Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA – Disciplina: Espaço Agrário – Professor: Tibério Mendonça
A GEOGRAFIA AGRÁRIA
O estudo da relação homem-natureza acompanha o desenvolvimento da Geografia desde a
sua origem. A análise das regularidades na localização do homem e de suas atividades procurou
desvendar sempre a lógica dessa distribuição sobre a superfície terrestre.
Se essa distribuição tem implícita uma variação no espaço, objeto de estudo da Geografia,
ela apresenta também uma lógica temporal, ou seja, a relação homem-natureza varia também no
tempo.
Neste sentido, a Geografia se preocupa não somente com o espaço, entendido como o local
de atuação da sociedade, mas também com a conotação temporal, que imprime uma configuração
diferenciada, no decorrer do tempo, a cada evento geográfico, seja ele um rio, uma fábrica, uma
propriedade agrícola, uma cidade. Entender e caracterizar os eventos geográficos também variou
no tempo e as mudanças nas formas de interpretar o espaço e as distribuições espaciais
determinaram conjuntos de procedimentos e de temáticas distintos.
Nessa perspectiva, o interesse geográfico pelo estudo do meio rural desenvolveu-se de
forma bastante particular e alcançou um papel de destaque no contexto da ciência geográfica,
sendo contemporâneo ao desenvolvimento da Geografia Científica do século XIX e início do XX.
Considerando-se que a agricultura é a atividade econômica mais antiga da sociedade e que,
quando de sua sistematização, a Geografia surge em meio a uma sociedade agrária, na qual o
econômico era o rural e o tipo de organização espacial mais visível e dominante era a rural, a ênfase
nos estudos rurais foi, de certa forma, natural.
Pensar o agro do ponto de vista geográfico
A Geografia Agrária apresenta uma história muito particular no tocante ao desenvolvimento
da Geografia: conhecer a superfície da terra e detectar as formas de exploração (cultivos, técnicas)
aparece como a primeira forma de analisar a agricultura.
Definida como atividade econômica praticada pelo homem e que visa à produção de
alimentos e matéria-prima, assim como o extrativismo vegetal e a pesca, a agricultura é tema
bastante antigo da Geografia. Sem constituir propriamente uma escola, o estudo da agricultura dáse em um contexto no qual ela é considerada um elemento da paisagem e, portanto, de interesse
de cronistas e viajantes mais que (propriamente) de geógrafos.
Merece destaque os trabalhos de Sebastião Ferreira Duarte, que foi o primeiro a se
preocupar em entender a lógica do comportamento da agricultura brasileira. Nele, Duarte procurou
comprovar que a abolição do tráfico de negros não provocou a queda da produção agrícola
brasileira, já que a absorção da mão-de-obra agrícola pela grande exploração ocorria em
detrimento das culturas de subsistência.
Até a década de 1930, a literatura de interesse geográfico pode ser enquadrada em quatro
fases (Andrade, 1994). A primeira, até a metade do século XVIII, é representada por trabalhos de
cunho não-científico efetuados por cronistas, aventureiros e comerciantes que, em crônicas e
relatórios, se preocupavam com a descrição dos homens e da terra.
A segunda fase, que compreende a primeira metade do século XIX, foi marcada pela vinda
de viajantes estrangeiros, os quais objetivavam conhecer diferentes áreas do país, observando e
colhendo informações e material para estudos.
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Compreendendo o período Imperial e a Primeira República, na terceira fase diferentes
cientistas visitaram ou viveram no Brasil, “realizando trabalhos de campo, levantamentos em áreas
em que o governo pretendia investir nos mais diversos misteres (...) Eram porém estudos esparsos,
específicos sobre determinadas áreas ou sobre determinados problemas e não faziam convergir
para uma reflexão científica mais ampla, mais pura (...)” (Andrade, 1994, p. 68).
Já em fins do século XIX e início do XX, na quarta fase, alguns trabalhos de cunho literário
demonstraram a preocupação em estudar o processo de conquista e ocupação do território
brasileiro. São autores como Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha e Joaquim Nabuco, que
escreveram demonstrando compromisso com a Geografia como ciência (Andrade, 1994).
A Geografia Agrária brasileira se desenvolveu seguindo uma trajetória de influências
oferecidas pela própria realidade e pelas mudanças paradigmáticas que determinaram os temas de
estudo e as formas de estudá-los. Alguns geógrafos, além de preocupar-se com o estudo da
realidade propriamente dita, efetuaram a discussão e a sistematização teórica desse campo de
conhecimento, dentro da Geografia.
