379 SEU õ ES GRAMMATICAES Quando dizemos: Francisco é surdo, Pedro é rico, foão é cego, os attributos que aqui seaífirmam dos sujeitos Francisco, Pedro, João designam qualidades, estados habituaes, duradouros, permanentes; quando, porem, empregando o verbo estar, dizemos: Francisco está surdo, Pedro está rico, João está cego, enunciamos estados accidentaes, não permanentes, qualidades actuaes, que datam de pouco tempo. C o m muita propriedade c exacção emprega esses verbos o Padre António Vieira no exemplo seguinte: «O amigo por ser antigo ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado. » Isto não obstante, encontram-se cm nossos melhores clássicos do século 10 e 17 exemplos do emprego do verbo ser exactamente na mesma accepção de estar, como se poderá ver nos trechos seguintes: «Depois da frota ser dentro» (Damião de Góes); «Amanhã serei em Lisboa» (Souza); «E o duque de Viseu, que também era ahi, foi com a infanta D. Isabel até o extremo» (G. de Rezende); aE ainda vos digo que as pessoas que lhe bem queriam não devem ser tristes» (Bem. Ribeiro). «Não eram os traquetes bem tomados, Quando dá a grande e súbita proceda: Amaina, disse o mestre a grandes brados, Amaina, disse, amaina a grande vela.» (Cam.) E m certos modos de dizer, não só entre os escriptores antigos, senão também entre os modernos, encontra-se ainda o verbo ser empregado pelo verbo ter: «Depois d'el-rei D. Affonso ser vindo de França» (G. de Rezen « Era chegada a noite; era chegado o momento fatal» ; «Era apenas entrado na adolescência.» De meneio mui trilhado, em phrase forense, é a expressão «foi vindo a meu cartório» em vez de «veiu a meu cartório». 380 LEXICOLOGIA * * * Dos verbos auxiliares —Chamam-se auxiliares dos verbos certas formas verbaes que se ajuntam ao verbo abstracto ou concreto, para exprimir diversos aspectos sob que se considera a ideia fundamental por elle enunciada. Entre os auxiliares contam-se em nossa lingua os verbos estar, ter, dever, ir, vir, andar. Todos elles, como auxiliares, formam linguagens compostas com as variações verbaes indefinitas a que se appõem. Mas nem sempre são auxiliares taes verbos: só o são, quando formam as ditas linguagens compostas: Estou escrevendo, tenho escripto, hei de escrever, devo de voltar ced vou vivendo, vem entrando, ando vendo. «Andam pela ribeira alva arenosa Os bellicosos Mouros acenando. » (Cam.) « O mal que vos muda a cor (Se eu posso julgar de cores), Pois a cor mata de amores, Deve de ser mal de amor.» (F. R. Lobo). A existência dos auxiliares no portuguez e nas linguas românicas explica-sc pelas tendências analyticas desses idiomas, desde a primeira phase de sua evolução. Por elles torna-se mais clara, mais precisa, mais completa a enunciação da existência exprimida pelo verbo, considerada não já meramente em si mesma, senão á varia luz, debaixo dos variadíssimos aspectos por que o pensamento a encara, concebe e representa. B e m que não fosse c o m m u m no latim o emprego das formas auxiliares, já em muitos escriptores, ainda entre os de maior celebridade, na idade áurea da litteratura romana, se notam exemplos onde figura como auxiliar o verbo latino SERÕES GRAMMATICAES 381 habere: a Copias quas heibebai paratas» ( C o m . ) ; <• I)e Caesare sniis diciiiin habeo» (Cie); «Satis babes cognitum» (Id.); « Vectigalia parvo pretio redempta habet» (Cães.); «Urbem quam parte captam, parte dirutani habet •> (Tito Livio). O emprego dessas formas auxjJiares, pouco encontradiço, é verdade, nas construcções do latim litterario, mais frequente se torna, á medida que a lingua latina se vai vulgarizando mais, dando nascimento, pela differenciação a que se submettem os dialectos, delia oriundos, ás linguas românicas e m cujo numero figura a nossa lingua portugueza. If Dos verbos concretos c sua classificação (>s verbos com retos dividem-se em absolutos ou intransitivos e relativos ou transitivos. São intransitivos os verbos que e m si m e s m o s têm u m sentido determinado ou completo; taes são os verb is brincar, existir, morrer, nascer, permanecer, durar, ficar, cahir, desapparecer, viver, amanhecer, alvorecer, dormir, rir. enlouquecer. Relativos ou transitivos dizem-se os que não têm e m si u m sentido completo, sendo mister u m complemento ou objecto para lho determinar e completar; taes são os verbos amor, receber, defender, matar, admittir, estimar, encher, trazer, saber, conhecer, ter, levar, conduzir, collocar, perder, //unhar, metter, possuir, concluir, terminar, completar. Estes OU pedem depois de si u m complemento directo ou immediato, chamado também pelos grammaticos inglezes objecto directo, e então se d e n o m i n a m transitivos directos; ou pedem u m complemento indirecto ou mediato, a que lambem se dá a denominação de objecto indirecto e então se dizem transitivos indirectos. São transitivos directos os verbos amar, colher, possuir, perder, ganhar: Amo ti cinto/e; colho flores efrucios; possuo uma chácara; perdi um conto de réis; ganhei a sorte grande. 382 LEXICOLOGIA São transitivos indirectos os verbos obedecer, pertence tender, resistir, carecer, precisar, depender, emanar, em Obedeço á voz de minha consciência; o h o m e m publico não pertence a si, pertence ao seu paiz, á sua pátria; os corpo tendem para o centro da terra; resistiu aos maus impulso careço de dinheiro, careço do teu auxilio; preciso de tu luzes; este negocio depende de muita prudência e discreção; esta autoridade emana de um poder legitimo; a luz vai emer- gindo destas trevas. Entre os transitivos alguns ha que pedem dois complementos: u m directo; outro, indirecto; dá-se-lhes o nomo de bitransitivos. Taes são os verbos dar, entregar, remett restituir, oferecer, attribuir, contar, dizer, referir em phrases como as seguintes: Dar esmolas a um mendigo; entregar uma carta a alguém: remetter uma carta a um amigo; restituir a alguém as forças, o vigor; oferecer seus ofí a um amigo; attribuir tudo á má sorte; attribuir a algué a autoria de um crime; contar seus segredos a alguém; diz referir, relatar seus males, suas desventuras a alguém. Verbos concretos ha em nossa lingua que têm u m duplo emprego, ora são usados em sentido transitivo, directo ou indirecto, ora se lhes clá u m sentido absoluto ou intransitiv No primeiro caso a acção indicada pelo verbo clara e determinadamente recai no objecto directo ou indirecto; n segundo é ella designada de modo geral, sem referencia a objecto algum em particular. Assim dizemos no sentido transitivo: cantar uma serenata; cantar uma ária; cantar o Guarang de Carlos Gomes e no sentido intransitivo: cantam as aves; cantam os moinhos; cantam os malhos e martellos: cantam as fabricas; cantam as escolas; cantam os ventos. «Quem canta seus males espanta» (Prov.). Verbos ha, outrosim, que, afora o objecto que os acompanha, têm ao demais u m complemento circumstancial, regido invariavelmente em nossa lingua por determinadas preposições. SERÕES GRAMMATICAES 383 Essa variedade de sentido põem-na em luz os seguintes verbos portuguezes: Abafar: .Abafar o fogo; abajur o doentinho. «E foi tanto o concurso de gente e tanto o aperto dos que lhe queriam tocar a roupa a alcançar a sua benção, eme esteve em notório perigo de o abajarem» (Brito— Chron.). «Por certo que eu m e espanto como não abajei em tanta gloria^ perdi os espiritos» (Eujros.). «Vemos muitos que com pouco trabalho abafam e perdem o tino» (Souza). Abaixar: abaixar a cabeça, os hombros, a cerviz; abaixar o chapéu; a temperatura abaixou. «Os vícios nos abaixam e a virtude levantae ennobrece »> (Leitão). «Abaixam inchados rios pelas Íngremes ladeiras» (Cort. Real). Abalar: «Abalou (o Padre Gaspar) a cidade de Goa com os sermões que fazia» (Luc); «Abalam o peito essas lastimosas palavras e enchem os olhos de lagrimas» (Arraiz). As casas abalaram com o terremoto; os dentes todos abalaram. «Abalou o collegio quasi todo em procissão pelas ruas de Coimbra » (I!. Telles). Abalroar: «Abalroaram os nossos por ambas as partes» (André — Chron.). « Pumlo o peito As tranqueiras, abalroaram por tudo» (Couto). Abater: Abater o orgulho, a vaidade, a vista, os olhos, os fumos, as armas, as bandeiras. «As delicias e vícios sensuaes abatem o esforço e escurecem a razão» (Luc). Por estar toda socavada abateu áquella immensa muralha; todo o terreno abateu. Acabar: «Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba» (Vieira). «Alli onde o mar acaba». «Acabai de acabar tantas tristezas, Pois acabastes já vãs esperanças; Acabem já também minhas firmezas, Acabe a vida, acabarão lembranças, Mas tudo esta por vós tão acabado.» (Cam.) 384 LEXICOLOGIA Acalmar: O remédio acalmou as dores do dente. O vento subitamente acalmou. Adiantar: Adiantar os negócios; adiantar dinheiro; adiantar os preparativos da jornada. As tribulações adianíaratn-lhe a morte. «Fácil fica de entender quanto adiantou nas lettras, no decurso de tão entendido leitorado» (L. Souza). Afrouxar: «O decurso do tempo não ajrouxara a indignação» (A. Herc). «A autoridade moral de seus accordãos ia ajr o lixando a olhos vistos» (Lat. Coelho). Amainar: «Amaina, disse, amaina, a grande vela» (Cam.). Amainaram os mares, amainaram os ventos, as tormentas, a febre, o calor, o furor. Arrancar: «Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas» (Vieira). «F dizendo isto, arranca meia espada» (Camões). «Suas capellas, seus cabellos d'ouro, Arrancam e desfazem.» (A. Ferreira). «Como tinha uma galé bem esquipada, arrancou e rijo foi dar u cabo á galé de L. Brito » (Couto). «Quando na força desta contenda arrancaram furiosamente as galés » (L. de Souza). Arrastar: «As luzes do nascimento de Jesus arrastaram as purpuras dos reis» (Vieira). Os vestidos arrastam; as serpentes arrastam. «Á serpe disse: a mais abominada Serás de quantas coisas ha na vida; Andarás sobre peitos arrastando, Ficar-te-ás sú da terra sustentando.» (Rolini de Moura). Arremetter: «Arremettem ao inimigo, como leões» (L. de Souza) A fera arremede contra os varões da jaula. Arrebentar: As minas arrebentaram o edifício; arrebentou fecho e tranquetas. «F o escarcéu arrebentou todo em llor» (Fern. Mendes ). «1", arrebentando a terra em borbolhões d'agua, se sovertia toda a cidade» (Idem ). Aspirar: «Flores , impregnadas de tão subtil veneno, que SEUÕES GRAMMATICAES 385 esta ao beijal-as aspirou a morte» (A. Cast.) Aspirar ás dignidades, aos