9.0 – Dimensionamento de eixos e vigas. 9.1 – Critérios de Resistência. No dimensionamento dos elementos de máquinas e estruturas, como os eixos e as vigas, vários são os critérios que podem ser utilizados para o estabelecimento de suas dimensões mínimas, compatíveis com as propriedades mecânicas dos materiais utilizados, obtidas nos ensaios em laboratório. Tais critérios surgem quando se busca a resposta à seguinte questão básica: - quando ocorrerá a ruína* do material da peça carregada? *(entendemos como “ruína” a deterioração do material, por ruptura, por plastificação, por ser ultrapassado o limite de proporcionalidade, ou de escoamento etc, dependendo de seu uso). Várias poderiam ser as hipóteses (teorias) para sustentar uma resposta a tal questão: - a ruína ocorre quando a maior tensão normal presente ultrapassar o valor da tensão normal ocorrente quando da ruína do corpo de prova no ensaio de tração (ou compressão) do material; - a ruína ocorre quando a maior tensão tangencial presente ultrapassar o valor da tensão tangencial ocorrente quando da ruína do corpo de prova no ensaio do material correspondente; - a ruína ocorre quando a maior deformação longitudinal presente ultrapassar o valor da deformação longitudinal ocorrente quando da ruína do corpo de prova no ensaio do material; - a ruína ocorre quando a maior energia específica de distorção presente ultrapassar o valor da energia de distorção por unidade de volume ocorrente quando da ruptura do corpo de prova no ensaio do material. - outras... Como se verá, não há resposta única, válida para qualquer situação: o critério que mais se coaduna com os resultados obtidos em laboratório dependerá do tipo do material e do tipo do carregamento. 9.2 – Teorias das Máximas Tensões. Válido para materiais frágeis (duros, quebradiços, que se rompem nos planos onde a tensão normal é extrema) é o critério da máxima tensão normal, segundo o qual haverá ruína quando, em certo ponto do corpo, a tensão principal ultrapassar o valor da tensão de ruína no ensaio uniaxial do material. Portanto, o dimensionamento deve ser feito atendendo ao requisito (Critério de Coulomb): ½ (x + y) + √ [½ (x - y)] 2 + (xy )2 < limite ...(9.1) Para materiais dúteis (macios, flexíveis, que se rompem nos planos onde a tensão tangencial é extrema), é o critério da máxima tensão tangencial o que melhor se coaduna, considerando que haverá ruína quando, em certo ponto, a tensão máxima de cisalhamento ultrapassar o valor da tensão tangencial ocorrente (a 45º) no ensaio de tração do material (máx = ½ limite). O dimensionamento deve atender a que (Critério de Tresca): √ [½ (x - y)] 2 + (xy )2 < ½ limite .....(9.2) Planos de Clivagem 45º (a) (b) Fig.9.1 – Tipos de fratura no ensaio de tração (a) material frágil; b) material dútil (inicialmente, a fratura se dá por cisalhamento até que a redução da área provoca a ruptura por 1 tração). Exemplo 1 – Dimensionar o eixo maciço a ser fabricado em aço 1020 (tensão limite de escoamento esc = 200MPa), de forma a transmitir um torque T = 10 kN.m, sob um momento fletor M = 15 kN.m., com um coeficiente de segurança 1,6 ao escoamento. Solução: Para um eixo de