nunca pare de sonhar Coleção COMUNIDADE E MISSÃO •O diálogo das religiões, A. Torres Queiruga •Curso de preparação para ministérios leigos, Diocese de Caxias do Sul •A Igreja do futuro e o futuro da Igreja — Perspectivas para a evangelização na aurora do terceiro milênio, Agenor Brighenti •Discípulos e missionários — Reflexões teológico-pastorais sobre a missão na cidade, Dom Benedito Beni dos Santos •A vocação: convite para servir, Pe. José Dias Goulart •Vida Religiosa — Da convivência à fraternidade, G. Colombero •Ovelha ou protagonista? — A Igreja e a nova autonomia do laicato do século XXI, Renold J. Blank •Herdeiros de Abraão — O futuro das relações entre muçulmanos, judeus e cristãos, Bradford E. Hinze e Irfan A. Omar •A unidade da Igreja — Ensaio de eclesiologia ecumênica, Elias Wolff •Acompanhamento de vocações homossexuais, José Lisboa Moreira de Oliveira •Padres para amanhã — Uma proposta para comunidades sem Eucaristia, Fritz Lobinger •Dicionário de Aparecida — 42 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida, Paulo Suess •As noites de um profeta — Dom Helder Câmara no Vaticano II, José de Broucker •Para compreender o Documento de Aparecida — O pré-texto, o con-texto e o texto, Pe. Agenor Brighenti •Fé viva — Como a fé inspira a justiça social, Curtiss Paul DeYoung •Dom Helder Câmara — Um modelo de esperança, Martinho Condini •Mártir da Amazônia — A vida da irmã Dorothy Stang, Roseanne Murphy •Equipes de ministros ordenados, Dom Fritz Lobinger, Pe. Antonio Jose de Almeida •A profecia na Igreja, José Comblin •Leigos e leigas — Força e esperança da Igreja no mundo, Cezar Kuzma •Igreja comunhão, participação, missão, João Panazzolo •Discípulos e missionários na paróquia, Luiz Gonzaga da Rosa •Diaconia da palavra: o ministério e a missão do diácono permanente, Julio César Bendinelli •Encontro com Cristo — Vencer medos, viver de esperança, Bruno Carneiro Lira •Dom Helder Câmara: profeta para os nossos dias, Marcelo Barros •Impulsos e intervenções — Atualidade da missão, Paulo Suess •Por uma paróquia missionária à luz de Aparecida, Gelson Luiz Mikuszka •O presbítero consagrado nos Institutos Seculares, Giuseppe Forlai •Concílio Vaticano II — Reflexões sobre um carisma em curso, João Décio Passos •Sujeitos no mundo e na Igreja, João Décio Passos (org.) •O bispo, Carlo Maria Martini •Evangelho e instituição, Marcelo Barros •Dicionário da Evangelii Gaudium, Paulo Suess •Nunca pare de sonhar — O presbítero que ama Jesus e sua Igreja, Pe. Jésus Benedito dos Santos Pe. jésus benedito dos santos nunca pare de sonhar O presbítero que ama Jesus e sua Igreja Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Revisão:Caio Pereira Tarsila Doná Rodrigo Moura de Oliveira Diagramação: Dirlene França Nobre da Silva Capa: Marcelo Campanhã Impressão e acabamento: PAULUS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Santos, Jésus Benedito dos Nunca pare de sonhar: o presbítero que ama Jesus e sua Igreja / Jésus Benedito dos Santos. — São Paulo: Paulus, 2015. — (Coleção Comunidade e missão) ISBN 978-85-349-4179-2 1. Concílio Vaticano (2.: 1962-1965) 2. Igreja Católica - Clero 3. Jesus Cristo - Pessoa e missão 4. Missão da Igreja 5. Presbíteros 6. Utopia 7. Vocação sacerdotal I. Título. II. Série. 