postos elevados, ao senhorio. É u m a ambição a que não cessa de aspirar. «Onde tudo aspirava amor» (Vieira). Assistir: Assistir alguém com mezadas, com dinheiro, com conselhos, com esmola. Assistir á missa, ás exéquias, aos officios divinos; assistir ao moribundo, á cerimonia. «Se as não assiste este divino e todo poderoso soccorro» (Vieira). Auyiuentar: Augmentar alguém suas rendas, seu capital, seus fundos, seus haveres c fortuna. A cidade augmentava cada anno em poder e grandeza. Avultar: «Tudo o que lhe fallo quero que pareça alguma coisa e para isso o avulto com termos e acções encarecidas» (M. Bernardes, Luz e Calor). « AvultaAhe as faces» (A. Vieira). «Com a evidencia do ventre da Senhora, que já avultava» (Telles, Ilist.j. Balbuciar: Balbuciar historias, contos, desculpas; balbuciar seus cândidos pensamentos. A timidez balbucia. Branquear: Esse preparado branqueei as mãos; a velhice branquea os cabellos; a neve branquea os campos. «E por isso dizem bem, que dizer e fazer não é para todo o homem, que nem é ouro tudo o que reluz, nem farinha o que branquea. (Ferreira, Eufros.). Cantar: Cantar as armas, os heroes, as proezas, os feitos gloriosos, o amor, a palinodia, uma cavatina, uma serenata, uma ária: «Cantam as oíficinas c as fabricas» (A. Cast.). " Ao longo d'agua o níveo cysne canta, Rcspondedhe do ramo a philomela» (Idem). Chorar: «Chorava alli minhas maguas» (B. Ribeiro). «De veras chora o coração de considerar isso» (F. M. de Mello). «Vivo; impero; sou tua: e tu me choraras?!» (A. Cast.). « Se uma lagrima ainda, o mãi, turbar teus olhos, Dize: o meu anjo bom não me quer ver chorar» (Idem). 19 386 LEXICOLOGIA « E debulhada em pranto assim parece Alvo lirio do prado, em cujo cálix Chorou a aurora ao despontar do dia » (Garrett). Chovei". Deus fez chover o manná do céu. Chova Deus sobre vós as bênçãos de sua munificência. «Muitas bênçãos, muitas graças chovam nesta habitação» (A. Cast.). «Choviam os papelinhos de pastilhas» (R. da Silva). Coar: «O vento vinha coado pelas fisgas da porta» (A. Herc). «Coar mosquitos e engolir camellos» «Sentia a piedade eoar-lhe no coração» (A. Herc). Colher: Colher fructos, colher flores, colher applausos, colher louros o triumphos. A morte colheu-o cedo; a frecha não poude colher o alvo; colheu-o á unha; colheras velas. Esse teu argumento não colhe. Comer: A ferrugem come o ferro; os vermes lhe comerão as carnes. «Aqui gastei a vida; já agora quero que esta terra me coma também os ossos» (Camillo). «E porque havia três dias que jejuava, comeu á tripa forra» (Idem). «Come como u m alarve». Correr: Correr a campanha, correr terras, mares, ruas; correr folha, correr o ferrolho, correr a posta, correr Seca e Meca, correr o mundo, correr a via-sacra; correr a cortina; os ventos correm os rumos da agulha. «Entre nós e Deus não corre a mesma lei que entre nós e o mundo» (Paiva). «Pouco basta para quem de uma vez se sabe determinar e correr contas com o mundo» (L. de Souza). «Abaixou os olhos e eorreu-os pela espada» (A. Herc.). Declinar: Declinar o perigo, a acção da justiça, declinar o nome de seus cúmplices. «Declinaram o caminho para a mão esquerda» (Leitão). O dia começou a declinar; sua saúde começou a declinar. Derivar: Derivar u m a palavra de outra; derivar toda a sua riqueza da herança paterna. «Não são os que derivam o poder real do divino em linha recta» (Garrett). «Deste facto psychoiogico deriva principalmente a hypocrisia» (A. Herc). Desfallecer: «Já a chaga cruel m e desjalleee» (J. F. Barretto). «Depois que a grã R o m a desjalleeer do seu senhorio» (Barros). Descaiiçar: Deseançar os membros fatigados; descançar o braço sobre a cadeira; o campo descançou muito, SEItÕES GRAMMATICAES 387 « Dcscança, frauta, agora» (Cam.). Desfechar: Desjeehar o sello, a porta; desjeehar settas, tiros golpes. O drama desfechou tristemente; a bombarda estava para desjeehar. Dizer: Dizer verdades, dizer mentiras, dizer parvoíces; dizer a missa, as horas canónicas. Não lhe dizem bem essas louçainhas. As duas janellas diziam para a praia do Flamengo. «Se dizem, fero amor, que a sede tua N e m com lagrimas tristes se mitiga, E porque queres, áspero e tyranno, Tuas aras banhar em sangue humano» (Cam.). Dobrar: Dobrar o joelho, dobrar os golpes, os muros, as fortif cações, os esforços, o cuidado; dobrar o pranto, os soluço-, as lagrimas. « Era um espirito vigoroso e um caracter d'aço, dobrou, mas tornou a erguer-se» (R. da Silva). «O animo de subir lhes acovarda ; Dobra co'as trevas o terror, augmenta Com a grita confusa a sanha, a fúria D'um lado e outro, e longo permanece Entre tanto valor dúbia a victoria» (Garrett). Douilejar: Doudejanameaças, doudejar finezas; deixai-o doudeja doudejam as borboletas na campina. Embrutecer: A vida material o embrutece; os vícios e as paixões o embrutecem. Alli não medra o entendimento, mas embrutece. Empolgar: Empolgar o poder, empolgar o dinheiro alheio, empolgar a herança; a águia, ave de Jovc, empolga o raio. «Os bens em que os reis empolgam, não os soltam facilmente» (L. de Souza). Emmudecer: «Se Deus emmudecera os oráculos» (Vieira). « Emmudeceu uma bocca eloquente, morreu um grande homem em Portugal» (Lat. Coelho). Enfraquecer: A escuridão enfraquece os ânimos; a doença o tem enfraquecido; com os annos vai elle enfraquecendo. 388 LEXICOLOGIA Encarecer: Encarecer a culpa, afineza,os favores, os talentos e os merecimentos de alguém. «Não encareço este negocio, porque conheço a piedade e*zelo de V. A. » (Vieira). As vitualhas vão encarecendo. Envelhecer: Ávida afanosa, os trabalhos e as tribulações envelhecem o homem. «Os corações verdadeiramente bons não envelhecem: tocam a meta cia perfeição» (Santo Agostinho). «Envelhecera alli u m século em sete dias» (R. da Silva). Errar: Errou o caminho, o nome, a lição, o golpe, o alvo, o tiro, a conta, o calculo. «Se por algum acerto Amor vos erra » (Cam.). «Nunca o mau agouro erra» (Lobo). Esforçar: «EsJorea, coração, não desfalleças cm coisas de tamanho contentamento» (Barros). « Dest'arte a gente força e esforça Nuno » (Cam.). «O cysne morrendo a voz esforça em doce melodia» (Sáde Menezes). Espadanar: «Viu cahir destroncado o corpo espadanando sangue» (R. da Silva). «Das rochas espadanam as fontes» (Idem). Espertar: Espertai aquelle homem. Ao ruido do povo espertou a cidade. Faiscar: «Os olhos Jaiscando raios de amor» (Lobo). Faísca a pederneira; debaixo do malho jaisca o ferro sobre a bigorna. «Afigurava-se-lhe que em roda delle balançava a caverna, e a luz fumosa da tocha que ardia, segura no braço do ferro, cravado na pedra, parecia-lhe jaiscar emfitascor de sangue» (A. Herc). Ferver: Ferver bagas de zimbro, cabeças de papoulas em dois litros de agua. «Ferviam as aguas nas fragas, despenhando-se em caixão na ribeira» (R. da Silva). Filtrar: Filtrar u m licor,filtrara agua. Este xaropefiltralentamente. Gelar: «Gelas a contricção no fundo (Palma» (Bocage). Gela o coração de horror e medo; gela o orvalho nos campos. «O som das trombetas geloude súbito» (A. Herc). Gottcar ou gottejar: As flores pela manhã gotteam orvalho. «Veremos a mesma espada já gotteando sangue nosso» (Vieira). SERÕES GRAMMATICAES 389 «Ha muito quo meus olhos não gottejam o repassado fel de atra amargura» (Gonçalves Dias). «Cinco té seis passos na mesma rocha nasce uma fontezinha d'agua, a qual (le fora não dá mais signal de si que sentir-se gottejar» (Fr. Pantaleão (PAveiro). «Nas grinaldas, nos festões, nas rosas com que se enflora, gotteja o orvalho da aurora, dictamo dos corações» (G. Dias). Imperar: «A rainha a qual cm nossos tempos imperou os Ethiopes» (Barros). «Lembra-me haver ouvido c lido do imperador D. Fernando o segundo, pai do que hoje impera, que não quiz dormir em unia cama por lh'a terem perfumado » (Francisco M. de Mello). Inchar: Os ventos incham as velas, o gaz incha o balão, a tormenta incha o mar; incharás como a cigarra da fabula, a O que só ' • que Ioda esta monarcliia de Portugal se não deixe inehar desejo ( muito do vento da fortuna » (Vieira ). Indemnizar: «lira necessário que a sociedade me indemnizasse do património» (Camillo). «Para o defender e indemnizar de quaesquer damuos» (Lat. Coelho). «Indemnizar a camará apostólica por teclas as despesas» (Idem). «Como poderia indemnizar-d sua pátria das producções futuras?» (A. Cast.). Interessai". Nada os interessa; o golpe interessou o pulmão, a carótida. » Para os interessar na sua defesa» (A. Herc). «Que logo conhecereis quanto lhe devia interessar» (A. Cast) (.(Interessava honra d!el-rei e á memoria de seu pai» (A. Herc). Jogar: Jogar cartas, jogar abusões, injurias, remoques, jogar dados, jogar afortuna dos filhos, o dinheiro alheio; jogar o bilhar, o gamão, o xadrez. «Se não se emendar, um dia, jogo-lhe u m remoque desagradável» (Cam.). «Velho na idade, moço nafigura,joga, graceja e ri» (A. Ferreira). « Esbelta joga a fragata Como um eorsel a nitrir» (G. Dias). 