É possível percebermos que definir Geografia Agrária não foi tarefa fácil para aqueles que a
isto se propuseram. Uma das dificuldades principais esteve no fato de a Geografia Agrária ter como
objeto uma atividade estudada também por outras ciências.
O estudo geográfico da agricultura foi realizado ao longo do tempo por diferentes enfoques
que produziram uma diversidade de definições, as quais refletiam o modo de pensar do momento.
Assim, em princípio, a Geografia Agrária era desenvolvida como “parte” da Geografia Econômica, e
os estudos econômicos em Geografia tinham, na agricultura, seu foco principal.
Apesar disso, a denominação Geografia Agrária não era adequada, considerando-se que o
conteúdo destes estudos voltava-se, prioritariamente, para a análise da produção agrícola, da
distribuição dos cultivos e pouca importância era dedicada às questões sociais.
Entre as décadas de 1930 e 1940 a prioridade era dada aos estudos econômicos que tinham
na agricultura o interesse principal. A hegemonia da agricultura fez com que não houvesse
necessidade de definir um campo de estudo específico. O papel prioritário desempenhado pela
atividade agrícola, no período, colocou-a como temática principal dos trabalhos.
A partir da década de 1950, o desenvolvimento do sistema urbano-industrial e a
concretização da divisão social do trabalho colocaram a cidade e a indústria como precursores de
uma nova realidade econômica. A complexidade das relações que se estabeleceram levou à
necessidade de definição de novos campos, e a agricultura, de hegemônica, passou a ser
coadjuvante num sistema econômico constituído por muitos elementos ou partes. A agricultura é
uma delas. Então, consequentemente, surgiram novos ramos do conhecimento, sendo necessária a
definição exata do campo de estudos de cada um. A Geografia Econômica preocupa-se com a
análise estatística e quantitativa da atividade agrícola, estudando o volume de produção, o emprego
dos produtos e a circulação.
Seguindo a mesma tendência em definir papel específico para a Geografia Agrária e a
Geografia Econômica, Pierre George (1978) define poeticamente o objeto da Geografia Agrícola: o
“milagre anual da colheita sempre renovada, que é, no fundo, o próprio milagre da vida, repetido
ao infinito em todos os campos do mundo, entre os homens negros, debaixo do sol dos Trópicos e
até além do círculo polar em certos pontos”.
A prioridade, como observamos, é dada à descrição e à distribuição dos diferentes fatos
agrícolas que ocorrem no mundo. “Compete à Geografia econômica calcular as colheitas das
diversas partes do mundo, proceder às classificações de produtores e consumidores, definir as
correntes de transporte dos produtos agrícolas”.
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Assim, encontramos uma diferenciação importante nas colocações de Pierre George (1978),
definindo, para o estudo dos aspectos agrícolas, três campos diferentes. A Geografia Agrícola,
preocupada com a descrição e a distribuição dos eventos agrícolas; a Geografia Econômica, com a
produção e o transporte dos cultivos; e a Geografia Social, com o tratamento dos agrupamentos
humanos e das civilizações envolvidas com o trabalho da terra.
Outro autor que trata da Geografia Agrária na década de 1950 é Erich Otremba (1955).
Segundo este estudioso, a economia agrária e a economia industrial estão interligadas, mas devem
ser consideradas de forma distinta. A economia agrária está submetida à ação dos fatores naturais e
sua variedade é resultado da dependência das características geográficas, contrariamente à
economia industrial. Assim, Otremba (1955) fala da existência de um método agrogeográfico e de
outro industrial-geográfico.
As colocações de Otremba (1955) revelam dois aspectos importantes: primeiro, a função
determinista, que o autor estabelece para o meio físico com relação à agricultura. Em seguida, a
análise comparativa que traça entre a Geografia Agrária e a Industrial, buscando definir o papel de
cada uma.
Fica evidente no trabalho deste autor a diferenciação de ramos que deveria compor os
estudos geográficos. Como dissemos anteriormente, nos anos 50, a referência à indústria e à cidade
passa a fazer parte dos estudos de Geografia, e Otembra (1955) destaca tal fato quando diferencia
economia industrial e economia agrária.
