Valores aspectuais atribuídos ao pretérito imperfeito.

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MICHELE DA ROCHA
Leituras aspectuais do Pretérito Imperfeito no Português Brasileiro
CURITIBA
2006
MICHELE DA ROCHA
Leituras aspectuais do Pretérito Imperfeito no Português Brasileiro
Monografia
apresentada
à
disciplina
Orientação Monográfica II como requisito
parcial à obtenção do bacharelado em Letras
– Português do Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes, Universidade Federal do
Paraná.
Orientadora: Profª. Dra. Teresa Cristina
Wachowicz
CURITIBA
2006
1
AGRADECIMENTOS
A conclusão deste trabalho não seria possível sem a colaboração
conjunta, direta e indiretamente, de diversas pessoas. Impossível agradecer a
todos, mas mesmo correndo riscos de cometer injustiças, gostaria de demonstrar
minha gratidão.
Em primeiro lugar à minha mãe, obrigada por estar sempre ao meu lado,
dando uma palavra de alento e incentivo em meus mais difíceis momentos. E
também à minha avó, peça chave na minha vida.
À Teresa Cristina Wachowicz, minha orientadora. Obrigada pelas
conversas, conselhos, pela orientação segura e principalmente pela infinita
paciência.
Ao amigo Gustavo Nishida, pelas infinitas conversas, pelos infinitos
“toques”, enfim pela grande amizade.
À amiga Fabíola Ançay, que por tantas vezes não deixou que eu
desistisse de tudo.
Aos amigos, que não são apenas colegas de faculdade, Heloyse
Kozievitch, Felipe Clemente e Jahyr de Almeida.
A todos os amigos que de uma forma ou de outra ajudaram na conclusão
deste trabalho. Aqueles que em momentos de stress levaram-me para a
distração, aqueles que não deixaram afastar-me deles próprios. Enfim, são
pessoas que realmente merecem consideração, e que, como já disse, fizeram
algo pra que esse trabalho fosse concluído.
2
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................04
0. INTRODUÇÃO...................................................................................................05
1. EMBASAMENTO TEÓRICO.............................................................................06
1.1. PRETÉRITO IMPERFEITO.............................................................................06
1.1.1.PARA AS GRMÁTICAS TRADICIONAIS......................................................06
1.1.2. ESTUDOS DESCRITIVOS SOBRE O PI.....................................................07
1.2.ASPECTO VERBAL........................................................................................08
1.3. CLASSES ASPECTUAIS................................................................................09
1.4.2. NOÇÕES DE ASPECTO DE CASTILHO (2002).........................................10
2. METODOLOGIA................................................................................................12
2.1. COLETA DOS DADOS...................................................................................12
2.2. ORGANIZAÇÃO DOS DADOS.......................................................................12
3. ANÁLISE DOS DADOS.....................................................................................13
3.1. LEITURA EM QUE O PI DENOTA ITERATIVIDADE.....................................13
3.2. LEITURA EM QUE O PI DENOTA HABITUALIDADE....................................16
3.3 LEITURA EM QUE O PI DENOTA ASPECTO SEMELFACTIVO....................18
3.4. LEITURA DO PI COM VERBOS DE ESTADO...............................................19
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................20
5. REFERÊNCIAS.................................................................................................22
6. ANEXOS............................................................................................................24
3
RESUMO
Este trabalho analisa as leituras aspectuais denotadas pelo Pretérito
Imperfeito
no
Português
Brasileiro,
sob
a
perspectiva
teórica
da
composicionalidade. Para o estudo foram utilizadas as noções de aspecto de
Castilho (2002) e a classificação das ações verbais de Vendler (1967 apud
Wachowicz e Foltran 2006) e de Bertinetto (2001 apud Wachwicz e Foltran 2006).
A conclusão constatou a influência que fatores como Aktionsarten verbal, a
interação da Aktionsarten com a flexão de tempo, interação do complexo
constituído com os argumentos verbal externo e interno e com os adjuntos
adverbiais aspectualizadores. Os primeiros resultados deste trabalho apontam
para a necessidade de se considerar a orientação discursiva dos textos
analisados.
4
0. INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata do Pretérito Imperfeito no que diz respeito ao
aspecto verbal que este denota, levando em conta o caráter composicional do
aspecto verbal da Língua Portuguesa.
Seguindo o método utilizado por Castilho (2002) para o estudo do
Aspecto em Português, com base nos dados disponíveis no Projeto NURC/ Brasil,
este trabalho tem como pretensão fazer uma análise inicial do Pretérito Imperfeito
e os aspectos que este incorpora dependendo dos seguintes fatores: i) a
Aktionsart do verbo, ii) a interação da aktionsart com a flexão modo-temporal e iii)
os adjuntos adverbiais aspectualizadores.
Para o presente estudo, foi feita uma análise com sentenças do
português buscadas no banco de dados do Projeto Varsul, com falantes somente
da cidade de Curitiba, Paraná. E também com sentenças buscadas em textos do
gênero crônica e textos históricos em jornais e revistas.
5
1. EMBASAMENTO TEÓRICO
Nesta seção se revisará a bibliografia pertinente sobre o Pretérito
Imperfeito, Aspecto Verbal e às classes aspectuais, ou ainda acionais1.
1.1 PRETÉRITO IMPERFEITO
1.1.1. PARA AS GRMÁTICAS TRADICIONAIS
O tratamento do Pretérito Imperfeito (doravante PI) para as Gramáticas
Tradicionais geralmente é o mesmo. Algumas mostram mais possibilidades de
uso, outras menos. O fato é que para todas elas o tempo verbal em estudo é
caracterizado por expressar ações não-acabadas, com idéia de duração no
passado:
1) Dez meses HAVIA que o arcebispo RESIDIA em Braga.
Outro uso apontado pelas Gramáticas Tradicionais é a possibilidade de
utilizá-los em descrições e narrações. Há também a forte idéia, em algumas
gramáticas, de que expressa simultaneidade entre ações. Cunha (1985) e
Brandão (1963) exemplificam essa idéia:
2) Quando Josias começou a reinar, todo o reino... PROFESSAVA a
idolatria.