390 LEXICOLOGIA Ladrar: «Atraz elles vinham os outros mouros, que os vinham ladrando» (Ruy de Pina). «Não fujas nem ladres, senão asso-te numa camisa de pez» (R. da Silva). Ladrar insultos, calumnias, pragas, maldições, blasphemias. Levantar: Levantar a cabeça, as mãos, os braços; levantar uma carta, um mappa geographico; levantar u m edifício, u m a planta; levantar trincheiras, muralhas, fortificações, u m a estatua, u m monumento ; levantar o cerco ; levantar a lebre; levantar a luva. «Como não levantara ella a áurea fronte Entre tantas nações, que a só conhecem Por ter dobrado o horrendo Promontório Por u m antigo brado de conquista! » (F. M . do Nascimento). O tempo levantou; os géneros alimentícios levantaram; o pão levantou bem desta fornada; o barco levanta muito de proa. Mergulhar: Mergulhou-os essa noticia na mais acerba tristeza; mergulhar a cabeça na torrente. O pescador de pérolas mergulha muito. Moer: «O pai moeu-a muito bem moidade pancadaria» (Camillo). Este anno o nosso engenho moeu tarde. « C o m aguas passadas não móe moinho ». Montar: Montur um cavallo; montar Mm collegio, u m a loja, u m armazém, uma fabrica; este cruzador monta muitas peças. «Quanto V. S. está em Coimbra, tanto monta Roma, como Lisboa» (Vieira). Navegai*: Estes povos navegam sempre aquelles mares. «Navegamos dez léguas neste dia sem susto e divertidos» (B. do Grão Pará). Passar: Passar o rio, a ponte, o estreito, os valies, os montes, os limites, as fronteiras. Tudo passa e acaba. «De todo aquelle idyllio tão vivo só eu resto; guardadora, choça, rebanho, passou tudo» (A. Cast.). «O homem passou e morreu: é a lei da caduca humanidade» (Lat. Coelho). Purpurcar: A luz da aurora purpúrea o horizonte; a natureza purpúrea varias conchas. «Fazpurpurear aspallidas areias» (Gabriel P. de Castro). « Longe purqmrêa a aurora». Quebrar: Quebrar o silencio, as leis, os privilégios, o seguro, as pazes, a verdade, o pacto, a fé, os contractos, a promessa. SERÕES GRAMMATICAES 391 «A reputação ó espelho cristallino: qualquer toque o quebra, qualquer bafo o empana» (Francisco M. de Mello). Áquella dama já principia a quebrar; o vento quebrou durante a noite; quebrava com todos. cr H o m e m de antes quebrar que torcer» (Sá de Miranda). «A esmola monta a mais de mil cruzados, ainda que quebra muita desta quantia pela differença de cambio» (Fr. Pantaleáo dAveiro). Querer: Quero vel-o sempre assim; Deus assim o quiz. «Se o destino assim o quer, Faça-se» (A. Herc). «Officiaes que lhe queriam, como a pai» (J). de Góes). «Havia na casa outra religiosa que lhe queria muito» (Luiz de Souza). «Mariana é minha irmã: quero-U\c muito » (A. Cast.). Rebentar: A mina rebentou a abobada. « As lagrimas rebentaratnllie como punhos» (A. Herc). «Eis rebenta a meus pés u m phantasma» (G. Dias). «As portas. os pateos, as ruas rebentando de gente» (Vieira). Recuar: Recuar um carro, uma segs>, um movei : recuar o pas-... o olhar; recuar o atrevimento, a protervia, a audácia, o insulto. «Oh! se eu pudesse recuar tua existência!» (A. Cast.). «A concepção humana recuaria aterrada, se pudesse observar nesse momento a alma tenebrosa do monge, revendo-se com acre e phrenetico deleite nas sensações de u m ódio encanecido, emtim satisfeito, satisfeito alem de tudo o que esperava» (A. Herc). v Recuai, refugi, vaidosos monumentos, diante o serio varão» (A. Cast.). Reflectir: Os espelhos reflectem a imagem dos objectos. *E a saphyra que o azul do céu reflecte» (Garrett). «Pensa, prevê, recorda-sc, reflecte, N u m ponto sobe aos cens, desce num ponto.» (J. A. de Macedo). Reger: Reger o reino, reger o império, reger uma orchestra, reger uma cadeira. «Não tem ella tanto interesse como nós, em que leis sabias rejam e homens sábios administrem?» (A. Cast.). «Onde regem e trabalham reis christãos» (Lat. Coelho). «Que forma de governo tem regido em Portugal?» (Idem). «Cumpra-se o ajuste; e Rómulo quem rege» (A. Cast.). Rolar: As correntes vão rolando o navio; o rio rola as areias e pedrinhas de seu leito. Rola o mar; rolam os annos. 392 LEXICOLOGIA Mil obséquios Na cabeça lhe rolam c o transportam». (( (A. Diniz da Cruz). Semear: Quem semea ventos, colhe tempestades; quem não semea, não colhe. Sorrir: A aurora vinha sorrindo. «O amor e a poesia sorrindo graças, esperanças, illusões» (Lat. Coelho). Subir: Subiu muito no conceito publico. «Dignidade a que o subira a munificência de Pombal» (Lat. Coelho). Suspirar: Suspirar tristes endechas; suspirar suas maguas, seus queixumes, sua dor, seus males. «Agora o velho suspira os tempos cia mocidade); (4. Cast.). O rouxinol suspira na soidão; suspira o sabiá na selva. Torcer: Torcer o pé, o braço, o rosto, os olhos, o caminho, o sentido de algum trecho; torcer a vocação, o génio, a consciência, as orelhas e o nariz. «Emquanto a natureza vai torcendo no fuso o eterno fio» (A. Cast.). « H o m e m d'antes quebrar que torcer» (Sá de Miranda). Tornar: «E os donos todos delias se foram a el-rei de França clamar e pedir que lhes fizesse tornar o seu» (G. de Rezende). «Despediu-se do capitão tornando na ordem em que veiu» (Barros). Trovejar: «O povo trovejava gargalhadas» (Camillo). « O meneio compassado, quando a oração deslizavafluentee remansado ; nervoso e arrebatado, se a paixão trovejava nos lábios do orador» (Lat. Coelho). «Troveja a olympia sala» (Francisco Man.). Urrar: Urra o elephánte na jaula. « Urrando ameaças e blasphemias » (A. Cast.). Variar: Variar o estylo, a phrase, as comidas, a dieta. Variam as estações, os gostos, os costumes, as modas, os usos. « E m beldades varia a natureza» (Cam.). «E quando de esmeraldas se toucava A terra alegre, e de diversas cores O natural dos prados variava». (Fern. Soropita). Voar: «A mina com tremendo estampido voou pelos ares toda a face do muro» (Jac Freire). «Sempre eram sete léguas, mas roei-as» (L. Felippe Leite). SEROES ORAMMATICAES 393 «Têm a/.as todas as novas tristes para chegarem, voando, o"nde mais hão de magoar» (Fr. L. de Souza). Vozear: «Eil-os prestes as lagrimas e aos risos; á audácia e á execução vozeiam loas» (A. Cast.). «Corre, vozeia, ataca, rompe, abate». (Bocage). Zumbir: «Já desde os seus derradeiros triumphos o anda a morte espiando e zumbindo-\he no meio das vaidades o secreto presentimento, de que eram acabadas dentro em pouco para elle as batalhas e fúnebres já os louros da tribuna» (Lat. Coelho). «Zumbia o enxame popular» (R. da Silva). « Pois só porque a abelha zumbiu aos ouvidos do caçador faminto, arrojará elle para longe de si o mel de seu favo e esmagará o insecto?» (A. Herc). Zurrar*. Zurrar sandices, desatinos, disparates, conceitos tolos e parvos. nZurras, turras deveras» (Bocage) C o m o ossos, conta ainda a nossa lingua copia abundante do verbos que, conforme as circurtistancias, são pelos nossos escriptores empregados já absoluta ou intransitivamente, já relativa ou transitn nmente. Entre os verbos concretos intransitivos alguns ha que, afora o attributo que implicam e encerram e m seu radical, têm mais u m attributo extrínseco, sendo neste ponto semelhantes ao verbo ser. Taes são os verbos ficar, estar, parecer. permanecer, nascer, viver, morrer, existir, e m phrases c o m o as seguintes: Fiquei attento; estou doente; parece louco; permaneceu firme; nasceu, viveu e morreu pobre: aquelle monumento ainda existe intacto c o m o testemunho de seu puder. «Nãofiquei homem não; mas mudo e quedo E junto de u m penedo, outro penedo.» (Cam.). Esses verbos ligam aos sujeitos das proposições por elles constituídas u m attributo tomado fora cios m e s m o s , sem o qual (içaria a proposição incompleta e sem sentido ou pelo menos não exprimiria c o m verdade o que se deseja exprimir. 5d 394 LEXICOLOGIA Designamol-os, por isso, verbos de attributo duplo, super posto ou secundário. Verbos essencialmente intransitivos ha a que se ajuncta, ás vezes, u m complemento cognato ou pleonastico, dandose-lhes sentido transitivo; taes são os verbos viver, morrer dormir nos seguintes modos de elocução: dormir um somno tranquillo e socegado; morrer morte honrada, morte afrontosa, morte natural; viver uma vida cheia de amarguras. «Morre morte traidora» (Vieira). «Antes quizera ser pedra ou ser nada do que viver vida semelhante» (Bernardes). «A vida viverei que o céu m e ordena» (Fern. Alv. do Oriente). «Ella vos distinguira daquelles que dormem o somno do esquecimento» (Monte-Alverne). «Oh! minha vida que ainda u m a vez te viverei!» (Garrett). Todos os verbos transitivos directos ou indirectos e ess últimos, a que chamamos de attributo duplo, secundário o superposto, denomina-os C. P. Mason verbos de predicação incompleta e Alexander Bain, em sua Higher English Grammar, verbos incompletos ou de apposição. Quanto á forma e conjugação são* os verbos concretos divididos em reyulares, irrcçjulares, defectivos e prononiinados. Hegulares dizem-se os que são inteiramente conformes ao typo de sua conjugação. Taes entre outros os seguintes: amar, cantar, contar, livrar, defender, render, partir, ad Irregulares são os que se apartam do verbo typo de sua conjugação. Taes os seguintes: dar, estar, sobrestar, ser caber, saber, poder,prazer, querer, fazer, ver, ir, vir,p Defectivos chamam-se os verbos a que faltam tempos, modos, números ou pessoas. Os defectivos ou são de sujeito indeterminado ou de suje determinado. Os dejectivos de sujeito indeterminado chamam-se impes soaes. Esses ou são essencialmente impessoaes, como chover, chuviscar, granizar, relampejar, saraivar, trovejar, SERÕES GRAMMATICAES 395 ou accidentahiionfe impessoaes, c o m o as locuções dança-se, brinea-se, corre-se, dorme-se. Alguns des968 essencialmente impessoaes ha que no sentido figurado podem algumas vezes empregar-se c o m sujeito determinado: As balas choviam de lodosos lados; chevem-me lagrimas dos olhos; chovem apodos e baldões; &a ira de Deus que do céu chove»; ((choviam papelinhos de pastilhas»; «relauipaijueie a estes olhos a verdade-»; «a quem Deus chovia pão do cru» (Paiva); «o pavimento juncado de flores e até o tecto chovendo rosas» (Vieira); «o céu de todas as partes chovendo lanças e Jitlminando raios» (Idem); ((muitas bênçãos, muitas graças chovam nesta habitação» (A. Cast. ). Occorre o mesmo no latim e no francez: «Deitaria adorea pluebaut» (Statius). « Sang ninem pluiSSC nuntiatum est» (Cie). «Dieu plcut surte c/atm/i du juste com na- snr celui du pi-cheur» (Bossuet). De modo semelhante empregam os inglezes o verbo to rain (chovor), de que sejam prova os seguintes versos deShelley: « From One lonely eloud The moon rains out her beams, anil henren is orerJUtn-ed» Os defectivos de sujeito determinado são unipessoacs ou pessoaes: os unipessoacs só se empregam na terceira pessoa do singular. Taes são as fornias verbaes importa, releva, convém, cumpre. Todos os mais são pessoaes: ou careçam de algumas pessoas nus tempos c modos usados na lingua. c o m o os verbos feder, carpir, brandir, remir; ou se empreguem e m todas as pessoas desses m e s m o s tempos e modos, c o m o poder, querer, etc. O s verbos essencialmente impessoaes contêm e m seu radical uni attributo que exprime phenomenos meteorológicos, mudanças e variações ther m o métricas, alternativas do dia e da noite e distinguem-se dos ttnipessoaes, porque estes tem sempre uni sujeito que se pode determinar, exprimido já por 396 LEXICOLOGIA u m verbo que se lhes segue no infinitivo, já por u m a proposição constituída pelo subjunctivo; aquelles, porem, têm u m sujeito vago, indeterminado, sem palavra alguma expressa que o precise, defina e individue. Para indicar esse sujeito indeterminado serve-se a lingua franceza do pronome- il, que evidentemente não tem o m e s m o cunho de determinação do pessoal il, e por isso lhe c h a m a m alguns pronome indefinito. Verbos pronomiiiados, geralmente chamados