15-05162 Índices para catálogo sistemático: 1. Presbíteros: Missão pastoral: Cristianismo 253 1ª edição, 2015 ©PAULUS – 2015 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 www.paulus.com.br • [email protected] ISBN 978-85-349-4179-2 CDD-253 Agradecimentos Se alguém passar por este livro e for despertado para buscar a realização dos seus sonhos, penso que valeu a pena todo o esforço. Se alguém passar por este livro e for despertado para caminhar rumo à felicidade, à vida plena, penso que não foi em vão toda a luta. Se alguém passar por este livro e se dispuser a continuar sonhando e acreditando na realização de seus sonhos, sendo despertado para buscar a força mais potente do universo, que é a fé, penso que valeu o empenho. Se alguém passar por este livro e conseguir abraçar mais plenamente a riqueza dos documentos do Concílio Vaticano II, penso que alcançamos nosso objetivo, e assim louvo e agradeço ao Deus da vida. Agradeço de modo especial a todos que contribuíram para a realização do sonho deste livro: Dom Marco Aurélio Gubiotti; Presbíteros Mauro Ricardo de Freitas, Robson Aparecido da Silva, Valdair Benedito Pires, Antônio Van Baalen, Simão Cirineo Ferreira e Edpo Francisco Campos; os leigos e leigas Lúcio Flávio Coutinho, Edna Vilela Silva Santos, Miriam Cibele Rodrigues Carvalho Souza, Marcos Roberto de Faria, Helena Aparecida Reis Fraga e Marcelo de Paula. . . . . . . . 5 Epígrafe Sonho de um jovem que morava no Centro-oeste dos Estados Unidos (autor desconhecido) Por ser filho de um domador de cavalos, tinha uma vida quase nômade, mas desejava estudar. Perseguia o ideal da cultura. Dormia nas estrebarias, cuidava dos animais fogosos e, nos intervalos, à noite, procurava a escola para iluminar a inteligência. Numa dessas escolas, certa vez, o professor pediu à classe que cada aluno contasse seu sonho. O que desejavam para suas vidas. O jovem, tomado de entusiasmo, escreveu sete páginas. Desejava, no futuro, possuir uma área de oitenta hectares e morar numa enorme casa de quatrocentos metros quadrados. Desejava ter uma família muita bem constituída. Estava tão entusiasmado que não somente descreveu, mas desenhou como ele sonhava a casa, as cocheiras, os currais, o pomar. Tudo nos mínimos detalhes. Quando entregou o trabalho, ficou esperando, ansioso, pelas palavras de elogio do mestre. Contudo, três dias depois, o trabalho foi devolvido com uma nota sofrível. Depois da aula, o professor o procurou e falou: – O seu sonho é um absurdo. Imagine, você é filho de um domador de cavalos. Você será um simples domador de cavalos. Escreva um sonho que possa se tornar realidade e eu lhe darei uma nota melhor. O jovem foi para casa muito triste e contou ao pai o que havia acontecido. Depois de ouvi-lo, com calma, o pai afirmou: . . . . . . . 7 Nunca pare de sonhar – O sonho é seu, meu filho. Faça o que quiser... Essa decisão é sua. Persista nesse sonho ou procure outro. O jovem meditou e, no dia seguinte, entregou a mesma página ao professor. Disse-lhe que ficaria com a nota ruim, mas não abandonaria seu sonho. Essa história foi contada para várias crianças pelo dono de um rancho de oitenta hectares, uma enorme casa de quatrocentos metros quadrados e uma família muito bem constituída, próximo de um colégio famoso dos Estados Unidos, o qual empresta para crianças pobres passarem os fins de semana. Depois de terminar a história, o dono do rancho revelou ser o jovem que recebeu a nota ruim, mas não desistiu do sonho. E o mais incrível é que, depois de trinta anos, o professor das crianças visitou o local com seus alunos. Certo dia resolveu apresentar-se, ao entender que o proprietário era seu antigo aluno, e confessou: “Fico feliz que o seu sonho tenha escapado da minha inveja. Naquela época eu era um atormentado. Tinha inveja das pessoas sonhadoras. Destruí muitas vidas. Roubei o sonho de muitos jovens idealistas. Graças a Deus, não consegui destruir o seu sonho, que faz bem a tantas vidas”. . . . . . . . 