Podemos dizer que o geógrafo (agrário) estava preocupado em estudar a atividade agrícola
evidenciada na paisagem e distribuída distintamente pela superfície da terra em função dos
condicionantes naturais, dos sistemas econômicos (sistemas de cultivos) e da população (hábitat,
modo de vida). Esta é a Geografia Agrária da década de 1950: imprecisa quanto à sua definição,
representativa como campo de interesse e numerosa quanto à produção científica.
Para a década de 1970, grandes mudanças revelam um objeto de estudos modificado. O
processo de modernização da agricultura levou ao campo novas formas de produzir, relações de
trabalho mais apropriadas à lógica do sistema capitalista, numa situação na qual a indústria passa a
ser produtora de insumos para a agricultura e consumidora de bens agrícolas.
Um cenário de transformações também é sentido no ambiente acadêmico pelas mudanças
metodológicas que ocorrem no meio científico da Europa e da América anglo-saxônica. No Brasil, os
estudiosos começam a discutir o assunto e algumas tendências são projetadas. Os trabalhos ligados
especificamente à definição e à explicação da Geografia Agrária demonstram preocupação com a
definição de uma nova ordem teórico-metodológica que responda ao conteúdo e à natureza da
atividade agrícola, praticada sob nova lógica, em consonância com as diretrizes do novo paradigma
geográfico. Embora as paisagens do campo e das cidades sejam diferentes, ambas acabam por
formar uma só realidade, comandada é claro pelo meio urbano, que é o centro do controle
econômico, social e político.
Talvez seja esta pista que nos leve a justificar uma mudança de abordagem do espaço
agrário. Entretanto, o que é evidente é a perda de hegemonia da atividade agrícola, fundamental
em outros períodos. Por outro lado, as diferenciações espaciais, as diversas formas de organização
do espaço agrário persistiram e deveriam ser a prioridade dos estudos sobre a atividade agrícola.
A representação, a seguir, que designamos por Síntese da Geografia Agrária Brasileira,
resume o que consideramos fundamental para concluir a discussão da questão da periodização na
Geografia Agrária. Temos aqui então resumida a história da Geografia Agrária Nacional.
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A questão agrária brasileira
O debate sobre o que se convencionou chamar “A Questão Agrária no Brasil" vem se
intensificando nos últimos anos.
Não é, entretanto, a primeira vez que esse tema é discutido entre nós. Na verdade, essa
polêmica já polarizou grande parte dos debates também em outras épocas da vida nacional. Na
década de trinta, por exemplo, essa discussão girava em torno da crise do café e da grande
depressão iniciada com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929.
Já no final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, a discussão sobre a questão agrária
fazia parte da polêmica sobre os rumos que deveria seguir a industrialização brasileira.
Argumentava-se então que a agricultura brasileira - devido ao seu atraso - seria um
empecilho ao desenvolvimento econômico, entendido como sinônimo da industrialização do país.
Esse diagnóstico vinha reforçado pela crise da economia brasileira, particularmente no
período 1961/67. Depois de 1967, até 1973, o país entrou numa fase de crescimento acelerado da
economia.
Nesse período, que ficou conhecido como o do "milagre brasileiro", pouco se falou da
questão agrária. Em parte porque a repressão política não deixava falar de quase nada. Mas em
parte também porque muitos achavam que a questão agrária tinha sido resolvida com o aumento
da produção agrícola ocorrido no período do milagre. Embora todos reconhecessem que esse
aumento vinha beneficiando os então chamados "produtos de exportação" (como o café, a soja,
etc.), em detrimento dos chamados "produtos alimentícios" (como o feijão, arroz, etc.), contraargumentavam alguns que isso era um desajuste passageiro que logo se normalizaria. Outros diziam
ainda que não haveria problema se pudéssemos continuar exportando soja - que era mais lucrativa
- e, com os recursos obtidos, comprar o feijão de que necessitávamos.
Mas o "milagre" acabou. Passada a euforia inicial, muitos começaram a se dar conta de que
os frutos do crescimento acelerado do período 1967/73 tinham beneficiado apenas uma minoria
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privilegiada. E, entre os que tinham sido penalizados, estavam os trabalhadores em geral, e, de
modo particular, os trabalhadores rurais.
De 1974 em diante a economia brasileira deixa de apresentar os elevados índices de
crescimento do período anterior, e no triênio 1975/77 começa a se delinear claramente outra
situação de crise.