pronominaes, denominam-se os que e m toda a sua conjugação se acomp a n h a m de u m pronome, complemento directo ou indirecto, real ou apparcnto, c o m o arrepender-se, atrever-se, prezar-se, manter-se, etc. A forma pronominada encerra muitos verbos de sentido differente: são os pronominados reflexos, os recíprocos, os de sentido passivo, os impessoaes, os emphaticos ou expletivos e os de espontaneidade de acção. C h a m a m - s e reflexos ou reflexivos os verbos cujos sujeitos fazem recabir sobre si m e s m o s , por meio dos pronomes de sua m e s m a pessoa, a acção por elles exprimida: O vaidoso ama-se em extremo; o fátuo preza-sc mais do que deve. «Coimbra acordando mirava-se com todo o orgulho de formosa no espelho que o Mondego arqueava alem da ponte» (R. da Silva). Pronominados recíprocos são os que indicam a acção reciproca de dois ou mais sujeitos. Indicam esses verbos acção e reacção entre seus sujeitos e objectos: Pedro e Carlos odeiam-se; elles lá se entendem; Eduardo carteia-se com seus amigos; corresponde-se com eminentes homens da Europa. «O ódio com que em todos os tempos os escriptores se expuzer irrisão dos ignorantes, mutuando-se affrontosas injustiças» (Camillo). «As artes entre si se eommunieam; Cada u m a ajuda a outra em seu officio» (A. Ferreira). SERÕES GRAMMATICAES 397 «liste fortuito mas desde logo amoroso encontrar de dois sympathicos e castissimos olhares, que de longe e furtivamente se estão reciprocando terníssimos alíectos» (Lat. Coelho). Nos casos em que se podem confundir a forma pronominada reflexa e a reciproca, para evitar toda a ambiguidade c equivocação, empregam-se depois da forma pronominada reciprocaos advérbios mutuamente, reciprocamente, a locução adverbiada de parte aparte, ou qualquer outra expressão de sentido análogo c depois da pronominada reflexa, as expressões a si mesmos, a si próprios ou outra equivalente : Pedro c Carlos amam-se reciprocamente; mutuamente estimam; os vaidosos amam-se se prezam e a si mesmos. Pronominados de sentido passivo dizem-se as formas verbaes que indicam u m a acção soffrida ou recebida pelo sujeito: Os bons livros vendem-sc caros; são lindíssimos os dois eavallos que se compraram na feira; o monumento que. se erqueu na praça Duque tle Caxias. Verbos passivos não os conhece e m rigor a nossa lingua. que não tem, c o m o a latina, as formas ou desinências passivas. Para traduzir os verbos passivos da lingua matriz, o portuguez recorre sempre a u m a periphrase, já usando das varias formas do verbo ser, ajuntando-lhes os participios passados do verbo que se apassiva, já empregando a forma pronominada, de que acabamos de fallar: não ha verbos passivos, senão Locuções passivas, proposições ou sentidos passivos. «Floresça, fatie, cante, ouça-se e viva A portugueza língua» (Ferreira). d Que este nome de Olaia, que amo tanto Será de Albano em verso eelebrado, • Feliz assumpto de mais alto canto » (X. de Mal tos). 398 LEXICOLOGIA Já no latim a lição dos próprios clássicos nos depara exemplos desse modo analytico de exprimir a passiva, em certos tempos e modos: Amatus sum, amati sunt, amattts ero, amati erunt; amatus essem; amati essent. Muitas vezes têm em nossa lingua sentido passivo verbos que não vem revestidos da forma passiva. Assim que se diz em linguagem portugueza: épara notar; não é para estranhar; está por fazer, por escrever; está concluir; é para admirar; è de crer; casas para vender; prédios para alugar, obra começada a imprimir, em lugar de é para ser notado; é para ser estranhado; está por ser jeit por ser escripto ; está por ser concluído; é para ser admira é para ser crido; casas para ser vendidas; prédios para s alugados; obra começada a ser impressa ou a imprimir-sè. «Está ainda por escrever um livro, em que, sem espirito de occasião, de parcialidade e de systema, se apreciem e aquilatem os serviços eminentes que fizeram» (Lat. Coelho). « O juizo esthetico do poema está ainda por jazer» (Idem). «Começada a tratar a matéria» (Luiz de Souza). « U m a torre já começada a derribar» (Duarte N. de Leão). «Tornado a povoar assim o mundo» (Vieira). «Começado a povoar pouco antes» (A. Herc). São essas construcções habituaes á lingua, modos peculiares de tecer o discurso, em que o infinitivo sob forma activa implica u m a ideia passiva. Ha demais disso verbos que se tomam no mesmo sentido, já revestidos da forma pronominada, já despidos delia. Taes são, entre muitos, os seguintes: casar e casar-se, assentar assentar-se, ajoelhar e ajoelhar-se, augmentar e augme tar-se, encarecer e encarecer-se, derivar e derivar-se, monizar e harmonizar-se, conformar e eonformar-se, afroux e afrouxar-se, senhorear e senhorear-se, retirar e retira sobrelevar e sobrelevar-se, rematar e rematar-se, retrah retrahir-se, recolher e recolher-se, espraiar e esprai rir e rir-se. Pronominados impessoaes são formas verbaes, usadas apenas na terceira pessoa do singular com u m sujeito vago e indeter- SERÕES GRAMMATICAES 399 minado: Dançou-sc muito naquelle baile; vive-se muito naquelle paiz; alli se vive de roubos e tropelias. Semelhantemente diziam os Latinos: «vivitur e<£ rapto» (Ovid.); a Negai Epieurus, jueunde posse vivi nisi cum virtuie vivatur » (Cie); «Ad me curritur» (Ter.); «Pacto statur et arbitrium Romulus urbis habet» (Ovid.). Pronominados emphaticos ou expletivos appellídam-se aquelles c m que o segundo p r o n o m e que os acompanha é mero expletivo, que torna a phrase mais doce, cheia e sonora: «Isto feito, se partiram de Cechim para Cananor» (Góes). «O Padre Francisco sai do recolhimento da oração ao convez... sobe-se ao chapitéu, pede u m a soldares a Pedro Vaz, próprio mestre do navio» (Luc). « Ao que se elle sorriu e disse . . . » (Fern. M. Pinto). «Para casa velozes se partiram-» (A. 1). da Cruz). «Os campos seeeam-se; asfloresmureham-se; passa-se o tempo; passam-se os annos». «A pobre mãi morria-se de aflficção » « Por spíem elle se morria de amores» (Cast. — Os Fastos). «F vestida de roupas cstrelladas Serena e clara a noite se lhe ria ». Verbos pronominados de espontaneidade de acção chamam-se as formas verbaes que indicam espontaneidade de acção da parte do sujeito: «Lá se ficaram, cá me estou » (Cruz). «Os olhos se estavam docemente á sombra daquellas sobrancelhas» (Bern. Ribeiro). a Os peixes lá se vivem nos seus mares» (Vieira). «File se estava muito descançado em seu palácio» (Idem). «Lá nas covas marítimas se entram os delphins» (Cam.). 400 LEXICOLOGIA «Cá me vivo no meu suburbano com tudo o que m e é caro» (A. Cast.). « E m tão bom remanso me estava, pois, u m a tarde destas cuidando entre mim naquelle ruim prognostico de Pelletan» (Idem). Verbos ha que se não conhecem senão sob a forma pronominada. Taes são os verbos arrepender-se, atrever-se ('), amercear-se, abster-se, queixar-se, refestelar-se, repotrear-s jactar-se, etc. Esses são essencialmente pronominados. Outros, porem, ha que só por accidente lhes dá a nossa lingua a forma pronominada, c o m o amar-se, enganar-se, Mudir-se, chamar-se, etc. A estes últimos lhes c h a m a m os grammaticos accidentalmente pronominados. A ideia fundamental, de que concretos, ajuntam-se c m são signaes os verbos alguns as ideias accessorias de augmento ou intensidade, reduplicação, diminuição, frequência, começo de acção, imitação do actos, qualidades, acções, systema ou doutrina, o que dá lugar a outras divisões menos importantes. Assim é que, conforme taes ideias, se distinguem ainda os verbos e m augmentativos ou intensivos, diminutivos, frequentativos, inchoativos e imitativos ou analógicos. Entre os aiujmentativos figuram os verbos esbombardear, esbravejar, esmurraçar, labutar, resfriar, retorcer, requeimar estorcer, recuidar, contorcer, recrescer, requentar, repassa reseccar, tresjurar, tresandar, trèssuar, retalhar, conturba retinir, reflorir, repisar. trescalar, refilhar, rebramar, recalcar, Entre os diminutivos coníam-se os verbos chuviscar, ehu- pistar, esparrinhar, fervilhar, escrevinhar, polvilhar, saltit saltarinhar, dormitar, dejiennicar, lambisear, namoricar ou namoriscar, belliscar, dedilhar, tremelicar, choramigar, gemelicar, mollinhar, pipilar, pipilar. São frequentativos: Járejar, relampejar, folhear, fumegar, gottejar,florejar,vicejar, manquejar, praquejar, sandejar, (\) A s formas intransjtivas, c o m que Ac primeiro figuravam os verboà mi eperuler-se e alicicr se, hoje e m dia são inusitadas. SERÕES 401 GRAMMATICAES doudejar, voltejar, manusear, toscanejar, pestanejar, rumorejar, mercadejar. Inchoativos são enriquecer, empobrecer, apodrecer, empallidecer, abolorecer, amadurecer, alvorecer, amanhecer, embarbecer, entenebrecer, amollecer, endurecer, emmurchecer, embrandecer, embranquecer, amarelleeer, empretecer, escurecer, anoitecer, envelhecer, envilecer, enverdecer, envermeIhecer, entardecer. (') Imita tivos são os verbos acaçapar-se, asnear. narcisar-se abelhudar, abespinhar-se, borboletear, p/atear, patinhar. apavonear-se, engatinhar, corvejar, pavonear, platonisar, estoicizar, enearanguejar, formigar, mosquejar, cabritar, encorajar, cabrejar, abelhar-se, grecizar, judear, romanizar, encanzinar-se, empertigar-se, foguetar on foguetear, papagaiar e muitos outros. III Flexões do verbo Como o substantivo, o pronome e o adjectivo, é o verbo u m a palavra de flexão. São varias essas modificações accidentaes, (pie nos apresenta este elemento do discurso para indicar os tempos, os modos, os números e as pessoas, o n e n h u m a palavra flexiva as tem n e m c m maior numero, n e m mais variadas. Afora, pois, as modificações que lhes acerescenta a apposiçâo das formas auxiliares, modificações de algum m o d o exteriores, a que bem poderíamos chamar modos auxiliares, são os verbos sujeitos ás flexões modaes, temporaes, pessoaes (1) A terminação eeei dos verbos inehoaticos portuguezes, assim chamados do latim a», aoi, uiinii. nre, tem por origem a terminação secre da terceira conjugação, a qual forneceu á lingua franceza o maior grupo dos verbos e m ir da segunda, que e m alguns tempos intercalavam a syllaba íss, originaria do grupo consonante se, igualmente collocado entre a raiz ou thema e a desinência: Grandescerc (lat.), engrandecer (port.), grandiísait, grandisse (Franc. i: auturesoere I lat. l, amadurecei (port.), múrissait, múrisse (franc.); rejuvenescere (lat.), rejuvenescer (port.), rajeunissait, rajeunisse (franc.) rlridescere (lat.), « I N port.), nerdUsait, cerdisse (franc). 