8 Prefácio Sonho nos lembra de outra palavra: utopia. É claro que não são sinônimas, pois enquanto a primeira se liga mais à imaginação, à criação de imaginários, a segunda tem a força da articulação de vários sonhos para atingir um ideal que parece inatingível. Porém, nosso autor quis que pensássemos nas possibilidades de uma nova articulação da Igreja e do ministério presbiteral em chave de sonho, pois nos convida a imaginar que a realidade pode ser mudada, purificada, encontrando seu espaço na história, deixando, portanto, de ser um não lugar (οὐ τόπος), como os dicionários insistem em traduzir a palavra utopia. Se levarmos em conta a definição do escritor uruguaio Eduardo Galeano, bem que poderíamos relacionar os sonhos desta obra à utopia: “A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos e ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isto: para que eu não deixe de caminhar”. É este o espírito deste livro do Pe. Jésus Benedito: que ninguém pare de sonhar, que ninguém deixe de caminhar. Ler esta obra é mergulhar nos documentos conciliares do maior evento eclesial do século XX – o Concílio Vaticano II – e dar novo alento ao sonho de ver uma Igreja mais próxima de Jesus Cristo, com presbíteros mais identificados com o sacerdote verdadeiro. Se tomarmos a tradição sacerdotal, Jesus . . . . . . . 9 Nunca pare de sonhar . . . . . . . 10 nela não se enquadra, e só pode ser entendido como um leigo judeu, frequentador de sinagogas e não de templos, onde se realizavam os sacrifícios. Porém, à luz do texto neotestamentário conhecido como Carta aos Hebreus, podemos afirmar que Jesus foi verdadeiramente sacerdote, pois seu sacrifício foi existencial, entregando a sua vida para que todos tivessem vida. Padre Jésus Benedito nos coloca exatamente nesse ponto axial da vida e missão de Jesus Cristo, como parâmetro máximo para a vida de todos os presbíteros. Com a perspectiva sugestiva do sonho, o autor nos leva a sonhar com novas possibilidades de superar o atual clericalismo que tomou conta da Igreja e nos distanciou do ministério pé no chão, que mais se aproxima da práxis de Jesus Cristo. O convite insistente para que todos sonhem com esse novo presbítero como protagonista da construção da realidade eclesial não exclui, de forma alguma, a participação efetiva de leigos e leigas, pois o presbítero, no espírito do Concílio Vaticano II, só pode ser compreendido na perspectiva da eclesiologia total. Tal eclesiologia tem como fundamento o sacramento do Batismo e não da Ordem, seguindo o esquema da Lumen Gentium, que antepõe o conceito de Povo de Deus ao de Igreja hierárquica. O Batismo nos iguala e a Ordem nos distingue. E tal distinção só tem sentido se for feita para ilustrar que os ministros ordenados estão a serviço da totalidade do povo de batizados, do Povo de Deus. A opção pelo vocábulo presbítero, em vez de sacerdote, também obedece ao espírito do Concílio Vaticano II, que no seu documento Presbyterorum Ordinis refere-se à dimensão sacerdotal, como uma ao lado das outras duas, que complementam os três múnus do Cristo atribuídos ao ministério presbiteral: sacerdote, profeta e rei (pastor). O presbítero que emerge desta obra do Pe. Jésus é aquele homem que entendeu que, antes de ser presbítero, é preciso ser homem no meio do povo, ser irmão de todos os irmãos Prefácio e irmãs que compõem o Povo de Deus, ser cristão entre os cristãos. Como tal, não é reduzido ao homem do altar, mas também ao homem da rua, como sonha o papa Francisco com presbíteros de uma Igreja em saída e não presos às sacristias. Estar na rua como profeta e pastor, ater-se