionará a ampliação da imagem. O caminho inverso também é possível, ou seja, a redução de um telescópio de longa razão focal para uma mais curta, mediante redutores focais. Estes acessórios irão promover a redução do foco de acordo com seu critério intrínseco. Assim, um redutor focal de 0,5x irá reduzir um telescópio de razão focal f/10 para f/5, e consequentemente irá reduzir a ampliação do telescópio. Em todos os casos é necessária a utilização de lentes de boa qualidade, sob pena de este aumento vir acompanhado de deformações na imagem, além de aberrações cromáticas. Por fim, mas não menos importante, a astrofotografia dependerá de um bom computador para realização de todo o processo de captura, guiagem e posterior processamento. Acoplamento de Câmeras ao Telescópio Ao menos quatro técnicas são utilizadas na captura de imagens astrofotográficas, no que se refere a forma de acoplamento da câmera ao telescópio. O modo afocal, mais simples e que traz resultados mais modestos, é realizado mediante a simples captura do objeto que se apresenta na ocular do telescópio pelas lentes da câmera. Para tanto, é possível utilizar de adaptadores que fixem a câmera sobre a ocular. A captura mediante foco direto é a técnica mais utilizada, servindo para praticamente todos os tipos de astrofotografia. Trata-se da utilização da câmera desprovida de lentes, ou seja, com o sensor exposto, recebendo diretamente a luz proveniente do telescópio sem intervenção de oculares ou lentes que modifiquem o foco. Por fim, a projeção negativa e a projeção positiva são técnicas de acoplamento muito semelhantes ao foco direto. A diferença, contudo, é a existência de uma lente barlow ou extensor focal para o primeiro caso, e de uma ocular no segundo caso, de forma a que a distância focal seja aumentada. É utilizada quando se necessita de grandes ampliações, como no caso de astrofotografia planetária, ou ampliação de regiões específicas do Sol ou da Lua. Modo de Captura Essencialmente, há duas modalidades de captura: a longa exposição e a rápida exposição. A longa exposição é adequada aos objetos difusos, ou seja, de brilho muito tênue, sendo destinada a astrofotografia de grande campo e de céu profundo. Nela, o sensor da câmera é exposto a uma mesma imagem estática durante segundos a minutos, de forma que os fótons sejam registrados e acumulados para aumentar a visibilidade do objeto difuso. Posteriormente, o processamento destas imagens irá acumular as várias imagens efetuadas, transformando-a em uma única captura com minutos a horas de exposição. Assim, por exemplo, é possível efetuar uma sequência de 120 imagens de 30 segundos de exposição de um determinado objeto, como uma nebulosa, que ao final será composta em uma única imagem com 1 hora de exposição, e registrará detalhes do objeto comumente invisíveis aos olhos. V Simpósio Catarinense de Astronomia Chapecó, 22 e 23 de julho de 2016 Durante o processamento, estes detalhes serão ainda mais evidenciados, bem como poderão ser balanceadas as cores, saturação, e outros aspectos relevantes da imagem. A captura de curta exposição funciona de modo inverso, e destina-se principalmente a astrofotografias planetárias, solar e lunar, objetos estes que possuem brilho intenso, porém estão mais afetos às deformações causadas por turbulências na atmosférica. Na medida em que há uma ampliação da imagem proporcionada pela longa distância focal, a turbulência atmosférica traz consigo distorções na imagem, que terminam por apagar os detalhes mais finos dos objetos. A captura de curta exposição compensa esta turbulência através da captura de vídeos ou imagens, as quais são efetuadas diversas vezes por segundo. Assim, por exemplo, é possível realizar um vídeo de até 2 minutos de um planeta como Júpiter, a 30 frames por segundo (fps), de forma que serão registradas 3.600 imagens do objeto neste curto período. Posteriormente o processamento de imagens irá efetuar o alinhamento e empilhamento, formando enfim uma única imagem com redução drástica das turbulências atmosféricas. Considerações finais ou conclusões A astrofotografia é um hobby que necessita de uma boa preparação de seus praticantes, que devem dedicar previamente boa parte de seu tempo para a escolha dos equipamentos que atendam ao seu respectivo fim, delineados pelo tipo de astrofotografia a ser realizada. Independente ao seu tipo, a aquisição de equipamentos de boa qualidade, aliados à prática e contínuo aperfeiçoamento das técnicas de captura e processamento, terá um impacto enorme na qualidade das imagens geradas. Deve-se, contudo, atentar para a correta harmonização dos equipamentos e acessórios, sob pena de serem inutilizados ou subutilizados no processo de captura. Referências ARMAZEM DO TELESCÓPIO. A utilidade dos filtros astronômicos. Disponível em <http://armazemdotelescopio.com.br/loja/index.php/artigos/21-conteudo-astronomiainiciantes/220-a-utilidade-dos-filtros-astronomicos> em 17 de julho de 2016. HAWLEY, Rob. Almaden Observatory. Creating "Color" Images From Narrowband Data. Disponível em <http://www.almadenobservatory.net/Color_Imagery.html> em 17 de julho de 2016. MACROBERT, Alan. How to Choose a Telescope. Estados Unidos, 2001. Disponível em <http://www.fvastro.org/beginners/HowToChoose.pdf> em 17 de julho de 2016. MORETI, Gustavo José. O Bê-a-bá do Telescópio. Brasil, 2011. Disponível em <http://www.inape.org.br/astronomia-astrofisica/be-a-ba-telescopio> em 17 de julho de 2016.