51 402 LEXICOLOGIA e numeraes, as quaes se realizam nclles mesmos, em sua própria forma e não em elementos extrínsecos, que se lhes apponham. a ) Dos modos Modos são as differentes maneiras pelas quaes o verbo apresenta a ideia da existência. Ha dois modos geraes: o definito e o indefinito. O primeiro comprebende o indicativo ou afirmativo, o condicional ou supposilivo, o imperativo e o subjunctico. O segundo comprebende o infinitivo pessoal e o impessoa e o modo participial, constituído pelo participio presente passado. O modo indicativo ou affiruiativo exprime a acção presente, passada ou futura como u m facto positivo: Amo, amava, amei, amara, amarei. Affiruiativo lhe chamam por ser o modo em que domina a affirmação. A esse modo denomina Mason modo de facto, porque nelle c affirmada a acção como u m facto actual, independente da concepção de quem falia, por opposição ao subjunctivo a que chama modo de concepção, porque nelle a existência ou acção se affirma meramente como concepção do espirito e não como matéria de facto. O condicional, que é antes u m submodo ou modo secundário, indica a existência ou acção como submettida a u m a condirão: Sahiria hoje, se não esperasse u m amigo; iria hoje passear, se não chovesse; se elle fosse meu amigo, não faria isso. Esse submodo indica u m a modificação accessoria, que lhe não pertence sú e exclusivamente, mas podem possuil-a outros modos; demais disso a ideia de condição nem sempre o acompanha: Quando chegaria o paquete? Saberia António de tua viagem a Lisboa? Teria elle comprehendido todos os teus intentos? Quem tal diria! Vós sabieis que eu contaria tudo a vosso pai. O imperativo exprime a existência ou acção como dependente da vontade da pessoa (pie falia: Ama, amai; recebe, recebei; applaude, applaudi; vê, vede. 403 SERÕES GUAM.MATICAES « Vede que fresca fonte rega as flores, Que lagrimas são agua c o nome amores. » (Cam.) « eu velo a barca; tu ferra a vela c dorme com descanço; Adeus.» (A. Cast.). Ao imperativo denomina Mason modo de volição, porque por meio delle se exprime u m a ordem, u m pedido, u m a exhortação de molde á vontade do que falia. ») snbjunctivo indica que a acção on existência por elle enunciada está sob a dependência de outra a que se cila ajunta e liga: Desejo que venhas; receio que sejas mal suecedido; duvido que consigas isso. E 0 m o d o da duvida, da indecisão, da incerteza. O infinitivo indica a existência de u m modo simples, absoluto, indeterminado; o impessoal, sem variar de forma. applica-se a todos os tempos, a todos os números e a todas as pessoas; o pessoal, bem que varie de forma, para exprimir o accessorio de pessoa, é applicavel a todos os tempos: Julgo ser sabedor, julgo seres sabedor; creio ter acertado, creio termos acertado, creio teres acertado, creio lerdes acertado. «Fingiu serem vindos os embaixadores d'el-rei da Pérsia a cobra o tributo» (Bernardes). O modo participial é constituído pelo participio presente ou gerúndio e pelo participio passado. O participio presente indica u m a acção que apresenta u m a coincidência de tempo com u m a epoca presente, passada ou futura: Estou,lo doente, não posso, não podia, não pude, não pudera, não poderei trabalhar. O participio passado indica u m a existência passada; quer forme linguagens compostas com as formas auxiliares, quer entre na composição das proposições passivas: Tenho amado, 404 LEXICOLOGIA tenho trabalhado, tinha recebido, tinha estudado, terá estudado, terei concluído, teremos terminado, sou amado, fui recebido, fomos applaudidos, é estimado, fora considerado. A s formas verbaes ante, ente, inte dos participios presentes perderam e m nossa lingua seu caracter primitivo e hoje outra coisa não são que meros substantivos attributivos ou adjectivo verbaes: Amante, commandante, mandante, estudante, mordente, temente, pedinte,filante,ouvinte, obediente, crente, andante, fallante, assistente, passante, sciente, tirante, of rente, preopinante, conducente, occorrente, referente, carecente, docente, discente, olente, adherente, fremente, ridente fluente. E m alguns casos pode o participio presente, cuja forma se identifica com a do gerúndio, ser precedido da preposição em, o que communica á enunciação certo sainete e toque de graça e elegância: «As estrellas no meio das trevas luzem e resplandecem mais; mas em appareeendo o sol, que é luz maior, desapparecem as estrellas» (Vieira). «Nobreza desunida não pode ser, porque, em sendo desunida, Jogo deixa de ser nobreza, logo é vileza» (Idem). «Em nascendo, já fazem a um clérigo,a outro frade, a outro soldado» (L. de Souza). «Apenas do universo alguns nomes de amor Ouvireis resoar nas preces, que ao Senhor, Em reflorindo a aurora, em rejervendo o dia, Em desmaiando a tarde, o coro entretecia». (A. Cast.). A s formas e m ante, ente, inte, que, segundo acabamos de dizer, só se empregam hoje c m dia c o m o substantivos attributivos ou adjectivos verbaes, eram até o século 1G características do participio presente. Assim que se encontra c m C a m õ e s : « Suas perlas ricas e imitantes a cor da aurora » ; e no autor da Monarchia Lusitana: «Eu o Conde D. João Affonso, temente minha morte.. .» 405 SERÕES GRAMMATICAES S e m embargo da obliteração do caracter participial dessas formas, ainda nos v e m ás vezes aos ouvidos as seguintes locuções: elle ó muito temente a D e u s ; é u m a cor tirante a verde, tirante a amarello, onde claro se nospatentêa o caracter participial dos adjectivos temente, tirante. Essas formas antigas do participio presente eram mais chegadas aos sulíixos untem, entem, ientem dos participios latinos da 1.% 2.", 3." e 4.3 conjugações, modelando-se hoje as formos deste participio portuguez pelas formas peculiares ao gerúndio latino. Os participios passados, considerados c m si m e s m o s , são essencialmente passivos. Unidos ás varias formas dos auxiliares ter c haver, são, no uso actual da lingua, invariáveis e constituem formas verbaes compostas, acompanhadas ou não de complemento na contextura du discurso; associados, porem, aos verbos ser, estar, ficar, parecer e outros análogos, variam sempre, inculcando ordinariamente sentido passivo: Tenho lido, tenho estudado, tinha trabalhado, tinha dormido, liaria visto muitas cidades, tinha percorrido muitos paizes, havia morrido muita gente naquelle anno; elle é estimado, ella è instruída, elles são estimados, ellas são instruídas, elle è precipitado, elle parece Mustrado, elles parecem educados, estou encantado, está admirado, ficou conhecido, ficará irritado. Participios passados ha, todavia, de formas variáveis, que apresentam sentido activo. Taes são os que entram nas seguintes locuções: É homem muito lítio, um muito conversado, muito reconhecido; criança sabida; já m e aborrece subir esfas cançadas escadas; è homem muito viajado, muito trabalhado; estas cançadas ladeiras m a t a m - m e ; bem vestido, bem bebido e bem comido; já estou almoçado, já estou jantado, já estou ceado. «A caridade é paciente e sofrida nas tribulações ». - V sua paciência muito soffrida» (Vieira). «Subindo e descendo aquellas cançadas escadas» (Idem). 400 LEXICOLOGIA «Venham ceados» (R. Lobo). «Presto andariam almoçados» (Fr. João de Ceita). Ao revez disso, davam os antigos sentido passivo á forma em ante do verbo dar, dizendo: Dante em Almeirim, dante em Lisboa por dado em Almeirim, dado cm Lisboa, ou datado de Almeirim, de Lisboa. Por outra parte, os participios passados, acompanhados do verbo ter ou haver, os quaes são hoje em dia invariáveis, eram antigamente empregados, ás vezes, sob a forma variável, como se nota cm Camões, Barros, Fernão Mendes, Jacynlho Freire, Luiz de Souza c muitos outros clássicos: o E porque como vistes tem passados Na viagem tão ásperos perigos, Tantos climas e céus experimentados» (Cam.). «A qual será posta no catalogo das mercês que este reino dell tem recebidas» (Barros). «Para remissão de quantas culpas tenham commettidas» (F. Mendes). «Como foram os que até agora tendes Jeitos» (Jac. Freire). «Também nos tinham mortos grandes e bons soldados» (L. de Souza). As formas em tido dos participios passados da segunda co jugação portugueza, tão em voga até o século 15, em que se dizia entendudo, sabudo, recebudo, temudo, tangado, torn ram-se obsoletas, notando-se apenas no vocábulo contendo, considerado hoje substantivo, no adjectivo mantendo, de longe em longe usado, e na locução tenda e manteuda, formula bem conhecida etrilhada cm linguagem forense, applicavel á mulher que alguém sustenta e mantém á sua conta. b) Dos tempos Tempos são as formas ou flexões por meio das quaes o ver determina u m a epoca. Os tempos dos verbos são relativos a u m a epoca com que SERÕES GRAMMATICAES 107 se comparam e lhes serve de ponto de partida; é essa epoca, unidade comparativa dos vários tempos, o m o m e n t o preciso, o acto m e s m o da palavra. Toda a existência que coincide ou é simultânea com esse momento da palavra se chama presente; toda a existência que é anterior a esse momento recebe o n o m e de passado; toda a existência que lhe é posterior se diz futuro. (>s tempos, pois, são o presente, o passado e o futuro. Dividem-se os tempos e m principaes e secundários: os primeiros determinam u m a epoca, referindo-a só ao momento da palavra : Amo, amei, amarei. Os tempos secundários, porem, enunciam duas relações: u m a com o momento preciso da palavra, outra com unia epoca determinada no discurso. Assim ((uando dizemos: «.eu jantava, quando Francisco entrou», as formas verbaes jantava e entrou, cada u m a delias indica separadamente u m passado com respeito ao acto da palavra, m a s ambas consideradas e m suas mutuas relações indicam u m a coincidência c simultaneidade: a acçãi» de jantar considera-so presente com referencia á acção, ao acto da entrada de Francisco o vice-versa. N a phrase: Tibério foi imperador depois de Augusto, a fornia verbal foi indica u m passado respectivamente ao momento da palavra e u m futuro no tocante ao período do império ou governo de Augusto. Muitos grammaticos distinguem os tempos e m absolutos e relativos. Taes denominações, porem, julgamol-as impróprias, porque, sendo, como já vimos, todos os tempos relativos a u m a epoca fixa, a cujo respeito se dizem presentes, passados ou