aos sinais dos tempos, solidarizar-se com os pequenos e marginalizados, denunciar, com sua vida, as injustiças da sociedade desigual em que vivemos e anunciar, com intrepidez, a Boa-Nova do Reino, tudo isso convém àquele que, digna e responsavelmente, aceitou estar no presbiterado. É homem que agrega e promove a verdadeira comunhão e paz, como atesta o profeta que esta é fruto da justiça. O profetismo no ministério do presbítero, como o concebe Pe. Jésus, implica também estar aberto ao novo e com discernimento crítico; ser cultivador da mística e da espiritualidade profundas e cuidador da vida e da formação de novos profetas. Quando o autor fala do pastoreio no ministério presbiteral, o faz destacando que é preciso, para ser presbítero-pastor, ter a paixão por Cristo e a paixão de Cristo pelo povo, para não se tornar um mero funcionário da instituição. Lembra-nos que o Decreto Conciliar Presbyterorum Ordinis coloca, como eixo da ação presbiteral, a caridade pastoral, sem a qual o presbítero pode ser até um bom profissional, mas não um padre, segundo o coração de Cristo. Os quatro capítulos bem articulados nos adentram de cheio no espírito do livro: sonhar um novo presbítero à luz de uma nova Igreja. A eclesiologia do Concílio concebe a Igreja como toda ministerial, fomentadora de comunhão e de participação de todos, em que todos são chamados à santidade, em que se entende que a autêntica hierarquia querida por Jesus Cristo é a do serviço: “Quem quiser ser o primeiro, seja o servidor de todos”; em que se cultiva uma mariologia real, na qual Maria aparece como modelo de Igreja; em que se antecipam as alegrias do Reino para o hoje da história. A . . . . . . . 11 Nunca pare de sonhar . . . . . . . 12 eclesiologia conciliar supera a dicotomia fé e vida, fé e política, denunciando como grave perigo separar a fé que se professa do estilo de vida que se vive. A Igreja precisa fomentar a centralidade da Palavra em profunda sintonia com a fé celebrada, articulando a mesa da Palavra com a da Eucaristia. Precisa ser a Igreja do verdadeiro ecumenismo, baseada no diálogo com a sociedade, com os cristãos de outras Igrejas e com homens e mulheres de outras religiões. Precisa ser a Igreja que venceu a tentação do proselitismo e do espírito apologético, por meio de um espírito missionário, que se move mais por irradiação e testemunho que por meio da pregação e dos discursos. Esse é o conteúdo do primeiro capítulo. Pe. Jésus percebe que esse modo de ser Igreja enfrenta, na atualidade, uma profunda crise, e desenvolve o segundo capítulo tratando pormenorizadamente dos pontos cruciais dessa barafunda eclesial pela qual passa a instituição na sociedade hodierna. Ele detecta que há uma lacuna séria no sentido do pertencimento, na divisão entre os cristãos, no desencanto com a humanidade, que muitas vezes deixa de sonhar e de fomentar a sociedade justa e de igualdade das oportunidades. Aborda ainda a crise do profetismo, que paralisa os homens e mulheres de boa vontade, tornando muito distante o sonho de outro mundo possível. O terceiro capítulo trata do presbítero sonhador, homem de fé e sujeito na Igreja de Cristo, e da urgente tarefa de purificação e atualização da fé e dos sonhos dos presbíteros. Tal purificação supõe a coragem de perceber que não vivemos mais, na expressão do autor, sob o manto sagrado protetor da família certinha e da Igreja pura e distante da “sujeira” do mundo. Agora é preciso perceber que todos estão no mesmo barco da humanidade, e é aí o lugar onde os presbíteros precisam gerar novos sonhos, novas pessoas de autêntica e profética fé. Sem uma vida