A idéia que difere das apresentadas nas gramáticas estudadas é a de
Brandão (1963), o qual diz que o Pretérito Imperfeito expressa ação com
repetição no passado, ou seja, na época ele tinha noção de aspecto distinto dos
apresentados nas demais gramáticas, o aspecto iterativo do Pretérito Imperfeito:
3) À noite IA ao teatro.
1
Essa questão terminológica é discutida com êxito em Wachowicz e Foltran (2006).
6
Excluindo Brandão (1963), que apresenta caracterização distinta para o
Pretérito Imperfeito (embora também aceite as caracterizações apresentadas
pelos demais gramáticos), o pensamento será sempre o mesmo, nunca sendo
feita nenhuma referência a algum outro fator que influenciasse diretamente uma
leitura aspectual, como por exemplo, a quantificação do objeto, complementos
como advérbios e etc. Tais fatores podem proporcionar uma leitura mais acurada
do tempo verbal em questão.
1.1.2. ESTUDOS DESCRITIVOS SOBRE O PI
Há uma certa escassez em estudos sobre o Pretérito Imperfeito. O que
se encontram são breves descrições a cerca do uso desse tempo verbal. Na
maioria dos estudos, o PI é analisado e estudado em comparação ao perfeito, é
como se fosse uma análise por comparação, partindo de um para diferenciá-lo de
outro, somente. Ao se descrever apenas os dois por oposição, alguns outros
aspectos interessantes são deixados de lado, ou mencionados sem profundidade.
Listarei alguns desses estudos. Começando por Lopes (1990), a qual mostra
algumas concepções a cerca do Pretérito Imperfeito. A autora diz que o PI
exprime um fato como anterior ao momento atual, mas ainda não concluído no
momento passado a que nos referimos, também diz que é um tempo que pode
ser de dupla relação.
Outra concepção para o PI encontramos em Costa (1990). A autora diz
que o PI tem grande utilização para expressar o valor imperfectivo e que poderia
ser chamado de presente do passado, devido sua forma de indicar continuidade
ou iteração, podendo dessa maneira denotar habitualidade. A autora, assim como
a maioria dos estudiosos, também trabalha com a oposição Pretérito Perfeito vs.
Pretérito Imperfeito para explicar a questão da duração interna do verbo:
1) a. Estudei francês.
b. Estudava francês.
O interessante apresentado por Costa em seu estudo é quando ela diz
que “o morfema flexional do PI, se acrescido a um lexema [+ durativo] ele o
7
imperfectiviza, expressando-o como um processo singular, como por exemplo o
verbo “lidar”; se acrescido a um lexema [- durativo], ou, seja, pontual, ele o
evidencia como iterativo”, como por exemplo o verbo “estourar”. (p: 49)
Ilari (1997) também dá sua opinião sobre o imperfeito. Ele diz que o uso
do imperfeito deixa aberto o limite de tempo descrito pelo predicado, ou seja, uma
ação não acabada e que realça os valores propriamente durativos. O autor
também fala que o imperfeito favorece a interpretação reiterativa, visto que “toda
reiteração está associada, estruturalmente, a uma duração que lhe serve de
suporte” (Ilari op cit: ).
1.2 ASPECTO VERBAL
Segundo Castilho (2002), aspecto verbal “é uma propriedade da
predicação que consiste em representar os graus de desenvolvimento do estado
de coisas, ou as fases que ele compreende” (p. 1). Gili Gaya (2000) também dá
seu conceito dizendo que aspecto da ação verbal seria as distintas maneiras de
ver a ação verbal dentro de uma oração e que depende da significação do verbo.
Ainda salienta que cabe distinguir em cada caso de onde vem o seu aspecto: se
do significado do verbo; ou por meios gramaticais, para isso o autor dá como
exemplo os pronomes.
O aspecto da ação verbal tem distintas tipologias. Cada autor adota a que
lhe parece dar conta de seus dados. No presente trabalho, a noção de aspecto e
a tipologia que prevalece é a de Castilho (2002). Porém, também será utilizada
uma noção que o referido autor não menciona, que é o aspecto Habitual,
encontrada em Travaglia (apud Ruiz 1992). Mas, podemos dizer que a noção que
prevalece é a de Castilho.
Partimos agora para a caracterização da referida tipologia. O aspecto
Iterativo é aquele em que os eventos são praticados repetidamente. Ou seja, é a
repetição do evento que resulta no aspecto Iterativo. Alguns verbos carregam
essa leitura por si próprios, como é o caso de: saltitar, golpear, picotar, clicar,
pisotear, etc. Porém, a maioria dos verbos não possui esta leitura por si só, se o
indivíduo quer mostrar uma ação que se repete e o verbo não for iterativo por si
8
só, ele usará outros meios de mostrar essa repetição, como complementos
aspectualizadores.
O aspecto Semelfactivo, faz parte, como veremos adiante, da face
quantitativa do aspecto. Ele denota o evento que ocorre uma vez só,
diferentemente do Iterativo, que é a ocorrência múltipla.
O aspecto Habitual seria uma subdivisão do Iterativo, pois naquele há
também uma certa repetição, porém, aqui, essas ações repetidas se sobrepõem
umas as outras, i. e., seus inícios se sobrepõem aos seus desfechos, dando
dessa forma a leitura habitual, ou seja, seria a descrição de um hábito.
1.3 CLASSES ASPECTUAIS
Para os estudos do aspecto verbal e sua classificação primeiramente fazse necessária a definição do termo Aktionsarten, o qual é de extrema relevância
para o estudo do aspecto. Este termo faz referência à duração interna que cada
verbo possui, sendo possível desta maneira classificá-los. Termo fundamental
para determinação das classes aspectuais.