É muito interessante observar que em 1978 muitas coisas voltam a ser discutidas, com o
início de uma relativa abertura política no país. E, entre elas, retoma-se com pleno vigor o debate
sobre a questão agrária, novamente dentro do contexto mais geral das crises do sistema econômico
capitalista.
A escolha da agricultura como "meta prioritária" do governo reaviva as discussões que se
travam em torno do conteúdo político e social das transformações que se operaram no campo
brasileiro nas duas últimas décadas. Nem mesmo a tão anunciada "super-safra" - que não chegou a
ser tão "super" assim - consegue esconder o "ressurgimento da questão agrária", como parte dos
temas mais polêmicos do momento.
Evidentemente não é bem um "ressurgimento da questão agrária", pois ela não foi resolvida
anteriormente. De um lado, ela havia sido esquecida ou deixara de ser um tema da moda da grande
imprensa. Do outro lado - da parte daqueles que não a podiam esquecer, porque a questão agrária
faz parte da sua vida diária, os trabalhadores rurais - ela fora silenciada. Para isso foi necessário
fechar sindicatos, prender e matar líderes camponeses, além de outra série de violências que todos
conhecem ou pelo menos imaginam.
Esse próprio "ressurgimento" serve para ilustrar um ponto fundamental para poder
confundir a questão agrária e a questão agrícola o grande economista brasileiro Ignácio Rangel já
havia alertado sobre isso desde 1962. Dizia ele que o setor agrícola à medida que avançasse a
industrialização do país, teria que:
a) aumentar a produção, para fornecer às indústrias nascentes matérias-primas, e às pessoas das
cidades os alimentos;
b) liberar a mão-de-obra necessária para o processo de industrialização;
Se a produção agrícola não crescesse no ritmo, necessário, configurar-se-ia então uma crise
agrícola: faltariam alimentos e/ou matérias-primas, o que inviabilizaria a continuidade do processo
de industrialização. Por outro lado, se a agricultura liberasse muita ou pouca mão-de-obra em
função das quantidades exigidas para a expansão industrial, configurar-se-ia uma crise agrária
traduzida por uma urbanização exagerada ou deficiente.
Essa separação entre questão agrária e questão agrícola é apenas um recurso analítico.
Evidente que na realidade objetiva dos fatos não se pode separar as coisas em compartimentos
estanques, ou seja, a questão agrária está presente nas crises agrícolas, da mesma maneira que a
questão agrícola tem suas raízes na crise agrária. Portanto, é possível verificar que a crise agrícola e
a crise agrária, além de internamente relacionadas, muitas vezes ocorrem simultaneamente. Mas o
importante é que isso não é sempre necessário. Pelo contrário muitas vezes a maneira pela qual se
resolve a questão agrícola pode servir para agravar a questão agrária.
Em poucas palavras, a questão agrícola diz respeito aos aspectos ligados às mudanças da
produção em si mesma: o que se produz, onde se produz e quanto se produz. Já a questão agrária
esta ligada às transformações nas relações sociais e trabalhistas produção: como se produz, de que
forma se produz.
No equacionamento da questão agrícola as variáveis importantes são as quantidades e os
preços dos bens produzidos. Os principais indicadores da questão agrária são outros: a maneira
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como se organiza o trabalho e a produção; Qualidade de renda e emprego dos trabalhadores rurais,
a progressividade das pessoas ocupadas no campo, etc.
A força com que a questão agrária brasileira ressurge hoje não advém apenas da maior
liberdade com que podemos discuti-la. Mas também do fato de que ela vem sendo agravada pelo
modo como têm se expandido as relações capitalistas de produção no campo. Em outras palavras, a
maneira como o país tem conseguido aumentar a sua produção agropecuária tem causado
impactos negativos sobre o nível de renda e de emprego da sua população rural.
E a crise agrária brasileira já estava desde o início dos anos sessenta ligada a uma liberação
excessiva de população rural. Eram milhares de pequenos camponeses que, expulsos do campo,
não conseguiam encontrar trabalho produtivo nas cidades e daí os crescentes índices de migrações,
de subemprego, para não falar na mendicância, prostituição e criminalidade das metrópoles
brasileiras.
O fato é que a expansão da grande empresa capitalista na agropecuária brasileira nas
décadas de sessenta e setenta foi ainda muito mais acelerado que em períodos anteriores. E essa
expansão destruiu outros milhares de pequenas unidades de produção, onde o trabalhador rural
obtinha não apenas parte da sua própria alimentação, como também alguns produtos que vendia
nas cidades. É essa mesma expansão que transformou o colono em bóia-fria, que agravou os
conflitos entre grileiros e posseiros, fazendeiros e índios, e que concentrou ainda mais a
propriedade da terra.