profunda de espiritualidade e de mística, cultivada por momentos de silêncio e de busca de um Prefácio contato mais direto com Deus, também por meio de retiros espirituais, renovados e renovadores, nada ou pouca coisa se consegue! Esse presbítero sonhador é o homem que passou pela aventura metanoica, ou seja, uma real conversão para uma vida plena em Cristo. O quarto e último capítulo traz um elenco de testemunhos de sonhadores e sonhadoras que tiveram a coragem de relatar seus sonhos, suas esperanças, suas crenças. Com esses parceiros e parceiras de sonho, Pe. Jésus partilha o próprio sonho, tornando-se assim o presbítero sonhador, que nos interpela para que não paremos de sonhar e nos tornemos construtores de uma Igreja renovada, purificada e em constante processo de reforma, no melhor espírito conciliar da Igreja semper reformanda. Pe. Manoel Godoy . . . . . . . 13 Introdução O papa Francisco diz na sua Exortação Apostólica que tem um sonho: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (EG, 27). O Concílio Vaticano II é um grande sonho da Igreja, sonho ousado de evangelizar, humanizar, cristianizar a humanidade, sonho de diálogo com a modernidade. Entendemos que o presbítero deve ser uma pessoa de fé e de sonhos. E ele está aí dentro dessa Igreja, da qual é chamado a encarnar o sonho, dentro do espírito do Concílio Vaticano II. Falar do espírito do Concílio Vaticano II é falar da sua essência. Assim, ser um presbítero de fé e de sonhos, no espírito do Vaticano II, é abraçar esse Concílio e viver sua essência. Tal sonho deve estar cravado no coração de todo aquele que busca a ordenação presbiteral e, na sua maturidade, assume a missão de dialogar, cristianizar, evangelizar e humanizar o mundo moderno. Afinal, ser presbítero é ser uma pessoa madura na fé (2Tm 2,1-2), um discípulo-missionário, um propagador da fé cristã a todos os que dele se acercam. Sua missão é fazer com que “Cristo habite pela fé nos corações dos fiéis e que sejam todos arraigados e fundados no amor” (Ef 3,17), tornando-se “filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo” . . . . . . . 15 Nunca pare de sonhar . . . . . . . 16 (Gl 3,26). Tal missão implica ser um presbítero sonhador, à semelhança de Cristo, que foi o maior vendedor de sonhos de que já se teve notícias. Jesus plantou no coração das pessoas o sonho do Reino de Deus. Assim, ser um presbítero de fé e de sonhos na Igreja de Cristo, no espírito do Vaticano II, implica investir o melhor de si mesmo para gestar no coração de todos os sonhos de Deus. O presbítero, por natureza, é um educador da fé e dos sonhos do povo de Deus na Igreja de Cristo. Diversos desafios se apresentam nessa sua missão evangelizadora. Mas penso que o maior desafio está relacionado à pessoa do presbítero, isto é, perder a esperança, e assim não sonhar com a Igreja de Cristo nem ter fé. Outra questão que se apresenta, nessa mesma linha, é do presbítero, pelo fato de ter alcançado a graça do presbiterato, cair na tentação de não sonhar nem procurar crescer e amadurecer na fé. Isso poderá acontecer devido à função que é chamado a exercer, isto é, presidir as orações, estar à frente da comunidade, sentir-se escolhido por Jesus. Na verdade, celebrar missas, casamentos, batizados, unção dos enfermos, confessar os fiéis, visitar os doentes não torna o presbítero uma pessoa de fé nem um sonhador na Igreja de Cristo. Psicologicamente, o presbítero é tão necessitado de fé, de sonhos, de conversão, de crescimento e de amadurecimento, numa palavra, de Jesus Cristo quanto qualquer outro ser humano. O que torna o presbítero alguém ímpar em sua