Vários estudiosos retomam as classes aspectuais, cada um com sua
diferença de terminologia. Um texto de apresentação que toma essa questão
terminológica é o de Wachowicz e Foltran (2006). No trabalho, as autoras
apresentam as idéias de autores como Vendler (1967), Bertinetto (2001), Dowty
(1979), Krifka (1992, 1998), Rothstein (2004) e Verkuyl (1972, 1989, 1993, 1999 e
2005). De forma sucinta, as autoras relacionam e opõem as tais idéias e suas
respectivas nomeações.
No presente estudo predominará a classificação de Vendler (1967), mas
isso não quer dizer que não serão apresentadas também idéias de outros autores.
Vendler divide as classes aspectuais em 4 categorias: estados, atividades,
accomplishments e achievements, seguindo respectivamente os seguintes
exemplos:
1) a. As crianças sabem provérbios.
b. Meus filhos nadam mal.
c. João construiu sua casa.
9
d. Joana caiu da rede.
Estados são caracterizados por não indicarem processos que se
desenvolvem no tempo. Já as atividades são processos que se desenvolvem no
tempo. Accomplishments também são processos que se desenvolvem no tempo,
com a seguinte distinção: eles encaminham-se para um ponto que faz com que a
ação seja verdadeira. É necessário que João construa a casa para dizer que
“João construiu sua casa”. E por último os achievements, são caracterizados por
denotarem algo instantâneo, Joana estava na rede e de repente caiu, é algo
pontual.
1.4 NOÇÕES DE ASPECTO EM CASTILHO (2002)
Castilho (2002) faz uma descrição do Aspecto verbal do Português
falado. Ele analisa o aspecto sob a perspectiva da composicionalidade semântica
dos seguintes elementos:
-
da Aktionsart do verbo enquanto item lexical;
-
da interação da Aktionsart com a flexão de tempo;
-
da interação do complexo assim constituído com os argumentos
verbais externo e interno, e/ou com os adjuntos adverbiais
aspectualizadores.
Trabalhando com essa composicionalidade, o autor chega à seguinte
tipologia do aspecto:
Face Qualitativa
IMPERFECTIVO
PERFECTIVO
Inceptivo
Pontual
Cursivo
Resultativo
Terminativo
Face Quantitativa
Semelfactivo
Iterativo
Tabela 1 – Tipologia do aspecto segundo Castilho (2002).
10
Castilho explica, em seu trabalho, cada uma dessas noções de aspecto,
mas para a presente análise serão levados em conta apenas aqueles que o autor
aponta para o estudo do Pretérito Imperfeito. Ele diz que nas estruturas de fundo
narrativo, o aspecto aponta para o Cursivo:
1) Ele se afogava.2
Ou seja, para ele, além do Pretérito Imperfeito designar narração, neste
caso ele aponta para o aspecto Cursivo, aquele que retrata a ação em seu “pleno
curso de desenvolvimento”. Outro fator de grande relevância que o autor expõe é
que o Pretérito Imperfeito expressa o aspecto Iterativo, e que este é o que
“depende
mais
acentuadamente
que
os
outros
dos
fatores
da
composicionalidade” (p: 27). No exemplo a seguir fica claro o caráter iterativo que
o Pretérito Imperfeito expressa:
2) Vestiam-se muito mais modestamente (...), usavam chita.3
Muitos fatores interessantes podem ser retirados do trabalho de Castilho,
mas listei apenas os mais relevantes para o presente estudo.
2
3
Exemplo retirado de Castilho (2002).
Idem.
11
2. METODOLOGIA
2.1. COLETA DOS DADOS
O levantamento geral de dados para o presente estudo possui duas
fontes: uma oral; e outra escrita. Para a oralidade foi utilizado o banco de dados
do Projeto Varsul (Variação Lingüística Urbana na Região Sul), projeto que foi
oficializado em 1990 e tem como objetivo principal a descrição do português
falado na região sul do Brasil das áreas representativas dos estados do Paraná,
Santa Catarina e Rio grande do Sul.
Do Projeto Varsul foram analisadas 80 sentenças, nas quais foram
encontradas 188 ocorrências de verbos no PI. Seguindo a tipologia adotada para
análise deste trabalho, foram encontrados 158 verbos tendendo à leitura Habitual,
25 tendendo à leitura estativa, 3 para a leitura Iterativa e 1 tendendo para o
Semelfactivo. Uma sentença apresentou ambigüidade entre Habitual e Iterativo, a
qual será tratada mais adiante.
Para a escrita, os dados levantados tiveram como fonte jornais e revistas,
sendo crônicas e textos históricos. A busca também foi feita em textos de outros
gêneros, como por exemplo, o jornalístico, porém sem êxito. O motivo para isso
seria, provavelmente, o fato de que no gênero jornalístico, talvez, predomine o
tempo presente. Tal fato não está no escopo deste trabalho, sendo um tema para
pesquisas futuras. Pode-se dizer, assim, que o Pretérito Imperfeito tem seu uso,
talvez, condicionado por uma orientação discursiva específica.
2.2. ORGANIZAÇÃO DOS DADOS
Os dados serão organizados conforme a tipologia de aspecto adotado
neste trabalho (Castilho op cit), não seguindo, em nenhum momento, a ordem
apresentada pelo banco de dados. Na medida que se faz necessária a
apresentação dos dados orais, estes serão analisados. O mesmo acontece com
os dados retirados de textos.
12
3. ANÁLISE DOS DADOS
Para as Gramáticas Tradicionais, o Pretérito Imperfeito é identificado pela
terminação em -AVA / -IA. O presente trabalho pretende mostrar que não é
somente a flexão modo temporal que dá tal caráter ao tempo verbal em estudo,
mas que isso também depende dos fatores da composicionalidade semântica,
apresentados por Castilho (op cit): i) a aktionsart do verbo enquanto item lexical;
ii) a aktionsart do verbo e a flexão modo-temporal e iii) a interação do complexo
assim constituído com os argumentos verbais externo e interno, e/ou com os
adjuntos adverbiais aspectualizadores. De antemão é interessante mencionar que
o PI sempre denota valor aspectual imperfectivo, mas seguindo a tipologia de
aspecto exposta por Castilho, veremos que o imperfectivo poderá ser Iterativo ou
Semelfactivo (ver seções seguintes). Porém, outros valores aspectuais, não com
menos importância, também são denotados pelo PI, como é o caso do Habitual e
o valor Estativo, denotado por verbos de estado. Esses aspectos serão
analisados a seguir, com base na composicionalidade semântica apresentada
acima.