Falamos a pouco das transformações que a expansão do capitalismo no campo provoca
sobre a produção agropecuária. Mas qual é o sentido dessas transformações?
Com o desenvolvimento da produção capitalista na agricultura (ou seja, nas transformações
que o capital provoca na atividade agropecuária), tende a haver um maior uso de adubos, de
inseticidas, de máquinas, de maior utilização de trabalho assalariado, o cultivo mais intensivo da
terra, etc. Em resumo, a produção se torna mais intensiva sob o controle do capital.
Quer dizer, o sentido das transformações capitalistas é elevar a produtividade do trabalho.
Isso significa fazer cada pessoa ocupada no setor agrícola produzir mais, o que só se consegue
aumentando a jornada e o ritmo de trabalho das pessoas, e intensificando a produção
agropecuária. E para conseguir isso o sistema capitalista lança mão dos produtos da sua indústria:
adubos, máquinas, defensivos, etc. Ou seja, o desenvolvimento das relações de produção
capitalistas no campo se faz "industrializando" a própria agricultura.
Essa industrialização da agricultura é exatamente o que se chama comumente de
penetração ou "desenvolvimento do capitalismo no campo". O importante de se entender é que é
dessa maneira que as barreiras impostas pela Natureza à produção agropecuária vão sendo
gradativamente superadas. Como se o sistema capitalista passasse a fabricar a natureza que fosse
adequada à produção de maiores lucros.
Assim, se uma determinada região é seca, tome lá uma irrigação para resolver a falta de
água; se é um brejo, lá vai uma draga resolver o problema do excesso de água; se a terra não é
fértil, aduba-se e assim por diante. A tecnologia adotada é apropriada aos interesses do grande
capitalista contra aos dos pequenos produtores.
Mas isso não é próprio do sistema capitalista. É importante voltar a lembrar que o objetivo
das transformações capitalistas na agricultura (como em toda a economia é o de aumentar a
produtividade do trabalho. Isto é, fazer com que cada pessoa possa produzir mais, durante o tempo
em que está trabalhando. No sistema capitalista, quando o trabalhador produz mais, quem ganha é
o patrão. É ele que aumenta seus lucros. Por isso, o sistema capitalista acumula riqueza de um lado
e miséria de outro.
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Mas a elevação da produtividade do trabalho é fundamental em qualquer sociedade. Numa
sistema econômico socialista, onde o trabalhador é o dono dos frutos do seu próprio trabalho. Aí,
quando uma pessoa produzir mais por dia de serviço, ela ganhará mais e poderá inclusive trabalhar
menos dias por ano, se isso for conveniente para todos. É claro que, num sistema desse tipo, muitas
tecnologias adotadas no capitalismo terão que ser abandonadas. Afinal, o objetivo não será mais
aumentar os lucros dos grandes capitais, mas promover o bem-estar dos trabalhadores.
Ocupação da terra no Brasil e a formação dos complexos agroindustriais no Brasil
Do total de 850 milhões de hectares (8,5 milhões de quilômetros quadrados) do território
brasileiro, 418,5 milhões são ocupados por 4,3 milhões de fazendas e sítios. A maioria desses
imóveis – 3,9 milhões – é de pequenas propriedades, que ocupam apenas 27% da área produtiva do
país. Por outro lado, cerca de 112,5 mil propriedades rurais (2,6%) são latifúndios – ocupam 214,8
milhões de hectares, ou seja, mais da metade das terras. Esses índices fazem do Brasil um dos
campeões mundiais de concentração de terras – um problema que persiste desde os tempos de
colônia e só pode ser resolvido com uma reforma agrária.
A concentração fundiária no Brasil remota à criação das capitanias hereditárias, no início da
colonização portuguesa, no século XVI. Àquela época, a monocultura da cana para exportação era
um bom negócio para a Coroa Portuguesa e ocupava boa parte das terras desbravadas. A produção
de alimentos – inclusive para a subsistência dos próprios moradores das fazendas – ficava relegada
a segundo plano. As pequenas áreas em que se permitia plantar eram constantemente deslocadas
para dar lugar a novas áreas de cultivo de cana. A precariedade dessa agricultura familiar causava
problemas crônicos de abastecimento.