missão evangelizadora e educadora da fé e dos sonhos do povo de Deus, na Igreja de Cristo, é seu processo contínuo de acolhida de Cristo em sua vida e o compromisso que resulta do seu encontro com Cristo a cada novo dia. Para isso não basta gostar de ser presbítero, mas amar e viver como presbítero, comprometendo-se, a cada novo dia, com Jesus e sua Igreja, propagando a fé, a esperança e a caridade. A falta de fé e de sonhos de um presbítero dentro da Igreja de Cristo não reflete a sua verdade, isto é, aquilo que ele é ou Introdução é chamado a ser de fato: um homem de fé e de sonhos, um homem de Deus, pastor do seu povo. Muitos, ao serem ordenados presbíteros, mudam o exterior, colocam uma vestimenta eclesiástica, mas o interior acaba ficando longe das pegadas e sentimentos de Jesus Cristo (Fl 2,5), longe do espírito do Concílio Vaticano II. Ser um presbítero de fé e de sonhos na Igreja de Cristo, com o espírito do Concílio Vaticano II, implica deixar que sua vida seja superordenada e transformada pelo Evangelho de Cristo, alcançando o ideal de ser sacerdote, pastor e profeta. Ser um presbítero implica abraçar a eclesiologia Povo de Deus, buscando viver em comunhão com os bispos e com todos os batizados, fazendo emergir o rosto de uma Igreja do serviço, do diálogo e toda ministerial, e que favoreça a atuação efetiva dos irmãos leigos e leigas. A Igreja é a comunidade daqueles que têm fé. Na passagem de Mt 16,18, na qual Jesus diz a Pedro: “Eu te digo: tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”, vemos que o que fez Simão ser Pedro foi a sua profissão de fé. Foi sobre a fé em Jesus proferida por Pedro que teve início a construção da Igreja. Assim, a Igreja se constrói sobre a fé de Pedro e de todos os seguidores de Cristo ao longo dos séculos. Sem fé em Cristo, não há Igreja. A Igreja nasce onde as pessoas se reúnem em torno da fé em Cristo e continuará existindo a partir da fé no Cristo Ressuscitado, na força do Espírito Santo. Ela é o novo Povo de Deus, conforme afirma o Vaticano II, povo formado pelos homens e mulheres que, crendo, voltam seu olhar para Jesus Cristo e sua mensagem. A Carta aos Romanos (8,9) ensina: “Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo”. Ter o espírito de Cristo é ter seus sentimentos (Fl 2,5). No espírito do Concílio Vaticano II, somos convidados a nunca parar de sonhar com a implanta- . . . . . . . 17 Nunca pare de sonhar . . . . . . . 18 ção do Reino de Deus entre nós. Para isso precisamos abraçar os sentimentos que os santos padres desse Concílio tiveram: sonhos de renovação da Igreja que pudesse melhor evangelizar o mundo moderno. A dinâmica de ser um presbítero de fé e de sonhos na Igreja de Cristo, no espírito do Concílio Vaticano II, implica uma constante conversão pastoral do presbítero. Ele deve tomar consciência de que é o primeiro necessitado da fé e, por isso, deve buscá-la incessantemente, e que deve sonhar com a implantação do Reino de Deus aqui e agora, buscando tornar o pedacinho do mundo no qual ele é chamado a atuar um “cantinho do céu”. Buscar ser um presbítero de fé e de sonhos na Igreja de Cristo, no espírito do Concílio Vaticano II, significa estar com o coração aberto para que seja gestada, por obra do Pai e pelo poder do Espírito Santo, a cada novo dia, a imagem do Filho de Deus, como um interminável processo evolutivo psicológico e ao mesmo tempo espiritual em sua vida. Muitas vezes o presbítero quer estar atualizado nas últimas informações e tecnologias para poder melhor atuar pastoralmente, quer saber usar as ferramentas mais avançadas na pastoral, quer ter a mídia de última