3.1 LEITURAS EM QUE O PI DENOTA ITERATIVIDADE
Temos a seguinte sentença retirada do Projeto Varsul:
1) Entregava-se de casa em casa, porta em porta.
Seguindo a classificação de Vendler, o verbo “entregar” entra na classe
dos Achievement, pois possui um ponto télico, ou seja, ele precisa de um
desfecho para que a ação seja verdadeira. Aqui se pode aplicar o teste sugerido
por Castilho (op cit: 6):
2) Se alguém estava –ndo, mas foi interrompido enquanto –va/-ia, podese dizer que –ou?
13
Para respostas negativas, o verbo em questão é télico, pois necessita de
um desfecho para ter existência. E é o que ocorre com o verbo “entregar”:
2) Se alguém estava entregando, mas foi interrompido enquanto
entregava, pode-se dizer que entregou?
A resposta é negativa, pois a ação de entregar é pontual, instantânea.
Para Bertinetto (2001 apud Wachovicz e Foltran 2006), a ação dos verbos
Achievements é [- durativa], portanto pontual. Essa pontualidade da ação é o que
deixa com que ela possa ser iterativa, pois é um ato pontual de “entregar” que
acontece várias vezes. Além de o verbo favorecer um tanto para a leitura iterativa,
aqui temos algo que é o fator determinante para tal leitura: o predicado da
sentença. O objeto estando quantificado é um fator favorecedor para a leitura em
análise, mas aqui isto se torna ainda mais evidente, pela repetição do objeto “de
casa em casa, de porta em porta”. Então, pode-se dizer que o verbo contribui
para a leitura iterativa, mas o fator determinante é o seu predicado.
O
aspecto
iterativo
é
que
depende
mais
acentuadamente
de
complementos para que sua leitura seja possível. Esses complementos podem
ser o próprio objeto da sentença, como também os chamados adjuntos adverbiais
aspectualizadores. Temos alguns exemplos como: um por um, cada um, cada
semana, cada dia, etc. A sentença (1) pode ter uma substituição por um desses
complementos:
4)
Entregava-se
(leite)
um por um.
5)
cada dia.
6)
cada semana.
Tabela 2 – Sentenças de leitura iterativa pelos adjuntos aspectualizadores.
A leitura do aspecto iterativo torna-se mais evidente com complementos
desses tipos. Como já foi dito antes, o iterativo é o aspecto que mais depende de
complementos, e isto podemos provar com sentenças que sem complementos
tendem ao aspecto habitual e com complementos tendem para o iterativo. Outro
14
detalhe é a quantificação do objeto, fator que contribui para a leitura do iterativo.
Vejamos a seguinte sentença:
7) João fumava cigarros de menta.
O exemplo acima é a descrição de um hábito, o hábito que João tinha de
fumar cigarros de menta. Para que esta sentença denote aspecto iterativo,
podemos usar os seguintes recursos:
8)
João
fumava
dois cigarros de menta
9)
João
fumava
(dois cigarros de menta)
a cada hora
10)
João
fumava
dois cigarros de menta
a cada dia
11)
João
fumava
dois cigarros de menta
um por um
Tabela 3 – Sentenças de leitura iterativa pelo uso de adjuntos aspectualizadores e quantificação
do objeto.
Na sentença (8), a iteração é denotada apenas pela quantificação do
objeto “dois cigarros de menta”, isto é, ocorre dois eventos, embora não se saiba
em que ponto do tempo tenham ocorrido. No exemplo (9), não é necessária a
presença do objeto para que o sentido para que a sentença denote o aspecto em
análise, entende-se perfeitamente que João fumava de hora em hora. Já nos
exemplos (10) e (11), há a necessidade da presença do objeto para que a
sentença seja aceitável e a denotação do aspecto iterativo fique clara.
Enfim, o que podemos observar é que a marca morfológica do Pretérito
Imperfeito, tal como descrevem as Gramática Tradicionais, não é suficiente para
denotar tal valor aspectual por si só, isso depende da aktionsarten do verbo, como
exemplo os iterativos ocorendo sem adjuntos ou quantificadores: pisotear, picotar,
clicar; depende também da quantificação do objeto, o qual, às vezes também não
consegue
dar
conta,
necessitando
desta
forma
dos
complementos
aspectualizadores, como apresentados nos exemplos acima.
15
3.2 LEITURA EM QUE O PI DENOTA HABITUALIDADE
Vejamos a seguinte sentença retirada da banco de dados do Projeto
Varsul:
12) Mas a gente lia, lendo a gente caminhava pelo mundo e muito estudo,
muita coisa, até hoje eu gosto muito de ler.
Os verbos ler e caminhar possuem aktionsart atélica. Podemos aplicar
aqui o teste sugerido por Castilho (2002):
13) Se alguém estava lendo, mas foi interrompido enquanto lia, pode-se
dizer que leu?
14)Se alguém estava caminhando, mas foi interrompido enquanto
caminhava, pode-se dizer que caminhou?
Para respostas afirmativas, o verbo é atélico, pois não necessita de um
desfecho para ter existência. E é o que ocorre com os verbos ler e caminhar. A
resposta é sim, pois por mais que tenha lido pouco, a pessoa praticou a ação de
ler. O mesmo ocorre com caminhar, por mais que a pessoa tenha sido
interrompida em meio à ação, pelo menos um pouco ela caminhou. Com isso,
prova-se que os verbos da sentença (12) são atélicos, eles não necessitam de um
desfecho para que a ação praticada seja verdadeira.