O ciclo do ouro trouxe certo fôlego para a produção de alimentos. Mas não o suficiente para
regularizar a posse da terra e dinamizar o setor agrícola não exportador. Tanto que, no fim do
século XVIII, a ocupação do território colonial se mesclava ainda à política de doação por meio de
sesmarias. Daí surgiram os latifúndios escravistas. Não havia legislação que possibilitasse dizer
quem era ou não proprietário.
A confusão perdurou após a independência, mas a partir de 1850, os barões do café – cultivo
que substituía o açúcar como motor da economia agrária – uniram-se com dois objetivos: legalizar a
posse de terras e garantir a continuidade do fornecimento de mão-de-obra para nelas trabalhar.
Com a perspectiva da iminente abolição da escravatura, os cafeicultores só poderiam contar com os
escravos libertos e os imigrantes para trabalhar como colonos. Para isso, era necessário que essa
parcela da população não tivesse a possibilidade de adquirir as próprias terras nem dominá-las.
No início do século XIX, a extinção do regime de sesmarias, aliada à ausência de outra
legislação regulando a posse das terras devolutas, provoca uma rápida expansão dos sítios de
pequenos produtores.
Em meados desse mesmo século. Começou a declinar o regime escravocrata. Sob pressão da
Inglaterra - agora interessada num mercado comprador para seus produtos manufaturados, e não
apenas interessada em vender escravos - o Brasil proíbe o tráfico negreiro em 1850.
Foi assim que o Império promulgou a Lei de Terras, que estabelecia a compra e a venda
como única forma de aquisição de qualquer gleba disponível. As pessoas que já possuíam
propriedade recebiam o título de posse mediante prova de que residiam e produziam na terra. As
áreas não ocupadas eram consideradas do Estado e só poderiam ser adquiridas por meio de compra
nos leilões mediante o pagamento à vista – o que, é claro, não estava ao alcance dos imigrantes e
dos escravos libertos.
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Além de garantir as propriedades dos barões do café das regiões Sul e Sudeste e dos
latifundiários do Nordeste, a Lei de Terras abriu brechas para todo tipo de fraude. Uma consistia em
reivindicar uma gleba com base em documentos falsificados. Pra dar aparência antiga à papelada,
as escrituras eram trancadas numa gaveta cheia de grilos. Corroídos e amarelados por substâncias
liberadas pelos insetos, os documentos pareciam autênticos. Daí vem o termo grilagem.
O período que vai da proibição do tráfico e da lei de Terras até a abolição (1850/1888) marca
a decadência do sistema latifundiário-escravista.
Após 1888, começa a se consolidar no país um segmento formado por pequenas fábricas de
chapéus, de louças, de fiação e tecelagem, etc. Essas indústrias servem para fortalecer e consolidar
vários centros urbanos que antes eram puramente administrativos - cidades sem vida própria (quer
dizer, sem gerar produtos), como se "dizia”: como, por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro. Embora
bastante incipiente, esse princípio de industrialização - e a consequente urbanização daí decorrente
- começa a provocar várias alterações na produção agrícola. Consolida-se a produção mercantil de
alimentos fora das grandes fazendas de café: Além da produção de alimentos, os pequenos
agricultores têm também a possibilidade de produzir matérias primas para as indústrias crescentes
(como por exemplo, o algodão, o tabaco, etc.) uma vez que o latifúndio continua a monopolizar a
produção destinada à exportação - o café.
As alterações de preços dessa cultura provocam crises periódicas durante o início do século
XX, culminando em 1932, ano em que se dá o auge dos reflexos da crise de 29 sobre o setor
cafeeiro.
O período que se estende de 1933 a 1955 marca uma nova fase de transição da economia
brasileira. Nesse período, o setor industrial vai-se consolidando paulatinamente e o centro das
atividades econômicas começa vagarosamente a se deslocar do setor cafeeiro - exportador.
A indústria gradativamente vai assumindo o comando do processo de acumulação de
capital: o país vai deixando de ser "eminentemente agrícola" (como alguns ainda creem ser a sua
"vocação histórica"). Durante essa fase, a industrialização se faz pela "substituição das
importações": um determinado produto que era comprado no exterior, passa a ter sua produção
estimulada no país através de barreiras alfandegárias, que incluíam desde impostos elevados até a
própria proibição da importação. Mas vai ficando cada vez mais difícil essa substituição. Antes eram
tecidos, louças, chapéus; agora são eletrodomésticos, carros, que precisam ser produzidos
internamente.