geração, quer estar em dia com a pastoral da juventude, dos divorciados, dos homossexuais etc. Isso é necessário e obrigatório, pois faz parte de tornar-se uma pessoa atualizada, mas não se pode de modo algum negligenciar plasmar no crente o autêntico discipulado do Mestre Jesus, a identificação com a sua causa, a paixão pela vontade do Senhor, algo que o Concílio Vaticano II traz de maneira muito forte e que Aparecida cunhou na expressão “ser discípulo missionário”. É necessário estar próximo da cultura do nosso tempo, estar atualizado, ser sensível, mas tudo isso só tem valor se for feito com fé e paixão por Cristo, caso contrário, poderá ser um bom profissional, mas não um presbítero-pastor, um homem de Deus, alguém de fé e de sonhos, no espírito do Concílio Vaticano II. Introdução Amar a Igreja de Cristo, como diz Bento XVI (27/02/2013), “significa ter coragem de fazer opções difíceis”. Trazer essa fala para pensar o presbítero, sobretudo no mundo atual, no espírito do Concílio Vaticano II, implica o presbítero ter a coragem de ir em direção oposta à própria vontade, para abraçar a cruz e fazer a vontade de Deus, renunciando a toda glória, poder e dominação, para melhor cumprir sua missão presbiteral; para abraçar a cruz do dia a dia, doando sua vida em favor de mais vida para todos, sobretudo dos mais pobres e necessitados, buscando sua libertação e promoção humana; para não deixar que as cruzes do ministério presbiteral roubem sua esperança, seus sonhos, sua fé; para ter a coragem de enfrentar os grandes problemas, avanços e questionamentos na atualidade. Significa também ter um coração aberto para acolher as mudanças culturais, políticas, econômicas e sociais de seu tempo, sem deixar de ser profeta. Mas isso somente vai acontecer a partir de uma conversão profunda do presbítero, purificação de sua fé e de seus sonhos. Segundo a eclesiologia do Concílio Vaticano II, o presbítero deve ter, com transparência, a centralidade da Palavra de Deus e um coração orante e celebrativo, considerando a Eucaristia como fonte e cume de toda a vida da Igreja (Sacrosanctum Concilium, 10). Assim, evitando a tentação de ser presbítero “mais ou menos”, ele deve buscar a cada novo dia, à luz da eclesiologia do Concílio Vaticano II, viver profundamente inserido no presbitério, sendo homem da Palavra de Deus, do sacrifício eucarístico, da partilha e profunda intimidade com Deus e união com seu povo. Ser um presbítero de fé e de sonhos, na Igreja de Cristo, com o espírito do Concílio Vaticano II, implica fugir da tentação de falar mal da Igreja de Cristo, de seus irmãos no presbitério e de seus pastores. Tal atitude parece não condizer com a conduta de presbítero algum. E ainda, às vezes, é fácil o presbítero dizer que ama a Igreja de Cristo. Difícil é caminhar . . . . . . . 19 Nunca pare de sonhar . . . . . . . 20 junto com o povo de Deus, dispondo-se a estar no meio de pessoas de carne e osso, com seus dons e talentos, mas também com seus dramas, imperfeições e contradições, sobretudo dos menores e simples, educando a fé desse povo de Deus. Segundo o papa Francisco (30/01/2014), “não se entende um cristão sem Igreja. O cristão não é um batizado que recebe o Batismo e, depois, segue adiante pelo seu caminho. O primeiro fruto do Batismo é fazer-se pertencente à Igreja, ao povo de Deus. Não se entende um cristão sem Igreja. E, por isso, o grande Paulo VI dizia que é uma dicotomia absurda amar Cristo sem amar a Igreja; escutar Deus, mas não a Igreja; estar com Cristo à margem da Igreja. Não se pode. É uma dicotomia absurda”. Sabemos que, antes da pessoa ser um presbítero, ela