Na classificação de Vendler estes verbos entram na classe de Atividade,
pois as ações denotadas são [+ durativas] e [+ homogêneas], segundo noções de
Bertinetto (op cit). São [+ durativas] porque não são pontuais, i. e., possuem em si
próprias um certo grau de duração. E são [+ homogêneas] porque qualquer fatia
das ações de “ler” e “caminhar” são ler ou caminhar, por vezes mais devagar ou
mais depressa, mas são a mesmas ações. Devido os seus eventos serem [+
durativos], seus início e desfecho se sobrepõem, dando a elas uma certa
continuidade e interligação na linha temporal. Por isso, a denotação de aspecto
habitual neste exemplo.
16
Porém, não é sempre que o aktionsart verbal ajuda na denotação do
aspecto Habitual. Assim como o iterativo, o aspecto Habitual também possui seus
complementos aspectualizadores, aqueles que ajudam a denotar o aspecto
habitual em uma sentença. Esses complementos podem ser os advérbios
terminados em –mente: diariamente, mensalmente, etc; assim como os
modificadores toda semana, todos os dias, sempre, etc. Vejamos mais um
exemplo retirado do Projeto Varsul...:
15) A gente embarcava no expresso, já logo tinha que descer.
O complemento poderia muito bem ser trocado por outro aspectualizador
de habitualidade sem que sua significação fosse alterada:
16) A gente
embarcava
no expresso
sempre.
17) A gente
embarcava
no expresso
diariamente.
18) A gente
embarcava
no expresso
toda semana.
Tabela 4 – Sentenças de leitura habitual.
Nos exemplos acima, a ação de embarcar no expresso não se altera
mudando o complemento. O verbo embarcar possui um ponto télico e é
achievement, portanto o aspecto habitual fica evidente. Este mesmo teste será
feito com outra sentença para que fique clara a influência dos complementos
aspectualizadores.
Coloquemos
o
seguinte
exemplo
no
quadro
dos
complementos aspectualizadores de habitualidade:
19)
Entregava-se
(leite)
sempre.
20)
Entregava-se
(leite)
diariamente.
21)
Entregava-se
(leite)
todos os dias.
Tabela 5 – Sentenças de leitura habitual pelo uso de adjuntos aspectualizadores.
Com os exemplos de (19) a (21) fica evidente a influência na leitura
aspectual que os complementos aspectualizadores possuem, pois na seção
17
anterior este mesmo exemplo acima denotava aspecto Iterativo, agora, com
complementos de aspecto Habitual, ele denota Habitualidade.
Outra questão importante já apontada no presente trabalho é a questão
da orientação discursiva. Veremos o quanto ela se faz importante para denotar
certos valores aspectuais, como é o caso do habitual. Vejamos o seguinte
exemplo também retirado do banco de dados do Projeto Varsul:
22) Alguns fregueses pagavam por dia, a maior parte pagava por mês.
No exemplo acima, a preposição POR dá uma certa leitura iterativa à
sentença, a ação dos fregueses se repetia por dia ou por mês. Se substituirmos o
objeto POR DIA por DIARIAMENTE, o aspecto denotado é habitual. Porém, no
exemplo (22), apesar de verbo e complemento favorecerem a leitura iterativa, a
orientação discursiva favorece e é o fator que faz com que a sentença tenha
leitura habitual. É a descrição do hábito de pagar por dia que denota o aspecto
da ação.
Para concluirmos esta seção, podemos perceber que além da
aktionsarten verbal, dos complementos aspectualizadores, há mais um fator
importante para a descrição do aspecto da ação, que é a orientação discursiva.
3.3 LEITURA EM QUE O PI DENOTA ASPECTO SEMELFACTIVO (EPISÓDICO)
Outra leitura que o Pretérito Imperfeito também pode denotar, porém,
aparentemente, usado em menor número, é o Semelfactivo ou Episódico. As
Gramáticas Tradicionais tratam como simples simultaneidade entre ações, mas
aqui tentaremos deixar essa questão um pouco mais clara. Temos a seguinte
sentença retirada de Brandão (1963):
23) Quando Josias começou a reinar, todo o reino... professava a
idolatria.
Os verbos “começar” e “professar” possuem valores distintos quanto a
aktionsart. O primeiro é pontual e inceptivo, i. e., capta o início da ação. Já
18
professar é uma ação durativa. Dessa forma, podemos dizer que a ação expressa
pelo verbo “começar” é perfectiva e a ação expressa pelo verbo “professar” é
imperfectiva. O que acontece no exemplo (23) é que as ações ocorrem uma só
vez, ou seja, em apenas um episódio e, por isso, uma ação sobrepõe-se à outra.
24) Ficava numa janela lá, lendo um livro, e aí passa um rapaz lá
embaixo...
No exemplo (24), ocorre o mesmo. Um evento se sobrepõe ao outro.
Enquanto alguém lia um livro, um rapaz passa.
3.4. LEITURAS DO PI COM VERBOS DE ESTADO
Na presente análise, levantaram-se alguns dados que sugerem trabalhos
futuros sobre o PI. Consideremos a seguinte sentença:
25) Eu vivia com a mesma cara todos os dias.
Podemos notar que o verbo “viver” na classificação proposta por Vendler
(op cit) é um estado. Tal leitura é possível porque o evento de viver descreve um
estado em que o indivíduo se encontra em um dado momento. Podemos
considerar ainda, como apontado anteriormente, o verbo estativo no imperfeito
está denotando que houve um início e um fim do evento, embora não saibamos
qual seja este início e este fim. Porém, sabemos que naquele dado momento a
ação durou um certo intervalo de tempo indeterminável, isto é, não se sabe o
início e o fim da ação.
Pode-se notar que neste exemplo há um complementizador aspectual
“todos os dias” que tenderia à leitura habitual. Mas, não é que parece acontecer.
Há necessidade de busca de mais dados com verbos estativos no PI, com
complementizadores aspectuais de habitualidade para se verificar se as leituras
estativas permanecem.