E para isso se faz necessário primeiro implantar a indústria pesada no país: siderurgia,
petroquímica, material elétrico, etc. - o que é feito no período de 1955/61. Resolvido o problema da
indústria, vai-se iniciar o que se poderia chamar industrialização da agricultura.
No inicio dos anos sessenta, que corresponde ao final da fase de industrialização pesada no
Brasil, instalam-se no país as fábricas de máquinas e insumos agrícolas. Assim, por exemplo, são
implantadas indústrias de tratores e equipamentos agrícolas (arados, grades, etc.), fertilizantes
químicos, rações e medicamentos veterinários, etc. Evidentemente a indústria de fertilizantes e
defensivos químicos só poderia se instalar depois de constituída a indústria petroquímica; a
indústria de tratores e equipamentos agrícolas, depois de implantada a siderurgia; e assim por
diante.
O importante é que, a partir da constituição desses ramos industriais no próprio país, a
agricultura brasileira iria ter que criar um mercado consumidor para esses "novos" meios de
produção. Para garantir a ampliação desse mercado, o Estado implementou um conjunto de
políticas agrícolas destinadas a incentivar a aquisição dos produtos desses novos ramos da indústria,
acelerando o processo de incorporação de modernas tecnologias pelos produtores rurais. A
industrialização da agricultura brasileira entrava assim numa outra etapa.
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Mas o desenvolvimento das relações capitalistas na agricultura tem particularidades em
relação ao da indústria. A principal delas é que o meio de produção fundamental na agricultura a
terra - não é suscetível de ser multiplicado (reproduzido) ao livre arbítrio do homem, como o são as
máquinas e outros meios de produção e instrumentos de trabalho.
É exatamente por ser a terra um meio de produção relativamente não reprodutível - ou pelo
menos, mais complicado de ser multiplicado que a forma de sua apropriação histórica ganha uma
importância fundamental.
Desde que a terra seja apropriada privadamente, o seu dono pode arrogar-se o direito de
fazer o que quiser com aquele pedaço de chão. Em alguns países, como no caso do Brasil, o
proprietário de terra tem até mesmo o direito de não utilizá-la produtivamente, isto é, deixá-la
abandonada, e de impedir que outro a utilize. Por isso é que a estrutura agrária - ou seja, a forma
como a terra está distribuída - torna-se assim o ''pano de fundo" sobre o qual se desenrola o
processo produtivo na agricultura.
Se fosse fácil fabricar novas terras, pouca importância teria a forma de apropriação dos solos
criados pela Natureza, quer dizer, dos solos não fabricados. O sistema capitalista procura superar
essa barreira da limitação dos solos disponíveis fabricando as terras necessárias através da
utilização de tecnologias por ele desenvolvidas. Por exemplo, um determinado pedaço de solo não
pode ser utilizado porque está inundado, ou porque é muito duro e seco, ou ainda porque tem
baixa fertilidade e não produz nada. Ora, com o uso de fertilizantes de máquinas pode-se fazer a
correção desses "defeitos" através da drenagem, a ração, irrigação, etc.
Claro que é possível hoje "fabricar terras" ou até mesmo produzir alimentos e animais
praticamente sem usar terra, como, por exemplo, através da agricultura hidropônica ou do
confinamento. Mas, evidentemente, isso não aconteceu num passe de mágica, senão que
pressupõe toda uma história do desenvolvimento das relações de produção capitalistas no campo, e
das transformações que se operaram entre os vários agentes sociais da produção agrícola.
Embora os complexos ou sistemas agroindustriais (CAIs) no Brasil tenham se conformado de
modo mais específico na década de 1970, algumas das raízes da modernização agrária podem ser
encontradas no século XIX.
As mudanças ligadas às inovações do campo ocorreram sob a lógica, os objetivos e as
estratégias do capital, em princípio comercial, em seguida industrial e, depois, financeiro.
Naturalmente, os setores agrícolas básicos ligados à exportação, sobretudo café, cana de açúcar, e
algodão, foram no passado os mais susceptíveis na adoção de inovações, tanto a nível técnico como
nas relações de trabalho.