seção circular submetido a um torque T e um momento fletor M, o ponto da periferia mais solicitado estará submetido as seguintes tensões (a tensão tangencial devido a Q é desprezível para um eixo maciço) (d/2); JP(d/2); sendo JP = d4/32 e I = ½ JP Como se trata de um material dútil (baixo teor de Carbono), utilizaremos o critério da máxima tensão tangencial. máx = √ [½ (x - y)] 2 + (xy )2 =√[½ ()d/2]2+ [(T/JP )2d/2]2 máx = [( M2 + T2 )1/2 / JP] (d/2) Interessante notar que o termo (M2 + T2)1/2 representa o módulo do vetor momento total atuante na seção (M + T) (chamado momento “ideal”). Para o caso em análise, como e máx =(200/2):1,6 = 62,5MPa teremos: máx = 32 ( M2 + T2 )1/2 / d3 d3 = 32 [(10x103)2 + (15x103)2 ]1/2 / (62,5x106 = 2,9838x10-3 m3 d = 1,432 x 10-1 m → d = 143 mm (Resposta) Exemplo 2 – Para o perfil “I” esquematizado, determinar o coeficiente de segurança para a ruptura do material, supondo tratar-se de aço 1080, de alto teor de carbono, dureza Brinell 248, e resistência à tração de 78 kgf/mm2. 210kN Solução: O momento de inércia da seção em relação à LN valerá: ILN = [100 x (165)3 / 12] – [95 (150)3 / 12 = 10,72 x 106 mm2]. Na seção do engastamento teremos: Q = 210 kN e M = - 210x103 x 0,150 = - 31,5 kNm. Para o ponto A (no topo, onde ocorre a máxima tensão normal de tração e onde a tensão de cisalhamento é nula), teremos: 8 5 150 = (M/ I)y = (31,5x103 / 10,72x10-6 )x0,083 = 243,9 MPa. Considerando o estado duplo: (tração Pura) - P1 = 243,9MPa 121,9 243,9 150 P2 = 0,000 100 8 A máx = ½ (243,9)= 121,9MPa Para o ponto C (na LN, onde ocorre a máxima tensão tangencial e onde a tensão normal é nula), teremos:= (QMS / b I ) sendo MS = (0,008x0,100x0,079 + 0,005x0,075x0,0375)=77,26x10-6 m3 B = 210x103x77,26x10-6 / 0,005 x 10,72x10-6 = 302,7MPa Considerando o estado duplo: (Corte Puro) - P1 = 302,7MPa P2 = 302,7MPa máx = 302,7MPa C 302,7 302,7 2 Para o ponto B (na interface entre a mesa e a alma, onde ocorre uma tensão normal elevada, embora não seja a máxima, estando presente uma tensão tangencial também levada, embora não seja a máxima), teremos: = (M/ I)y = (31,5x103 / 10,72x10-6)x0,075 = 220,4MPa = (QMS / b I) sendo MS = (0,008x0,100x0,079) = 63,20x10-6 m3 = 210x103 x 63,20x10-6 / 0,005 x 10,72x10-6 = 247,6MPa 220,4 Considerando o estado duplo: (Tração+Corte) - P1 = 381,2MPa P2 = -160,8MPa máx = 271MPa Como tg 2p = xy / ½ (x - y) = = -247,6 / ½ (220,4) = - 2,247; 247,6 247,6 381,2 - 160,8 2p = - 66,0º; p1 = - 33,0º; p2 = 57,0º 9.3 – Teorias das Máximas Energias de deformação Poder-se-á cogitar que a deterioração do material ocorre quando, no ponto considerado, a energia de deformação, por unidade de volume (u), ultrapassar o valor de tal grandeza quando da deterioração do material por ocasião do ensaio de tração correspondente (Critério de Saint-Venant). Como vimos nos capítulos 1.6 e 1.7, considerando os planos principais (onde não ocorrem tensões tangenciais), em um estado triplo de tensões: utotal = U/V = ( ½ ) (sendo: 1 = (1/E) [ 1 - (2 + 3 )] 2 = (1/E) [ 2 - (3 + 1 )] 3 = (1/E) [ 3 - (1 + 2 )], que nos leva a: utotal = [1/2E] [ ( Segundo o critério da máxima energia específica de deformação total