19
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, foi feito um estudo inicial sobre os valores
aspectuais denotados pelo Pretérito Imperfeito. Percebe-se que os tratamentos
dados pelas Gramáticas Tradicionais ao tempo verbal em estudo são superficiais
e geralmente dão a ele um único valor, o de ação não-acabada, ou seja, o
aspecto imperfectivo. O valor aspectual está correto, porém ele vai um pouco
mais além, subdivide-se, neste caso, em Iterativo, Habitual e Semelfactivo. O
problema maior está em como as Gramáticas Tradicionais percebem esse valor,
elas o tratam como se apenas a marca morfológica de Pretérito Imperfeito, -ava / ia, denotasse tal aspecto. Elas não mostram que outros fatores devem ser
levados em conta para se designar um valor aspectual. Neste trabalho, procurei
mostrar a importância da Aktionsart verbal, da interação da Aktionsart com a
flexão de tempo, da interação do complexo assim constituído com os adjuntos
adverbiais aspectualizadores e em alguns momentos a orientação discursiva para
a denotação do valor aspectual que as ações verbais carregam, porém está
última é apenas uma sugestão para um estudo mais aprofundado.
No decorrer do trabalho, a orientação discursiva foi-se evidenciando
como fator importante para esta análise, pois em alguns textos analisados é a
orientação que define o aspecto das ações verbais. Como exemplo temos o texto
(01), presente na íntegra na seção dos anexos. O referido texto possui aspecto
que muito se assemelha ao Habitual, porém seu gênero discursivo faz com que
ele seja uma descrição de estados de coisas, distinto do Habitual, denotado pelo
texto (2). O que retiramos como conclusão, é que algumas vezes a orientação
discursiva é mais forte na questão da denotação do aspecto da ação verbal.
Algumas vezes é ela que define o valor aspectual expresso pela ação. No
entanto, há a necessidade de se levar em conta, com maior profundidade, a
orientação discursiva de cada texto. Ponto, este, que está fora do escopo deste
trabalho.
Um único dado encontrado no corpus analisado teve leitura aspectual
considerada ambígua:
20
26) Depois o pai dava a tarefa pra cada um, terminava aquilo ali, ele
dispensava a gente pra brincar, porque não era só trabalho, então ele sempre
dava colher de chá pros filhos.
Pode-se notar que o “dava a tarefa pra cada um” possui leitura aspectual
Iterativa, pois a repetição do evento se torna evidente devido o complemento
aspectualizador de iteratividade “cada um”, isto é, um por um recebeu a tarefa do
pai. No entanto, o texto orienta para uma leitura Habitual, pois é a descrição do
hábito que o pai tinha em dar tarefas aos filhos e dispensá-los para brincar. Desta
forma, é possível notar que se for levado em conta fatores discursivos, por
exemplo, a leitura aspectual tende a mudar.
Esta pesquisa, como já foi dito anteriormente, é inicial, ainda há muito
que ser analisado e aprofundado. Espero que este trabalho dê frutos para novas
investigações a cerca do objeto estudado.
21
5. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, N. M. de. Gramática Metódica da Língua Portuguesa. São Paulo:
Saraiva: 1983.
BRANDÃO, C. Sintaxe Clássica Portuguesa. Belo Horizonte: Imprensa da
Universidade de Minas Gerais, 1963.
CASTILHO, A. T. de. Aspecto verbal no português falado. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 1999. (mimio)
COSTA, S.B.B. O aspecto do português. São Paulo: Contexto, 1990.
CUNHA, C. e CINTRA, L. F. L. Nova Gramática do Português Contemporâneo.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
GAYA, S. G. Curso Superior de Sintaxis Española. Barcelona: Vox, 2000.
ILARI, R. A expressão do tempo em português. São Paulo: Contexto, 1997.
LOPES, S.F. Pontos divergentes entre os sistemas verbais Inglês e Português no
que
respeita
às
categorias
morfológicas
do
verbo.
Em
<www.ipv.pt/millenium/Millenium_15.htm> acessado em 01/12/2005.
LUFT, C. P. Gramática resumida: explicação da nomenclatura Gramatical
Brasileira. Porto Alegra: Globo, 1978.
MESQUITA, R. M. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1994.
MÓIA, T. Subdomínios de significação associados ao tempo – uma panorâmica
geral. Lisboa: Faculdade de Letras de Lisboa, 2001.
22
PASCHOALIN & SPADOTO. Gramática: Teoria e exercícios. São Paulo: FTD,
1989.
RUIZ, T.M.B. Aspecto: um estudo de sua expressão pelas flexões verbais.
Curitiba, 1992. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Paraná.
WACHOWICZ, T. C. e FOLTRAN, M. J. Sobre a noção de aspecto. Curitiba,
2006. (mimio)
23
6. ANEXO
Primeiramente estão listadas as sentenças retiradas do banco de dados
do Projeto Varsul. Em seguida dois textos em que se evidencia a influência da
orientação discursiva no estudo do Aspecto verbal.
01) Chácara começava do final da rua nicolau abage, ali com o cruzamento com
a augusto stelfeld, ali tinha a chácara juca luz e tinha a chácara de um
outro italiano, até fazia vinho, tinha parreiral, tinha tudo.
02) É, então nós tínhamos essa dificuldade, porque luz não tinha, quando
chegava |a escurecer| à noite, ficava que parecia um carvão.
03) Quantas vezes, a gente tinha aquela cerca de arame naquela estradinha ali,
de noite |de gente| [no meio]- passar por meio do mato, a gente se
arrastava na cerca de arame porque não sabia onde é que estava a
cerca.
04) É, nós trabalhávamos aqui com chácara, com vaca de leite, saíamos
de madrugada às quatro, cinco horas da manhã já saíamos pra cidade, se
fosse inverno, chuva, levar o leite e um pouco de verdura pra cidade;
saíamos às vezes descalço de manhã, com chuva, frio, é quando pisava
na calçada tem a rua saldanha, que começava a fazer as entregas ali, é,
doía até o calcanhar, parecia que ia rachar tudo, não é?
05) Ali se |chegava oito horas| no inverno, não se via mais um cristão na rua,
que ninguém nem enxergava pra andar, calcule o que era a época, né?