Ligado ao capital comercial, o complexo rural encontrava-se atado ao comércio externo
através de um produto valorizado no mercado internacional. As unidades produtoras (fazendas e
engenhos/usinas) eram quase que auto-suficientes. Para realizar a produção voltada à exportação,
elas se proviam, dentro de suas possibilidades, de artesanatos e manufaturas e, assim, produziam
equipamentos rudimentares para o trabalho, bem como insumos simples, além de transporte.
Neste contexto, a divisão social do trabalho apresentava-se bastante incipiente. É interessante
ressaltar que o desenvolvimento industrial brasileiro, indutor de mudanças no setor agropecuário,
ao contrário dos países centrais, ocorreu sem o substrato da revolução agrícola.
A efetivação das CAIs realizou-se de modo rápido e intenso pela ação de políticas
governamentais que incentivaram a criação de indústrias de maquinarias e insumos básicos, tanto
por iniciativa oficial, como particular (empresas nacionais e internacionais).
As firmas multinacionais, algumas já atuando no país, acorreram em grande número e
passaram a operar, tanto na indústria de base quanto na de processamento, em forma de mono ou
oligopólios. O Estado também cria incentivos ao consumo, via política de crédito subsidiado, difusão
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Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA – Disciplina: Espaço Agrário – Professor: Tibério Mendonça
de pacotes tecnológicos (revolução verde), facilidade de aquisição de terras, principalmente nas
áreas de fronteiras.
A propriedade fundiária desfruta de um intenso processo de valorização, constituindo-se
num bem com reserva de valor, acentuando a concentração fundiária. Com o aumento do valor da
terra, a pequena produção fica fragilizada frente às pressões do capital e, assim, muitos dos seus
agricultores foram obrigados a abdicar de suas terras. Muitos deles “optaram” em viver em cidades
(estimula-se que trinta milhões de brasileiros deixaram o campo pela cidade neste período). Uma
outra parcela deles transforma-se em assalariados permanentes ou temporários nas empresas
modernizadas. Uma percentagem das pequenas propriedades familiares consegue se capitalizar e
penetrar no circuito da agroindústria, integrando-se aos CAIs, mas em compensação, perde grande
parte de sua independência.
Na década de 90, chegaram ao poder os presidentes Collor de Mello e Cardoso que
assumiram práticas ligadas à doutrina neoliberal. No Governo Collor de Melo, a recessão,
desemprego e inflação atingiram patamares nunca vistos e que não foram debelados, apesar dos
planos econômicos implementados. Já o Governo Cardoso obteve êxito quanto ao controle da
inflação, via Plano Real.
Nesta década, o Estado não só perde a sua capacidade de investimento em indústrias de
base e em infraestrutura, como também, vem-se retirando do processo econômico com a política
de privatização das estatais. Abriu-se, por outro lado, o mercado brasileiro, até então protegido em
favor das indústrias existentes no país, objetivando, via concorrência, elevar o padrão de qualidade
dos produtos e serviços a preços baixos. A estabilização da moeda, indubitavelmente, atraiu ao
mercado consumidor, sobretudo nos produtos de primeira necessidade, uma parcela da população
nacional de baixa renda, ausente do circuito formal da economia.
Em outro patamar, nesta década efetivou-se a aliança econômica entre os países sulamericanos do chamado Cone-Sul, constituindo-se num supra-organismo, o MERCOSUL, com
repercussões diferenciadas na economia de todas as nações membros. Esta realidade, embora
muito recente, vem trazendo modificações na esfera econômica e na organização do espaço
brasileiro, principalmente na região Sul, a mais próxima dos países integrantes no macroorganismo.
Tudo indica que haverá a médio e longo prazo uma maior especialização setorial nas
diversas regiões geoeconômicas, em função de sua proximidade, das potencialidades naturais e das
vantagens comparativas. Algumas, certamente, ganharão dinamismo enquanto outras poderão
ficar, até mesmo, marginalizadas.
Referências Bibliográficas
ERTHAL, RUI. Os complexos agroindustriais no Brasil - seu papel na economia e na
organização do espaço. Revista geo-paisagem (on line). Ano 5, n. 9, 2006.
FERREIRA, DARLENE A. OLIVEIRA. Geografia agrária no Brasil: conceituação e periodização. São
Paulo: AGB, n.16. p. 39-70, 2002.
SILVA, J. GRAZIANO DA. O Que é Questão Agrária. São Paulo: Brasilense, p. 4 – 17, 1981.
VALVERDE, O. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: Vozes, 1985.
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