futuros, não os lia e m rigor senão relativos. Sendo o presente circumscripto ao instante indivisível, ponto intangível entre o passado e o futuro, só admiíte u m tempo: já não corre assim c o m o passado c o futuro. C o m elTeilo. sendo u m a acção no passado c no futuro mais ou menos próxima do momento preciso da palavra, força é tenha a 408 LEXICOLOGIA lingua diversas divisões nas formas verbaes que traduzam os momentos successivos da duração no passado c no porvir. Isto não obstante, o presente, sem deixar de sel-o, c o m bina-se na linguagem c o m o futuro o c o m o passado por maneira, que ora avança e usurpa alguns instantes daquelle, ora recua, parecendo c o m este fundir-se e confundir-sc. * # # O modo indicativo conta os seguintes tempos: o presente, o passado imperfeito ou simultâneo, o passado definito, o passado indefinito, o passado mais que perfeito, o futuro imperfeito, e o futuro perfeito, anterior ou passado. O condicional tem dois tempos: o presente c o passado. O imperativo tem apenas u m tempo, que é o futuro. O modo subjuiictivo encerra os tempos seguintes: o presente, o imperfeito, o passado indefinito, o mais que perfeito, o futuro imperfeito e o futuro perfeito, passado ou anterior. O infinitivo conta dois tempos: o presente e o passado. O modo participitil igualmente dois tempos: o presente c o passado. O presente do indicativo denota que u m a coisa se faz no m o m e n t o da palavra. Esse tempo não pode dividir-se, porque a actualidade não pode ser mais ou menos presente: Escrevo.falio, leio, converso, estudo. Indica aindaoprese/iíe u m a acção habitual, u m facto ligado a u m a lei ou regra geral de u m a verdade constante ou coisas que são verdadeiras e sempre o serão, sejam quaes forem as circumstancias fortuitas e eventuaes: Pedro fuma; Carlos bebe muito; Henrique trabalha sempre; Deus existe; a matéria não morre: transforma-se; a herança é u m a grande lei biológica. «Na vida são os Mecenas que douram com os brilhos mundanos, que lhes sobejam, os louros altivos dos Virgilios; na morte são os Virgilios, que illuminam e perpetuam com os reflexos da sua gloria os vultos secundários dos Mecenas» (Lat. Coelho). 409 SEROES GRAMMATICAES Algumas vezes exprime u m a acção que não só comprebende o m o m e n t o presente ou actual, senão que se extende ao passado: Ha muito tempo resido neste bairro. Designa outras vezes este m e s m o tempo u m passado que, pela rapidez e vivacidade do pensamento, se representa e concebe c o m o presente. E o que se chama presente histórico: d Venho, vejo-o o aperto-o nos m e u s braços». ((Chego, pego-lhe do braço, c o recolho, e o enxugo, e o aqueço, e o agasalho no meu collo». E finalmente o presente empregado pelo futuro, sendo o tempo real determinado e lixado por alguma circumstancia deduzida do próprio contexto: Amanhã no domingo vou jantar comtigo; vindouro realiza-SC a sessão magna da sociedade; depois d)amanhã chega o vapor do norte; sino no primeiro vapor. O passado imperfeito ou simultâneo indica u m a acção passada com respeito ao m o m e n t o da palavra, m a s presente relativamente a outra e m um tempo igualmente passado; as duas acções coincidem, são simultâneas: Pensava em ti. quando entraste. Indica também o passado imperfeito u m a acção habitual ou muitas vezes repetida n u m passado não determinado ou definido: Outrora eu lia muito; Tiradentes era amante de seu pai/.: Alexandre era ambicioso. «Na (iran Bretanha floresciam os maiores engenhos da tribuna » (Lat. Coelho). «Do teu príncipe alli te respondiam As lembranças, que na alma lhe moraram, Que sempre ante seus olhos te traziam, Quando dos teus formosos se apartavam » (Camões). Os escriptores clássicos soccorriam-sc às vezes desse tempo, e m vez do imperfeito do subjunctivo. praticando syntaxe análoga á franceza. Testemunhas são os exemplos seguintes: 5! 410 LEXICOLOGIA «Que os havia de afogara todos elles e aos montes, o ao mundo se se não emendavam» (Vieira). « Prometteu-lhe ser sua mordoma, se lhe dava saúde» (Souza). O passado definito, chamado geralmente pretérito perfeit passado perfeito, indica u m a acção feita em tempo passado, ou seja esse passado determinado, circumscripto e preciso, ou não: A semana passada estive com Pedro; hontem jantei em casa de u m amigo; hoje veio Carlos visitar-me; ainda ha pouco sahiu daqui; recebi noticias importantes da Capital Federal; o Guarany de Carlos Gomes foi muito applaudido no theatro de Milão. O passado indefinito indica uma acção feita em u m tempo ou momento indeterminado, não de todo decorrido: Tenho sentido muito tua ausência; este anno tem havido muitas laranjas; tenho recebido muitos telegrammas do Rio; tenho estado muito receioso do desenlace desta minha moléstia; tenho empregado todos os recursos para o desviar cio mal. O mais que perfeito exprime u m a acção não só passada em si, senão também passada com respeito a outra igualmente passada: Acabara ou tinha acabado ou havia acabado toda a leitura, quando entraste na sala. «Fora a cidade antigamente habitada de brâmanes» (Jac. Freire) «Quizera o governador dissuadil-o» (Idem). Emprega-se também esse tempo para exprimir uma existência ou acção condicional, em lugar do suppositivo ou condicional: «Se eu fora um dos beneméritos, em mim mesmo e no meu próprio merecimento, achara tão grandes razões de m e consolar, que sem outra mercê nem despacho, m e dera por mui contente e satisfeito» (Vieira). «E se Deus não cortara a carreira ao sol com a entreposição da noite, fervera-se e abrazara-se a terra, arderam as plantas, seccaram-se os rios, sumiram-se as fontes e Joram verdadeiros e não fabulosos os incêndios de Phaetonte» (Idem). SERÕES GRAMMATICAES 41 1 Neste caso, c o m o se vê, o imperfeito do subjunclivo reveste também as formas do mais que perfeito: assim o fora do primeiro exemplo e o cortara do segundo a s s u m e m formas emprestadas, e m vez de suas formas próprias fosse c cortasse. 0 futuro imperfeito denota que a existência ou acção será ou sc Cará c m uni tempo posterior ao acto da palavra: A m a n h ã irei ver-tc; a m a n h ã partirei para a capital. Esse tempo é algumas vezes empregado pelo imperativo para indicar unia prescripção, u m a regra ou norma de procedimento, u m a ordem ou mandamento: N ã o matarás; não pirai iís e m váo o santo n o m e do Senhor. O futuro passado ou anterior indica u m a acção que se fará, quando outra igualmente futura se tiver executado: Quando vieres, lerei partido para o c a m p o : quando chegarem os reforços, já terá entrado e m fogo o exercito. O condicional presente exprime u m a acção que sc realizaria e m u m tempo presente, mediante certa condição: Seria feliz, se seguisse os teus conselhos; gozaríamos de muita paz e franquillidade, st1 seguíssemos sempre os diclames de nossa consciência. E outrosini usado o condicional presente, quando se pretende indicar u m a existência passada, incerta, duvidosa. simultânea c o m outra existência lambem passada. Equivale ao passado imperfeito, a que acompanha u m a ideia de duvida e incerteza: Seriam quatro horas da tarde, quando cahiu sobre a cidade u m a furiosa tormenta, que desfechou c m trovões; seriam onze horas, quando começou a festa. O condicional passado indica uma. acção que se teria feito no passado, se se tivesse cumprido e realizado a condição cie que dependia: Teria dado u m passeio ao Botafogo, se m'o tivesse o tempo permittido; teria sabido da capital, se Emilio m e não tivesse avisado de sua chegada de Lisboa. O imperativo tem, c o m o já notamos, apenas u m tempo, que é 0 futuro; porque, exprimindo u m a ordem, u m a supplica ou exhortação, deve a execução desta ordem ou exhortação seguir 412 LEXICOLOGIA mais ou menos immediatamente á expressão que a externa c representa: Amai ao próximo, como a vós mesmos. «A estas criancinhas tem respeito» (Camões). « Cala-te e dorme, — Lhe disse— é tarde, tudo jaz em calma, Todo o céu vai já limpo ; eu velo a barca ; Tnjerra a vela e dorme com descanço; Adeus » (A. Cast.). Em certas maneiras de dizer toma este modo as formas do subjunclivo. Isto é bem de ver nas seguintes phrases negativas: «Não cedas ás suas rogativas»; anão mefttjas»; «não creias nisso»; onde, se fora affirmativa a enunciação, disséramos: «cede ás suas rogativas»; «foge-me»; «ere nisso». O presente do subjunctivo designa u m a acção que coincide com u m presente : E mister que eu saia agora ; vosso irmão é modesto, bem que seja muito instruído. Essa mesma forma verbal indica muitas vezes u m a existência, ou acção futura: E mister que partas amanhã; desejo que sejas feliz nessa tua empresa; duvido que elle venha no fim do anno; receio que chova; é provável que sejas bem suecedido. O imperfeito do subjunctivo enuncia u m a acção passada em relação ao acto da palavra, mas considerada presente relativamente a outra acção, igualmente passada: «Eu duvidava que e\\efizesseessa viagem ». A acção exprimida pela forma verbal fizesse é passada com relação ao acto da palavra, mas parece coincidir com o momento ou instante da duvida: elle não gostou que em sua presença escrevesse eu essa carta. Serve, outrosim, a m e s m a forma verbal para designar: 1.° u m passado considerado futuro relativamente a outro passado: Carlos receiava que eu escrevesse a seu pai; 2." u m presente condicional: Para saber elle tudo seria mister que eu escrevesse já; 3." u m futuro condicional: Seria mister que eu escrevesse amanhã. 413 SEROES GRAMMATICAES 0 passado do subjunctivo corresponde ao passado indefinito do indicativo; por isso o denominamos c o m o u m distincto grammatico passado indefinito. Indica esse tempo do subjunctivo u m passado sem outra alguma ideia accessoria, alem da dependência e subordinação, que é característica de toda- as formas do modo subjunctivo: Não julga que eu tenha CSCriptO a seu pai. Pode esse tempo indicar c m alguns casos u m futuro anterior: Não fecharemos esta carta, sem que a tenhacs lido. O mais que perfeito do subjunctivo indica unia acção passada anterior a outra também passada: Não julgava que tivesses referido tudo a seu pai; elle duvidava que eu tivesse escripto aquellas cartas. Pode a m e s m a forma temporal significar u m a acção passada anterior a u m futuro condicional: Elle não fecharia áquella caria, sem que m'a tivesse mostrado. 