06) Apesar que aqui, naquele tempo não existia banditismo, não roubavam
nada, plantava-se no quintal, não precisava se preocupar lá pra vargem,
ninguém tirava nem uma abóbora do meio do quintal do outro.
07) Naquele tempo a gente andava de noite se batendo, tinha medo de se bater
num animal, numa vaca, num boi, tinha medo de se bater de noite.
08) Foi secado o parque pra fazer limpeza e tudo, porque já estava com mau
cheiro, né?
09) Então ali já passava a ir fazer lição, é caligrafia, cópia, já entrava
matemática, né? Ali eram problemas e as quatro operações, isso era o ensino
principal da escola, quatro operações.
10) Se errava nalguma coisa, dizia: "como é?" pra corrigir, voltava outra vez,
porque às vezes a gente precisava mesmo, né?
11) E então, aí ele começava a vim as serras principais, os picos mais
altos, |qual eram, qual eram os nomes e lá vinha com a regüinha.
12) Tal de luiz nogarolli aqui, era aqui em baixo, esse era bom vizinho e
tudo, mas quando ele era moço ele, se começasse uma briga ele entrava
no meio e dava bordoadas e ficava dando risadas assim.
13) Se não tinha essa ração ela começava a ficar braba, impaciente, então
já tinha que estar a ração pronta, então tinha que levantar cedo, preparar
a ração, primeira coisa, não tomávamos café nem coisa nenhuma, não
tinha nada disso, nem água não dava tempo de tomar.
14) Entregava-se de casa em casa, porta em porta.
24
15) Nós íamos no freguês e o freguês já desocupava na hora, despejava
o leite na...
17) Alguns fregueses pagavam por dia, a maior parte pagava por mês.
18) Principalmente essas pessoas que moravam em casas alugadas, aí ficavam
um mês, "ah, eu não paguei ainda porque ainda não recebi, porque não
sei o que", ficavam na conversa.
19) Lá, quando chegávamos lá, sempre tinha os amigos do baile e coisa,
lá, sentava na mesa e uma rodada de cerveja e depois: "vamos dançar!"
20) Aquilo quando chegava num salão, numa valsa assim, parecia que era
uma coisa automática, elétrica, tudo dançando no mesmo, hoje não, a
gente vê é um sacudindo a cabeça, outro só sacudindo o braço e não
sabe o que eles estão fazendo.
21) Então a gente antes de sair no domingo, eu passava a ferro a roupa.
22) Calça de casemira, passava com pano, um ferro quente, ferro de brasa,
porque não tinha nem energia aqui, né?
23) Um pegava na mão do outro e era o salão inteiro.
24) E eu já não gostava de pular mais o carnaval assim, né?
25) Dava pra passar, até ali até era mais ou menos.
26) E foi se extendendo, foi indo e entrou inglaterra, entrou frança, estados
unidos aí o brasil também declarou guerra e nessa época eu estava com
vinte e um anos.
27) Bom, eu entrei com cinco anos na escola, e numa escola isolada ali
no..., perto do..., morava em..., onde nasci na avenida vicente machado,
onde hoje é a cruz vermelha.
28) Se o aluno não vinha pra escola, eu morava na própria escola, né?
29) Quer dizer que em lugar da aula passar a ser pela manhã, como era
o horário determinado então passava a ser noturna.
30) Porque as provas eram feitas pelo inspetor escolar e ele não queria
saber, a secretaria de educação afinal, não queria saber se porque o aluno
não foi pra escola, e todo mundo, todos os alunos que podiam, que eram
de exame, os mais velhinhos, tudo, tudo estavam na roça.
31) Ela queria me deixar com a direção da escola, mas eu não queria, não
gosto de direção, não estou para estar em direção, gostava de lidar com
aluno.
32) A gente não queria ser mais que ninguém, nunca fui mais do que
ninguém, mas a diretora exigia, né? Então eu tinha que dar, e também eu
criei um jornal, por sinal eu tenho muita saudade, um jornal que só se
equiparava lá do santa maria esse lá do colégio santa maria, e que tinha
o nome de cruzeiro do sul, escolhido pelos alunos fazia parte, era órgão da
25
biblioteca.
33) Ah, era interessante, tudo o que se ensinava naquela escola era
escrito.
34) Desde que entrava na escola, mal aprendiam, porque à medida que
tem que ser até hoje, né?
35) E daí a gente ia e escolhia o que tinha de melhor, a professora já
tinha corrigido, né? Já indicava, e a gente tirava e publicava no jornal,
quer dizer que o aluno não sabia que ele tinha alguma coisa publicada
em jornal.
36) A gente também ia muito, por exemplo, fomos à ponta grossa, vila velha,
sempre, à paranaguá todo o ano, de trem. o lotação nos levava até a estação,
né?
37) Então aquela árvore ficava sob o cuidado daquela turma.
38) E daí a melhor frase selecionada seria, passada na aula de arte
industrial, como é que era o nome afinal, tinha uma oficina lá, e eles
faziam as plaquinhas de madeira, e ali era passada aquela frase, por um
deles, né? E daí no dia da árvore eles iam lá e colocavam na árvore.
39) Eu ficava na biblioteca, dava minhas aulas, fazia a elaboração das provas
mensais, feitas num caderno para ter o acompanhamento, né?
40) Era caneta de pena que molhava na tinta.
41) E publicava sobre o clube e tudo, as coisas que a gente mandava, demos o
nome dele.
42) Não, não, nada de só sala de aula, e nada assim de só teoria muito
na prática, aprendia a teoria e levava pra prática, né? Outra coisa
interessante, por exemplo, isso eu dei essa aula até quando eu comecei lá em
campo largo.
43) Era aula dramatizada, né? Então essa que era dada pela professora,
sempre eu gostava de dar aula assim como se fossem ocasionais |como
no entanto| eram.
44) Uma, que precisava me dedicar inteiramente e eu tinha filhos pequenos, que
precisavam de mim.