não haverá deterioração do material se: limite )2 .......................... (9.4) que, no caso do estado duplo de tensões (com 3 = 0) se torna: limite )2 .............................. (9.5) Observa-se experimentalmente que os materiais suportam tensões muito mais elevadas do que a ao ensaio uniaxial de tração, quando submetidos a estados hidrostáticos de tensão (quando as 3 tensões principais são todas iguais, ficando os círculos de Mohr reduzidos a um ponto sobre o eixo dos ), não ocorrendo tensão tangencial em qualquer plano (ficando o estado de tensão definido pela grandeza escalar “pressão”, invariante para todas as direções). As rochas sob a crosta terrestre são um bom exemplo do que se comenta. Tal comportamento fica compreendido quando se leva em conta que a energia total de deformação pode ser desdobrada em duas componentes: a energia para variação de volume e a energia para variação de forma (distorção). Assim é que podemos estabelecer a composição: p 2 2 - p 1 = p p + 1 - p 3 3 3 - p Admite-se que a ação inelástica ocorrerá sempre que a energia de distorção exceder o valor correspondente no ensaio de tração (onde apenas uma das tensões principais não é nula). Este é o chamado critério da máxima energia de distorção (Von Mises). O valor da energia específica de distorção (ud) será computado subtraindo do valor da energia total, a parcela correspondente a energia de variação volumétrica decorrente da tensão média p, fazendo em (9.3) ip/3, nos dando: uvolume = [(1 – 2)6E]( Efetuando a diferença obtem-se: udistorção = [(1+)/6E] [((( Segundo tal critério, não haverá a deterioração do material se: [(((limite)2 ......................................(9.7) Tratando-se do caso comum de um estado duplo de tensões (com a equação se torna: (limite)2 . Sendo médio + máx e médio - máx, obtemos: (médiomáxlimite)2 ......................................................................(9.6) Adotando-se certa margem de segurança, considera-se como tensão admissível: adm = limite / (Coeficiente de Segurança). Interessante comentar que, no caso do estado de corte puro (ocorrente no ensaio de torção de eixos) teremos: r r; r; ; que nos dá: 3r 2 limite)2 → r < 0,577 limite r r (valor confirmado experimentalmente para os materiais dúteis – cerca de 60% da tensão normal do ensaio de tração, e não os 50% preconizados pelo critério da máxima tensão tangencial). Exemplo 3 – O recipiente cilíndrico de parede fina esquematizado (diâmetro d = 200mm e espessura e = 2,8mm) contém ar comprimido na pressão manométrica de 32 atmosferas e deve ser submetido à uma força F = 10kN para aperto dos parafusos de vedação. Pede-se avaliar o coeficiente de segurança ao escoamento admitindo que o material da chapa seja aço com tensão normal limite de escoamento 250MPa, E = 210GPa e = 0,300, segundo os quatro critérios de resistência estudados (não considerar os efeitos da proximidade da chapa do fundo do recipiente na seção da base onde os esforços solicitantes são extremos). Solução: Na seção da base temos: N = p.D2/4= 3,2x106 x (0,200)2/ 4=100,5kN; 10x103 =10x103x Q = 10,0kN; M = x 0,500 = 5,00kN.m; T 0,350 = 3,50kN.m. A = D x e = 1,759 x 10-3 