0 futuro imperfeito do subjunctivo exprime já u m anterior, já u m futuro simultâneo com futuro outro: Se fores applicado, aprenderás; quando lá chegares, encontrar-me-ás; emquanto estiveres aqui, ouvirás meus conselhos. Encontramol-o ás vezes empregado c m lugar úosubjunctivo presente, c o m o nestes pontos: «Onde quer que se puzer o pensamento» (Lucena). «Apenas raiara aurora, eu serei comtigo» (Herc). O futuro passado indica unia acção futura, mas sempre acabada e anterior a outra igualmente futura: Se até amanhã não tiver recebido noticias de meu pai, telegrapharei para o Rio. O infinitivo, que por si m e s m o indica u m presente, u m nenhum passado ou u m tempo exprime, futuro, conforme o verbo que o rege ou determina está no presente, no passado ou no futuro: Vejo-o passar; via-o passar; vel-o-emos passar. 0 passado do infinitivo denota sempre u m passado relativamente ao tempo do verbo que o rege: Julgo ter acertado; julgava ter acertado; julgamos ter acertado; julgará ter acertado; julgaria ter acertado. 414 LEXICOLOGIA O modo participial, constituído cm nossa lingua pelas formas verbaes ando, endo, indo, ondo, ado, ido, originarias dos gerúndios latinos e m ando, endo e cios suffixos atum, itum, comprehende, como atrazficoudito, o participio presente ou imperfeito, chamado também gerúndio, e o participio passad O primeiro, considerado só por só, não exprime determinadamente tempo algum, mas, posto em relação no contexto da phrase com outro verbo, designa u m a coincidência já com u m presente, já com u m passado, já com u m futuro: Achando-se muito atarefado, não pode, não podia, não ponde, não pudera, não poderá, não poderia prestar-lhe altenção. O participio passado indica sempre u m passado: Tenho estudado, terei concluído, terá terminado. Alguns grammaticos, seguindo neste particular as ideias de Duelos, distinguem os actuaes participios imperfeitos portuguezes cm ando, endo, indo, ondo do gerúndio, cuja forma é idêntica. Este, segundo esses grammaticos, enuncia sempre uma acção passageira, a maneira, o modo, o meio, o tempo de uma acção, que se subordina a outra; o participio indica a causa da acção ou o estado da coisa de que se falia. E m despeito de sc acharem esses differentes sentidos nas formas ando, endo, indo, ondo. parece-nos, todavia, mais simples se clè a estas formas a denominação geral de participios do presente ou imperfeitos, comprehendido, sob essa denominação geral, não só o participio presente, cujas formas originarias desappareceram cm nossa lingua no sentido que lhe davam no latim, senão também a modificação verbal appellidada gerúndio. Muitos casos ha, por outro lado, cm que, segundo a doutrina do mesmo Duelos, o gerúndio e o participio imperfeito podem tomar-se indifferentemente u m pelo outro. Donde parece tal distineção é mais subtil e capciosa, que positiva e fundamental. Muitos verbos ha que têm dois participios passados: u m inteiro c regular, outro contracto e irregular. 415 SERÕES GRAMMATICAES Assim se diz indifferentemcnte: tinhajoa^arfo ou tinha pago; tinha entre/pulo ou entregue; tinha gastado ou gasto; tinha e.rpellido ou expulso; tinha salvado ou salvo; tinha imprimido ou impresso; tinha rompido ou roío; m a s já não se costuma dizer hoje: tinha escrevido, tinha preserevido, tinha proscrevido, tinha Iranscrcvido, tinha abrido, tinha encobrido c o m o nol'o testificava a lição dos escriptores mais antigos; aqui prefere o uso as formas irregulares escripto, prescripto, proscripto, transcripto, aberto, encoberto. E m muitos outros verbos portuguezes se observa ainda essa dualidade de formas de participios passados, n e m sempre usados com a m e s m a frequência. Alem dos já apontados servem de exemplos os seguintes: acceitar, acceitado, acceito c aa eite: accender, accendido e acceso; affligir, qffligido e aj/licto; absorver, absorvido e absorto; aftender, attendido e attento; adherir, adherido o ad/ieso; annexar, a anexado c annexo; abstrahir, abstrahido e abstracto; captivar, captivado e captivo; descalçar, descalçado c descalço; difíundir, diffundido e difuso; digerir, digerido e digesto: eximir, eximido e e templo: esconder, escondido e esconso; enxugar, enxugado e enxuto; exceptuar, exce- ptuado e excepto; expulsar, expulsado o expulso; exhaurir, exhaurido e exhausto; infestar, infestado e infesto; extinguir, extinguido c extincto; expressar, expressado e expresso; fartar, l'urindo e farto; convencer, convencido e convicto: misturar, misturado e misto; defender, defendido e defeso; frigir,frigido efricto; erigir, erigido c erecto; envolver, envolvido c envolto; corromper, corrompido o corrupto; excluir, excluído e excluso; incluir, incluído e incluso; concluir, concluído e concluso; converter, convertido e converso; suspeitar, suspeitado e suspeito; matar, matado c morto: salvar, salvado e salvo: libertar, libertado e liberto; opprimir, opprimido e oppresso; sepultar, sepultado e sepulto; suppruiiir, supprimido e suppresso; nascer, nascido, nato ou nado: tingir, tingido e tincto; assumir, assumido e assumpto; limpar, limpado e limpo: surgir, surgido e surto; submergir, submergido e submerso; repellir. repellido e r,-pulso ; resolver, resolvido o resoluto; etc. 410 LEXICOLOGIA É de notar que os participios passados de forma regular são os verdadeiros participios, já invariáveis no uso actual da lingua e conjugados com as formas cio auxiliar ter ou haver, já variáveis e conjugados com o verbo abstracto ser; os de forma irregular, contractos ou anómalos, perderam, pe maior parte, seu caracter de participios, tornando-se verda- deiros adjectivos. Sobre o emprego dessas duas formas de participios passados não podem cstabclcccr-sc regras universaes c invariáveis. O uso, a lição assídua dos bons escriptores, que são textos desenganados e modelos seguros do bom fallar, indicarão quando sc deve em nossa lingua ciar preferencia a u m a ou outra forma. A antiga fornia participial em tido, tida dos verbos da segunda conjugaçãoficou,já o dissemos, immobilizada no adjectivo ou substantivo. As formas latinas cm andas, anda, andam; endtts, enda, enclum, dos participios passivos do futuro, desappareceram no portuguez, não o fazendo, porém, sem deixar indícios manifestos de sua existência, não só em adjectivos usados principalmente cm linguagem poética, ein que transparece o sentido que originariamente sc lhes altribuia, senão também em substantivos, usados analogicamente com suffixos correspondentes aos suffixos participiaes da lingua matriz. Attestam-nos isso os vocábulos seguintes." adorando, admirando, miserando, nefando, execrando, abominando, tocando, desp ciendo, invejando, expiando, usados em linguagem poética; e em linguagem c o m m u m : educando, multiplicando, examinando, doutorando, ordinando, bacharelando, prebenda, colendo, reverendo, dividendo, vianda, vivenda, operan oferenda, lenda, legenda, moenda, locanda. «Sem cuidai' donde os mármores me venham Para invejandos pórticos» (F. Elys.) SERÕES GRAMMATICAES 117 «Ê despiciendo o Garção, o Diniz». (Idem). «Teu execrando amor os céus puniram ». (Garrett). «E da sua conservação não despicienda» (Cast.). Dos participios activos do futuro em uras. ura, urum restani-nos vestígios inequívocos nas palavras vindoiro, nascituro (termo jurjd.), perecedoiro, i/nmorredoiro e com o m e s m o sulfixo os substantivos portuguezes logradoiro, sumidoirp, escoadoiro, babadoiro, sangradoiro, bebedoiro, coradoiro, comedoiro, desaguadoiro, varredoiro, espojadoiro. matadoiro, nascedoiro e alguns mais, cujo suffixo se representa também. por ouro: vindouro, perecedouro, bebedouro, sangradouro, etc. c) Do numero e pessoas Numero é a modificação na forma do verbo, em virtude da qual esse elemento do discurso indica sc falíamos de u m a só pessoa ou coisa ou de mais de u m a . Ha, pois, dois números no verbo, c o m o no substantivo: o singular e o plural: amo, amas, ama; amamos, amais. amam. Pessoas são as varias modificações ou flexões que apresenta o verbo para indicar que o que falia ou falia de si m e s m o , ou da pessoa ou pessoas a q u e m se dirige, ou de alguma outra pessoa ou coisa: Eu leio, tu cantas, elle dorme; nós lemos, vós cantais, elles dormem. Só ha (res pessoas para cada numero, designadas pela denominação de primeira, segunda c terceira. A primeira pessoa é exprimida pelo pronome eu para o singular, e nós para o plural; a segunda è exprimida por tu para o singular, c vós para o plural", a terceira, por elle, ella para o singular, c elles, cilas para o plural. A primeira pessoa representa o sujeito que falia : a segunda, o sujeito a (piem é dirigido o discurso; a terceira, o sujeito ile (piem se falia. 53 418 LEXICOLOGIA IV Da conjugação O vocábulo conjugação é tomado cm duas accepções differentes: ou exprime a reunião systematica cie todas as formas temporaes. modacs, numéricas c pessoaes por que suecessivamente passa o verbo, ou a classe a que esse pertence, conforme a semelhança c analogia de suas varias flexões e desinências. No primeiro caso emprega Tracy o termo declinação, como mais adaptado a denotar essas variações por que passa o verbo em sua terminação, para designar os tempos, os modos, os números c as pessoas. Mas a palavra declinação, embora mais precisa nesse sentido, não está em voga entre os grammaticos. Quer num, quer noutro sentido, portanto, é hoje em dia empregado só o vocábulo conjugação, quando se falia do verbo. Ha no portuguez três conjugações, que se distinguem pela desinência do infinitivo. A primeira conjugação comprebende todos os verbos cuja desinência infinitiva acaba em ar: Amar, cantar, dançar, saltar, jogar, brincar, ele. A segunda abrange os verbos terminados no infinito cm er: Defender, receber, fender, render, vender, caber, saber, poder, etc. A terceira encerra os terminados em ir: Admittir, applaudir, partir, mentir, cuspir, carpir, subir, tossir, etc. Alem dessas três conjugações ha o grupo dos verbos acabados cm or, que só encerra verbos que têm a mesma raiz, constituído pelo verbo pôr e todos os seus compostos, como depor, dispor, appor, compor, recompor, decompor, descompor, repor, pospor, suppor, presuppor, oppor, imp entrepor, interpor, contrapor, sobrepor, superpor, jttx sotopor, transpor, expor, prepor, propor, predispor, ant indispor. O verbo pôr, que constituo para a maioria dos grammaticos o modelo dos verbos da quarta conjugação, é u m verbo que