45) E outro professor também que me deixou saudade, afinal eu gostava de
todos, né? Mas esse era pela severidade que se aproveitava mesmo, a
dureza do homem.
46) Ficava numa janela lá, lendo um livro, e aí passa um rapaz lá
embaixo, numa vila, deve ser na alemanha, |não sei aonde|, passa lá
embaixo, era noivo, e vê a copélia e começa a flerte com a copélia lá
em cima, mas depois ele vai descobrir que a copélia não era uma moça,
era boneca
47) Agora também dizem que a maré não está pra peixe, né? Não estava
pra peixe, pode ser que agora esteja, então a gente tem esperança.
48) Mas a gente lia, lendo a gente, caminhava pelo mundo e muito estudo,
muita coisa, até hoje eu gosto muito de ler.
49) Ali a gente brincava, juntava nas tardes de verão, os guris iam chutar
bola, a gente brincava de caracol, na frente da casa que era, não tinha
calçada, era chão, né?
50) Eu sei que guardava em garrafões, o ano inteiro,que comprava em
quantidade, fazia e ficava guardado.
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51)E eu cansava de andar a pé, só pra não dizer "psiu"!
52) Morria, não enterrava sem bater o sino, ia na igreja, sino.
53) Eu não demoliria, eu não demoliria, deixava onde estava, que ela ficava
em parte na rua, não era bem na rua, era bem já quase na calçada, bem
pra cá.
54) Ah! e aí ele falava muito, nesse livro, é isso o que eu ia dizer, sobre
ali o paiol da pólvora, que agora é o teatro paiol, aquilo era um deserto,
ali era onde guardavam material bélico, guardavam pólvora, por isso que
era paiol da pólvora, era enorme, eu me lembro, a gente passava ali,
tinha era tudo ali, na faculdade católica, tinha chorões, tinha coisa que
corria, parece uma valeta, não sei se era rio, o que que era que
desaguava no rio belém, não é? que passa, né?
55) Por ocasião da revolução federalista, ali matavam, degolavam, sabe?
Enterravam por ali, assim como no cemitério municipal, que era outro
deserto.
56) Aquilo preto por fora, brilhante, né? carro que só dava pra os dois, os
noivos, e na frente um banquinho onde iam as damas, e aquilo era tudo
acolchoado de branco, de seda, de cetim por dentro, presos com uns
botões assim, ficava estufado aquilo.
57) Poderia, pelo lado materno o meu avô chamava-se coronel joão de
oliveira, e ele era um dos poucos que foi três vezes prefeito.
58) Aí, faz tanto tempo, né? Aquele tempo usava aqueles guarda-pozinhos
brancos amarrado atrás, sabe como que é?
59) E mandar brasa, porque senão chegava à tarde, o serviço estava todo
pra fazer e na oficina era a mesma coisa, pegava tarefas que tinha duas,
três horas pra fazer, eu fazia em uma hora e meia, uma hora, uma hora
e meia estava pronto.
60) Vizinho era quinhentos metros, mil metros um do outro, era tudo chácara;
a maioria do pessoal trabalhava nas chácaras, né?
61)Tínhamos o lazer, que era só no tempo que era mais novo, né? Que
era aqui na chácara, então trabalhava-se até as duas e meia, três horas
da tarde, depois o pai dava a tarefa pra cada um, terminava aquilo ali, ele
dispensava a gente pra brincar, porque não era só trabalho, então ele
sempre dava colher de chá pros filhos.
62)Antigamente pra chegar o natal, deus o livre, a semana demorava pra
passar, hoje é segunda feira, quando você já vai ver é sábado novamente,
domingo novamente, passa, a gente não vê passar.
63) Não vê, não sente, quando vai ver, amanheceu, já escureceu de novo,
aquele tempo o dia parecia, demorava pra passar, que a gente tinha, não
tinha ninguém desocupado.
64) Então demorava a passar porque eu acho que a gente queria fazer
mais coisas e não conseguia, não sei, e hoje não se faz nada e o tempo
voa.
65) Fazia quatro meses que eu estava estudando, daí resolvi não ir mais,
não fui.
66) Um carrinho lá, de areia lá, cheio de areia, umas latas de leite ninho,
se trançava uns quatro fios de arame e fazia um trem de |dez vagão|.
67) Pra você ter uma idéia, aqui só tinha um ônibus só, que fazia0 a |vila
tudo|, que era santa quitéria, né?
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68) Então um ônibus só fazia as linhas, também.
69)A piazada lá fazia guerra de "boneco", fazia boneco de neve e guerra com
bolas de neve.
70) Então a gente fazia degradê, mas isso aí pra te explicar é só se eu
fizer ali, fazendo pra te mostrar como é que é, entendeu?
71) É a minha menina fez primeira comunhão, daí fui lá, mas fazia uns dez
anos que eu não ia.
72) E antigamente não, antigamente a gente pensava no trabalho, na
honradez, principalmente na honradez.
73) Aqui, inclusive aqui perto de casa existia o móveis cimo, que era uma
fábrica muito grande, existiam muitos funcionários, é por aqui existia a
móveis cimo, mais ali do lado da itupava existia um curtume, não existia
muita coisa e o que dava mais emprego naquela época mesmo era todo
mundo chamava de estrada de ferro, que é a rede viação paraná-santa
catarina, atualmente é rede ferroviária federal sociedade anônima, né? E,
mas não existia ninguém desempregado.
74) A gente embarcava no expresso, já logo tinha que descer.
75) Então a gente ia lá conforme conseguia entrar numa senão entrava na
outra, assistia os programas.
76) Hora de movimento às vezes a gente ia pra rodoviária meio atrasada,
nossa! né? que tristeza aquilo ali.
77) Então a gente ia às vezes no domingo de manhã assistir as crianças
cantar.
78) Bola de meia, que você enchia uma meia de papel e saía chutando.
79) Achava um pneu velho e saía rodando pneu aí.
80) ("que nem") a gente que morava aqui, né? então você saía e ia catar
pinhão, hoje você não vê mais isso, né?
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Texto 1
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Texto 2
30
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