é um cristão. É como cristão que ela abraçou a missão presbiteral. Tal missão, além de viver a pertença à Igreja, implica amá-la mesmo que ele fique, parafraseando o papa Francisco, “acidentado, ferido e enlameado por ter saído pelas estradas”, “por ter saído do comodismo e fechamento de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). Além de estar na Igreja e de amá-la, o presbítero, como cristão, deve buscar a cada dia ser modelo de virtude para todo povo de Deus (1Tm 4,11-16), sendo testemunha de fé, esperança e amor em meio a todas as adversidades de seu ministério presbiteral. Ser presbítero de fé e sonhos na Igreja de Cristo, com o espírito do Concílio Vaticano II, implica amar a Igreja e caminhar com ela, fazendo parte dessa família. A Igreja é o espaço ideal para o povo fazer a experiência comunitária da fé, louvar, bendizer, alimentar-se do Pão da Palavra e do Pão da Eucaristia, fazendo a experiência de amar e ser amado. Ela é a casa do presbítero, a casa do cristão. Sabemos que há muitos presbíteros que nunca leram um documento do Concílio Vaticano II do começo ao fim, nem sequer se deram ao prazer de estudar, rezar e aplicar o Concílio em seu ministério presbiteral. O mesmo se pode dizer Introdução da grande maioria de nossos leigos cristãos. Este livro quer ser um modo agradável de ler os documentos deste Concílio, buscando traduzi-lo em vida e missão de ser Igreja de Jesus Cristo na atualidade. Assim, este livro quer ser uma boa companhia para o presbítero e para os demais leitores e leitoras, proporcionando-lhes refletir sobre a fé e os sonhos do presbítero na Igreja de Cristo, no espírito do Concílio Vaticano II, fortalecendo todos no serviço ao povo de Deus. Ele tem, como fundamento e inspiração, a Eclesiologia do Concílio Vaticano II e, como fio condutor, a pedagogia de Jesus, descrita de modo especial na perícope do Evangelho de Lucas 24,13-35. Nesta, vemos os discípulos de Emaús desanimados, abandonando seus sonhos, e o forasteiro, que escuta esses discípulos desacreditados de seus sonhos, caminha com eles, leva-os ao discernimento, à luz da Palavra de Deus e os alimenta com a Ceia. Através de tal pedagogia, os discípulos retornaram para a comunidade. De maneira bem resumida, podemos dizer que qualquer evangelizador, se quiser que as pessoas retornem para a comunidade, deve primeiro começar a caminhar com elas, ouvindo-as e redimensionando seus sonhos, numa nova ordem à luz da Palavra de Deus, abrindo-lhes os olhos com a partilha da Ceia. Essa é a pedagogia antiga e nova da evangelização, e acredito que é o espírito da Eclesiologia do Concílio Vaticano II, que é um processo capaz de levar a pessoa de volta para a comunidade, construindo ou reconstruindo sua fé e seus sonhos. É tal inspiração e pedagogia que se pretendeu usar neste livro. O conteúdo deste livro está dividido em quatro capítulos. Um primeiro sobre os sonhos de ser Igreja de Jesus Cristo, no espírito do Concílio Vaticano II; um segundo sobre o Concílio Vaticano II e as crises de fé e sonhos na era moderna; um terceiro sobre o ser presbítero de fé e de sonhos na Igreja de Cristo, no espírito do Concílio Vaticano II; e um quarto capítulo sobre a fé e a Igreja dos sonhos, à luz do espírito do . . . . . . . 21 Nunca pare de sonhar Concílio Vaticano II. Em tudo se procurou refletir sobre a importância de ser um presbítero de fé e de sonhos no espírito do Concílio Vaticano II. Desejo-lhe boa leitura e novos sonhos para continuar tecendo o tapete da vida, cheio de fé e sonhos na Igreja de Jesus Cristo, segundo o espírito do Concílio Vaticano II. . . . . . . . 22