SERÕES GRAMMATICAES 419 se contrahiu do antigo verbo portuguez poer, da segunda conjugação, de que ainda nos restam reminiscências nos vocábulos poente, depoente, expoente, poedouros, poedeira, delle derivados. Alem dos vinte e sele verbos apontados, que têm por modelo o verbo pôr e que cm rigor não constituem mais que u m só verbo, differenciando-se apenas pelos affixos, nenhum verbo conhece a nossa lingua em or. E, pois, essa conjugação, se podemos assim appellidal-a, u m a conjugação infecunda e morta; o que não corre com respeito á conjugação em ar, a mais fecunda de todas as conjugações, correspondente aos verbos em are da lingua latina c aos terminados em cr da lingua franceza, os quaes, assim nesta, como em nossa lingua. formam a verdadeira conjugação viva, fonte perenne de novas creações, não existindo em os nossos verbos terminados cm cr, ir a mesma força immanente de vida. Afora todas essas modificações ou llexões concernentes aos modos, tempos, números e ás pessoas, distingue-se nos verbos a modificação particular indicada em nossa lingua o nas novo-latinas não por mudanças deflexões,senão por outros meios subsidiários: é o que se appellida vos do verbo. Voz são as modificações verbaes que exprimem ser o sujeito da proposição o que exercita a acção, ou representa, ao contrario, não já o agente, senão o objecto dessa mesma acção indicada pelo verbo. No primeiro caso a voz se diz activa; no segundo, passiva. Assim amo, amava, amou, amará, amará, amaria, formas verbaes, que entram nas proposições Emílio ama, António unitiva, Pedro amou, elle amara, Carlos amará. Pedro amaria, são fornias da vos activa do verbo amar; são. porem, formas da vos passiva do mesmo verbo as que entram nas proposições Emílio ê amado. Maria era amada, Pedro foi amado, elle fora amado. Petlro será amado, Carlos seria amado. Alem de traduzirmos a voz passiva por meio do verbo ser, unido a u m participio [>assado. é muito c o m m u m cm nossa lingua exprimirmol-a servindo-nos do pronome se da terceira 420 LEXICOLOGIA pessoa, acostado ao verbo, que, neste caso, deve considerar-se formando c o m o pronome u m a só expressão verbal de sentido passivo: Avista-se o morro lcvantou-sc um de muitas léguas de distancia; magnifico monumento na praça Duque de Caxias; vcndein-sc bons livros na livraria Berthier. «Ha u m coração, terra de paraíso, em que só se devem semear os bons affectos» (A. Cast.). « H o m e m emfim de quem nunca se disseram tantos louvores, que não ficasse merecendo mais» (Luiz de Souza). «Que as verdades poucas vezes se dizem e menos vezes se ouvem» (Idem). «Por elle o mar remoto navegamos, Que só dos Jeiosphocas se navega» (Cam.). Este modo de apassivar o sentido da proposição não é privativo da nossa língua: no francez, e m muitos casos, exprime-se semelhantemente a voz passiva, c o m o nos assegura a lição dos bons modelos dessa lingua: « Tout ce qui se mange avee plaisir se digere avecJaeMté» (Bem. de Saint Pierre). «Et de ee mélange divers Se composent nos destinées» (Malherbe). O verbo, considerado c m seus elementos morphicos, consta de raiz ou radical e terminação. A raiz contem a ideia fundamental do verbo; a terminação exprime as ideias accessorias de modos, tempos, números e pessoas. C o m o na ordem lógica é o verbo ser o primeiro dos verbos, conjugal-o-emos c m primeiro lugar, já e m seus tempos simples somente,.já e m seus tempos simples e compostos ao m e s m o passo, apresentando depois a conjugação dos auxiliares estar, ter, haver, dos verbos e m ar, er, ir, or, o paradigma da conjugação passiva, constituída pelo verbo ser e o participio passado do verbo que se apassiva, c a conjugação dos pronominados empregados affirmativa ou negativamente. SERÕES GRAMMATICAES I Da conjugação do verbo SEU em seus tempos simples (MODO DEFINITO) MODO INDICATIVO OU AFFIRMATIVO Presente N. S. Eu sou X. P. Nós somos Tu és filie é Vós sois Elles são Passado imperfeito ou simultâneo N. S. Eu era N. P. Nós éramos Tu eras Elle era Vós éreis Elles eram Passado definito N. S. Eu fui N. P. Nós fomos Tu foste Elle foi VÓS fustes Elles foram Passado mais que perfeito N. S. Eu fora N. P. Nós fôramos Tu foras Vós fureis Elle fora Elles foram Futuro imperjeito N. S. Eu serei N. P. Nós seremos Tu serás Vós sereis Elle será Elles serão Condicional (modo secundário) N. S. Eu seria N. P. Nós seriamos Tu serias Vós serieis Elle seria Elles seriam 121 422 LEXICOLOGIA MODO IMPERATIVO Futuro N. S. Sé tn N. P. Sede vós MO no SUBJUNCTIVO Presente N. S. Eu seja N. P. Nós sejamos Tu sejas Vós sejais Elle seja Elles sejam Tmperfeito N. S. Eu fosse Tu fosses Elle fosse N. P. Nós fossemos Vós fosseis Elles fossem Futuro N. S. Eu fór Tu fores Elle fòr N. P. Nós formos Vós fordes Elles forem (MODO INDEFINITO) MODO INFINITIVO Infinitivo imjressoal Ser Infinitivo pessoal N. S. Ser eu Seres tu Ser elle N. P. Sermos nós Serdes vós Serem elles MODO PARTICIPIAL Participio presente Sendo Participio passado Sido SERÕES GRAMMATICAES 423 II Da conjugação do verbo 8EB em seus tempos simples e compostos MODO INDICATIVO OU AFFIIiMATIVO Presente N. S. Eu sou T u és Elle e N. P. Nós somos Vós sois filies São 1'assado imperfeito ou simultâneo N. S. Eu era N. P. Nós éramos T u eras Elle era Vós oreis Elles eram Passado definito N. S. Eu fui Tu foste Elle foi N. P. Nus fomos Vós fostes Elles furam Passado indefinito N. S. Eu tenho sido Tu tens sido Elle tem sido N. P. Nós temos sido Vós tendes sido Elles têm sido Passado mais que jrerjeito N. S. Eu fora Tu foras Elle fora N. P. Nós furamos Vós fôreis Elles foram Outro N. S. E u tinha sido Tu tinhas sido Elle tinha sido N. P. Nós tínhamos sitio Vós tínheis sido Elles tinham sido Futuro imperjeito N. S. Eu serei Tu serás Efle será N. P. Nós seremos Vós sereis Elles serão LEXICOLOGIA 424 Outro N. S. Eu hei de ser N. P. Nós havemos de ser Tu has de ser Vós haveis de ser Elle ha de ser Elles hão de ser Futuro passado ou anterior N. S. Eu terei sido N. P. Nós teremos sido Tu terás sido Vós tereis sido Elle terá sido Elles terão sido Condicional presente , N. S. Eu seria N. P. Nós seriamos Tu serias Vós serieis Elle seria Elles seriam Condicional j)assado N. S. Eu teria sido N. P. Nós teriamos sido Tu terias sido Vós terieis sido Elle teria sido Elles teriam sido MODO IMPERATIVO Futuro N. S. Sê tu N. P. Sede vós MODO SUBJUNCTIVO Presente N. S. Eu seja N. P. Nós sejamos Tu sejas Vós sejais Elle seja Elles sejam Imperjeito N. S. Eu fosso N. P. Nós fossemos Tu fosses Vós fosseis Elle fosse Elles fossem SERÕES G R A M M A T I C A E S 425 Passado indefinito N. S. Eu tenha sido N. P. Nós tenhamos sido Tu tenhas sido Vós tenhais sido Elle, tenha sido Elles tenham sido Passado mais que perjetto N. S. Eu tivesse sido T u tivesses sido Elle" tivesse sido N. P. NÓS tivéssemos sido Vós tivésseis sido Elles tivessem sido Futuro imperjeito N. S. E u fòr Tu fores Elle N. P. Nus formos Vós fordes Elles furem fór Futuro passado ou anterior N. S. Eu tiver sido Tu tiveres sido Elle tiver sidu N. P. Nós tiver S sido Vós tiverdes sido Elles tiverem Sido (MODO INDEFINITO) MODO INFINITIVO Infinitivo impessoal Ser Passado Ter sido Infinitivo j>essoal N. S. Ser eu N. P. Sermos nós Seres tu ' Ser elle Serdes vós Serem elles Passado do infinitivo pessoal N. S. Ter cu sido N. P. Termos nós sido Teres tu sido Terdes vós sido Ter elle sido Terem elles sido 420 LEXICOLOGIA MUDO PARTICIPIAL Participio presente Sendo Participio passado Sido, tendo sido III Da conjugação dos auxiliares TER, ESTAR e HAVER (MODO DEFINITO) INDICATIVO OU AFFIRMATIVO Presente N. S. Eu tenho Eu estou Eu hei Tu tens Tu estás Elle tem Elle está N. P. Nós temos Nós estamos Vós tendes Vós estais Elles têm Elles estão Tu hás Elle há Nós havemos Vós haveis Elles hão Passado imperfeito ou simultâneo N. S. Eu tinha Eu estava Eu havia Tu tinhas Tu estavas Elle tinha Elle estava N. P. Nós tínhamos Nós estávamos Vós tínheis Vós estáveis Elles tinham Elles estavam Tu havias Elle havia Nós havíamos Vós havíeis Elles haviam Passado definito N. S. Eu tive Eu estive Eu houve Tu tiveste Tu estiveste Elle teve Elle esteve N. P. Nós tivemos Nós estivemos Vós tivestes Vós estivestes Elles tiveram Elles estiveram Tu houveste Elle houve Nós houvemos Vós houvestes Elles houveram SERÕES GRAMMATICAES 421 Passado mais que perjeito N. S. Eu tivera Eu estivera Eu houvera Tu tiveras T u estiveras Elle tivera Elle estivera N. P. Nós tivéramos Nós estivéramos Vós tivéreis Vós estivéreis Elles tiveram Elles estiveram Tu houveras Elle houvera Nós houvéramos Vós houvéreis Elles houveram Futuro impei jeito N. S. Eu terei Eu estarei Eu haverei T u terás T u estarás Elle terá Elle estará N. P. Nus teremos Nus estaremos Vós tereis Vós estareis Elles terão Elles estarão T u haverás Elle haverá Nus haveremos Vós havereis Elles haverão Condicional presente N. S. Eu teria Eu estaria Eu haveria Tu teria Tu estarias Elle teria Elle estaria N. P. Nós teríamos Nós estariamos Vós terieis Vós estaríeis Elles teriam Elles estariam Tu haverias Elle haveria Nus liaveriamos Vós haveríeis Elles haveriam MODO IMPERATIVO Futuro N. S. T e m tu N. P. Tende vós Está tu Estai vós H a tú Havei vós E u esteja T u estejas Elle esteja Nós estejamos Vós estejais Elles estejam Eu haja Tu hajas Elle haja Nós hajamos Vós hajais Elles hajam MODO SUBJUNCTIVO Presente N. S. Eu tenha Tu tenhas Elle tenha N. P. Nós tenhamos Vós tenhais Elles tenham 428 LEXICOLOGIA Imperfeito N. S. Eu tivesse Tu tivesses Elle tivesse N. P. Nós tivéssemos Vós tivésseis Elles tivessem Eu estivesse Tu estivesses Elle estivesse Nós estivéssemos Vós estivésseis Elles estivessem Eu houvesse Tu houvesses Elle houvesse Nós houvéssemos Vós houvésseis Elles houvessem Futuro N. S. Eu tiver Tu tiveres Elle tiver N. P. Nós tivermos Vós tiverdes Elles tiverem Eu estiver Tu estiveres Elle estiver Nós estivermos Vós estiverdes Elles estiverem Eu houver Tu houveres Elle houver Nós houvermos Vós houverdes Elles houverem ( M O D O INDEFINITO) MODO INFINITIVO Infinitivo impessoal Ter Estar Haver Infinitivo pessoal N. S. Ter eu Teres tu Ter elle N. P. Termos nós Terdes vós Terem elles Estar cu Estares tú Estar elle Estarmos nós Estardes vós Estarem elle Haver eu Haveres tú Haver elle Havermos nós Haverdes vós Haverem elles MODO PARTIC1PIAL Participio presente Tendo Estando Havendo Participio passado Tido Estado Havido