m2; JP = A x (D/2)2 = 17,59 x 10-6m4; I = ½ JP Analisaremos as tensões ocorrentes nos pontos da seção da base (na parte interna, onde atua uma tensão de compressão - p): A – onde a tensão longitudinal trativa devido a p se soma a devido a M; B – onde a tensão tangencial devido ao torque T se soma a devido a Q; T p 350 10kN A 500 D=200 4 C PONTO A PONTO B L LC C p C p LC PONTO C L C L LC C p C C L L L Superfície interna Superfície interna B Superfície interna C = pD/2e = C = pD/2e = C = pD/2e = = 3,2 x106x 0,2 / 0,0056 = 114,3MPa = 3,2 x106x 0,2 / 0,0056 = 114,3MPa = 3,2 x106x 0,2 / 0,0056 = 114,3MPa L = N/A = L = N/A - (M/I)(D/2) = = 100,5 x 103 / 1,759x10-3 = = 57,13 MPa = 100,5 x 103 / 1,759x10-3 - L = N/A + (M/I)(D/2) = = 100,5 x 103 / 1,759x10-3 + 3 -6 +(5x10 / 8,795x10 ) x 0,100 = = 57,13 + 56,85 = 114,0 MPa LC = (T/JP)(D/2) = 3 -6 =(3,5x10 / 17,59x10 )x0,100= = 19,90 MPa 3 = -p = -3,2MPa LC = (T/JP)(D/2) + (Q/A) = +(5x103 / 8,795x10-6) x 0,100 = = 57,13 + 56,85 = 0,28 MPa =(3,5x103 / 17,59x10-6)x0,100 + + 2 (10x103 / 1,759 x 10-3) = = 19,90 + 11,37 = 31,27MPa 3 = -p = -3,2MPa =(3,5x103 / 17,59x10-6)x0,100= = 19,90 MPa 3 = -p = -3,2MPa R = {[½ (114,3 - 114,0)]2 + 19.92}1/2= médio = ½ (114,3 + 57,13) = 85,72 R = {[½ (114,3 – 57,13)]2 + 31,272}1/2= =19,90 = 42,37 médio = ½ (114,3 + 114,0) = 114,2 LC = (T/JP)(D/2) = médio = ½ (114,3 + 0,28) = 57,29 R = {[½ (114,3 – 0,28)]2 + 19.92}1/2= =60,38 1 = 114,2 + 19,9 = 134,1MPa 2 = 114,2 - 19,9 = 94,3MPa 3 = - 3,2MPa máx = ½ ( 1 = 85,72 + 42,37 = 128,1MPa 2 = 85,72 – 42,37 = 43,45MPa 3 = - 3,2MPa máx = ½ ( 1 = 57,29 + 60,38 = 117,7MPa 2 = 57,29 – 60,38 = - 3,09 MPa 3 = - 3,2MPa máx = ½ ( =1/2 [134,1 – (-3,2)] = 68,65MPa =1/2 [128,1 – (-3,2)] = 65,65MPa =1/2 [117,7 – (-3,2)] = 60,45MPa Dos pontos analisados, é o ponto A o mais crítico, para o qual teremos: 1 = 134,1MPa; 2 = 94,3 MPa; 1 = -3,20M Pa; máx = 68,65 MPa Pelo critério da máxima tensão normal (Coulomb); C.S. = 250 / 134,1 = 1,86. Pelo critério da máxima tensão tangencial (Tresca); C.S. = ½ 250 / 68,65 = 1,82. Pelo critério da máxima energia específica total (Saint-Venant); [(((limite /CS)2 ; (134,1)2 + (94,3)2 + (-3,2)2 – 2x0,300(134,1x 94,3 + 94,3x(-3,2) + (-3,2)x 134,1=(250/CS)2→ CS = 1,78 5 Pelo critério da máxima energia específica de distorção (Von Mises); [(((limite /CS)2 ; (134,1 – 94,3)2 + (94,3 + 3,2)2 + (-3,2 + 134,1)2 = 2(250 / C.S.)2 → C.S. = 2,10. 9.4 – Outras teorias. (Teoria de Mohr) Observa-se experimentalmente que os materiais frágeis suportam tensões de compressão bem mais elevadas que as de tração (um exemplo clássico é o concreto). Traçando-se os círculos de Mohr correspondentes aos ensaios de tração e de compressão do material (bem como o de corte puro, por torção, quando disponível), será lógico admitir (Critério de Mohr) que o estado (duplo) de tensões será seguro para um dado material se o círculo de Mohr correspondente ficar inteiramente dentro da área delimitada pela envoltória dos círculos correspondentes aos dados obtidos nos ensaios. rupt )Compressão rupt )Corte rupt )Tração Fig, 9.2 – Teoria de Mohr para os critérios de ruptura de materiais frágeis em estado plano de tensões. 6